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Full text of "Portugal antigo e moderno : diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias ..."

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PORTUGAL 


ArNTIGO  E  MODERNO 


DECIMO  SEGUNDO  VOLUME 


PORTUGAL 

ANTIGO^EJODERNO 
DICCIONARIO 

Historloo,  Blog-raphloo  e  Etyrnoloffloo 

OE  TOOIS  as  CIOIOES,  tLIS  E  FfiEGUEZIAS  DE  PflfiTUGiL 

E  DE  GRANDE  NUMERO  DE  ALDEIAS 

por  bftamil^í^^troYfic^Es^^im^^  homens  celebres, 

ou  oor  mnP°^  ««'«^  Bofa^^s^r  fa"rSlial"^ob^^^       tiveram ' logar. 
ou  por  monumentos  de  qualquer  na\ureza?allf  existentes 

NOTICIA  DE  muiTAS  CIDADES  E  OUTRAS  POVOAÇÕES  DA  LUSITAHIA 

DK  QUE  APENAS  RESTAM  VESTÍGIOS  OU  SOMENTE  A  TBADI(l0 

POR 

Augnsto  Soares  de  Azeredo  Barbosa  de  Pinho  Leal 

E  CONTINUADO  POR 

Pedro  Augnsto  Ferreira 

8«^.  ro™.do  e.  neolo,a  pela  "^ede^S^V^—^  Conc.ç.o 


LISBOA 

LiTRARiA  Editora  dk  Tavares  Cardoso  &  Irmão 
6 — Largo  do  Camões— 6 
1890 


10  o 


THEGET?yCENTER 
LiBRARY 


V 


VIM 

VIMARANES  e  VIMARÃES— Assim  se 
denomiDaram  outr'orã  a  cidade  de  Guima- 
rães e  a  quinta  oode  a  infanta  D.  Sancha 
fundou  em  1210  o  exlincto  convento  de  Cel- 
tas, junto  de  Coimbra, 

V.  Guimarães,  tomo  3.»,  pag.  3S0,  eol.  2.'» 
e  Cellas  n'este  diecionario  e  no  supple- 
mento. 

Vimarano  foi  nomo  próprio  d^liomem  e 
talvez  possa  dizer-se  que  Vimaranes,  Vima- 
rães  e  Guimarães  são  patronimicos  de  Vi' 
marano. 

Um  dos  filhos  d'el-rei  D.  AfTonso  I,  o  ca- 
tholico,  de  Leão  (739-753),  chamava-se  Fí- 
marano  e  leve  uma  filha  D.  Eneca,  a  qual 
casou  com  D.  Sancho  de  Estrada,  duque  de 
Santilhana. 

VOLUME  XII 


VIM 

VIMEIRO  (não  Vimieiro)  —  freguezia  do 
concelho  e  comarca  de  Alcobaça,  districto 
de  Leiria,  diocese  de  Lisboa,  província  da 
Estremadura. 

Orago  S.  Sebastião;  —  fogos  233,  —  habi- 
tantes 1:010. 

Ignoramos  o  titulo  que  hoje  tem  o  seu 
parocho,  mas  até  1834  foi  vigairar4a  da 
apresentação  do  D.  Abbade  geral  d'Alcoba- 
ça,  por  ser  uma  das  muitas  freguezias  eom- 
prehendidas  nos  coutos  d'aquelle  famosa 
convento. 

A  Chorographia  Portu^ueza  nem  sequer  a 
mencionou; — o  Port.  S.  e  Profano,  bem  co- 
mo o  Flaviense,  o  Diecionario  Abreviado  de 
José  Avelino  d'Almeida  e  o  sr.  João  Maria 
Baptista  na  sua  Chorographia  Moderna,  con- 


1432  A  VIM 


VIM 


fundiram  esta  parochia  de  S.  Sebastião  do 
Vimeiro,  concelho  d' Alcobaça,  com  a  de  S. 
Miguel  do  Vimeiro,  concelho  da  Lourinhã, 
pois  o  Port.  S.  e  Profano  apenas  mencionou 
ã  de  S.  Miguel  do  Vimeiro,  dizendo  que  era 
da  apresentação  do  D.  Abbatíe  geral  de  Al- 
cobaça, em  vez  de  dizer  que  os  D.  abbades 
d'Alcobaça  apresentavam  a  de  S.  Sebastião 
de  Vimeiro,  que  não  mencionou.  Por  seu 
turno  os  outros  auctores  citados  dizem  que 
a  batalha  de  que  logo  fallaremos,  ferida  em 
i808  entre  o  exercito  anglo- luso,  comman- 
dado  por  Lord  Welington,  e  o  exercito  fran- 
cez  de  Junot,  teve  logar  n'esta  freguezia  de 
S.  Sebastião  do  Vimeiro,  concelho  d'AIco- 
baça,  quando  é  certo  que  a  dicla  batalha  se 
í  eriu  no  Vimeiro  da  Lourinhã. 

V.  o  Vimeiro  seguinte. 

Custa  realmente  a  crer  que  o  sr.  João  Ma- 
ria Baptista  (desculpe-nos  s.  ex.»  por  quem 
é)  sendo  um  militar  d'alta  patente,— coronel 
d'arlilheria,— quasi  contemporâneo  da  dieta 
fealalha  e  tão  consciencioso  e  meticuloso  na 
sua  Chorographia,  aliás  tão  lacónica,  apesar 
dos  seus  7  grossos  volumes,  acceitasse  sem 
escrúpulo  tão  flagrante  erro  histórico, — er- 
ro que  s.  ex.*  no  7."  volume  confessou  e  re- 
parou. 

Passemos  adiante. 


O  Flaviense  em  1852  (não  podemos  ir  mais 
longe)  deu  a  esta  parochia  143  fogos;  —  o 
censo  de  1864  deu-lhe  203  fogos  e  917  ha- 
bitantes,—e  o  de  1878  deu  lhe  210  fogos  e 
997  habitantes. 

Comprehende  as  aldeias  seeuintes:— Fi- 
meiro,  séde  da  parochia,— Gaiteiros,  Pedras- 
Gaio,  Ribeira  do  Mareie,  Sortão,  Canos,  Ar- 
rotêa  Nova  e  as  quintas  e  casaes  do  Vimei- 
ro, da  Matta,  d^Alem,  do  Marquez,  do  Ou- 
teiro, do  Vigia,  dos  Serafins,  da  Raposeira» 
de  Baixo  e  Ruiva. 

Demora  a  povoação  do  Vimeiro  na  que- 
brada de  um  monte  e  na  orla  de  uma  veiga 
esplendida  ou  grande  bacia  circumdada  por 
altos  montes^  em  grande  parte  arborisados. 


avistando  se  d'elles  o  mar, — e  dista  5  kilo» 
metros  da  estrada  real  a  macadam  n.*  63  de 
Alcobaça  a  Leiria,  para  S.;— 11  do  oceano, 
para  E.  S.  E.;-- -os  mesmos  li  d'Alcobaça 
para  S.  S.  0.— e  82  de  Lisboa. 


Ignora-se  a  data  da  instituição  d'esta  pa- 
rochia. O  livro  mais  antigo  que  actualmente 
se  encontra  no  seu  arehivo  parochial  diz 
respeito  ao  anuo  de  1695,  mas  Fr,  Fortu- 
nato de  S.  Boaventura,  monge  cistereiense, 
falia  da  Granja  do  Vimeiro,  como  existente 
já  em  1296,  data  em  que,  segundo  se  sup- 
põe,  foi  feita  uma  delimitação  das  fregue- 
zia s  dos  Coutos,  em  virtude  da  qual  ficou  a 
Granja  do  Vimeiro  comprehendida  no  termo 
da  parochia  da  Alvorninha. 

Diz  a  tradição  que  a  primeira  matriz  d'es- 
ta  parochia  do  Vimeiro  foi  uma  capella  do 
Espirito  Santo,  fundada  por  alguns  devotos 
antes  da  erecção  da  freguezia— e  que  esta 
foi  criada  por  el-rei  D.  Sebastião. 

Eslava  a  dieta  capella  a  pequena  distan- 
cia do  adro  da  actual  egreja,  precisamente 
no  local  que  hoje  occupa  o  cemitério.  Por  se 
achar  em  minas  foi  demolida  em  1850  a 
1860  e  o  painel  do  seu  retábulo  foi  transfe- 
rido para  a  egreja  parochial,  onde  se  con- 
serva ainda  hoje  1886 


Temploí:— a  egreja  matriz  é  uma  bonita 
capella  particular  na  Quinla  do  Vimeiro  que 
foi  do  commendador  Pedro  José  d'01iveira, 


1  Em  1712  esta  fregnezia  de  S.  Sebastião 
do  Vimeiro  era  um  dos  coutos  do  convento 
d'Alcobaça,  termo  e  concelho  d'este  nome, 
comarca  (provedoria  e  corregedoria)  de  Lei- 
ria, no  patriarchado. 


VIM 


VIM  1433 


digmo  chefe  da  1.»  repartição  do  governo  ci- 
vil tdíe  Lisboa,  cavalheiro  estimabilissimo,  de 
queíoa  havemos  de  fallar  muitas  vezes,  por 
ter  ssiido  o  primeiro  proprietário  e  o  cidadão 
maiss  benemérito  d'esta  freguezia. 
Fcoi  a  dieta  capella  reedificada  em  1745  e 

estái  muito  limpa  e  muito  bem  repa- 
radas., 

A.  matriz  é  um  templo  modesto,  com  al- 
tar--mór  e  dois  lateraes.  Suppõe-se  que  foi 
feilaa  pelos  frades  d'Alcobaça,  por  ser  esta 
fregçmezia  couto  d'elles,  e  está  também  hoje 
muiit  o  limpa  e  bem  tractada,  —  graças  ao 
muiitio  benemérito  commendador  Pedro  José 
de  (Oliveira,  ha  poucos  annos  fallecido,  pois 
por  iniciativa  sua  e  em  grande  parte  a  sua 
custía  foi  feito  o  coro,  soalhada  a  egreja,res. 
taurrado  o  retábulo  do  altar-mór  e  construída 
a  caisa  da  residência  parochial,  bem  como  o 
cemiiterio. 

T;ambem  s,  ex.»  muito  generosamente  fun- 
dou, e  dotou  a  esplendida  casa  de  escola  que 
estai  freguezia  possue  para  os  dois  se- 
xos.. 

Él  um  edifício  elegante,  espaçoso,  bera  aca- 
bad(o  e  mobilado  com  todos  os  accessorios 
que  demanda  uma  casa  escolar,  incluindo  a 
habiitação  do  professor. 

Aliem  d'isso  está  muito  vantajosamente  si- 
tuadlo  e  tem  abundância  d'ar  e  luz  que  en- 
trama  a  jorros  pelas  suas  vinte  e  seis  amplis- 
simcas  janellas  ?  l . . . 

Síatisfaz  perfeitamente  a  todas  as  condi- 
ções; da  sciencia,  da  hygiene  e  da  arte ;  —  é 
ura  dos  raelhores  edifícios  do  distrieto  do 
Leiria  no  seu  género  —  e  um  padrão  vene- 
randlo  que  perpetuará  a  memoria  do  seu  be- 
nemterito  fundador. 

Dieus  lhe  pague  em  bênçãos  tantos  e  tão 
relewantes  serviços  prestados  á  sua  terra 
Dãtail. 


Fallecea  em  Lisboa,  no  dia  9  d'abril  de 
1885),  legando  á  junta  de  paroehia  d'esta  fre- 
guez-.ia  tres  contos  de  réis  em  inscripções  da 
Juntta  do  Credito  Publico,  para  eom  o  seu 
rendiimento  augmentar  a  côngrua  do  paro- 


cho,  impondo-lhe  a  obrigação  de  coadjuvar 
e  substituir  o  professor  nos  seus  impedi- 
mentos e  faltas,  e  já  em  dezembro  de  1882^ 
depois  de  concluir  e  mobilar  o  grande  edi- 
fício da  escola,  tinha  dado  á  camará  muni- 
cipal de  Alçobaça  cinco  contos  de  réis  em 
metal,  para  com  o  juro  d'esta  quantia  pagar 

ao  professor  e  á  professora  da  dieta  es- 
cola. 

Outros  muitos  benefícios  prestou  a  esta 
freguezia  o  dr.  Pedro.  Assim  era  vulgar- 
mente denominado  aquelle  santo  homem,^ 
e  foi  elle  coadjuvado  em  algumas  das  suas 
obras  por  outro  cidadão  benemérito,  filho 
d'estafifreguezia,-  o  sr.  João  Fernandes,  mui- 
to digno  de  louvor  lambem. 


Em  outro  tempo  fizeram -se  n'esta  paro- 
ehia, com  grande  pompa,  touradas,  romaria  ' 
e  bôdo,  as  festas  do  Espirito  Santo,— e  tam- 
bém foram  muito  luaidas  as  festas  da  sema- 
na santa,  mas  de  todas  essas  festividades 
apenas  resta  a  memoria! . . . 

Banham  esta  freguezia  dois  regatos,  que 
se  juntam  na  formosa  quinta  do  Vmeiro  e 
desaguam  no  rio  \Alfeizerão,  depois  de  re- 
garem as  fertilissimas  várzeas  da  Ribeira 
do  Mare  te. 

A  N.  da  povoação  do  Vimeiro  também 
passa  outro  regato,  que  fertilisa  diíTerenies 
campos  e  as  várzeas  da  quinta  da  JMatta, 
pertencente  ae  sr.  Pedro  da  Silva  da  Motta 
Cerveira  Montenegro  de  Bourbon,  F.  C.  R., 
etc. 

Este  ultimo  ribeiro  desagua  no  rio  Baça, 
que  banha  a  villa  d'Alcobaça  e  desagua  no 
oceano,  ura  pouco  ao  sul  da  villa  dá  Peder- 
neira. 

O  Alfeizerão  morre  também  no  Oceano, 
no  porto  de  S.  Martinho. 


Ha  n'esta  freguezia  uma  extensa  malta 
real— a  Matta  do  Gaio,  ou  Matta  Coutada — 


1434  VIM 

que  foi  do  convento  d'Alcobaça,  bem  como 
a  quinta  do  Vimeiro,  da  qual  era  depen- 
dência. 

A  dieta  malta  ó  quasi  toda  de  carvalhos, 
mas  nos  últimos  annos  n'ella  se  tem  feito 
grande  plantação  de  eucalyplos  e  sementei- 
ra de  penisco  e  de  castanhas. 

Dentro  d'ella,  no  sitio  da  Pena  Gouvinha, 
ha  um  manancial  d'excellente  agua  potável 
de  que  em  tempo  se  proviam  alguns  frades 
d'Aleobaça 

Produeções  dominantes,— vinho,  cereaes 
e  fructa. 

Palito  métrico 

Cerca  de  i  kilomelro  ao  sul  da  povoação 
do  Vimeit^o  demora,  no  termo  d'esta  fregue- 
zia,  a  pequena  aldeia  do  Sortão  em  uma  es- 
treita garganta  formada  por  íngremes  en- 
costas e  altos  montes. 

Foi  ali,  n'aquella  pequena  aldeia,  que 
nasceu  João  Rebello  da  Silva,  afamado  au- 
ctor  do  Palito  Métrico  ou  da  Macarronea 
Portugueza,  obra  interessantíssima  e  única 
entre  nós  até  hoje  no  seu  género. 

Segundo  se  lé  no  Diccionario  Bibliogra- 
phico,  João  Rebello  da  Silva  cursava  a  Uni- 
versidade de  CoitEbra  pelos  annos  de  1746 
e  chegou  a  tomar  os  graus  na  faculdade  de 
Iheologia  ou  na  de  cânones. 

Era  abril  de  1774  entrou  no  serviço  da 
real  casa  e  egreja  de  Nossa  Senhora  da 
Nazareih,  como  coadjuctor  do  reitor  d'a- 
quelle  sanctuario,  dr.  Manuel  d' Andrade  Tor- 
res. Nomeado  depois  reitor  effectivo  da 
mesma  egreja,  exerceu  aquelle  cargo  até 
agosto  de  1780,  data  em  que  se  retirou 
para  a  sua  casa  do  Sortão,  onde  viveu  ain- 
da alguns  annos,  fallecendo  approximada- 
mente  em  1790,  jà  decrépito  e  contando 
mais  de  80  annos  de  idade. 

As  suas  obras  foram  primeiro  publicadas 
avulsamente  e  quasi  todas  sob  o  pseudóni- 
mo de  Antonio  Duarte  Ferrão;  mais  tarde 
porem  foram  colligidas  com  outras  de  di- 
versos auctores  e  repetidas  vezes  impressas 
no  bem  conhecido  volume,  intitulado  Ma- 
carroma  Portugueza. 


VIM 

Innocencio  lambem  diz  que  o  padre  Joãa 
da  Silva  Rebello  publicou  em  1775  uma 
Elegia  à  estatua  equestre  d'el-rei  D.  José. 

Al.»  edição  do  Palito  Métrico,  hoje  mui- 
to rara,  foi  feita  pelo  seu  auctor,  o  padre 
João  da  Silva,  em  1746,  quando  frequenláva 
ainda  a|Universidade. 

Não  ha  muito  que  se  via  junto  da  dieta 
aldeia  do  So)7ão,|debaixoldo  arvoredo  que 
orla  o  regato  que  ali  passa,  uma  casinha;, 
espécie,  de  eremitério,  onde  o  auctor  da  Ma- 
carronea  escreveu  algumas  das  suas  obras, 
— segundo  diz  a  tradição  local. 

A  propriedade  onde  esteve  a  tal  casinha 
ainda  é  hoje  de  um  seu  parente — o  sr.  Joa- 
quim Fernandes,  das  Eiras. 

Que  saudades  eu  tenho  do  tempo  em  que 
me  entretinha  a  ler  o  Palito  Métrico!  Ainda 
sei  de  côr  alguns  trechos.  Ahi  vae  um: 

Forte  aã  Coimbram  venit  de  monte  Novatus, 
Ut  matriculetur.  Nomen,  si  rite  recordar, 
Jan  Fernandes  erat.  Paires  misere,  suorum 
Ut  formatus  Doctor  foret  honra  parentum. 

É  isto  o  que  propriamente  se  chama  la- 
tim macarronico.  Todos  o  entendem,  embo- 
ra Dunea  soubessem  declinar  musa,  musae, 
comtudo  ahi  vae  a  iraducção  dos  4  versos: 
iii  «ím  bello  dia  marchou  para  Coimbra  um 
caloiro,  com  o  fim  de  se  matricular.  Se  bem 
me  recordo,  chamava-se  João  Fernandes  i. 
Os  paes  o  mandaram  para  Coimbra,  para 
que,  depois  de  formado,  fosse  o  senhor  dou- 
tor—A honra  da  familia.» 


Prosegue  o  auctor  com  a  jornada  do  po- 
bre caloiro,  descrevendo  episodio»  que  fa- 
zem  rir  um  santo. 


1  D'aqui  veiu  pelo  contraste  a  locução 
portugueza:--OM  Cesar,  ou  João  Fernandes. 


VIM 


VIM  1435 


I;Ia  elle  em  ura  macho  d'aluguel  e,  apenas 
deixixou  o  horisonte  da  sua  aldeia,  principiou 
a  mmirar  tudo  com  pasmo,  fazendo  pergun- 
tas 3  ao  arrieiro,  que  vae  rindo  do  pobre  mo- 
ço e  e 

Corontat  inauditas,  illum  empulhando,  patra- 
nhas. 

P  Pela  volta  do  meio  dia  traetarara  de  co- 
meier  alguma  coisa. 

Nafam  barriga  sibi  jantancli  jam  dabat  horas. 

i  Pegaram  nos  alforges  em  que  levavam  de 
meiereiída  uma  grande  posta  de  toucinho  e 
setete  broas  com  a  competente  borracha: — 
•diririgiracn-se  para  a  sombra  d'ama  arvo- 
re e  e 

ToPotum  toucinhim  et  tetas  mnmavere  boroas, 
seterapre  bebendo 

])ó)onec  borracha  escorropichata  ficavit  t 

Aliviados  os  alforges,  o  caloiro  montou  o 
raaiaehinhO;,  mas  oppoz-se  o  arrieiro,  dizen- 
dolo  lhe  muito  inchado: 


iVíiVos  quoque  gens  simínus  et  cavalgare  sa- 

bemus. 

Irírra!  super  machum  totum  vult  ire  cami- 

nhum? 

DDesçat  et  in  macho  permittat  me  ire  peda- 

çuml... 

E  sem  ceremonia  deitou  as  mãos  ao  ca- 
loloiro  e  pregou  com  elle  no  chão.  O  caloiro 
dedeu-lhe  um  sopapo;  logo  se  engalfinharam 
0903  doi»; 


Fervebant  coques  bofetataeque  sonabant : 
Murri  et  mosquetes  pluiquam  bagaçus  ha- 

viat, 

mas  por  fortuna  o  caloiro 

Omnibus  in  lutis  semper  de  cima  ficavit! . . . 

Ficaremos  'também  nós  por  aqui,  para 
não  abusarmos  da  paciência  dos  leitores  e 
dos  editores. 

Bastam  os  leves  trechos  citados  para  se 
formar  ideia  do  talento  e  humorismo  do  au- 
ctor  e  do  merecimento  do  seu  Palito  iWe- 
tiico. 


AO  sr.  José  Diogo  Ribeiro,  iliustrado  pro- 
fessor da  esplendida  f  scola  d'esta  freguezia, 
agradeço  os  apontamentos  que  se  dignou 
enviar-me, — apoctamenios  que  bem  preci- 
sos me  foram,  porqu^,  alem  da  completa 
mudez  das  nossas  chorographias,  esta  paro- 
chia  não  se  encontra  nos  mappas,  e  de  todas 
as  povoações  dos  coutos  d' Alcobaça  foi  a  que 
menos  referencias  mereceu  aos  chronistas 
da  ordem. 

V.  O  Mosteiro  d' Alcobaça  pelo  sr.  M.  Viei- 
ra Natividade  (Coimbra  1885)  pag.  40. 

Terminaremos  dizendo  que  os  frades  ti- 
veram aqui,  na  sua  grande  quinta  do  Vimei- 
ro, uma  importante  escola  agrícola, — outra 
na  freguezia  do  Vallado, — outra  na  de  Cel- 
la— e  outra  na  de  Évora  (d'esle  concelho) 
— todas  nos  seus  coutos. 

Vé-se  pois  que  os  frades  se  anteciparam 
muitos  séculos  aos  nossos  governos  na  crea- 
ção  de  escolas  agricolas  ou  de  quintas  re~ 
gionaes. 

Devem-lhes  muito  não  só  a  agricultura, 
mas  todas  as  artes,  sciencias  e  lettras  ?  I . . . 

As  primeiras  aulas  publicas  que  teve  o 
nosso  paiz  foram  as  do  convento  d'Alcoba- 
ça, — ali  se  montou  a  nossa  primeira  phar- 
macia  também; — a  um  abbade  d'aquelle  con- 
vento, a  um  prior  de  Santa  Cruz  de  Coim- 
bra e  a  outro  de  S.  Vicente  de  Fóra  se  deve 
em  grande  parte  a  creação  da  nossa  Univer- 


1436 


VIM 


VIM 


«idade  V-6  foi  una  jesuíta, — o  Padre  José 
Monteiro  da  Rocha— qnem,  a  pedido  do  pró- 
prio marquez  de  Pombal,  organisou  a  facul- 
dade de  roathematica  da  nossa  Universidade 
na  grande  reforma  de  1772;— foi  o  mesmo 
jesuíta  o  primeiro  lente  portuguez  da  dieta 
faculdade,— o  primeiro  director  do  observa- 
tório astronómico  de  Coimbra — e  o  primei- 
ro malhemalico  de  Portugal  no  seu  tempo, 
•etc,  etc. 

V.  Canavezes  n'e8te  dieeionario  e  no  sup- 
plemento,  onde  esboçaremos  a  biographia 
do  grande  mathemalíco;  entretanto  diremos: 

1.  °— Que  nasceu  de  pães  obscuros  na  vilia 
de  Canavezes,  onde  não  tçm  parentes  al- 
guns; 

2.  ?— Que  teve  dois  irmãos,  um  dos  quaes 
foi  para  Braga; — ali  se  demorou  muitos  an- 
Dos  —  e  ali  fez  grande  parte  das  figuras  de 
barro  que  ornam  as  capellas  do  santuário 
4o  Bom  Jesus. 

3.  » — Que  o  outro  irmão  casou  na  villa  de 
Vallongo,  concelho  do  Porto,  onde  deixou 
descendentes,  muitos  dos  quaes  ainda  vivem 
n'esta  data,— 1886. 

Ainda  se  orgulha  de  ser  parente  de  José 
Monteiro  da  Rocha,  embora  por  affinidade, 
o  ST.  Antonio  José  da  Silva  e  Sousa,  cava- 
lheiro respeitabilissimo  e  septuagenário,  of- 
ficial  da  Legião  d^Honra,  vice-consul  da 
França  em  Vallongo  e  hoje  um  dos  primei- 
ros proprietários  d^aquelle  concelho. 

Desculpem-nos  a  digressão,  pois  pôde  ser 
muito  util  a  quem  se  prcpozer  escrever  a 
biographia  de  José  Monteiro  da  Rocha, — 
biographia  já  hoje  difjlcil  de  organisar. 

Como  rectificação  ao  citado  artigo  Cana- 
vezes, vol.  2."  pag.  82,  col.  2.*  leia-se  mar- 
^uez  de  Pombal  em  vez  de  marquez  de  Pe- 
nalva —  e  José  Anastácio  da  Cunha  em  vez 
de  José  Antonio  da  Cunha. 

VIMEIRO,  (não  Vimieiro)  —  freguezia  do 
concelho  da  Lourinhã,  comarca  de  Torres 
Vedras,  districto  e  diocese  de  Lisboa,  pro- 
víncia da  Extremadura. 


Orago.  S.  Miguel  i; — fogos  13i,— habitan- 
tes 560. 

Em  1712  era  um  dos  2  curatos  compre- 
hendidos  no  termo  e  concelho  da  villa  da 
Lourinhã.  O  outro  era  S.  Lourenço  {dos 
Francos) — ambos  com  egrejas  paroehiaes  da 
apresentação  dos  seus  freguezes,  os  quaes  ao 
tempo  excediam  o  numero  de  400  fogos — nas 
duas  freguezias,— segundo  se  lé  na  Choro- 
graphia  Portugueza,  tomo  3.»,  pag.  37,  in- 
principio. 

Diz  ella:  «O  seu  termo  (da  villa  da  Lou- 
rinhã) tem  duas  Igrejas  paroehiaes,  S.  Lou- 
renço e  S.  Miguel. . . » 

Estranhamos,  pois,  que  o  sr.  João  Maria 
Baptista,  citando  a  Chorogr.  Port.  diga  na 
sua  Chorogr.  Mod.  que  esta  parochia  de 
Miguel  ainda  não  existia  no  tempo  do  padre 
Carvalho. 

Existia,  sim.  senhor, — e  jà  então  era  do 
mesmo  concelho  da  Lourinhã,  da  mesma  co- 
marca de  Torres  Vedras  e  da  mesma  dio- 
cese de  Lisboa.  ^ 


O  Port.  S.  e  Prof.  diz  que  esta  freguezia 
de  S.  Miguel  de  Vimeiro  em  1768  era  da  dio- 
cese de  Lisboa,  mas  que  o  seu  parocho  era 
vigário  da  apresentação  do  D.  abbade  geral 
do  convento  d*Alcobaça. 

Confundiu  esta  freguezia  de  S.  Miguel  do 
Vimeiro,  que  em  1712  era  curato  da  apre- 
sentação dos  seus  freguezes  e  que  depois  foi 
apresentada  pelo  reitor  da  villa  da  Louri- 
nha,—  com  a  freguezia  de  S.  Sebastião  do 
Vimeiro,  couto  dos  frades  d'Alcobaça  e  da 
apresentação  d'elles,  como  já  dissemos,— 
freguezia  que  o  Port.  S.  e  Prof.  nem  sequer 
mencionoul 

O  censo  de  1864  deu-lhe  118  fogos  e  504 
habitantes,— e  o  de  1878  deu-lhe  133  fogos 
e  551  habitantes. 

Quasi  todas  as  nossas  chorographias,  ia- 


*  Veja-se  a  obra  citada  supra,  pag.  134. 


1  Os  apontamentos  que  se  dignou  envisr- 
me  o  administrador  d'este  concelho  não  di- 
zem qual  é  hoje  o  título  d' esta  parochia. 


VIM 


VIM  1437 


cluuindo  a  Chorographia  Moderna,  dão  a  esta 
freeguezia  o  nome  de  Vimieiro  erradamente, 
pobis  deve  denominar-se  Vimeiro,  como  lo- 
do9s  a  denominam  na  localidade  e  como  a 
decnominou  o  administrador  d'este  concelho 
noas  apontamentos  que  se  dignou  enviar-me. 

(Comprehende  as  aldeias  seguintes:  Vimei- 
ro,),  séde  da  parochia,  e  Toledo. 

1  Vimeiro  esta  precisamente  na  margem  di- 
reiíita  do  rio  Alcabrichel,  que  desagua  no  oc- 
ceaano  a  4  kilometros  de  distancia.  Esta  pa- 
roochia  dista  pois  4  kilometros  do  occeano 
panra  E.;— 11  da  Lourintiã  para  S.;— 20  de 
Toorres  Vedras  para  N.  O.;— 30  de  Peniche 
panra  S.  S.  E.— e  75  de  Lisboa  pela  estrada 
reaal  a  macadam  n.°  61  de  Lisboa  a  Peniche 
— 6-e  pela  esirada  municipal  a  macadam  que 
liga;a  as  povoações  do  Vimeiro  e  Toledo  com 
a  ddicta  estrada  real  n.°  61,  na  qual  entron- 
ca i  a  distancia  de  5  kilometros  da  Lourinhã; 
maas  estas  distancias  devem  modificar-se  um 
pouuco  logo  que  se  abra  á  circulação  a  11- 
nhaa  férrea  de  Lisboa  à  Figueira,  Torres 
Veedras,  Leiria  e  Alíarellos,— linha  em  cons- 
truucção  e  que  nos  princípios  do  anno  pro- 
xinmo  futuro  (1888)  deve  abrir-se  à  cireu- 
laçíjâo. 

AV.  Vias  férreas,  vol.  X,  pag.  477,  col.  2.» 
— ee  t^illa  Verde  do  concelho  da  Figueira, 
vol.l.  XI,  pag.  1:094,  coL  1.» 

LHa  n'esta  parochia,  na  aldeia  de  Toledo, 
umna  quinta  brasonada  que  foi  vinculo  do 
monrgado  Barbosa  Vianna,  desembargador 
da  (  casa  da  Supplicação,  e  è  hoje  proprieda- 
de de  um  seu  íilho  e  herdeiro,  que  ainda 
vivfve. 

PParoehiaslimitrophes:— Nossa  Senhora  da 
Annnunciação  e  S.  Lourenço  dos  Francos  no 
conncelho  da  Lourinhã,— e  Nossa  Senhora  da 
Luziz  de  A  dos  Cunhados,  no  concelho  de  Tor- 
res ?  Vedras. 

TTemplos:— a  egreja  parochial  em  Vimeiro 
—69  uma  Capella  do  Espirito  Santo  em  To- 
ledoio.  São  templos  muito  humildes  e  a  egreja 
estáá  muito  arruinada. 

FFestas  religiosas :  — S.  Miguel,  Espirito 
Sannto,  Nossa  Senhora  da  Conceição,  S.  Se- 
baststião  e  endoenças  na  semana  Sianlfi.  , . ,  . 

VOLUME  XI 


Banham  esta  freguezia  o  rio  Alcabichel  a 
O.,  que  n'este  ponto  divide  o  concelho  da 
Lourinhã  do  de  Torres  Vedras  e  que  des- 
agua no  occeano,  no  sitio  do  Porto  Novo, 
termo  do  dicto  concelho  de  Torres  Vedras, 
— e  um  regato  sem  nome  que  circuita  a  po- 
voação do  Vimeiro  a  N.  E.— e  morre  no  Al- 
cabichel. 

Tem  o  dicto  regato  duas  pontes  na  estra- 
da municipal  a  macadam  junto  da  povoação 
do  Vimeiro:  uma  moderna,  outra  muito  an- 
tiga. 

Ha  n'esta  parochia  2  moinhos  de  vento, 
— uma  fabrica  de  cortumes  e  outra  de  quei- 
mar vinho. 

ProducçÕes  dominantes ;  —  vinho,  trigo, 
milho,  cevada,  magníficos  melões  e  melan- 
cias. 

O  vinho  é  hoje  a  produeção  principal 
d'esta  freguezia,  d'esie  concelho,  d'esta  co- 
marca, d'este  distr'cto  e  d'eãta  província  da 
Estremadura,  —  provineia  hoje  riquissima, 
porque  toda  está  povoada  de  luxuosos  vinhe- 
dos e  vende  todo  o  seu  vinho  facilmente  e 
por  bom  preço  (20  a  30)^000  rs.  a  pipa)  para 
França,  para  Lisboa  e  mesmo  para  o  Por- 
to (?/...) — pois  com  o  auxilio  dos  vinhos 
da  Estremadura,  da  Beira  e  da  Bairrada  os 
negociantes  do  Porto  (salvas  raríssimas  ex- 
cepções) fazem  o  milagre  de  pintar  e  expor- 
tar com  o  nome  de  Vinho  do  Douro  muito 
mais  vinho  do  que  produz  o  Dom^o  todo,  de- 
pois que  a  maldicta  phylloxera  aniquilou  a 
maior  parte  dos  seus  vinhedos. 

Para  evitarmos  repetições,  vejam-se  os 
artigos  Villarinho  de  Coitas,  Villarinho  do 
Bairro,  Villarinho  dos  Freires,  Villarinho 
de  S.  Romão  e  Villa  Real  de  Traz-os-Mon- 
tes,  vol.  XI,  pag.  1012  e  segg. 

O  vinho  do  concelho  de  Torres  Vedras, 
bem  conhecido  em  Lisboa  como  vinho  de 
Torres,  é  do  melhor  da  Estremadura,  muito 
superior  ao  d'este  concelho  da  Lourinhã, 
mas  em  compensação  os  vinhedos  d'este  con- 
celho são  multo  mais  productivos.  É  trivial 
aqui  um  milheiro  de  vides  baixas  ^  dar  2  a 


Na  Estremadura  as  videã  são  todas  bai- 

91 


1438  VIM 


VIM 


3  pipas  de  520  litros  cada  uma,— mas  pre- 
domina o  vinho  branco,  hoje  menos  estima- 
do 6  que  costuma  vender  se  por  preço  in» 
ferior  25  %  com  relação  ao  timo  de  Torres 
Vedras.  j 

O  melhor  de  todo  o  concelho  da  Lourinhã  i 
é  o  d'esta  freguezia  do  Vimeiro. 

Para  se  formar  idéa  da  riqueza  d'e8ta  pro- 
víncia hoje,  note-se  que  está  toda  coberta  de 
luxuosos  vinhedos,  custando  a  plantação  do 
milheiro  de  vides  apenas  1  a  3  libras, — pre- 
ço máximo, — emquanto  que  no  Alto  Douro, 
na  região  do  Port  Wine,  a  plantação  do  mi- 
lheiro de  vides  regula  por  100  a  300^000 
réis — e  mais  ?  I . . . 

V.  Vicente  (S.)— vol.  X,  pag.  519,  col.  1.» 

Alem  d'isso  no  AUo-Douro,  na  região  do 
vinho  flno,  a  producção  máxima  do  milheiro 
de  vides,  mesmo  em  tempo  normal,  regula- 
va por  uma  pipa  de  550  litros  e  por  vezes 
nas  quintas  mais  afamados  eram  necessá- 
rios 2  a  4  milheiros  de  vides  para  produzi- 
rem uma  pipa. 

Mais:  Em  todo  o  Douro  nunca  houve  rm 
proprietário  que  colhesse  2:000  pipas  por 
anno, — nem  mesmo  a  grande  casa  Ferreiri- 
nha,  da  Regoa,  avaliada  em  seis  mil  contos, 
e  que  até  hoje  tem  sido  absolutamente  a 
mais  rica  do  Douro  i,— emquanto  que  hoje 
n'esta  província  da  Estremadura  ha  muitos 
proprietários  que  colhem  2:000  pipas — e  um 
d'elles,  o  sr.  Fonseca  do  Sanguinhal,  tem  co- 
lhido 8  a  10  mil  pipas  por  anno  e  comprado 
ainda  alguns  annos  outras  8  a  10  mil  pipas 
para  negocio  ?! . . . 

È  hoje  absolutamente  o  primeiro  proprie- 
tário e  o  primeiro  negociante  de  vinhos  da 
Estremadura— e  talvez  de  Portugal  e  da  Hes- 
panhaf]... 

O  sr.  Francisco  Romeiro  da  Fonseca,  vul- 
garmente conhecido  por  Fonseca  do  San- 
guinhal, nasceu  em  29  de  dezembro  de  1820 


xas.  Não  tem  vinhedos  em  arvores,  como  se 
vêem  no  Minho,— nem  ramadas  de  esteira, 
como  no  baixo  Douro,  nomeadamente  nas 
freguezias  de  Cambres.Samodães  e  Penajoia, 
todas  do  concelho  de  Lamego. 

»  V.  Villa  Real  de  Traz-os-Montes,  vol.  XI, 
pag.  1013,  col. 


na  povoação  do  Sanguinhal,  freguezia  do  Se- 
nhor Jesus  do  Carvalhal,  concelho  d'0bid08, 
onde  tem  vivido  e  vive  na  actualidade,  ain- 
da solteiro,— sendo  filho  legitimo  de  Fran- 
cisco Antonio  da  Fonseca  e  de  D.  Maria  Isa- 
bel Romeiro,  já  fallecidos. 

Seu  pae  também  foi  negociante  de  vinhos 
e  de  aguardente  na  mesma  povoação  do 
Sanguinhal. 

O  sr.  Francisco  Romeiro  só  nas  suas  qua- 
tro quiotas  do  Sanguinhal,  Paul  da  Amo- 
reira, Perdigão  e  Bom  Successo  ^  colheu  no 
anno  de  1886  approximadamente  oito  mil  pi- 
pas de  vinho— e  alguns  annos  tem  queima- 
do maia  de  vinte  mH  pipas  de  vinho  seu  e 
comprado  a  diíTerentes  lavradores  n'este 
concelho  da  Lourinhã  e  nos  de  Peniche, 
Óbidos  e  Cadaval. 

Os  seus  maiores  armazéns  são  os  das 
quintas  do  Sanguinhal  e  Perdigão,— ^rmaL- 
zens  vastíssimos  com  vazilhame  de  bella 
madeira  para  mais  de  dnco  mil  pipas ! ... 

É  um  cavalheiro  a  toda  aprova,  honrado 
e  muito  generoso,  grande  negociante  e  gran- 
de proprietário  e  capitalista,  podendo  hoje 
avaliar- se  a  sua  fortuna  em  mil  e  quinhen- 
tos contos  de  réisí. . . 

Não  ha  muito  (ainda  no  anno  de  1886) 
comprou  elle  por  vinte  e  tantos  contos  os 
Salgados  de  Peniche,^extensa  propriedade 
que  muito  generosamente  deu  a  seu  sobri- 
nho José  Maria  Gomes  Pinheiro. 

As  suas  vinhas  são  talvez  as  primeiras  do 
nosso  paiz  pela  sua  vastidão  e  pelo  seu  es- 
merado grangeio.  Só  em  um  anno  já  empre- 
gou em  adubos  cerca  de  oito  mil  carros  de 
estrumei  \. . . 

Por  vezes  traz  ao  seu  serviço  600  jorna- 
leiros diariamente  e  não  só  lhes  paga  com  a 
maior  pontualidade,  mas  sempre  por  preço 
superior  ao  corrente,  pelo  que  todos  se  em- 
penham era  o  servir  e  o  servem  com  o  maior 
zelo  e  fidelidade ! . . . 

Ninguém  paga  melhor  tanto  aos  seus  jor- 
naleiros como  aos  seus  feitores,  caseiros, 
caixeiros  e  numerosos  empregados,  mas  em 


í  Estas  ultimas  2  quintas  demoram  no 
concelho  da  Lourinhã; — as  outras  2  no  con- 
celho de  Óbidos. 


VIM 


VIM  1439 


compensação  ninguém  na  Estremadura  é 
mais  bem  servido. 
Amor  amare  conpensalur. 

A  casa  Ferreirinha,  da  Regoa,  hoje  muito 
dignamente  representada  peia  sr."  D.  Antó- 
nia Adelaide  Ferreira,  viuva  em  primeiras  i 
núpcias  do  seu  primo  Antonio  Bernardo 
Ferreira,  e  era  segundas  núpcias  do  par  do 
reino  Francisco  José  da  Silva  Torres,  i  é 
muito  mais  rica  e  só  nos  seus  vastos  arma- 
zéns de  Villa  Nova  de  Gaya  já  tem  tido  em 
deposito  quinze  mil  pipas  de  vinho  do  Alto 
Douro,  de  100  a  SOOj^OOO  réis  e  mais,  cada 
pipa,  o  que  representa  milhares  de  contos  de 
réis,  mas  nunca  em  um  anuo  comprou  dez 
mil  pipas,  nem  colheu  em  todas  as  suas 
quintas,  incluindo  a  das  Figueiras  ou  do 
Vesúvio,  que  é  o  assombro  do  Douro,  tanto 
vinho  como  hoje  colhe  o  sr.  Fonseca  do  San- 
guinhal. 

Note-se,  porem,  a  grande  diíTerença  no 
preço  do  vinho  do  Alto  Douro  e  do  vinho  da 
Estremadura. 

O  vinho  velho  do  Alto  Douro,  por  exem- 
plo o  da  iostituição  da  companhia  fundada 
pelo  marquez  de  Pombal,  se  hoje  se  encon- 
trasse autheniico,  vender-se-hia  por  dez 
contos  de  réis  a  pipa  talvez, — e  ainda  no 
anno  de  1886  ali  se  vendeu  vinho  mosto  a 
901000  réis  a  pipa,— emquanto  que  o  vioho 
da  Estremadura  é  vinho  de  mesa;— não  pôde 
coDservar-se  durante  séculos  como  o  vinho 
do  Douro— e  em  mosto  nunca  se  vendeu  a 
70^000  réis  a  pipa. 

Raro  é  o  que  attinge  o  preço  de  SOjílOOO 
réis. 

Mais:  O  vinho  da  Estremadura,  bem  como 
o  da  Bairrada  e  da  Beira,  mal  pôde  aguar- 
dentar-se,  porque  não  tem  força  para  con- 
sumir a  aguardente,— emquanto  que  o  do 
Alto  Douro  recebe  e  consome  quanta  aguar- 
dente lhe  deitem, — tornando-se  cada  vez  me- 
Ihcrtl... 

Estatística  curiosa 
A  região  vinícola  do  Douro,  costumando 


1  Era  natural  da  freguezia  dos  Dois  Por- 
tos, concelho  de  Torres  Vedras. 


produzir  100:000  pipas  de  vinho,  não  pro- 
duz actualmente  25:000,  por  causa  da  phyl- 
loxera,  mas  em  compensação  nuoca  produ- 
ziram tanto  as  outras  nossas  regiões  vinico- 
las,— Beira,  Bairrada,  Minho  e  Estremadura, 
—embora  também  já  todas  manchadas  e 
seriamente  ameaçadas. 

Também  a  França  nunca  importou  do 
nosso  paiz  tanto  vinho  como  na  actualidade. 
Este  anno  essa  importação  afrouxou,  mas, 
para  fazer-se  uma  idéa  da  nossa  riqueza  vi- 
nícola e  da  nossa  exportação  para  a  França 
e  para  outros  paizes,  veja-se  a  estatística 
publicada  na  Gazela  das  Alfandegas  de  17 
do  mez  de  dezembro  de  1886  e  que  se  refere 
aos  primeiros  9  mezes  d'esse  anno,— janeiro 
a  setembro. 

A  exportação  fui  de  16.171.S89  decalitros, 
sendo  vinho  do  Porto  3  049.823  decalitros, 
vinho  da  Madeira  169  210  de  ;alítros,  vinho 
comnoum  12.932.826  decalitros. 

As  principaes  exportações  do  vinho  do 
Porto  foram  1.221.393  decalitros  para  Ingla- 
terra e  1.005.412  decalitros  para  o  Brazil. 
Vinho  da  Madeira  73.628  decalitros  para  In- 
glaterra 25.571  para  França  e  20.576  para  a 
Rússia. 

Do  nosso  vinho  commum  a  exportação  foi 
de  10.923.976  decalitros  para  a  França, 
1.382.785  para  o  Brazil  e  645.525  para  di- 
versos destinos. 

Continua  portanto  este  anno  a  exportação 
em  larga  escala  e  apura-se  que  nos  raezes 
de  janeiro  a  setembro  do  presente  anno  o 
valor  d'este  riquíssimo  producto  ascende  á 
importante  verba  de  13:566  contos  de  réis, 
devendo  attingir  no  fim  do  anno  18  a  19 
mil  contos.  Note-se  porém  que  esta  quan- 
tia, apesar  da  sua  importância,  é  de  certo 
muito  inferior  ao  preço  real  do  vinho  ex- 
portado, porque  a  base  para  os  cálculos  es- 
tatísticos é  a  tabeliã  ofllcial  dos  valores  mé- 
dios que  designa  apenas  por  600  réis  o  va- 
lor de  cada  decalitro  de  vinho  commum  e 
de  liíSOO  o  vinho  licoroso  do  Porto  ou  Ma- 
deira. 

Prosigamos. 

Ha  Doesta  parochia  uma  aula  oíScial  de 
instrucção  primaria  mixta,  para  os  dois  se- 


1440  VIM 


VIM 


xos,— e  os  Banhos  do  Vimeiro  d'agua  iher-  i 
mal,  também  denominados  Aguas  Santas, 
por  serem  muito  efflcazes  para  o  tratamento 
de  molfíítias  cutâneas.  Demoram  a  1  kilome- 
tro  da  povoa(;ão  do  Vimeiro,  na  qual  por 
preço  módico  muiios  habitantes  costumam 
dar  hospedagem  particular  aos  banhistas. 

São  4  as  nascentes  e  as  aguas  límpidas, 
sem  sabor  nem  cheire,— segundo  se  Jê  no 
Mappa  de  Castro,  ultima  edição,  vol.  4.°,  pag. 
310. 

A  sua  temperatura  é  de  24"  c,  sendo  a  do 
ar  livre  22». 

Um  kilog.  d'e8ta  agua,  evaporado  em  sec- 
co,  dá  O  gr.  826  de  residuo  fixo. 

A  batalha 

N'esta  freguezia  do  Vimeiro,  concelho  da 
Lourinhã  (não  na  do  Vimeiro,  concelho  de 
Alcobaça,  como  disseram  o  Flaviense,  J.  A, 
d'A1meida  e  o  sr.  J.  M.  Baptista)  se  feriu  em 
21  d'agosto  de  1808  a  batalha  entre  o  exer- 
cito anglo-luso  de  lord  Wellington— e  o  exer- 
cito francez  de  Junot. 

A  Inglaterra,  vexada  e  opprimida  pelo  blo- 
queio continental  que  nem  lhe  permitlia 
abeirar-se  de  uma  caixa  de  correio  em  toda 
a  Europa,  resolveu  abrir  campanha  no  con- 
tinente contra  Napoleão  e  escolheu  Portugal 
para  inicio  da  campanha  — por  muitas  e 
bem  pensadas  rasões. 

Occorrem-nos  as  seguintes: 

1.  *— Porque  em  Portugal  tinha  muitos  in- 
teresses compromettidos  d'envolla  com  o 
brio  da  Inglaterra,  pois  nós  nos  havíamos 
exposto  à  ira  de  Napoleão,  por  não  querer- 
mos adherir  ao  bloqueio  continental. 

2.  * — Porque  em  Lisboa  tinha  a  Inglaterra 
um  dos  melhores  portos  do  mundo  para 
abrigo  e  abastecimento  da  sua  esquadra  e 
para  embarque  do  seu  exercito,  no  caso  de 
revez. 

3.  * — Porque  Portugal  era  na  Europa  um 
dos  pontos  mais  afastados  da  França  e  que 
mais  difBcilmente  podia  ser  soceorrido  por 
Napoleão. . 

4.  *— Por  ver  que  Junot,  tendo  entrado  em 
Portugal  como  amigo,  havia  praticado  os 
maiores  excessos  e  magoado  vivamente  a 
nação  toda. 


5.  »— Por  saber  que  o  pequeno  exercito  de 
Junot  se  achava  disperso  por  iodo  o  nosso 
paiz  sem  poder  abafar  a  conflagração  que, 
partindo  de  Traz-os-Montes,  rapidamente  se 
alastrou  pelo  Minho,  Estremadura,  Alemtejo 
e  Algarve,  ttndo  o  Porto  como  centro. 

6.  ' — Pur  Contar  com  a  valentia  e  animo- 
sidade dos  portuguezes, — com  o  auxilio  da 
Hespauha,  igualmente  ludibriada  e  esmaga- 
da por  Napoleão,  -e  com  a  barreira  dosPy- 
reueusy  que  são  uma  grande  muralha  ergui- 
da entre  a  França  e  a  Hespanha,— muralha 
mais  valente  do  que  a  erguida  pelos  chins 
para  te  defenderem  dos  tártaros  ^ 

Por  estas  e  outras  considerações  a  Ingla- 
terra mandou  embarcar  uma  divisão  de 
9:000  homens  sob  o  commando  do  general 
Arthur  Wellesley,  a  quem  deu  instrucções 
para  se  dirigir  a  Portugal,— a  esta  divisão 
mar^dou  unir  outra  de  5:000  homens,  tira- 
dos da  guarnição  de  Gibraltar— e  ficou  pre- 
parando reforços  que  deviam  elevar  se  a 
18:000  homens. 

Wellesley  desembarcou  na  foz  do  Monde- 
go, no  dia  6  d'agosto  de  1808,  com  os  seus 
9.000  homens;— dois  dias  depois  se  lhe  uni- 
ram 08  5:000  de  Gibraltar,  sob  o  comman- 
do do  general  Spenser,  formando  um  total 
de  14:000  homens  de  infanteria  e  200  de  ca- 
vallaria— e  a  10  marchou  com  esta  força  so- 
bre Lisboa. 

Em  Leiria  encontrou  uma  divisão  portu- 
gueza  de  6:000  homens,  enviados  pela  junta 
do  Porto,  mas  não  quizeram  passar  d'ali  sem 
que  lhes  dessem  rações  diárias,  ao  que  Wel- 
lesley não  pôde  satisfazer,  e  por  isso  mar- 
chou avante  apenas  com  as  forças  inglezas 
e  poueo  mais  de  1:600  soldados  portugue- 
zes 2. 


1  Se  os  Pyreneus  se  erguessem  entre  a 
França  e  a  Allemanha,  aquellas  duas  nações 
escusavam  de  gastar  tanto  dinheiro  em  ar- 
mamento, em  praças  de  guerra  e  em  outras 
obras  de  defesa— e  podiam  dormir  a  somno 
solto;  mas  infelizmente  a  Hespanha  nunca 
soube  tirar  partido  dos  recursos  que  Deus 
lhe  deu  I . . . 

2  Hisloire  de  la  guerre  d'Espagne  et  de 
Portugal  nos  annos  de  1807  a  1813,  pelo  co- 


VIM 


VIM  1441 


Na  Roliça  (V.)  poz  em  fuga  no  dia  17  um 
corpo  de  3:000  francezes,  commandados  por 
Laborde,  que  um  pouco  adiante  tomou  po- 
sições em  um  alto,  mas  rapidamente  foi  ba- 
tido e  obrigado  a  fugir  sobre  Torres  Vedras, 
perdendo  a  sua  artilheria  e  cerca  de  400 
homens 

Wellesley  não  o  seguiu,  para  não  se  afas- 
tar da  sua  esquadra  e  poder  cobrir  o  des- 
embarque dos  reforços  que  esperava  de  um 
momento  para  o  outro. 

No  dia  20  chegou  à  povoação  do  Vimeiro, 
onde  pernoitou,  e  n'e8se  mesmo  dia  recebeu 
da  Inglaterra  4:000  homens,  que  muito  tran- 
quillameutft  desembarcaram  na  praia  pró- 
xima e  se  lhe  uniram,  com  os  quaes  o  exer- 
cito de  Wellesley  completou  o  eflfectivo  de 
19:000  soldados  inglezes  e  1:500  a  2:000 
portuguezes;  —  total  19:500  a  20:000  ho- 
mens. 

A  povoação  do  Vimeiro  está  em  ura  valle 
fundo,  erguendo-se  a  0.  até  o  mar,  uma 
grande  elevação  de  terreno,— e  a  leste  ou- 
tros montes,  por  onde  seguia  a  estrada  da 
Lourinhã  Na  frente  (lado  sul)  da  povoação 
ergu«-i*e  uma  pequena  eminência,  um  pouco 
mais  alta  do  que  o  terreno  circumjaeente, 
mas  completamente  dominada  pelos  montes 
da  direita  e  da  esquerda. 

Wellesley,  não  esperando  ali  o  ataque,  ti- 
nha disposto  o  seu  exercito  do  modo  mais 
commodo  aos  soldados.  Ficaram  seis  briga- 
das nas  alturas  a  oeste  da  aldeia;— um  bata- 
lhão com  algumas  tropas  ligeiras  no  mencio- 
nado plató; — a  cavallaria  e  artilheria  de  re- 
serva no  valle — e  sobre  as  colliuas  de  leste 
apenas  alguns  piquetes  em  observação. 

No  dia  seguinte,  21,  às  8  horas  da  ma- 
nhã, appareceram  numerosas  forças  franee- 
zas  marchando  pelo  caminho  da  Lourinhã, 
mostrando-se  dispostas  a  atacar  a  esquerda 


ronel  inglez  John  Jones,  com  annotações  e 
commentarios  de  Beauchamp,  tomo  I,  pae. 
37. 

i  V.  Ventosa  (a  l.«)  vol.  X,  pag.  283,  co- 
lamna 


do  exercito  inglez,  pelo  que  Wellesley  rapi- 
damente fez  passar  das  colliuas  a  O.  do  Vi- 
meiro para  as  collinas  de  leste  4  brigadas; 
reforçou  as  tropas  do  plató—e  collocou  as 
reservas  convenientemente. 

Eis  a  ordem  da  batalha:— a  direita  apoia- 
va-se  no  mar  e  nas  collinas  próximas; — o 
centro  no  montículo  em  frente  da  povoação 
do  Vimeiro — e  a  esquerda  nas  collinas  de 
leste. 

Os  francezes  começaram  por  atacar  em 
grande  força  e  columna  cerrada  o  centro, 
mas  foram  repellidos  pela  fuzilaria  e  por 
uma  carga  de  baioneta; — a  brigada  do  ge- 
neral Acland,  marchando  rapidamente  da  di- 
reita sobre  a  esquerda,  bateu-os  de  flanco, 
pondo-os  em  desordem,— e  a  cavallaria  in- 
gleza  acabou  de  os  derrotar,  tomando-lhes 
sete  peças  d'artilheria. 

Foi  quasi  simultâneo  o  ataque  sobre  o  ca- 
minho da  Lourinhã. 

Os  francezes  avançaram  com  intrepidez, 
mas  a  brigada  do  general  Fergusson  bs  de- 
teve atp  que  chegaram  outras  brigadas  que 
os  repelliram,  depois  de  uma  lucta  porfiada, 
tomando-lhes  seis  peças  d'artllheria  e  fazen- 
do-lhes  muitas  baixas. 

O  exercito  inglez  perdeu  apenas  700  ho- 
mens entre  mortos  e  feridos;— foram  mais 
consideráveis  as  perdas  do  exercito  francez, 
que  ficou  completamente  derrotado  e,  sendo 
cinco  vezes  mais  numeroso  em  cavallaria» 
deixou  no  campo  ao  todo  vinte  e  uma  peças 
d'artilherial 

O  exercito  francez  era  commandado  por 
Junot,  que  empenhou  na  acção  quasi  todas 
as  forças  de  que  podia  dispor,— cerca  de 
12:000  homens  de  infanteria  e  1:200  cavai- 
los. 

Retirou  para  os  desfiladeiros  de  Torres 
Vedras,  fingindo-se  muito  animado  e  annun- 
ciando  aos  quatro  ventos  que  tinha  alcan- 
çado uma  grande  Victoria.  Isto  para  conter 
a  insurreição  na  capital  e  no  resto  do  paiz, 
pois  tractou  immediatamente  de  negociar 
uma  capitulação;  —  tal  foi  a  sova  que  le- 
vou I 

No  mesmo  dia  da  batalha  e  durante  ella 
recebeu  o  exercito  inglez  novos  reforços  que. 


1442  VIM 


VIM 


não  entraram  em  acção,  e  cora  elles  o  gene-  1 
ral  Hew  Dalrymple,  enviado  pela  Inglaterra  ] 
para  comraandar  em  chefe  todo  o  exercito, 
pelo  que  sir  Arthur  Wellesley  lhe  entregou 
immediatamente  o  commando. 

A  oriuna  aqui  mesmo  lhe  sorriu,  livran- 
do-o  de  grande  responsabilidade. 

Tão  gloriosas  foram  para  Wellesley  a  cam- 
panha de  1808  e  as  posteriores  até  o  fim  da 
guerra  da  península,  como  foi  vergonhosa 
para  Dalrymple  a  capitulação  por  elle  con- 
cedida a  Junot,  denominada  convenção  de 
Cintra,  pois  lhe  permittiu  o  retirar-se  para 
França  com  todo  o  seu  exercito,  levando  ar- 
mas e  bagagens— e  tudo  quanto  havia  rou- 
bado em  Portugal,— e&lítnáo  Junot  completa- 
mente perdido,— Portugal  todo  insurreccio- 
nado — e  o  exercito  ingiez  com  os  últimos  re- 
forços elevado  a  32:000  homens?!... 

Gregos  e  troianos, — portuguezes  e  ingle- 
ses censuraram  abertamenle  o  tal  sr.  Dal- 
rymple por  assignar  e  raeiiflear  a  conven- 
ção, negociada  pelo  seu  logar-tenente  Kel- 
lerman,  taxaudo-os  de  se  terem  vendido  a 
Junot?!. . . 

Foi  tal  o  escândalo— wífsmo  na  Inglaterra 
— que  o  governo  ingiez,  para  dar  uma  satis- 
tação  ao  publico,  submetteu  a  questão  a  um 
conselho  de  generaes,  ^que  tudo  julgaram 
correcto  —  para  salvarem  a  honra  do  con 
vento. 

Em  uma  nota  ao  historiador  ingiez  já  ci- 
tado, diz  Beauchamp,  historiador  francez  e 
por  consequência  insuspeito: 

«Foi  o  general  Kellerman  quem  negociou 
a  convenção  de  Cintra,  tão  asperamente  cen- 
surada, e  com  rasão,  na  Inglaterra  e  em  Por- 
tugal, e  elogiada  com  tanta  emphase  pelos 
jornaes  francezes,  posto  que  teve  por  conse- 
quência imraediata  a  evacuação  de  Portu- 
gal. A  dieta  convenção  foi  honrosa  para  o 
exercito  francez,  tanto  mais  que,  estando  já 
envolvido  pela  insurreição  ao  norte  e  sul  de 
Lisboa, — Ott  tinha  de  ser  aniquilado  com  as 
ermas  na  mão,  ou  de  depor  as  armas,  como 
succedeu  ao  exercito  francez  da  Andaluzia, 
se  tivesse  de  bater-se  com  um  inimigo  menos 
generoso.* 


Tal  era  o  desanimo  de  Junot  que  logoD  no 
dia  immediato  á  batalha  mandou  um  pairla- 
mentario  ao  exercito  ingiez  para  negoci.-ar  a 
convenção  e  suspensão  de  hostilidades;  imas 
passemos  adiante. 

Ainda  hoje  no  sitio  da  batalha  se  encon- 
tram em  escavações  moedas  francezas,  nnui- 
tas  balas,  restos  de  fardas,  ossadas,  etc. 

Com  a  dieta  convenção  ficámos  em  11808 
livres  dos  francezes,  mas  tornaram  a  pejrse- 
guir-nos  em  1809,  commandados  por  Scoult, 
e  em  1810,  commandados  por  Massena. 

Para  evitarmos  repetições  vejam-se  osí  ar- 
tigos—i/meída,  Bussaco,  Gojim,  Louzã,  Mlur- 
cella,  Óbidos,  Passos  da  Serra,  Pombal,  Re- 
dinha, Roliça,  Seleaes,  Torres  Vedras,  vol. 
IX,  pag.  634,  643,  650,668,  669  e  ' 67(0,— 
Villa  Jusã  e  Villar  Formoso. 

O  tal  sr.  Dalrymple,  apesar  da  absolvMção 
dos  collegas,  foi  exonerado  do  eommandío  do 
exercito  ingiez  em  operações  no  nosso  paiz 
e  reintegrado  no  dieto  commando  sir  Artlhur 
Wellesley,  que  se  portou  valentemente  e  «com 
o  maior  critério  até  derrotar  o  próprio  Na- 
poleão em  Walerloo,  depois  de  ter  derroltado 
os  seus  melhores  generaes  muitas  vezes,,  pe- 
lo que  se  cobriu  de  gloria,  de  honras  (6  de 
riquezas. 

O  nosso  governo  o  fez  conde  do  Vimieiro, 
marquez  de  Torres  Vedras,  duque  de  Viieto- 
ria  e  gran  cruz  da  Torre  e  Espada;— (deu- 
Ihe  uma  pensão  de  20:000  crusados  em  tduas 
vidas— e  uma  baixella  de  praia  no  valoir  de 
117;115ÍS22  réis;— o  seu  governo  o  eltevou 
à  cathegoria  de  Lord— e  o  fez  duque  de  We- 
lington.,  etc,  etc, — o  governo  da  Hespaanha 
o  fez  duque  de  Cidade  Rodrigo  e  raarcquez 
do  Douro,  etc, — e  foi  também  princip»e  de 
Waterloo. 

Falleceu  em  14  de  setembro  de  1852,  (con- 
tando 82  aonos  de  idade— e  em  Brigtoni  fal- 
leceu no  mez  d'agosto  de  1884  o  seu  flllho  e 
successor  Arthur  Ricardo  Wellesley,  2.»  (con- 
de do  Vimeiro,  2 »  marquez  de  Torres  Ve- 
dras e  do  Douro,  2.°  duque  de  Victoria  e  de 
Wellington,  príncipe  de  Waterloo,  pair  do 
reino,  conselheiro  particular  e  estríbteiro- 
mór  da  rainha  Victoria,  etc. 

Contava  77  annos  de  idade. 


VIM 


VIM  1443 


A  carta 

Fecharemos  este  tópico,  transcrevendo 
uma  carta  curiosissima  que  tem  sido  publi- 
cada em  diíTerentes  jornaes  e  que  ura  ratão 
de  bom  gosto  dirigiu  a  Lord  Wellington  em 
nome  dos  habitantes  d'e3ta  freguezia  do  Vi- 
meiro. 

Dizem  que  Lord  Wellington  a  lêra  e  ap- 
plaudira  pela  sua  originalidade  e  impossi- 
bilidade de  ser  traduzida  em  outra  qualquer 
lingua. 

Eil-a. 

111."»»  e  Ex."»  Sr. 

«Depois  que  V.  Ex.*  fez  ir  d' escantilhão 
para  França  o  fanfarrão  Junot,  tendo-o  pos- 
to em  papos  d'aranha  nos  campos  do  Vimei- 
ro; depois  que  V.  Ex.»  fez  sair  com  vento  de 
baixo  o  ladino  Soult,  da  cidade  do  Porto, 
obrigando -o  a  fazer  vispere  e  ir  com  as  calças 
na  mão  para  Gaslella;  depois,  que  V.  Ex." 
disse  ao  zanaga  Mas;éua:  alto  lá  sr.  Macá- 
rio I  e  jogando  o  jogo  dos  sisudos  lhe  mostrou 
as  linhas  com  que  se  cosia,  fazendo-o  dar  ás 
trancas,  e  apanhar  pés  de  burro,  por  ter  da- 
do com  as  ventas  n'um  sedeiro;  depois  que 
V.  Ex.»  fez  ir  de  catrambias  a  Berrier,  da 
cidade  de  Rodrigo*  e  ao  caxóla  Philippon 
limpar  as  mãos  á  parede  em  Badajoz,  como 
quem  diz  faça  que  não  me  viu,  e  tendo-o 
tem-ie  Maria  não  caias;  depois  que  V.  Ex." 
finalmente  nos  campos  d'Arapiles  zás,  traz 
nó  cégo,  desazou  o  macambúzio  Marmont,  e 
o  obrigou  a  contar  a  sua  derrota  p  a  pá 
Santa  Justa,  tim,  tim,  por  tim  tim;  foi  en- 
tão, Ex.""»  Sr.,  que  nós  os  pés  de  boi,  portu- 
guezes  velhos,  dissémos:  este  não  é  general 
de  cá,  câ  rd  cá;  tem  amoras;  não  faz  cancã- 
burradas,  nem  deixa  fazer  o  ninho  atraz  da 
orelha;  e,  como  prudente,  umas  vezes  acom- 
mette,  e  outras  põe-se  de  conserva.  Agora 
podemos  dormir  a  somno  solto;  o  nosso  mê- 
do  está  nas  malvas;  a  vinda  do  inimigo  será 
no  dia  de  S.  Nunca  á  tarde.  Por  tanto  só 
resta  agradecer  a  V.  Ex.»  a  visita  que  nos 
fez,  que  desejamos  não  seja  de  medico,  nem. 
com  o  pé  no  estribo,  devendo  saber  V.  Ex.» 
que  estes  desejos  não  são  bazofias,  nem  pa- 
rolas que  leve  o  vento,  mas  sim  ingénuos, 


votos  de  corações  agradecidos  e  leaes,  em 
os  quaes  tem  V.  Ex.»  erguido  com  tanta  jus- 
tiça um  tbrono  de  amor  e  respeito 

De  V.  Ex.»  etc. 
Os  habitantes  do  Vimeiro.* 

Terminaremos  dizendo  que  a  occupação 
d'esta  freguezia  data  de  tempos  prehistori- 
cos,  como  revela  uma  gruta  que  existe  na 
sua  extremidade  O.,  junto  do  logar  de  Ma- 
ceira. 

Ali  se  teem  encontrado  diíTerentes  obje- 
ctos de  silex, — raspadores,  estiletes,  facas, 
etc.,— muitos  dos  quaes  guardou  e  conserva 
o  sr.  dr.  Xavier  da  Silva  Freire,  morador  na 
dieta  povoação. 

VIMENARIA,  quinta  ou  herdade  antiquís- 
sima nas  margens  do  rio  Anços,  concelho  de 
Soure. 

Fr.  Manuel  da  Rocha,  no  seu  Portugal  Re- 
nascido, parte  1.»  n."  30,  copia  uma  escri- 
plura  do  mosteiro  de  Lorvão,  feita  no  anno 
de  933,— eseriplura  de  venda  da  herdade  de 
Vimenaria,  quod  est  juxta  ribulo  Anzo,  e  sup- 
põe  que  ali  D.  Aflonso  II,  o  Casto,  de  Leão, 
derrotou  os  mouros  em  uma  batalha  A  es- 
ta opinião  se  inclina  também  José  Barbosa 
Canaes  deFigueiredo  e  a  sustenta  com  milita 
erudição  nos  seus  Apontamentos  ácerca  da 
Villa  de  Soure,  publicados  nas  Memorias  da 
Academia  Real  das  Sciencias,  tomo  3."  da  2.* 
serie,  parle  1.»  pag.  46  in-fine  e  segg. 

Não  temos  outra  noticia  da  tal  quinta  de 
Vimenaria,  que  talvez  tomasse  o  nome  de 
Vimeira  ou  Vimieira, — nem  nos  consta  que 
fosse  povoação.  Pelo  menos  hoje  em  todo  o 
nosso  paiz  apenas  ha  uma  povoação  denomi- 
nada Vimeira  na  freguezia  de  Salir  dos  Mat- 
tos, concelho  das  Caldas  da  Rainha,— e  com 
o  nome  de  Vimieira  apenas  conhecemos  a 
povoação  seguinte: 

VIMIEIRA,— aldeia  uuiea  d'este  nomo  em 
todo  o  nosso  paiz. 

Pertence  á  freguezia  de  Casal  Comba,  con- 
celho da  Mealhada.  Produz  vinho  de  mesa, 


1  V.  Portugal  Renascido,  parte  1."  n.«»  29, 
30  e  31. 


1444  VIM 


VIM 


— é  povoação  muito  antiga — e  já  foi  muito 
privilegiada,  pois  D.  Manuel  a  menciona  ex- 
pressamente DO  foral  que  em  12  de  setem- 
bro de  1514  deu  a  esta  freguezia. 
V.  Casal  Comba. 

VIMIEIRO, —  aldeia  da  freguezia  de  S. 
Martinho  de  Sande,  concelho  do  Marco  de 
Canaveses,  na  margem  direita  do  Douro. 
V.  Sande,  vol.  8."  pag.  88,  eol.  l.',in  fine- 
Comprehende  maia  esta  freguezia  as  al- 
deias spguintes: — Loureiro,  Reguengo,  Vei- 
ga, Villas,  Villa  Nova,  Fundo  de  Villa,  Casal 
Bom,  Carvalho,  Malagarta,  Sanflago,  Samei- 
ro,  Gandra,  Gontige,  Arrifana,  Lourentim, 
Souto,  Covilhã,  Feijoal,  Pinheiral,  Terra  See- 
ca.  Bouça,  Quinta,  Ribeiro,  Zenha  ou  Aze- 
Dha,  Corredoura,  Fonte  da  Estrada,  Codexi- 
do.  Rua  Nova,  Fastelia,  Chryslovam  e  Oli- 
val;—os  casaes  da  Boa  Vista,  Lamas,  La- 
meiros, Lameirão,  Barregal,  Espinheiro,  Tri- 
gaes.  Torre,  Foniella,  Serrado,  Outeiro  Lon- 
go, Lage,  Agrella,  Sandeiro,  Villas,  Valles, 
Devesa,  Levada— e  as  quintas  de  Gaiosa, 
Toqueirão,  Ladueiro,  Fivida,  Portella,  Capa- 
ncas,  Olheirão  e  Outeiro  de  Lourido. 

Desde  que  se  abriu  ao  transito  a  linha  fér- 
rea do  Dourotem  abatido  consideravelmente 
o  trafego  da  navegação  d'este  rio,  mas  ante- 
riormente a  maior  parte  dos  habitantes  d'esta 
povoação  de  Vimieiro  era  formada  por  ma- 
rinheiros rahellos  e  arraes,  alguns  d'elles  do- 
nos de  muitos  barcos  desde  os  maiores  de 
70  a  80  pipas  até  os  de  5  a  7,  para  passa- 
gem, pesca  e  recreio,  —  arraes  que  foram 
bons  proprietários,— ordenaram  e  formaram 
filhos — e  fizeram  a  maior  parte  das  casas  da 
dieta  povoação. 

O  mesmo  succedeu  nas  povoações  de  Cas- 
tello de  Paiva,  Porto  Manso,  Porto  Antigo, 
Caldas  d'Aregos,  Mirão,  Resende,  Porto  de 
Rei,  Frende,  Barqueiros,  Bernardo,  Molledo, 
Curvaceira,  Carvalho  e  outras  das  duas  mar- 
gens do  Douro,  principalmente  a  juzante  da 
Regoa. 

Conhecemos  um  dlstineto  lente  da  nossa 
Universidade  epar  do  reino,  filho  de  um  dos 
dictos  arraes. 

Foram  muito  notáveis  os  Lodos  de  Porto 
Manso  e  os  Corteses  de  Barqueiros,  famige- 


rados valentões,— e  o  sr.  José  Ignacio),  do 
Carvalho,  que  teve  uma  das  primeiras  coHlec- 
ções  de  barcos  rabellos  e  foi  um  dos  priimei- 
ros  proprietários  da  freguezia  de  Fonteíllas. 

Em  annos  de  fortuna  só  um  dos  gramdes 
barcos  de  70  a  80  pipas  costumava  dair  de 
lucro  600  a  800í^000  réis;  mas  também  (Cus- 
tavam bom  dinheiro '  e  por  vezes  ficawam 
feitos  em  estilhas  logo  na  primeira  viagem. 

Nunca  barco  algum  foi  do  Porto  á  Hefspa- 
nha  ou  da  Hespanha  ao  Porto  sem  deixcar  a 
bombordo  ou  a  estibordo  outros  barcos  'des- 
pedaçados,— tão  perigosa  foi  sempre  a  naave- 
gação  do  Douro  I  E  por  vezes  no  meesmo 
ponto  e  DO  mesmo  dia  se  despedaçaraim  4, 
5  e  6  barcos ! 

V.  Pontos  do  Douro— e  Douro  n'este  die- 
cionario  e  no  supplemento. 

Voltando  á  dieta  povoação  do  Vimieirco  de 
Sande,  diremos  que  alem  das  casas  doss  ar- 
raes e  marinheiros,  também  conta  uma  (casa 
antiga  e  nobre,  denominada  casa  amarrella, 
que  foi  do  tenente  general  Alexandre;  Al- 
berto de  Serpa  Pinto.  É  hoje  de  seu  Ifilho 
Antonio  de  Serpa  Pinto,  irmão  do  genersal  de 
divisão  reformado  José  Maria  de  Serpa  ]Pin- 
to,  morador  na  sua  casa  do  Reguengo,  o)utra 
casa  nobre  d'esta  mesma  freguezia  de  Sainde. 

Uma  filha  do  dieto  tenente  general  cíasou 
com  o  dr.  José  da  Rocha  Miranda  de  Figijuei- 
redo  e  teve  o  nosso  distincio  explorador  ;afri- 
cano  Alexandre  Alberto  da  Rocha  Sterpa 
Pinto. 

V.  Sinfães,  vol.  9."  pag.  403. 


1  Não  custa  menos  de  600  a6S0W00i  réis 
um  barco  rabello  de  70  a  80  pipas.  Elless  são 
de  madeira  tosca,  mas  madeira  muito  vailen- 
te,  quasi  toda  castanho. 

Só  o  casco  regula  por  300i^000  réisi,— a 
vela  por  150  —  e  os  aprestes  restantes,  por 
outros  150. 

Note-se  que  as  velas  dos  grandes  baircos 
rabellos  são  todas  de  linho.  E  de  bom  Ilinho 
são  todas  as  cordas  dos  barcos  grandles  e 
pequenos. 

A  tripulação  dos  barcos  grandes  é  díe  16 
a  18  homens,  comprehendendo  1  feitor,  que 
representa  o  arraes,  ou  dono  do  barco); — e 
uma  viagem  redonda  do  Porto  á  Hespaanha 
até  volverem  ao  Porto  demanda  20  a  30  dias 
e  por  vezes  o  dobro  e  mais  I . . . 


VIM 

Também  ha  na  dieta  povoação  de  Vimiei- 
ro um  grande  armazém,  mandado  fazer  no 
principio  d'este  século  pela  Companhia  dos 
Vinhos,  fundada  pelo  marquez  de  Pombal. 

V.  Porto,  vol.  VII,  pag.  416,  eol.  — 
Victoria,  vol.  X,  pag.  397  e  segg.— e  Villa 
Jusã. 

A  dieta  povoação  de  Vimieiro  é  muHo  Tpit- 
toresca  e  saudável;— tem  bons  campos,  bons 
vinhedos  e  bons  pomares  de  frueta,  compre- 
hendendo  nnuitas  laranjeiras. 

Só  o  dono  da  casa  amarella  de  Vimieiro 
de  Cima,  o  sr.  Antonio  de  Serpa  Pinto,  ca- 
sado e  sem  successão  e  que  reside  no  Porto 
a  mainr  parte  do  anno,  costuma  arrendar 
por  500  a  600  mil  réis  a  laranja  dos  seus 
pomares.  São  os  maiores  do  Douro,  mas  não 
teem  comparação  alguma  com  os  de  Setú- 
bal. Nós  já  visitamos  ali  um  de  8:000  laran- 
jeiras compactas  e  que  tem  sido  arrendado 
alguns  annos  por  oito  contos  de  réis'.., . 

Também  já  vimos  grandes  pomares  de  la- 
ranjeiras no  Mondego  e  na  villa  de  Monchi- 
que, no  Algarve,  mas  aquelle  de  Setúbal  é 
com  certesa  hoje  o  maior  de  todo  o  nosso 
paiz. 

A  povoação  de  Vimieiro  está  defronte  de 
Tarouquella,  freguezia  do  concelho  de  Sin- 
fães,  na  outra  margem  (esquerda)  do  Dou- 
ro, e  dista  cerca  de  10  kilometros  da  foz  do 
Tâmega  ou  de  Entre  Ambos  os  Rios,  para 
montante,— e  7  a  8  da  estação  do  Juncal,  a 
mais  próxima,  na  linha  férrea  do  Douro,  pa- 
ra jusante,  ou  para  O.  S.  O. 

VIMIEIRO,— couto  e  villa  extinctos,  hoje 
simples  freguezia  do  concelho,  comarca,  dis- 
tricto  e  diocese  de  Braga,  província  do  Mi- 
nho. 

Reitoria.  Orago  Sant' Anna— fogos  91,— 
habitantes  388. 

Em  1706  era  vigairaria  da  apresentação 
do  collegio  de  S.  Paulo  dos  jesuítas  de  Bra- 
ga, depois  collegio  de  religiosas  ursulinas  e 
hoje  seminário  archiepiscopal;— rendia  réis 
iOmOO  para  o  vigário  e  200ií!000  réis  para 
os  jesuitas,— e  contava  60  fogos. 

Em  1768,  depois  da  extincção  da  Compa- 
nhia de  Jesus,  era  vigairaria  da  apresenta- 
ção do  padroado  real  ou  da  coroa;— rendia 


VIM  1445 

para  o  vigário  80|;000  réis— e  contava  94 
fogos. 

o  censo  de  1864  deu-lhe  92  fogos  e  410 
habitantes,— e  o  de  1878  deu-lhe  89  fogos  e 
332  habitantes. 

Em  ambos  os  censos  não  ha 
proporção  entre  os  fogos  e  al- 
mas. 

Comprehende  as  aldeias  seguintes:— ilfos- 
teiroí,  assim  denominada,  porque  esteve 
aqui  o  celebre  mosteiro  de  que  logo  falla- 
remos,~Picôlo,  assim  denominada  porque 
occupa  o  ponto  mais  alto  da  freguezia,— 
Souto,  assim  denominada  por.  ser  outr'ora 
um  grande  souto  de  carvalhos,— Sawía  Cruz 
assim  denominada  por  ter  um  antiquíssimo 
cruzeiro,  hoje  substituído  por  duas  cruzes 
de  pedra,  aonde  iam  diffprentes  c/amom  ou 
procissões  que  hoje  se  fazem  ao  redor  da 
&^re']?L,— Maçada,  cujo  nome  tomou  das  vol- 
tas que  a  estrada  publica  aqui  descreve,— 
voltas  que  n'e8tes  sitios  denominam  também 
maçadas,  ^— Monte,  por  estar  em  uma  p\evà- 
q^o,— Estrada,  por  passar  a  meio  d'ella  a 
via  publica,— ilí/m,  por  ter  em  volta  cam- 
pos magníficos,— Borraro,  Devesa,  Bouça, 
Corujeira,  Gaião,  Palharinha,  Portôa,  Ca- 
chada, Pinheiro,  Granja  e  varias  quintas,  to- 
das habitadas.  Mencionaremos  apenas  as 
seguintes : 

l.'—Do  Mosteiro,  na  aldeia  d'estp  nome. 

Comprehende  grande  parte  dos  bens  que 
foram  do  extincto  convento  de  SanfAnna  do 
Vimieiro,  entre  elles  a  fíorta  dos  defuntos, 
assim  denominada  por  estar  contigua  á  egre- 


*  Suppomos  ser  a  séde  da  parochia,  posto 
que  nem  a  Chor.  Moderna,  "tiem  os  meus 
apontamentos  o  dizem, — nem  esta  parochia 
se  encontra  nos  mappas,  nem  nós  a  visita- 
mos nunca,  p^Io  que  estamos  escrevendo  a 
medo  e  desde  já  pedimos  desculpa  d'alguma 
inexactidão,  que  de  bom  grado  repararemos 
no  supplemento,  logo  que  alguém  mais  co- 
nhecedor da  localidade  se  digne  apontar-nos 
os  lapsos. 

2  Julgo  muito  próprio  e  bem  merecido  o 
nome  de  maçada  ou  Maçada,  mas  algures 
leio  Maçada  \ 

Dicant  paduani. 


1446  VIM 


VIM 


ja  matriz,  lado  posterior,  e  ler  sido  outr'ora 
cemitério. 

Pertence  ao  sr.  Estevam  da  Gosta  Ribeiro 
da  Cruz,  qae  é  iioje  absolutamente  o  bomem 
mais  rico  d'esta  freguezia  e  um  dos  quarenta 
maiores  contribuintes  d'esle  importante  con- 
celbo. 

Alem  da  mencionada  quinta,  possue  ou- 
tras muitas  propriedades  e  boas  sommas  em 
dinbeiro. 

N'esta  quinta  nasceu  o  dr.  Estevam  Ri- 
beiro, que  foi  desembargador  da  relação  do 
Porto. 

2.  »— De  Antonio  Joaquim  Marques,  na  al- 
deia de  Maçada. 

3.  '— De  Francisco  Ferreira  Lobo,  na  al- 
deia Uo  Pinheiro. 

4.  "— De  João  Baptista  Gomes,  na  aldeia  da 
Granja. 

De  Ignacio  Gonçalves  ViUaça,  na  al- 
deia do  Alonte. 

6.»— Dtí  José  Antonio  da  Gosta  e  Silva,  na 
aldeia  de  Portôa. 

As  mencionadas  quintas  são  antes  casaes 
ou  vivendas,  puis  comprehendem  muitas  pro- 
priedades. 

Demora  esta  freguezia  na  estrada  real  a 
maeadam,  u."  3,  do  Porto  aos  Arcos,  por  Vil- 
la iSova  de  Famalicão,  Draga,  Villa  Verde 
Pico  de  Regalados,  eic.,— e  dista  2  kilome- 
iros  da  estação  de  Tadim  (a  mais  próxima) 
na  linha  férrea  do  Minho;— 5  de  Braga  para 
S.  U.;— 50  do  Por  10— e  387  de  Lisboa. 

Fregueziaslimitrophes: — Geleiros  e  Avel- 
iôda  a  N.;— Fradellos  e  Priscos  a  S.  e  O.,— 
e  Geleu  ós  lambem  a  E. 

Producções  dominantes:— milho  grosso, 
vinho  verde  ou  de  enforcado,  centeio,  frucla 
e  hervagens,  pelo  que  lambem  engorda  mui- 
tos bois  para* a  Inglaterra,  posto  que  esta 
industria  hoje  se  acha  decadente. 

V.  Villar  d' Andorinha. 

Banha  esta  parochla  pelo  sul  o  rio  Este  ou 
D'este,  que  toca  em  Braga  e  uo  sitio  áa^  Re- 
torta desagua  no  Ave,  um  pouco  a  montan- 
te de  Villa  do  Gonda.  Vide  Este,  Ateste  e 
Aliste. 

Tem  n'esta  parochla  um  pontim  ou  ponte- 


Ibâo  na  aldeia  de  Maçada,  para  passageou  da 
estrada  real  a  maeadam  n.^  3. 

Na  dieta  aldeia  e  na  de  hcôto  ha  umja  in- 
dustria antiga  de  certa  importância: — to  fa- 
brico de  cadeiras  de  pau. 

Montes:— Avellêda  a  JN.; — Denimo  oiu  De- 
nèmo  (?)  a  E.;— a  O.  S.  Bento; — a  S.  o  imes- 
mo  de  S.  Bento  e  Maçada,  —  e  ao  sul  ■  o  de 
Trezeste,  talvez  moditícação  de  Trans  JEste, 
alem  do  rio  Este  (?). 

Nada  oíferecem  digno  de  especial  rmen- 
ção. 

Apenas  o  de  Maçada  tem  um  penedo  dleno- 
minado  Penedo  do  Ouro,  cercado  de  leindas 
de  ihesouros  encantados, — e  outro  pemedo 
com  o  nome  de . . .  Mija  Vaccas, — assiim  de- 
nominado, porque  fórma  um  plató,  ondde  no 
verão  costumam  reunir-se,  descançar  e... 
as  vaccas  que  andam  pastando  no  (dicto 
monte. 

Ha  lambem  n'esta  freguezia  uma  auUa  of- 
íicial  de  instrucção  primaria  para  o  sexo 
masculino,  na  aldeia  do  Souío— aula  (com- 
mum  as  freguezias  de  Vimieiro,  Gelieirós 
e  Avellêda,  por  estarem  todas  ires  imuito 
próximas. 

N'este  concelho  de  Bíraga, 
n'esle  dislricio  e  namaiorr  par- 
te ,d'e8ta  província  não  siucee- 
de  como  no  Alemtejo,  onde 
muitas  freguezias  dislama  la- 
goas umas  das  outras. 

Templos:— a  egreja  matriz  e  a  capellla  pu- 
blica de  S.  Bento,  a  O.  do  monte  que  icomou 
d'ella  o  nome. 

A  egreja  é  pequena,  mas  decente  e;  bem 
conservada;— tem  12  melros  de  compriimen- 
to  e  6  de  largura;— altar-mòr  e  4  laueraes 
com  boa  obra  de  talha, — e  em  um  deíUes  a 
imagem  de  Santo  Amaro,  muito  queridai  d'es- 
tes  povos  e  lodos  os  aunos  feslejadai  com 
pompa  e  grande  romaria,  concorrendo  a  ell^ 
muitos  habitantes  dos  povos  circumvisiinhos, 
incluzivamenie  de  Braga. 
A  egreja  foi  construída  no  local  onáie  es- 

j  teve  a  do  extincto  convento.  D'ella  hojee  ape- 
nas resta  a  capella-mór,  transformadla  em 

I  sacristia  da  egreja  actual. 


VIM 


VIM  1447 


o  convento 

Não  se  sâbe  quando  aem  por  quem  foi 
fundado  o  convento  de  Santa  Maria  do  Vi- 
mieiro  i,j_n'esia  freguezia  de  SanfAnna  de 
Vimieiro,  -nem  a  que.ordem  primitivamen- 
te pertenceu. 

O  chronista  dos  religiosos  agostinhos  cal- 
çados diz  que  foi  fundação  d'elles,  mas  Fr. 
Leão  de  S.  Ttiomaz  aponta-o  como  benedi- 
ctino  e  benedictino  foi  com  certeza  desde  os 
princípios  do  século  xii,  contando  já  então 
mais  de  600  ânuos  d  existencial 

Foi  feito  approximadamente  na  era  de 
670  (anno  632)  pois  Fr.  Leão  de  S.  Ttiomaz 
cila  uma  eseriptura  d'aquelle  anno,  na  qual 
86  doavam  certas  terras  para  se  acabar  e 
aperfeiçoar  o  dicto  mosteiro:  Damus  nos- 
tram  haereditaíem. . .  utdomus  Dei  crescat, 
et  in  finem  aedificetis  eam.  Fada  charla  Era 
DCLXX. 

Em  vulgar:  «Damos  a  nossa  herdade... 
para  que  a  casa  de  Deus  cresça,  e  para  que 
acabeis  de  a  edificar.  Era  de  670  (anno 
632).. 

Largo  tempo  durou  este  convento,  até  que 
vindo  á  Hespanha  D.  Mauricio,  8.°  geral  da 
congregação  benedictina  de  Cluni,  visitou  a 
rainha  D.  Theresa,  mãe  de  D.  AÍTonso  Hen- 
riques, e  ella  lhe  doou  o  dicto  convento  no 
dia  23  de  maio  de  1127,  2  annos  antes  de 
fallecer, — segundo  se  lia  em  uma  eseriptura 
da  sé  de  Braga. 

Em  virtude  d'aquella  doação  íieou  o  di- 
cto mosteiro  pertencendo  á  congregação  de 
Cluni,  segundo  consta  d'outra  eseriptura  en- 
contrada no  Livra  dos  Testamentos  da  mes- 
ma só,  a  qual  dizia  que  em  agosto  de  1134 
Sigisberto,  prior  do  convento  de  Vimieiro, 
com  09  seus  monges,  trocou  a  egreja  de  S. 
Martinho  da  Gandra  por  um  casal  em  Celei- 
ros, com  o  arcebispo  bracarense  D.  João  Pe- 
culiar, 1."  do  nome  e  3.»  depois  de  S.  Ge- 
raldo. 

Os  geraes  de  Cluni  mandavam  de  França 


1  Benedictina  Lusitana,  tomo  1.»,  pag. 
502. 


para  o  convento  de  Vimieiro  prelados  ou 
priores. 

Passados  muitos  annos  D.  Gonçallo,  ulti- 
mo abbade  perpetuo  do  convento  benedicti- 
no de  Tibães,  annexou-lhe  ou  uniu-lhe  o  de 
Vimieiro  e  assim  se  conservou  approxima- 
damente cineoenta  annos,  até  que  por  mor- 
te de  Ruy  de  Pina,  3.°  abbade  commendata- 
rio  de  Tibães,  ficou  o  dicto  convento  de  Vi- 
mieiro devoluto  ao  ordinário — eo  santo  ar- 
cebispo D.  Fr.  Bartholomeu  dos  Martyres, 
introduzindo  os  jesuítas  na  cidade  de  Bra- 
ga, uniu  o  dicto  convento  ao  collegio  de  S. 
Paulo  (hoje  seminário)  que  os  jesuítas  fun- 
daram na  dieta  cidade. 

Extinctos  os  jesuítas,  passaram  para  aco- 
rôâ  todos  os  bens  d'elles,— incluindo  os  que 
foram  do  convento  de  Vimieiro,  do  qual  ho- 
je nada,  absolutamente  nada  resta,  alem  das 
paredes  da  capella-mór,  transformada  em 
sacristia  da  egreja  actual  d'esta  parochial... 

Nem  o  titulo  conservou,  pois  sendo  Santa 
Maria  o  seu  orago  e  muito  provavelmente 
o  orago  d'esta  parochía  também,  porque  a 
egreja  do  convento  era,  segundo  suppomos, 
a  matriz, — hoje — e  desde  séculos — o  orago 
I  d'esta  parochía  é  SanfAnna. 

Dos  jesuítas  passaram  para  a  Universida- 
de de  Coimbra  vários  collegios,  incluindo  o 
de  S.  Paulo,  de  Braga,  com  todas  as  suas 
rendas,  das  quaes  fazia  parte,  como  já  disse- 
mos, o  extincto  convento  de  Santa  Maria  do 
Vimieiro,  e  por  isso  no  archívo  da  Univer- 
sidade, que  representa  muitos  archivos  de 
differentes  collegios  que  foram  dos  jesuítas, 
se  encontram  vários  documentos  e  pergami- 
nhos muito  curiosos,  relativos  ao  convento 
de  que  estamos  tratando,  tajjs  são  os  seguin- 
tes: 

1.0— Do  anno  1469. 

É  uma  apresentação  e  confirmação,  estan- 
do o  mosteiro  vago  e  já  sem  frades. 

2.  °— Do  anno  1510. 

São  umas  lettras  executórias  com  relação 
á  commenda  de  Tibaes  e  suas  annexas,  com- 
prehendendo  a  egreja  de  Vimieiro,  cujo  con- 
vento também  n'aquella  data  não  tinha  fra- 
des. 

3.  »— Do  anno  1530. 


1448  VIM 


VIM 


É  uma  apresentação  e  confirmação  do  ab- 
bade  e  reitor  de  Santa  Maria  do  Vimieiro. 

4.  " — Do  mesmo  anno  1530. 
Executórias  de  bulias  d'expeetativa. 

5.  °— Do  mesmo  anno  íambem. 

Refere- se  a  um  casal  de  Treseste,  na  fre- 
guezia  de  Ceieirós. 

6.  °— Do  anno  1539. 

Ê  a  união  ao  collegio  de  S.  Paulo  das  egre- 
jas  de  Santa  Maria  de  Negrellos,~S.  Julião  de 
Val  Paços— e  Santa  Maria  de  Vimieiro, — 
união  feita  pelo  infante  D.  Henrique,  arce- 
bispo de  Braga,  que  augmentou  o  collegio 
com  grandes  ediflcios,  para  n'elle  haver  au- 
las gratuitas. 

É  isto  o  que  se  lê  no  Catalogo  dos  Perga- 
minhos da  Universidade  pelo  sr.  Gabriel  Pe- 
reira, Coimbra,  1880,  pag.  82;  mas  a  Bene- 
dictina  Luzitana,  logar  citado,  diz  que  a 
união  foi  feita  pelo  santo  arcebispo  D.  Fr. 
Bartholomeu  dos  Martyres ! . . . 

6.  °— Do  anno  1391. 

Lettras  executórias  de  uma  bulia  de  pro- 
vimento do  priorado  de  Santa  Maria  do  Vi- 
mieiro. Pergaminho  bem  conservado  com  o 
sello  igualmente  bem  conservado  de  Petrus 
episcopus  pacensis.  João  Bolanderi,  monge  do 
mosteiro  de  Cluni...  por  morte  de  Henri- 
que Forneri.  ..—diz  o  citado  documento,  o 
que  prova  claramente  que  o  mosteiro  em 
questão  se  costumava  governar  pelos  mon- 
ges de  Cluni. 

7.  "— Do  anno  1488. 

É  a  apresentação  do  arcebispo  D.  Jorge  na 
abbadia  de  Tibães,  compreh^ndendo  o  con- 
vento de  Santa  Maria  de  Vimieiro,  e  o  auto 
da  posse  em  22  de  junho  de  1489. 

Sello  nitido  de  Affonsus  episcopus  pampi- 
Ion. 

V.  Catalogo  citado  supra,  pag.  63,  80,  81, 
82,  103  e  104. 

Couto  de  Vimieiro 

Esta  freguezia  outr'ora  foi  couto  da  gran- 
de comarca  (provedoria)  de  Guimarães,  mas 
sujeito  à  cidade  de  Braga,  cujo  ouvidor  ia 
a  Vimieiro  fazer  uma  audiência  cada  mez, 
pelo  que  lhe  davam  um  carro  de  pão.  Era 
da  corôa  e  em  1706  tinha  juiz  ordinário  e 


simultaneamente  dos  orphãos,  2  vereadores,, 
servindo  de  almotacéum  d'elles,  procurador 
de  eleição  triennal  do  povo,  e  sob  a  presidên- 
cia do  corregedor  do  Porto  (?l . . . ),— 2  ta- 
belliães  do  judicial  e  notas  que  alternativa- 
mente escreviam  na  camará  e  almotaçaria, 
— um  escrivão  das  sisas  e  um  meirinho, — 
todos  da  nomeação  d'el-rei. 

O  dicto  coMío  comprehendia  esta  parochia, 
a  de  S.  Lourenço  de  Celeiros  e  a  de  Santa 
Maria  de  Aveléda;  a  séde  estava  n'esta  de 
Vimieiro,  mas  a  cadeia  estava  na  de  Celei- 
rôs,  em  uma  casa,  hoje  reedificada  e  deno- 
minada Casa  das  Choças. 

Da  antiga  cadeia  ainda  hoje  se  vêem  al- 
gumas pedras  das  janellas  na  povoação  da 
Misericórdia,  freguezia  de  Ferreiros,  d'este 
concelho,  no  muro  de  uma  bouça  perten- 
cente ao  sr.  Francisco  Antonio  da  Silva  Fer- 
reira de  Araujo,  morador  na  aldeia  da  Es- 
trada da  mftsma  freguezia  de  Ferreiros,  rico 
proprietário  e  um  dos  quarenta  maiores  con- 
tribuintes d'e8te  grande  concelho. 

Também  foi  villa  e  teve  foral  próprio,  da- 
do em  Lisboa  por  D.  Manuel  a  4  de  setem- 
bro de  1517. 

Livro  de  Foraes  Novos  do  Minho,  fl.  144, 
V.  col.  1.» 

Não  nos  consta  que  tivesse  foral  velho; 
pelo  menos  Franklin  não  o  menciona. 

VIMIEIRO,— íreguezi a  extincta,  hoje  sim- 
ples aldeia  da  freguezia  de  Romeu,  concelho 
6  comarca  de  Macedo  de  Cavalleiros,  dis- 
tricto  de  Bragança,  província  de  Traz-os- 
Montes. 

Em  1706  contava  25  fogos  e  pertencia  ao 
termo  da  villa  e  do  extincto  concelho  de 
Cortiços,  comarca  de  Moncorvo,  e  á  com- 
menda  de  Nossa  Senhora  da  Assumpção  de 
Mascarenhas. 

Também  á  mesma  freguezia  de  Romeu  foi 
annexa  a  freguezia  de  Val  de  Couço,  hoje 
simples  aldeia,  que  em  1706  contava  12  f@- 
gos  e  pertencia  ao  termo  da  villa  de  Miran- 
della,  comarca  de  Moncorvo,  e  á  dieta  com- 
menda  de  Mascarenhas. 

Representa  hoje,  pois,  a  freguezia  de  Ro- 
meu nada  menos  de  3  freguezias— e  pelo 
ultimo  recenseamento  de  1878  contava  ape- 
nas 76  fogos?  I. .. 


VliM 

Bellesas  do  malfadado  districto  de  Bra- 
gança. 

V.  Villa  Verde  de  Mirandella,  tomo  XI, 
pag.  1094,  eol.  2.»— e  Villa  Verde  de  Vinhaes, 
no  mesmo  volume  pag.  1099,  uol.  2.»  lam- 
bem 

Veja-se  lambem  Romeu,  lomo  VIII,  pag. 
246,  col.  2.»  O  meu  benemérito  antecessor 
deu-lhe  110  fogos.  Foi  lapso. 

Também  por  lapso  o  sr.  João  Maria  Ba- 
plisia,  na  sua  Chorog.  Moderna,  tomo  1."  pag. 
373,  dix  que  o  padre  Carvalho  menciona  a 
povoação  de  Vimieiro  como  pertencente  á 
freguezia  de  Cubunellas  I . . . 

O  Padre  Carvalho  diz  textualmente: 

lEsle  lugar  (Vimieiro)  he  freguezia  do  lu- 
gar de  Romeo,  lermo  da  wllà  de  Cortiços...* 
—Chorog.  Porívgueza  tomo  1."  pag.  453  mi- 
hi,—e  a  pag.  441,  fatiando  da  villa  de  Cor- 
tiços, menciona  a  freguezia  de  Romeu  como 
pertencente  ao  termo  d'aquflla  villa  e  á  di- 
eta commenda  de  Mascarenhas. 

Aproveitando  o  ensejo  diremos  que  na  fre- 
guezia de  Romeu  ha  uma  mina  d'ouro,  pra- 
ta e  cobre,  descoberta  e  manifestada  pelo  sr. 
José  Pegado,  que  já  mandou  vir  da  Allema- 
nha  um  disiincio  engenheiro  para  dirigir  as 
pesquisas,  a  que  anda  procedendo,  e  tracta 
de  formar  uma  companhia  para  a  explora- 
ção. 

VIMIEIRO, — freguezia  do  concelho  e  co- 
marca de  Santa  Cumba  Dão,  districto  e  dio- 
cese de  Viseu,  província  da  Beira  Alta. 

Curato.  Orago  Santa  Cruz; — fogos  132,— 
habitantes  580. 

Em  1708  era  curato  annexo  ao  priorado 
de  Santa  Comba  do  Couto  do  Mosteiro,  cujo 
prior  apresentava  o  cura,  a  quem  dava  o  pé 
d'allar  e  uma  pequena  côngrua,  e  recebia  os 
dizimos;— pertencia  ao  termo  do  extineto 
Couto  do  Mosteiro,  hoje  simples  freguezia 
d'este  concelho  e  comarca  de  Santa  Comba 
Dão,  sendo  n'aquelle  tempo  o  dicto  couto 
dependência  da  comarca  da  Guarda,— e  con- 
tava esta  freguezia  de  Vimieiro  70  fogos. 

Em  1768  era  curato  da  mesma  apresen- 
tação;—rendia  para  o  cura  apenas  30)^000 
réis— e  contava  83  fogos. 

O  censo  de  1864  deu-lhe  98  fogos  e  453 


VIM  1449 

habitantes— e  o  de  1878  deu-lhe  106  fogos 
e  471  habitantes. 

Comprehende  as  aldeias  seguintes: — Vi- 
mieiro, titulo,  mas  não  séde  da  matriz,  que 
está  um  pouco  isolada,— Rojão  Grande,  Val 
da  Porca,  Lameirinhas,  Casal  Novo,  A  de 
Martinho,  Casal  das  Castinceiras,  Coval,  Cer- 
radinho,  Quinta  e  Bairro  Novo  ou  da  Esta- 
ção, onde  se  fez  a  estação  de  Santa  Comba^ 
na  linha  da  Beira  Alta. 

CUma  temperado  e  muito  saudável. 

Producçòes  dominantes: — bom  vinho  de 
mesa,  cereaes,  azeite  e  fructa. 

Até  1882,  data  da  ultima  cireumscripção 
diocesana,  pertencia  ao  bispado  de  Coimbra. 

Paroiihias  limitrophes :  —  Santa  Comba- 
Dão,  Ovoa,  Pinheiro  d'Azere  e  S.  João  d'A- 
reias. 

Demora  em  terreno  accidentado,  mas  mi- 
moso e  fértil,  na  margem  esquerda  do  rio 
Dão,  confluente  do  Mondego,  e  dista  3  kilo- 
metros  de  Santa  Comba-Dão  para  E.; — 9  do 
Mondego  (margem  direita)  para  N.;— 45  da 
estação  (entroncamento)  da  Pampilhosa; — 
57  de  Coimbra  pelas  linhas  férreas  da  Beira 
Alta  e  do  Norte;— 151  do  Porto— e  276  de 
Lisboa. 

Viação 

Poucas  freguezias  do  nosso  paiz  estarão 
tão  bem  servidas  de  communicações  de  to- 
da a  ordem,  pois  é  cortada  por  duas  linhas 
férreas  e  por  3  estradas  a  maeadam; — tem 
á  sua  disposição  duas  linhas  telegraphicas 
— e  a  via  fluvial  do  Mondego,  que  é  navegá- 
vel desde  o  caes  da  Foz-Dão  até  à  Figueira. 

Linhas  férreas 

1.  »— A  da  Beira  Alta,  que  alravessa  esta 
freguezia  e  tem  dentro  d'ella  a  estação  de 
Santa  Comba. 

2.  «— O  ramal  que  deve  partir  da  estação 
de  Santa  Comba  e  seguir  atravez  d'esta  fre- 
guezia e  d'outras  para  Vizeu. 

Estradas  a  maeadam 

I  Estrada  real  n.°  48,  de  Mangualde  ao 


1450  VIM 


VIM 


porto  da  Foz-Dão,  passando  por  esta  fregue- 
Zia. 

2.  »— Ramal  que,  partindo  da  aldeia  do  Ro- 
jão Grande,  entronca  em  Santa  Comba-Dão 
na  estrada  real  n."  8,  da  Mealhada  a  Viseu. 

3.  » — Ramal  que,  partindo  d'aqQelIe,  vae 
até  á  estação  de  Santa  Comba. 

Linhas  telegraphicas 

A  da  linha  férrea  da  Beira  Alta; — a  do  ra- 
mal de  Viseu,  em  Via  de  construcção,— e  a 
de  Santa  Comba,  que  p5e  aquella  e  esta  fre- 
guezia,  sua  liraitrophe,  em  contacto  com  to- 
da a  rede  telegraphiea  do  nosso  paiz,  da 
Hespanha  e  da  Europa. 

Rios  e  ribeiros 

1.  " — Rio  Dão,  que  banha  esta  freguezia  a 
N  O.  e  desagua  no  Mondego  a  Qkilometros 
de  distancia,  no  caes  da  Foz-Dão,  que  foi 
um  caes  muito  importante  e  de  muito  mo- 
vimento, antes  da  construcção  da  linha  da 
Beira  Alta. 

Rega  e  moe,  e  tem  n'e?ta  freguezia  uma 
boa  ponte  de  pedra  na  estrada  que  vae  para 
Santa  Comba-Dão.  A  dieta  ponte  foi  cortada 
em  1810  pelo  exprcito  francez  de  Massena  e 
reedificada  em  1825  por  el-rei  D.  .Mão  VI, 
de9pendendo-s6comareedifieação3;898(^05o 
réis, — segundo  se  lê  em  uma  inscripção  gra- 
vada na  avenida  esquerda  da  dieta  ponte,  do 
lado  d'esta  freguezia. 

2.  » — Ribeiro  do  Vimieiro,  que  banha  esta 
parochia  e  desagua  no  Dão. 

3.  » — Ribeiro  do  Campo. 

Banha  esta  freguezia  e  a  de  Pinheiro  d' A' 
zere—e  desagua  no  Mondego  a  Skilometros 
de  distancia. 

Templos 

i." — Egreja  matriz,  muito  antiga,  bem 
conservada  e  com  pórtico  d'areo  de  volta  in- 
teira. 

Está  em  sitio  pittoresco  e  agradável,  mas 
solitário,  isolado  e  hoje  completamente  er- 
mo; suppomos,  porém,  que  ouir'ora  foi  po- 
voado, pois  ali  se  encontram  ainda  hoje  se- 


pulturas abertas  na  rocha  e  que  datam  pe  o 
menos  do  tpmpo  da  oecupação  árabe. 

É  um  dos  templos  mais  antigos  do  fértil 
valle  do  Dão  e  supp5e-se  fundado  pelos  tem- 
plários, bem  como  o  de  Santa  Comba  do 
Couto  do  Mosteiro,  que  foi  couto  d'elle8, — 
couto  que  comprehendia  esta  parochia,  pelo 
que  até  1834  os  priores  de  Santa  Comba  do 
Couto  apresentavam  os  curas  d'esta  fregue- 
zia do  Vimieiro. 

^.'—Capella  do  Santissimo  Sacramento. 

Demora  na  povoação  do  Vimieiro  e  n'ella 
está  o  sacrário  com  Santissimo  permanente 
— não  na  egreja  matriz,  pelo  facto  de  se 
achar  isolada  e  exposta  a  profanações  e  rou- 
bos. 

Foi  este  o  motivo  porque  se  fez  na  povoa- 
ção a  dieta  eapella  e  se  collocou  nVlIa  o  San- 
tissimo; é  porem  um  templo  também  muito 
antigo  e  com  porta  d'arco  de  volta  inteira. 

Pertence  á  irmand-jde  do  Santissimo  e  é 
publica. 

3.  »— Capella  da  Senhora  da  Agonia,  na 
mesma  povoação  do  Vimieiro. 

É  também  publica  e  tem  uma  linda  ima- 
gem da  padroeira. 

4.  " — Capella  de  S.  Simão,  na  aldeia  do  Ro- 
jão Grande. 

É  também  publica;— todas  estão  bem  con- 
servadas;— foram  aindaha pouco  tempn, bem 
como  a  egreja,  reparadas, — e  todas  são  mui- 
to antigas  e  teem  pórticos  de  arco  de  volta 
inteira. 

b.»— Capella  de  na  povoação  do  Vi- 
mieiro. , 

Ê  particular,  mas  muito  linda,  e  pertencei 
ao  sr.  dr.  Antonio  Xavier  Pereslrello. 

Festividades 

i  .*—De  Santa  Cruz,  na  matriz. 
Logo  a  descreveremos. 

2.  » — Santissimo  Sacramento. 

É  feita  com  grande  pompa,  á  custa' da 
irmandade  no  3."  domingo  d'ago8to  e  tem 
por  complemento  um  anniversario  no  dia 
29  do  dicto  mez,  celebrando-se  também  n*e8- 
se  mesmo  dia,  de  manhã  cedo,  a  festa  de 

3.  «— S.  João  da  Degolação. 

4.  " — S.  João  Baptista. 


VIM 

5.« — Santo  Antonio. 

Esta?  ultimas  4  festividades  são  feitas  pe- 
la irmandado  do  Santíssimo. 
6     S.  Sebastião. 

É  feita  por  mordomos  particulares,  mas 
muito  pomposa. 

7.» — Senhorn  do  Rosario. 

É  fambpm  feita  com  grande  pompa  pelos 
seus  mordomos. 

S.'—S.  Simão,  a  28  de  outubro,  na  sua  Ca- 
pella do  Rojão  Grande. 

9.*— Coração  de  Jesus,  na  matriz. 
•    iO*— Santa  Luzia,  em  Vimieiro,  oa  Ca- 
pella do  Santíssimo. 

A  mais  pnmpnsa  p  apparatosa  e  de  todas 
a  mais  concorrida  é  a  de  Santa  Cruz,  feita 
pela  irmandade  própria  no  1.»  dominero  dp- 
pois  do  dia  3  de  maio,  quando  o  dia  3  não 
é  domingo. 

Logn  de  manhã,  anies  de  principiara  fes- 
tividade, vepm  as  cruzes  das  frpguezias  li- 
mitrophes — Ovoa.  Pinheiro  d'Azere.  S.  João 
d'ArPias  e  Cnuto  do  Mosteiro. — todas  em 
procissão  e  muito  bem  ornadas  e  enfeita- 
das. 

A  que  chpga  em  ultimo  lograr  e  quo  se 
aprespnfa  semprp  r*om  mais  pompa  c  rique- 
sa  á  a  da  freeruezia  do  Coutado  Monteiro,  da 
qnal  esta  freguezia  do  Vimieiro  até  1834  foi 
annexa. 

Passa  por  Santa  Comba-Dão  processíonal- 
mpnte.  spm  o  parocho  de  Santa  Comba  do 
Couto  do  Mosteiro,  tirar  a  estola  e,  quando 
se  aproxima  da  matriz  do  Vimieiro,  vae  o 
parocho  d'esfa  freeuezía  ao  encontro  d'ella, 
também  processionalmente  com  a  irmanda- 
de e  a  cruz  do  Vimieiro,  muito  povo,  fogue- 
tes e  musica,— e  em  determinado  sitio  fazem 
a  cerimonia  do  encontro.  O  mordomo  que 
leva  a  cruz  do  Vimieiro  ajoelha  perante  a 
do  Couto  em  signal  de  submissão  e  respeito; 
—depois  tocam  as  duas  cruzes,  como  que 
dando  um  osculo — e  continua  a  procissão, 
indo  na  frente  a  cruz  do  Couto,  até  á  ma- 
triz, onde  dão  tres  voltas,  como  todas  as  ou- 
tras cruzes,  ao  som  da  musica. 

O  parocho  do  Vimieiro  vae  também  rece- 
ber as  outras  cruzes  e  os  parochos  que  as 


VIM  1451 

acompanham  i,  mas  vae  só.  A  única  rece- 
pção apparatosa  é  a  da  cruz  do  Couto. 

Não  se  imagina  o  enthusiasmo  do  povo  do 
Vimipíro  para  assistir  á  ceremonia  do  en- 
contro. Corrp  em  montão  e  ocpupa  litteral- 
mente  o  sitio  e  arredores,  subindo  aos  mon- 
tes e  pejando  inclusivamente  as  arvores.  To- 
dos querem  ver  a  filJw.  beijar  a  di- 
zem elles, — referindo-se  ao  tempo  pm  que 
esta  parochia  do  Vimieiro  era  filial  da  do 
Couto. 

Muitos  por  essa  occasiào  não  poderp  con- 
ter as  lagrimas?!. . . 

É  uma  ceremonia  eloqupnte,  edificante  e 
que  revela  a  boa  indole  d'este  povo.  Con- 
trasta com  as  touradas,  delírio  e  vergonha 
da  Hespanha. 

Segue- se  a  festividade  na  egreja.  sempre 
pomposíssima, — grande  arraial  e  feira  de  ce- 
bôlo,  rêdes  para  peixe,  sardinhas,  bôlos,  ar- 
tigos de  tenda,  óptimas  laranjas  do  fertilis- 
simo  valle  de  Besteiros,  bom  vinho  do  valle 
do  Dão,  ete. 

Ha  n'esta  parochia.  no  Bairro  da  Estação 
ou  Bairro  Novo,  duas  hospedarias.- — uma  de 
Antonio  de  Oliveira,— outra  de  Maria  Am- 
brósia. 

Chamou-se  Vimieiro,  por  cultivar  nos  seus 
ribeiros  e  regatos  muitos  vimes. 

Tem  cemitério  parochial  e  duas  aulas  de 
instrueção  primaria  elementar  para  os  dois 
sexos. 

Nasceu  n'esta  freguezia  o  dr.  Antonio  Xa- 
vier Perestrello,  que  foi  redactor  do  Viriato, 
jornal  de  Viseu,  e  governador  civil  de  Por- 
talegre. 

Abunda  esta  parochia  em  agua  potável 
magnifica; — tem  ares  puríssimos; — é  mimo- 
sa de  peixe  fresco  dos  seus  rios  e  do  mar, 
depois  que  se  fez  a  linha  da  Reira,  que  lhe 
deu  estação  própria; — abrigam-na  ao  sul  a 
serra  da  Estrella  e  ao  norte  a  do  Caramullo 
— e  não  ha  aqui  doenças  predominantes  nena 
memoria  de  epidemia  alguma. 


1  Não  vae  a  cruz  de  Santa  Comba-Dão, 
freguezia  límitrophe,  por  ser  muito  mais  mo- 
derna, embora  seja  hoje  séde  do  concelho  e 
da  comarca. 


1452    .  VIM 


VIM 


Em  outubro  de  i886,  falleceu  repentina- 
mente na  estação  da  Pampilhosa,  vindo  em 
'viagem  do  Porto,  o  súbdito  fraucez  Eugénio 
Hertz,  natural  de  Paris,  mas  domiciliado 
n'e3ta  freguezia  de  Vimieiro,  onde  casou  no 
tempo  em  que  se  andava  construindo  a  linha 
da  Beira  Alta. 

Terminaremos  dizendo  que  no  dia  7  de 
julho  de  1882  foi  esta  parochia  visitada  pelo 
ex.""  sr.  bispo-coude  de  Coimbra,  que  por 
essa  occasião  ministrou  o  santo  sacramento 
do  Chrisma  a  um  grande  numero  de  pes- 
soas. 

Ao  muito  rev.  sr.  Antonio  Nunes  de  Sou- 
sa, parocho  actual  d'esta  freguezia,  agrade- 
ço 08  apontamentos  que  se  dignou  enviar- 
me  e  que  muito  estimei^  pois  tal  freguezia 
não  se  encontra  nos  mappas,  e  todas  as  nos- 
sas ehorographias,  iucluindo  a  Cliorographia 
iWoderwa,— simplesmente  a  indicaram. 

Bom  serviço  me  prestou  e  a  todos  os  cho- 
rographos  presentes  e  futuros  I. . . 

VIMIEIRO, — villa  e  freguezia  do  concelho 
de  Arrayollos,  comarca  d'Estremoz,  distri- 
cto  e  diocese  d  Évora,  provinda  do  Aiein- 
tejo. 

Priorado  e  vigairaria!. . . — Fogos  450, — 
habitantes  2:030. 

Orago  Nossa  Senhora  da  Encarnação  do 
Sobral. 

Em  1708  era  prior  da  egreja  d'esta  fre- 
guezia o  deão  d'Evora,  que  u'ella  apresen- 
tava 2  curas  com  o  titulo  de  reitores; — con- 
tava a  freguezia  300  fogos: — era  séde  do  con- 
celho formado  por  ella  e  pela  de  Santa  Jus- 
ta;— pertencia  o  concelho  a  comarca  d'Evo- 
ra  e  tinha  2  juizes  ordinários,  vereadores, 
procurador  do  concelho,  escrivão  da  cama- 
rá, juiz  dos  orphãos  com  seu  escrivão,  2  ta- 
belliàes  do  judicial  e  notas,  2  companhias 
de  ordenanças  e  1  capitão  mór,  todos  no- 
meados pelos  condes  e  senhores  de  Vimiei- 
ro, dos  quaes  adiante  fallaremos,  sem  con- 
firmação regia,— e  não  entrava  n'este  con- 
celho o  corregedor,  mas  somente  o  prove- 
dor d'Evora,  por  graça  especial  concedida 
aos  nobres  condes. 

Em  1768  era  priorado  da  mesma  apresen- 
tação do  deão  d'Evora;— rendia  para  o  seu 


I  prior  ou  cura  120  alqueires  de  trigo  e  em 
;  dinheiro  10^000  réis — e  contava  293  fogos. 
I     O  censo  de  1864  deu  lhe  406  fogos  e  1 :608 
habitante?,— e  o  de  1878  deu-lhe  448  fogos 
e  2:027  habitantes. 
Freguezias  limiirophes :  —  S.  Gregorio, 
!  Santa  Justa,  Vidigão,  Casa  Branca  e  Pavia. 
As  3  primeiras  pertencem  ao  concelho  de 
ArrayoUos,  a  4.*  ao  de  Souzel  e  a  o.'  ao  de 
Mora. 

Producçòes  dominantes; — azeite,  cereaes, 
boleta,  bolola,  carne  de  porco,  là  e  cortiça, 
pois  tem  grandes  montados  de  azinho  e  de 
sobro  e  cria  muito  gado  suino  e  lanígero. 

Também  é  mimosa  de  caça  miúda: — le- 
bres, coelhos  e  perdizes~e  colhe  algum  vi- 
nho, podendo  e  devendo  colher  muito  mais 
porque  tem  vastos  chãos  muito  ferieis  que 
se  adaptam  perfeitamente  á  cultura  das  vi- 
des, sendo  a  sua  producção  espantosa  I 

Já  em  1708  o  padre  Carvalho  disse  que, 
n'esta  parochia,  vinhas  que  demandavam 
apenas  6  homens  de  cava,  pruduziam  duzen- 
tos almudes  de  vinho,  mas  que  esie  era  mol- 
le  e  durava  só  até  á  paschoa. 

Hoje  succede  o  tnesmo  e  isto  explica  o  fa- 
cto de  se  cultivar  aqui  tão  pouco  viuho,  mas 
a  causa  prmcipal  de  ser  tão  raoUe  é  o  atra- 
so que  (salvas  raríssimas  excepções)  se  nota 
na  cultura  d'esta  província,  Homeadamente 
no  processo  da  viniticação. 

N'esta  freguezia  e  na  maior  parte  do 
Alemtejo  nunca  se  pisaram  nem  pisam  as 
uvas.  Espremem-se  á  mão  sobre  uma  grade 
de  madeira  e  recolhe-se  immediatamente  o 
mosto  com  o  cango,  sem  fervura  nem  tra- 
balho algum,  em  grandes  talhas  de  barro  de 
100  a  200  almudes, — depois  deitam-lhe  por 
cima  um  pouco  d'azeite— e,  passado  algum 
tempo,  cobrem  as  talhas,  grudando  com 
barro  as  tampas. 

Não  admira,  pois,  que  o  vinho  seja  moUe 
e  dure  pouco  tempo. 

Pelo  contrario  os  donos  das  grandes  her- 
dades que  despresam  a  rotina  e  seguem  os, 
melhores  processos  de  cultura  e  vinificação, 
taes  como  o  sr.  José  Maria  dos  Santos,  de 
Lisboa,  par  do  reino  e  grande  capitalista, 
hoje  o  primeiro  proprietário  d'esta  provin- 


VIM 


VIM  1453 


cia,  03  herdeiros  de  José  Maria  Eugénio,  a 
viuva  do  grande  proprietário  e  capitalista 
José  Maria  Ramalho  Diniz  Perdigão,  d'Evo- 
ra,  e  outros  já  colhem  no  Álemtejo  muito 
vinho  que  dura  annos. 

Demora  esta  freguezia  na  estrada  realn.» 
70  d'£lvas  a  Montemor  o  Novo,  em  alegre  e 
vistosa  planicie,  na  margem  esquerda  da  ri- 
beira de  Tér  ou  Tera,  uma  das  nascentes  do 
rio  Sado,  da  qual  dista  5  li^ilometrospara  S.; 
— 6  da  estação  d'Evora  Monte  (a  mais  pró- 
xima) na  linha  férrea  d'Estremoz  á  Casa 
Branca,  entroneaopento  na  linha  do  sul; — 18 
de  Arrayollos  para  N.  E.;— 24  d'E8tremoz 
para  O.; — 30  d'Evora  para  N.; — 56  da  es- 
tação da  Casa  Branca; — 120  de  Beja; — 151 
de  Lisboa;— 488  do  Porto— e  618  de  Valen- 
ça do  Minho. 

Tem  boa  estrada  real  a  macadam,  tia  mui- 
to construída  em  substituição  da  velha  es- 
trada real  d'Elvas  a  Lisboa  por  Arrayollos, 
Montemor  o  Novo,  e  Vendas  Novas,— e  outra 
estrada  a  macadam  prestes  a  coDcluir-se, 
para  a  estação  da  Venda  do  Duque  na  linha 
de  Extremoz  a  Évora  e  Casa  Branca. 

Banham  esta  freguezia  a  ribeira  de  Têra 
e  os  ribeiros  do  Freixo  e  das  Covas  que 
desaguam  na  dieta  ribeira  e  teem  no  termo 
d'esta  freguezia  3  pontes:— a  do  Freixo, — a 
da  Brôa—e  a  da  Farragelta,—mo\em  5  moi- 
nhos de  cereaes— e  ba  também  n'esta  paro- 
chia  3  moinhos  de  vento. 

Alem  da  villa  do  Vimieiro,  comprehende 
2  quintas:— a  de  S.  José,  pertencente  aos 
herdeiros  da  condessa  do  Lumiar,  D.  Luisa, 
— e  a  Quinta  Nova,  pertencente  a  José  Ma- 
ria Queiroga. 

Comprehende  também  muitas  herdades 
cora  os  seus  respectivos  montes,  ou  peque- 
nos povoados.  As  principaes  são  as  seguin- 
tes : 

— Claros  Mbntes. 

2.  »— Brôa. 

3.  » — Místicas  e 

4.  *— Farinha  Velha, — todas  3  pertencentes 
a  Miguel  Piteií^a  Fernandes. 

5.  *— Fonte  Santa,  de  José  Maria  Coelb». 

VOLUME  XI 


6.  «— Touregâ  e 

7.  «— Preta. 

8  "—Monte  Soeiro,  pertencentes  estas  ul- 
timas 3  a  José  Lopes  Aleixo. 

9.  *— Monte  Branco,  de  Gabriel  Antonio  da 
Silva  Leite. 

10.  «— Ilha  Fria,  de  Antonio  Lopes  Ferrei- 
ra dos  Anjos. 

11.  » — Frausta,  de  João  Vieira. 

12.  »— Pratas,  de  Marcos  Gonçalves  d'Aze- 
vedo  Caruço. 

13.  *— Val  da  Pinta,  de  Manuel  Maria  Va- 
rella  Lopes. 

14.  *— Caeira,  dos  herdeiros  da  condessa 
do  Lumiar,  D.  Luisa. 

15.  *- Teja. 

16.  "— Penedas  e 

17.  » — Viuvas,  pertencentes  todas  3  a  Ma- 
nuel Eduardo  d'01iveira  Soares. 

A  Chorographia  Moderna  menciona  ainda 
as  seguintes  herdades  ou  hortas:— Monte 
Novo,  S.  Gens,  Salvada,  Lameira,  Courella 
da  Anta,  Cabeça  do  Freixo,  Baldios,  Bru- 
nheira.  Carreteira,  Coxada,  Canada,  Olivei- 
ras, Paço,  Choupana,  Trombeira,  Moinho 
Novo,  Alvaro  Annes,  Monte  da  Estrada,  Ven- 
da da  Moita,  Val  de  Mouro,  Caraxa,  Cama- 
roeira,  Carrascal,  Moinho  do  Cuerra,  Santo 
Espirito,  Gorda,  Tourega,  Azinheira,  Monte 
dos  Barrancòes,  Monte  da  Rosalina,  Olival, 
Caeirinha,  Horta  do  Poço  do  Chão,  Horta  de 
S.  Pedro  e  Horta  Velha. 

Todas  estas  hortas,  herdades  e  quintas 
davam  um  bom  património  para  um  pa- 
dre. 

A  villa  é  uma  grande  povoação.  Ainda 
conserva  a  sua  antiga  casa  da  camará  e  ca- 
deia em  bom  estado;  o  pelourinho  já  nao 
existe; — tem  2  largos; — o  da  Praça  e  o  da 
Egreja,—e  varias  ruas,  sendo  principaes  as 
seguintes: — rua  da  Misericórdia,  rua  Direi- 
ta, rua  da  Egreja,  rua  do  Matto  e  rua  de 
Aviz. 

Tem-  um  edifício  particular,  digno  de 
menção,  denominado  Palacio  do  Conde, 
que  foi  dos  condes  e  senhores  de  Vimiei- 
ro, dos  quaes  passou  para  a  condessa  do 
Lumiar,  D.  Luisa,  e  d'esta  para  os  seus  her- 
I  deiros. 

92 


1454  VIM 


VIM 


Templos 

A  egreja  matriz,— a  egreja  da  Misericór- 
dia—a  egreja  do  Espirito  Santo,  todas  em 
bora  estado, — ^^e  6  eapellas,  todas  publicas: 
— Santo  Antonio,  S.  Braz,  S.  Sebastião,  S. 
Pedro,  S.  Gens  e  S.  João,— esta  ultima  em' 
ruinas. 

A  Chorographia  Portugueza  menciona 
mais  no  termo  d'e8ta  yilla  as  eapellas  se- 
guintes: —  Sant'AQna,  Santa  Luzia,  Santa 
Comba,  Santo  Estevam  martyr  e  Santo  Al- 
castor  t... 

A  matriz  é  ura  bom  templo,  de  uma  só 
nave. 

A  Misericórdia  tem  um  pequeno  hospital 
que  de  pouco  serve,  porque  são  mui  dimi- 
nutas as  suas  rendas. 

Em  1872,  segundo  se  lê  nos  Estudos-., 
sobre  o  Município  de  Montemor  o  Novo  (Coim- 
bra, 1873)  o  seu  rendimento  total  fui  de 
43^876  réis. 

No  mesmo  anno  rendeu  a  confraria  de 
Nossa  Senhora  da  Encarnação  do  Sobral  (a 
padroeira)  77^1147  réis. 

A  confraria  do  Santíssimo,  94i2664  réis. 

A  confraria  das  Almas  9Í1100  réis. 

São  estas  as  3  confrarias  erectas  na  ma- 
triz. 

As  festas  principaes  que  hoje  aqui  se  ce- 
lebram são  a  de  Passos,  a  do  Santíssimo,  a 
da  padroeira,  a  de  Santo  Antonio  e  as  da 
semana  santa. 

Dão  vulgarmente  á  padroeira  o  titulo  de 
Nossa  Senhora  da  Enfiarnação  do  Sobral  ou 
Soveral,  porque  diz  a  tradição  que  a  ima- 
gem da  Senhora  appareceu  outr'ora  escon- 
dida no  tronco  de  um  sovereiro  em  uma 
matta  de  sobro,  no  sitio  onde  hoje  se  vé  a 
matriz,  que  foi  feita  para  n'ella  se  venerar  a 
dieta  imagem  e,  por  ser  a  egreja  muito  con- 
corrida pelos  fieis  das  eireumvisinhanças, 
em  volta  d'ella  com  o  decorrer  do  tempo  se 
formou  a  villa  actual,  contribuindo  também 
muito  para  o  augmento  d'esta  villa  o  foral 
que  lhe  deu  el-rei  D.  Manuel  em  Lisboa  no 
dia  1  de  junho  de  1512. 

Livro  de  Foraes  Novos  do  Alemtejo,  fl.  73, 
col.  2.» 


Veja-se  também  o  Processo  e  a  Minuta 
para  este  foral  na  Gaveta  20,  Maço  12,  n.» 
45. 

Teve  também  esta  villa  um  convento  de 
frades  terceiros  de  S.  Francisco  (borras)  com 
a  invocação  de  S.  Francisco,  fundado  em 
1554,  mas  desappareceu  com  a  extincção 
das  ordens  religiosas  e  nada  resta  d*elle 
hoje. 

Foi  demolido  e  o  seu  chão  é  propriedade 
de  Francisco  José  Romero. 

Tem  esta  villa  duas  feiras  annuaas:— uma 
no  1.»  dia  d'ago8to,  —  outra  no  dia  15  de 
maio. 

O  concelho  de  Vimieiro  foi  extincto  pelo 
decreto  de  24  d'outubro  de  1855,  pelo  qual 
passou  para  o  de  Arrayollos;— depois  pas- 
sou para  o  concelho  d'Extremoz  e  para  a 
comarca  de  Montemor  o  Novo, — e  por  ul- 
timo passou  para  o  concelho  d*Arrayollosi 
e  para  a  comarca  d'Eslremoz. 

Ha  n'esta  villa  uma  assembleia  ou  casa  de 
recreio;— 2  aulas  offlciaes  d'instrueção  pri- 
maria para  os  dois  sexos; — um  eollegio  par- 
ticular de  instrueção  primaria  e  secundaria 
— e  duas  hospedarias  na  rua  da  Misericór- 
dia. 

Ha  também  n'esta  parochia.  na  herdade 
do  Monte  Branco,  uma  mina  de  cobre  e  d'ou- 
tros  metaes,  mas  parou  ha  annos  a  explora- 
ção. 

Esta  villa  nunca  foi  murada  nem  aeastel- 
lada  pelo  facto  de  estar  em  planície  e  por 
essa  mesma  rasão  não  é  muito  saudável  o 
seu  clima. 

Ainda  em  julho  de  1856  aqui  fez  muitas 
víctimas  o  cholera  morbus. 

Esta  villa,  pelo  facto  de  ser  cortada  por 
uma  estrada  militar  importante,  soffreu  sem- 
pre muito  com  os  aboletamentos  por  ocea- 
sião  das^guerras  que  assolaram  o  nosso  paiz, 
nomeadamente  esta  província  do  Alemtejo 
que,  por  ser  muito  plana  e  fronteiriça,  foi 


>  Por  decreto  d'este  mez  de  dezembro  de 
1886  o  concelho  d'Arrayollo8  foi  elevado  á 
cathegoria  de  julgado  municipal,~c3XÍaego- 
ria  nova,  creada  est'aiino  de  1886. 


VIM 


VIM  1455 


isempre  o  theatro  da  guerra  nas  luctas  com 
a  Hespanha  desde  os  princípios  da  nossa 
monarchia.  N*ella  se  feriram,  alem  d'oiitra8, 
as  grandes  batallias  do  Campo  d' Ourique, 
Ameixial,  Montes  Claros  e  Linhas  d' Elvas, 
padrões  de  gloria  para  as  nossas  armas  nue  | 
ainda  hoje  infundem  respeito  aos  nossos 
bons  visinhos. 

Houve  e  não  sabemos  se  ha  ainda  hoje 
n'esta  parochia  um  grande  iracto  de  terreno 
denominado  Bardeira,  que  em  1708  tinha 
legoa  e  meia  de  comprimento  e  uma  légua  de 
largura,  comprehendendo  uma  exteosa  mat- 
ta,  boas  pastagens  e  muitas  terras  de  semea- 
dura que  se  davam  aos  habitantes  da  villa 
para  as  cultivarem,  pagando  apenas  o  dizi- 
mo, que  era  aliás  uma  contribuição  bem 
mais  fórte  do  que  todas  as  contribuições 
d'hoje,  mas  menos  violenta,  porque  se  pa- 
gava em  géneros  e  na  proporção  da  colhei- 
ta, em  quanto  que  hoje  os  proprietários, 
embora  não  colham  a  semente^  teem  de  pa- 
gar a  mesmo  quota,  pois  a  lei  da  anullação 
por  sinistros  é  uma  burla. 

Ao  longo  da  Bardeira  corria  por  entre 
penedos  a  ribeira  do  Freixo  que  fertilisava 
muitas  terras  e  criava  muitos  bordalos  sa- 
borosíssimos. 

Era  a  dieta  matta  da  Bardeira  por  assim 
dizer  logradouro  commum  da  villa  e  orgulho 
e  riqueza  d'ella,  como  os  grandes  campos  de 
Trancoso  eram  logradouro  eommum  da  villa 
d'este  nome,  a  Devesa  logradouro  commum 
de  Castello  Bodrigo,  o  Monte  Meão  logradou- 
ro commum  de  Villa  Nova  de  Foscôa,  o 
Monte  Aljão  logradouro  commum  da  villa  de 
Gouveia,  etc. 

V.  Trancoso,  Castello  Rodrigo,  Villa  No- 
va de  Foscôa  e  Gouveia  n'este  diccionario  e 
'no  suppleraento. 

Diz  a  Chorographia  Portugueza  que  esta 
villa  se  denominou  Vimieiro  por  causa  dos 
muitos  vimes  que  n'ella  havia.  Pode  ser,  mas 
duvidamos,  porque  os  vimes  no  nosso  paiz 
eram  quasi  exclusivamente  applicados  para 
a  empa  das  videiras  e  para  os  arcos  do  va- 
silhame; não  deviam  pois  ter  grande  consu- 
mo no  Alemtejo  por  ter  poucos  vinhedos  es- 


ta província  e  não  usar  de  pipas  nem  de  to 
neis,  mas  de  talhas  de  barro. 

No  Douro  sim.  Antes  da  maldleta  phyllo- 
xera  destroçar  os  seus  vinhedos,  gastavam- 
se  contos  <fe  réis  em  vimes  na  empa  e  no  va- 
zilhame,— pipas  e  toneis,— cuja  arcaria  era 
toda  de  pau,  ligada  por  vimes.  Hoje  é  quasi 
toda  de  ferro,  mas  ainda  em  1850  ioda  a  ar- 
caria das  pipas  era  de  pau  e  de  pau  era  tam- 
bém a  arcaria  dos  toneis  grandes  e  peque- 
nos ainda  nos  princípios  d'este  século. 

Note-se  também  que  os  vimes  demandam 
terrenos  húmidos,  pantanosos,  abundantes 
d'agua,  emquanto  que  o  terreno  d'esta  villa 
é  bastante  secco. 

Isto  mesmo  reconheceu  e  confessou  o  pa- 
dre Carvalho  na  sua  Chorographia  Portu- 
gueza, pois  diz  textualmente  o  seguinte: 

tHe  terra  muito  secca,  e  carece  de  foQtes, 
mas  tem  dous  poços,  que  em  annos  de  muita 
esteriliidade  se  não  seção,  nem  diminuem,  e 
são  as  agoas  delles  muy  salobras,  e  grossei- 
ras, porem  muito  proveitosas  para  os  que 
padecem  estillicidio,  ^  achaque  que  não  ha 
em  esta  villa.» 

Sendo  pois  a  terra  tão  secca  e  falta  d'agua, 
mal  pode  crer-se  que  abundasse  tanto  era 
vimes  e  que  d'elles  tomasse  o  nome  de  Vi- 
mieir".. 

No  que  ella  abundou  foi  em  nobresa.  Ain- 
da em  1708  contava  muitas  faraillas  nobres 
com  os  appellídos  de  Araujo,  Correia,  Cas- 
tilho, Gameiro,  Caeiro,  Paiva,  Telles,  Cala- 
do, etc,  avultando  entre  todas  a  do  Palacio 
do  Conde  ou  dos 

Senhores  de  Vimieiro 

Em  1708  era  senhor  d'esta  villa  D.  San- 
cho de  Faro  e  Sousa,  cuja  varonia  é  a  se- 
guinte: 

O  2.°  duque  de  Bragança  D.  Fernando,  !.• 
do  nome,  casou  com  D.  Joanna  de  Castro, 
filha,  de  D.  João  de  Castro,  senhor  de  Cada- 
val, e  teve 

—D.  Affonso,  conde  e  senhor  de  Faro. 

Casou  com  D.  Maria  de  Noronha,  filha  ô 


1  Humor  que  desce  da  cabeça;  —  espécie 
de  defluxo. 


1456  VIM 


VIM 


herdeira  de  D.  Sancho  de  Noronha,  i.»  con- 
de de  Odfcmira,  senhor  de  Vimieiro,  etc,  e 
teve 

—D.  Fernando  de  Faro,  raordomo-mór  da 
rainha  D.  Catliarina  e  senhor  efe  Vimieiro. 

Casou  com  D.  Isabel  de  Mello  e  teve 

— D.  Francisco  de  Faro,  senhor  da  grande 
«asa  de  seu  pae  e  1."  conde  de  Vimieiro,  por 
mercê  de  Philippe  II,  de  1614. 

Casou  com  D.  Maria  da  Guerra,  filha  de 
Pedro  Lopes  de  Sousa,  embaixador  d*el  rei 
D.  Sebastião  a  Castella,  e  teve 

— D.  Sancho  de  Faro,  8.»  senhor  de  Vi- 
mieiro, etc. 

Casou  em  Flandres  com  D.  Isabel  de  Lu- 
na e  Carcomo,  filha  de  D.  Affonso  de  Luna, 
mestre  de  campo  em  Flandres,  e  teve 

— D.  Diogo  de  Faro  e  Sousa,  9."  senhor  de 
Vimieiro,  veador  das  rainhas  D.  Maria  Fran- 
cisca e  de  D.  Maria  Sophia,  mestre  de  cam- 
po do  Aleratejo,  etc. 

Casou  com  D.  Francisca  de  Noronha,  filha 
de  Gaspar  de  Faria  Severim,  secretario  das 
mercês,  eic,  e  teve  entre  outros  muitos  fi- 
lhos naturaes  e  legítimos 

— D.  Sancho  de  Faro,  que  segue,  e  D.  Fer- 
nando de  Faro,  clérigo,  deputado  da  mesa  da 
consciência  e  ordens,  sumiler  da  cortina  de 
el-rei  D.  Pedro  II  e  de  D.  João  V,  e  bispo 
d'Elva8,  sagrado  em  julho  de  1714,  mas  fal- 
leceu  em  outubro  do  mesmo  anno.  n'esta 
villa  do  Vimieiro,  no  seu  Palacio  do  Conde, 
em  viagem  para  Elvas,  onde  entrou  já  ca- 
dáver. 

D.  Sancho  de  Faro  foi  IO.»  senhor  e  2." 
conde  de  Vimieiro,  titulo  que  renovou  na 
sua  pessoa  el  rei  D.  João  V  em  1709. 

Foi  também  governador  de  Mazagão,  mes- 
tre de  campo  general  com  o  governo  das  ar- 
mas nas  províncias  do  Minho  e  Beira,  go- 
vernador e  capitão  general  da  Bahia,  etc. 

Casou  com  D.  Theresa  de  Mendonça,  *  fi- 
lha de  D.  Luiz  Manuel  de  Távora,  conde  de 
Atalaia,  e  teve  entre  outros  filhos 

—D.  Diogo  de  Faro  e  Sousa,  11.»  senhor  e 


,  3."  conde  de  Vimieiro,  coronel  de  infante- 
I  ria,  etc. 

I  Falleceu  em  Estremoz  no  dia  16  de  feve- 
reiro de  1741,  tendo  casado  em  1729  com 
D.  Maria  Josepha  de  Menezes,  *  dama  da 
rainha  D.  Marianna  d'Au8tria,  e  teve  entre 
outros  filhos 

—D.  Sancho  de  Faro,  12."  senhor  e  4.» 
conde  de  Vimieiro,  etc. 

Casou  e  teve 

—D.  João  de  Faro,  13.»  senhor,  5.°  conde 
de  e  ultimo  de  Vimieiro,  etc. 

Falleceu  sem  successão  em  abril  de  1801, 
pelo  que  lhe  succedeu  sua  prima  eo-irmã 

—D.  Maria  do  Resgate  Portugal  Carneiro 
da  Gama  Sousa  e  Faro,  3."  condessa  deLu- 
miares,  14  ■  senhora  do  Vimieiro,  etc. 

Nasceu  a  25  de  março  de  1771;— falleceu 
a  26  de  março  de  1823  e  casou  duas  vezes: 
—a  1.»  com  Manuel  da  Cunha  e  Menezes,  que 
pelo  seu  casamento  foi  3.»  conde  de  Lumia- 
res,  etc.,— a  2.»  com  Luiz  da  Cunha  Pache- 
co e  Menezes,  viador  da  princeza  viuva  D. 
Maria  Benedicta. 

Do  seu  primeiro  matrimonio  teve 

—José  Manuel  da  Cunha  Faro  Menezes 
Portugal  da  Gama  Carneiro  e  Sousa,  4.» 
conde  de  Lumiares,  15.»  senhor  de  Vimiei- 
ro, 12.»  d'Alcoentre,  15."  do  morgado  de  Paio 
Pires,  par  do  reino,  ministro  d'estado,  mare- 
chal de  campo,  etc. 

Casou  em  15  d'agosto  de  1807  com  D. 
Luiza  de  Menezes,  dama  de  S.  M.  a  rainha 
D.  Maria  I  e  2.»  filha  do  1.»  marquez  de  Val- 
lãda. 

Tiveram  entre  outros  filhos 

—José  Felix  da  Cunha  e  Menezes,  5.»  con- 
de de  Lumiares,  16.»  senhor  de  Vimieiro, 
etc. 

Nasceu  a  2  de  julho  de  1808  e  casou  a  8 
de  junho  de  1835  com  D.  Constança  de  Sal- 
danha e  Castro,  2.*  filha  de  João  Maria  Ra- 
phael  de  Saldanha  e  de  D.  Maria  Theresa 
Braamcamp,  e  tiveram  um  filho  único  e  suc- 
cessor 

—José  Manuel  do  Santíssimo  Sacramento 


*  Depois  de  viuva  professou  no  convento 
da  Luz,  em  Lisboa,  no  dia  30  de  maio  de 
1730  e  falleceu  no  dia  5  de  maio  de  1740. 


^  Esta  senhora  falleceu  de  bexigas  em 
1739. 


VIM 


VIM  14Õ7 


da  GuQba  Faro  Meoezes  Portugal  da  Gama  | 
Carneiro  e  Sousa. 

Nasceu  em  13  de  maio  de  1836  e  è  o  6.» 
conde  de  Lumiares,  etc. 

Casou  em  13  de  maio  de  1858  com  D.  An- 
na Amélia  Pinto  de  Sousa  Coutinho  Bran- 
dão Peresirello,  filha  do  4.'  visconde  de  Bal- 
semão Vasco  Pinto  de  Sousa  Coutinho  e  de 
D.  Maria  da  Penha  Peresirello  da  Costa  Sou- 
sa de  Macedo,  que  ainda  boje  (dezembro  de 
1886)  vive. 

Os  actuaes  condes  de  Lumiares  teem  cin- 
co ou  seis  filhos. 

Do  exposto  se  vê  que  a  representação  dos 
condes  de  Vimieiro  passou  para  os  condes  de 
Lumiares. 

  memoria  do  meu  antecessor 

Nasceu  n'esta  villa  e  freguezia  do  Vimieiro 
em  1782  e  falleceu  em  1834  na  freguezia  de 
Santa  Maria  do  Valle,  concelho  de  villa  da 
Feira,  José  Mathias  Barbosa  Leal,  tenente 
quartel- mestre  do  batalhão  de  caçadores  n." 
3,  casado  com  D.  Rita  de  Cacia  Soares  de 
Azevedo,  da  qual  teve  dois  filhos,— José,  que 
falleceu  de  menor  idade, — e  Augusto  que  foi 
o  meu  bom  amigo  e  antecessor  Augusto  Soa- 
res d' Azevedo  Barbosa  de  Pinho  Leal,  bene- 
mérito iniciador  e  principal  auctor  d'este 
diccionario,  cuja  continuação  nos  foi  tão  in- 
devidamente confiada. 

Ao  filho  já  rendemos  preito  no  artigo 
Vianna  do  Castello,  vol.  X,  pag.  461,  col.  1.» 
è  segg.  1— agora  fallemos  do  pae,  aprovei- 
tando os  apontamentos  biographicos  que  elle 
próprio  escreveu  em  uma  carteira  que  te- 
mos sobre  a  nossa  banca  de  estudo  e  que 
são  realmente  curiosos. 

«Nasci  na  villa  do  Vimieiro,  comarca 
d'Evora  (diz  elle)  a  25  d'outubro  de  1782; 


*  Vejam-se  também  os  artigos— -Carwa- 
Ihal,  tomo  II  pag.  i33,—Paradella,  tomo  VI 
pag.  469,  col.  l.»,— Penamacor,  no  mesmo 
volume  pag.  593,  col.  Porto,  vol.  VII, 
pag.  118,  col.  l.»— pag.  327,  col.  2.»  (nota) 
— e  pag.  352,  col.  2.*  também,— e  Valle,  to- 
mo X,  pag.  172.  col.  2.«— 175,  col.  2-  tam- 
bém,—e  176,  também  2.*  col. 


— foram  meus  paes  Mathias  Martins  e  Anna 
Maria  Barregosa,  naturaes  da  mesma  villa 
do  Vimieiro,  e  meus  padrinhos  do  baptismo 
Antonio  Coelho  e  Marcelina  Angelica  Fur- 
tado. 

«Em  1797  fui  para  Estremoz  aprender  a 
cerieiro  e  ali  passei  tres  annos. 

«Em  25  de  setembro  de  1800  assentei 
praça  no  regimento  de  artilheria  d'Extre- 
moz,  que  estava  em  Elvas. 

«Em  1801  foi  aquella  praça  atacada  pelos 
hespanhoes  e  não  a  poderam  ganhar  por  ser 
a  praça  mais  forte  do  reino  e  ter  de  guarni- 
ção 3  regimentos  de  infanieria,  3  d'artilhè- 
ria,  1  de  eavalleria  e  os  regimentos  de  milí- 
cias d'Evora,  Beja,  Villa  Viçosa,  Portalegre, 
Estremoz  e  Campo  d'Ourique,  alem  do  muito 
povo  da  cidade. 

«Em  1  d'outubro  do  mesmo  anno  saiu  o 
meu  regimento  e  principiou  o  meu  fadário 
das  marchas  e  contramarchas.  D'esta  vez  o 
itinerário  foi  o  seguinte: — ^Villa  Viçosa,  Re- 
dondo, Évora,  Montemór-o-Novo,  Abrantes, 
Gollegã,  Santarém,  Cartaxo,  onde  estivemos 
15  dias,  e  Almoster,  onde  nos  demoramos  5 
dias,  voltando  para  Santarém,  onde  estive- 
mos 20  e  nos  passou  revista  S.  A.  R.  o  prín- 
cipe depois  rei  D.  João  VI.  D'ali  marchámos 
para  Almeirim,  Erra,  Mora,  Pavia,  Extre- 
moz,  Borba  e  Elvas. 

«Marcha  e  conlra-marcha  legoas   80 

«Em  1802  fui  destacado  para  Estremoz, 
onde  estive  7  mezes  e  depois  mais  6  com  li- 
cença. 

«Em  28  de  setembro  de  1804  fui  para  o 
cordão  da  peste,  seguindo  por  Juromenha, 
Terena,  Monsaraz,  Mourão,  Moura  e  Serpa, 
onde  estivemos  5  dias,  marchando  d'ali  para 
Aldeia  Nova  e  Aldeia  do  Sobral,  onde  esti- 
vemos 4  mezes,  no  fim  dos  quaes  regressa- 
mos a  Elvas. 

«Marcha  e  contra-mareha legoas   42 

«Em  1808  fui  a  Lisboa  acompanhar  um 
regimento  d'artilheria  franceza;  seguindo  por 
Estremoz,  Vimieiro,  Arrayollos,  Montemor  a 
Novo,  Aldeia  Gallega  e  Lisboa,  d'onde  re- 
gressámos a  Elvas. 

j    «Marcha  e  contra- marcha  legoas   60 

I    «Em  26  de  junho  de  1808  emigrei  para  a 


1458  VIM 


VIM 


Hespanha  com  a  maior  parte  do  meu  regi- 
mento, por  detêstarmos  os  francezes  que  en- 
tão dominavam  o  nosso  paiz.  Apresentarao- 
nos  em  Badajoz  e  d'ali  fomos  para  Cidade 
Rodrigo. 

«Legoas  de  marcha   42 

«Estivemos  8  dias  em  Cidade  Rodrigo, 
donde  fugi  para  Portugal,  que  já  se  havia  su- 
^blevado  contra  os  francezes,  pois  eu  não  po- 
dia servir  a  Hespanha,  quando  o  meu  paiz 
tanto  necessitava  d  auxilio.  Marchei  por  Gui- 
naldo  para  Ladueiro  e  Idanha  Nova,  onde 
me  deram  passaporte  para  Viseu,  em  cum- 
primento das  ordens  do  bispo  d'aquella  ci- 
dade que,  como  presidente  da  junta  de  de- 
fesa, mandara  reunir  ali  toda  a  tropa  dis- 
persa. Segui  pois  para  Viseu  peia  Covilhã  e 
Mangualde,  havendo  percorrido  em  toda  es- 
ta marcha  legoas   56 

«Assentei  praça  no  batalhão  dos  Voluntá- 
rios de  Vizeu  a  29  de  julho  de  1808.  Deram- 
me  o  posto  de  furriel  e  ali  estivemos  3  me- 
zes,  no  flm  dos  quaes  marchámos  para  a 
Guarda,  onde  recebemos  armamento;— se- 
guimos pela  Covilhã  para  Penamacor,  onde 
estivemos  8  dias;— d'ali  para  Castello  Bran- 
co—e por  ordem  do  general  Silveira  fomos 
para  Segura,  onde  estivemos  3  mezes. 

«No  dia  26  de  fevereiro  de  1809  passei  a 
2."  sargento  e  no  dia  1  de  março  do  mesmo 
anno  fui  nomeado  l."  sargento. 

«No  dia  27  de  março  fomos  para  Cebolaes, 
onde  recebemos  fardamento  e  seguimos  por 
Abrantes,  Thomar,  Condeixa,  Coimbra,  Mor- 
tágua, Tondella,  Viseu,  Castro  d'Ayre,  La- 
mego, Regoa,  Majam  Frio  (sic)  até  Amaran- 
te. Como  os  francezes  já  tivessem  retirado 
do  Porto,  seguimos  por  Mondim  de  Basto, 
Arco  e  Montalegre  para  a  raia;  havendo  os 
francezes  entrado  na  Gallisa,  marchámos  pa- 
ra Viseu  por  Chaves,  Peso  da  Regoa  e  La- 
mego. 

«Total  das  minhas  marchas  e  contra-mar- 
^has  até  aqui,  léguas   280 

«De  Viseu  fomos  para  Azere,  Pinheiro  de 
Azere,  Thomar,  Villa  de  Rei,  Castello  Bran- 
co, Guarda,  Alverca  e  Pinhel,  ende  estive- 
mos dois  mezes;— d'ali  passamos  para  a  Hes- 


panha e  fomos  até  às  alturas  de  Salamanca» 
donde  voltámos  pela  serra  da  Gata,  Ventas 
de  Cavallo,  Sarça  e  Segura  para  Castello 
Branco;  demorámo-nos  ali  15  dias  e  depois 
fomos  tomar  quartéis  de  inverno  em  Punhe- 
te,  hoje  Villa  Nova  de  Constança,  onde  entrá- 
mos a  6  de  setembro  de  1809. 
«Total  d'esta  jornada,  legoas. . .  , . .  117 

18Í0 

«Salmos  de  Punhele  para  Coimbra,  onde 
estivemos  3  mezes;  no  dia  10  de  março  re- 
cebemos armamento,  correame  e  capotes  no- 
vos;—fomos  para  Figueiró  da  Granja  e  Tran- 
coso;—d'ali  passámos  para  o  Campo  da  Ji- 
zua,  onde  estacionámos  3  mezes,  voltando 
em  seguida  para  Trancoso,  quando  os  fran- 
cezes,_eommandados  por  Massena,  já  esta- 
vamisitiando  a  praça  d'Almeida.  Depois  da 
explosão  dojcasiello  e  da  rendição  d'aquella 
praça,  marchámos  de  Trancoso  por  Andori- 
nha e  Santa  Comba-Dào  para  o  Bussaeo,  on- 
de se  feriu  a  grande  batalha  d'este  nome. 

«Rompeu  o  fogo  no  dia  25  de  setembro; 
batemo-nos  com  os  francezes  toda  a  tarde  e 
elles  não  poderam  ganhar  nada.  N'es8a  noite 
dormimos  com  as  armas  na  mão  ao  longo  da 
serra;- no  dia  26  fui  para  a  frente  com  a 
minha  companhia  e  fiz  fogo  a  maior  parte 
do  dia,  sendo  grande  a  mortandade  em  um 
e  outro  campo— e  no  dia  27  desde  a  madru- 
•gada  até  á  noute,  foi  o  combate  geral  em 
toda  a  linha. 

«Do^meu  batalhão  morreram  lalfereae 
17  soldados  e  ficaram  feridos  52. 

«No  dia  28  não  houve  fogo;  tivemos  des- 
canço,  masjretirámos  á  noite,  porque  os  fran- 
cezes, não  podendo  ganhar  a  serra,  toma- 
ram outro  caminho.  Fomos  para  Coimbra  e, 
seguindo  a  estrada  de  Lisboa,  fizemos  alto 
nas  Linhas  de  Torres  Vedras. 

'  «Ali  nos  conservámos  até  que  os  france- 
zes, não  podendo  romper  as  linhas,  retira- 
ram  para  Santarém.  Fomos  em  seguimento 
d'elle8.  O  meu  batalhão  ficou  em  Almoster; 
depois  passou  para  Calhariz,  onde  tivemos 
muito  fogo  e  ficaram  feridos  o  meu  capitão 
e  3  soldados.  D'ahi  fomos  para  a  quinta  da 


VIM 


VIM  1459 


Lapa,  oDde  estivemos  um  mez;  e  d'ali  para 
S.  João  da  Ribeira,  onde  eu  dei  baixa  como 
doente,  sendo  obrigado  a  recolher-me  ao 
hospital  de  S.  Viceote  de  Fora,  em  23  de  fe- 
vereiro de  1811. 

•Com  esta  marcha  ultima  percorri  appro- 
ximadamenie  léguas   123 

«Sahinilo  do  hospital  em  22  de  março  de 
1811,  marchei  de  novo  para  o  exercito.  Fui 
encontrar  o  meu  batalhão  na  aldeia  das  Cin- 
to Villas,  no  cerco  da  praça  d'Almeida,  e  ali 
estivemos  até  que  os  sitiados  francezes  lar- 
garam fogo  às  muralhas  e  fugiram  para  a 
Hespanha.  Foi  uma  venda  bem  conhecida^ 
pois  no  sitio  por  onde  cortaram  a  linha  es- 
tavam os  nossos  soldados  todos  avisados  pa- 
ra não  fazerem  fogo,  porque  ali  havião  de 
passar  dois  Regimentos  inglezes.  Assim  pas- 
saram os  francezes,  e  de  tal  fórma  que  os 
nossos  soldados  se  envolveram  com  elles, 
porque  iam  muito  callados  e  foram  rompen- 
do até  que  as  sentinellas  começaram  a  fazer 
fogo. 

«Mais  ainda:  A  minha  brigada,  tendo  ido 
para  Malpartida,  n'es8a  mesma  noite  tornou 
para  as  Cinco  Villas,  para  os  francezes  pas- 
sarem, como  passaram,  por  Mal  Partida!... 
Fomos  no  seu  seguimento,  mas  só  ao  outro 
."4ia,  levando-nos  os  framíezes  de  dianteira  9 
horas  1 . . .  i 

«Voltamos,  tendo  percorrido  desde  Lis- 
t)oa  léguas   60 

«Marchámos  pelo  Sabugal,  Castello  Bran- 
co, Villa  Velha  de  Rodam,  Nisa  e  Portalegre 
para  o  Campo  do  Reguengo,  junto  de  Cam- 
po Maior,  d'onde  fui  com  uma  diligencia  a 
Lisboa  receber  barretinas  para  o  batalhão,  e 
lie  Lisboa  marchámos  por  Abrantes,  Gavião, 
,  Nisa,  Villa  Velha  de  Rodam,  Castello  Bran- 
co, Atalaia,  Capinha,  Almeida  e  Val  de  La 
Mula  até  Villar  de  Cervos  em  Hespanha,  on- 
de encontrei  o  meu  batalhão,— e  logo  mar- 
chei com  outra  diligencia  para  Abrantes,  re- 


1  V.  Villar  Formoso,  vol.  XI,  pag.  1217, 
col.  1.',  onde  já  fizemos  menção  d'este  facto, 
chamando  para  elle,  como  hoje  chamamos, 
a  attenção  dos  nossos  historiadores. 


gressando  outra  vez  a  Villar  de  Cervos,  na 
Hespanha,  tendo  percorrido  com  estas  mar- 
chas e  contra-marchas  approxiraadamente 
—léguas   195 

«De  Villar  de  Cervos  marchámos  por  Gui- 
naldo  para  Alfaiates,  onde  tivemos  uma  es- 
caramuça com  os  francezes,  retirando  para 
Freixo;  d'ali  tornamos  a  avançar  por  Espe- 
ga  e  Carpio  para  o  cerco  de  Cidade  Rodri- 
go, e,  logo  que  se  ganhou  a  praça,  marchá- 
mos por  Pinhel,  Lamego,  Vizeu,  Coimbra, 
Thomar,  Abrantes,  Gavião,  Crato,  Villa  Vi- 
çosa e  Elvas,  para  o  cerco  de  Badajoz.  To- 
mada também  esta  praça,  seguimos  logo  por 
Elvas,  Portalegre,  Castello  Branco,  Lagiosa 
e  Pinhel  até  Salamanca.  Tomámos  ali  o  forte 
e  marchámos  para  Valhadolid,  mas  não  pas- 
sámos de  Rueda,  volvendo  a  Salamanca,  on- 
de demos  e  vencemos  a  grande  batalha  dos 
Arapiles  a  22  de  junho  de  1812. 

«Derrotados  08  francezes,  perseguimol-os 
até  Valhadolid,  d'onde  marchámos  para  Ma- 
drid. Tomámos  esta  cidade  e  volvemos  a 
Valhadolid,  d'onde  fomos  para  Burgos  e 
d'ali  marchei  com  uma  diligencia  a  Santan- 
der, nó  dia  1  d'ouiubro,  para  conduzir  du- 
zentos mil  cartuxos  enviados  da  Inglaterra. 

«Volvemos  a  Burgos  no  dia  16  do  dicto 
mez,  tendo  percorrido  com  estas  marchas  e 
contra-marchas  cerca  de  legoas   335 

«A  21  d'outubro  do  dicto  anno,  surpre- 
hendidos  por  tres  grandes  exércitos  france- 
zes, deixamos  o  cerco  de  Burgos  e  retira- 
mos sobre  Portugal,  perdendo  apenas  3  a  4 
mil  homens,  em  toda  a  jornada. 

•  Os  francezes,  apesar  da  sua  grande  su- 
perioridade numérica,  não  transposeram  a 
fronteira,  lembrando-se  dos  desastres  que 
haviam  sofFrido  no  Bussaeo,  em  Fuentes  de 
Onor,  Cidade  Rodrigo,  Badajoz,  Arapiles  e 
Madrid,  e  da  vergonha  porque  passaram  em 
frente  das  linhas  de  Torres  Vedras,  que  os 
estavam  esperando. 

•  Como  elles  muito  prudentemente  fizessem 
alto  na  fronteira,  nós  fomos  tomar  quartéis 
de  inverno  para  Penafiel,  seguindo  por  Al- 
meida, Lamego,  Majamfrio  e  Amarante,  ten- 
do percorrido  cerca  de  104  léguas. 


1460  VIM 


VIM 


•Demorámo-nos  em  Penafiel  desde  12  de 
dezembro  de  1812  até  14  de  maio  de  1813» 
data  em  que  marchou  a  minha  brigada  para 
a  ultima  campanha,  e  eu  fui  mandado  com 
um  deposito  para  a  Regoa,  onde  me  conser- 
vei até  13  de  fevereiro  de  1814,  marchando 
d'ahi  com  o  trem  de  3  corpos  para  o  Porto, 
onde  embarquei  no  dia  7  de  março  para 
Lisboa.  Entreguei  tudo  no  Arsenal  e  fui  pa- 
ra o  deposito  de  S.  Bento,  d'onde  no  dia  1.» 
d'agosto  marchei  para  Penamacor,  a  unir-me 
ao  meu  batalhão,  ali  estacionado,  tendo  per- 
corrido cerca  de  128  legoas. 

1815 

«Em  7  de  março  fui  a  Lisboa  receber  far- 


damento para  o  meu  batalhão  e  voltei  a  18 
de  maio. 

«Legoas   90 

«Depois  fui  a  Vizeu  receber  um  mez  de 
soldo. 

•Legoas   36 

«Em  novembro  tornei  a  Vizeu  para  rece- 
ber dois  mezes  de  soldo. 
«Legoas   36 

1817 

«Fui  com  uma  diligencia  a  Abrantes. 

«Legoas   44 

«Mais  2  diligencias  a  Abrantes. 

«Legoas   88 

1818 


«A  30  d*abril  passei  a  sargento  quartel 
mestre  e  por  isso  n*e8se  anno  fui  com  outras 
3  diligencias  a  Abrantes. 

«Legoas   132 

1819 

•No  dia  23  de  junho  foi  o  meu  batalhão 
destacado  para  Elvas,  d'onde  passou  a  aquar- 
elar-se  em  Castro  Marim,  pelo  que  eu  tive 
de  ir  d'Elvas  buscar  a  bagagem  a  Penama- 
côr,  d'onde  segui  para  Castro  Marim  por 
Castello  Branco,  Villa  Velha  de  Rodam,  Ni- 
sa, Fronteira,  Estremoz,  Évora,  Beja  e  Mér- 
tola, onde  embarquei. 
«Legoas   122 


1822 

«No  dia  22  de  julho  marchei  com  o)  meu 
batalhão  para  Lisboa. 

«Legoas..   43 

«De  Lisboa  partimos  no  dia  15  de  feve- 
reiro com  a  expedição  para  a  Bahia,  íaonde 
chegámos  a  2  d'abril,  contando  61  graius  de 
18  léguas  cada  um,  o  que  prefaz 

Legoas   il;098 

«No  dia  3  de  maio  tivemos  um  grrande 
combate  com  os  americanos  e  outro  nio  dia 
3  de  junho.  Elles  ficaram  desenganadios  de 
que  não  podiam  entrar,  mas  no  dia  2  cde  ju- 
lho flzemo-nos  de  vela  para  Portugall,  por 
falta  de  mantimentos,  pois  já  estavamoos  a 
ração  de  farinha  de  pau  e  carne  do  seertão. 
Custava  1  arrátel  de  vacca  800  réisj,— de 
toucinho  480  réis,— de  arroz  400  réis,",— de 
farinha  de  pau  400  réis,— uma  gallinhía  róis 
5^000,— um  ovo  100  réis— e  um  pão  d','arra- 
tel  600  réis?l. . . 

•Chegámos  a  Lisboa  no  dia  2  de  scetem- 
bro. 

•Legoas   H:098 

«De  Lisboa  marchámos  logo  para  Villa 
Franca,  aonde  chegámos  no  dia  3,  e  d'aili  fo- 
mos para  Abrantes,  onde  nos  demorrámos 
até  23  d'outubro. 

«Quando  chegámos  a  Lisboa  traziaratos  62 
soldados  cegos  com  a  debilidade,  sendo»  pre- 
ciso que  outros  os  acompanhassem  e  Itevas- 
sem  pela  mão;  mas  deu-se-Ihes  a  comier  fí- 
gado de  vacca,  qua%i  crú,  e  todos  recujpera- 
ram  a  vista  prompta  mente. 

«De  Abrantes  seguimos  para  Estreemoz, 
onde  estivemos  até  14  de  maio  de  18224— e 
d'ali  fomos  para  o  nosso  quartel  de  Ciastro 
Marim,  por  Tavira. 

«Legoas,  desde  Lisboa   87 

«Desde  que  assentei  praça,  não  conttando 
muitas  marchas  e  contra-marehas  mienos 
importantes,  legoas,   44:221 

Novos  trabalhos 
1826 

«Agora  contarei  o  que  soffri  porcaussada 
Carta  Constitucional. 


VIM 


VIM  1461 


tNo  dia  8  de  novembro  de  1826,  das  U 
para  a  meia  noite,  retumbavam  as  cornetas 
pelas  muralhas  de  Castro  Marim,  tocando  a 
assembléa.  Formou  o  meu  batalhão  com  o 
seu  novo  fardamento  e  marchámos  para  Ta- 
vira, onde  encontrámos  o  regimento  de  in- 
fanteria  n."  14  formado  na  praça  e  parte  do 
regimento  de  milícias.  Proclamámos  rei  o 
sr.  D.  Miguel  I,  ao  som  do  hymno  da  pátria, 
com  muitos  vivas  e  applauso  da  cidade, — e 
no  dia  9  marchámos  para  Faro.  Ali  fizemos 
o  mesmo,  posto  que  o  povo  tentou  defender 
a  cidade  com  o  regimento  de  artilharia  n.» 
2,  mas  o  commandante  fugiu  com  o  regi- 
mento. 

•  No  dia  11  marchámos  para  Albufeira,  a 
fim  de  nos  unirmos  ao  regimento  de  infan- 
teria  n."  2,  ali  estacionado,  mas  o  comman- 
dante fugiu  também  com  o  dicto  regimento, 
pelo  que  os  nossos  commandantes  volveram 
para  Castro  Marim;  —  embarcámos  tudo,  e 
fomos  para  Ayamonte,  d'ali  marchámos  pa- 
ra Ecija. 

«Legoas   41 

«No  dia  H  de  novembro  proseguimos  com 
a  nossa  marcha  e,  depois  de  vários  rodeios, 
chegámos  no  dia  28  a  Aracena,  onde  rece- 
bemos de  novo  as  armas. 

«No  dia  1.0  de  dezembro  marchámos  para 
Barrancos,  povoação  portugueza,  aonde  che- 
gámos no  dia  4;— d'ali  fomos  para  Arron- 
ches, aonde  chegámos  no  dia  9.  No  dia  10 
fomos  atacados  com  forças  muito  superiores 
pelo  conde  de  Villa  Flor. 

«<Marehámos  para  Mourão,  onde  nos  reu- 
nimos com  infanteria  n."  17,  cavallaria  n." 
2  e  90  homens  de  cavallaria  7,  que  o  briga- 
deiro Magece  tinha  aprisionado  em  Villa 
Viçosa. 

«Retirámos  por  Alegrete; — entrámos  de 
novo  em  Hespanha— e  fomos  até  Sarça. 

«Ali  ficou  minha  mulher  com 
o  meu  filho  José,  para  irem, 
como  foram,  para  Penamacor. 
O  Augusto  1  seguiu. 


*  O  nosso  benemérito  antecessor,— ^wgfMS- 
/o  Soares  d' Azevedo  Barboza  de  Pinho  Leal, 


«No  dia  16  marchámos  para  o  Sabugal, 
aonde  chegámos  no  dia  18,  pisando  neve  de 
grande  altura. 

«D'ali  fomos  a  Malhada  Sorda,  Almeida, 
Pinhel  e  Coriscada,  onde  se  nos  uniu  o  regi- 
mento de  infanteria  6.  Volvemos  a  Pinhel  e 
seguimos  para  Almeida;— tornámos  a  Pi- 
nhel;—d'ali  marchámos  por  Celorico  para 
Nespereira,  junto  da  villa  de  Gouveia,— e 
d'ali  para  a  povoação  de  Curral,  (?)  (dis- 
tante 2  legoas  de  Nespereira)  aonde  chegá- 
mos no  dia  29. 

«N'este  povo  ficou  o  Augus- 
to, por  ser  muito  áspero  o  frio 
e  elle  não  poder  acompanhar- 
nos  1. 

•Legoas   207 

«No  dia  31  de  dezembro  fomos  por  S.  Paio 
para  a  ponte  da  cabra  * — e  no  dia  1  de  janeiro 
de  1827  para  Villa  Mendo,  ficando  um  pi- 


— que  então  contava  apenas  10  annos  e  já 
tinha  acompanhado  seus  paes  aa  expedição 
á  Bahia  e  nas  marchas  e  contra  marchas  pe- 
la Estremadura,  Beira  Baixa,  Alemtejo  e  Al- 
garve. 

Bem  cedo  começou  o  seu  fadário,  pois 
tendo  nascido  na  freguezia  da  Ajuda,  conce- 
lho de  Belém,  no  dia  21  de  novembro  de 
1816,  foi  baptisado  em  Penamacor  no  dia  30 
do  dicto  mez  e  anno,  tendo  percorrido  no 
berço  quarenta  e  tantas  léguas  I . . . 

V.  Vianna  do  Castello  vol.  X,  pag.  461, 
col.  2.» 

Aos  10  annos  de  idade  já  elle  tinha  per- 
corrido mais  de  2:400  léguas! 

1  O  pobre  Augusto  meu  antecessor,  con- 
tando apenas  lÓ  annos,  ia  gelado  em  uma 
carga  de  bagagem,  mettido  entre  dois  bahús, 
como  elle  próprio  nos  contou,— e  sendo  já 
decrépito,  ainda  se  recordava  de  ver  de  Nes- 
pereira a  villa  de  Gouveia,  alcandorada  na 
pendente  norte  da  serra  da  Estrella,  e  con- 
servava outras  muitas  reminiscências  das 
terras  que  percorreu,  mettido  entre  os  ba- 
hús. 

Tinha  uma  memoria  felicissima  e  conser- 
vou as  faculdades  intellectuaes  sempre  lú- 
cidas até  os  últimos  momentos  da  vida. 

2  Villa  extincta,  hoje  simples  freguezia,  na 
margem  esquerda  do  Mondego,  junto  da 
actual  estação  de  Gouveia,  na  linha  da  Beira 
Alta.  V.  Cabra. 


1462  VIM 


VIM 


quete  na  poDte  de  Cabra,  sobre  o  Mondego, 
oode  houve  fogo  com  a  divisão  do  Claudino. 

«JNo  dia  5  marcbamos  para  Coruche,  on- 
de se  deu  o  combate  e  se  reconheceu  que 
levávamos  comnosco  muitos  constilucio- 
naes  l. . . 

«Retirámos  para  Trancoso  e  seguimos  por 
Pinhel  para  Almeida. 

«Legoas   19 

*JNo  dia  14  tornámos  a  entrar  em  Hespa- 
Dha  e  fomos  ler  a  Freixo  de  Espada  á  Cm- 
ta,  d'oude  seguimos  por  Moncorvo,  Villa 
Flor,  Mirandella,  Murga,  Campos,  Granja  e 
Tazem,  volvendo  a  Mirandella. 

«JNo  dia  3  de  fevereiro  marchámos  outra 
vez  para  a  frente  e  fomos  a  Murga,  Villa 
Real,  Moimenta,  Villa  Pouca  d'Aguiar,  Abrei- 
ro,  Alfandega  da  Fé,  Mogadouro,  Sendim  e 
S.  Joannico. 

«Legoas   110 

*No  dia  7  de  março  tornamos  a  entrar  na 
Hespanha  e  seguimos  até  Placencia,  onde 
nos  tiraram  os  oíBciaes  portuguezes  e  nos 
dividiram  por  dilfcjremes  terras  em  partidos 
de  150  homens. 

«Legoas   35 

•  Fomos  a  Burgos,  Logronho,  Arnedo,  etc. 

1828 

«No  dia  6  de  janeiro  estávamos  em  Caia- 
horra,  d'onde  fomos  para  Castello  Frio,  etc. 
volvendo  no  dia  9  de  fevereiro  ao  Arnedo. 

«Em  27  de  março  fomos  a  Calahorra  as- 
sistir a  uma  festa  que  o  nosso  regimento  n.» 
24  fez  em  acção  de  graças  pela  boa  vinda  do 
sr.  D.  Miguel. 

«No  dia  15  d'abril  me  roubaram  13  du 
ros  em  casa  do  patrão. 

«Legoas   87 

«No  dia  1  d'agosto  marchámos  para  Por- 
tugal, seguindo  oor  Logronho,  Burgos,  Sal- 
donde,  i  Villa  Garcia,  Penella  e  Bragança, 
aonde  chegamos  no  dia  12. 

«Legoas   80 


1  Aqui  o  regimento  hespanhol  de  cavalla- 
ria  n."  2,  tirou-nos  as  correias. 

{Nota  do  biographado). 


«D'alí  fomos  por  Mirandella,  Villa  Real, 
Lamego,  Castro  d'Ayre,  Vizeu  e  Maniteigas 
para  Penamacor,  aonde  chegámos  a  28  do 


dicto  mez  d'agosto. 

«Legoas  desde  Bragança   50 

»         »    o  Arnedo.   130 

em  28  dias  1 . . . 


«Estive  com  minha  familia  até  2  de  se- 
tembro em  Penamacor,  d'onde  no  dia  33  mar- 
chámos todos  para  Castro  Marim,  poir  Cas- 
tello Branco,  Villa  Velha  de  Rodam,  (Crato, 
Évora,  Beja,  Mértola  e  Guadiana,  ehejgando 
a  Castro  Marim  no  dia  18  do  dicto  miez. 

•Legoas   64 

«De  Castromarim  fui  em  serviço  ai  Faro 
7  vezes. 

•  Legoas   26 

«No  dia  14  de  setembro  de  1829  míareliei 
de  Castromarim  com  o  meu  batalhão)  para 
Lisboa  por  Mértola,  Bejrt,  Alcácer,  Setiubal  e 
Moita,  chegando  a  Lisboa  no  dia  27  do)  dicto 


mez. 

«Legoas   46 

«Total  até  aqui : 

•Por  agua,  legoas   2:;566 

«Por  terra,  legoas   2::787 


Somma   5::353i 


E  note-se  que  elle  contava  as  leguais  pela 
medonha  craveira  d'aquelle  tempo.  Hoje, 
pela  craveira  actuai  de  5  kiiometroí^s  cada 
uma,  as  taes  5:353  legoas  danam  conn  cer- 
teza mais  de  7:000. 

Vejam  o  fadário  que  passou  o  pobrre  José 
Mathias  Barbosa  Leali...  E  ainda  (depois 
accresceram  as  marchas  e  contra  maarchas 
até  á  convenção  d'Evora  Monte  e  qiie)  se  re- 
duzem ao  seguinte : 

Em  novembro  de  1830  marchou  dle  Lis- 
boa para  o  Porto,  com  passagem  jpara  o 
corpo  da _polieia  d'esta  ultima  cidade.. 

Legoas. .    52 

No  dia  9  de  julho,  quando  D.  Pediro  en- 
trou no  Porto,  retirou  o  nosso  biograiphado 
com  o  seu  corpo  da  policia  para  Olliveira 
d'Azemeis,  d'onde  pasisou  por  Carvo»eiro  e 
Paço  de  Sousa  para  Ponte  Ferreira. 


VIM 


VIM  i463 


Legoas   15 

Dada  a  acção  de  Poate  Ferreira,  retirou 

para  Penafiel; — d'ali  passou  para  S.  Mamede 

de  Infesta. 

Legoas   8 

Depois  passou  para  Villa  Nova  de  Gaya; 
— regressou  a  S.  Mamede, — tornou  a  passar 
o  Douro  para  Santo  Ovidio,  em  9  d'agosto 
de  1833;— d'aii  foi  a  Ovar,  Aveiro,  Coimbra, 
Thomar,  Santarém,  Rio  Maior  e  Alcoentre; — 
volveu  a  Santarém, — foi  a  Abrantes;— vol- 
veu a  Coimbra;— depois  a  Thomar— e  a  16 
de  maio  de  1834  assistiu  com  o  filho  Au- 
gusto (meu  antecessor j  á  batalha  da  Assei- 
ceira, na  qual  o  pobre  Augusto  ficou  ferido 
e  prisioneiro  e,  depois  da  convenção  d'Evo- 
ra-Monie,  regressaram  a  sua  pequena  casa 
de  Santa  Maria  do  Valle,  concelho  da  Feira, 
vendo-se  de  repente  pobres  como  Job,  quan- 
do a  fortuna  lhes  sorria,  pois  o  nosso  bio- 
graphado  já  era  tenente  quartel-mestre  e  o 
filho  Augusto  alferes,  não  lendo  completado 
ainda  18  annos. 

E  para  cumulo  da  desgraça,  post  toí  tàn- 
tosque  labores  o  nosso  biographado,  sendo 
um  bom  homem,  sempre  generoso  e  pro- 
penso a  valer  aos  seus  inimigos  polilicos, 
nas  represálias  que  se  seguiram  á  conven- 
ção d'Evora-Monte  foi  barbaramente  assas- 
sinado no  dia  17  de  junho  de  1834,  deixan- 
do a  viuva  e  o  filho  expostos  a  duras  con- 
tingências. 

Foi  sepultado  na  matriz  de  Santa  Maria  do 
Valle,  contando  52  annos  incompletos  e  ten- 
do percorrido  até  o  dia  27  de  setembro  de 
1829 

Legoas   5:353 

Mais  até  á  convenção   180 

Total   5:533 

— só  em  serviço  e  pela  contagem  d'aquelie 
tempo. 

Deus  o  tenha  em  bom  logar. 

Fecharemos  este  tópico  dando  na  sua  in- 
tegra dois  documentos  muito  importantes 
para  a  biographia  do  meu  antecessor,  pois 
que  é  este  o  ultimo  ensejo  que  se  nos  oíTe- 
rece  para  fallarmos  d'elle  e  não  sabemos  se 


Deus  nos  conservará  a  vida  até  chegarmos 
com  o  suppiemento  ao  artigo  Valle,  nem  se 
ainda  por  essa  oceasião  teremos  a  nosso  car- 
go este  diccionario,  pois  estamos  fatigadís- 
simos e  anciosos  por  nos  vermos  livres 
d'elle. 

Desde  fevereiro  de  1884  até  hoje  31  de 
dezembro  de  1886  não  temos  posto  ò  pé  fóra 
do  Porto,  —  nós  que  tanto  gostávamos  de 
passeiar  e  viajar, — e  estamos  fazendo  serão 
até  ás  duas  horas  depois  da  meia  noite,  dan- 
do cabo  dá  vista  e  da  existência. 

Os  dois  documentos  são  as  certidões  do 
baptismo  e  do  óbito  do  meu  antecessor. 

1.» 

«Eu  abaixo  assignado  certifico  que  a  fl. 
96  de  um  livro  findo  de  Baptismos  da  fre- 
guezia  de  Penamacor  d'este  bispado  da  Guar- 
da, achei  o  assento  do  theor  seguinte : 

«AUGUSTO,  filho  legitimo  do  primeiro 
matrimonio  de  ambas  as  partes  de  José  Ma- 
thias,  sargento  de  Caçadores  numero  quatro, 
natural  do  Vimieiro,  bispado  d'Evora,  e  de 
Rita  de  Cacia  Soares  d'Azevedo,  natural  de 
Fermedo,  bispado  do  Porto;  neto  paterno  de 
Matheus  Martins  e  de  Anna  Maria  Barrego- 
sa,  naturaes  do  Vimieiro,  bispado  d'Evora, 
e  materno  de  Francisco  Antonio  Soares  de 
Azevedo,  natural  de  Fermedo,  e  de  Anna 
Maria  de  Pinho,  da  dieta  freguezia  de  Fer- 
medo, nasceu  aos  vinte  e  um  de  novembro 
de  mil  oitocentos  e  dezaseis  ^  e  foi  baptisado 
solemnemente  por  mim,  coadjuctor  abaixo 
assignado,  aos  trinta  dias  do  dieto  mez  e  an- 
no.  Foram  padrinhos  Christovão  Palba  d' Al- 
meida e  Anna  Bernarda,  e  foram  testemu- 
nhas o  padre  Luiz  Antonio  Toscano  e  Vi- 
cente Lourenço,  do  que  fiz  este  termo  que 
assigno,  dia,  mez  e  era  ut  supra.  O  coadju- 
tor Alexandre  da  Silva  Robalo  Freire,— o 


1  Não  disse  onde, — talvez  de  propósito, 
para  não  se  expor  a  censuras  do  prelado, 
pois  o  pobre  Augusto,  meu  antecessor,  como 
elle  próprio  me  disse,  nasceu  na  freguezia  da 
Ajuda,  concelho  de  Belém;  e  foi  levado  para 
Penamacor,  onde  os  paes  n'aquelle  tempo 
tinham  o  seu  domicilio,  e  ali  o  baptisaram. 


1464  VIM 


VIM 


padre  Luiz  Antonio  Toscano,— de  Vicente 
Lourenço  uma  cruz.  E  nada  mais  continha 
o  dieto  assento  que  fielmente  copiei  do  ori- 
ginal, a  que  me  reporto.  Guarda  26  de  ja- 
neiro de  1884.  O  cartorário  João  Antonio 
Martins  Manso.» 

2.» 

«José  Pereira  Baptista  Neves,  abbade  da 
freguezia  de  Lordello  do  Ouro,  concelho  e 
diocese  do  Porto,  ete.  Certifico  que  do  re- 
gistro parochial  d'esta  freguezia  consta  o 
termo  do  theor  seguinte : 

t  Aos  dois  dias  do  mez  de  janeiro  do  anno 
de  mil  oitocentos  oitenta  e  quatro,  ás  qua- 
tro horas  da  manhã,  na  casa  numero  trezen- 
tos noventa  e  tres  da  rua  de  Serralves,  d'esta 
freguezia  de  Lordello  do  Ouro,  concelho  e 
diocese  do  Porto,  faileceu,  tendo  recebido  os 
sacramentos  da  Santa  Madre  Egreja,  um  in- 
dividuo do  sexo  masculino,  por  nome  Au- 
gusto Soares  d'Azevedo  Barbosa  de  Pinho 
Leal,  de  idade  de  sessenta  e  oito  annos  ^, 
viuvo  de  D.  Maria  Rosa  d'Almeida  e  Castro, 
escriptor  publico,  natural  da  freguezia  da 
Ajuda,  concelho  de  Belém,  diocese  de  Lis- 
boa, e  morador  na  dieta  rua  de  Serralves, 
filho  legitimo  (ignora-se)  o  qual  não  fez  tes- 
tamento, deixou  filhos  e  foi  sepultado  no  ce- 
BQiterio  d'esta  freguezia.  E  para  constar  la- 
vrei em  duplicado  este  assento  que  assigno. 
Era  ut  supra.  O  coadjutor  Ignacio  Gomes  da 
Motta.» 

•  Está  conforme  ao  original. 

•  Lordello  do  Ouro,  10  de  maio  de  1884. 

•  O  abbade  José  Pereira  Baptista  Neves.» 

Ambos  estes  documentos  foram  sollieita- 
dos  e  obtidos  por  mim  e  bastante  trabalho 
me  deu  o  primeiro !. . . 

V.  Vianna  do  Castello,  vol.  X,  pag.  461, 
col.  2.» 

Terminaremos  dizendo  que  junto  da  po-  | 
voação  de  Claro  Monte  ha  n'esla  freguezia,  a 
uma  legoa  de  Vimieiro,  uma  fonte  denomi- 
nada por  Fonseca  no  deu  Aquilegio  Medici- 


*  Incompletos,  pois  nascêra  em  21  de  no- 
vembro de  1816. 


nal, — Fonte  de  mata  peixes,  porque  morrem 
(diz  elle)  todos  os  peixes  que  se  lançam 
n'ella. 

!    VIMIOSO — Villa,  freguezia  e  séde  do  con- 
celho do  seu  nome,  comarca  de  Miranda  do 
Douro,  districto  e  diocese  de  Bragança,  pro- 
víncia de  Traz-os-Montes. 
Priorado. 

Orago  S.  Vicente  Ferrer,  martyr.— Fogos 
380,— habitantes  1:628. 

Em  1706  era  villa  e  concelho,  commenda 
da  ordem  de  Christo  e  titulo  de  condado; — 
pertencia  á  comarca  (corregedoria  e  prove- 
doria) de  Miranda;— o  seu  paroeho  era  rei- 
tor da  apresentação  da  coroa, — e  contava 
300  fogos  na  villa  e  seu  termo,  que  eompre- 
hendia  Valle  de  Frades,  Campo  de  Viboras, 
hoje  parochias  d'este  concelho, — e  as  povoa- 
ções de  Serapicos  e  S.  Joannieo,  parochia» 
extinetas,  hoje  annexas  á  de  Val  de  Frades. 
É  isto  o  que  se  deduz  da  Chor.  Port. 
Em  1768  era  reitoria  do  bispado  de  Mi- 
randa e  da  apresentação  da  casa  do  infan- 
tado;— rendia  para  o  seu  paroeho  SOí^OOO 
réis— e  contava  (só  a  villa)  241  fogos. 

Em  1791  contava  apenas  200  fogos,— se- 
gundo se  lê  na  petição  que  o  paroeho  Anto- 
nio Fernandes  de  Araujo  n'aquella  data  di- 
rigiu á  rainha  D.  Maria  I,  como  administra- 
dora do  mestrado  e  chaneellaria  da  ordem 
de  Christo,  pedindo  augmento  de  côngrua. 
Archivo  parochial  de  Vimioso. 

Em  1796,  segundo  se  lé  na  Descripção  da 
provinda  de  Traz-os-Montes  pelo  dr.  Colum- 
bano Pinto  Ribeiro  de  Castro,  corregedor  de 
Moncorvo  e  juiz  demarcante  da  dieta  pro- 
víncia*, esta  villa  e  este  concelho  perten- 
ciam á  comarca  (ouvidoria)  de  Villa  Real, 
por  serem  do  infantado  n'aquelle  tempo,  e 
contavam  446  fogos  com  i:919  habitantes, 
sendo  925  do  sexo  masculino  e  994  do  sexo 
feminino,— eeclesiasticos  seculares  9,— pes- 
I  soas  litterarias  1,  sem  occupação  31,  nego- 
ciantes 5,  barbeiros  3,  lavradores  173,  jor» 
naleiros  22,  fabricantes  de  lã  3,  alfaiates  16, 
sapateiros  25,  carpinteiros  6,  pedreiros  3, 


*  Códice  n."  486  da  Bibliotheea  Municipai 
do  Porto. 


VIM 


VIM  1465 


ferreiros  10,  ferradores  1,  moleiros  6,  cria- 
das 20,— criados  22 — e  cardadores  1261 .. . 

Note-se  que  ioda  a  ouvido- 
ria contava  130  cardadores  e 
por  consequência  mais  4  so- 
mente. 

Era  pois  Vimioso  n'aquelle 
tempo  a  terra  dos  cardadores. 
Toda  a  comarca  de  Miranda 
não  tinha  um  cardador,  alem 
dos  de  Vimioso!;— toda  a  co- 
marca de  Bragança  tinha  ape- 
nas 13;— ioda  a  de  Moncorvo 
134  e  toda  esta  província  277. 

Pertenciam  pois  a  Vimioso 
cerca  de  metade  dos  cardado- 
res da  toda  a  provinda  1 

Não  tinha  porem  um  único  pastor,  nem 
um  soqueiro,  nem  um  mineiro,  nem  um  al- 
mocreve, nem  um  latoeiro,  nem  um  fabri- 
cante de  courama,  nem  um  surrador,  nem 
um  boticário,  nem  um  fabricante  de  seda, 
nem  um  serralheiro? ! . . . 

O  censo  de  1864  deu  a  esta  villa  331  fo- 
gos e  1:28S  habitantes,— e  o  de  1878  deu-lhe 
355  fogos  e  1:548  habitantes. 

Demora  em  alta,  alegre,  saudável  e  vistosa 
planície  na  estrada  de  Miranda  para  Garção^ 
Bragança,  entre  as  ribeiras  de  Maçans,  a  O.,* 
e  Angueira,  a  E.,  confluentes  do  rio  Sabor, 
distando  de  qualquer  das  duas  3  kilometros; 
—30  de  Miranda  para  O.  N.  O.;— 40  de  Bra- 
gança para  S.  E.,— 60  da  linha  de  Zamora, 
em  Hespanha;— 80  da  estação  do  Pocinho, 
hoje  a  mais  próxima  em  Portugal,  na  linha 
férrea  do  Douro;— 254  do  Porto  pela  estação 
do  Pocinho  na  linha  férrea  do  Douro  2,-260 
do  Porto  por  Macedo  de  Cavalleiros,  Miran- 
della,  linha  férrea  de  Mirandella,  também 
prestes  a  abrir-se  á  circulação,  e  linha  fér- 
rea do  Douro,  na  qual  entronca  a  de  Miran- 
della, na  estação  do  Tmo;— 591  de  Lisboa 


1  Esta  villa  era  do  infantado,  mas  entrava 
n'ella  o  provedor  de  Miranda. 

2  Foi  aberta  á  circulação  até  o  Pocinho  no 
dia  10  do  corrente  mez  de  janeiro  de  1887. 


pela  estação  do  Pocinho— e  597  pela  do  Tua, 
linha  de  Mirandella  e  Macedo  de  Cavalleiros. 

Este  ultimo  trajecto  é  mais  longo,  mas 
preferível  por  ser  todo  em  linha  férrea  des- 
de Lisboa  atè  Mirandella  e  por  haver  dili- 
gencias d'ali  até  Macedo  de  Cavalleiros,  res- 
tando apenas  45  kilometros  para  viagem  em 
sella,  emquanto  que  o  primeiro  obriga  a 
transpor  em  sella  80  kilometros  de  barran- 
cos do  Pocinho  até  Vimioso  e  a  passar  em 
barca  o  Douro,  que  no  inverno  faz  tremer  os 
mais  valentes;  será  porem  este  trajecto  o 
preferido,  logo  que  se  construa  a  linha  fér- 
rea, hoje  em  estudos  do  Pocinho  a  Miranda 
do  Douro  e  que  deve  passar  a  pequena  dis- 
tancia de  Vimioso. 

Também  trazemos  em  estu- 
dos a  continuação  da  linha 
férrea  do  Tua,  de  Mirandella 
á  fronteira  por  Bragança,  e  ou- 
tras muitas,  de  que  fallaremos 
no  supplemento.  Entretanto 
vejam-se  os  artigos  Vias  Fér- 
reas, vol.  X,  pag.  475  e  478 — 
e  Villarinho  das  Paranheiras. 

Freguezias  limitrophes :  —  Caçarelhos, 
Campo  de  Víboras,  Garção,  Pinello  e  Valle 
de  Frades,  todas  d'este  concelho,  que  com- 
prehende  mais  as  seguintes  : — Algoso,  An- 
gueira, Argosello,  Avellanoso,  Matella,  San- 
tulhão,  Uva,  Villa  Secca  e  Vimioso. 

Total : 

Freguezias   14 

Fogos  pelo  recenseamento  de  1878  2:556 

Habitantes.  .   10:445 

Prédios  inscriptos  na  matriz   23:655 

Superflcie  em  hectares   55:669 

Concelhos  limitrophes:— Miranda  do  Dou- 
ro, séde  da  comarca,  —  Mogadouro,  Macedo 
de  Cavalleiros  e  Bragança,— m  Portugal^ 
pois  a  N.  confma  com  a  Hespanha,  distando 
Vimioso  apenas  10  kilometros  da  raia— e  15 
da  villa  de  Alcaniças,  povoação  hespanbola 
importante,  formada  quasí  exclusivamente 
por  contrabandistas. 

Producções  dominantes  d'esta  freguezia  e 


i466  VIM 


VIM 


d'e8te  concelho: — cereaes,  vinho,  azeite,  cas- 
tanhas, batatas  e  lã,  pois  criam  bastante  ga- 
do lanígero,  muar  e  vaccum  da  celebre  raça 
mirandesa  ^. 

A  producção  do  vinho  era  importante  e 
uma  das  mais  rendosas,  mas  tende  a  desap- 
parecer  em  toda  esta  província,  porque  a 
maldita  phylloxera  invadiu  e  jà  anoiquilou 
a  maior  parte  dos  seus  vinhedos. 

V.  Villa  Real  de  Traz-os-Montes,  vol.  XI, 
pag.  1012  a  1016,— Viílarinho  de  Cottas  e 
Villarinho  de  S.  Romão, 

Esta  freguezia  não  comprehende  aldeia. 
Toda  a  sua  população  está  concentrada  na 
Villa  do  seu  nome.  Apenas  tem  2  quintas  ha- 
bitadas:—a  de  S.  Thomé,  de  João  Ferreira 
Sarmento,  de  Bragança,  coronel  de  eavalla- 
ria  n.°  7, — e  a  de  Santo  Amaro,  ou  Picadei- 
ros dft  .losé  Ignacio  Luiz  Affonso  e  Manuel 
José  Alves,  ambos  de  Vimioso,  e  de  Joaquim 
Bariholomeu,  de  Caçarelhos. 

Todas  as  estradas  d'esta  freguezia  e  d'e8te 
concelho  são  com  pequena  differença  os  mes-  i 
mos  barrancos  dos  princípios  da  nossa  mo- 
narchia  e  talvez  do  tempo  dos  mouros  e  dos 
godos.  Apenas  tem  Já  estudada  e  em  prin- 
cípios de  construcção  uma  estrada  munici- 
pal a  macadam  om  direcção  á  fronteira. 

V.  Villa  Real  de  Traz-os-Montes,  vol.  XI, 
pag.  1016  a  1018,  onde  se  encontra  uma  li- 
geira nota  de  viação  d'esta  província,— e 
Villarinho  dos  Gallegos. 

Templos 

!.• — A  egreja  matriz,  ampla,  elegante,  de 
uma  só  nave,  com  tecto  de  abobada,  duas 
torres  na  fronteria,  boas  decorações  e  bem 
conservada.  2  Apenas  tem  uma  fenda  na  abo- 
bada do  tecto  desde  o  terramoto  de  1  de  no- 
vembro de  1755. 

É  um  dos  melhores  templos  d'esta  pro- 
víncia, depois  da  sé  de  Miranda  e  daf matriz 
de  Moncorvo. 


^  V.  Villarinho  da  Castanheira  e  Villari- 
nho dos  Gallegos. 

2  É  toda  de  bella  cantaria  de  granito  e  de 
architectura  toscana. 


A  velha  matriz  de  Vimioso  estava  f  fóra  da 
Villa,  cerca  de  600  metros  ao  norte,  nno  sitio 
do  Calvário,  assim  denominado  porquue  para 
memoria  ali  pozeram  e  se  conservamn  ainda 
3  cruzes  de  granito. 

Por  ser  pequena  e  se  achar  em  ruiiinas,  foi 
no  tempo  de  Filíppe  I  feita  de  novo  >  e  tras- 
ladada para  a  villa.  Deu  o  ehão  para'a  ella  o 
morgado  João  Mendes  Antas,  mesnmo  ena 
frente  da  porta  principal  da  sua  cassa,  pelo 
que,  sem  pôr  pé  na  rua,  podia  asssistir  à 
missa. 

E  não  só  deu  o  chão  para  a  nova  i  egreja, 
mas  uma  junta  de  bois  com  carro  e  i  criados 
durante  os  25  annos  que  durou  a  comstrue-l 
ção  d'ella— e  n'ella  construiu  a  cappella  do 
seu  morgado,  dando-lhe  a  invocação  t  de  Nos-, 
sa  Senhara  da  Conceição  (até  ali  era i  da  Ma-j 
gdalena)  —  capella  que  ainda  hoje  1  lá  se  vô 
com  o  brasão  do  fundador,  ou  dos  ,  Mendes 
Antas,  dos  quaes  logo  fallaremos. 

Data  pois  a  egreja  actual  dos  flnsis  do  sé- 
culo XVI.  Não  se  sabe  quando  foi  feitita  a  an- 
tiga, mas  consta  que  esta  parochia  fobi  erecta 
no  tempo  de  D.  Ramiro  I,  de  Leão,  poelos  an- 
nos de  824  a  850,  e  que  este  rei  lhe  t  deu  co- 
mo orago  S.  Vicente,  segundo  se  lia  i  em  va- 
rias inscripçòes  encontradas  quandoo  se  de- 
moliu a  egreja  velha,  e  em  outras  qque  pos- 
teriormente appareeeram,  nenhunma  da| 
•quaes  hoje  existe.  | 

2.  ° — Egreja  da  Misericórdia,  pertenncente  á 
irmandade  d'este  titulo,  que  é  pobrire  e  não 
tem  hospital. 

.  Foi  esta  egreja  fundada  em  15553  por  D. 
Catharina  de  Quinhones,  aya  de  D.'.  Calha- 
rina,  mulher  de  D.  João  IIL 

3.  " — Capella  de  S.  Sebastião. 

É  publica,  espaçosa  e  muito  eleganhte; — es- 
tá fóra  da  villa  em  um  grande  larrgo,  maaj 
infelizmente  em  completo  abandono  >  e  muito 
mal  tractada  !. . . 

4.0 — Capella  do  Santo  Christo,  t  também 
publica  e  muito  elegante. 

Está  hoje  dentro  do  cemitério  paarochiaí, 
mas  era  muito  mais  antiga. 

S°~Capel.la  de  Nossa  Senhora  dom  Remé- 
dios, no  largo  d'este  nome,  na  extre-emidade 
da  villa,  do  lado  de  Bragança. 


VIM 

É  também  publica,  muito  querida  do  po- 
vo e  está  muito  bem  traetada. 

6.  " — Capella  de  Nossa  Senhora  dos  Anjos 
e  S.  Jeronymo,  lambem  denominada  Senho- 
ra da  Pereira,  no  monte  d'e8te  nome,  em 
sitio  alto  e  com  vastíssimo  horisonte. 

Era  também  publica,  mas  cahiu  em  mi- 
nas e  d'ella  hoje  apenas  restam  as  paredes. 

7.  ° — Capella  de  S.  Miguel,  no  valle  d'este 
nome. 

Era  também  publica  e  está  igualmente  em 
ruinas. 

Ha  n'esla  parochia  muitos  valles  amenos 
e  férteis,  mas  este  de  S.  Mg^Me/é  o  mais  mi- 
moso e  mais  fértil  de  todos,  abundantissi- 
mo  d'agua  excellente  de  veia  nativa,  tanto 
potável  como  de  rega,  e  todo  povoado  de 
campos,  hortas,  flores  e  de  arvoredo  frueti- 
fero. 

É  o  jardim  de  Vimioso  e  muito  bem  agri- 
cultado por  estar  dividido  em  pequenas  cou- 
rellas  por  quasi  todos  os  habitantes  d'esta 
parochia: 

Capellas  particulares 

l* — Nossa  Senhora  da  Conceição,  na  ma- 
triz. 

É  brasonada  e  foi  vinculada,  como  já  dis- 
semos. 

Pertence  á  nobre  familia  Mendes  Antas. 

'i.*— Nossa  Senhora  da  Conceição  (outra) 
na  rua  da  fíopadoura. 

Era  tambpm  vinculada,  pertencente  aos 
Moraes  Farias  Sarmentos,  e  estava  unida  ás 
casas  d'elles.  Foram  seus  últimos  represen- 
tantes Pedro  José  Faria  de  Sá  Sarmento  e 
seu  filho  Carlos  José  Faria,  o  qual  obteve 
uma  provisão  regia  para  dpsfazer  o  morga- 
do e  depois  empenhou  e  vendeu  tudo  ?  I . . . 

A  dieta  capplla  está  bem  conservada  e  per- 
tence hoje,  bem  como  o  palacete  contíguo, 
ao  sr.  Alfredo  Augusto  de  Moraes  Carvalho, 
de  quem  logo  fallaremos. 

3.»— S.  João  Baptista. 

Pertenceu  *  á  nobre  familia  Ferreiras  e  está 
incorporada  na  frente  das  casas  que  habita- 
vam na  rua  da  do  Castello. 


1  Esta  Capella  de  S.  João  Baptista,  hoje 


VIM  1467 

4.  ? — Nossa  Senhora  do  Bom  Despacho,  no 
monte  das  Pereiras,  pertencente  á  nobre  ca- 
sa dos  Lousadas. 

Está  em  ruinas. 

Na  dieta  casa  viveu  ultimamente  D.  Bi- 
biana Osorio  d'Albuquerque,  viuva  de  Ay- 
res Ferreira  de  Sá  Sarmento,  pae  de  Fran- 
cisco José  Sarmento  de  Lousada,  que  foi  co- 
ronel dos  Dragões  de  Chaves. 

Os  representantes  d*esta  familia  acham-se 
hoje  dissiminados  por  Bragança,  Chaves  e 
Tinhella,  onde  possuem  boas  casas. 

A  dieta  sr.*  D.  Bibiana  casou  em  segun- 
das núpcias  com  João  Mendes  Antas,  mor- 
gado de  Paradella. 

5.  » — S.  Thomé,  na  grande  quinta  d'este 
nome. 

Éstá  em  ruinas. 

6.  » — Santo  Amaro,  ainda  bem  conservada 
e  distante  de  Vimioso  5  kilomelros. 

Foi  vinculada  e  pertencente  á  nobre  fami- 
lia Vasconcellos — demora  na  grande  quinta 
dos  Picadeiros  e  nVIla  jaz  o  ultimo  adminis- 
trador d'este  vinculo,  Quirino  .Tosé  de  Sam- 
paio e  MpIIo,  fidalgo  respeitabilissimo,  que 
falleceu  em  9  d'agosto  de  1860,  sendo  por 
sua  morte  retalhado  o  vinculo. 

Logo  fallaremos  d'estas  duas  grandes 
quintas  em  tópico  especial. 

7.  ' — Nossa  Senhora  dos  Remédios,  na  casa 
dos  Sousas  Roboredos. 

Famílias  nobres 

Até  á  extincção  dos  vincules  foi  . esta  villa 
de  Vimioso  um  viveiro  de  nobresa,  como  a 
de  Villa  Flor. 

Teve  12  casas  nobres:— Vasconcellos,  An- 
tas, Moraes  Antas,  Gamas,  Sampaios,  Farias 
Sarmentos,  Lacerdas,  Pimenteis,  Ferreiras, 
Madureiras,  Eças  e  Sousas, — não  contando 
as  suas  numerosas  ramificações. 

Das  mais  antigas  eram  os  Vasconcellos  e 
Sampaios,  ramo  dos  Vasconcellos  por  D. 
Vasco  Pires  da  Torre.  Actualmente  repre- 
senta estas  duas  nobres  casas  o  sr.  João  An- 


profanada,  ainda  tem  na  frente  o  brasão  dos 
Ferreiras,  mas  hoje  pertence  a  estranhos, 
bem  como  a  casa  que  foi  dos  Ferreiras. 


1468  VIM 


VIM 


totiio  de  Moraes  Antas,  d'esta  villa,  neto  mais 
velho  do  ultimo  representante  Quirino  José 
de  Sampaio  e  Mello. 

O  mesmo  J.  A.  de  Moraes  Antas  represen- 
ta lambem  a  família  do  seu  appellido  como 
única  vergontea  d'esta  linhagem  e  ultimo 
neto  do  ultimo  representante  d'ella— Ma- 
nuel Ignacio  de  Moraes  Antas,— penúltimo 
capitão-mor  de  Vimioso. 

Bepresenta  a  1.*  e  2.*  familía,  por  se  achar 
extincto  e  retalhado  o  vinculo,  que  por  mor- 
te do  seu  ultimo  administrador  foi  repartido 
pelos  seus  herdeiros,  dos  quaes  alguns  já 
morreram  esmolando  e  outros  seguem  o 
mesmo  rumo, — graças  á  extincção  dos  vín- 
culos 1, 

Assim  acabou  uma  das  mais  ricas  e  mais 
nobres  casas  do  Vimioso  I. . . 

A  familia  Mendes  Antas,  igualmente  nobre 
e  salda  do  mesmo  tronco,  ainda  se  conserva 
florescente. 

Foi  seu  ultimo  representante  o  ultimo  ca- 
pitão-mór  de  Vimioso, — Luiz  José  de  Figuei- 
redo Mendes  Antas,  fallecido  em  1845,— e  ó 
seu  digno  representante  actual  José  Maria 
de  Figueiredo  Mendes  Antas,  filho  do  men- 
cionado capitão-mór  e  que  tem  sido  admi- 
nistrador d'este  concelho.  Vive  na  casa  pa- 
terna. Da  mesma  familia  ha  um  ramo  em 
Villa  do  Conde,  representado  por  Luiz  .4n- 
tonio  de  Figueiredo  Antas,  e  outro  em  Valle 
de  Fradinho,  concelho  de  Macedo  de  Caval- 
leiros,  representado  por  D.  Maria  Augusta 
de  Figueiredo  Antas,  ali  casada  com  Agos- 
tinho Antonio  Pires  de  Queiroz,— esta  filha 
legitima  e  aquelle  filho  natural  do  dicto  ca- 
pitão-mór. 

A  casa  solar  dos  Antas,  é  o  Paço  das  An- 
tas, no  concelho  de  Coura,  da  qual  é  hoje 
senhor  e  muito  digno  representante  Joaquim 
José  d' Antas  Bacellar  e  Barbosa. 

Da  familia  Gamas,  restam  só  a  tradição  e 
memorias  de  vários  casamentos  com  diffe- 
rentes  indivíduos  d'esta  villa  a  principiar 
pelo  casamento  de  D.  Juliana  Dias  da  Gama, 


*  V.  Villa  Real  de  Traz-os-Montes,  vol.  Xí. 
pag.  102!,  col.  1.» 


I  filha  do  conde  e  vice-rei  D.  Vasco  da  Ga- 
I  ma,  com  Belchior  Vaz  Borralho,  de  Viimioso, 
i  de  quem  procederam  D.  Francisco  Víaz  Bor- 
ralho Mendes  Vasconcellos  Figueiroa,,  etc. 

Da  nobre  casa  dos  Farias  foi  peumltimo 
representante  o  morgado  Pedro  José  de  Fa- 
ria Sá  Sarmento,  cujo  filho  aniquiloui  toda  a 
casa,  como  ja  dissemos,  e  morreu  sollieiro  e 
sem  successão. 

Da  nobre  familia  Lacerdas,  que  viivia  na 
rua  da  Oliveira,  quasi  defronte  da  cadeia 
antiga,  lambem  apenas  resta  a  memoriia,  por- 
que o  seu  ultimo  representante,  Manuiel  Cae- 
tano de  Lacerda,  já  depois  do  meiadto  d'este 
século,  sendo  um  grande  proprietária)  e  fal- 
lecendo  solteiro,  deixou  lodos  os  seuis  bens 
a  uma  criada  I . . . 

A  familia  Pimenteis,  uma  das  mais  nobres 
e  mais  antigas  de  Vimioso,  acabou  ha  muito. 

A  nobre  familia  Madureiras  transf(eriu-se 
para  Miranda  do  Douro  e  foi  seu  ultiimo  re- 
presentante um  coronel  de  milícias  d'2aquella 
cidade. 

Da  nobre  familia  Eças  de  Vimioso  já  não 
se  sabe  quem  foi  o  seu  ultimo  repjresen- 
tantd. 

Suppõe-se  que  procedia  d'algum  dos  42 
filhos  de  D.  Fernando  d'Eça,  o  1."  d'eíste  ap- 
pellido, filho  do  infante  D.  João  e  da,  desdi- 
tosa D.  Maria  Telles  de  Menezes,  irmã  da 
rainha  D.  Leonor  Telles  de  Menezesj,  e  quo 
viesse  para  Vimioso  no  tempo  de  D.  Mendo 
Affonso  Mendes  de  Vasconcellos,  seu  paren- 
te, senhor  d'esta  villa. 

Da  nobre  familia  Sousas  foi  ultimo)  repre- 
sentante no  2.'  quartel  d'este  século  .  José  de 
Sousa  Roboredo  Quina,  grande  proprrietario, 
casado  com  D.  Francisca,  moradores  na  rua 
da  Malhada,  mas  um  bello  dia,  enfaistiados 
com  o  monótono  viver  de  Vimioso,  vende- 
ram todos  os  bens  que  ali  tinham  ei  foram 
para  Lisboa,  d'onde  não  mais  voltaraam. 

Os  Sampaios  eram  um  ramo  dos  senho- 
res de  Villa  Flor  de  Traz-os  Montes.. 

A  villa 

Apesar  da  decadência  d'esta  prmvincia, 
nomeadamente  d'este  malfadado  distn*icto  de 
Bragança,  hoje  o  mais  pobre  de  todo  to  nosso 


VIM 


VIM  1469 


paiz  e  o  maia  desprovido  de  melhoramentos 
públicos,  Vimioso  é  uma  villa  muito  habitá- 
vel e  apresenta-se  galhardamente. 

Tem  uma  boa  feira  mensal  no  dia  10  de 
cada  mez,  sendo  muito  importante  a  de  10 
d'agosto,  casas  eommerciaes  bem  monta- 
das,—um  bom  cemitério,— estação  telegra- 
phica  desde  fevereiro  de  187S,— ricos  pro- 
prietários e  bons  edifícios  públicos  e  parti- 
culares, avultando  entre  elles  a  egreja  ma^ 
triz  a  leste  da  Praça,  e  os  novos  paços  do 
concelho,  construídos  em  1863  a  1866,  muito 
sólidos  e  muito  amplos,  onde  se  aceommo- 
dam  perfeitamente  a  camará  da  villa,  o  tri- 
bunal judicial,  a  cadeia,  a  administração  do 
concelho,  a  direcção  da  alfandega,  e  a  re- 
partição da  fazenda,  etc,  a  O.  da  dieta  pra- 
ça, no  fundo  da  qual  se  ergue  um  lindo  cha- 
fariz. 

Tem  3  bons  largos:  —  da  Praça,  da  Se- 
nhora dos  Remédios  e  do  Castello,— e  7  ruas: 
— De  Traz,  da  Calçada,  da  Cadeia,  da  Ma- 
lhada, da  Portella,  da  Carreira  dos  Cavai- 
los  e  dos  Barreiros. 

Tem  duas  aulas  oflBciaes  de  instrucção 
primaria  elementar  para  os  dois  sexos  e  um 
bom  edificio  escolar  denominado  do  Conde 
de  Ferreira,  porque  foi  feito  com  o  subsidio 
deixado  por  aquelle  benemérito  capitalista 
portuense. 

Ergue-se  no  local  onde  pompeou  desde 
séculos  remotíssimos  o  castello  de  Vimioso, 
que  teve  uma  longa  serie  d'aleaides-móre8 
e  que  foi  terraplanado  para  a  eonstrucção 
da  dieta  escola,  tendo  servido  os  seus  fossos 
de  cemitério  da  villa,  desde  1834  até  1861, 
data  da  eonstrucção  do  novo  cemitério. 

Desappareeeu  completamente,  mas  quem 
quizer  saber  o  que  íoi  o  Castello  de  Vimio- 
so, no  século  xvi,  encontra  na  Torre  do  Tom- 
bo a  planta  fiel  d'elle  e  d'outros  muitos  dos 
nossos  castellos  e  praças  d'aquelle  tempo, 
mandada  tirar  por  el-rei  D.  Manuel. 

Este  de  Vimioso  tinha  uma  torre  e  3  bas- 
tiões com  suas  casas- maltas,  fossos,  etc,  o 
que  tudo  foi  arrasado  em  1762  pelo  conde 

*  Logo  fali  aremos  da  grande  feira  do  S. 
MigueCqae  perdeu  em  1762. 

VOLUME  XI 


de  Sarria,  general  hespanhol,  na  invasão  que 
teve  legar  n'aquella  época. 

De  passagem  diremos  que  ha  n'e3te  con- 
celho um  Castello  também  muito  antigo,  ain- 
da ameiado  e  bem  conservado,  muito  vistoso 
e  lindíssimo.  É  o  Castello  de  Algoso. 

Também  teve  esta  villa  uma  atalaia  no 
sitio  assim  denominado  a  leste  do  Vimioso, 
da  qual  ainda  resta  uma  torre  muito  solida 
com  alguns  metros  d'altura. 

Esta  atalaia  è  anterior  à  nossa  monar- 
chia  e  talvez  á  oceupação  árabe  e  goda— e 
em  volta  d'ella  se  vê  ainda  restos  d'um 
grande  fosso,  o  que  tudo  leva  a  crer  que 
houve  ali  um  castro  romano. 

Também  se  encontram  ainda  no  termo  de 
Vimioso  vestígios  de  mais  tres  castros,  que 
o  vulgo  denomina  castros  dos  mouros: — um 
está  no  fundo  do  Valle  de  S.  Miguel,  ainda 
com  paredes  bem  conservadas;— outro  na 
margem  esquerda  do  rio  Angueira,  junto  do 
moinho  de  José  Marcos  e  da  grande  quinta 
dos  Picadeiros,  no  sitio  da  Terronha; — ou- 
tro na  Batoqueira,  margem  esquerda  do  rio 
Maçans.  Ali  se  vé  também  duas  grandes  ro- 
chas, que  são  dois  monumentos  archeologi- 
cos,  muito  dignos  de  especial  menção.  De- 
nomina-se  uma  d'ellas  Fraga  do  Muro  e  tem 
dentro  abertas  a  pico  tres  grandes  salas,  pa- 
ra as  quaes  se  entra  a  custo  por  um  buraco, 
também  aberto  a  pico,  no  bojo  do  dicto  pe- 
nedo, a  bastante  altura  do  solo;— a  outra 
denomina  se  Forno  da  Batoqueira  eiem  den- 
tro uma  grande  sala,  para  a  qual  se  entra 
por  um  grande  orifício  ao  rez  do  chão,  tudo 
aberto  egualmenie  a  pico ! 

Suppõe-se  que  foram  esconderijos  feitos 
pelos  ehristãos  no  tempo  da  oceupação 
árabe. 

Como  velharia  histórica  mencionaremos 
também  o  Prado  de  Cabanas,  cerca  de  4  ki- 
lometros  a  leste  de  Vimioso,  pois  ali,  no  rei- 
nado de  D.  Manuel,  estanciaram  os  judeus 
que  de  Castella  Velha  foram  expulsos  pelos 
reis  catholicos  e  que  fugiram  para  Portugal, 
entrando  na  villa  de  Alcaniças.  No  dicto 
prado  viveram  aquelles  infelizes  tres  annos; 
depois  a  custo  se  foram  estabelecendo  nas 
povoações  de  Vimioso,  Argozello,  Carrão, 
Bragança  e  outras  d'este  distrieto,  mal  ima- 

93 


1470  VIM 


VIM 


ginando  os  trabalhos  e  perseguições  que  em 
Portugal  os  esperavam  lambem. 

Ha  finalmente  em  Vimioso  duas  hospeda- 
rias;— agua  potável  exeellente  em  abundân- 
cia,— uma  nascente  d'aguas  férreas  e  outra 
de  aguas  sulphureas  no  sitio  da  Terronha, 
embora  mal  exploradas  e  mal  aproveitadas 
ainda. 

Ha  também  n'e8te  concelho  varias  minas 
de  cobre,  chumbo,  galena  de  prata,  antimo- 
nio  e  outros  metaes,  simplesmente  registra- 
das,—e  grandes  jazigos  de  mármore  e  ala- 
bastro, dos  quaes  logo  faltaremos. 

Vicissitudes 

Desde  tempos  muito  remotos  se  fazia  em 
Vimioso, — no  prado  de  S.  Miguel — uma  feira 
franca  annual  importantíssima,  denominada 
de  S.  Miguel,  que  principiava  no  dia  29  de 
setembro  e  durava  um  mez. 

Era  muito  concorrida  por  gente  de  Por- 
tugal e  da  Hespanha  e  multo  abundante  de 
gados  e  fazendas  de  toda  a  ordem,  mas  aca- 
bou no  anno  de  i762,  por  occasião  da  guerra 
com  a  Hespanha,  e  passou  a  fazer-se  no  Mi- 
nho, no  concelho  de  Refoios  (hoje  Cabecei- 
ras de  Basto)  na  freguezia  do  Arco  de  Baú- 
lhe, no  mesmo  dia  29  de  setembro,— e  parte 
d'e]la  passou  para  Zamora,  na  Hespanha, 
ainda  hoje  denominada  Feira  dos  Botigei- 
ros. 

Vimioso  soíTreu  muito  com  a  extincçào  e 
remoção  da  dieta  feira  e  mais  ainda  com  os 
excessos  de  toda  a  ordem  praticados  pelo 
conde  de  Sarria,  general  hespanhol  que 
n'aquella  data  (1762)  invadiu,  saqueou  e 
incendiou  Vimioso,  então  vilia  muito  pros- 
pera e  florescente,  e  levou  a  flor  dos  seus 
habitantes  para  Pamplona,  onde  todos  mor- 
reram prisioneiros,  sem  voltarem  á  pátria. 
Os  restantes  membros  das  suas  familias  no- 
bres foram  viver  em  outras  povoações: — os 
Ferreiras  em  Bragança; — os  Moreiras  e  Sa- 
mêdos  em  Lisboa; — os  Madureiras  em  Cha- 
ves;— 08  Lousadas  em  Vinhaes, — e  outros 
acabaram  de  todo. 

Apenas  ficaram  na  villa  os  Mendes  Antas, 
03  Moraes  Farias  e  os  Seixas  Pegados. 

Contingências  da  guerra ! . . . 


O  antigo  concelho  de  Vimioso  comprehen- 
dia  apenas  a  parochia  da  villa,  a  de  Valle  de 
Frades,  a  de  Campo  de  Viboras — e  as  po- 
voações de  Sarapicos  e  S.  Joannico,  forman- 
do uma  commenda  que  foi  de  D.  Antão, 
conde  d'Almada.  Em  1835  foi  Vimioso  ele- 
vado a  cabeça  de  uma  grande  comarca,  com- 
prehendendo  todos  òs  povos  dos  antigos  con- 
celhos d'Algoso,  Miranda  do  Douro,  Outeiro 
e  Vimioso;  mas  durou  esta  comarca  apenas 
até  1839,  ficando  então  a  villa  de  Vimioso 
reduzida  a  séde  de  um  pequeno  concelho  (o 
actual)  coraprehendendo  apenas  li  fregue- 
zias,  já  mencionadas,  mas  é  um  dos  mais  ri- 
cos do  districto  de  Bragança,  porque  produz 
muitos  cereaes  (trigo,  centeio,  milho  e  ceva- 
da) vinho,  azeite,  castanhas,  balatas,  linho, 
legumes,  hortaliça  e  fructa.  Também  cria 
muito  gado  cavallar,  muar,  ovino,  caprino 
e  suino; — tece  muita  lã  e  linho;— tem  fabri- 
cas de  cortumes  e  ricas  pedreiras  de  már- 
more e  de  alabastro,  em  exploração,  alem 
de  varias  minas  de  difi'erentes  metaes,  sim- 
plesmente registradas,- -e  deve  prosperar 
muito  com  a  linha  férrea  do  Pocinho  a  Mi- 
randa do  Douro. 

Bios 

Banham  esta  parochia  os  rios: — Anguei- 
ra  ao  nascente  e  Maçans  ao  poente,  que 
unidos  morrera  no  Sabor  a  30  kilomeiros  de 
distancia.  Nos  limites  d'esta  parochia  tem 
cada  um  sua  ponte  de  pedra  e  movem  nove 
moinhos. 

O  Angueira  nasce  em  Hespanha  junto  de 
Alcaniças;  entra  em  Portugal  na  freguezia 
de  S.  Martinho,  concelho  de  Miranda; — pas- 
sa na  freguezia  d' Angueira,  d'este  concelho 
de  Vimioso,  a  qual  tomou  d'elle  o  nome; — 
corta  a  meio  a  povoação  e  extincta  parochia 
de  S.  Joannico,  onde  tem  uma  ponte; — con- 
tinua a  correr  de  N.  E.  a  S.  O.  até  á  fre- 
guezia de  Uva,  que  deixa  á  esquerda; — re- 
cebe d'este  lado,  um  pouco  a  jusante,  uma 
ribeira  que  vem  de  Genisio,  concelho  de  Mi- 
randa do  Douro;— descreve  depois  uma  cur- 
va e  corre  de  E.  S.  E.  á  O.  N.  O.  por  baixo 
(â  S.)  da  villa  d'Algoso  até  formar  juneção 


VIM 


VIM  1471 


com  o  rio  Maçam,  tendo  de  curso  total  até 
aqui  mais  de  40  kiiometros,  attendendo  ás 
muitas  voltas  que  dá. 

O  rio  Maçans  nasce  na  Hespanha  em  San- 
ta Cruz  de  los  Conejos,  forma  a  raia  desde 
a  povoação  da  Petisqueira  até  à  freguezia  de 
Paradinha,  conceiilo  de  Bragança,  na  ex- 
tensão de  20  kiiometros; — depois  entra  todo 
em  Portugal  e,  correndo  sempre  de  N.  N.  E. 
a  S.  S.  O.,  passa  entre  Vimioso  e  Garção; — 
no  termo  d'Algo3o  recebe  o  Angueira  e,  ca- 
minhando para  S.  O.,  desagua  no  Sabor,  ten- 
do de  curso  total  60  kiiometros  approxima- 
damente. 

Ambos  regam  e  moem  criando  muito  peixe 
miúdo. 

O  rio  Maçans,  tomou  o  nome  da  aldeia  de 
Maçans,  freguezia  de  Paramio,  concelho  de 
Bragança;— o  Angueira,  na  opinião  do  meu 
benemérito  antecessor,  denomiaou-se  pri- 
m\li\3imente  Auguieir a e  Enguieira,  por  criar 
muitâs  enguias,  e  sigoiíica  rio  das  Enguias, 
mas  na  minha  humilde  opinião  tomou  o  no- 
me de  anguis,  a  cobra,  por  ser  muito  tor- 
tuoso e  imitar  no  seu  curso  o  movimento 
das  cobras,  o  que  evidentemente  revela  a 
simples  inspecção  do  mappa. 

Era  vez  de  o  denominarem  Rio  Torío,  co- 
mo denominaram  outros  semelhantes,  de- 
ram-lhe  p  nome  de  Anguieira,  hoje  Anguei- 
ra,—lUo  da  Cobra. 

Também  pelo  mesmo  motivo  alguém  diz 
que  o  rio  Coura  tomou  o  nome  de  coluber, 
a  cobra. 

V.  Angueira,  Maçans  e  Coura. 

Esta  parochia  já  foi  abbadia  e  reitoria. 
Hoje  é  priorado. 

Administrativamente  foi  sempre  a  séde  do 
concelho  do  seu  nome; — judicialmente  per- 
tenceu à  comarca  (provedoria  e  corregedo- 
ria) de  Miranda  e  à  ouvidoria  de  Villa  Real, 
depois  que  passou  para  a  casa  do  infantado. 

Também  pertenceu  à  comarca  do  Moga- 
douro, da  qual  por  ultimo  volveu  à  comarca 
de  Miranda,  tendo  sido  também  algum  tem- 
po comarca  própria  com  juiz  de  fóra  e  ca- 
pitão mór,  como  já  dissemos. 

Ecclesiasticamente  pertenceu  ao  arcebis- 
pado de  Braga  até  1545,  data  em  que  D. 


João  III  creou  o  bispado  de  Miranda  e  ficou 
Vimioso  pertencendo  a  este  bispado,  que  to- 
mou o  nome  de  bispado  de  Bragança  depois 
que  o  bispo  D.  Aleixo  transferiu  a  sède  epis- 
copal para  Bragança,  em  1764. 

V.  Miranda,  vol.  V,  pag.  333,  col.  2.'  m- 
fine. 

D.  Manuel  deu-Ihe  foral  em  5  de  março 
de  1516. 

Livro  de  Foraes  Novos  de  Traz-os-Montes , 
íl.  72,  V.  col.  1.» 

Veja-se  a  Inquirição  para  este  foral  no 
Corpo  Chronologico,  parte  II,  maço  11,  Do- 
cumento 154,  —  e  os  apontamentos  para  o 
mesmo  foral  no  Maço  9  de  foraes  antigos,  n.° 
14,  onde  sob  o  n.°  15  se  encontra  um  dos 
originaes  do  dicto  foral  de  1516. 

Estranhamos  que  não  tivesse  foral  velho  ^ 
mas  nem  Franklin,  nem  o  Portugaliae  Monu- 
menta,  nem  João  Pedro  Ribeiro  d'elle  fazem 
menção. 

Quintas 

i    Como  já  dissemos,  ha  n'esta  parochia 
duas  grandes  quintas: 

1." — Santo  Amaro  ou  Picadeiros,  outr'ora 
vincular,  hoje  de  differentes  possuidores, 
por  morte  do  seu  ultimo  dono,  adminií»- 
trador  d'esle  vinculo  e  senhor  d'oulras  mui- 
tas propriedades— Quirino  José  de  Sampaio 
e  Mello,  como  também  já  dissemos,  ramo 
dos  Sampaios  de  Villa  Flor  e  dos  Mendes, 
Antas  e  Vasconcellos,  distinctissimos  fidal- 
gos de  Vimioso. 

É  muito  interessante,  muito  longa  e  ao 
mesmo  tempo  triste  e  lúgubre  a  historia 
d'e9ta  quinta. 

Em  resumo  diremos  que  nos  principies  da 
nossa  raonarchia  esta  quinta  dos  Picadeiros 
era  uma  parochia,  senhorio  dos  ascenden- 
tes dos  Mendes  Vasconcellos;  revoltando  se 
porem  os  seus  habitantes  contra  o  senhor 
d'ella,  homem  muito  poderoso,  laes  luctas  e 
desordens  se  seguiram,  tantas  mortes  e  tan 
tas  desgraças,  que  toda  a  parochia  ficou  re  ■ 
duzida  a  dois  moradores,  caseiros  do  tal  se- 
nhorio ? ! . . . 

Era  a  quinta  dos  Picadeiros  uma  das  mais 
vastas  da  província,  porque  ficou  compre- 
hendendo  todo  o  chão  da  exlincta  parochia. 


1472  VIM 


VIM 


Antes  de  ser  dividida  e  retalliada,  linha 
de  eircumfereneia  cerca  de  10  kilometros; 
— estava  Da  margem  esquerda  do  Angueira, 
que  regava  e  feriilisava  extensos  campos 
d'ella;— distava  de  Vimioso  4  a  5  kilometros 
e  15  a  20  de  Miranda, — e  confinava  a  O. 
com  o  rio  Angueira;— Sl  N.  com  o  grande 
Cabeço  de  Montouto;—SL  E.  com  o  monte  Pe- 
driço  e  termo  de  Caçarelhos, — e  a  S.  com  o 
termo  de  Villa  Chã  da  Ribeira  (Vide)  paro- 
chia  hoje  também  extincta  e  annexa  á  de 
Uva. 

Como  prova  do  cataclismo  por  que  passou 
a  desgraçada  freguezia  dos  Picadeiros,  ainda 
hoje  se  vê  no  chão  da  quinta  d'este  nome 
ruínas  de  casas,  montões  de  pedras  soltas, 
alicerces  de  edificações  e  outros  muitos  ves- 
tígios do  seu  antigo  povoado. 

É  tão  momentoso  o  facto  alludido  que  não 
podemos  resistir  á  tentação  de  dar-lhe  mais 
algum  desenvolvimento,  aproveitando  o  que 
se  lê  na  própria  genealogia  dos  Mendes  Vas- 
eoncellos  ^,  n'aquelle  tempo  senhores  d'esta 
Villa  de  Vimioso  e  de  grande  parte  da  tal 
freguezia,  depois  simples  quinta  dos  Picadei- 
ros. 

Genealogia  dos  Mendes  Vasconcellos 

D.  João,  fllho  d'el-rei  D.  Pedro  I,  o  cru,  e 
de  D.  ígnez  de  Castro,  casou  tres  vezes: — a 
1.*  com  D.  Maria  Telles  de  Menezes,  que  de- 
pois assassinou; — a  2.»  com  D.  Constança, 
filha  bastarda  de  D.  Henrique  de  Castella;  a 
3.*  com  D.  Maria  Mendes  de  Vasconcellos, 
filha  e  herdeira  de  Juanis  Mendes  de  Vas- 
concellos, senhor  de  Bragança,  da  qual  teve 
entre  outros  Olhos  o  seguinte: 

!.• — D.  Fernando  Mendes  de  Vasconcellos. 

Casou  com  D.  Anna  de  Menezes,  filha  de 
D.  Pedro  de  Menezes,  1.°  capitão  de  Ceuta, 
i.»  conde  de  Villa  Reale  2,«  conde  de  Vian- 
na,  2  e  teve 


1  Vejam  se  os  n."  268  e  seguintes  do  6.» 
anno  do  Pombalense,  onde  o  sr.  Luiz  Anto- 
nio de  Figueiredo  Antas,  residente  em  Villa 
do  Conde  e  aeiual  representante  de  um  dos 
ramos  dos  Mendes  Vasconcellos,  publicou  a 
genealogia  dMles. 

2  V.  Villa  Real  de  Traz  os-Montes,  vol.  XI, 
pag.  9S3  e  seg. 


2.  " — D.  Mendo  Affonso  Mendes  de  Vascon- 
cellos. 

Foi  senhor  de  Vimioso  e  casou  cora  D. 
Luiza  Vaz  Borralho,  filha  de  D.  Francisco 
Vaz  Borralho,  senhor  de  Urros,  e  d'e8te  ma- 
trimonio tiveram  D.  Mendo  Mendes  Vaz  Bor- 
ralho, balio  de  Leça,  commendador  d'Algo- 
80,  etc, — e 

3.  " — D.  João  Vaz  Borralho,  também  se- 
nhor de  Vimioso. 

Casou  e  teve 

4.  » — D.  Francisco  Mendes  de  Vasconcellos, 
o  heroe  da  pendência. 

Foi  também  senhor  da  villa  de  Vimioso, 
na  qual  instituiu  o  morgado  da  Torrem  si- 
tio da  Carreira  dos  Cavallos,  onde  vivia,  em 
uma  casa  que  n'aquelle  tempo  tinha  uma 
torre,  e  ao  dicto  morgado  vinculou  terras, 
fóros  e  rendas  que  havia  herdado  dos  seus 
maiores  na  tal  freguezia  dos  Picadeiros,  on- 
de possuía  também  casas  nobres  com  uma 
torre. 

Casou  com  D.  Ignez  Taveira  de  Figueiroa, 
da  cidade  de  Salamanca,  filha  de  D.  João 
d'Alva  Figueiroa,  regedor  perpetuo  d'aquel- 
la  cidade,  senhor  de  Villa  Maior,  Almenares 
e  Tordilho  e  senhor  de  soga  e  cuchilo  I  . . 

Casou  em  1480  e,  como  a  esposa  tivesse  a 
família  em  Salamanca,  ali  fixou  elle  tam- 
bém a  sua  residência  durante  13  annos,  ou 
até  1493,  data  em  que  regressou  a  Vimioso, 
onde,  como  senhor  da  víIla,  foi  muito  bem 
recebido  por  todos,  exceptuando  os  habitan- 
tes da  freguezia  dos  Picadeiros  que,  na  au- 
sência d'elle,  se  haviam  recusado  a  pasar 
aos  seus  criados  e  procuradores  as  rendas  e 
foros  e  já  deviam  avultadas  somraas  de  mui- 
tos annos. 

Tentou  D.  Francisco  trazel-os  a  melhor 
accordo,  mas  elles  persistiram  no  propósito 
de  não  pagarem,  pelo  que  D.  Francisco  Men- 
des, com  o  pretexto  de  fazer  uma  caçada, 
foi  um  dia  com  os  seus  criados  á  povoação 
dos  Picadeiros,  para  ver  se  o»  resolvia  a  pa- 
garem-lhe  os  foros  e  rendas;  mas,  apenas 
ali  chegou,  levantaram-se  em  massa  os  mo- 
radores da  freguezia  e  correram  armados 
contra  elle  com  paus,  pedras,  espingardas, 
fouces  e  forcados,  pelo  que  D.  Francisco  te- 
ve de  acolher- se  á  sua  torre  com  os  seus 


VIM 


VIM  1473 


criados,  perecendo  logo  no  primeiro  recon- 
tro um  dos  que  elle  mais  estimava. 

Cercaram  e  assaltaram  a  torre  durante 
dois  dias,  perecendo  n'este  assedio  outro 
criado  de  D.  Francisco,  varado  por  duas  ba- 
las que  lhe  atravessaram  o  peito,  e  ficaram 
outros  feridos,  mas  por  seu  turno  foram 
também  feridos  muitos  dos  assaltantes  e 
mortos  cinco  1 . . . 

Eram  vésperas  de  JNatal  ou  de  festa  (1)  e, 
como  ao  soar  da  meia  noite  do  dia  24  de  de- 
zembro de  1493,  os  sitiantes  corressem  to- 
dos para  a  egreja  a  ouvir  a  missa  do  galo, 
D.  Francisco,  aproveitando  o  ensejo,  fugiu 
com  08  seus  criados  para  Vimioso.  Passados 
dias,  foi  procurar  el  rei  D.  João  II,  que  en- 
tão estava  na  villa  d'Alvôr;— expoz-lhe  a 
triste  occorrencia,  pedindo-lhe  perdão  das 
mortes  feitas  em  defesa  própria,  e,  como  es- 
tivesse a  partir  uma  armada  para  Ceuta,  of- 
fereceu-se  para  ir  n'ella. 

El -rei  o  ouviu  com  attenção;— aeceitou  o 
seu  offerecimento; — nomeou-o  logo  capitão 
de  mar  e  guerra — e  com  este  posto  partiu 
D.  Francisco  Mendes  a  2  de  março  de  1494 
para  a  Africa,  a  bordo  da  nau  Senhora  da 
Guia. 

Mandou  também  logo  el-rei  ordem  ao  dr. 
João  Bernardes  da  Silveira,  chanceller  da 
relação  do  Porto,  para  que  fosse  devassar  do 
caso  succedido,  com  amplos  poderes  para  a 
execução  de  tudo  o  que  fosse  direito  e  jus- 
tiça. 

Partiu  o  chanceller  immediatamente  para 
Bragança,  aonde  chegou  no  dia  22  de  mar- 
ço do  dicto  anno  e  d'ali  partiu  para  Vimio- 
so, aonde  chegou  no  dia  24,  acompanhado 
por  duas  companhias  de  cavallaria  e  outras 
duas  de  infanleria.  Tratou  logo  de  informar- 
se  e  no  dia  28  pelas  duas  horas  da  noite 
mandou  cercar  toda  a  povoação  dos  Pica- 
deiros e  pôr  sentinellas  dobradas  em  volta 
das  habitações  dos  cabeças  do  motim,  que 
eram  o  capitão  Antonio  Duarte, — seu  irmão 
Francisco  Duarte,— João  da  Costa,  criado  do 
dicto  capitão,  e  auetor  da  1.*  morte, — Pedro 
Nunes  Furão,  Antonio  Rilhado,  Domingos 
Annes,  João  Fernandes  Piealho,  Antonio  Es- 


teves e  Francisco  d' Almeida  Bailão,  que  foi 
quem  matou  o  segundo  criado. 

No  dia  seguinte  foram  estes  todos  presos, 
algemados  e  remettidos  uns  para  o  forte  de 
Bragança,  outros  para  as  cadeias  de  Algoso, 
e  Mogadouro,  logrando  evadir-se  outros 
muitos  também  comprehendidos  na  mesma 
ordem  de  priâão. 

O  chanceller  poisou  em  Vimioso  no  palá- 
cio de  D.  Francisco  Mendes  de  Vasconcello» 
e  ali  deu  andamento  á  devassa,  no  fim  da 
qual  mandou  ir  do  Porto  para  Vimioso  um 
carrasco  e  de  Bragança  os  7  presos  seguin- 
tes:— Antonio  Duane,  João  da  Gostn,  Fran- 
cisco d' Almeida  Bailão,  Pedro  Nunes  Furão  ^ 
Antonio  Rilhado,  Domingos  Annes  e  João 
Fernandes  Piealho. 

Apenas  chegaram  a  Vimioso  os  sete  infe- 
lizes, mandou-os  metter  em  um  quarto  se- 
guro e  forte,  com  guardas  dobradas,  até  o  dia 
16  d'abril  de  1495,  dia  em  que  appareceram 
levantadas  tres  forcas  no  monte  do  Sardual 
ou  Carvoal,  em  frente  da  extincia  parochia, 
hoje  simples  quinta  dos  Picadeiros. 

Foram  os  presos  postos  em  esteiras  ata- 
das a  cavallos  e  assim  deram  tres  voltas  em 
redor  da  praça  e  do  pelourinho; — depois  fo- 
ram conduzidos  em  préstito  até  á  capella  da 
Nossa  Senhora  dos  Remédios,  sendo  exhor- 
tados  em  lodo  este  tranzito  por  dois  padres; 
—na  dieta  capella  se  disse  missa  e  fez  uma 
tocante  pratica  o  padre  Antonio  Pimentel; — 
depois  foram  levados  para  o  patíbulo,  con- 
fessados e  por  ultimo  enforcados. 

Terminada  a  execução,  foram-lhes  corta- 
das as  cabeças.  A  do  capitão,  a  do  criado 
d'este,  a  de  Francisco  d'Almeida  Bailão  e  a 
de  Pedro  Nunes  Furão  foram  levadas  para 
a  povoação  dos  Picadeiros  e  ali  estiveram  no 
local  do  crime  collocadas  em  altos  postes  até 
que  08  bichos  e  o  tempo  as  consumiram; — 
as  dos  outros  3  ficaram  espetadas  nas  for- 
cas onde  foram  justiçados. 

Os  outros  habitantes  da  pobre  freguezia 
dos  Picadeiros  fugiram  aterrados  para  Cas- 
tella,  onde  se  estabeleceram  junto  da  villa  de 
Alcaniças,  no  local  ainda  hoje  denominado 
Bimbineira,  sendo-lhes  confiscado  tudo 
quanto  possuíam  na  freguezia  dos  Picadei' 


1474  VIM 


VIM 


ros,  pelo  que  ficou  totalmente  deserta  e  re- 
duzida a  uma  simples  quinta ?j. .  A 

Os  presos  que  haviam  ido  para  as  cadeias 
de  Algoso  e  Mogadouro  foram  degradados. 

D.  Francisco  Mendes  de  Vasconcellos  re- 
gressou cora  a  armada  a  Lisboa  no  dia  18 
de  novembro  do  mesmo  anno  de  1495  e,  pas- 
sados poucos  annos,  falleceu  deixando  entre 
outros  filhos 

5.  » — D.  Estevam  Vaz  Borralho  Mendes  de 
Vasconcellos  Figueiroa,  que  foi  também  se- 
nhor de  Vimioso  e  administrador  do  morga- 
do da  Torre  e  da  quinta  dos  Picadeiros. 

6.  " — D.  Belchior  Vaz  Borralho^  que  foi 
também  senhor  de  Vimioso  e  da  quinta  dos 
Picadeiros,  etc. 

Casou  com  D.  Juliana  Dias  da  Gama,  fi- 
lha do  conde  D.  Vasco  da  Gama,  descobri- 
dor e  vice-rei  da  índia  e  tiveram 

D.  Francisca  Mendes  da  Gama  e 

7.  " — D.  Francisco  Vaz  Borralho,  também 
senhor  de  Vimioso  e  da  quinta  dos  Picadei- 
ros, etc. 

Não  sabemos  se  casou.  Succedeu-lhe  sua 
irmã. 

8.  ° — D.  Francisca  Mendes  da  Gama,  que 
fôi  também  senhora  de  Vimioso  e  da  quinta 
dos  Picadeiros,  etc 

9.  "— D.  Sebastião  Vaz  Borralho  Mendes 
de  Figueiredo  Vasconcellos,  também  senhor 
de  Vimioso  e  da  quinta  dos  Picadeiros,  etc. 

Casou  e  teve 

10.0 — Pedro  Mendes  d' Almeida  Figuei- 
redo, que  foi  também  senhor  de  Vimioso  e 
da  quinta  dos  Picadeiros,  etc. 

Casou  com  D.  Leonor  da  Gama  Seixas  Pe- 
gado e  tiveram,  entre  outros  filhos, 

11."— A  Fernão  Mendes  d' Almeida  Seixas 
Pegado,  que  foi  também  senhor  de  Vimioso 
e  da  celebre  quinta  dos  Picadeiros,  ele. 


*  É  isto  o  que  consta  da  genealogia  dos 
Mendes  Vasconcellos,  mas  a  tradição  local 
diz  que  os  fugitivos  foram  eslabelecer  se  em 
um  sitio  escarpado  e  quasi  inaccessivel  na 
margem  esquerda  do  Douro,  junto  da  raia 
e  da  povoação  de  Paradella  de  Mirandella, 
mas  em  território  hespanhol,  onde  forma- 
ram a  povoação  ainda  hoje  denominada 
Castro  Ladron. 


Casou  com  sua  prima  D.  Maria  Dias  d' An- 
ta s  e  tiveram 

12.  °— Z).  Matheus  d' Almeida  Seixas  Pega- 
do, que  foi  também  senhor  de  Vimioso  e  da 
quinta  dos  Picadeiros,  etc. 

Foi  d'e8ta  familia  o  ultimo  senhor  de  Vi- 
mioso, posto  que  el-rei  D.  Sebastião  em  1556 
havia  confirmado  a  D.  Francisco  Vaz  Bor- 
ralho Mendes  de  Vasconcellos  o  decreto  de 
6  de  novembro  de  1494  d'el-rei  D.  João  II, 
reconhecendo  lhe  o  senhorio  de  Vimioso  pa- 
ra elle  e  seus  descendentes.  * 

Casou  com  sua  prima  D.  Antónia  Dias 
d'Antas  e  tiveram 

13.  " — Gaspar  Mendes  de  Seixas  PegadOy 
suceessor  de  toda  a  casa  de  seus  paes,  des- 
embargador, etc. 

ií.'— Francisco  Mendes  de  Seixas  Pegado, 
suceessor  e  administrador  do  morgado  da 
Torre  e  da  quinta  dos  Picadeiros,  etc. 

Casou  e  teve 

15.  " — Gaspar  de  Seixas  Pegado,  suceessor 
na  quinta  dos  Picadeiros,  ete. 

Casou  e  teve 

16.  » — Joaquim  de  Seixas  Pegado,  sucees- 
sor, capitão-mór  de  Vimioso,  administrador 
do  morgado  da  Torre  e  quinta  dos  Picadei- 
ros, ete. 

Casou  com  D.  Anna  Garcia  da  Gama,  da 
qual  teve  duas  filhas  e  um  filho,  sendo  este 
excluído  da  successão  por  haver  nascido  an- 
tes do  casamento. 

Succedeu-lhe  a  filha 

17.  " — D.  Marianna  de  Seixas  Pegado,  que 
foi  administradora  do  vinculo  da  Torre 
quinta  dos  Picadeiros,  ete. 

Casou  e  teve 

18.  « — Bernardo  José  de  Sampaio  e  Mello, 
que  succedeu  no  morgado  da  Torre  e  quinta 
dos  Picadeiros,  ete. 

Casou  e  teve 

19.  "— João  Boptista  Monteiro  de  Seixas, 
suceessor  e  administrador  do  morgado  da 
Torre  e  quinta  dos  Picadeiros,  capitão-mór 
de  Vimioso,  etc. 

Casou  duas  vezes,  mas  de  nenhuma  d'el- 


*  Quando  fallarmos  dos  Mendes  Antas 
mostraremos  as  alternativas  porque  passou 
o  senhorio  de  Vimioso. 


VIM 


VIM  1475 


las  teve  successão,  pelo  que  lhe  suecedea 
seu  tio 

20.°— João  Manuel  de  Sampaio  Cabral  de 
Vasconcellos,  filho  2.°  de  D.  Marianna  de 
Seixas  Pegado. 

Era  homem  de  gentil  aspecto,  muito  ira- 
ctavel  e  muito  illustrado,  formado  em  di- 
reito pela  universidade  de  Salamanca,  F.  C. 
R.,  como  os  seus  maiores,  com  20í^000  réis 
por  mez  de  moradia  e  um  alqueire  de  ce- 
vada por  dia;  era  porem  muito  altivo  de  gé- 
nio e  tanto  que,  tendo  certa  pendência  com 
o  reitor  de  Vimioso,  um  bello  dia,  na  praça 
publica,  à  porta  da  egreja,  em  um  domingo 
e  quando  o  reitor  acabava  de  dizer  a  missa 
conventual,  ehicoteou-o  desapiadadamenle 
na  presença  de  immenso  povo,  não  se  atre- 
vendo ninguém  a  prendel-o,  mas  ad  cautel- 
Iam  fugiu  para  Lisboa,  onde  viveu  muitos 
annos  e  ali  estava  ainda  por  occasião  do 
grande  terramoto  de  1755  e  do  attentado 
contra  el-rei  D.  José,— factos  que  registrou, 
bera  como  outros  muitos,  em  um  livro  ri- 
camente encadernado,  que  elle  denominava 
o  seu  Livro  d' Ouro. 

Passados  annos  vendeu  todos  os  bens  que 
havia  adquirido  em  Lisboa  e  regressou  a  Vi- 
mioso, onde  com  o  produclo  da  venda  dos 
bens  de  Lisboa  comprou  varias  proprieda- 
des e  uma  casa  dentro  da  villa,  na  rua  da 
Rapadoura,  onde  viveu  e  morreu,— casa  tão 
privilegiada  que  nenhum  criminoso  podia 
ser  preso  logo  que  lançasse  a  mão  a  uma 
argola  de  ferro,  muito  bem  cinzelada,  que 
linha  no  portão  e  que  ainda  hoje  lá  se  vê 
toda  carcomida. 
Bom  tempo  era  esse? ! . . . 
Casou  era  Lisboa  duas  vezes:— a  1.»  com 
uma  senhora  já  viuva,  de  quera  não  teve  fi- 
lhos;—a  2.*  com  D.  Helena  Rita  da  Cruz  da 
Silva  Breyner,  e  teve  entre  outros  filhos— 
D.  Raimunda  Libania  de  Sampaio  e  Mello, 
(de  quem  procede  o  sr.  Luiz  Antonio  de  Fi- 
gueiredo Antas,  de  Villa  do  Conde,)  e 

^{.0— Quirino  José  de  Sampaio  e  Meilo, 
suceessor  e  administrador  do  morgado  da 
Torre  e  quinta  dos  Picadeiros,  etc,  dispu- 
tou-lhe  porem  a  successão  seu  primo  José 
Caetano  de  Faria  Macedo  Madureira,  da  villa 
d'Algoso,  e,  depois  de  rija  demanda,  vieram 


a  um  aecordo,  ficando  Quirino  José  com  O 
morgado  da  Torre  e  quinta  dos  Picadeiros* 
sendo  divididos  pelos  dois  os  bens  livres. 

Casou  com  D.  Maria  Lopes  Garcia,  de 
quem  teve  numerosa  successão  e  falleeeu  em 
1860,  contando  88  annos  de  idade,  sendo  se- 
pultado, como  já  dissemos  algures,  na  sua 
Capella  de  Santo  Amaro,  da  quinta  dos  Pi- 
cadeiros, que  por  sua  morte  foi  retalhada  e 
dividida  por  differeoles,  graças  á  extincção 
dos  vínculos.  Foi  Quirino  José  o  ultimo  admi- 
nistrador do  morgado  da  Torre  de  Vimioso 
e  da  celebre  quinta  dos  Picadeiros,— v^^X^ 
prepriedade  que  se  conservou  na  mesma  fa- 
mília durante  o  longo  período  de  quatro- 
centos a  quinhentos  annos II... 

Só  de  centeio  produzia  5  a  6  mil  alqueires 
por  anno,— alem  de  muita  cevada  e  trigo  se- 
rôdio—e  de  grande  ereação  de  gado  laní- 
gero, muar  e  vaccum. 
Não  produzia  vinho  nem  fructa. 

Quinta  de  S.  Thomé 

Já  fizemos  menção  d'esta  quinta,  que  é  a 
2."  d'e8ta  freguezia. 

Foi  dos  Pessanhas  das  Arcas,  e  é  hoje  de 
João  Ferreira  Sarmento,  de  Bragança. 

Demora  também  na  margem  esquerda  do 
rio  Angueira,  ao  norte  e  pouco  distante  da 
quinta  dos  Picadeiros,  em  local  muito  apra- 
zível e  bastante  fértil,  sendo  para  lamentar 
que  os  seus  actuaes  donos,  aliás  nobres  e  ri- 
cos, não  lhe  prestem  mais  attenção  por  vi- 
verem distantes  (em  Bragança)— e  não  tirem 
d'ella  o  partido  que  podiam  e  deviam  tirar. 

Portugaes 
Condes  de  Vimioso 
marquezes  de  Valença 

Esta  villa  de  Vimioso  foi  titulo  de  conda- 
do por  mercê  que  el-rei  D.  Manuel  fez  em 
1515  ou  1516  a  D.  Francisco  de  Portugal,  fi- 
lho de  D.  Affonso  de  Portugal,  bispo  d'Evo- 
ra,  neto  de  D.  Affonso,  l.»  marquez  de  Va- 
lença, e  bisneto  de  D.  Affonso,  1.»  duque  de 
Bragança,  filho  natural  d'el-rei  D.  João  I,  de; 
quem  procede  a  nossa  casa  real. 
Procedem  pois  da  mesma  casa  real  o» 


1476  VIM 


VIM 


condes  de  Vimioso,  depois  marquezes  de  Va- 
lença, porque  por  morte  do  1."  marquez 
d'este  titulo  (1460)  o  titulo  não  continuou 
nos  seus  suceessores  durante  mais  de  250 
annos,  até  que  foi  renovado  em  10  de  março 
de  1716,  por  el-rei  D.  João  V,  nomeando  2." 
marquez  de  Valença  o  8.»  conde  de  Vimioso 
D.  Francisco  de  Portugal,  6.»  neto  do  1 » 
marquez  de  Valença,  como  se  vê  do  quadro 
seguinte  : 

— D.  Affomo,  i."  duque  de  Bragança,  ca- 
sou e  teve 

— D.  Affonso,  filho  primogénito,  i  i.»  mar- 
quez de  Valença,  que  teve 

— D.  Affonso  de  Portugal,  bispo  d'Evora. 

V.  Ourem,  vol.  Q."  pag.  334,  col.  2.»  <;  no- 
tas. 

Teve 

— D.  Francisco  de  Portugal,  1.»  conde  de 
Vimioso  e  l.o  neto  do  i."  marquez  de  Va- 
lença 2, 

Teve 

— D.  Affonso  de  Portugal,  %"  conde  Vi- 
mioso. 
Teve 

— D.  Francisco  de  Portugal,  3.»  conde  de 
Vimioso,  que  falleceu  sem  filhos,  3  pelo  que 
lhe  succedeu  seu  irmão 


1  Teve  também  D.  Fernando,  filho  segundo 
1.»  do  nome  e  2."  duque  de  Bragança,  o  qual 
continuou  a  suecessão  d'esta  sereníssima 
casa. 

2  O  l."  conde  de  Vimioso  foi  um  dos  ho- 
mens de  mais  merecimento  que  tem  tido 
Portugal, — e  a  condessa  sua  esposa,  foi  o 
modelo  das  esposas. 

V.  Anno  Histórico,  tomo  2.«  pag.  401, — 
e  tomo  3.»,  pag.  458. 

'  Foi  victima  do  seu  patriotismo  e  da  sua 
dedicação  ao  infeliz  D.  Antonio,  prior  do 
Crato. 

Estando  D.  Antonio  senhor  das  ilhas  dos 
Açores,  foram  ellas  bloqueadas  em  1582  por 
uma  armada  hespanhola  de  28  galeões,  com- 
mandada  por  D.  Alvaro  de  Bazan,  marquez 
de  Santa  (.ruz. 

Em  soccorro  das  mencionadas  ilhas  foi 
enviada  por  Gatharina  de  Medíeis,  rainha  de 
França,  outra  armada  sob  o  commando  do 
almirante  Filipe  Stroci,  na  qual  iam  o  prior 
do  Crato  e  o  3.»  conde  de  Vimioso  D.  Fran- 
cisco de  Portugal,  que  o  seguiu  sempre  até 
morrer. 


J    — D.  Luiz  de  Portugal,  4.°  conde  de  Vi- 
mioso. 
Teve 

— D.  Affonso  de  Portugal,  5."  conde  de  Vi- 
mioso e  marquez  d'Aguiar  (da  Beira)  por 
mercê  d'el-rei  D.  João  IV,  de  1643  ou  1644, 
como  diz  D.  Luiz  Caetano  de  Lima. 

Teve 

— D.  Luiz  de  Portugal,  6.»  conde  de  Vi- 
mioso, marquez  d'Aguiar,  mestre  de  campo, 
gentil  homem  da  camará  do  príncipe  D. 
Theodosio,  almirante  de  Portugal,  ete. 

Falleceu  desastradamente  em  uma  pen- 
dência no  anno  de  1655  e,  tendo  casado  duas 
vezes,  não  deixou  filhos  legítimos,  pelo  que 
lhe  succedeu  seu  irmão 

— D.  Miguel  de  Portugal,  7."  conde  de  Vi- 
mioso, que  teve 

— D.  Francisco  de  Portugal,  8."  conde  de 
Vimioso  e  2."  marquez  de  Valença  pela  re- 
novação d'e3te  titulo,  continuando  nos  filhos 
primogénitos  da  mesma  casa  o  titulo  de  con- 
des de  Vimioso,  da  qual  saiu  e  para  a  qual 
voltou. 

V.  Valença  do  Minho,  vol.  X,  pag.  126, 
coL  2.»  e  segg.  ^. 

Mosaico 

Os  edificios  principaes  d'esta  villa  hoje 
são: — a  matriz,  os  paços  do  concelho,  a  casa 
de  José  Maria  de  Figueiredo  Antas,  a  da  Ra- 
padoura,  hoje  de  Alfredo  Moraes  Faria  de 
Carvalho,  a  de  Antonio  Claudino  Fernandes 
Pereira  e  a  de  Domingos  José  Dias,  sendo 
as  duas  primeiras  muito  amplas  e  brazona- 
das. 

A  da  Rapadoura  ainda  conserva  a  tal  ar- 
gola de  ferro  e  tem  cavallariças  para  50  ca- 
vallos ! . . . 


No  dia  26  de  julho  do  dicto  anno  baleram- 
se  furiosamente  as  duas  esquadras,  sendo 
derrotada  a  franceza,  que  perdeu  8  naus, 
comprehendendo  a  capitania  e  almirante, 
perecendo  mais  de  dois  mil  homens,  inclu- 
indo o  general  Stroci  e  o  conde  de  Vimioso. 

D.  Antonio  salvou  se  em  terra. 

V.  Crato. 

»  N.  B. 

O  meu  benemérito  antecessor,  log.  cíí., 


VIM 

o  eemilerio  foi  eoastruido  em  1861; — em 
1866  foi  aeciescentado,  abrangendo  com  o 
seu  recmto  a  capella  do  Santo  Ctiristo^  de 
que  ja  íizamos  meni^ão, — e  em  i88õ  foi  no- 
vameottí  accresceuiadu. 

O  clima  de  Vimioso  ó  saudável,  mas  frio. 
As  doença»  predominantes  são: — pueumu- 
uias  6  rlieumaiiámo. 

Ha  na  villa  e  no  concelho  apenas  uma 
pbarmaciâ. 

Us  3  maiores  proprietários  da  villa  boje 
são: — D.  Fabia  Liuauia  Lopes,  viuva  de  Car- 
los de  Moraes  Azevedo,  José  Mana  de  Fi- 
gueiredo Aulas  e  José  Manuel  Alves. 

Os  3  maiores  proprietários  d'este  conce- 
lho são  hoje  03  seguintes: — Adrião  Alfonso 
Freire,  da  fieguezia  de  Sauiulhào, — Manuel 
Rodrigues  Gepêda,  da  freguezia  de  Argo- 
zello, — e  D.  Fabia  Libauia  Lopes,  de  Vi- 
mioso. 

Tanto  esta  villa  como  este  concelho  não 
contam  hoje  enire  os  seus  lilhos  bacharel 
algum  formado  ?  1 . . . 

Emquanto  a  presbyteros  ba  3  na  villa, 
sendo  só  um  íilbo  d'ella, — e  na  parte  res- 
tante do  concelho  25,  naluraes  d'elle,  mas 
d'esses  2o  residem  6  em  concelhos  estra- 
Dbos. 

Movimento  parochial 
1885 

Baptisados   59 

Óbitos   27 

Casamentos   12 

1886 

Baptisados...   59 


VIM 


i477 


disse  que  el-rei  D.  Manuel  fez  1."  conde  de 
Vimioso  D.  Francisco  Portugal  em  1516.  O 
mesmo  se  lê  na  Resenha  das  Famílias  Titu- 
lares, publicada  era  1838  (por  João  Carlos 
Feo  e  Manuel  de  Castro  Pereira  de  Mesqui- 
ta);— mas  U.  Antonio  Gaetano  de  Sousa  nas 
Memorias  dos  Grandes  de  Portugal  (pag.  210) 
— e  D.  Luiz  Gaetano  de  Lima  na  sua  Geo- 
graphia  Histórica  (tomo  2.°  pag.  411)  dizem 
que  D.  Francisco  de  Portugal  foi  feito  1.» 
conde  de  Vimioso  em  1515 1 .. . 


Óbitos   36 

Casamentos  

Movimento  da  sua  estação  telegrapho-postal 
1885 

Cartas   6:000 

Bilhetes  postaes   140 

Amostras  

Avisos  de  recepção.   2 

Vales  telegraphicos   8 

Correspondência  registrada   100 

Vales  nominaes   400 

Impressos   480 

Maços  cintados  (offlcial)   170 

Cartas  de  offlcio  (oflQeial)   1:800 

Jornaes   5:900 

Telegrammas  oíBciaes   300 

»         particulares   800 

>         de  serviço   24 

»         recebidos   1:200 

Receita  de  vales   12:000 W 

Contribuições  do  concelho  no  mesmo  anno 

Predial   5:659^110 

Industrial   924^511 

Decima  de  juros   203^000 

Sello  de  verba   139^860 

Sumptuária  e  renda  de  casas..  294ái564 

Real  d'agua   1:129^158 

Total   8:350:203 

N'esta  villa  e  n'este  concelho  não  ha  hoje 
outra  industria  alem  da  dos  alfaiates,  sapa- 
teiros, padeiros,  carpinteiros,  cardadores  * 
e  creadores  de  gado  lanígero,  muar  e  vac- 
cum;  a  mais  importante,  porem,  é  a  agri- 
cultura, da  qual  vivem  quasi  exclusiva- 
mente esta  villa  e  este  concelho. 

Nada,  absolutamente  nada  hoje  resta  da 
industria  da  creação  do  sirgo  e  flação  da  se- 
da, industria  importante  outr'ora  aqui,  mes- 
mo ainda  no  melado  d'este  século. 


1  Em  1796  este  concelho,  sendo  então 
muito  mais  pequeno,  contava  126  cardado- 
res, como  ja  dissemos  no  principio  d'e8te 
artigo. 


1478  VIM 


VIM 


Também  foi  outr'ora  importante  nas  fre-  | 
guezias  de  Garção  e  Argozello  a  industria, 
dos  cortumes  de  couros  e  fabrico  de  sola  e 
de  colla,  mas  d'essa  industria  hoje  apenas  i 
ali  resta  uma  ténue  sombra. 

Nas  freguezias  a  leste  d'este  concelho  e 
mais  próximas  do  de  Miranda  do  Douro  qua- 
8i  todos  os  homens  usam  as  celebres  capas, 
bem  conhecidas  como  honras  de  Miranda. 

São  feitas  de  magnifico  burel  e  custam  as 
mais  baratas  3  a  4i0OOO  réis; — as  melhores 
9  a  lomOO  réis— e  as  de  luxo  20  a  40^000 
réis — e  mais  ?!...* 

V.  Miranda  do  Douro,  vol.  V,  pag.  331. 

Viação 

Deve  passar  n'est8  concelho  e  n'esta  villa 
a  estrada  real  a  maeadam  n.»  37,  de  Chaves 
a  Miranda  do  Douro,  por  Vinhaes  e  Bragan- 
ça, já  concluída  e  sprvida  por  diligencias 
entre  estas  duas  ultimas  povoações,  mas 
ainda  simplesmente  estudada  entre  Bragan- 
ça e  Miranda  e  sem  um  kilometro  construí- 
do!... 

Também  d*e?ta  viFa  deve  partir  por  Ise- 
da  a  entroncar  na  estrada  real  n."  6,  de  Villa 
Real  a  Bragança,  na  freguezia  de  Podence, 
distante  de  Macedo  de  Cavalleiros  cprca  de 
7  kilometros  para  N.,  a  estrada  districtal  n.° 
22,  mas  infelizmente  até  hoje  apenas  tem  o 
leito  aberto  e  não  empedrado  na  extensão  de 
3  kilometrosj  a  partir  de  Vimioso,  devendo 
comprehender  o  seu  todo  cerca  de  40  kilo- 
metros. 

Também  deve  partir  d'esta  villa  para  a 
fronteira,  na  direcção  de  Alcaniços,  uma  es- 
trada municipal  a  maeadam,  mas  n'esta  da- 
ta,-- -janeiro  de  1887, — apenas  tem  um  kilo- 
metro construído,  á  saída  de  Vimioso  e  atra- 
vez  da  villa,  formando  uma  estrada-rua  des- 


1  Custou  SOíSlOOO  réis  uma  das  taes  capas  [ 
de  burel,  offerecida  a  S.  M.  el-rei  o  sr.  D. 
Fernando  em  1860  pelo  dr.  José  de  Moraes 
Faria  de  Carvalho,  de  quem  logo  faltaremos, 
deputado  ás  cortes  e  dono  da  casa  da  Ra- 
padoura.  Foi  feita  a  capricho  por  um  al- 
faiate abalisado  e  gastou  com  o  feitio  d'ella 
sessenta  diasfl.. . 


I  de  a  Capella  dos  Remédios  até  à  do  Santo 
Christo. 

I    Total  da  moderna  viação  a  maeadam  em 
!  todo  este  concelho  n'e8ta  data, — um  kilome- 
tro1\... 

E  não  é  melhor  a  sorte  dos  concelhos  vi- 
sinhos,  pois  o  de  Miranda  tem  apenas  2  ki- 
lometros construídos  na  estrada  real  a  ma- 
eadam n.»  9,  de  Miranda  a  Cflorieo  da  Bei- 
ra,— estrada  que  só  até  o  Pocinho,  limite 
d'este  malfadado  districto,  mede  H 2  kilo- 
metros;— e  os  concelhos  do  Mogadouro  e 
Freixo  de  Espada  á  Cinta  não  teem  um  sô 
kilometro  construído. 

Total — 3  kilometros  em  2  comarcas  e  4 
concelhos  í. . . 

Que  miséria,  que  vergonha,  que  desgraça 
e  que  tristíssimo  contraste  com  outros  con- 
celhos nossos,  nomeadamente  com  o  de  Pa- 
redes, no  districto  do  Porto  I 

Sô  o  concelho  de  Paredes  tem  eonstrnidos 
mais  de  150  kilometros  de  estradas  a  maea- 
dam reaes,  distrietaes  e  municípaes.  nau 
contando  a  linha  fprrea  do  Douro,  qae  o 
atravessa  de  O.  a  E.  e  lhe  deu  ama  estação 
própria,  mesmo  encostada  á  villa,  séde  do 
concelho;  mas  nunca  o  malfadado  districto 
de  Bragança  teve  um  homem  tão  dedicado 
pela  sua  terra  natal  como  osr.  dr.  José  Gui- 
lherme Pacheco,  a  quem  a  villa  e  o  conce- 
lho de  Paredes  devem  quasi  todos  os  seus 
melhoramentos  e  emnellesamentos.  * 

V.  Paredes,  villa  e  séde  de  concelho  e  de 
comarca,  n'este  diccionario,  vol.  VI  pag.  479 
e  no  supplemento; — Villa  Real  de  Trai-os- 
Montes,  vol.  XI,  pag.  1016  a  1019,— e  Villa 
Viçosa  no  mesmo  volume,  pag.  1144,  col,  2." 

Parochos  de  Vimioso 

È  hoje  absolutamente  impossível  organi- 
sar  uma  lista  completa  dos  parochos  d'esta 
freguezia,  pois  data  do  tempo  de  D.  Rami- 
I  ro  I  de  Leão,  ou  da  1.»  metade  do  século  xi, 


*  De  passagem  diremos  que  o  sr.  dr.  José 
Guilherme  Pacheco  nasceu  no  Brazil,  quan- 
do aquelle  império  ainda  era  colónia  nossa, 
mas  fixou  ha  muitos  annos  a  sua  residência 
em  Paredes.  É  pois  esta  villa  não  a  sua  terra 
natal,  mas  a  sua  pátria  adoptiva. 


VIM 


VIM  1479 


como  já  dissemos.  Oeeorrem-nos  apenas  os  | 
seguintes :  j 

1.  » — Nuno  Gonçalves.  ] 

2.  ° — Martim  Affonso^  a  quem  succedeu  j 

3.  » — Gonçalo  Mendes  Antas,  apresentado  \ 
por  Francisco  Mendes  Antas,  senhor  de  Vi- 
mioso, com  mero  e  mixto  império. 

Collou-se  em  Braga  a  13  de  janeiro  de 
1480.  / 

4.0 — Francisco  Mendes  Antas. 

Tomou  posse  em  1528  e  falleceu  em 
1542. 

Por  fallecimento  d'e8te  abbade  os  dízimos 
d'esta  parochia  e  das  suas  annexas  (logo  di- 
remos quaes  eram)  foram  addidos  á  ordem 
de  Chrislo,  a  qual  formou  com  elles  duas 
commendas,  uma  de  dois  terços,  que  foi  da- 
da aos  condes  de  Vimioso, — outra  de  um 
terço  que  andou  na  posse  de  diversos  com- 
mendadores. 

Também  por  morte  d'este  ultimo  paroeho 
esta  abbadia  passou  a  ter  o  titulo  de  reito- 
ria, percebendo  os  paroehos  a  côngrua  de 
42^000  réis  em  dinheiro  e  48  alqueires  de 
trigo,  dada  pelos  commendadores,  mais  600 
réis  para  assistirem  às  festas  da  semana 
santa.  Os  mesmos  commendadores  davam  a 
um  cura  ou  coadjutor  G^WO  réis. 

Em  1792  foi  a  côngrua  dos  reitores  ele- 
vada a  84iíí000  réis  por  provisão  da  rainha 
D.  Maria  I. 

5.  » — Dr.  Luiz  Navarro,  d'esla  vllla. 
Collou-se  era  Braga  em  1544. 

6.  " — Dr.  Luiz  de  Moraes,  também  d'esta 
Villa. 

Collou-se  em  Miranda  do  Douro  em  1569. 
Foi  este  reitor  quem  celebrou  a  primeira 
missa  na  egreja  matriz  actual. 

7.  » — Gaspar  Mendes  Antas^  também  de  Vi- 
mioso. 

Collou-se  em  1600. 

8.  " — Christovam  Peres  Soares. 
Collou-se  em  1008. 

9.  » — Thomé  Ferreira,  de  Vimioso. 
Collou-se  em  1633. 

10.  " — Gonçalo  Mendes. 
Collou-se  em  1638. 

— Manuel  Rodrigues  Calado,  natural 
de  Oliveira  do  Conde. 


Collou-se  em  1653. 

12.° — Manuel  da  Cunha  Camello,  do  Mo- 
gadouro. 
Collou-se  em  1688. 

13.0 — Dr.  Lasaro  de  Seixas  Pegado,  de  Vi- 
mioso. 
Collou-se  em  1698. 

14.  » — Manuel  d' Escobar  Cabral,  de  Miran- 
da do  Douro. 

Collou-se  em  1708. 

15.  " — Antonio  da  Silva  Sarmento,  de  Vi- 
nhaes. 

Foi  apresentado  pelo  infante  D.  Francisco, 
mas  não  chegou  a  eollar-se,  porque  falleceu 
vindo  de  Lisboa. 

16.  " — Manuel  de  Figueiredo  e  Mattos,  de 
Bragança. 

Collou-se  em  1709. 

17.  " — Paschoal  de  Faria  Moraes,  de  Vi- 
mioso. 

Collou-se  em  1726. 

18.0— Theotonio  pinto  da  Fonseca,  da  villa 
de  Amarante. 
Collou-se  em  1766. 

19.  ° — Antonio  Fernandes  de  Araujo,  natu- 
ral de  Iseda. 

Collou-se  em  1784. 

20.  » — Manuel  Antonio  Lopes,  também  de 
Vimioso. 

Collou-se  em  1804. 

21.0 — Francisco  Manuel  da  Rosa,  também 
de  Vimioso. 
Collou-se  em  1847. 

22.  » — João  José  de  Moraes  Antas,  lambem 
de  Vimioso. 

Collou-se  em  1852. 

23.  » — Mathias  dos  Santos  Giraldes  de  Sou- 
sa, natural  do  Peso  da  Regoa  e  que  linha 
sido  abbade  em  Sanhoane. 

Collou-se  em  1868  e  falleceu  em  1883. 

24.  ' — José  Fernandes  Barreira,  o  paroeho 
actual  e  paroeho  muito  digno. 

Nasceu  na  freguezia  de  Deilão,  concelho 
de  Bragança,  em  12  d'agosto  de  1841,  sendo 
seus  paes  Manuel  Fernandes  Barreira  e  Ma- 
ria Joaquina  Fernandes;  frequentou  o  lyceu 
de  Braga  de  1856  a  1860  e  em  outubro  d'es- 
te  ultimo  anno  matriculou-se  no  curso  do 
seminário  d'aquella  cidade,  coneluindo-o  em 


1480  VIM 


VIM 


1863; — tomou  a  ordem  de  presbytero  em 
Lamego  no  dia  24  de  setembro  de  1864;—- 
foi  professor  regio  de  instrucção  primaria 
em  S.  Julião,  coneeliio  de  Bragança,  de  1864 
a  1866, — perfeito  no  seminário  de  Bragança 
desde  31  d'agosto  de  1866  até  8  de  nnaio  de 
1869 — e  vice-reitor  do  mesmo  seminário  em 
1870. 

Foi  parocho  eneommendado  de  Deilão 
desde  junho  de  1872  até  junho  de  1874,— 
depois  eneommendado  de  Meixedo  até  agos- 
to de  1875 — e  eneommendado  de  Salsas  des- 
de juQho  de  1876  até  28  de  dezembro  do 
mesmo  anno,  data  em  que  se  coUou  na  fre- 
guezia  de  Miranda  do  Douro,  tendo  sido 
apresentado  por  decreto  de  13  de  julho  de 
1876,  depois  de  fazer  concurso  por  provas 
publicas, — e  ali  se  conservou  como  parocho 
até  5  de  dezembro  de  1883,  exercendo  tam- 
bém nos  últimos  3  annos  as  funcções  de  ar- 
cypreste. 

Foi  apresentado  em  concurso  documen- 
tal n'esla  egreja  de  Vimioso  por  decreto  de 
23  d'agosto  de  1883  e  n'ella  se  eollou  em  22 
de  novembro  do  mesmo  anno  com  o  titulo 
de  prior,  sendo-lhe  concedidas  as  honras  de 
cónego  da  sé  de  Bragança  por  decreto  de  26 
de  junho  de  1884. 

Annexas 

Até  1799  os  reitores  de  Vimioso  apresen- 
tavam curas  nas  fregaezias  de  Valle  de  Fra- 
des, Serapieos  e  Campo  de  Viboras. 

O  cura  de  S  Joannico  era  apresentado 
pelo  prior  de  Vimioso  e  pelo  abbade  de  Ca- 
çarelhos  em  annos  alternados. 

O  cura  de  Val  de  Frades  tinha  de  côn- 
grua 8^1000  réis  em  dinheiro,  24  alqueires 
de  trigo  e  12  almudes  de  vinho  mosto. 

O  de  Campo  de  Viboras  8^500  réis  em 
dinheiro,  alem  do  pé  d'altar, — e  o  de  Sera- 
pieos 8Í000  réis  em  dinheiro  e  24  alqueires 
de  trigo,  mas  por  provisão  do  prinelpe  re- 
gente a  côngrua  d'e8te  ultimo  cura  foi  ele- 
vada a  28^000  réis  em  1799. 

Todas  estas  côngruas  eram  pagas  pelos 
commendadores,  que  recebiam  os  dizimes 
da  parcchia  d'e8ta  villa  e  das  suas  quatro 
anoexas. 


Senhorio  de  Vimioso 

Foram  senhores  d'esta  villa  os  Mendet 
Antas,  com  mero  e  mixto  império,  jurisdic- 
ção  e  vassalagem,  por  mercê  de  D.  Sancho 
II,  feita  approximadamente  em  1242  a  D. 
João  Vasques  Antas,  cognominado  Beirão, 
por  viver  na  província  da  Beira,  no  casiello 
de  Longroiva,  seu  solar,  feito  por  D.  Fernão 
Mendes  de  Bragança,  seu  3.»  avô,  filho  de 
D.  Mendo  Alão  ou  D.  Mendo  de  Bragança, 
1-»  senhor  de  Bragança,  por  mercê  d'el-rei 
D.  Affonso  Henriques. 

V.  Bragança  e  Longroiva  n'este  dicciona- 
rio  e  no  supplemento. 

O  senhorio  de  Vimioso  foi  hereditário  na 
familia  Mendes  Antas  e  n'ella  se  conservou 
durante  séculos,  até  que  D.  Affonso  V  o  ti- 
rou a  D.  Estevam  Mendes  Antas  e  o  deu  a 
D.  Francisco  de  Portugal,  depois  conde  de 
Vimioso,  pelo  que  D.  Estevam  o  demandou 
perante  o  corregedor  de  Vizeu,  commissio- 
nado  ad  hoc.  Durou  a  demanda  até  a  morte 
de  D.  Estevam,  e  os  suecessores  a  abando- 
naram por  verem  o  grande  valimento  que 
tinham  na  corte  os  condes  de  Vimioso. 

É  isto  o  que  se  lé  na  genealogia  dos  Men- 
des Antas;  mal  pode  porem  harmonisar-se 
com  o  que  se  lê  na  genealogia  dos  Mendes 
Vasconcellos  supra,  pois  n'ella  se  diz  que  o 
senhorio  de  Vimioso  foi  também  hereditário 
na  familia  d'elles  durante  muitas  gerações; 
— que  lhes  fôra  concedido  (talvez  confirma- 
do) por  D.  João  II  em  1494  * — e  confirmado 
por  el-rei  D.  Sebastião  em  1556. 

D.  Affonso  V  reinou  de  1438  a  1481  e,  se 
este  rei  deu  o  senhorio  de  Vimioso  a  D. 
Francisco  de  Portugal,  como  podia  elle  ser 
dado  aos  Mendes  Vasconcellos,  em  1494  e 
confirmado  em  1556?  E  se  o  senhorio  de 


1  Em  1494  era  representante  dos  Mendes 
Vasconcellos  e  já  casado  o  tal  heroe  da  pen- 
dência,— D.  Francisca  Mendes  de  Vascon- 
cellos, neto  de  D.  Mendo  Affonso  Mendes  de 
Vasconcellos,  o  1°  que  d'e8ta  familia  foi  se- 
nhor de  Vimioso, — muito  antes  de  1494  e  do 
reinado  de  D.  João  II  ? ! . . . 

Vejam-se  os  n.°°  2  e  12  da  genealogia  dos 
Mendes  de  Vasconcellos. 


VIM 


VIM  1481 


Vimioso  passou  direetamente  dos  Mendes  | 
Antas  no  reinado  de  D.  Affonso  V  (antes  de  i 
1482)  para  D.  Francisco  de  Portugal  ou  pa-  i 
ra  08  condes  de  Vimioso — e  mais  tarde  d'es- 
tes  para  a  casa  do  infantado, — não  sabemos 
onde  metter  as  gerações  dos  Mendes  Vas- 
concellos  que  tiveram  o  mesmo  senhorio. 

Valha- nos  a  senhora  do  Monte  do  Car- 
mo I. . . 

É  certo  que  o  senhorio  de  Vimioso  foi  dos 
condes  d'e8te  titulo,  dos  quaes  passou  para 
a  casa  do  infantado.  Anteriormente  foi  dos 
Mendes  Antan,  e  dos  Mendes  Vasconcellos,  se- 
gundo se  lê  nas  suas  genealogias,  mas  não 
podemos  harmonisal-as  nem  acceital-as  na 
sua  integra. 

Pessoas  notáveis 

Com  rasão  se  orgulha  Vimioso  de  haver 
produzido  muitas  pessoas  notáveis  e  bene- 
méritas desde  os  tempos  mais  remotos,  mas, 
para  não  abusarmos  da  paciência  dos  leito- 
res, mencionaremos  apenas  as  seguintes: 

1.  » — O  morgado  João  Mendes  Antas,  que 
tanto  contribuiu  para  a  construcção  da  egre- 
ja  matriz  actual, 

2.  »— D.  Francisco  Mendes  de  Vasconcel- 
los, o  heroe  da  pendência  da  quinta  dosPí- 
cadeiros,  posto  que  lhe  não  invejamos  o  re- 
nome. 

3.  » — Antonio  José  Joaquim  de  Miranda. 
Segundo  se  lê  nos  apontamentos  que  em 
1884  recebi  do  administrador  d'este  conce- 
lho,— foi  {credite  posteri)  formado  em  cinco 
faculdades  pela  Universidade  de  Coim- 
bra?!!!  

Formando-se  em  todas  as  faculdades  da 
nossa  Universidade,  o  que  muito  nos  custa 
a  crer,  nem  sequer  encontramos  o  seu  no- 
me no  Diccionario  Bibliographico  de  Inno- 
ceneio ! . . . 

Segundo  informações  ulteriores  e  fidedi- 
gnas, Antonio  José  Joaquim  de  Miranda  fal- 
leceu  n'e8ta  villa  de  Vimioso,  onde  era  pro- 
prietário, roas  nasceu  na  aldeia  de  Paradi- 
nha, freguezia  do  Outeiro,  concelho  de  Bra- 
gança, cerca  de  10  kilometros  a  N.  N.  O.  de 
Vimioso 


1  V.  Outeiro,  tomo  6.»  pag.  338,  col.  l.*— 


Formou- se  em  maihematica  {só  em  mathe- 
matica)  na  Universidade  de  Coimbra  e,  se- 
guindo a  carreira  das  armas,  assentou  praça 
de  cadete  em  infaoteria  n.»2i;~em  1808  foi 
para  França  com  a  Legião  Portugueza; — fez 
a  campanha  da  AUemanha  em  1809  e  a  da 
Rússia  em  1812,  sendo  offlcial  muito  valente 
e  chegando  ao  posto  de  coronel  de  Coura- 
ças. Foi  o  primeiro  que  passou  a  ponte  de 
Austerlitz  e  ficou  prisioneiro  em  Moscow; 
mas,  feita  a  paz  geral  era  1814,  voltou  ao 
seu  paiz.  Era  muito  illustrado,  mas  a  cam- 
panha e  o  captiveiro  da  Rússia  tornaram-no 
quasi  louco;  aioda  assim  em  1832  foi  com- 
mandante  do  Batalhão  Sagrado,  na  Ilha  Ter- 
ceira, e  em  1834  sub-perfeito  de  Setúbal, 
Também  foi  coronel  das  milícias  de  Miranda 
e  governador  civil  nos  Açores. 

Era  filho  de  Martinho  Carlos  de  Miranda 
e  de  D.  Perpetua  Maria  Geraldes — e  irmão 
do  notável  estadista — Manuel  Gonçalves  de 
Miranda,  que  nasceu  na  mesma  povoação  de 
Paradinha  do  Outeiro  no  dia  30  de  novem- 
bro de  1781. 

Formou-se  também  na  faculdade  de  ma- 
thematica  era  Coirabra  e  foi  um  mathema- 
tico  distinctissimo.  Fez  a  campanha  da  guer- 
ra peninsular  até  à  batalha  dos  Arapiles, 
onde  ficou  prisioneiro  servindo  de  major  de 
brigada  do  general  d^Urban,  tendo  sido  feito 
tenente  por  distincção  no  combate  de  Pue- 
bla de  Senebria  em  1809.  Em  1813  demit- 
tiu-se  do  serviço  militar,  sendo  capitão  de 
cavallaria  n.«  12,  e  recolheu-seásuaeasade 
Castellãos. 

O  dicto  Manuel  Gonçalves  de  Miranda  foi 
deputado  às  cortes  de  1820  e  nomeado  mi- 
nistro da  guerra  em  1822;  mas,  sendo  muito 
liberal,  apenas  viu  hasteado  o  pendão  do 
absolutismo,  emigrou  para  o  estrangeiro. 

Durante  o  cerco  do  Porto  (1832  a  1833) 
conservou-se  alternadamente  em  Londres  e 
Paris,  onde  prestou  relevantes  serviços  á 
causa  de  D.  Pedro,  coroo  presidente  da  com- 
missão  encarregada  de  agenciar  navios,  di- 
nheiro e  munições  de  guerra  e  de  boeea  pa- 


e  Paradinha  do  Outeiro  no  mesmo  volume, 
pag.  470,  col. 


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VIM 


ra  o  exercito  liberal,  e  só  voltou  ao  seu  paiz 
no  fim  do  cerco  do  Porto,  depois  de  ser  no- 
meado prefeito  da  província  do  Douro  por 
carta  regia  de  19  de  setembro  de  1833. 

Foi  ministro  da  guerra  por  decreto  de  20 
de  novembro  de  1822; — ministro  da  mari- 
nha por  decreto  de  20d'abrilde  1836;— mi- 
nistro da  fazenda  por  decreto  de  28  de  ju- 
nho de  1840— e  finalmente  segunda  vez  mi- 
nistro da  marinha  por  decreto  de  12  de 
março  de  1841.  i 

Era  um  caracter  tão  nobre  e  de  tanta 
exempção  que,  tendo  exercido  tão  impor- 
tantes cargos,  o  espolio  que  deixou  era  in- 
ferior ao  de  um  estudante  quando  deixa  os 
bancos  da  Universidadel ... 

Casou  cora  D.  Joanna  Pereira  de  Sousa, 
única  herdeira  de  .«eu  pae  Antonio  Caetano 
Pereira  de  Sousa,  C.  O.  C.  e  F.  C.  R.,  que 
lhe  legou  uma  importante  casa  na  freguezia 
de  Castellãos,  concelho  de  Macedo  de  Cavai - 
leiros  e  suas  immediações.  D'este  consorcio 
teve  seis  filhos,  sendo  primogénito  o  se- 
guinte: 

Antonio  José  de  Miranda,  visconde  de  Pa- 
radinha do  Outeiro  em  sua  vida,  por  de- 
creto de  3  de  maio  de  1848. 

Nasceu  em  Castellãos,  concelho  de  Mace- 
do de  Cavalieiros,  2  a  21  de  março  de  1812; 
— militou  como  voluntário  liberal  na  guerra 
civil  entre  D.  Miguel  e  D.  Pedro,  até  á  bata- 
lha da  Asseiceira,  onde  o  seu  esquadrão, 
2.*  do  regimento  de  cavallaria  n  °  6,  apri- 
sionou o  regimento  d'infanteria  n."  16  e  um 
batalhão  de  infantaria  12,  com  3  bandeiras, 
pelo  que  foi  condecorado  com  a  medalha  da 
Torre  e  Espada,  bem  como  outras  muitas 
praças  do  referido  esquadrão.  Terminada  a 
guerra,  deixou  o  serviço  militar; — formou- 
se  também,  como  seu  pae  e  seu  lio,  em  ma- 
thematica  na  Universidade  de  Coimbra,  sen- 
do premiado  no  3.»  anno; — em  1843  tomou* 
assento  na  camará  dos  pares,  como  sueces- 


1  Foi  também  par  do  reino  e  conselheiro 
de  estado  vitalício,  etc. 

Falleceu  no  dia  5  d'abril  de  1841. 

2  V.  CastellÕes  ou  Castellãos,  tomo  2.°, 
pag.  199,  col.  1.» 


sor  de  seu  pae, — e  em  1846,  apenas  se  ma* 
nifestou  a  revolução  da  Patuleia,  organi- 
sando-se  em  Bragança  uma  junta  governa- 
tiva em  favor  do  partido  dos  Cabraes,  ou  da 
rainha  D.  Maria  II,  foi  presidente  da  dieta 
junta  e  com  grandes  sacriflcios  conservou  o 
distrieto  de  Bragança  em  obediência  ao  go- 
verno de  Lisboa,  prestando  relevantes  ser- 
viços á  rainha,  pelo  que  esta  o  agraciou  com 
o  titulo  de  visconde. 

Em  1847  foi  governador  civil  do  distrieto 
de  Bragança — e  em  1831,  vendo  o  seu  par- 
tido cartista,  ou  antes  cabralista,  sem  repre- 
zentaçào  nas  camarás  nem  na  imprensa,  e 
por  assim  dizer  morto,  abandonou  a  politica 
e  não  voltou  á  camará,  recolheu-se  á  sua 
casa  de  Castellãos,  onde  tem  vivido  até  ho- 
je,— solteiro  e  sem  descendência.  ^ 

Foi  também  tio  paterno  do  sr.  visconde 
de  Paradinha  do  Outeiro,  o  dr.  José  Antonio 
de  Miranda,  bacharel  formado  em  direito  e 
que  seguiu  a  magistratura  judicial.  Falleceu 
em  Lisboa,  sendo  presidente  da  relação,  ap- 
proximadamente  em  1854. 

Martinho  Carlos  de  Miranda,  mencionado 
supra,  avô  paterno  do  sr.  visconde  de  Para- 
dinha do  Outeiro,  era  sobrinho  do  dr.  Ma- 
nuel Gonçalves  de  Miranda,  magistrado  que 
figurou  muito  no  reinado  de  D.  José  I,  pois 
foi  amigo  e  valido  do  grande  marquez  de 
Pombal,  que  o  encarregou  de  variadas  com- 
missões,  algumas  de  muita  responsabilidade, 
principalmente  por  occasião  do  attentado 
contra  a  vida  d'el  rei  D.  José. 

V.  Chão  Salgado. 

Foi  muitos  annos  intendente  geral  da  po- 
licia da  corte  e  do  reino, — cargo  importan- 
tíssimo n'aquelle  tempo,— e  terminou  a  sua 
carreira  na  magistratura,  sendo  desembar- 
gador da  casa  da  supplicação  e  do  paço. 

Casou  com  sua  prima  D.  Catharina  de 
Miranda  e,  como  não  tivessem  filhos,  no- 
meou sueeessor  e  administrador  dos  vincu- 


1  Tem  o  sr.  visconde  ainda  vivos  uma  ir- 
mã e  um  irmão,  ambos  com  filhos. 

O  irmão, — dr.  José  Antonio  de  Miranda, 
— seguiu  a  magistratura  e  aposentou-se  sen- 
do juiz  de  direito  de  Villa  Real. 


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VIM  1483 


ios  que  havia  iostituido  em  Paradinha  do  , 
Outeiro  e  Rio  Torto  o  mencionado  seu  so- 
brinho Martinho  Carlos  de  Miranda,  avô  do  1 
sr.  visconde  de  Paradinha,  actual  adminis- 
trador e  possuidor  d  aquelles  vínculos  e  por 
coDsequencia  represeuianie  do  celebre  des- 
eiDbargador,  amigo  e  valido  do  marquez  de 
Pombal  ?  I . . . 

Descuipem-nos  a  digressão,  pois  quizemos 
aproveitar  o  ensejo  para  consignarmos  ião 
interessantes  noticias  no  lexto  d  este  diccio- 
nario. 

Agora  prosigamos  com  a  lista  das  Pes- 
soas  notáveis,  filbas  de  Vimioso. 

4." — José  Maria  de  Figueiredo  Antas, — ca- 
valheiro respeitabilissimo  e  a  maior  influen- 
cia eleitoral  d'eáie  concelho. 

É  o  representante  actual  da  nobilíssima 
casa  dos  Mendes  Antas; — casou  com  D.  Lú- 
cia de  Jesus  Oliveira,  da  íreguezia  de  Gar- 
ção, e  tem  os  filhos  segumtes  : 

— José  Maria,  que  nasceu  em  20  d'outu- 
bro  de  1859,  e 

— Abel  Augusto,  que  nasceu  em  18  de  ja- 
neiro de  1864. 

o." — Joaquim  José  de  Campos. 

Falleceu  no  Porto  eia  14  de  janeiro  de 
1861,  deixando  entre  outros  legados  5:000 
libras  em  fundos  inglezes  á  Misericórdia 
d'aquella  cidade  para  ella  administrar  os 
seus  rendimentos  e  entregar  annualmente 
ao  parocho  de  Vimioso  300iíí000  réis  desti- 
nados á  sustentação  do  Laus  Perenne,  que 
o  mesmo  capitalista  e  bemfeitor  havia  insti- 
tuído na  egreja  de  Vimioso  em  agosto  de 
1860. 

6." — O  dr.  José  de  Moraes  Faria  de  Car- 
valho, senhor  da  nobre  casa  da  Rapadoura, 
deputado  ás  cortes  em  varias  legislaturas  e 
magistrado  honestíssimo. 

Nasceu  em  Vimioso  em  1815;— foi  na  re- 
volução da  Patuleia  ajudante  de  campo  do 
general  Jorge  de  Avilez, — casou  em  Bragan- 
ça;— foi  o  ultimo  bacharel  formado  fllho  de 
Vimioso— e  falleceu  em  1866,  sendo  juiz  de 
Direito  em  Braga  e  deixando  os  filhos  se- 
guintes: 


1.  " — Alberto  Moraes  Faria  de  Carvalho, 
hoje  (1887)  governador  de  Damão. 

Nasceu  em  Bragança  em  1846; — casou 
com  D.  Maria  José  Manoel  de  Vilhena,  neta 
paterna  do  marquez  de  Pombal  e  materna 
do  marquez  de  Pancas,  da  qual  tem  dois  fi- 
lhos. 

É  o  primogénito  e  como  tal  representante 
da  nobre  casa  da  Rapadoura. 

2.  » — Dr.  Adriano  Acácio  de  Moraes  Car- 
valho. 

Nasceu  em  Bragança  em  1848; — casou  em 
Braga  com  D.  Maria  Zulmira  d'Araujo,  da 
qual  tem  dois  filhos, — e  é  hoje  (1887)  com-í 
missario  geral  da  policia  civil  do  Porto  e 
funccíonario  muito  digno. 

S.°— Alfredo  de  Moraes  Carvalho,  enge- 
nheiro de  minas  muito  modesto,  muito  illus- 
trado,  muito  trabalhador,  ainda  solteiro,  e 
dono  da  celebre  casa  da  Rapadoura. 

Foi  um  dos  membros  da  Expedição  Scien- 
iifica,  enviada  pela  Sociedado  de  Geographia 
de  Lisboa  em  1881  à  serra  da  Estrella,  on- 
de tivemos  a  honra  de  o  conhecer  e  traetar. 

Excessos  tristes 

Esta  villa  também  teve  o  seu  quinhão  nos 
excessos  de  que  foi  lhealro  o  nosso  paiz,  du- 
rante a  porfiada  lucla  entre  liberaes  e  rea  - 
listas. 

Em  1823,  por  exemplo,  quando  o  general 
Silveira,  depois  de  acclamar  absoluto  D. 
João  VI  eru  Villa  Real  de  Traz-os-Montes, 
insurreccioaou  esta  província  e  marcharam 
contra  elle  as  tropas  liberaes,  obrígando-o 
a  internar-se  na  Hespanha,  esteve  em  Vi- 
mioso o  brigadeiro  Claudino  e  incendiou  a 
casa  do  reitor  d'esta  villa. 

Também  por  essa  occasião  o  mesmo  bri- 
gadeiro foi  à  villa  da  Bemposta,  concelho  do 
Mogadouro,  e  incendiou  as  casas  do  capitão- 
mór  e  do  escrivão  Galado.  Na  villa  de  La- 
goaça  tentou  incendiar  também  as  casas  do 
reitor,  por  haver  hospedado  dias  antes  o  ab- 
bade  de  Quínchães  (concelho  de  Fafe)  de- 
pois governador  do  bispado  de  Pinhel,  An- 
tonio dos  Santos  Leal,  de  Moncorvo,  realista 
secretario  particular  e  confidente  do  gene- 
ral Silveira,  etc,  mas  o  Glaadino,  a  pedido 


1484  VIM 


VIM 


de  um  seu  companheiro,  parte  do  enreitor, 
poupou-lhe  as  casas,  limilando-se  a  repre- 
hendel-o,  ordenando-lhe  que  desinfectasse  o 
quarto  onde  pernoitou  Santos  Leal  ?\... 

V.  Moncorvo,  no  supplemento,  onde  dare- 
mos a  biographia  de  Antonio  dos  Santos 
Leal  e  extractaremos  uma  interessante  Me- 
moria que  possuímos  em  ws.  deixada  por 
elle,  historiando  a  mencionada  revolução  do 
general  Silveira. 

Mármore  e  alabastro  e 
grutas  prehistoricas 

Na  parte  oriental  d'esta  freguezia  e  d'este 
concelho  de  Vimioso,  nomeadamente  na 
Quinta  dos  Picadeiros,  e  na  occidental  do 
concelho  de  Miranda  do  Douro,  nomeada- 
mente na  freguezia  de  S.  Pedro  da  Silva,  ha 
grandes  jazigos  de  mármore  e  alabastro 
preciosos,  nas  margens  do  rio  Angueira,  cujo 
leito  é  de  mármore  também. 

Comprehendem  estes  jazigos  cerca  de  15 
kilometros  quadrados  e  n'elle9  se  teem  en- 
contrado cavernas  e  grutas  lindíssimas  com 
stalactites  e  stalagmites  admiráveis,  ossadas 
humanas  e  outros  vestígios  de  occupação 
prehistorica. 

Em  1852  o  dístincto  archeologo  e  enge- 
nheiro de  minas  Carlos  Bíbeiro,  indo  por 
ordem  do  governo  in?peccionar  a  mina  de 
estanho  de  S.  Martinho  d'Angueira,  conce- 
lho de  Miranda  do  Douro,  esteve  em  Vimioso 
e  ali  se  demorou  oito  dias,  visitando  os  ter- 
renos calcareos  que  abundam  no  termo  da 
villa,  e  disse  aos  donos  de  umas  calfornei- 
ras,  ali  em  exploração,  que  elles  calcinavam 
mármore  sacaroíde. 

Ficaram  os  homens  absortos  e  d'ahi  em 
diante  vários  indíviduns  trataram  de  fazer 
conhecidas  aquellas  pedreiras  de  mármore, 
enviando  amostras  para  diversas  exposições 
internaeionaes,  onde  foram  muito  aprecia- 
das, particularmente  na  de  Dublin  e  na  do 
Palacio  de  Cristal  do  Porto,  em  1865. 

Em  1884  foi  dirigir  a  delegação  da  alfan- 
dega de  Bragança  em  Vimioso  o  sr.  Luiz 
Cardoso  Pinto  e,  tendo  noticia  das  taes  pe- 
dreiras, tratou  logo  de  as  pesquizar  e  man- 


dou algumas  amostras  para  o  Porto,  d'onde 
lhe  disseram  que  o  mármore  era  excellente 
e  convinha  adquirir  o  chão  das  pedreiras. 

Continuando  o  sr.  Cardoso  com  as  pes- 
quizas,  indicaram  lhe  uma  gruta  no  termo 
da  Granja  de  S.  Pedro  da  Silva,  gruta  de- 
nominada Buraco  dos  Ferreiros,  cuja  pedra 
de  cí)l  ou  mármore  era  alvíssima.  Foi  vel-a 
e  ficou  surprehendido  com  a  estruetura  d'el- 
la,  toda  cheia  de  stalactites  e  stalagmites,  e 
com  as  sinuosidades  da  Ribeira  dos  Ferrei' 
ros,  onde  está  a  dieta  gruta,  da  qual  tirou 
algumas  amostras  de  pedra,  que  mandou  pa- 
ra o  Porto,  consultando  os  seus  amigos.  Dis- 
seram-lhe  estes  que  o  mármore  era  tão  fino 
como  o  de  Garrara — e  que  as  pedras  trans- 
parentes eram  alabastro!. .  • 

Besolveu  então  o  sr.  Cardoso  fazer  pes- 
quizas  em  fórma  e  chamou  de  Villa  Beal  de 
Traz-os-Montes  os  seus  irmãos  José  e  Fran- 
cisco, para  o  coadjuvarem  na  empreza. 

Foram  elles  e  sem  demora  tractaram  de 
obter  por  compra  e  arrendamento  a  longo 
praso  o  chão  dosjasigos; — extrahiram  amos- 
tras dos  melhores  mármores  e  alabastros; 
— foram  com  ellas  ao  Porto— e,  tal  era  a  bel- 
leza  e  variedade  dos  espécimens,  que  ali  sem 
grande  difRculdade  se  formou  uma  compa- 
nhia para  a  exploração,  da  qual  ficaram  fa- 
zendo parte  os  srs.  Cardosos,  devendo  rece- 
ber como  descobridores  vinte  e  cinco  contas 
de  réis. 

Em  1886.  constituída  a  empresa,  deram 
principio  á  exploração  dos  mármores  e  ala- 
bastros, chamando  do  Porto  diversos  operá- 
rios entendidos  no  desmonte  das  pedras  e 
na  sua  regularisação  e  polimento,  sob  a  di- 
recção do  sr.  Francisco  Cardoso,  agente  de- 
legado da  companhia,  o  qual  se  installou  na 
quinta  de  Santo  Adrião,  junto  da  capella  de 
Nossa  Senhora  do  Rosario  do  Monte,  limite 
da  povoação  da  Granja,  freguezia  de  S.  Pe- 
dro da  Silva,  concelho  de  Miranda, 

Tem  corrido  com  regularidade  a  explora- 
ção e  feito  remessas  de  mármore  e  alabastro 
polidos  e  trabalhados  para  o  Porto  e  Lisboa 
e  para  os  paizes  estrangeiros. 

O  maior  obstáculo  ao  desenvolvimento  e 
lucros  d'esta  empreza  até  hoje  tem  sido  a 


VIM 


VIM  1485 


difflculdade  do  transporte  até  a  linha  férrea 
do  Douro,  mas  esta  difflculdade  tende  a  mi- 
norar e  desapparecer,  logo  que  se  construa 
a  linha  férrea  em  estudos  da  estação  do  Po- 
cinho até  Miranda,  pois  deve  passar  muito 
perto  dos  grandes  jazigos. 

São  U  as  variedades  d'estes  ealcareos: — 
6  de  mármore— e  5  de  alabastro. 

O  mármore  branco  é  finíssimo,  alvo  de 
neve,  muito  espelhante  e  sustenta  o  con- 
fronto cora  o  melhor  de  Garrara,  prestan- 
do-se  admiravelmente  para  todo  o  género  de 
esculptura.  Os  mármores  de  cores  são  raia- 
dos de  filetes  azues,  cinzentos  e  amarellados, 
todos  de  lindíssimo  aspecto,  e,  se  não  apre- 
sentam uma  estructura  tão  superior,  sobre- 
levam os  melhores  de  Extremoz. 

Dos  alabastros  um  é  de  bella  côr  branca; 
— os  outros  são  acinzentados  e  amarellados, 
de  apparencia  lindíssima  pela  variedade  dos 
lons  e  pelas  estrias  que  apresentam  na  su- 
perfleie  polida  e  brilhante,  e  prestam-se 
igualmente  aos  cortes  mais  delicados,  como 
já  vimos  no  Porto  em  amostras  de  folhas^ 
flores  e  fruetos;  é  porem  de  suppor  que  ap- 
pareçam  novos  typos  de  mais  merecimento 
ainda,  quando  a  exploração  atiinja  maior 
desenvolvimento. 

Nova  gruta 

Em  princípios  de  agosto  de  1886  o  sr. 
Francisco  Cardoso  encontrou  a  pequena  dis- 
tancia da  Gruta  dos  Ferreiros  uma  fenda  em 
uns  penedos.  Tratou  logo  de  a  sondar  e, 
entrando  pela  dita  fenda,  ajudado  e  acom- 
panhado d'aiguns  operários  seus,  foi  avan- 
çando e  por  fim  deparou  com  a  gruta  que 
um  jornal  d»"  Zamora,  Sena  Vermeja,  no  seu 
numero  de  18  d'ago8to  do  dicto  anno  des- 
creveu nos  termos  seguintes  : 

«Depois  de  visitármos  todas  as  pedreiras, 
6  admirarmos  a  grandeza,  valor  e  importân- 
cia d'este  achado,  que  ha-de  enriquecer 
aquella  região,  dirigimo-nos  á  gruta,  pou- 
cos dias  antes  encontrada  pelo  sr.  Cardoso. 
Descemos  flanqueando  aquella  immensa 
montanha  até  chegarmos  proximamente  á 
parte  aonde  fica  a  sua  meia  altura,  e  ahi  ti- 

VOLUME  XI 


i  vemos  de  fixar  a  nossa  attenção  n'um  pe- 
I  queno  buraco,  quasi  occulto  pela  saliência 
I  de  um  penedo,  o  qual  constitua  a  entrada 
j  para  a  caverna,  aonde  penetramos,  providos 
I  de  Iqzes,  por  aquelle  pequeno  buraco,  indo 
!  um  a  um,  como  de  gatas,  por  uma  espécie 
de  corredor,  que  mede  approximadamenté 
quatorze  metros  de  comprido,  entrando  d'el- 
le  para  um  espaço  estreito  entre  duas  ro- 
chas, que  dava  ingresso  ímmediato  para  uma 
larga  cova  illuminada  artificialmente,  e  que 
constitue  o  fundo  principal  d'esta  gruta.  São 
suas  paredes  interiores  abobadadas,  e  me- 
dirá uma  extensão  de  cento  e  oitenta  metros 
quadrados,  apresentando  n'algumas  partes 
signaes  evidentes  da  acção  corrosiva  da  agua, 
assim  como  nos  seus  maiores  troços  e  por- 
ções, primorosos  e  magníficos  trabalhos,  que 
adornam  fantasticamente  as  paredes  d'este 
antro  tenebroso,  e  as  entradas  para  differen- 
tes  compartimentos  ou  salas,  que  parecem 
constituir  uma  brilhante  e  vasta  decoração. 

«O  silencio  profundo,  que  reina  n'aquella 
vasta  e  lúgubre  solidão,  illuminada- por  meio 
de  archotes  coUocados  no  seu  interior,  sua 
estranha  arehitectura,  suas  paredes  festona- 
das  com  milhares  de  desenhos  caprichosos 
e  muitos  d'elles  de  alabastrina  alvura,  as 
infinitas  estalactites  e  estalagmites  de  diver- 
sos tamanhos  que,  suspensas  do  seu  tecto, 
brilham  á  luz  incerta  dos  ditos  archotes,  os 
diíTerentes  pilares  e  columnas  formados  com 
o  mais  raro  primor,  arremedando  estranhas 
e  gigantescas  figuras,  que  apparecem  de  es- 
paço a  espaço,  contribuem  no  seu  conjuncto 
para  despertar  no  animo  mais  sereno  um 
terror  phantastico,  e  para  que  a  imaginação 
se  perca  contemplando  e  buscando  a  origem 
d'esta  maravilha,  que,  se  foi  conhecida  em 
épocas  anteriores,  perde-se  na  obscura  noite 
dos  tempos. 

Não  é  possível  fazer  uma  descri  pção  deta- 
lhada das  muitas  curiosidades  naturaes,  que 
encontramos  na  nossa  visita,  durante  a  hora 
e  meia  que  empregamos  em  percorrer  o  in- 
terior da  gruta,  nem  me  julgo  competente 
para  isso;  todavia  darei  d'ella  um  ligeiro 
detalhe. 

Depois  de  baixarmos  oitenta  e  quatro  de- 

94 


Í486  VIM 


VIM 


graus  de  uma  escada  de  madeira  proviso- 
riamente collocada,  com  sua  varanda  de  cor- 
da resistente,  a  qual  se  apoia  em  barrotes  de 
ferro,  eollocados  de  espaço  em  espaço,  che- 
gamos ao  fundo  da  gruta,  apreciando  mais 
perfeitamente,  á  medida  que  deseiamos,  os 
beilos  e  immensos  depósitos  ealcareos,  as 
enormes  estalactites,  que  destacam  suas  al- 
vas e  caprichosas  figuras,  e  porções  da  im- 
mensa  rocha  cobertas  como  de  neve  petri- 
ficada, e  de  musgo  no  mesmo  estado. 

Esta  parte  mais  profunda  é  formada  por 
uma  galeria  bastante  alta,  de  quatro  a  cinco 
metros  de  largura,  d'onde  parlem  saidas  ou 
entradas  para  outros  pequenos  compartimen- 
tos, que  ostentam  caprichosíssimas  pregas  e 
arrendados  feitos  na  rocha,  de  transparên- 
cia e  alvura  extraordinárias.  O  interior  d'al- 
guns,  ou  de  quasi  todos,  está  construído  pe- 
las mais  raras  formas  de  concreções  calea- 
reas,  que  dão  logar  á  mais  caprichosa  archí- 
teclura.  Até  agora  o  que  mais  chama  a  at- 
tenção  n'estes  compartimentos  e  que  terá 
por  certo  de  se  conhecer  pelo  nome  de  sala 
das  ossadas,  é  aquelle  em  que  se  encontra- 
ram vários  restos  humanos,  vários  craneos 
de  épocas  distinctas,  remontando  alguns  a 
milhares  d'annos,  d'onde  também  se  extra- 
hiu  um  instrumento  de  guerra,  de  bronze 
primitivo,  e  outros  objectos  prehistoricos  de 
grande  valor,  que  serão  dados  preciosos  pa- 
ra os  amadores  de  geologia  e  da  antropolo- 
gia. Ainda  se  conserva  ali  no  solo,  e  n'uma 
parte  mais  proeminente  da  rocha,  um  cra- 
neo  perfeitamente  incrustado  n'ella.» 

As  dietas  grutas  são  interessantíssimas  I 
N'ellas  se  tem  encontrado  (diz  o  meu  infor- 
mador) ossadas  humanas  e  de  animaes  an- 
ti-diluvianos,  taes  como  o  mamuth  (urso  das 
cavernas)  rangi fer  e  masíodonto, — craneos 
humanos  que  teem  na  abobada  occipital  e 
paredes  temporaes  nove  millimetros  d'e8- 
pessura.  Um  d'este8  conserva  no  maxillar 
superior  todos  os  dentes,  mas  de  uma  forma 
exquisita, — curvos  para  fóra. 

Um  craneo  mio-cephalo,  fémures,  tibias, 
lacertes,  cubetos,  etc, — tudo  encrustado  em 
staiagmites  e  stalactites,— e  despojos  e  ins- 
trumentos da  epoea  terciária  mioceoa  e 
quaternária,  de  pedra  e  bronze. 


Também  nos  consta  que  na  freguezia  de 
Izeda,  povoação  de  Serapicos  e  n'outrcs  pon- 
tos, já  posteriormente  se  encontraram  novas 
grutas  semelhantes  àquellas. 

Preço  actual  dos  géneros  em  Vimioio 


Trigo,  20  litros   800 

Centeio,  20  litros   600 

Cevada,  i     »   500 

Castanhas,  20  litros   200 

Sal,  20  litros   550 

Batatas,  15  kilos    160 

Lã  preta,  15  kilos   2^250 

»     »      »     »    2,^250 

Arroz,  15  kilos   140 

Bacalhau,  15  kilos   2iS000 

Vinho,  25  litros   IMbO 

Azeite,  »     »    3^250 

Gallinhas,  uma   260 

Frangos,  1   140 

Cabritos,  1  de  tres  mezes   500 

Cordeiros,  1  de  tres  mezes   500 

Coelhos,  1   140 

Perdizes,  uma   120 

Lebres,  uma   240 

Ovos,  um  cento   670 

Condução  de  mercadorias 

Para  Bragança — 1  arroba   80 

Para  a  estação  do  Pinhão — por  Mendo 
de  Cavalleiros,  Mirandella,  Miirça, 
Alijó  e  Favaios — 1  arroba   240 


É  este  o  caminho  que  seguem. 

Actualmente  o  concelho  de  Vimioso  não 
manda  género  algum  para  o  Porto,  por  cau- 
sa do  preço  das  conducções.  Apenas  alguns 
annos  tem  mandado  cereaes. 

Este  beneficio  de  Vimioso  deve  render 
hoje  ao  todo  cerca  de  300,^000  réis,  compre- 
hendendo  2OOí0OOO  réis  de  derrama  ou  côn- 
grua em  dinheiro. 

Aos  ex."""  srs.  Antonio  Claudino  Fernan- 
des Pereira,  de  Bragança, — Luiz  Antonio  de 
Figueiredo  Antas,  de  Villa  do  Conde,— e 
José  Fernandes  Barreira,  digno  prior  actual 
de  Vimioso,  agradeço  os  apontamentos  que 
se  dignaram  enviar-me. 


VIN 


VIN  1487 


VINCOS,— portuguez  antigo,  —hoje  brin- 
cos, ornato  mulheril. 

Se  alguma  mulher  levar  vincos  nas  ore- 
lhas, mando  que  lhos  não  tome  nenhum,  nem 
lhos  embargue.  ' 

Cod.  Alf.  liv.  V,  tit.  47,  §  5. 

VINDA  DO  MEZ— ou  vida  do  mez. 

Era  um  direito  real  e  consistia  em  se  dar 
de  comer  pelos  colonos  ou  caseiros  ao  mor- 
domo menor  d'el-rei,  um  dia  em  cada  mez, 
ou  doze  comidas  no  anno — em  própria  espé- 
cie ou  em  dinheiro. 

Documento  de  Grijó  do  tempo  d'el-rei  D. 
Diniz. 

VINDIÇO,  —  que  vinha  de  fóra  da  terra. 

Nem  vogado  d^alhures,  ou  vindiço  nom  se- 
rá ousado  de  usar  do  officio  da  vogaria  con- 
tra os  davanditos  poderosos. 

Cod.  Alf.,  liv.  II,  lit.  1»,  art.  23. 

VINER,-- -vir,  tornar.  Do  latim  venire,  vir. 

tE  as  partessobrediíasnunca  seerem  iheu- 
das  de  viner  a  outra  demanda,  per  neuma 
destas  razoens.» 

Doe.  d'Aguiar  da  Beira,  de  1289. 

VINGAR  QUINHENTOS  SOLDOS,  —  locu- 
ção usada  entre  nós  no  século  xm. 

Dizem  uns  que  só  os  fidalgos  de  linhagem 
podiam  requerer  a  satisfação  d*alguma  in- 
juria, sendo  condemnado  o  aggressor  em 
500  soldos,  não  podendo  os  outros  fidalgos 
requerer  mais  do  que  300  soldos  em  peoae 
satisfação  da  injuria; — outros  dizem  que  esta 
locução  principiou  a  usar-se  depois  que  os 
fidalgos,  vassallos  d'el-rei  D.  Bermudo,  se  li- 
bertaram do  tributo  que  pagavam  aos  mou- 
ros por  conta  das  cincoenta  donzellas  nobres, 
--tributo  imposto  pelos  mouros  aos  chris- 
tãos  em  seguida  á  derrota  d'estes  na  bata- 
lha de  Clavijo,  o  que  hoje  nao  passa  de  uma 
lenda  pueril, 

A  opinião  mais  corrente  é  que  a  dieta  lo- 
cução— fidalgo  que  vingue  500  soldos— çvo- 
veiu  do  acostamento  que  os  taes  fidalgos  re- 
cebiam annualmente  do  rei;  mas  uâo  nos 


satisfaz  esta  opmião,  porque  no  Fuero  Juzgo, 
liv.'VIII,  tit.  4.  1.  16,  fallando-se  da  compo- 
sição que  deve  dar  o  dono  do  animal  que 
por  incúria  sua  matou  algum  homem,  se  diz: 
Si  matar  orne  ondrado,  peche  el  Senor  por 
omecio  quinientos  soldos,  e  por  orne  libre  pe- 
che 800  soldos. 

E  no  Cod.  Wisig.  1.  VI,  tit.  5."  1.  14,  se  diz 
que,  morrendo  o  auctor  de  uma  causa  cri- 
me, a  quem  o  Juiz  não  desse  audiência,  pa- 
gue o  mesmo  juiz  à  parte  metade  do  homi- 
cídio, ou  250  soldos. 

Isto  nos  leva  a  crer  que  o  fidalgo  que  vin- 
gava 500  soldos  era  aquelle,  cuja  morte  se 
pagava  com  500  soldos, — não  menos. 

Em  Portugal  tivemos  também  outr'ora 
cavalleiros  que  vingavam  1:000  soldos,  mas 
estes  eram  os  da  primeira  nobreza. 

VINHA,— terreno  plantado  de  vides. 

Também  oulr'ora  se  denominou  t  ma  e  via. 
E  vos  emplazamos  a  dita  terra,  para  que 
nella  ponhaes  via. 

Em  alguns  documentos  antigos  toraa-se  a 
vinha  pelas  videiras  que  a  constituem.  N'el- 
les  se  diz,  por  exemplo:— «dows,  ou  tres,  ou 
mais  milheiros  de  vinha* — i.  é — de  cepas. 

Que  tinha  IV  milheiros  de  vinha  em  uma 
parte,  e  M  e  D  (1500)  cepas  em  outra. 

No  Atto-Douro  ainda  hoje  se  avalia  a  im- 
portância e  extensão  das  quintas  pelos  mi- 
lheiros das  vides  que  teem  plantados.  Assim 
costuma  ali  dizer-se: — é  uma  quinta  de  tan- 
tos milheiros; — ainda  tem  terreno  para  tan- 
tos milheiros;— plantei  tantos  milheiros;— 
a  plantação  custou  tanto  por  milheiro,  etc. 

Note-se  lambem  que  no  Alto-Douro,  na 
zona  do  vinho  fino,  em  tempo  normal  e  nas 
quintas  mais  bem  grangeadas,  o  milheiro  de 
vides  costumava  produzir  uma  pipa  de  vi- 
nho, mas  por  vezes  nas  quintas  de  vides  ve- 
lhas, mal  grangeadas  e  de  terreno  magro  e 
ardente,  que  eram  as  que  produziam  o  vinho 
mais  generoso,  eram  necessários  3  a  6  e  mais 
milheiros  de  cepas  para  darem  uma  pipa  de 
vinho.  Em  compensação  o  vinho  era  um  né- 
ctar !  Ganhava  em  qualidade  o  que  pardia 
em  quantidade. 

Ha  também  por  excepção  no  Douro  terre- 
no, onde  um  milheiro  de  vides  produz  3  a  5 


1488  VIN 


VIN 


pipas  de  vinho,  mas  esse  vinho  é  sempre  in- 
ferior. 

Perde  em  qualidade  o  que  ganha  em  quan- 
tidade. 

O  mesmo  suceede  no  Minho,  Beira,  Ana- 
dia e  Estremadura,  nomeadamente  no  con- 
celho da  Lourinhã,  onde  a  producção  é  es- 
pantosa, mas  o  vinho  muito  ordinário  e  sem- 
pre muito  mais  barato  do  que  na  parte  res- 
tante d'aquella  província. 

V.  Villariça,  Villarinko  de  Coitas,  Villa- 
rinho  dos  Freires,  Villarinko  de  S.  Romão, 
6  Vimieiro  da  Lourinhã. 

VINHA  DA  RAINHA,~freguezia  do  con- 
celho e  comarca  de  Soure,  distrieto  e  dio- 
cese de  Coimbra,  na  província  do  Douro I... 

Priorado.  Fogos  430,  —  habitantes  1:850. 

Orago.  Nossa  Senhora  da  Graça. 

Em  1708  era  priorado  da  provinda  da 
Beira,  provedoria  e  bispado  de  Coimbra,  co- 
marca (corregedoria)  e  concelho  de  Monte- 
mor-o-Vi^lhoj — e  contava  apenas  60  fogos. 

Nada,  absolutamente  nada  mais  diz  doesta 
parochia  a  Chrographia  Portugueza. 

Em  1768  era  priorado  da  apresentação  da 
mitra;--rendia  315^000  réis,--mais  420í^000 
réis  em  fructos  certos  e  80^000  réis  em  fru- 
ctos  incertos,— total  815;í>000  réis?l... — e 
contava  271  fugos. 

Até  á  exiincção  dos  dízimos,  ou  até  1834, 
foi  um  dos  melhores  benefícios  do  bispado 
de  Coimbra:  não  se  espantem  porem  os  lei- 
tores, porque  antes  da  extincção  dos  dízi- 
mos tivemos  abbadias  de  10  a  20  contos  de 
renda  por  anno,  tal  era  a  de  S.  João  de  Lo- 
brigos,  no  concelho  de  Santa  Manha  de  Pe- 
naguião, distrieto  de  Villa  Real.  E  como  se 
fossem  pouco  os  10  a  20  contos  por  anno, 
ainda  aquelles  felizes  abbades  receberam 
também  algum  tempo  uma  peça  de  8^000 
réis  por  dia  a  titulo  de  inspectores  das  es- 
tradas do  Douro  ?  I . . . 

Só  do  dizimo  do  vinho  receberam  alguns 
annos  800  pipas,  sem  outra  despeza,  alem 
da  condueção  para  os  seus  vastos  arma- 
zéns. 

V.  Lohrigos,  n'este  diceionario  e  no  sup- 
plemento. 

O  censo  de  1864  deu  a  esta  parochia  de 
Vinha  da  Rainha  388  fogos  e  1:696  habitan- 


tes,—e  o  de  1878  deu-lhe  410  fogos  e  1:708 
habitantes. 

A  povoação  de  Vinha  da  Rainha,  séde 
d'esta  parochia,  está  situada  a  meia  encos- 
ta do  monte  denominado  ^Barril,  na  mar- 
gem direita  do  rio  do  Pranto,  do  qual  dista 
2  kilometros  para  E.; — 12  da  estação  de 
Soure,  hoje  a  mais  próxima,  na  linha  férrea 
do  Norte,  para  O.; — 15  da  beira  mar  para 
E.,— 18  da  cidade  da  Figueira  para  S.  E.; 
— 44  de  Coimbra  pela  linha  férrea  do  norte; 
—163  do  Porto— e  198  de  Lisboa. 

Este  itinerário  deve  soffrer  grande  modi- 
ficação logo  que  se  abra  ao  transito  a  linha 
férrea  em  construeção  de  Lisboa  à  Figueira 
por  Leiria  e  Torres  Vedras,  pois  deve  pas- 
sar a  pequena  distancia  d'esta  freguezia. 

V.  Villa  Verde,  vol.  XI,  pag.  1:093,  col. 
2.»  in  fine. 

Alem  da  povoação  de  Vinha  da  Rainha, 
comprehende  esta  parochia  as  seguintes: — 
Barroco,  Barreiras,  Casal  dos  Bacellos,  Ca- 
sal d^Almeida,  Porto  Godinho,  Carrascal, 
Formigai,  Ervilhas,  Feixe,  Mira-Olho,  Cabe- 
ça Carvalha,  Pedrogam,  Salgueirinhas,  Sa- 
ca-Bolos,  Val  de  Pedras  e  Queitide. 

Algumas  d'estas  povoações  são  casaes  com 
poucos  fogos; — as  mais  importantes  são  Pe- 
drogam e  Quietide. 

Freguezias  limitrophes: — Samuel  e  Ges- 
teira a  N.  E.,  concelho  de  Soure; — Paião  a 
O.,  concelho  da  Figueira; — Louriçal  e  Al- 
magreira  a  S.,  concelho  de  Pombal. 

ProducçÕes  dominantes:  — vinho,  milho, 
trigo,  azeite,  favas,  arroz,  batatas  e  fructa. 

Também  é  mimosa  de  caça  miúda,  de  pei- 
xe do  rio  e  do  mar— e  de  sezões,  nas  mar- 
gens do  rio  do  Pranto. 

Templos 

1.°— A  egreja  matriz,  na  aldeia  da  Vinha 
da  Rainha. 

É  elegante  e  vistosa,  mas  de  uma  só  nave 
e  de  moderna  construeção,  com  altar-mór, 
dois  lateraes  e  decorações  muito  singelas. 

Capella  da  Senhora  do  Pranto,  na  al- 
deia de  Pedrogam. 


VIN 

Tem  grande  romaria  na  1/  oitava  do  Es- 
pirito Santo. 

3."— Capella  da  Senhora  da  Graça,  na  al- 
deia de  Queilide,  ambas  em  bom  estado. 

Esta  Capella  de  Nossa  Senhora  da  Graça 
outr'ora  foi  matriz.  É  publica  e  demora  em 
sitio  alto,  a  N.  e  junto  da  estrada  districtal, 
n.»  58. 

í.o— Capella  de  S.  João  Baptista,  na  al- 
deia do  Formigai. 

S.  Gonçalo,  no  palacete  de  Gonçalo 

Tello. 

Q»— Nossa  Senhora  do  Carmo,  na  grande 
quinta  de  Queilide. 

Estas  duas  ultimas  capellas  são  particula- 
res. 

A  de  Nossa  Senhora  do  Pranto  é  antiquís- 
sima. Jà  em  1712  o  auctor  do  Sanctuario 
Marianno  (tomo  4.»,  pag.  654  e  segg.)  não 
pôde  averiguar  a  data  da  sua  fundação,  mas 
conta  maravilhas  pasmosas,  operadas  pela 
imagem  da  Virgem. 

Teve  também  festa  e  romagem  a  18  de  de- 
zembro, dia  da  Expectação. 

A  Capella  actual  foi  construída  ha  poucos 
annos. 

Banham  esta  freguezia  o  rio  do  Pranto 
(o  nome  é  sympaihíco,  mas  lúgubre)— e  vá- 
rios ribeiros  e  regatos  anonymos,  confluen- 
tes do  rio  do  Pranto,  que  nasce  em  um 
monte,  cerca  de  4  kiloraetros  a  O.  de  Ver- 
moil,  concelho  de  Pombal;— caminha  de  S. 
S.  E.  a  N.  N.  O.  em  direcção  ao  Mondego,  no 
qual  morre,  depois  de  descrever  uma  gran- 
de curva  para  S.  ao  abeirar-se  d'elle. 

Tem  de  curso  total  cerca  de  48  kilorae- 
tros, pouco  declive  e  margens  muito  planas, 
pelo  que  no  inverno  e  mesmo  na  primavera 
alaga  e  arrasa  grande  extensão  da  campina, 
formando  muitos  pântanos,  causando  gran- 
des prejuisos  e  tornando  as  suas  margens 
muito  insalubres,  principalmente  depois  que 
a  sacra  fames  auri  as  converteu  em  arro- 
saes,  verdadeiros  focos  de  peste  1 . . 


1  Este  rio  abunda  em  tainhas,  barbos  e 
enguias — e  tem  3  pontes: — duas  de  madeira 
,  e  uma  de  pedra,  denominada  ponte  do  So- 


VIN  1489 

V.  Vil  de  Mattos. 

Por  serem  muito  doentias  as  suas  mar- 
gens no  verão  e  por  causar  tantas  doenças, 
tantas  febres  e  tantas  mortes  lhe  deram  o 
bem  merecido  nome  de  rio  do  Pranto. 

Note-se  que  em  algumas  das  povoações 
margínaes  todos  os  seus  habitantes— ho- 
mens, mulheres  e  creanças— tremem  sezões 
de  mau  caracter  no  verão— e  o  mesmo  suc- 
cede  em  outras  muitas  povoações  do  campo 
de  Coimbra,  nas  visinhanças  do  Mondego  e 
dos  seus  numerosos  afíluent-^s,- e  nos  cam- 
pos de  Leiria,  nas  visinhanças  do  Liz,  por 
serem  muito  pantanosos  e  ardentíssimos  no 
verão 

As  margens  do  Liz,  a  jusante  de  Leiria,  e 
as  do  Mondego,  a  juzante  de  Coimbra,  são 
muito  ferieis,  mas  muito  insalubres  1  Deviam 
estar  todas  povoadas  de  eucalyptos,  attenta 
a  miraculosa  propriedade  d'estas  lindíssi- 
mas arvores  para  afugentarem  as  sezões  e 
outras  febres;  mas  aíé/io/e  infelizmente  mal 
se  lobriga  n'aquelles  vastos  pântanos  um  eu- 
calypto.  O  que  se  vê  é  um  enorme  estendal 
d'arrosaes,— ttm  fóco  de  peste  unido  a  outro 
fóco?\... 

Chamamos  a  attenção  do  governo  para  tão 
momentoso  assumpto, 

Salus  populi  suprema  lex  est. 

Terminaremos  dizendo  que  o  rio  do  Pran- 
to se  denomina  também  Louriçal,  porque  ba- 
nha a  freguezia  d'este  nome,  cerca  de  8  ki- 
lometros  ao  sul  ou  a  montante  de  Vinha  da 
Rainha,  e  no  inverno  é  navegável  desde  a 
Figueira  até  o  Louriçal. 

Também  se  denomina  rio  de  Carnide,  por- 
que nasce  junto  da  aldeia  d'este  nome,  na 
freguezia  de  Vermoil,  concelho  de  Pombal. 

Esta  paroehia  de  Vinha  da  Rainha,  per- 
tenceu, como  jà  dissemos,  ao  concelho  e  co- 
marca de  Montemor- o  Velho;  depois  passou 
para  o  concelho  de  Abrunheira,  comarca  de 
Soure,  desde  1836  até  1844,  data  em  que  o 
concelho  de  Abrunheira  mudou  a  séde  da 


bral,  entre  esta  freguezia  e  a  do  Paião.  Ê 
antiquíssima  e  por  ella  segue  a  estrada  dis- 
I  irictal  n.»  58  A. 


1490  VIN 


VIN 


povoação  d'este  nome  para  a  de  Verride  e 
se  ficou  denominando  concelho  de  Verride; 
— finalmente,  exlineto  o  concelho  de  Verri- 
de, por  decreto  de  31  de  dezembro  de  1853f 
passou  esta  freguezia  para  o  concelho  e  co- 
marca de  Soure. 

V.  Abrunheira  e  Vf-rride. 

A  povoação  de  Abrunheira,  que  foi  mui- 
tos annos  séde  de  concelho,  era  e  é  hoje 
ainda  uma  simples  aldeia  da  freguezia  de 
Revélles,  concelho  de  Montemor-o-Velho. 

Passa  n'esta  parochia  de  Vinha  da  Rai- 
nha a  estrada  districtal  a  macadam  n.°  58— 
de  Condeixa  pela  villa  de  Soure  ao  Louri- 
çal—e d'esta  parochia  de  Vinha  da  Rainha 
segue  um  ramal,  n.°  58— A— a  entroncar 
junto  de  Paião  na  estrada  real  a  macadam 
n."  58,  da  Figueira  a  Leiria. 

Tem  uma  escola  oflicial  d'ÍQStrucção  pri- 
maria para  o  sexo  feminino. 

Aguas  sulphureas 

Ha  no  termo  d'esta  parochia  dois  peque- 
nos montes,  denominados  Monte  Barril,  e 
Monte  Bicanho,  em  cujas  faldas  brotam 
aguas  thermaes,  de  que  alguns  doentes  fa- 
zem uso  com  proveito.  Já  tiveram  casa  de 
banhos,  mas  hoje  estão  em  completo  aban- 
dono. 

Nos  principies  do  ultimo  século  rebenta- 
vam a  N.  do  monte  Bicanho,  no  sitio  deno- 
minado Banhos  Velhos,  mas,  pelos  annos  de 
i711  a  171 6  rebentaram  no  sitio  onde  hoje 
brotam,  no  monie  Barril,  a  pequena  dis- 
tancia da  Capella  da  Senhora  do  Pranto,  da 
qual  tomaram  o  nome. 

Em  176i  se  construíram  ali  algumas  ca- 
sas de  banhos,  mas,  passados  annos,  cahi- 
ram  em  ruinas. 

Ainda  brotam  nas  faldas  do  monte  Bica- 
nho e  ali  alguns  doentes  vão  banhar-se  den- 
tro de  barracas  feitas  de  ramos  d'arvores, 
mas  são  muito  mais  copiosas  e  eguaimente 
medicinaes  as  do  monte  Barril  ou  da  Se- 
nhora do  Pranto.  Só  uma  das  nascentes  ex- 
cede a  quantidade  de  duas  telhas, — diz  José 
Avelino  d'Almeida. 

O  c,;:"  ^-^  t^das  as  nascentes,  mesmo  ao 
íir         r  ii::  >  ;t  :;j  r  í^.— ou  25  a  27  R. 


A  agua  é  transparente  e  clara  com  pouco 
cheiro  sulphureo,  sabor  desagradável  e  al- 
gum tanto  enjoativo.  Colhida  em  um  frasco 
forma  bolhas  aéreas,  o  que  prova  ser  leve- 
mente mineralisada  pelo  gaz  hydrogenio — 
sulphurado  e  carbonato  calcareo,  ou  de 
soda. 

Isto  mesmo  aecusam  os  reagentes, — diz 
Almeida. 

As  aguas  thermaes  que  brotam  no  termo 
e  ao  norte  d'esta  freguezia  são  denominadas 
Banhos  do  Pranto; — distam  cerca  de  um  ki- 
loraetro  da  povoação  de  Vinha  da  Rainha; 
— são  sulphureas — quentes  e  muito  concor- 
ridas, pelas  suas  propriedades  medicinaes, 
mas  estão  ainda  em  grande  abandono  e  mal 
aproveitadas. 

Brotam  nas  faldas  do  monte  Barril,  junto 
da  povoação  da  Azenha,  da  freguezia  de 
Samuel,  e  pertencem  ao  sr.  José  de  Ornellas 
da  Fonseca  e  Nápoles,  da  cidade  da  Figuei- 
ra;— mas  a  pequena  distancia,  nas  faldas  do 
monte  Bicanho  e  no  sitio  do  Olho  de  Sam- 
paio ou  da  Amieira,  já  no  termo  da  fregue- 
zia de  Samuel,  d'este  mesmo  concelho  de 
Soure,  rebentam  aguas  congéneres,  tam- 
bém muito  medicinaes,  hoje  pertencentes  a 
uma  companhia  que  tem  a  séde  em  Lis- 
boa e  que  ali  ha  poucos  annos  montou  um 
esplendido  estabelecimento  thermal,  hoje 
bem  conhecido  pelo  nome  de  Caldas  da 
Amieira,  com  todos  os  commodos  para  os 
banhistas. 

Tem  um  luxuoso  hotel,  gabinete  de  leitu- 
ra, salão  de  baile,  jardins,  bilhar,  jogos  de 
sala,  banheiras  de  mármore,*  etc, — e  du- 
rante o  tempo  de  banhos  carreiras  diárias 
de  char-à-bancs  para  a  estação  de  Soure,  na 
linha  férrea  do  norte,  alem  da  via  fluvial  do 
no  do  Pranto,  que  mesmo  na  estiagem  ó  na- 
vegável desde  Queitide  até  à  Figueira  e  apro- 
veitado por  muitos  banhistas  d'aquella  ci- 
dade e  das  suas  immediações. 

São  portanto  já  hoje  muito  aceessiveis  as 
Caldas  da  Amieira  e  mais  aceessiveis  fica- 
rão logo  que  se  abram  ao  tranzito  a  linha 
férrea  de  Lisboa  á  Figueira  por  Torres  Ve- 
dras e  Leiria — e  o  ramal  que  deve  prender 
a  mencionada  linha  com  a  do  norte  em  Al- 


VIN 


VIN  1491 


farellos,  passando  a  muito  pequena  distan- 
cia das  dietas  Caldas. 

Quinta  de  Queitide 

Ha  n'esta  parochia  uma  quinta  muito  im- 
portante, denomíQada  quinta  do  Carregal  ou 
de  Queitide,  porque  demora  junto  da  povoa- 
ção d'esie  nome. 

Pertence  ao  acreditado  negociante,  pro- 
prietário e  capitalista  da  cidade  da  Figueira, 
— Joaquim  Antonio  Simões,  hoje  um  dos  ho- 
mens mais  ricos  do  di3iricto  de  Coimbra,  ^ 
que  a  herdou  de  seu  irmão  João  Antonio  Si- 
mões, 6  foi  comprada  por  este  em  hasta  pu- 
blica ao  governo,  tendo  sido  do  seminário 
episcopal  de  Coimbra— -e  anteriormente  da 
Compaahia  de  Jesus. 

Só  de  arroz  tem  produzido  alguns  annos 
a  bagaiella  de  250  moios  ou  15:000  alquei- 
res! . 

O  arroz  é  a  sua  produeção  principal,  mas 
também  produz  algum  milho  e  azeite  e  bas- 
tante vinho,— cerca  de  150  pipas  por  anno. 

Tem,  como  já  dissemos,  uma  linda  ca- 
pella,-~boas  casas  d'habitâção,  armazéns, 
celeiros  e  outras  offlcinas,— e  pôde  compu- 
tar-se  o  seu  valor  total  em  50  a  60  contos 
de  réis. 

É  uma  das  melhores  propriedades  do  dis- 
tricto  de  Coimbra. 

Ha  também  n'esta  parochia  outra  quinta, 
denominada  de  S.  Domingos,  pertencente  a 
Gonçalo  Tello  de  Magalhães  CoUaço,  cava- 
lheiro respeitabilissimo,  dono  da  nobre  Casa 
de  S.  Gonçalo,  a  uoica  brasonada  que  hoje 
se  vê  n'esta  parochia.  É  fidalgo  d'anliga  li- 
nhagem e  representante  de  muitas  famílias 
da  nossa  primeira  nobreza. 

Esta  freguezia  tem  estação  telegrapbo- 
postal  e  confina  ao  poente  com  o  concelho 
da  Figueira,  servindo  de  linha  divisória  o 
celebre  rio  do  Pranto. 

VINHAES,— aldeia  da  freguezia  de  Adau- 
fe,  concelho,  comarca  districto  e  diocese  de 
Braga. 


1  V.  Figueira,  cidade,  no  supplemento  a 
este  diceionario. 


Temos  no  nosso  paiz  mais  5  aldeias,  2  ca- 
saes  6  1  quinta  com  o  mesmo  nome  de  Vi- 
nhaes.  Não  as  mencionamos  para  não  abu- 
sarmos da  paciência  dos  leitores. 

VINHAES,-— Villa,  freguezia  e  séde  de  con- 
celho e  de  comarca,  disiricto  e  diocese  de 
Bragança,  província  de  Traz-os-Montes. 

Abbadia.  Orago  Nossa  Senhora  da  Assum- 
pção;—fogos  430, — habitantes  1:900. 

Em  1706  esta  villa  era  abbadia  da  corôa 
e  sède  do  concelho  do  seu  nome  na  comar- 
ca (provedoria  e  corregedoria)  de  Miranda; 
—rendia  para.o  abbade  SOOiíiOOO  reis;— cou- 
tava 150  fogos  intra  muros,  ou  na  villa  e  no 
seu  curato  annexo  extra-muros,  ou  no  ar- 
rabalde, com  o  titulo  de  S.  Fagundo,  que 
era  da  apresentação  do  abbade  da  villa  e 
hoje  se  acha  incorporado  n'ella. 

Em  1768  comprehendia  as  mesmas  duas 
paroehias:— Nossa  Senhora  da  Assumpção 
intra-muros,  abbadia  do  padroado  real  com 
os  mesmos  150  fogos  e  500)^000  réis  de  ren- 
dimento,—e  S.  Fagundo  extra-muros,  cu- 
rato da  apresentação  do  abbade,  com  36  fo- 
gos e  50ií!000  réis  de  rendimento;  mas  o 
Port.  S.  e  Profano  diz  que  S.  Facundo  era 
abbadia  do  padroado  real  com  150  fogos  e 
500i2000  réis  de  rendimento,— e  Nossa  Se- 
nhora da  Assumpção,  curato  da  apresenta- 
ção do  abbade  de  S.  Facundo,  com  36  fogos 
e  50^000  réis  de  rendimento  ? ! . . . 
Na  minha  opinião  foi  lapso. 
O  Flaviense  em  1852  deu  a  esta  villa  284 
fogos;— o  censo  de  1864  deu-lhe  405  fogos  e 
1:972  habitantes,— e  o  de  1878  deu  lhe  426 
fogos  e  1:960  habitantes— ou  mais  21  fogos 
e  menos  12  habitantes  do  que  o  censo  de 
1864. 

Estão  assim  as  nossas  esta- 
tísticas 1  Veremos  se  o  censo 
decretado  para  31  de  dezem- 
bro do  corrente  anno  de  1887 
fica  um  pouco  melhor. 

Esta  villa  demora  em  sitio  plano,  muito 
saudável,  mas  pouco  vistoso,  entre  outeiros, 
a  S.  do  alto  cabeço  de  Ciradella  ou  CidadeU 
la,  Ciradelha  ou  Cidadelhe,  na  margem  es- 
querda do  ribeiro  das  Jrutas,  confluente  do 
I  rio  Tuella,  e  na  margem  direita  do  rio  d'este 


1492  VIN 


VIN 


Dome,  do  qual  dista  3  kilometros  em  iioba 
recta— e  10  pela  estrada  real  n.°  37,  para 
O.  N.  O.; — 20  da  freguezia  de  Moimenta,  na 
raia,  para  S.;— 32  de  Bragança  para  O.;  98 
de  Mirandella  por  Bragança,  trajecto  hoje  o 
mais  seguido  por  ser  todo  feito  em  diligen- 
cias;—1S3  da  estação  do  Tua  na  linha  fér- 
rea do  Douro,  pela  linha  de  Mirandella,  pres- 
tes a  abrir- se  à  circulação;— 292  do  Porto 
pela  estação  do  Tua— e  630  de  Lisboa. 

Atravessa  a  villa  de  Vinhaes  a  estrada 
real  a  macadam  n.°  37  de  Chaves  a  Bragan- 
ça, já  concluída  e  servida  por  diligencias 
entre  Vinhaes  e  Bragança,  achando-se  po- 
rem ainda  muito  atrasada  a  sua  consirucçào 
entre  Chaves  e  Vinhaes. 

Parte  também  d'esta  villa  para  a  fron- 
teira uma  estrada  municipal  em  construe- 
çào. 

Freguezias  liraitrophes:— Travanca  a  N.; 
Villa  Verde  a  E.;— Sobreiro  e  Alvaredo  a 
O.;— o  Tuella  a  S.  O.;— Nunes  e  Villar  de 
Peregrinos  a  S,,  além  do  Tuella. 

Produeções  dominantes  d'esta  villa  e  d'es- 
te  concelho:— vinho,  trigo,  centeio,  azeite, 
batatas,  castanhas,  hervagens  e  fructa  varia- 
díssima de  óptima  qualidade,  exceptuando 
laranjas  e  amêndoas. 

Também  criam  muito  gado  lanígero,  muar 
e  vaecum  da  raça  mirandesa;— teem  muita 
caça  grossa  e  miúda  nos  seus  montes  e  muito 
peixe  nos  seus  rios,  nomeadamente  trutas, 
algumas  de  12  arráteis,  no  rio  Tuella  e  no 
Ribeiro  das  Trutas,  pois  banham  esta  fre- 
guezia e  outras  d'este  concelho  o  rio  Tuel- 
la que  vem  da  Hespanha^  e  fórma  a  nas- 
cente principal  do  Tua,  confluente  do  Dou- 
ro; —  o  ribeiro  de  Riaçós,—e  o  das  Trutas 
confluente  do  rio  Rabaçal  que  desagua  no 
Tuella,  e  os  dois,  depois  de  unidos,  formam 
o  Tua. 

Desde  tempos  muito  remotos  a  producçào 
principal  d'esia  freguezia  e  d'este  concelho 
era  o  vinho,  como  está  dizendo  o  seu  nome 


1  Nasce  junto  do  logar  dos  Chãos,  na  ser- 
ra de  Senabria. 
V.  Tuella, 


Vinhaes, — terra  de  vinhas  ou  de  vinhedos. 
Pela  mesma  rasão  outras  terras  se  denomi- 
naram e  conservam  ainda  os  nomes  de  Vi- 
nha, Vinhas,— Vinhal  e  Vinhaes,  Vidago  e 
Avidagos,  ete. 

O  vinho  d'este  concelho  era  de  pasto  ou 
de  mesa,  mas  de  boa  qualidade,  pelo  que 
tinha  venda  remuneradora,  o  que  tornava 
este  concelho  ura  dos  mais  ricos  d'este  dis- 
tricio;  mas  infelizmente  a.maldicta  phyllo- 
xera  destroçou  nos  últimos  annos  a  maior 
parte  dos  seus  vinhaes  e  o  reduziu  á  penú- 
ria, como  a  todos  os  d'e8ta  província,  cuja 
produeção  principal  era  o  vinho. 

V.  Villa  Real  de  Traz-os-Montes,  \ol.  XI, 
pag.  1:012  a  lM6,~Villarinho  de  Coitas^ 
—  Villarinho  dos  Freires— e  Villar inho  de  S. 
Romão. 

«Só  a  freguezia  de  Vinhaes  (diz  o  meu  íl-  " 
lustrado  informador,  filho  d'ella)  perdeu 
mais  de  sessenta  contos  de  reis  por  anno  com 
a  extincção  dos  seus  vinhedos,  A  exporta- 
ção de  vinho  para  a  Gallisa  era  considerá- 
vel—e  a  distillação  para  a  Regoa  e  Porto  era 
considerabilissima,  pois  só  na  freguezia  de 
Vinhaes  havia  quatro  machinas  em  serviço 
permanente 

«N'este  concelho  não  havia  pobres.  Todos 
tinham  jornal  certo  no  fabrico  das  vinhas  e 
do  vinho; — homens,  mulheres  e  creanças — 
todos  ganhavam  dinheiro  e  viviam,— em- 
quanto  que  hoje  todos  luctam  com  serias 
difiBculdades.  Os  que  eram  ricos  são  apenas 
remediados;— os  que  eram  remediados  são 
pobres— e  os  que  eram  proletários  são  men- 
digos I. .  .  * 

Este  concelho  ainda  produz  muitas  casta- 
nhas e  tem  alguns  castanheiros  com  troncos 
admiráveis,  que  chegam  a  medir  12  metros 
de  circumferencia,  mas  já  não  colhe  talvez 
metade  das  castanhas  que  outr'ora  colheu, 
— 1."  porque  foram  arrancados  muitos  sou- 
tos para  a  plantação  dos  vinhedos;— 2."  por- 
que ha  muito  se  não  fazem  novas  plantações 
de  castanheiros,  tanto  n'esta  como  nas  ou- 
tras nossas  províncias;— 3.»  porque  em  todo 
o  nosso  paiz  os  castanheiros  e  todas  as  ou- 
tras arijom— pereiras,  figueiras,  cerdeiras, 
larangeiras,  ete,,— se  acham  muido  doentes. 


VIN 


VIN  1493 


o  concelho 

Comprehende  este  concelho  as  fregaezias 
seguintes:— Agrochão,  Alvaredos,  Cabeça  da 
Igreja,  Candedo,  Cellas,  Curopos,  Edral, 
Edrosa,  Ervedosa,  Fresulfe,  Gestosa^,  Mo- 
freita,  Moimenta,  Montoulo,  Nunes,  Ousilhão, 
Paco,  Penhas  Juntas,  Pinheiro  Novo,  Quiraz, 
Rebordello,  Santa  Cruz  2  Santalha,  S.  Jomil, 
Sobreiro  de  Baixo,  Soeira,  Travanca,  Tui- 
zello,  Val  das  Fontes,  Valle  de  Janeiro,  Villa 
Boa  d'Ou8Ílhão  ^  Villa  Verde,  Villar  da 
Lomba,  Villar  d'Ossos,  Villar  de  Peregrinos, 
Villar  Secco  da  Lomba  e  Vinhaes. 

Total: 

Freguezias   37 

Fogos,  pelo  ultimo  recenseamento.  4:543 
Habitantes,  pelo  ultimo  recensea- 
mento  20:724 

Prédios  inscriptos  na  matriz  . .  41:820 

Superfície  em  hectares   72:307 

Em  1706  comprehendia  as  parochias  se- 
guintes:— Vinhaes  (Nossa  Senhora  da  As- 
sumpção, matriz)  Vinhaes  (S.  Facundo,  an- 
nexa  á  matriz) — Moás  (Santo  Ildefonso)  hoje 
também  simples  aldeia  annexa  à  matriz,— 
Sobreiro  de  Baixo,  Alvaredos,  Candedo,  Es- 
pinhoso, (Santo  Estevam)  hoje  simples  al- 
deia annexa  á  de  Candedo, — Val  Paço  (S. 
Pedro)— Curopos,  Val  de  Janeiro,  Rebordel- 
lo, Val  das  Fontes,  Nozédo  sob  Castello  ou 
Nozêdo  de  Baixo  (Nossa  Senhora  da  Espe- 
ctação)  hoje  simples  aldeia  da  freguezia  de 
Val  das  Fontes*— Rio  de  Fornos  (Nossa Se- 
nhora da  Espeetação)  hoje  simples  aldeia  da 
matriz  de  Vinhaes,  ^ — Lagarelhos,  hoje  sim- 
ples aldeia  da  freguezia  de  Villar  d'0s80s, 


1  Annexada  civilmente  á  de  Villar  Secco 
da  Lomba. 

2  Annexada  civilmente  á  de  Paçó. 

3  Annexada  civilmente  á  de  Ousilhão. 

4  Assim  se  lê  na  Chor.  Moderna,  mas  o 
meu  antecessor  disse  que  está  annexa  á  de 
Rebordello.  Julgo  ser  lapso. 

"  O  meu  benemérito  antecessor  disse  que 
estava  annexa  á  de  Valle  de  Janeiro.  Foi 
lapso. 


—Travanca,  Villar  d'Ossos,  Tuizêllo,  Cabeça 
da  Igreja,  Nozêdo  Trespassante  ou  Nozédo 
de  Cima,  orago  Nossa  Senhora  da  Esperan- 
ça, 1— Santalha,  Pinheiro  Novo,  Pinheiro  Ve- 
lho (S.  Thiago)  hoje  simples  aldeia  da  fre- 
guezia antecedente,— S.  Pedro  de  Quadra, 
hoje  simples  aldeia  da  freguezia  de  Tuizêl- 
lo, 2— e  Casares,  hoje  simples  aldeia  da  fre- 
guezia de  Montoulo.  V.  Casares. 

Em  1706  comprehendia,  pois,  este  conce- 
lho 25  freguezias,  que  hoje  se  acham  redu- 
zidas a  14,  mas  em  compensação  recebeu 
outras  já  indicadas. 

Em  1796  comprehendia  as  mesmas  25  fre- 
guezias, com  1:422  fogos,  2:787  homens  e 
3:086  mulheres,— total  5:873  habitantes,  23 
frades,  69  presbyteros  seculares,  31  freiras, 
9  senhoras  recolhidas,  5  pessoas  litterarias 
(?)  184  sem  oecupação,  12  negociantes,  3 
boticários,  3  barbeiros,  5  cirurgiões,  394  la- 
vradores, 373  jornaleiros,  4  fabricantes  de 
lã,  34  fabricantes  de  seda,  ^  38  alfaiates,  29 
sapateiros,  33  carpinteiros,  14  pedreiros,  13 
ferreiros,  6  ferradores,  2  moleiros,  60  pas- 
tores, 85  criados  e  116  erradas. 

Não  tinha  um  único  almocreve,  nem  um 
loueeiro,  nem  um  fabricante  de  couraraa, 
nem  um  cardador,  segundo  se  lê  na  Des- 
cripção  da  Província  de  Traz-os- Montes  pe- 
lo dr.  Columbano  Pinto  Ribeiro  de  Castro, 
corregedor  de  Moncorvo  e  juiz  demarcan- 
te  da  dieta  província  *. 

Do  exposto  se  vê  que  a  industria  da  seda 
foi  muito  importante  em  Vinhaes  e  Chacim 
e  muito  mais  em  Bragança,  ernquanto  que 
hoje  se  acha  completamente  morta  em  toda 
a  província  de  Traz-os-Montes,  exceptuando 


1  Foi  reitoria  da  mitra  e  commenda  da  Or- 
dem de  Christo.  mas  hoje  é  uma  simples  al- 
deia da  freguezia  de  Tuizêllo. 

V.  Nozedo  (o  1.»)  tomo  6."  pag.  177,  co- 
lumna  2.* 

2  V.  Quadra  e  Tuizêllo. 

'  Em  Murça  n'aquelle  tempo  havia  tam- 
bém 8,— em  Chacim  54 — e  em  Bragança 
407 ?l.  .—Total  dos  fabricantes  de  seda  em 
toda  esta  provinda— 503. 

♦  Códice  n."  486  da  Bibliot.  Municip.  Port. 


1494  VIN 


VIN 


Freixo  de  Espada  á  Cinta,  onde  ha  boas  fa- 
bricas de  sêda  ainda  tioje, — 1887. 

WaqQelie  lempo  (1796)  não  havia  ali  uma 
única. 

No  2.»  quartel  d'este  século  ainda  n'esta 
província  se  apurou  muito  dinheiro  na  crea- 
ção  i)o  sirgo  para  França.  O  mesmo  suece- 
deu  na  província  da  Beira,  mas  poucos  an- 
nos  durou  essa  industria. 

Ainda  o  concelho 

No  anno  de  1885  pagou  as  contribuições 
seguintes : 


Predial   10:661ig399 

Industrial   1:020^016 

Renda  de  casas   380(^000 

Decima  de  juros   387^^900 

Sello  de  verba   247^694 

Movimento  da  sua  estação  íelegrapho-postal 
no  mesmo  anno 

Objectos  de  correspondência  re- 
cebida  35:000 

Sellos  vendidos   17:700 

na  importância  de  réis   429ig000 

Encommendas  expedidas   77 

»         recebidas  .....  111 
Correspondência  em  refugo — 

objectos   56 

Vales  telegraphicos   47 

na  importância  de  réis   211jí[000 

Vales  nominaes   712 

na  importância  de  réis   7:220^000 

Cobrança  de  recibos,  lettras  e 

obrigações  nacionaes   76 

na  importância  de  réis   126^000 

Taxas  cobradas,  réis    800 

»     não  cobradas   156 

na  importância  de  reis   21^000 

Telegrammas  transmittidos. . . 

nacionaes  offlciaes   129 

Particulares   987 

Internacionaes  particulares   22 

De  serviço   18 

Recebidos  offlciaes   528 

Particulares   892 

De  serviço   100 


Os  3  maiores  proprietários  doeste  conce- 
lho  hoje  são  os  seguintes  :  , 

1.  " — Manuel  de  Mello  Vaz  de  Sampaio,  da 
freguezia  da  Espinhosa,  concelho  de  S.  João 
da  Pesqueira,  hoje  residente  em  Villar  d' Os- 
SOS,  (Vide)  representante  dos  viscoodes  de 
Montalegre. 

2.  ° — José  Manuel  Ferreira,— áa,  povoação 
de  Salgueiros,  freguezia  de  Tuizéllo. 

3.  » — A  viuva  Campilho  e  filhos, — D,  Maria 
da  Gloria  de  Figueiredo  Sarmento  Campi- 
lho, de  Vinhaes,  viuva  de  Antonio  Annibal 
de  Moraes  Campilho. 

Os  3  maiores  proprietários  da  villa  são  : 

1.  "— Manuel  da  Costa  Pessoa,  represen- 
tante dos  nobres  condes  de  Vinhaes,  de 
quem  logo  fatiaremos. 

2.  °— A  mencionada  sr.»  viuva  Campilho  e 
filhos. 

3.  "— Leandro  Albino  Doutel. 

Convento  de  Santa  Clara 

Teve  esta  villa  dois  conventos:— um  de 
freiras  Claras, — outro  de  frades  de  S.  Fran- 
cisco, missionários  varatojanos,  ambos  ex- 
tinctos. 

O  primeiro  foi  fundado  pelo  dr  Antonio 
Alvares  Ferreira,  juiz  de  íóra  na  cidade  da 
Guarda  ^,  e  por  sua  mulher  D.  Elena  da  No- 
voa, natural  de  Vinhaes  (ella),  nas  próprias 
casas  em  que  viviam,  pelos  ânuos  de  1580  a 
1587,  como  prova  uma  escriplura  de  doação 
feita  por  elles  em  24  de  junho  de  1587,  na 
qual  se  diz— que  faziam  doação  do  uso  fru- 
cto  dos  bens  que  elles  doantes  herdaram  de 
Pedro  Ougueia  Dalvão  e  Guiomar  de  Castro 


1  Assim  se  lé  nos  apontamentos  do  meu 
illustrado  informador,  ma»  a  Historia  Sera- 
phica  diz  que  era  corregedor  de  Miranda. 
Talvez  que  de  um  dos  cargos  fosse  promo- 
vido ao  outro. 

Veja-se  a  Historia  Seraphica  de  Fr.  Fer- 
nando da  Soledade,  tomo  V  pag.  739  a  756, 
onde  se  encontra  com  relação  a  este  convento 
um  bello  artigo,  mas  tão  longo,  que  apenas 
faremos  d'elle  um  leve  extracto  para  poder- 
mos levar  as  noticias  d'este  convento  até  á 
sua  extincção. 

A  chronica  tem  a  data  de  1721. 


VIN 


VIN  1495 


— e  da  casa  e  egreja  que  fizeram  no  dicto 
mosteiro,  á  abbadessa  e  madres  do  convento 
de  Santa  Clara  que  se  fundou  n'esta  villa, 
etc. 

Do  exposto  se  vê  que  este  convento  já  es- 
tava fundado  em  1587 — e  sabe-se  também 
que  no  dia  30  d'agosto  d'aquelle  anno  o  bis- 
po de  Miranda,  D.  Jeronymo  de  Meneses, 
apresentou  n'elle  as  primeiras  3  freiras,  sen- 
do uma  Maria  de  S.  Boaventura,  a  quem  deu 
o  cargo  de  abbadessa— e  os  de  vigaria  e  tan- 
gedeira  às  outras  duas,  cujos  nomes  se  igno- 
ram, mas  a  ehronica  citada  diz  que  as  pri- 
meiras fundadoras  foram  as  madres  soror 
Anna  de  Belém,  do  convento  de  Villa  do 
Conde,  reformadora  do  convento  de  Santa 
Clara  do  Porto,  e  do  de  Santa  Iria,  de  Tho- 
mar, — e  duas  companheiras,  uma  do  con- 
vento de  Santarém,— outra  do  de  Figueiró. 

Formada  a  communidade  com  as  3  frei- 
ras nomeadas  pelo  bispo  de  Miranda  (diz  o 
meu  illustrado  informador)  e  com  outras 
que  professaram  depois,  pouco  prosperou 
este  convento  durante  largos  annos.  Em  1648 
achava-se  elle  em  ruinas  e  habitado  apenas 
por  duas  freiras  decrépitas  e  pobres:— Ca- 
tharina  da  Trindade  e  D.  Francisca,  das 
quaes  uma  viveu  105  annos  e  a  outra  pouco 
menos. 

Valeram-lhe  3  cavalheiros  d'e3ta  villa: — 
Jeronymo  de  Moraes  Valeacer,  abbade  de 
Cellasjreguezia  d'este  concelho, — Francisco 
Dourado  e  Antonio  Colmieiro,  os  quaes  o 
restauraram  e  ampliaram,  indo  depois  para 
elle  de  Bragança  3  novas  restauradoras: — 
Maria  da  Encarnação,  abbadessa,  Maria  dos 
Sera/íns,  vigaria,  e  Maria  de  S.  Miguel,  por- 
teira, e  com  tanto  zelo  se  houveram  que  em 
pouco  tempo  a  communidade  attingiu  o  nu- 
mero de  30  freiras. 

Por  fallecimento  d'aquellas  3  religiosas  i, 
o  provincial  mandou  para  abbadessa  Catha- 
rina  da  Cruz,  freira  do  convento  de  Ama- 
rante e  freira  virtuosíssima,  a  qual  no  seu 


1  A  abbadessa  e  a  porteira  falleceram  em 
1659; — a  vigaria  falleceu  alguns  annos  an- 
tes. 


triennio  (1664  a  1667)  elevou  ao  máximo 
esplendor  o  convento,  augmentando  muito 
a  communidade,  dando-lhe  estatutos  que  vi- 
goraram até  á  extincção  e  mantendo  em  to- 
do o  seu  rigor  a  disciplina  monástica. 

Chegou  a  ver  no  côro  reunidas  112  frei- 
ras professas  e  o  convento  floresceu  como 
os  primeiros  do  seu  tempo  até  o  principio 
do  século  actual,  começando  então  a  deca- 
hir  pela  falta  de  concorrência  de  noviças  e 
pela  má  administração  das  suas  rendas. 

Teve  muita  prata  para  serviço  da  egreja 
e  da  communidade:— lâmpadas,  candelabros, 
grandes  castiçaes  para  todos  os  altares,  thu- 
ribulos,  naveias,  cálices,  vasos,  pixides,  cal- 
deirinhas,  gomis,  cruzes,  grandes  salvas,  etc. 
etc.,— o  que  tudo  se  vendeu  a  pretexto  de 
reedificarem  dois  quarteirões  do  convento 
— um  que  desabou  em  parte  no  anno  de 
1836,— outro  que  ardeu  completamente  em 
1838;  mas  com  certesa  não  gastaram  nas 
obras  o  produeto  da  venda  de  tanta  pra- 
ta I .. . 

Também  teve  considerável  rendimento 
proveniente  de  foros  e  juros  de  dinheiro  mu- 
tuado,—rendimento  que  foi  diminuindo  com 
a  falta  de  dotes  das  noviças,  principalmente 
depois  que  acabaram  as  profissões,  e  mais 
ainda  depois  que  foram  escandalosamente 
levantando  os  capitães  e  remindo  os  foros» 
até  reduzirem  as  rendas  à  expressão  mais 
simples — e  de  todo  as  extinguiu  a  ultima 
freira  D.  Maria  da  Encarnação,  fazendo-as 
reverter  em  proveito  próprio  e  da  sua  famí- 
lia, votando  ao  mais  lastimável  abandono  o 
convento,  pelo  que  o  prelado  da  diocese» 
d'accordo  com  o  governo,  a  expulsou  e  man- 
dou para  sua  casa  e  fechou  o  convento,  em 
30  de  janeiro  de  1879,  sendo  entregue  ao 
parocho  da  villa  tudo  o  que  pertencia  ao 
culto— e  o  ediflcio  e  cerca,  etc,  á  fazenda 
nacional. 

Assim  terminou  este  convento  que  já  con- 
i  tava  cerca  de  tres  séculos  d'existencia  e  que 
chegou  a  ser  um  dos  mais  ricos,  mais  popu- 
losos e  mais  considerados. 

Produziu  muitas  religiosas  de  preclara 
virtude,  como  pôde  ver-se  na  ehronica,  en- 
tre ellas  uma  por  nome  Anna  Maria  Garcia» 


i496  VIN 


VJN 


cuja  virtude  se  tornou  lendária  no  convento 
até  à  sua  extincçáo 

Sendo  celeireira  e  tendo  certa  porção  de 
feijões  para  consumo,  durante  muito  tempo 
gastou  o  necessário  á  communidade  sem  se 
notar  diminuição  no  deposito,  pelo  que  até 
se  fechar  o  mosteiro,  íallando-se  de  qual- 
quer coisa  de  rendimento,  costumavam  di- 
zer:— isto  rende  como  o  feijão  da  madre  Gar- 
cia,— e  ainda  hoje  em  Vinhaes  voga  a  mes- 
ma locução. 

A  communidade  teve  sempre  em  muita 
veneração  um  crucifixo  que  data  da  funda- 
ção do  convento,  pelo  que  lhe  deram  a  invo- 
cação de  Senhor  Fundador.  Tinha  altar  pri- 
vativo no  coro  debaixo  e  é  tradição  firme 
que,  sendo  esta  villa  cercada  pelo  exercito 
castelhano,  commandado  por  Pantoja  e  ten- 
tando os  invasores  profanar  este  convento, 
Catharina  da  Cruz,  enião  abbadessa,  (1664 
a  1667)  reuniu  a  communidade  em  tão  ne- 
gra conjunctura,  lançou  mão  d'aquelle  cru- 
cifixo e,  oppondo-o  como  escudo  a  todas  as 
portas  por  onde  os  soldados  pretendiam  en- 
trar, não  lhes  foi  possível  arrombal-as  e  fi- 
cou illeso  o  convento. 

Este  facio  prende  com  uma  inscripção  que 
logo  citaremos  e  ajuda  a  interpretal-a. 

Este  convento  foi  extincto,  como  já  disse- 
mos, em  30  de  janeiro  de  1879;— em  julho 
de  1882  o  governo  deu  á  camará  municipal 
o  edifício  e  cerca  para  ali  fundar  os  paços 
do  concelho,  tribunal,  etc, — e  deu  à  irman- 
dade da  Misericórdia  a  egreja,  coros  e  ca- 
pellas  do  extincto  convento  para  ali  celebrar 
os  offlcios  divinos. 

A  Misericórdia  tomou  posse  da  egreja, 
mas,  como  esta  se  achasse  em  ruínas  com  o 
peso  dos  séculos  e  com  o  lastimável  aban- 
dono a  que  a  votou  a  ultima  freira,  foi  pro- 
fanada, removendo-se  para  o  cemitério  mu- 
nicipal os  restos  mortaes  das  pessoas  que 
ali  jaziam. 

A  camará,  aproveitando  a  doação  do  go- 
verno, demoliu  o  quarteirão  N.  do  convento 
©  no  seu  chão  levantou  um  soberbo  e  vis- 
toso edifício,  hoje  prestes  a  concluir-se  e  que 
deve  custar  vinte  e  tantos  contos  de  réis, 


destinado  para  paços  do  concelho,  tribunal, 
administração,  conservatória,  recebedoria, 
repartição  de  fazenda,  estação  telegrapho- 
postal,  etc. 

O  convento  dos  frades  franciscanos 

Teve  também  esta  villa  um  convento  de 
frades  franciscanos,  missionários  do  Vara- 
tojo,  fundado  em  1751  por  José  de  Morae» 
Sarmento,  benemérito  e  piedoso  filho  de  Vi- 
nhaes, como  prova  a  inscripção  que  ainda 
hoje  se  vê  gravada  junto  da  portaria,  à  en* 
trada  da  egreja,  do  lado  direito. 

É  a  seguinte : 

Fundou  este  Seminário  Iosé 
DE  Moraes  Sarmento,  Fidalgo 
DA  Casa  Real,  Mestre  de  Cam- 
*  PO  de  Auxiliares,  e  natural 
desta  villa  de  Vinhaes,  no 
anno  de  1751.  Cedeo  o  padro- 
ado DELLE  NAS  JHÃOS  DE  SUA 
■   MaGESTADE,  E  FALLECEU  no  ANNO 

DE  1762. 

No  lado  opposto  da  mesma  portaria  se  lê 
esfoutra  inscripção  : 

Sua  Magestade  Fidelíssima 

ACCEITOU  o  padroado  d'ESTE  Se- 
MINARIO,  E  O  TOMOU  PARA 
SEMPRE  NO  SEU  ReAL  NOME, 
E  DE  SEUS  SUGCESSORES,  DEBAIXO 

DA  SUA  Regia  e  immediata 

PROTECÇÃO,  NO  ANNO  DE 

1777. 

Floreceu  este  Seminário  e  produziu  como 
os  do  Varaiojo  e  de  Mezãofrio  numerosos  e 
beneméritos  evangelisadores  até  á  sua  ex- 
tincção  em  1834,  seguindo  então  a  sorte  de 
todos  os  outros  conventos  do  nosso  paiz; 
mas  a  d'e8tes  religiosos  foi  mais  dura  e  cruel 
ainda,  porque  os  outros  foram  simplesmente 
espoliados  e  expulsos,  emquanto  que  estes 
foram  presos  coroo  faccinoras  e  conduzidos 
para  as  cadeias  da  Relação  do  Porto  com  a 
maior  crueldade,  sem  lhes  permittirem  ao 
menos  que  levassem  mantimento  para  o  pri- 


VIN 


VIN  1497 


meiro  dia,  pelo  que  tiveram  de  fazer  tão 
longa  e  pemtsa  marcha  soffrendo  as  mais  du- 
ras privações  e  sempre  cobertos  de  vaias  e 
apupos  dos  guerrillias,  seus  conductores,  sem 
haverem  commetiido  outro  crime  além  de 
predica  do  Evangelho  e  de  se  opporem  com 
a  palavra  e  com  o  exemplo  aos  malvados 
intuitos  dos  communistas  e  nihilistas  d'a- 
quelle  tempo  ou  dos  taes  guerrilhas  que  pre- 
tendiam apropriar-se  do  pruducto  das  es- 
molas que  guardavam  no  seu  celleiro  para 
sustento  da  communidade  e  dos  pobres  que 
diária  e  coostanteraenie  soccorriam. 

O  convento  era  solidamente  construído;— 
tinha  accommodações  para  numerosa  com- 
munidade— e  uma  excellente  egreja,  ainda 
denominada  a  Egreja  grande  por  ser  a  maior 
da  Villa,— templo  vasto  e  sumptuoso  de  uma 
só  nave  com  cinco  altares,  ricas  decorações 
de  talha  dourada,  imagens  de  primorosa  es- 
eulptura,  telas  de  muito  valor,  eomprehen- 
dendo  uma  copia  da  Virgem  de  Murillo,  e 
um  côro  riquíssimo,  admiração  dos  enten- 
dedores, no  qual  avulta  um  grande  cruci- 
fixo de  madeira  muito  bem  esculpturado  e 
tido  em  grande  veneração.  Foi  feito,  bem 
como  o  do  Senhor  dos  Perdidos,  por  Fr.  Do- 
mingos, leigo  deste  mesmo  convento. 

Na  Capella  mór  existem  as  sepulturas  do 
fundador  e  de  um  seu  irmão,  cujas  tampas 
são  de  mármore  branco,  pedra  raríssima  e 
carissima,  jamais  n'aquelle  tempo,  ao  norte 
do  nosso  paiz  e  em  tão  remoto  cantão. ' 

Nas  dietas  lapides  se  lôem  as  inscripções 
seguintes: 

Na  do  fundador 

Aqui  jaz  Jose  he  Moraes 
Sarmento,  FmALGO  da  Casa 
DE  Sua  Magestade,  Mestre 
DE  Campo  de  Auxiliares,  Ca- 

VALLEIRO  PROFESSO  NA  OrDEM  DE 

Christo,  fundador  deste  Se- 
minário, E  DA  Ordem  Ter- 
ceira desta  VILLA  DE  ViNHAES. 
Anno  de  1762. 


1  Aquelle  mármore  ou  foi  de  Lisboa  ou  da 
Itália.  Hoje  podia  ir  das  soberbas  pedreiras 


Na  do  irmão . 

Aqui  jaz  Pedro  be  Mariz 
Sarmento,  irmão 
DO  fundador. 
1766. 

Tem  á  entrada  da  portaria,  do  lado  es- 
querdo, uma  linda  capella.  dedicada  ao  Se- 
nhor dos  Perdidos  e  a  Nossa  Senhora  das 
Dores,  cujas  imagens  são  era  ponto  grande 
e  de  óptima  esculplura.  Tanto  a  capella 
como  a  egreja  ainda  existem  abertas  ao  cul- 
to e  se  conservam  em  bom  estado,  entregues 
à  junta  de  parochia,  achando-se  actualmen- 
te erecta  no  vasto  templo  a  confraria  de 
Nossa  Senhora  da  Boa  Morte,  por  bulia  do 
Santo  Padre  Pio  IX,  pelo  que  o  dicto  tem- 
plo, denominado  Egreja  grande,  também  se 
denomina  Egreja  da  Boa  Morte. 

A  mencionada  capella  do  Senhor  dos  Per- 
didos  tem  sobre  a  porta  da  entrada  esta  ins- 
cripçãò: 

Ille  ego  qui  veniam,  suplex  si, 
perdite,  quaeris; 

NaMQUE  BENIGNUS  EGO,  VIRGO  QUE 
MOESTA  PARENS. 

Copiámos  fielmente  o  que  nos  mandou  o 
nosso  illustrado  e  muito  consciencioso  infor- 
mador, mas— ou  elle  a  copiou  mal— ou  o 
gravador  a  deturpou. 

No  cimo  do  altar,  sobre  a  imagem  do  Se- 
nhor, lê-se  o  seguinte : 

Eu  sou  o  Bom  Jesus  dos 
PERDIDOS.  Vinde  a  mim. 

Tem  um  bom  claustro  quadrado,  com  ar- 
caria de  granito,  suspendendo  os  corredo- 
res dos  quatro  quarteirões  do  convepto.  Ser- 
via também  o  dito  claustro  de  cemitério. 


de  Vimioso,  mas  a  sua  condueção  ainda  as- 
sim era  muito  dispendiosa,  porque  as  dietas 
pedreiras  distam  de  Vinhaes  cerca  de  80  ki- 
lometros  de  péssimo  caminho,  exceptuando 
09  32  kiiometros  de  Vinhaes  a  Bragança. 
V.  Vimioso. 


1498  VlN 


VÍN 


hoje  profanado  e  exposto  a  toda  a  casta  de 
indecencias,  achando-se  ali  muitas  ossadas 
de  pessoas  venerandas,  sendo  para  lamentar 
que  a  nobre  familia,  a  quem  hoje  pertence 
o  extincto  convento,  ainda  se  não  lembras.- 
se  de  remover  aquellas  ossadas  para  o  ce- 
mitério publico. 

É  no  dieto  claustro  que  folgam  e  passeiam 
livremente,  licenciosamente,  os  soldados  dos 
dois  destacamentos  da  villa  que,  ha  muito, 
costumam  aquartellar-se  no  edifício  do  con- 
vento, arvorando  em  cosinha  do  rancho  a 
lindíssima  capella  do  capitulo— e  em  dis- 
pensa ou  deposito  dos  géneros  do  rancho  a 
capella  de  Nossa  Senhora  do  Carmo — para 
honra  e  gloria  do  século  das  luzes?.. . 

Valha-nos  Deus  I 

A  meio  do  claustro  ainda  existe  um  cha- 
fariz ociogono  de  granito,  encimado  pela  es- 
tatua da  fama  com  a  trombeta  e  um  escudo, 
no  qual  se  lé  a  inscripção  seguinte : 

VOX  MEA,  QUAE  TOTUM  PER  NOMEN 
DETULIT  AURAS, 
DeFERT,  QUI  ACCLIVES  CURRERE 
FECIT  AQUAS. 

«Assim  como  outr'ora  espalhei  aos  qua- 
tro ventos  muitos  nomes, 

Hoje  espalho  o  do  benemérito  que  fez  jor- 
rar aqui  estas  aguas.» 

Na  parte  superior  do  edifício  estão  actual- 
mente (emquanto  se  não  ultima  a  nova  casa 
da  camará)— os  paços  e  a  administração  do 
concelho,  o  tribunal  judicial,  a  repartição  da 
fazenda,  etc,  por  arrendamento  que  a  ca- 
mará paga  ao  sr.  Manuel  da  Costa  Pessoa, 
dono  do  extincto  convento, — e  junto  d'e8te 
se  conservam  ainda  a  casa  e  o  templo  da 
Ordem  Terceira  da  Penitencia,— orâem  mui- 
to florescente  e  muito  bem  administrada.  A 
sua  egreja  é  muito  mais  pequena  do  que  a 
dos  frades,  mas  lindissima,— uma  das  mais 
formosas  do  bispado  de  Bragança, 

A  Villa 

Vinhaes  tem  hoje  uma  só  freguezia  que 
representa  quatro:— a  antiga  e  actual  de 


Nossa  Senhora  da  Assumpção,  e  as  extin- 
ctas  de  S.  Facundo  dos  Bairros  ^,  Nossa  Se- 
nhora da  Expectação  de  Rio  de  Fornos  e  a 
da  Santo  Ildefonso  de  Moaz,  hoje  simples  al- 
deias da  villa,  que  comprehende  os  bairros 
do  Carvalhal,  Campo,  Couce,  Eiró,  Bairro 
d'Alem  e  Bairro  da  Boa  Vista;— os  casaes 
do  dr.  João  Ferreira,  do  Doutel,  do  Campi- 
Iho  e  outros  menos  importantes, — e  as  quin- 
tas da  Ribeirinha,  Armoniz  e  Ermida. 

A  povoação  de  Moaz  demora  em  um  mon- 
te que  tem  de  altitude  937  metros;  pelo  con- 
irarifi  a  quinta  da  Ribeirinha^  que  perten- 
ceu á  extincta  parochla  de  Moaz,  demora 
em  sitio  fundo,  abrigado,  quente  e  mimoso, 
na  margem  do  rio  das  Trutas,  e  tem  apenas 
dois  fogos. 

Armoniz  é  também  hoje  uma  simples 
quinta  e  pertenceu  á  mesma  freguezia  de 
Moaz,  cujo  parocho  era  da  apresentação  do 
abbade  de  Vinhaes,  que  recebia  os  dízimos- 

A  quinta  da  Ermida  tem  uma  capella  de 
Santa  Engrácia  e  foi  até  1834  prebenda  do 
cabido  de  Bragança,  que  recebia  os  dízimos 
d'ella. 

A  povoação  de  Rio  ie  Fornos  dista  de  Vi- 
nhaes cerca  de  dois  kilometros  e  foi  fregue- 
zia independente,  cujo  parocho  era  da  apre- 
sentação do  reitor  de  Paçó;  mas  tanto  a  fre- 
guezia de  Rio  de  Fornos  como  a  de  S.  Fa- 
cundo e  a  de  Moaz  foram  ha  muito  extin- 
ctas  e  unidas  á  de  Vinhaes— e  assim  se  con- 
servam. 

Fica  assim  rectiflcado  o  que 
disse  o  meu  benemérito  ante- 
cessor nos  artigos  Ermida 
(a  vol.  IH,  pag.  48;— iíí 
beinnha,  vol.  8.»  pag.  187,  col 
l.';—Rio  de  Fornos,  no  mesmo 
volume  pag.  193,  col.  2."- e 
Val  de  Janeiro,  vol.  X,  pag.  53, 
col.  1.»  2. 


1  Facundo  é  modificação  de  Sahagum. 

2  Note-se  também  que  a  matriz  de  Val  de 
Janeiro,  templo  muito  singelo  e  sem  coisa 
alguma  notável,  demora  no  centro  da  povoa- 
ção e  não  no  outeiro,  a  um  Idlometro  de  dis- 
tancia, como  disse  o  meu  antecessor.  Sup- 
põe-se  que  esteve  no  tal  outeiro,  antigo  cas- 


VIN 

Templos 

{."—A  egreja  grande  ou  da  Boa  Morte,  já 
descripta  e  que  pertenceu  ao  extincto  Semi- 
nário varaiojano. 

2.0— A  egreja  de  Nossa  Senhora  da 
sMwpcõo,— matriz. 

Demora  no  bairro  do  Castello. 

3.  " — Egreja  da  Misericórdia. 

4.  °— Egreja  de  S.  Facundo  dos  Bairros. 
P'ella  fallaremos  adiante. 

5.0— Egreja  de  Nossa  Senhora  da  Espe- 
ctação  de  Rio  de  Fornos,  na  povoação  d'este 
nome  e  que  foi  também  matriz  d'aquella  pa- 
rochia. 

6.  *— Egreja  de  Santo  Ildefonso  de  Moaz,  na 
povoação  d'e9te  nome  e  que  foi  também  ma- 
triz d'aquella  parochia,  hoje  extineta. 

7.  °— Egreja  do  extincto  convento  das  frei- 
ras, hoje  profanada. 

8.  " — Egreja  da  Ordem  terceira  da  Peni- 
tencia, já  descripla. 

Só  estes  8  templos  não  se  faziam  hoje  com 
duzentos  contos  de  réis  l... 

9.  °— Capella  do  Senhor  dos  Perdidos,  já 
descripta. 

10.  °— Capella  de  S.  Caetano,  na  rua  Nova 
da  Villa,  junto  ao  palacete  dos  condes  de 
Vinhaes  e  com  ligação  do  palacete  para  ella, 
por  auciorisação  da  junta  de  parochia,  pois 
a  dieta  capella  é  publica. 

U.»— Capella  de  S.  Martinho,  no  Bairro 
do  Carvalhal. 

12.  " — Capella  de  Santo  Antonio  no  Bairro 
do  Camjío. 

13.  "— Capella  de  Santo  Agostinho,  na  quin- 
ta de  Armoniz. 

14.  "— Capella  de  S.  Jorge,  na  quinta  da 
Bibeirinha. 


tello,  mas  foi  transferida  ha  séculos  para  o 
local  que  hoje  occupa. 

No  sitio  do  antigo  castello  está  uma  ermi- 
da dedicada  a  Nossa  Senhora  da  Assumpção. 
Foi  feita  pelo  padre  Cypriano  Ferro,  de  Val 
de  Janeiro,  e  approximadamente  em  1850; — 
uma  faisca  eléctrica  devorou-a  em  1883, — 
mas  foi  logo  reedificada  pelos  habitantes 
d'aquella  ffeguezia. 


VJN  1499 

1     15.° — Capella  de  Santa  Engrácia,  na  quin- 
ta da  Ermida. 

16.  °— Capella  do  Senhor  do  Horto.  Per- 
tence á  junta  de  parochia. 

17.  °— Capella  do  Senhor  Morto.  É  parti- 
cular e  demora  na  cerca  dos  varatojanos. 

18.  °— Capella  de  S.  Lourenco,  no  Bairro 
do  Campo.  Suppomos  ser  a  de  Santo  ^ Anto- 
nio,  supra. 

19.  °— Capella  de  S.  Vicente,  no  Bairro 
d'Alem,  ambas  mencionadas  por  Carvalho. 

20.  ° — Capella  de  Nossa  Senhora  da  Oli- 
veira. 

Demora  no  palacete  brasonado  (Casa  da 
Corugeira)  pertencente  á  nobre  familia  Cam- 
pilho. 

21.  °— Capella  de  Nossa  Senhora  da  Nati- 
vidade. 

Demora  na  rua  de  Baixo,  na  casa  perten- 
cente a  José  Antonio  Machado,  de  Villar 
d'Ossos,  e  a  suas  cunhadas — D.  Maria  Illu- 
minata  e  D.  Leopoldina  Campilho. 

22.  » — Capella  de  Santa  Catharina,  no 
bairro  do  Eiró, — no  palacete  brasonado  de 
que  logo  faremos  menção. 

23  ° — Capella  de  Nossa  Senhora  da  Luz, 
na  Praça  do  Arrabalde. 

Pertencia  ao  palacete  brasonado  que  foi  de 
Estevam  de  Mariz,  e  de  que  logo  faremos 
menção,  mas  foi  profanada  e  hoje  serve  de 
cosinha  a  uma  hospedaria  montada  em  uma 
parte  do  dieto  palacete.  A  oulra  parte  está 
arrendada  a  um  negociante. 

Estas  ultimas  5  capellas  são  particulares 
e  todas  se  acham  abertas  ao  culto,  exceptu- 
ando a  ultima,  que  foi  profanada, — e  a  de 
S.  Vicente,  que  foi  demolida  e  era  da  nobre 
familia  Colmieiros. 

Egreja  de  S.  Facundo 

É  um  templo  venerando  pela  sua  arehite- 
clura,  tradições  e  antiguidade. 

Foi  a  primeira  matriz  d'esta  parochia  e 
das  parochias  circumvisinhas  até  muitas  le- 
goas  de  distancia,  pois  é  considerada  como 
a  egreja  mais  antiga  d'este  bispado  I. . . 

A  tradição  diz  que  foi  fundada  pelos  go- 
dos e  dedicada  primitivamente  á  Santíssima 
1  Trindade,  como  attestam  ainda  hoje  vários 


150  VJN 

grupos  de  figuras  esculpidas  em  granito  aos 
lados  da  sua  porta  priocipal. 

Um  d'e88es  grupos  tem  3  bustos  que  re- 
presentam as  3  divinas  pessoas  da  Santissi- 
ma  Trindade — Padre,  Filho  e  Espirito  Santo. 

Outro  grupo  tem  3  bustos  também,  sendo 
maior  o  do  centro  e  parece  representar  as 
3  pessoas  distinctas  da  mesma  Trindade 
Santíssima. 

Do  lado  opposto  tem  um  só  busto,  mas  em 
ponto  maior,  e  julga-se  que  representa— 
Vm  só  Deus  Verdadeiro. 

Diz  mais  a  tradição — que  os  Santos  Fa- 
cundo e  Primitivo,  cavalieiros  gallegos,  sen- 
do perseguidos  pelos  mouros  depois  de  um 
combate,  se  acolheram  á  dieta  egreja  e  n'ella 
permaneceram  algum  tempo— e  que,  em 
memoria  d'este  facto,  sendo  depois  marty- 
risados  e  canonisados,  se  deu  á  dieta  egreja 
o  titulo  de  S.  Facundo. 

Em  volta  d'ella  se  fez  o  cemitério  da  villa, 
que  é  ura  cemitério  esplendido,  muito  am- 
plo e  muito  bem  situado,  com  sólidos  muros 
e  um  grande  porião  de  ferro,  lendo  por  Ca- 
pella a  veneranda  egreja  de  S.  Facundo,  que 
o  domina  todo  e  lhe  dà  muito  realce. 

Demora  este  cemitério  em  sitio  alto,  are- 
jado, alegre  e  vistoso  e  é  sem  contestação  o 
primeiro  do  districlo  de  Bragaeça. 

Pessoas  notáveis 

Teve  esta  villa  muitas  famílias  iilustres, 
sendo  as  principaes  —  Colmieiros,  Moraes 
Sarmentos,  Ferreiras,  Marizes,  Dourados, 
Silvas,. Barretos  e  Pessoas,  Serrões  e  Pimen- 
teis,  das  quaes  estão  hoje  aqui  representados 
os  Silvas  Barretos  e  Moraes  Sarmentos  pela 
familia  Campilhos, — e  os  Pessoas  por  Ma- 
nuel da  Costa  Pessoa,  filho  do  ultimo  conde 
de  Vinhaes.— Dos  Ferreiras  Sarmentos  Pi- 
menteis,  foi  ultimo  representante  o  coose- 
Iheiro  do  Supremo  Tribunal  de  Justiça— 
Antonio  Ferreira  Sarmento,  já  falleeido 

Antiguidades 

O  chão  ã'esta  villa  e  d'esta  parochia  foi 
oeeupado  desde  tempos  remotíssimos,  como 
se  infere  da  lenda  ou  historia  da  egreja  de 


VJN 

S.  Facundo,  que  a  tradição  diz  ser  fundada 
no  tempo  dos  godos. 

Também  por  aqui  se  demoraram  os  ro- 
manos, pois  ao  norte  da  villa,  no  monte  da 
Vidueira,  se  encontraram  em  1872  muitas 
moedas  romanas  bem  conservadas,  que  os 
habitantes  de  Rio  de  Fornos  malbarataram 
e  venderam  a  differentes  especuladores. 

Também  revela  muita  antiguidade  o  no- 
me do  monte  que  se  ergue  a  N  da  villa  de- 
nominado Ciradella  ou  Ciradala.  A  Cherogr. 
Port.  o  denoraiaou  Ciradelha  e  outros  o  de- 
nominam Cidadella,  Cidadelha  e  Cidadelhe. 
Estes  últimos  nomes  diminutivos  de  cida- 
de, indicam  a  existência  de  uma  povoa- 
ção importante  n'este  sitio  em  tempos  mui- 
to remotos. 

Vide  Villa  Pouca  d' Aguiar,  tomo  XI,  pag. 
902,  col.      e  segg. 

Por  seu  turno  Ciradella  ou  Ciradelha  po- 
de ser  modificação  de  Cidadella  ou  Cidadelha 
— ou  proveniente  de  eira,  que  outr'ora  si- 
gnificava silvedo^  brenha,  matta,  bosque. 

V.  Villa  Franca  de  Xira,  vol.  Xí,  pag. 
750,  col.  2.» 

No  dicto  monte  se  encontram  ainda  hoje 
restos  de  edificações  antiquíssimas,  geral- 
mente attribuidas  aos  mouros,  masque  tal- 
vez fossem  dos  godos  ou  romanos — e  é  mui- 
to provável  que  estes  aqui  tivessem  algum 
castro  ou  acampamento  fortificado,  porque 
passava  aqui  uma  das  cinco  estradas  roma- 
nas que  de  Braga  se  dirigiam  a  Astorga. 

Esta  seguia  por  Chaves  para  leste,  apro- 
ximadamente pelo  traçado  da  nova  estrada 
real  a  macadara  n."  37,  de  Chaves  a  Bra- 
gança, atravez  da  villa  de  Vinhaes,  segundo 
se  lê  nas  Memorias  de  Argote,  tomo  1."  pag. 
359  e  398,— e  tomo  2.»  gag.  576,  590  e  713. 

Grutero  aponta  um  marco  milliar  ou  pa- 
drão encontrado  em  Vmhaes  ou  junto  de 
Vinhaes,— e  Viterbo,  lettra  E,  cita  uma  la- 
pide encontrada  também  junto  de  Vinhaes 
com  a  inscripção  seguinte  : 

Jovi 

O  M. 

Loviis 


VIN 


VIN  1501 


I  A  I  I  X  * 

VOTO 

L  A  P. 

•  Lovesia  dedicou  por  voto  e  com  generoso 
animo  ao  grande  Júpiter.* 

Esta  mesma  ioscripção  se  encontra  iocor- 
reetamente  copiada  oo  Poriugaliae  inseri- 
píiones  romanae  de  Levi  Maria  Jordão,  pag. 
15,  D.»  46. 

Esta  Villa  outr'ora  também  se  denominou 
Povoa  Rica  e  estava  mais  próxima  do  Tuel- 
la,— segundo  diz  a  tradição. 

D.  Affonso  111  lhe  deu  foral  em  Santo  Es- 
tevam de  Chaves,  a  20  de  maio  da  era  de 
1291,— anno  1253  e  não  1262,  como  diz  o 
Padre  Carvalho.  V.  Livro  11  de  Doações  do 
Sr.  Rei  D.  Affonso  III,  fl.  16,  in  principio  — 
e  Livro  de  Foraes  Antigos  de  Leitura  Nova, 
fl.  104,  col.  1." 

D.  Manuel  em  4  de  maio  de  1512  lhe  deu 
lambem  foral  novo. 

Livro  de  Foraes  Novos  de  Traz-os-Montes, 
fl.  8,  V.  col.  2.» 

No  Portugaliae  Monumenta,  vol.  l."  pag. 
639,  col.  2.*,  SB  encontra  na  sua  integra  o 
foral  de  D.  Affonso  III.  JN'elle  diz  que  Vi- 
nhaes  e  os  seus  termos  lhe  dariam  600  mo- 
rabitinos  da  moeda  corrente  na  localidade, 
por  todos  os  direitos  e  fóros  que  o  rei  deve- 
ria haver  na  dita  povoação  de  Vinaes,  sendo 
500  morabitinos  pela  renda  da  terra  e  100 
pela  teneneia  do  seu  eastello,— e  que  os  600 
morabitinos  seriam  pagos  nas  3  terças  do 
anno:— 200  no  1.°  dia  de  março,— 200  no 
i.°  de  julho— e  200  no  1."  de  novembro;— 
que  a  justiça  lhes  seria  administrada  por 
juizes  da  mesma  villa — e,  tquando  elles  IKa 
não  façam,  appelíem  para  mim,  que  eu  IKa 
farei  por  mim  ou  por  delegado  meu*. 

A  isto  se  reduz  o  dicto  foral,  que  é  muito 
lacónico  e  em  latim. 

Esta  villa  outr'ora  foi  murada,  mas  hoje 
dos  seus  muros  apenas  restam  pequenos 
lanços,  alguns  ainda  com  ameias. 

Também  teve  um  eastello  com  duas  tor- 
res mandado  fazer  por  D.  Diniz,— segundo 

VOLUME  W 


se  lê  na  Chorographia  Portugueza  e  nos 
Diálogos  de  Martz,  pag.  134,— islo  porém  não 
è  a  expressão  da  verdade,  porque,  segundo 
se  lê  no  foral  de  D.  Affonso  III,  esie  eastello 
já  existia  em  1253  e  D.  Diniz  reinou  de 
1279  a  1325. 

É  possível  que  D.  Diniz  n'elle  flzesse  obras 
importantes,  mas  com  certeza  não  o  fundou 
de  novo,  como  se  lê  em  Mariz.  Talvez  o 
restaurasse,— e  D.  Manuel  o  aperfeiçoou  e 
mandou  levantar  a  planta  d'elle  e  d'outros 
muitos,  — plantas  e  desenhos  que  podem 
ver-se  em  um  grande  livro  na  Turre  do 
Tombo. 

Noticias  de  Portugal  por  Severim  de  Fa- 
ria, pag.  61. 

Quando  D.  João  I  de  Castella  invadiu  Por- 
tugal em  1384,  por  morte  d.'el  rei  D.  Fer- 
nando e  a  convite  da  rainha  viuva  D.  Leo- 
nor Telles  de  Meneses,  foi  o  eastello  de  Vi- 
nhaes  um  dos  muitos  que  hastearam  a  ban- 
deira hespanhola  e  recusaram  obediência  ao 
Mestre  d'Aviz,  depois  rei  D.  João  I  de  Por- 
tugal. 

Europa  Portugueza,  tomo  2."  pag.  247  e 
3H. 

Durante  as  profiadas  luetas  entre  Portu- 
gal e  Hespanha,  soffreram  muito  esta  villa  e 
todas  as  nossas  povoações  da  raia.  Citare- 
mos apenas  um  trecho  da  guerra  dos  vinte  e 
sete  annos  ou  da  Restauração. 

Em  1666,  achando-se  em  Lisboa  o  conde 
de  S.  João,  governador  das  armas  d'esta 
província,  e  sendo  ella  na  sua  auzencia  go- 
vernada pelo  mestre  de  campo  general  Dio- 
go de  Brito  Coutinho,  foi  este  auxiliar  o  con- 
de do  Prado,  governador  de  entre- Douro  e 
Minho,  na  lueta  com  os  gallegos.  Entretanto 
D.  Balthazar  Pantoja,  general  da  Gallisa,  poz 
a  ferro  e  fogo  a  província  de  Traz-os-Mon- 
tes. 

Em  11  de  julho  do  dicto  aono  de  1666  en- 
trou por  Montalegre  e  saqueou  e  initendiou 
todas  as  povoações  d'aquelle  distrícto.  No 
dia  13  caiu  sobre  Chaves,  mas  foi  repellido 
pela  guarnição;  no  dia  14  assaltou  os  loga- 
res  de  Faiões  e  Santo  Estevam,  defendidos 
pelo  sargento-mór  d'auxiliares  Antonio  de 
Azevedo  da  Rocha  com  duas  companhias  de 

95 


Í502  VIN 


VIN 


ordenanças  de  Villa  Real  e,  tomando  as  di- 
etas povoações  depois  de  algumas  iioras  de 
lueta,  degolou  a  guarnição,  sem  poupar  os 
capitães  prizioneiros.  O  sargento-mór  aeo- 
Iheu-se  com  alguns  soldados  ao  pequeno 
Castello  de  Santo  Estevam,  mas  teve  de  ren- 
der-se,  capitulando  com  a  condição  de  serem 
poupadas  as  vidas  aos  defensores;  não  res- 
peitou porém  tal  condição  o  general  gallego, 
pois  matou  alguns  dos  nossos  soldados  e  fe- 
riu outros,  entre  elles  o  saVgento  mór. 

Proseguindo  com  a  sua  marcha,  destruiu 
Pantoja  ainda  varias  povoações  porlugue- 
zas  das  margens  do  Tâmega  e  recolheu  se  a 
Monte  Rei,  praça  gallega  a  cavalleiro  de  Ve- 
rim.  Passados  poucos  dias  volveu  sobre  Por- 
tugal, entrando  por  Monforte  e  mandou  co- 
mo diversão  para  Barroso  40  cavallos.  Foi 
logo  sobre  elles  com  6  companhias  Francis- 
co de  Távora,  tenente  general  de  cavallaria; 
— bateu-os, — lomou-lhes  alguns  cavallos — e 
reeolheu-se  a  Chaves;— entretanto  Pantoja 
foi  saqueando  e  incendiando  varias  povoa- 
ções e  poz  cerco  a  Vinhaes. 

Por  seu  turno  o  mestre  de  campo  Diogo 
de  Brito,  que  estava  em  Chaves,  entrou  no 
valle  de  Monte-Rei  com  6  companhias  de 
cavallos  e  saqueou  e  incendiou  13  povoa- 
ções, entre  ellas  Villaça,  villa  grande.  Saí- 
ram de  Monte-Rei  250  cavallos  contra  os 
nossos,  mas  foram  batidos,  perdendo  40,  e 
em  seguida  retirou- se  Diogo  de  Brito  para 
Chaves. 

Pantoja  cora  o  seu  exercito  cercou  o  Cas- 
tello de  Vinhaes,  defendido  apenas  pelo  go- 
vernador Estevam  de  Mariz,  de  quem  logo 
fallaremos,  com  os  habitantes  da  vilIa  e  50 
auxiliares. 

Os  gallegos  deram  o  assalto  de  noite;  pe- 
lejaram até  á  madrugada;  forçaram  uma  das 
portas,  mas  foi  tão  valentemente  defendida, 
que  não  poderam  entrar,  posto  que  durou 
o  combate  todo  o  dia,  pelo  que  retiraram  i 
para  a  povoação  hespauhola  de  Mesquita, 
queimando  os  arredores  de  Vinhaes  e  diíle- 
rentes  aldeias  portuguezas,  mas  por  bom  pre- 
ço pagaram  os  hespanhoes  estes  excessos!... 

Apenas  o  conde  de  S.  João  recebeu  eoi 


Lisboa  taes  noticias,  partiu  para  Traz-os- 
Montes;— reuniu  todas  as  forças  disponíveis 
— e  foi  procurar  o  Pantoja.  Fez-se  este  im- 
mediatamenie  ao  largo,  retirando  para  Tuy, 
mas  o  conde  de  S.  João  tantas  entradas  fez 
na  Galliza  pondo  tudo  a  ferro  e  fogo  até 
muitas  léguas  de  distancia,  e  tão  duramente 
castigou  os  gallegos,  que  estes  para  intimi- 
darem 03  filhos  os  ameaçavam  com  o  nome 
do  conde; — e  tantas  contribuições  de  guerra 
impoz  a  differentes  povos  gallegos  da  rala, 
que  sustentava  com  ellas  a  nossa  cavallaria. 

Mandaram  os  hespanhoes  contra  elle  o  ge- 
neral D.  Diogo  Gasconha,  que  se  havia  co- 
berto de  gloria  em  Flandres,  mas  não  se  in- 
timidou o  conde  de  S.  João.  Pelo  contrario 
só  com  1:000  infantes  e  800  cavallos  met- 
teu-se  de  noite  no  valle  de  Laça.  No  dia  se- 
guinte D.  Diogo,  estando  na  praça  de  Monte- 
Rei  passando  revista  a  19  companhias  de  ca- 
vallos e  constando-lhe  que  as  forças  portu- 
guezas se  achavam  no  dicto  valle,  marchou 
immediatamente  contra  ellas  com  toda  a 
força  do  seu  commando,  mas  o  conde  de  S. 
João,  depois  de  uma  hábil  manobra  o  envol- 
veu e  derrotou  completamente,  tomando-lhe 
327  cavallos?!. . . 

Salvou  se  D.  Diogo  com  as.  forças  restan- 
tes em  debandada,  aproveitando  a  escuridão 
da  noite  e  não  mais  se  abeirou  do  conde  de 
S.  João. 

Foi  esta  a  ultima  acção  memorável  na  lu- 
eta dos  27  annos,  pois  deu-se  em  1667  e  pou- 
cos mezes  depois, — em  13  de  fevereiro  de 
1668,— se  fez  a  paz  entre  as  duas  nações. 

Estevam  de  Mariz  era  filho  de  Rodrigo  de 
Moraes,  da  freguezia  deTuizello  d'este  con- 
celho de  Vinhaes  e  na  parede  da  casa  que 
fez  n'esta  villa  se  vê  ainda  hoje  uma  grande 
inscripção  allusiva  ao  facto  mencionado  su- 
pra. Está  ella  muito  mal  gravada  em  lettras 
inclusas  bastante  corroídas  pelo  tempo  e  só 
em  gravura  pôde  bem  reproduzir-se;  entre- 
tanto ahi  vae  a  copia  que  o  nosso  iliustrado 
informador  nos  mandou  : 

Estevão  de  Mabis  govkbnador  des 

TA  VILLA,  F.»  DE  R.«  DE  MoiíAlS  DE  TlO- 
ZELO  MANDOV  FAZER  ESTAS  CASAS 


VIN 


VIN  1503 


NA  E.  DE  MDCLXVI  ^  QUANDO  PaNTOXA 
GL.  DO  EXERCITO  DE  GaLIZA  COM  O 
MAIOR  Q.  SE  VIO  NESTA  PROVÍNCIA  2 
E  LHE  DEFENDEO  A  MVRALHA  CO 
A  GENTE  NOBRE  DA  VILA  E  POV 
QVA  MAIS  DE  GHÀ  (''')  E  CÒ  PERDER  MVTÃ 
LEVANTOV  O  SITIO  E  QVELMOV  AS 
CASAS  Q.  FICAVÃO  FORA  DA  MVRALHA 

'  N'este  venerando  edifício,  hoje  em  aban- 
dono, está  uma  hospedaria  e  uma  loja  de 
commereio — e  a  sua  capella,  outr'ora  dedi- 
cada a  Nossa  Senhora  da  Luz,  está  profana- 
da e  servindo  de  cosinha  da  hospedaria I... 

João  Serrão 

Nas  ruínas  da  capelia  da  nobre  família 
Colmieiros  d'e8ta  vilia,  no  Bairro  d' Alem,  ap- 
pareeeu  ha  annos  a  tampa  de  uma  sepul- 
tura com  a  inseripção  seguinte  :  ^ 

Aqui  está  sepultado 
João  SerrXo  de  Moraes 
e  sua  molher  guio- 
MAR Freire. 

Este  João  Serrão  de  Moraes  foi  um  dos  fi- 
dalgos que  acompanharam  el-rei  D.  Sebas- 
tião na  batalha  d'Alcaeer  Kibir, — a  batalha 
mais  desastrosa  que  até  hoje  experimenta- 
ram as  armas  porluguezas. 

Ficando  caplivo,  passados  annos  evadiu- 
se;— atravessou  a  Hespanha  com  trajos  de 
mendigo  e,  chegando  a  Vinhaes,  tratou  logo 
de  informar-se  com  relação  á  sua  casa  e  á 
sua  família  Ficando  muito  satisfeito  com  as 
informações  obiidjs,  apresentou  se  á  esposa, 
que  sem  diíDculdade  o  reconheceu  pelo  an- 
nel  do  casamento  que  tinha  podido  conser- 
var e  trazia  ainda  no  dedo. 

D'este  João  Serrão  foi  penúltimo  repre- 
sentante o  2.°  barão  de  Paulos,  aldeia  da  fre- 


1  A  era  está  illegivel,  mas  deve  ser  esta, 
porque  o  facto  deu  se  em  16G6,  como  se  lé 
no  Portugal  Restaurado. 

2  Aqui  faliam  algumas  palavras,  talvez:— 
cercou  esta  villa. 

»  A  capella  já  não  existe.  Era  dedicada  a 
S.  Vicente. 


guezia  de  Constanlim,  concelho  de  Villa 
Real,  que  teve  um  filho  e  duas  filhas.  O  filho 
morreu  solteiro; — as  filhas  ainda  vivem,  sen- 
do uma  d'ellas  surda  e  muda;— a  outra,  a 
es."»  sr."  D.  Maria  do  Carmo  Osorio  Col- 
mieiro  da  Veiga  Gabr;il  Caldeirão,  casou 
com  o  sr,  Manuel  da  Silveira  Pinto  da  Fon- 
seca, de  Canellas,  concelho  da  Regoa,  neto 
materno  e  actual  representante  do  1."  mar- 
quez  de  Chaves  e  2."  conde  de  Amarante, 
bisneto  do  1."  conde  d'este  titulo  e  neto  pa- 
terno do  1."  visconde  de  Várzea.- 

Manuel  da  Silveira  herdou  d3s  seus  maio- 
res e  do  seu  sogro  uma  grande  casa,  mas 
pela  sua  péssima  administração  compromet- 
teu-a  e  perdeu-a  toda,  vendendo  inclusiva- 
mente o«  bens  que  a  esposa  e  a  infeliz  cu- 
nhada tinham  n'esta  villa  de  Vinhaes,  achan- 
do-se  no  momento  a  braços  cora  duras  pro- 
vações toda  aquella  nobilíssima  e  riquíssima 
família,  que  tão  importante  papel  represen- 
tou no  tempo  do  marquez  de  Chaves?!. .. 

V.  Villa  Real  de  Traz-os- Montes,  vol.  XI, 
pag.  1:020. 

Tem  esta  villa  duas  aulas  oíBciaes  de  ins- 
trueção  primaria  para  os  dois  sexos,— func- 
cionando  a  do  sexo  masculino  em  casa  pró- 
pria, feita  com  o  subsidio  do  benemérito 
portuense  conde  de  Ferreira,  pelo  que  se  de- 
nomina Escola  do  Conde  de  Ferreira. 

Também,  desde  tempos  muito  remotos, 
teve  esta  villa  uma  aula  regia  de  latim,  mas 
foi  supprimidaapproximadamenteem  1850, 
—em  pleno  século  xix, o  século  das  luzes!... 

Também  esta  villa  tem  uma  irmandade  da 
Mizericordia,  bastante  antiga,  mas  prestes  a 
exiinguir-se  pela  sua  má  administração,  que 
offerece  o  mais  lúgubre  contraste  com  a  da 
Ordem  Terceira  da  Penitencia,  já  mencio- 
nada. 

Horror! 

No  dia  15  de  março  de  1885  pernoitou  na 
estalagem  de  Val  Paço,  freguezia  de  Caro- 
pos,  d'este  concelho,  a  13  kilometros  de  Vi- 
nhaes, um  velho  octogenário  que  da  villa  de 
Chaves  se  dirigia  para  Bragança,  com  o  fim 
de  visitar  um  filho,  sargento  de  um  dos  cor- 
pos da  guarnição  d'aquella  cidade.  No  dia 


1504  VlN 


VÍN 


seguinte  de  madrugada,  proseguindo  com  a  i 
sua  viagem,  foi  assaltado,  roubado  e  barba- 
ramente assassinado  no  Valle  da  Azinheira, 
freguezia  de  Candedo,  e  os  ladrões  e  assas- 
sinos, para  desviarem  suspeitas  do  crime, 
arrastaram  o  cadáver  para  uma  matta  dis- 
tante cerca  de  5  kilomeiros,  onde  foi  casual- 
mente enconirado,  O  regedor  d'aqueila  fre- 
guezia participou  immediatamente  ião  triste 
Decorrência  ao  poder  judicial.  Fez  se  a  au- 
topsia e,  graças  á  energia  das  auctoridades, 
em  breve  foram  presos  e  mettidos  na  cadeia 
os  reus  de  tão  nefando  e  estranho  crime;  fo- 
ram porem  no  julgamento  absolvidos  por 
falta  de  provas. 

A  autopsia  foi  feita  pelo  facultativo  da  ca- 
mará Alvaro  Solari  Alegro,  e  declarou  entre 
outras  coisas,  o  seguinte: 

Que  o  cadáver  se  achava  no  méio  de  umas 
urzes  em  decúbito  dorsal  e  completamente 
mi;— que  lhe  faltava  o  dedo  poUegar  da  mão 
direita,  por  lhe  haver  sidocortaao; — que  ti- 
nha na  parte  posterior  da  cabeça  uma  feri- 
da transversal  com  seis  ceniimetros  de  com- 
primento e  um  de  largura  e  fractura  dos 
ossos  do  craneo;— que  este  ferimento  foi 
feito  com  instrumento  cortante  e  perfurante 
bem  aguçado,— e  que  d'elle  resultou  a  morte 
por  haver  destruído  órgãos  essenciaes  à 
vida. 

Ha  muito  que  n'este  concelho  se  não  re-. 
gistrava  um  facto  tão  revoltante. 

Edificios 

Tem  Vinhaes  bons  edifícios  públicos  e  par- 
ticulares, avultando  entre  os  primeiros— a 
egreja  grande,  que  foi  dos  frades,— a  egreja 
matriz— e  os  novos  paços  do  concelho.  En- 
tre os  edificios  particulares  merecem  espe- 
cial menção  os  seguintes  : 

1.  °— O  convento  dos  frades,  hoje  extineto 
e  propriedade  particular  de  Manuel  da  Cos- 
ta Pessoa,  filho  do  2.»  conde  de  Vinhaes. 

N'e8te  edifício  se  vê  ainda  o  escudo  das 
armas  reaes  portuguezas. 

2.  °— As  Casas  Novas,  na  rua  Nova,  pala- 
cete brasonado  que  foi  dos  condes  de  Vi- 
nhaes e  é  hoje  do  mesmo  sr.  Manuel  da  Cos-  ! 
ta  Pessoa.  i 


I  ?.° — O  antigo  palacete,  também  brazonado, 
feito  na  Praça  do  arrabalde  por  Estevam  de 
Mariz. 

É  hoje  do  morgado  Manuel  José  Ferreira 
Sarmento,  das  Aguieiras 

4.  °— O  palacete  lambem  brasonado,  deno- 
minado a  Quinta,  que  foi  da  familia  Sar- 
mentos Pimenteis,  ultimamente  representada 
pelo  conselheiro  do  supremo  tribunal  de 
Justiça  Antonio  Ferreira  Sarmento  Pimentel, 
fallecido  em  Lisboa  em  1885,  e  hoje  pela 
viuva  e  filhos,  herdeiros  do  finado. 

O  filho  nnais  velho,  — Antonio  Ferreira 
Sarmento,— reside  na  villa  de  S.  João  da  Pes- 
queira. 

5.  ° — O  palacete  da  Crvjeira,  também  bra- 
sonado, pertencente  à  nobre  familia  Moraes 
Campithos  e  por  ella  habitado. 

6.0—0  palacete,  também  brasonado,  que 
foi  dos  antigos  Ferreiras  Sarmento'i  Lousa- 
das  e  que  hoje  pertence  também  a  Manuel 
José  Ferreira  Sarmento,  morgado  das  Agui- 
eiras. 

Este  ultimo  palacete  demora  no  Bairro  do 
Eirô;~os  outros  demoram  na  villa. 

A  egreja  parochial 

É  um  bom  templo  de  uma  só  nave  e  ar- 
chitectura  simples  e  demora  intra  muros,  no 
ponto  mais  alto  da  villa,  precisamente  no  lo- 
cal onde  esteve  um  antiquíssimo  castello, 
que  foi  substituído  pela  egreja  matriz,  como 
succedeu  em  Mirandella  e  Villa  Flor,  n'esta 
província,  e  em  Ceia,  na  provinda  da  Beira 
Baixa,  sendo  para  lamentar  que  a  esplendi- 
da e  magestosa  matriz  de  Moncorvo  não 
fosse  também  feita  no  local  do  antigo  Cas- 
tello d'aquella  villa,  hoje  occupado  pelos 
novos  paços  do  concelho,  pois  brilharia  mui- 
to mais. 

V.  Moncorvo  n'e8te  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 

A  matriz  de  Vinhaes  tem  ricos  paramen- 
tos e  alfaias  e  está  muito  limpa  e  muito  bem 
tractada,  o  que  em  grande  parte  se  deve  ao 
zelo  do  seu  digníssimo  abbade,  o  rev.  Abi- 
lio  Augusto  da  Silva  Buiça. 
Tem  altar-mór  e  3  lateraes,— um  da  pa- 


VIN 


VIN  1505 


droeira,  representada  por  uma  linda  e  gran-  | 
de  imagem,  ricamente  vestida  com  as  côres 
do  tempo; — outro  do  Senhor  Jesus  Crucifi- 
cado,—e  outro  de  Nossa  Senhora  do  Rosa- 
rio,— todos  de  beiía  talha  antiga  dourada. 

No  allar-mòr  esiá  o  Santissirao  e  no  mes- 
mo retábulo  em  duas  peanhas  lateraes  se 
vêem  as  imagens  do  Coração  de  Jesus  e  de 
Coração  de  Maria. 

Não  tem  lorre,  mas  campanário  triangu- 
lar com  dois  grandes  sinos  e  ura  d'elles  com 
o  relógio  municipal,  feito  por  Joaquim  José 
Marques,  da  freguezia  de  Moreira,  concelho 
da  Maia. 

O  smo  maior  ouve-se  a  10  kilometros  de 
distancia  1. . . 

Os  habitantes  de  Moaz  e  dos  Bairros,  que 
fazem  parte  da  freguezia,  ha  muito  que  pe- 
dem a  transferencia  da  matriz  para  a  Egreja 
Grande,  templo  mais  vasto  e  magestoso,  mas 
nada  conseguiram  ainda,  porque  a  Egreja 
Grande  está  em  sitio  fundo,  insalubre  e  ex- 
posto a  inundações  que  por  vezes  teem  che- 
gado até  á  capella-mór  1.. .  Alem  d'isso  fi- 
caria exposta  a  ser  roubada,  o  que  não  suc- 
cede  à  matriz  actual. 

Esta  villa  teve  durante  muito  tempo  uma 
delegação  da  alfandega  de  Chaves,  mas  em  ja- 
neiro de  1884  foi  transferida  para  Bragança. 

Dentro  da  parte  murada  e  a  pequena  dis- 
tancia da  matriz  está  a  cadeia  e  esteve  o  pe- 
lourinho. Weste  se  viam  as  armas  reaes  por- 
luguezas  e  tinha  por  emblema  da  villa  um  ho- 
mem pisando  vinho,  alludindo  aos  vinhedos 
que  outr'ora,  antes  da  invasão  phylloxerica, 
abundavam  n'este  concelho  e  constituíam, 
como  já  dissemos,  a  sua  principal  riqueza, 
hoje  completamente  annullada. 

Tem  a  villa  duas  praças— a  do  Arrabalde 
e  a  da  Calçada.  Na  1."  se  vê  um  grande  cha- 
fariz, denominado  Fonle  do  Cano, — e  a  egre- 
ja da  Misericórdia, — duas  obras  importantes, 
mandadas  fazer  no  século  xvii  pelo  benemé- 
rito Estevam  de  Mariz  Sarmento,  já  mencio- 
nado repetidas  vezes. 

Alem  da  Fonte  do  Cano,  tem  esta  villa  ou- 
tras, todas  de  bica,  pois  é  muito  abundante 
'd'optima  agua,  tanto  potável,  como  de  rega. 


Baroneza  de  conlrabando 

Em  março  de  1885  apresentou-se  no  Por- 
to, em  casa  de  certa  família  rezidente  no 
monte  das  Antas,  uma  rapariga  decentemen- 
te trajada,  lastimando-se  e  dizendo  ser  íilhá 
da  baroneza  de  Bragança  e  que  tinha  aban- 
donado a  sua  casa,  por  não  poder  aturar  o 
tutor.  Esta  lenga-lenga,  acompanhada  de  la- 
grimas, commoveu  a  dona  da  casa,  que  muito 
amoravelmente  a  recebeu;  chegando  porém 
o  marido  e  dirigindo-se  á  desditosa  fidal- 
guinha,  notou  que  o  palavriado  d'esla  não 
revelava  a  cultura  própria  de  tão  alta  estir- 
pe e  foi  participar  o  caso  a  policia.  Não  se 
fez  esta  esperar,  mas  a  inirujona  safou-se  a 
tempo,  o  que  de  nada  lhe  valeu,  porque  pou- 
co depois  foi  presa  na  praça  dtj  D.  Pedro 
pela  policia  e,  levada  ao  commissariado,  ali 
foi  reconhecida  como  uma  refinada  ladra,  já 
presa  tautas  vezes  que  o  seu  retrato  se  via 
enfileirado  nas  galerias  da  policia. 

A  supposta  baronesinha  era  uma  desgra- 
çada, por  nome  Maria  José  d'Almendra,  filha 
de  Vinhaes. 

Mosaico 

Os  antigos  paços  do  concelho  eram  muito 
humildes.  Demoravam  no  bairro  do  Castello 
e  são.  hoje  habitação  do  carcereiro,  pois  está 
no  mesmo  ediflcio  a  velha  e  actual  cadeia, 
muito  pequena  e  muito  immunda. 

Do  pelourinho,  que  esteve  junto  da  velha 
casa  da  camará  e  da  cadeia,  nada  existe. 
Foi  demolido  ha  annos,  quando  se  calcetou 
aquella  estreita  rua,  porque  impedia  o  tran- 
zito,  e,  em  vez  de  o  removerem  para  outro 
local  e  de  o  conservarem  como  um  dos  mo- 
numentos mais  importantes  da  villa,  empre- 
garam a  sua  pedra  em  diíTerentes  obrSS  do 
município,  despedaçando  inclusivamente  o 
fuste  da  columna,  as  armas  reaes  e  o  bustOy 
emblema  da  villa? !. . . 

Das  duas  portas  dos  velhos  muros  ainda 
existem  os  arcos  bem  conservados,  bem  co- 
mo um  postigo,  cerca  de  30  metros  distante 
da  porta  do  norte,  sobre  a  qual  se  venera 
em  um  nicho  a  imagem  de  Santo  Antonio. 

Também  houve  sobre  a  porta  do  sul  outra 


1506  VIN 


VIN 


nicho  com  a  imagem  de  Nossa  Senhora  das 
Portas,  que  foi  d'ali  removida  ha  annos,  não 
sabemos  para  onde. 

Ainda  se  conservam  as  duas  torres  que 
defendiam  as  duas  portas,  mas  uma  das  di- 
etas torres  eslá  meio  demolida. 

A  antiga  estrada  militar  de  Chaves  a  Bra- 
gança atravessava  esta  villa,  de  N.  a  S.,  mas 
não  entrava  no  bairro  murado.  Passava  ao 
norte  d'elle,  como  passa  a  nova  estrada  real 
a  macadam;  mas  esta,  desde  Vinhaes  até  o 
rio  Tuella,  desviou-se  muito  do  leito  da  an- 
tiga estrada,  para  o  sul,  ficando  muito  mais 
extensa,  mas  muito  mais  suave  e  atraves- 
sando o  rio  Tuella  em  unca  ponte  nova,  mui- 
to elegante,  de  cantaria,  com  um  grande  ar- 
co e  um  registro,  ou  outro  arco  mais  peque- 
no, tendo  junto  d'ella  uma  casa  para  os  can- 
toneiros e  serviço  das  obras  publicas,  lam- 
bem solida  e  bem  acabada. 

Ainda  existe  sobre  o  Tuella  a  ponte  da 
antiga  estrada  militar.  Dista  alguns  kilome- 
tros  da  nova  ponte;  ó  de  alvenaria,  mas 
muito  solida;— tem  cinco  arcos — e  denomi- 
na-se  Ponte  da  Ranea. 

Um  pouco  a  jusante  d'e8ta  ultima  ponte, 
no  sitio  denominado  Rugidouro,  desagua  o 
ribeiro  de  Riaçós,  que  nasce  na  serra  de  Ci- 
radelha,  junto  da  villa  de  Vinhaes;— tem 
cerca  de  3  kilometros  de  curso— e  rega 
muitos  campos. 

O  rio  de  Trutas  nasce  na  falda  da  serra 
da  Coroa,  junto  da  povoação  de  Travanca; 
—tem  de  curso  approximadamente  15  kilo- 
metros;—desagua  no  mesmo  rio  Tuella, 
junto  da  quinta  da  Ribeirinha;— move  gran- 
de numero  de  moinhos— e  tem  um  pontão 
de  madeira  junto  da  aldeia  de  Travanca;— 
uma  linda  ponte  de  cantaria  de  granito  junto 
da  âTdeia  de  Rio  de  Fornos,  na  estrada  mu- 
nicipal em  construcção  de  Vinhaes  á  fron- 
teira;—outro  pontão  de  pau  entre  Vinhaes 
e  a  quinta  de  Soutello,  freguezia  de  Sobrei - 
ró, — e  finalmente  outro  pontão  de  madeira 
entre  a  povoação  de  Alvaredos  e  a  quinta  da 
Ribeirinha,  n'esta  parochia  de  Vinhaes. 

O  Riaçós  tem  uma  bella  ponte  de  canta- 
ria de  um  só  arco,  mandada  fazer  pela  ca- 
mará, um  pouco  a  jusante  do  Bairro  do  Ei-  I 


rd,— e  junto  do  mesmo  bairro  move  um  moi- 
nho, denominado  do  Amador. 

Cerca  de  7  kilometros  a  N.  N.  O.  de  Vi- 
nhaes passa  n'este  concelho,  mas  não  toca 
n'esta  freguezia,  um  outro  grande  ribeiro 
que  tem  diversos  nomes  e  approximada- 
mente 24  kilometros  de  curso;— caminha  de 
N.  E.  a  S.  O. — e  desagua  na  margem  es- 
querda do  rio  Rabaçal,  uma  das  nascentes 
do  Tua. 

Nasce  o  dicto  ribeiro  ao  norte  da  serra  da 
Coroa;— passa  entre  as  povoações  de  Qua- 
dra e  Salgueiros  com  o  nome  de  Ribeira  de 
Val  de  Remizio;—no  termo  de  Villar  d' Os- 
sos chama-se  Ribeira  de  Pias;— mais  abaixo, 
no  termo  da  povoação  de  Teléas,  freguezia 
de  Tuizello,  chama- se  Ribeiro  da  Lentilha^ 
— e  não  sabemos  que  nome  ou  nomes  lhe 
dão  d'ali  até  o  Rabaçal.  ^ 

O  novo  cemitério  foi  eonstruido  em  1874 
a  1875. 

Nem  08  alcaides-mores,  nem  os  condes  de 
Atouguia,  que  foram  muitos  annos  senhores 
de  Vinhaes,  tiveram  aqui  palacete  algum  ou 
residência  própria. 

A  construcção  dos  novos  paços  do  conce- 
lho principiou  em  1884. 

Esta  villa  pouco  soíTreu  com  a  guerra  pe 
ninsular,  porque  os  francezes  não  passaram 
de  Chaves  para  leste,— e  lambem  pouco  sof- 
freu  durante  as  guerras  civis  posteriores, 
alem  do  ineommodo  proveniente  do  abole- 
tamento  das  tropas. 

Teera  hoje  esta  villa  e  este  concelho  ape- 
nas dois  bacharéis  formados:— João  Fran- 
cisco Ferreira,  da  quinta  de  Salgueiros,  juiz 
de  direito  em  Serpa, — e  Antonio  Augusto 
Gomes  d'Almendra,  d'esta  villa,  delegado  do 
procurador  régio  era  Saiam. 

Hoje  as  ruas  prineipaes  d'esta  villa  são: 
— JfÍMa  Nova,  Rua  de  Cima,  Rua  de  Baixo, 
Rua  da  Crujéira,  Rua  das  Freiras,  Rua  de 
S.  Francisco  e  Arrabalde. 

Tem  este  concelho  3  pharmacias:~duas 
na  viila— e  uma  em  Rebordello. 


1  Fica  assim  rectificado  o  que  algures  dis- 
semos do  ribeiro  das  Trutas  e  do  de  Ria- 
çós. 


VIN 


VIN  1507 


Tem  a  villa  3  estalagens  e  uma  hospeda- 
ria na  rua  de  S.  Fraociáco, — outra  estala- 
gem no  Arrabalde— e  os  largos  seguintes: 

l.o— Arrabalde.  É  o  mais  espaçoso;  tem  1 
bons  edifícios  na  sua  circumferencia— e  o 
bello  chafariz  denominado  Fonte  do  Cano, 
brasonado  com  as  armas  reaea  porluguezas. 

Largo  da  Calçada,  junto  dos  novos 
paços  do  concelho. 

3.o_o  adro  da  matriz,  também  espaçoso 
e  muito  vistoso,  pois  domina  toda  a  villa  e 
seus  arrabaldes. 

Tem  finalmente  a  villa  2  feiras  mensaes, 
nos  dias  9  e  23. 

Hoje  as  principaes  festas  religiosas  d'e8ta . 
villa  e  d'esle  concfclho  são  as  seguintes  : 

1.  a_A  de  Nossa  Senhora  da  Assumpção, 
(padroeira)  a  15  d'ago8to. 

2.  «_A  festa  e  romagem  de  Nossa  Senhora 
dos  Remédios  em  Tuizello,  no  dia  8  de  se- 
tembro. 

3.  «_A  festa  e  romagem  de  Nossa  Senhora 
dos  Remédios  também,  na  freguezia  de  Nu- 
nes, no  1.»  domingo  de  agosto. 

4.._A  festa  dos  Reis  no  templo  dos  ir- 
mãos terceiros  da  villa,  a  6  de  janeiro. 

5.  » — A  festa  da  Immaculada  Conceição, 
pela  mesma  ordem  terceira. 

6.  ' — Finalmente  nos  ullimos  annosa  festa 
do  Santíssimo  Coração  de  Jesus,  pela  mesma 
ordem  terceira. 

Pessoas  notaríeis 

Com  rasão  se  orgulha  esta  villa  de  haver 
produzido  desde  os  tempos  mais  remotos 
muitas  pessoas  notáveis  nas  armas,  lettras  e 
virtudes;  mas,  para  não  abusarmos  da  pa- 
ciência dos  leitores,  mencionaremos  apenas 
as  seguintes : 

Simão  da  Costa  Pessoa. 

Foi  1."  barão,  1.'  visconde  e  1.»  conde  de 
Vinhaes,  tenente  general  e  governador  das 
armas  d'esta  província  de  Traz-os- Montes  e 
da  do  Minho,  onde  falleceu,  na  cidade  de 
Braga,  em  30  de  setembro  de  1H48,  tendo 
nascido  em  Vinhaes  em  15  de  setembro  de 
1789. 


Fez  a  guerra  da  península;  foi  um  dos 
7:500  bravos  do  Mindello;  commandou  as 
forças  do  Algarve  contra  o  celebre  Reme- 
chido,  que  aprizionou,— e  em  1847  comman- 
dou a  divisão  cariisla,  que  venceu  em  Setú- 
bal o  Sá  da  Bandeira,  eic. 

Casou  com  sua  prima  D.  Maria  Felicíssi- 
ma de  Moraes  Sarmento,  e  era  filho  de  José 
da  Costa  Pessoa  e  de  D.  Josepha  de  Moraes 
Sarmento. 

Como  fallecesse  sem  geração,  suceedeu  no 
morgado  da  esposa  o  sobrinho  d'ella — An- 
tonio Annibal  de  Moraes  Campilho,  hoje  tam- 
bém finado  e  representado  por  seus  filhos — 
Augusto,  Pedro,  D.  Felicíssima,  D.  Alcina, 
D.  Clotilde,  D.  Olinda  e  D.  Ignez. 

Simão  da  Costa  Pessoa  foi  feito  barão  de 
Vinhaes  em  17  de  junho  de  1840,— visconde 
do  mesmo  titulo  em  2  de  janeiro  de  1847— 
e  conde  a  27  de  junho  de  1862. 

Manuel  da  Cosia  Pessoa,  2."  barão,  2 » vis- 
conde e  conde  de  Vinhaes,  irmão  do  ante- 
cedente. 

Nasceu  em  12  d'abril  de  1795;  foi  também 
tenente  general,  commandante  e  governador 
das  armas  d'esta  província  de  Traz-os-Mon- 
tes  e,  sendo  transferido  para  o  commando 
das  armas  do  Alemiejo,  pediu  a  sua  refor- 
ma;—foi  eífectivamente  reformado  com  o 
posto  de  marechal  do  exercito— e  falleceu  na 
sua  casa  de  Vinhaes  em  19  de  dezembro  de 
1873. 

Casou  em  1840  com  D.  Maria  Rosa  Pinto 
Cardoso,  senhora  do  morgado  dos  Pintos 
Cardosos,  de  Mirandella,  viuva  de  Francisco 
de  Sousa  Vahia,  visconde  da  Pesqueira,  e 
teve  os  2  filhos  seguintes : 

—Simão  da  Costa  Pessoa,  3.»  conde  de  Vi- 
nhaes. 

Reside  na  sua  casa  de  Mirandella. 

—Manuel  da  Costa  Pessoa  Pinto  Cardoso, 
irmão  do  antecedente  e  filho  do  2."  conde  de 
Vinhaes. 

Casou  em  Villarelhos,  freguezia  do  con- 
celho d'Alfandega  da  Fé,  e  reside  alternada- 
mente ali  e  em  Villas  Bôas,  freguezia  do 
concelho  de  Villa  Flor. 

V.  Villarelhos  e  Villas  Boas. 

—João  Ferreira  Sarmento,  barão, 
visconde  e  1."  conde  de  Sarmento. 


1508  VIN 


VIN 


Nasceu  n'esta  villa  em  24  de  junho  de 
1792  e  viveu  em  Lisboa,  onde  casou  duas 
vezes,— a  1.»  com  D.  Carlota  Nogueira,— a 
2."  com  uma  dama  da  rainha  D.  Maria  II,— 
por  nome  I).  Maria  da  Conceição  Valle,  hoje 
condessa  de  Sarmento,  que  ainda  vive  em 
Lisboa  no  seu  palácio  da  rua  Nova  da  Pal- 
ma, viuva  e  sem  successào. 

O  fallecido  conde  de  Sarmento  ainda  tem 
irmãos  em  Vinhaes— e  foi  ajudante  de  cam- 
po d'el-rei  D,  Fernando,  tenente  general  e 
chefe  de  estado  maior  do  eommando  em 
chefe  do  exercito,  etc. 

— O  barão  de  Paulos,  José  Osorio  Col- 
mieiro  da  Veiga  Cabral  Caldeirão,  natural 
d'esta  villa,  onde  viveu  até  que  herdou  a 
grande  casa  de  Villa  Real  e  Paulos,  para  on- 
de transferiu  a  sua  residência,  approxima- 
damente  em  1821. 

— Antonio  Colmieiro  de  Moraes,  2.»  barão 
de  Paulos  e  filho  do  antecedente. 

Foi  general  do  exercito  de  D.  Miguel  e  te- 
ve um  filho  e  duas  filhas,  aos  quaes  deixou 
uma  grande  casa,  hoje  completamente  com-  ' 
promettida  pela  má  administração  do  seu 
genro  Manuel  da  Silveira  Pinto  da  Fonseca, 
neío  e  actual  representante  do  general  Ma- 
nuel da  Silveira  Pinto  da  Fonseca,  1."  mar- 
quez  de  Chaves  e  2.»  conde  d'Amarante,— e 
bisneto  do  general  Francisco  da  Silveira 
Pinto  da  Fonseca,  1."  conde  d'Amaraote. 

V.  Villa  Real  de  Traz-os- Montes,  vol.  XI^ 
pág.  1020. 

— Pedro  Ferreira  de  Campos  Sarmento, 
ascendente  da  nobre  família  Ferreiras  Sar- 
mentos  d'e8ta  villa. 

Foi  lhe  concedido  brazão  d'armas  em  il 
de  março  de  17S4,  sendo  tenente  de  grana- 
deiros em  Bragança. 

—  Pedro  Ferreira  de  Campos  Sarmento, 
avô  do  antecedente. 

Foi  mestre  de  campo  na  guerra  da  restau- 
ração, etc. 

Archivo  Heráldico  e  Genealógico,  pag.  545. 

—Antonio  Caetano  de  Moraes  Campilho, 
ascendente  da  nobre  família  Campilhos  d*esta 
villa  e  bacharel  formado  em  direito,  natural 
da  freguezia  de  Sobreiro,  d'este  concelho  de 
Vinhaes,  onde  foi  juiz  de  fóra,  etc. 

Em  16  de  maio  de  1777  lhe  foi  concedido 


o  brasão  d'armas  seguinte: — escudo  esquar- 
tejado;—no  1.»  quartel  as  armas  dos  Moraes; 
—no  2.»  as  dos  Soutellos;— no  3.»  as  dos  Ma- 
dureiras— e  no  4.°  as  dos  Sãs. 

No  citado  Archivo  Heráldico  e  Genealógico, 
pag.  33,  se  encontra  a  sua  genealogia  até  os 
quartos  avós  maternos  e  paternos. 

— Antonio  de  Moraes  e  Silva  i,  presby- 
tero  secular  do  habito  de  S.  Pedro,  natural 
d'esta  villa  e  n'ella  professor  régio  de  gram- 
matica  latina,  filho  de  Luiz  de  Moraes,  of- 
ficial  de  infanteria,  e  de  sua  mulher  Maria 
da  Silva. 

Em  15  de  fevereiro  de  1796  lhe  foi  con- 
cedido o  brasão  d'armas  seguinte:— escudo 
ovado  e  esquartelado;— no  1.°  quartel  as  ar- 
mas dos  Sonsas;— no  2."  as  dos  Moraes;— no 
3.0  as  dos  Silvas— e  no  4."  as  dos  Regos. 

Archivo  Heráldico  e  Genealógico,  pag.  76. 

— Dr.  João  Francisco  Ferreira  e  o 

— Dr.  Antonio  Augusto  Gomes  d'Almen- 
dra,  —  magistrados  contemporâneos,  dos 
quaes  já  fizemos  menção. 

— Emiliano  Antonio  de  Sousa,  venerando 
ancião  e  nosso  bom  amigo,  que  nos  tem  atu- 
rado com  resignação  evangélica  e  subminis- 
trado  muitos  apontamentos  para  este  e  ou- 
tros artigos,  pelo  que  mais  uma  vez  lhe  si- 
gnificamos a  nossa  gratidão. 

Nasceu  n'esta  villa  em  4  de  maio  de  1807 
e  já  completou  80  annos,  pois  estamos  em 
agosto  de  1887. 

Foram  seus  paes  José  Manuel  de  Sousa  ~e 
D.  Joanna  Magdalena  da  Veiga  que,  não  sen- 
do muito  ricos,  viveram  e  crearam  seus  fi- 
lhos com  decência  e  destinavam  este  para  o 
estado  ecclesiastico,  pelo  que,  tendo  apenas 
10  annos,  obtiveram  do  ordinário  licença 
para  elle  andar  tonsurado  e  cora  vestes  cie- 
ricaes,  quando  ainda  frequentava  instrucção 
primaria  e  se  dispunha  a  estudar  latim,  co- 
mo estudou,  na  antiquíssima  aula  regia 
d'esta  villa,  fazendo  exame  em  1822— data 


1  Não  se  confunda  com  o  seu  homonymo 
e  contemporâneo,  o  dr.  e  desembargador  An- 
tonio de  Moraes  Silva,  natural  do  Rio  de  Ja- 
neiro e  auclor  do  celebre  Diccionario  da 
Língua  Portugueza,  bem  conhecido  por  Dic- 
cionario de  Moraes. 


VIN 


VIN  1509 


em  que  se  matriculou  oa  aula  de  lógica  em 
Bragauça. 

No  mesmo  anno  recebeu  ordens  menores 
na  povoação  de  Cernadilha,  bispado  d'A8- 
torga,  em  Hespanha,  ministradas  pelo  bispo 
d'aquella  diocese  D.  Guilherme  Martins. 

Em  agosto  de  1824,  por  occasião  da  festi- 
vidade de  Nossa  Senhora  da  Assumpção,  pa- 
droeira d'esta  villa,  teve  uma  altercação  com 
o  seu  parocho  na  sacristia  da  egreja,  pelo 
que  o  joven  minorista  abandonou  a  carreira 
ecclesiastica  e  no  dia  1."  de  setembro  do 
mesmo  anno  assentou  praça  voluntariamente 
DO  regimento  de  infanieria  n.°  12,  em  Cha- 
ves, passando  em  dezembro  seguinte  para  o 
antigo  batalhão  de  caçadores  n."  9,  aquarte- 
lado em  Santo  Ovidio,  no  Porto;— n'aquelle 
batalhão  serviu  até  1827,— e,  porque  o  dicto 
batalhão  seguiu  o  partido  liberal,  opposto 
aos  sentimentos  polilicos  do  nosso  biogra- 
phado,  desertou  para  o  partido  miguelista, 
de  que  era  chefe  o  marquez  de  Chaves,  com 
o  qual  emigrou  para  a  Hespanha,  onde  es- 
teve até  1828. 

Regressando  á  pátria  e  reunindo-se  em 
Lamego  204  praças  do  seu  batalhão,  que  ti- 
nham seguido  o  partido  realista,  foram  es- 
tas divididas  pelos  batalhões  de  caçadores 
7  e  8,  indo  o  nosso  biographado  para  caça- 
dores 7,  batalhão  que  depois  formou  o  re- 
gimento de  Caçadores  do  Minho,  no  qual  mi- 
litou até  que,  sendo  brigadas,  foi  gravemente 
ferido  na  acção  do  Campo  Grande,  junto  de 
Lisboa,  em  10  d'outubro  de  1833,  e  no  anno 
seguinte  foi  julgado  incapaz  do  serviço  acti- 
vo e  despachado  alferes  dos  veteranos  de 
Miranda,  onde  nunca  se  apresentou,  porque 
desde  aquella  data  até  á  convenção  d'Evora- 
monte  se  conservou  era  Santarém; — d'ali  re- 
gressou á  sua  casa  de  Vinhaes,  onde  vivcu 
até  1886,  data  em  que  passou  para  a  fregue- 
zia  de  Mofreita,  onde  vive  actualmente,  na 
companhia  do  rev.  capellão  do  Recolhimento 
das  Oblatas  do  Menino  Jesus,  que  muito  o  es- 
timam e  consideram  por  ser  uma  excellente 
pessoa  e  um  dos  mais  insignes  bemfeitores 
d'aquelle  santo  instituto. 

V.  Villa  Verde,  de  Mirandella,  vol.  Xí, 
pag.  1097,— e  Mofreita  n'e8le  diceionario  e 
no  supplemento. 


Fr.  Antonio  de  Jesus,  missionário  apostólico, 
fundador  do  convento  ou  seminário  da 
Falperra. 

Este  Ínclito  varão  nasceu  na  aldeia  da 
Lama,  freguezia  de  Parada,  concelho  de 
Coura,  era  1774,  sendo  filho  legitimo  de 
Francisco  Fernandes  e  de  sua  mulher  Maria 
Josepha  d'Araujo,  pessoas  honestas,  mas 
pouco  remediadas. 

Desde  a  mais  tenra  infância  mostrou  pro- 
nunciada vocação  para  o  sacerdócio,  mas 
seus  paes,  por  falta  de  meios  para  o  ordena- 
rem, não  queriam  que  elle  estudasse.  A  custo 
consentiram  que  o  pobre  moço  estudasse 
gramraatiea  latina  com  o  professor  régio  An- 
tonio Pereira,  da  freguezia  de  Formariz,  n'a- 
quelle  concelho. 

Vindo  á  sua  parochia  em  missão  os  reli- 
giosos franciscanos  de  Vinhaes,  elle  lhes  pe- 
diu para  o  acceitarem  n'aquella  ordem  e, 
acompauhando-os,  recebeu  o  habito  e  pro- 
fessou no  seminário  franciscano  d'esta  villa 
de  Vinhaes  em  1789. 

Foi  um  religioso  perfeito,  exemplar  no 
cumprimento  dos  seus  deveres  e  guardião 
zelosíssimo  na  educação  dos  noviços. 

Depois  de  professar,  só  uma  vez  entrou  na 
casa  paterna,  a  pedido  de  sua  mãe. 

Foi  um  estudante  distincto,  muito  versado 
em  diversas  linguas, — português,  francez, 
inglez,  hebraico,  italiano  e  hespanhol,— e  nas 
lettras  divinas  e  humanas,  sobre  tudo  na 
verdadeira  sabedoria  que  é  o  santo  temor  de 
Deus,  pelo  que  os  homens  piedosos  muito  o 
estimavam  e  respeitavam— e  os  impios  e  jan- 
senistas  o  calumniaram  e  perseguiram  cruel- 
mente. 

Deu  começo  ao  convento  de  missionários 
apostólicos  no  monte  da  Falperra,  em  1826. 
mediante  um  breve  do  Papa  Leão  XII  e  lu- 
ctando  com  grandes  difflculdades,  que  ven- 
ceu. 

Era  abril  de  1833  recolheu-se  Fr.  Anto- 
nio de  Jesus  ao  seu  convento  da  Falperra, 
d'onde  foi  expulso  em  1834,  padecendo  des- 
de então  grandes  trabalhos  e  perseguições. 


1510  VIN 


VIN 


Depois  de  1834  foi  constituido  por  Grego- 
rio XVÍ  vigário  apostólico  em  todo  o  reino 
de  Portugal  e  admioistrador  provisório  do 
arcebispado  de  Braga  no  calamitoso  tempo 
do  scisma,  contra  o  qual  escreveu  muito, 
defendendo  a  unidade  da  Egreja  e  indicando 
aos  caihulicos  portuguezes  o  caminho  que 
deviam  seguir,  pelo  que  se  expoz  à  maior 
perseguição. 

A  sua  vida  foi  a  de  um  santo,  sempre 
austero  o  penitente  para  comsigo,— aíTavel 
6  benigno  para  com  os  outros, — e  expirou 
santamente  em  Mofreita,  n'este  concelho  de 
Vinhaes,  a  20  d'outubro  de  1841. 

Publicou  grande  numero  d'obra8  com  re- 
lação ás  questões  religiosas  de  Portugal,  dei- 
xando inéditas  outras,  algumas  das  quaes 
teem  sido  dadas  ao  prelo*  em  nossos  dias. 
Mencionaremos  apenas  duas  das  mais  notá- 
veis:— Exposição  da  fè  que  professam  os  pa- 
rochos  e  presbyteros  ortodoxos  de  Portugal, 
—impressa  era  1841,— e  a  Historia  abrevia- 
da da  decadência  e  queda  da  Egreja  Lusita- 
na., .—publicada  em  1863. 

A  i.»  foi  dedicada  pelo  auctor  á  memoria 
€  ortodoxia  do  Ex.'^°  e  Rev."">  Sr.  D.  Anto- 
nio da  Veiga,  Bispo  de  Bragança,  pois  con- 
vém notar-se  que  o  santo  e  martyr  bispo  de 
Bragança,  D.  Antonio  Luiz  da  Veiga  Cabral 
e  Camara,  1  foi  o  mestre  de  Fr.  Antonio  de 
Jesus  e  que  este  em  1818,  vendo-o  a  braços 
com  as  maiores  tribulações,  foi  a  Roma  in- 
formar o  Pontiflce  Pio  VII  e  felizmente  con- 
seguiu que  o  prelado  fosse  restituído  à  sua 
diocese. 

D.  Antonio  Luiz  da  Veiga  foi  um  santo  e 
martyr  e  Fr.  Antonio  de  Jesus  um  seu  di- 
gno diseipulo. 

Veja-se  no  Progresso  Catholico  de  15  de 
fevereiro  do  corrente  anno  de  1887  o  inte- 
ressante artigo  que  ao  nosso  biographado 
dedicou  o  sr.  Padre  João  Vieira  Neves  Cas- 
tro e  Cruz,  nosso  bom  amigo  e  muito  illus- 
trado  collega. 


Muito  mais  podíamos  dizer  de  Fr.  Anto- 
nio de  Jesus,  porque  temos  sobre  a  nossa 
banca  de  estudo  largo  extracto  de  uma  das 
suas  obras  inéditas  mais  interessantes  e  que 
se  já  estivesse  publicada,  com  certesa  abran- 
daria o  animo  dos  liberaes  e  ultra  liberaes, 
que  tanto  o  teem  ho&tilisado. 

Intitula  se  ella  :  —  i Narração  abreviada 
dos  padecimentos  que  viu  e  como  pôde  alli- 
viou  Fr.  Antonio  de  Jesus,  Missionário  Apos- 
tólico do  Seminário  do  Monte,  nas  prisões  da 
Torre  de  S.  Julião  da  Barra,  em  dezembro  de 
J832,  janeiro,  fevereiro  e  março  de  1833, . . . 
. .  .e  outros  acontecimentos  posteriores,  es- 
cripta  por  elle  mesmo.* 

A  dieta  obra  é  guardada  como  relíquia 
pelo  muito  virtuoso  e  venerando  ancião  Fr. 
José  da  Santíssima  Trindade,  natural  de 
Villa  Flor  de  Traz-os-Montes  e  ali  residente» 
que  foi  religioso  professo  no  convento  da 
Falperra  e  que  é  hoje  talvez  a  única  ver- 
gontea  que  ainda  resta  Q'aquelle  seminá- 
rio i. 

Bem  quizeramos  transcrever  alguns  tre- 
chos da  dieta  obra,  mesmo  por  estar  inédita 
e  exposta  a  desapparecer  de  um  momento 
para  o  outro,  mas,  alem  de  ser  este  artigo 
menos  próprio  para  a  transcripção,  vae  mui- 
to longo  já.  Reservamol-a  pois  para  o  sup- 
plemento  ao  artigo  Falperra  ou  Parada  de 
Coura;  entretanto  diligenciaremos  dar  co- 
nhecimento d'ella  ao  publico  em  algum  jor- 
nal catholico. 

N'ella  conta  Fr.  Antonio  em  resumo  e  com 
a  auctoridade  que  lhe  é  própria,  os  relevan- 
tes serviços  que  prestou  com  a  maior  dedi- 
cação e  abnegação  e  com  risco  da  própria 
vida  aos  presos  políticos  liberaes  que  peja- 
vam a  Torre  de  S.  Julião,  indo  espontanea- 
mente viver  com  elles,  suavisando-lhes  o  ri- 
gor do  captiveiro,  transferindo  a  muitos  das 
prisões  mais  lobregas  para  outras  com  luz 
e  ar,  confortando-os  a  todos,  repartindo  com 
todos  os  seus  parcos  recursos  e  esmolando 


1  V.  Villa  Verde  de  Mirandella,  vol.  XI, 
pag.  1097, — e  Bragança,  Fornos  de  Ledra  e 
Mofreita  no  supplemento  a  este  diccionario. 


1  V.  Villa  Flor  de  Traz-os-Montes,  vol. 
XI,  pag.  735,  col.  1.*  e  2.* 


VIN 


VIN  1511 


pelas  ruas  de  Lisboa  e  pelas  casas  das  suas 
relações  para  valer  lhes  em  Ião  negra  con- 
juncíura. 

,  Com  magua  também  conta  por  ultimo  as 
perseguições  que  solíreriam  elle,  o  seu  con- 
vento e  os  seus  seminaristas,  depois  da  ex- 
tineção  das  ordens  religiosas,  sem  que  lhes 
valessem,  como  bem  podiam  e  por  gratidão 
deviam,  muitos  dos  íiberaes  que  elle  tauto 
beneíieiou  no  cárcere  ?  I . . . 

No  mesmo  convento  franciscano  d'esta 
Villa  foi  também  religioso  professo  Fr.  Se- 
bastião de  Santa  Clara,  escriptor  publico. 

É  auctor  da  Voz  da  verdade  aos  portu- 
{juezes,  seduzidos  pela  wenííra,— opúsculo 
impresso  em  i836  e  que  provocou  em  res- 
posta o  Exame  critico,— segnaáo  se  lê  no 
Diccionario  Bibltographico  de  Innocencio. 

VINHAES  O  VELHO,  —  âliks  —  Unhaes  o 
Velho,  freguezia  do  concelho  da  Pampilho- 
sa, di.-tlricto  e  diocese  de  Coimbra, 

Em  10  de  junho  de  1797  foi  concedido 
brasão  d'armas  a  Antonio  Fernandes  Alva- 
res de  Carvalho,  natural  de  Vinhaes  (Unhaes) 
o  Velho,  termo  da  Covilhã,— segundo  se  lé 
no  Archivo  Heráldico  Genealógico  do  nosso 
bom  amigo,  o  sr.  visconde  de  Sanches  de 
Baêna,  pag.  44,  u.°  i6i. 

O  dicto  Antonio  Fernandes  era  capitão  de 
uma  companhia  da  legião  auxiliar  da  ilha 
Grande  de  Joannes,  no  Grão  Pará,  filho  de 
Manuel  Fernandes,  irmão  de  Antonio  Fer- 
nandes de  Carvalho,  capitão  de  uma  das 
companhias  do  Terço  auxiliar  da  dieta  ci- 
dade,—bisneto  de  Miguel  Alvares,  primo  de 
Domingos  Alvares  Pereira,  que  militou  nos 
reinados  de  D.  João  IV,  D.  Alfonso  VI  e  D. 
Pedro  II,  em  cujo  tempo  foi  nomeado  sar- 
genlo-mór  para  os  estados  da  índia. 

Aquelle  brasão  d'armas  foi  o  seguinle: — 
escudo  esquartelado;  no  1.»  quartel  as  ar- 
mas dos  Fernandes;  no  2.°  as  dos  Alvares; 
no  3,°  as  dos  Carvalhos — e  no  4.»  as  dos  Pe- 
reiras. 

Da  mesma  casa  era  natural  D.  Josepha 
Maria  Joaquina  Alvares  Pereira  de  Carva- 
lho, filha  de  Manuel  Fernandes  e  irmã  de 
Antonio  Fernandes  de  Carvalho,  menciona- 
dos supra.  Á  dicia  senhora  em  29  de  junho 


de  1799  foi  lambem  concedido  o  brazão  d'ar- 
mas  seguinte:— Uma  lisonja  partida  em  pa- 
la; a  1.»  de  prata  lisa  e  a  2.'  esquarielada; 
—no  1.°  quartel  as  armas  dos  Fernandes; 
no  2.°  as  dos  Alvares;  no  3.°  as  dos  Carva- 
lhos—e no  4."  as  dos  Pereiras,— como  se  lô 
no  Archivo  Heráldico,  pag,  430,  n.»  1699. 

O  mencionado  Archivo  He- 
ráldico e  Genealógico  diz  cla- 
ramente Vinhaes-o- Velho  nos 
dois  lugares  citados,  e  não  tem 
erratas,  mas,  salvo  o  respeito 
devido  ao  seu  illustrado  au- 
ctor, leia-se  Unhaes-o- Velho, 
hoje  freguezia  do  concelho  da 
Pampilhosa,  dislricto  e  dioce- 
se de  Coimbra,  na  provinda 
do  Douro. 

Solatium  est  miserisl»,. 

Veja-se  o  artigo  Unhaes  o  Velho,  tomo  X, 
pag.  11,  col.  2.»- e,  aproveitando  o  ensejo, 
accressentaremos  o  seguinte  : 

A  povoação  de  Unhaes  o  Velho  demora  em 
sitio  fundo  entre  escarpada  penedia,  na  fal- 
da da  Serra  de  Unhaes,  parte  integrante  da 
Serra  da  Estrella,  precisamente  na  margem 
direita  e  quasi  na  nascente  do  rio  de  Unhaes, 
que  tem  cerca  de  40  kilometros  de  curso  e 
morre  na  direita  do  Zêzere. 

Dista  da  Pampilhosa,  villa  e  séde  do  con- 
celho, cerca  de  20  kilometros  para  N.  E.— 
e  40  da  villa  da  Covilhã  para  S.  O.,  metten- 
do-se  de  permeio  muitos  rios,  ribeiros,  ser- 
ras e  alcantilados  barrancos,  pelo  que,  len- 
do pertencido  ao  concelho  da  Covilhã,  pas- 
sou para  o  da  villa  de  Fajão,  distante  ape- 
nas 15  kilometros,  e,  sendo  extincto  este 
concelho  por  decreto  de  2i  d'outubro  de 
1855,  passou  para  o  da  Pampilhosa. 

Freguezias  limilrophes:— Fajão  a  N.  O.; 
— Vidual  de  Cima  a  S.  O.;— Dornellas  a  S. 
E,— todas  d'este  concelho  da  Pampilhosa,— 
e  Bodelhão,  concelho  do  Fundão,  dislricto  de 
Castello  Branco,  diocese  da  Guarda,  a  E. 

Comprehende  as  povoações  ou  aldeias  se- 
guintes:—ÍJn/iaes  o  Velho,  séde  da  parochia, 
— Means,  Malhada  do  Rei,  Seladinhas,  Erve- 


1512  VIN 


VIN 


dal,  Povoa  da  Raposeira— e  os  casaes  de 
Azival  e  Aradas. 

Clima  saudável,  mas  áspero,  variando  com 
a  enorme  differença  das  estações  e  da  alti- 
tude:—muito  cálido  em  junho,  julho  e  agos- 
to na  margem  do  rio  e  temperado  nas  en- 
costas e  serras;— nos  outros  mezes  apenas 
pôde  viver-se  na  parte  baixa,  porque  as  en- 
costas e  serras  estão  quasi  sempre  cobertas 
de  neve. 

Producções  dominantes:  —  milho,  trigo, 
batatas,  castanhas,  hervagens,  fructa  e  al- 
gum vinho  nas  quebradas  fundas  e  na  mar- 
gem do  rio;— nas  encostas  e  serras  apenas 
centeio,  ordinariamente  semeado  e  colhido 
em  agosto  ! . . . 

Também  cria  bastante  gado  lanígero  e  é 
mimosa  do  afamado  queijo  da  Serra  da  Es- 
trella e  de  caça  grossa  e  miúda: — lebres, 
coelhos,  perdizes,  lobos  e  rapozas. 

Também  colhe  muito  peixe  e  muito  sabo- 
roso no  seu  rio,  nomeadamente  trutas. 

Esta  parochia  pelo  ultimo  recenseamento 
contava  123  fogos  e  552  habitantes." 

Denominou-se  Unhaes  o  Velho  para  me- 
lhor se  distinguir  de  Unhaes  da  Serra,  dis- 
tante cerca  de  20  kilometros  para  N.  E.,  no 
concelho  da  Covilhã. 

A  Unhaes  da  Serra,  não  a  este  Unhaes  o 
Velho,  pertencem  as  afamadas  ihermas  de 
Unhaes. 

As  suas  aguas  teem  a  mesma  mineralisa- 
ção  das  de  Manteigas,  que  brotam  cerca  de 
20  kilometros  a  N.  E.,  mas  na  sua  applica- 
çâo— estas  são  admiráveis  para  tratamento 
do  rheumatismo— e  aquellas  para  tracta- 
mento  de  moléstias  cutâneas,  porque  as  de 
Manteigas  brotam  em  terreno  extremamente 
fundo,  abafado  e  ardentíssimo  de  verão,  no 
leito  do  rio  Zêzere,  *  eroquanto  que  as  de 


1  Em  1881,  quando  iamos  com  a  Expedi- 
ção Scientifica  para  a  Serra  da  Estrella,  che- 
gámos no  dia  4  d'agosto  a  Manteigas,  onde 
almoçamos  esplendidamente  e  nos  demora- 
DQos,  desde  as  9  horas  da  manhã  até  ás  6  da 
tarde.  Quizemos  entretanto  visitar  as  suas 
thermas,  distantes  apenas  2  kilometros,  e 
ainda  fomos  com  o  nosso  bom  amigo  Lopes 
Mendes,  illustrado  auctor  da  índia  Pittores- 


Unhaes  brotam  em  sitio  muito  mais  alto, 
mais  arejado  e  mais  ffesco. 

Em  1708  a  freguezia  de  Unhaes  o  Velha 
contava  apenas  90  fogos— e  o  seu  paroeho 
era  cura  da  apresentação  do  vigário  de  San' 
ta  Maria  da  Covilhã. 

VINHAL,— terra  de  vinhedos. 

É  o  singular  de  Vinhaes  e  tomou  o  nome 
de  vinha,  como  outras  muitas  nossas  povoa- 
ções, casat^s,  terras,  herdades  e  quiQia.x,  v.  g. 
— Vinha,  Vinhas,  Vinhaes,  Vinhaça,  Vinhão, 
Vinheira,  Vinheirão,  Vinheiro,  Vinheiros, 
Vinhó,  Vinhos,  etc— e  de  vide  e  videira  to- 
maram o  nome  as  povoações,  casaes,  quin- 
tas e  herdades  seguintes:— Fida/,  Vidaesy 
Vide,  Vides,  Vidago,  Avidagos,  Vidigão,  Vi- 
deira, Videiras,  Vidigal,  Vidigão,  Vidiguei- 
ra, Vidigueiras,  etc. 

Etymologia  similhante  á  de  Vinhal  teem 
os  nomes  de  linhal,  azinhal,  pinhal,  olival, 
zambujal,  meloal,  morangal,  cannavial,  su- 
magral,  etc. 

Com  o  nome  de  Vinhal,  de  que  no  mo- 
mento nos  occupamos,  ha  no  nosso  paiz  12 
aldeias,  i  herdade,  1  casal  e  3  quintas— e, 
para  não  fatigarmos  os  leitores,  fallaremos 
apenas  da  nobre  e  antiga  casa  e  quinta  do 
Vinhal,  em  Villa  Nova  de  Famalicão. 

Foi  vinculada  e  constituída  em  morgado 
por  Francisco  de  Barros  e  Azevedo,  familiar 
do  santo  offlcio,  filho  de  Manuel  do  Couto  de 
Azevedo  e  de  sua  mulher  D.  Isabel  de  Bar- 
ros e  Faria,  da  illustre  casa  de  Val  Melho- 
rado, junto  de  Pombelro,  em  Riba-Vizella. 

O  instituidor  foi  também  cavalleiro  pro- 
fesso da  O.  de  S.  Thiago  e  militou  na  guerra 


ca,  até  o  fundo  da  villa,  mas  o  sol  era  tão 
áspero  que  o  valle  do  Zêzere  parecia  uma 
fornalha  candente  ! 

Não  tivemos  coragem  para  avançar,  posto 
que  estávamos  vendo  no  fundo  da  estreita 
e  abafada  ravina  as  humildes  casas  dos  ba- 
nhos que  ao  tempo  constituíam  aquella  es- 
tancia thermal. 

A  biographia  do  sr.  Antonio 
Lopes  Mendes  pôde  ver-se  no 
artigo  Villa  Real  de  Traz -os - 
Montes,  tomo  XI,  pag.  l:39i 
in-fine  e  segg. 


VIN 


VIN  1513 


da  aeclamação  com  armas,  cavallos  e  crea- 
do8  á  sua  custa. 

Oulro  fidalgo  cl'esta  casa  cuja  família  é 
um  ramo  dos  Azevedos,  foi  Francisco  do 
Coulo  Azevedo,  eav.  prof.  na  mesma  O.  de 
S.  Thiago,  que  serviu  i2  annos  na  índia, 
aehando-se  na  conquista  de  Ceilão,  Ormuz, 
6  Candia  e  casou  em  Villa  do  Conde  com 
D.  Angela  Alvares  da  Cosia,  filha  de  Anto- 
nio Alvares  da  Costa,  armado  cavalleiro  em 
uma  acção  militar  na  índia  por  D.  Manuel 
Pereira,  a  27  de  dezembro  de  1609. 

O  dr.  Antonio  Ribeiro  de  Queiroz  Morei- 
ra, senhor  d'e8ia  casa  pelo  seu  casamento 
com  a  herdeira  d'ella— D.  Thomazia  Clara 
d'Azevedo, — foi  em  1835  o  1."  presidente  da 
camará  de  Villa  Nova  de  Famalicão. 

V.  tomo  XI,  pag.  820,  col.  2.' 

Esta  casa  e  quinta  do  Vinhal  demoram  em 
terreno  mimoso  e  fértil  e  em  sitio  muito  vis- 
toso e  pittoreseo,  cerca  de  4  kilometro  a  O. 
de  Villa  Nova  de  Famalicão  e  no  termo  da 
paroehia  d'e8ia  villa.  Foram  modernamente 
restauradas  e  muito  alindadas  pelo  seu 
actual  possuidor  e  representante,  o  sr.  José 
de  Azevedo  Menezes  Cardoso  Barreto,  e  nun- 
ca ostentaram  lanla  louçania  nem  tiveram 
tanto  relevo,  porque  a  linha  férrea  do  Mi- 
nho e  a  nova  estrada  a  macadam  da  villa 
para  a  sua  estação  na  linha  férrea  cortaram 
esta  formosa  vivtíuda  de  N.  a  S.,  exproprlan- 
do-lhe  9:363  melros  quadrados,  no  valor  de 
4:450iíOOO  réis  e  dando-lhe  mais  mereci- 
mento do  que  tinha  anteriormente,  pois  fi- 
cou muito  mais  accessivel  para  trens  de  to- 
da a  ordem.  —  O  palacete  domina  um  ex- 
tenso lanço  da  via  férrea,  que  passa  em  plano 
um  pouco  inferior  a  50  metros  de  distancia, 
mettendo-se  de  permeio  os  jardins;— tem  á 
sua  direita,  distante  cerca  de  200  metros 
para  o  sul,  a  estação  da  villa. — e  amplas  vis- 
tas sobre  a  villa  e  seus  formosos  arrabaldes, 
o  que  tudo  torna  hoje  esta  vivenda  uma  das 
primeiras  do  Minho. 

Foi  também  cortada  pela  via  férrea  do 
Porto  à  Povoa  e  Famalicão  em  linha  obli- 
qua a  O.  do  palacete,  que  ficou  entre  as  duas 

linhas,  em  contacto  com  as  duas  estacões,  I 

I 

cercado  de  luxuosos  vinhedos,  bons  campos,  i 


jardins  e  pomares,  tudo  vedado  por  muro8 
e  com  solidas  passagens  sobre  as  raenciona- 
das  linhas. 

Tem  o  palacete  uma  linda  capella  braso- 
nada, com  a  invocação  de  Nossa  Senhora  do 
Carmo.  Foi  também  modernamente  restau- 
rada e  feita  de  novo,  mas  é  muito  antiga. 
N'ella  celebrou  o  arcebispo  de  Braga  D.  Ro- 
drigo de  Menezes,  em  9  e  10  de  dezembro  de 
1704,  quando  ia  tomar  posse  da  sua  diocese 
e  se  hospedou  n'esla  casa. 

Também  na  mesma  capella  ouviu  missão 
infante  arcebispo  D.  José,  quando  na  sua  ida 
para  Braga  se  hospedou  lambem  n'e8ta 
casa. 

Tinha  a  capella  n'aquelle  tempo  a  invoca- 
çã(»  de  S.  Francisco; — depois,  com  a  restau- 
raçàp,  tomou  a  de  Nossa  Senhora  do  Carmo. 

A  quinta  é  espaçosa  e  muito  abundante 
d'agua.  Atravessa-a  um  ribeiro  que  nasce  no 
sitio  da  Forcada,  freguezia  de  Bruffe;— jun- 
ta-se  em  Villa  Nova  ao  ribeiro  de  S.  Thiago 
d'Antas— e  morre  no  Ave. 

Succedeu  a  sua  mãe  D.  Thereza  Maria 
d'Azevedo— n'esta  casa  e  é  actual  possuidor 
d'ella  o  sr.  José  d'Azevedo  Menezes  Cardoso 
Barreto,  luuço  F.  C.  R.  com  exercício  no 
paço  e  cavalheiro  de  muito  merecimento, 
casado  cora  sua  prima  D.  Mana  Julia  Fal- 
cão Pinheiro  d'Azevedo  Bourbon  e  Meneses, 
senhora  da  casa  solar  dos  Pinheiros  de  Bar- 
cellos,  por  doação  testamentária  de  seu  tio 
materno  conde  d'Azevedo. 

O  actual  senhor  e  representante  d'esta  ca- 
sa do  Vinhal  é  descendente  por  varonia  e 
lambera  repressniante  da  nobre  casa  da  Por- 
tella,  freguezia  de  S.  Jorge  de  Cima  Celhe, 
junto  de  Guimarães,  ^ — e  a  sua  esposa  é  a 
senhora  e  representante  da  casa  solar  dos 
Pinheiros  de  Barcellos,— não  o  sr.  visconde 
de  Pindella,  como  disse  por  lapso  o  meu  be- 
nemérito antecessor  no  artigo  Guimarães, 
vol.  III,  pag.  363,  col.  in-fine. 

A  nobre  casa  da  Portella  de  Cima  Celhe  ó 
um  ramo  segundo  da  do  Paço  de  Nespe- 
reira. 


1  V.  Celho  (o  3.»)  vol.  2."  pag.  229,  col.  i.« 


1514  VIN 


VIN 


Vol.  VI,  V.  pag.  33.  I 
Está  pois  actualmente  na  casa  do  Vinhal  ! 
a  representação  das  casas  da  Porfella  e  dos  i 
Pinheiros  e  deve  representar  as  tres  o  filho 
primogénito  dos  actuaes  senhores  da  casa  do 
Fin/ia/,  — Francisco  Manuel  de  Menezes  Pi- 
nheiro d'Azevedo. 

A  casa  solar  dos  Pinheiros  de  Bareellos 
foi  fundada  pelo  dr.  Pedro  Esteves  e  sua 
mulher  D.  Isabel  Pinheiro,  filha  de  Martira 
Lopes  Lobo,  da  família  do  marquez  d'Alvi- 
to,  e  de  D.  Mor  Esteves  Pinheiro,  da  quinta 
e  torre  d'Ovtiz.  freguezia  d'este  nome,  con- 
celho de  Villa  Nova  de  Famalicão. 

O  dr,  Pedro  Esteves  foi  ouvidor  das  ter- 
ras do  l.»  duque  de  Bragança  e  era  filho  de 
Estevam  Annes  de  Penella,  parente  e  com- 
panheiro do  santo  condpstavel  — Teve  um 
primo  também  de  nome  Pedro  Esteves,  que 
serviu  nas  guerras  contra  Castella  no  tempo 
d'EI-rei  D.  Fernando,— casou  com  D.  Maria 
Annes,  filha  de  João  Annes  Maceiro  e  de 
Constança  Garcez.— e,  segundo  dizem  alguns 
escriptores,  foram  os  paes  de  Gil  Pires  e  de 
D.  Tgnez  Pires,  mãe  do  1.»  duque  de  Bra- 
gança. 

Sustenta  largamente  esta  opinião  o  douto 
genealógico  José  da  Costa  Felgueiras  Gajo, 
no  seu  volumoso  nobiliário  em  32  grandes 
fólios,  que  deixou  á  Misericórdia  de  Bareel- 
los, em  cujo  archivo  se  guarda  e  pôde  ler-?e. 

A  mesma  opinião  segue  também  o  abbade 
de  Esmoriz  no  geu  Apparato  Genealógico, 
tomo  I,  tit.  Braganças,  i  mas  a  questão  não 
é  liquida  nem  nós  queremos  envolver-nos 
n'ella,  mesmo  porque  o  meu  antecessor  já 
disse  o  bastante  nos  artigos  Castanheira, 
vol.  II,  pag.  160,-  Guarda,  vol.  III,  pag.  338, 
— e  Veiros,  tomo  X,  pag.  260. 

Na  torre  e  casa  solar  dos  Pinheiros  de 
Bareellos,  visinha  dos  antigos  paços  dos  du- 
ques de  Bragança,  e  na  face  que  olha  para 


1  Esta  obra  ainda  ms.  comprehende  5  vo- 
lumes;— foi  do  conde  d  Azevedo,  que  a  en- 
riqueceu com  muitas  notas— e  é  hoje  do  seu 
sobrinho  e  herdeiro,  dono  da  quinta  do  Vi- 
nhal. 


I  elles,  se  vé  junto  da  cornija  uma  cara  com 
!  grandes  barbas  e  uma  mão  puxando  porel- 
1  las,— figura  que  (dizem)  allude  à  lenda  do 
Barbadão  e  está  indicando  que  elle  descen- 
dia do  fundador  da  dieta  casa. 

Deixo  aos  curiosos  o  trabalho  de  averi- 
guarem a  paternidade  da  commendadeira  de 
Santos. 

Para  as  armas  da  nobre  família  do  Vi- 
nhal e  suas  allianças,  vejam-se  os  citados 
artigos  Castanheira  e  Nespereira. 

Vinhal  também  já  foi  appellido  nobre. 
Em  uma  composição  que  na  era  de  1306 
(anno  1268)  fez  el-rei  D.  Affonso  III  com 
Mendo  Rodrigo  de  Briteiros  e  sua  mulher 
Maria  Joanna,  relativamente  a  certas  terras., 
assignam  com  o  rei  vários  ricos  homens  e 
outros  do  seu  conselho,  entre  elles.il/arímo 
Johanis  de  Fmo/,— Martinho  Joannes  do  Vi- 
nhal. 

Dissert.  Ch^-onol.  e  Crit.  de  João  Pedro  Ri- 
beiro, tomo  1.»  pag.  270,  n.°  LVII. 

Terminaremos  dizendo  que  esta  quinta  do 
Vinhal  e  a  freguezia  de  Villa  Nova  de  Fa- 
malicão sofl'reram  muito  com  os  temporaes 
de  1876. 

Ás  4  horas  da  manhã  do  dia  1  de  dezem- 
bro do  dieto  anno  rebentou  sobre  avillaum 
grande  tufão,  acompanhado  de  trovoada  me- 
donha e  de  chuva  diluviana,  que  inundou 
muitas  casas  da  villa  e  causou  enormes  pre- 
juisos. 

Na  praça  da  Motta  foi  preciso  salvar  os 
moradores  pelas  janellas.  Cairam  varias 
pontes  da  linha  férrea;— desappareceram 
20  melros  da  mencionada  linha  e  da  estrada 
a  macadám  junto  da  ponte  do  Vinhal,— en& 
estrada  de  Villa  Nova  de  Famalicão  para 
Guimarães  desappareceu  a  solida  ponte  de 
Villar,  que  foi  levada  na  torrente  pelos  moi- 
nhos que  estavam  a  montante,  na  aldeia  do 
Molledo. 

Houve  também  por  essa  occasião  gran- 
des inundaçõps  na  Povoa  de  Varzim, 
Darque,  Vianna  do  Castello,  Braga,  Porto, 
ete. 

VINHÃO,  Sousão  e  Tinta. 
Assim  se  denomina  uma  das  muitas  va- 
riedades de  cepas  no  Minho  e  no  Douro. 


VIN 


VJN  1515 


É  uma  das  caslas  que  rebenta  mais  tar- 
de, mas  vinga  bem,  e  dá  muitos  cachos;  por 
isso  que  vindo  o  fructo  mais  serôdio  escapa 
melhor  aos  frios  e  a  sua  producçao  torna-se 
mais  regulando  que  n'outra8  castas  mais  têm- 
poras que  se  queimam  com  as  ultimas  gea- 
das. O  sousão  sendo  uma  das  castas  mais 
tardias  a  produzir,  é  ao  mesmo  tempo  uma 
das  mais  precoces.  Pinta  e  amadurece  pri- 
meiro que  as  outras  variedades. 

O  sousão  é  lambem  chamado  vinhão  por 
produzir  muito  vinho;  e  tinta  por  excellen- 
cia,  por  ser  a  casta  mais  abundante  em  côr 
(oenocianina)  que  se  cultiva  no  Minho. 

Na  verdade  o  seu  mosto  é  excessivamente 
carregado  de  côr,  fazendo  uma  differença 
muito  grande  de  todas  as  outras  castas  n'esta 
particularidade.  É  por  assim  dizer  esta  casta 
que  dá  a  côr  aos  vinhos. 

Esta  casta  é  a  roais  recommendada  no  dis- 
trieto  do  Porto.  Produz  bem  de  embarrado, 
em  ramadas  ou  parreiras,  em  latadas  ou 
bardos  e  em  vinha  baixa  igualmente,  se- 
gundo experiências  feitas  por  alguns  lavra- 
dores do  districto  e  no  Douro,  onde  também 
se  encontra. 

A  cepa  é  grossa,  forte,  de  pelle  lisa,  e 
veste  bem  a  arvore. 

Varas  ou  sarmentos  grossos,  mas  não  mui- 
to compridos,  elásticos,  com  os  merithallos, 
olhos,  peciolos  das  folhas,  pedúnculos  dos 
cachos,  e  as  gavinhas  ou  élos  regulares,  e 
estas  duplas  ou  bifurcadas. 

Folha  li?a  e  aberta,  de  fórma  arredonda- 
da, pubescente  na  pagina  inferior,  pouco  es- 
pessa e  de  côr  escura,  parecendo  trilobada 
em  virtude  de  ter  dois  í-eios  profundos,  com 
recortes  grandes  e  direitos.  Sua  folha é  uma 
das  primeiras  a  avermelhar  e  a  cahir  no  ou- 
tono. Cacho  grande,  cónico,  pouco  alado  e 
um  pouco  fechado;  bago  redondo,  grande, 
de  pi-lle  fina  e  muito  rica  em  cenocianina,  de 
sabor  doce  e  de  côr  preta,  parecendo  azu- 
lada pein  pó  ou  cera  que  cobre  os  bagos. 
Encontram-se  dois  e  tres  cachos  por  sar- 
mento. 

VINHAS,— freguezia  do  concelho  e  comar- 
ca de  Macedo  de  Cavalleiros,  districto  e  dio- 
cese de  Bragança,  província  de  Traz-os- 
Momes. 


Abbadia.  Orago  S.  Vicente,— fogos  115(1) 
—segundo  se  lê  nos  apontamentos  que  se 
dignou  enviar-me  o  administrador  d'este 
concelho,  mas  julgo  que  se  refere  unica- 
mente á  povoação  de  Vinhas  e  não  compre, 
hende  talvez  n'aquelia  cifra  a  povoação  de 
Castro  Roupal,  parochia  exlincta  e  annexa 
a  esta  de  Vinhas  ha  muito  tempo,  tendo  es- 
tado a  parochia  de  Vinhas  annexa  anterior- 
mente á  dieta  de  Castro  Rovpal,  que  no 
principio  d'este  século  foi  supprimida  e  di- 
vidida por  differentes,  cabendo  a  esta  de  Vi- 
nhas só  a  povoação  de  Castro  Roupal,  ma- 
triz da  extineta  parochia. 

Mais  um  meandro  no  laby- 
riniho  que  formam  as  fregue- 
zias  d'este  malfadado  distri- 
cto. 

V.  Castro  Roupal,  —  Viãa 
Verde  de  Mirandella,  vol.  XI, 
pag.  1094,— e  Villa  Verde  de 
Vinhaes  no  mesmo  vol.  pag. 
1099. 

Em  1706  esta  parochia  de  Vinhas  era  ab- 
badia da  apresentação  do  marquez  de  Tá- 
vora na  comarca  e  ouvidoria  de  Bragança, 
bispado  de  Miranda;— rendia  íim  conto  de 
rm;— contava  90  fogos— e  tinha  como  an- 
nexas  as  5  parochias  seguintes: 

1.  »— S.  Sebastião  de  Umãos  ou  Limões 
(V.  Limãos)  com  70  fogos,  hoje  simples  al- 
deia da  freguezia  de  Salscllas,  d'este  conce- 
lho. 

2.  «— S.  Vicente  de  Bagueixe,  ainda  hoje 
contada  entre  as  freguezias  d'eate  concelho, 
mas  prestes  a  extinguir  se,  pois  conta  ape- 
nas 70  fogos,  como  em  1706,  e  está  civil- 
mente annexa  à  de  Santa  Marlha  de  Bor- 

3  * — Nossa  Senhora  da  Assumpção  de  Fas- 
tro  Roupal,  que  tinha  então  apenas  40  fo- 
gos. 

4.» — Santa  Cruz  de  Gralhós  (V.  Gralhós), 
que  então  contava  58  fogos  e  hoje  é  uma 
simples  aldeia  da  fregu'^zia  de  Nossa  Se- 
nhora da  Assumpção  de  Talhinhas. 

o.*— S.  Giraldo  de  Bnnreses  ou  Baureses 
(V.  Banrezes)  que  então  contava  apenas  20 


1516  VIN 


VJN 


fogos  e  hoje  é  uma  simples  aldeia  da  fre- 
guezia  de  Val  da  Porca. 

Vejam  que  salsada!... 

Em  1768  esta  parochia  de  Vinhas  era  um 
simples  curato  da  apresentação  do  abbade 
de  Castro  Roupal'—o  cura  liuha  apenas  réis 
6i^000  de  côngrua,  alem  do  pé  d'altar, — e 
contava  88  fogos. 

O  censo  de  18641  deu -lhe 206  fogos  (?!...) 
e  5G7  habitantes —e  o  de  1878  deu-lhe  157 
fogos  e  659  habitantes. 

Esta  parochia  eomprehende  apenas  a  po- 
voação de  Vinhas,  séde  da  matriz, — e  a  de 
Castro  Roupal,  antiga  séde  da  parochia  d'es- 
te  nome. 

Fez  parle  do  concelho  de  Iseda,  extincto 
pelo  decreto  de  24  d'outubro  de  1855,  pelo 
qual  passaram  para  o  de  Macedo  de  Caval- 
leiros,  comarca  de  Mirandelia,  e  desde  1863, 
data  em  que  a  villa  de  Macedo^de  Cavallei- 
ros  foi  elevada  á  cathegoria  de  séde  de  co- 
marca também,  ficou  pertencendo  ao  conce- 
lho e  comarca  de  Macedo  de  Cavalleiros. 

A  povoação  de  Vinhas  demora  na  antiga 
estrada  de  Macedo  de  Cavalleiros  para  Ise- 
da, Garção  e  Vimioso,  na  margem  direita  e 
a  O.  da  ribeira  de  Gralhós,  confluente  do 
Sabor. 

Dista  da  mencionada  Ribeira  1  kilometro 
para  O  ;— 13  de  Macedo  de  Cavalleiros  para 
E.  N.  E.;— 35  de  Bragança  para  S.;— 40  de 
Mirandelia  para  E.  N.  E.; — 95  da  estação  do 
Tua  na  linha  férrea  do  Douro  pela  linha  de 
Mirandelia  ou  do  Tua,  ha  pouco  aberta  á 
circulação;  2— 234  do  Porto— e  571  de  Lis- 
boa. 

Freguezias  llmitrophes:  —  Salsellas,  Mo- 
raes, Bagueixe  e  Talhinhas. 

Producções  dominantes:— cereaes,  casta- 
nhas, muita  cortiça,  batatas,  azeite,  vinho, 
hervagens  e  frueta. 

Foi  muito  considerável  a  sua  produeção 
em  vinho,  mas  hoje  produz  pouco,  depois 


»  Lisboa,  tvpographia  da  Gazeta  de  Por- 
tugal, 1866.  ' 

2  V.  Vias  Férreas  e  Villarinho  das  Aze- 
nhas. 


que  a  phylloxera  aniquilou  a  maior  parle 

dos  seus  vinhedos  e  quasi  lodos  os  d*esta 
província. 

O  seu  vinho  era  muito  bom,  como  vinho 
de  pasto  ou  de  mesa,  mas  o  melhor  d'este 
concelho  era  o  da  freguezia  das  Arcas. 

Também  produz  muita  lã,  pois  cria  muito 
gado  de  todas  as  espécies:  lanar,  muar,  vac- 
cum  e  suino,— e  é  mimosa  de  peixe  das  suas 
ribeiras  e  de  caça  dos  seus  montes,  tanto 
grossa  como  raiuda:— lebres,  coelhos,  per- 
dizes, lobos  e  raposas. 

N'esta  data  (9  de  março  de  1887)  já  tra- 
balha  uma  machina  desde  Mirandelia  até  á 
estação  de  Frechas,  para  serviço  da  empresa 
constructora,  e  temos  quasi  a  certesa  de  que 
esta  linha  se  abrirá  ao  transito  em  agosto 
próximo  futuro,  antes  da  grande  romagem 
de  Nossa  Senhora  da  Assumpção. 

V.  Villas  Boas,  freguezia  do  concelho  de 
Villa  Flor. 

Banham  esta  freguezia  a  ribeira  de  Gra- 
lhós e  vários  ribeiros  confluentes  da  dieta 
ribeira,  que  vae  para  o  Sabor,  assim  como 
este  rio  para  o  Douro. 

Ha  n'esta  parochia,  junto  da  povoação  de 
Vinhas,  uma  pyramide  geodésica  na  altitude 
de  624  metros  sobre  o  nivel  do  mar. 

Templos 

1.  °— A  matriz  de  Vinhas. 

É  elegante,  de  custosa  e  não  vulgar  archi- 
tectura— e  está  bem  tractada  e  bem  conser- 
vada. 

A  Capella  mór  é  em  forma  de  rotunda  e  o 
corpo  da  egreja  em  esiylo  gothico,  recons- 
trução dos  fins  do  ultimo  século. 

Tem  altar  mór  e  4  laleraes,  todos  com  ri- 
cas decorações  de  talha  dourada, — 1  campa- 
nário com  2  sinos,— boas  alfaias,  ele. 

2.  "— Egreja  (antiga  matriz)  de  Castro  Rou- 
pal, pouco  espaçosa  e  bastante  singella. 

3.  " — Capella  de  S.  Sebastião,  no  fundo  da 
povoação  de  Vinhas. 

Capella  das  Almas,  no  fim  da  rua  do 
Cabo,  na  mesma  povoação. 

5." — Capella  de  S.  Gregorio,  no  alto  da 
Malhada. 

Todas  3  são  publicas— e  a  de  S.  Sebastião, 


VIN 


VIN  1517 


que  é  a  maior  de  todas,  tem  festa  annual  no 
ultimo  domingo  d'ago8to. 
6.0 — Capella  de  

É  particular,  posto  que  tem  porta  franea 
ao  publico,  e  está  ainda  nas  casas  da  famí- 
lia Valentes. 

Hoje  a  festa  principal  é  a  de  S  Sebastião. 

Como  reminiscência  do  tempo  em  que  esta 
abbadia  representava  as  6  parochias  men- 
cionadas àupra  e  foi  uma  das  mais  ricas 
d'este  bispado,  ainda  conserva  uma  casa  de 
residência,  que  é  um  palacete,— a  melhor 
casa  da  povoação.  Tem  uma  linda  cerca 
muito  mimosa,  com  muita  frucia,  e  teve  um 
bom  jardim,  etc. 

Depois  da  residência  parochial,  as  me- 
lhores casas  d'e8ta  freguezia  são — a  dos  Aju- 
dantes, a  dos  Paradinhas  e  a  dos  Valentes^ 
que  representam  as  tres  famílias  principaes 
d'esta  parochia. 

Aqui  não  ha  estrada  alguma  a  macadam. 
A  mais  próxima  é  a  real  n.»  6,  de  Villa  Real 
a  Bragança,  que  passa  em  Quintella,  cerca 
de  10  kilometros  a  N.  d'esta  freguezia. 

Em  Castro  Roupal  houve  um  Castello  an- 
tiquíssimo, que  data  do  tempo  dos  roma- 
nos (I)  segundo  diz  a  tradição;  mas  d'elle 
apenas  resta  hoje  uma  torre,  que  é  a  torre 
da  egreja,  onde  estão  os  sinos. 

Ha  n'esta  parochia  os  dois  mais  soberbos 
prados  do  districto.  Foram  ambos  logra- 
douro commum,  mas  hoje  estão  divididos 
em  courellas  por  todos  os  parochianos. 

Eram  foreiros  á  sereníssima  casa  de  Bra- 
gança e  formam  um  lindo  e  amplo  valle, 
contíguo  á  povoação  de  Vinhas,  que  se  er- 
gue no  cimo  d'elle,  dominando-o  todo. 

Por  falta  de  boas  vias  de  communicaçào, 
costuma  vender-se  aqui  no  novo  a  rasa  de 
castanhas  ou  de  batatas  aeogulada,  que  cor- 
responde a  mais  de  15  kilos,  por  60  a  80 
réis, — o  litro  do  azeite  por  140  a  160  réis — 
e  todos  08  outros  productos  agrícolas  se- 
guem a  mesma  proporção?  1. . . 

Ha  finalmente  n'esta  parochia  uma  aula 
ofQcial  de  instrueção  primaria  para  o  sexo 
masculino. 

VOLUME  XI 


Costumes  curiosos 

N'esta  freguezia  todos  os  annos  o  regedor 
em  dia  determinado  manda  tocar  a  concelho^ 
fazendo  rufar  um  bombo  por  toda  a  povoa- 
ção. Reunem-se  immediatamente  os  paro- 
chianos em  um  grande  numero,— pelo  me- 
nos uma  pessoa  de  cada  casa,— e  logo  o  re- 
gedor expòe  o  motivo  da  reunião:— tapar  os 
dois  grandes  prados  do  concelho,  que  são 
cultivados  á  folha,  em  annos  alternados,  fi- 
cando um  d'elles  sempre  inculto  para  pas- 
tagem, —  concertar  os  regos  públicos,  —  le- 
vantar as  paredes  caldas  e  nomear  guarda- 
dores para  os  gados,  vinhas,  campos,  etc. 

O  regedor  dá  as  suas  ordens  —  e  cum- 
prem-se  ! 

São  logo  eleitos  2  guardadores  (guardas 
ruraes)  para  os  campos,  vinhas  e  terrenos 
cultivados; — multam  e  levam  para  a  barreira 
os  gados  que  encontrara  fazendo  damno,— 
mas  por  seu  turno  são  multados  os  guardas, 
quando  exhorbitam  ou  se  descuidam  no  des- 
empenho das  suas  attribuições. 

Nomeiam  também  guardadores  para  os 
gados,  que  são  divididos  em  differentes  lo- 
tes:—éguas,  porcos,  vaccas  e  bois. 

O  guardador  das  éguas  recebe  por  cada 
cabeça  2  alqueires  de  castanhas  no  inverno 
— e  1  alqueire  de  centeio  no  verão. 

O  guardador  dos  porcos  (são  ordinaria- 
mente mais  de  100)  recebe  por  cada  um 
2  arráteis  de  pão  cosido,  por  semana;— e 
1  quarto  de  centeio  por  mez. 

Os  guardadores  das  vaccas  e  bois  nada 
ganham,  mas  revesam-se  alternadamente 
um  dia  cada  um,  entre  os  donos  do  gado. 

Outras  muitas  freguezias  do  nosso  paiz 
teem  costumes  semelhantes,  que  constituem 
legislação  local  desde  os  tempos  mais  remo- 
tos, mas  de  todas  as  nossas  freguezias  a  que 
mais  se  distingue  n'este  ponto  é  ade  Villar 
da  Veiga  no  concelho  de  Terras  de  Bouro. 

V.  Villar  da  Veiga. 

Terminaremos  dizendo  que  ha  no  nosso 
paiz  mais  16  aldeias,  7  casas,  3  quintas,  3 
sitios,  1  herdade  e  1  moinho  com  o  nome  de 
I  Vinhas,  alem  de  varias  aldeias,  casas  e  quin- 

96 


1518  VIN 


VIN 


tas  eom  os  nomes  de  Vinhas  da  Vela,  Vi- 
nhas de  Deus,  Vinhas  do  Forno,  Vinhas  dos 
Padres,  Vinhas  Velhas,  Vinhas  Mortas,  etc. 
que  não  descrevemos,  por  não  oflferecerem 
coisa  aleuma  notável. 

VINHÓ  ou  Avinho, — aldeia  ou  quinta  da 
freguezia  de  Redondello,  concelho  e  comarca 
de  Chave?,  districto  de  Villa  Real. 

Na  dieta  aldeia  ou  quinta  encontrou  Tho- 
mé  de  Távora  em  uma  loja  das  casas  que 
foram  de  Francisco  Lousão,  proprietário 
d'aquel]a  freguezia,  uma  lapide  que  appa- 
receu  em  uma  veiga,  entre  a  povoação  de 
Pastoria  e  Casas  Novas,  com  a  inscrípção 
seguinte : 

Camalus 

BUBNI.  F. 
HIC.  SITUS 
EST.  ANNOR 
 1 

FRATER  FACIE 
NIV  CURAVIT 

Em  vulgar :  —  Aqui  jaz  Camalo,  filho  de 
Burno,  que  morreu  de  33  annos,  e  seu  irmão 
lhe  mandou  fazer  esta  sepultura. 

A  d  ida  parochia  de  Redondello  contava 
pelo  ultimo  recenseamento  193  fogos  e  846 
habitantes,— e  cnmprehende  as  aldeias  de 
Pastoria  e  Casas  Novas — e  as  quintas  de 
Santa  Cruz,  Relva,  Rio,  Fenteira,  Sebastião 
de  Miranda,  Vidueiro  e  Vinhó  ou  Avinho. 

V.  Bedondêllo. 

VINHÔ  ou  Avinhó,  —  freguezÍ3L  extincta, 
boje  simples  aldeia  da  freguezia  de  Matella, 
concelho  de  Vimioso,  comarca  de  Miranda 
do  Douro. 

A  freguezia  de  Matella,  alem  da  povoação 
cl'este  nome,  séde  da  matriz,  comprehende 
também  a  povoação  de  Junqueira,  igualmen- 
te parochia  extincta. 

Em  1706  a  villa  de  Algôso,  alem  da  fre- 
guezia d'esle  nome,  comprehendia  as  seguin- 
tes:—Fm/ió  ou  Avinhó—U&teWai,  Junqueira, 


1  Esta  linha  ?ó  por  meio  de  gravura  pôde 
reproduzir  se.  mas  encontra-se,  bem  como 
toda  a  inscripcão  nas  Memorias  de  Argotft, 
tomo  1.»  pag.  294. 


1  Val  certo,  Mora,  Urca,  e  Val  de  Algôso,  to- 
)  das  da  apresentação  do  reitor  de  Algôso, — 
Urrôs,  então  annexa  á  abbadia  de  Sendim, 
termo  de  Miranda  do  Douro,— Travanca, 
Tenor.  Teixeira,  Gregos  e  Granja  de  Gregos, 
Saldanha  e  Figueira,  iodas  5  annexas  á  ab- 
badia de  Travanca,  — S.  Pedro  da  SMva, 
Granja  de  S.  Pedro,  Villa  Chã  da  Ribeira  e 
Fonte  do  Ladrão,  sendo  estas  ultimas  tres 
annexas  à  de  S.  Pedro  da  Silva. 
V.  Algôso,  Avinho  e  Matella. 

Na  mencionada  parochia  de  S.  Pedro  da 
Silva,  junto  da  capella  de  Nossa  Senhora  do 
Rosario  do  Monte,  está  hoje  a  séde  da  explo- 
ração das  grandes  minas  de  mármore  e  ala- 
bastro, descriptas  largamente  no  artigo  Vi- 
mioso. 

Vide. 

VINHÓ,— freguezia  do  concelho  e  comar- 
ca de  Gouveia,  districto  e  diocese  da  Guar- 
da, província  da  Rpira  Baixa. 

Priorado.— Fogos  206,— habitantes  8S0. 

Oragn — Nossa  Senhora  da  Assumpção. 

Em  1708  era  priorado  da  corôa  e  rendia 
280^000  réis. 

Em  1768  era  do  mesmo  padroado; — ren- 
dia 200fS000  réis— e  contava  1Í2  fogos. 

O  censo  de  1864  deu-lhe  183  fogos  e  749 
almas,— e  o  de  1878  deu-lhe  204  fogos  e 
826  almas. 

Pertenceu  ao  bispado  de  Coimbra  até 
1882,  data  da  ultima  circumscripção  dioce- 
sana. 

Demora  em  terreno  fértil  e  suavemente 
ondulado  ao  sopé  e  na  pendente  N.  O.  da 
Serra  da  Estrella,  na  margem  efquprda  do 
Mondego  e  precisamente  na  antiga  estrada 
real  de  Celorico  da  Beira  a  Coimbra  pela 
pontp  da  Mnrcella. 

Dista  2  kilometrns  p^ra  S.  E.  da  nova  es- 
trada real  a  macadam  n.°  12,  de  Celorico  da 
Beira  a  Coimbra  pela  dieta  ponte  da  Mur- 
cella; — os  mesmos  2  kilompfros  para  O.  da 
estrada  real  a  macadam  n.»  13.  de  Gouveia 
a  Mangnslde,  cortando  em  angulo  recto  a 
dieta  estrada,  real  n.»  12; — os  mesmos  2  ki- 
lometros  para  N.  da  estrada  municipal  a 
macadam  de  Gonvpia  a  Moimenta  da  Serra, 
Mangualde  da  Serra  e  Ceia;— 3  kilometros 


VIN 


VIN  1519 


da  villa  de  Gouveia,  séde  do  concelho,  para  i 
N.  O.;— 12  da  margem  esquerda  do  Monde-  j 
go  para  S.;— 27  da  estação  de  Mangualde,  a  i 
mais  próxima,  na  linlia  da  Beira  Alta, ' —  I 
53  kilometros  da  Guarda,  séde  do  bispado 
e  do  disiricto,  pela  estrada  a  macadam, — e 
108  kilometros  pela  linha  férrea  da  Beira  e 
pelas  estações  de  Mangualde  e  da  Guarda; 
— 105  da  estação  da  Pampilhosa,  entronca- 
mento da  linha  da  Beira  Alta  na  do  Norte; 
—210  do  Porto  e  336  de  Lisboa. 

Do  exposto  se  vê  que  esta  parochia  está 
muito  bem  servida  de  vias  de  communica- 
ção,  pois  approximadamenle  a  2  kilometros 
de  distancia  é  cortada  ao  nascente  por  uma 
estrada  a  macadam  que  corre  de  N.  a  S.  e  a 
liga  com  a  séde  do  concelho  e  com  a  linha 
férrea  da  Beira;— a  igual  distancia  é  corta- 
da a  N  e  S.  O.  por  outras  duas  estradas  a 
macadam~e  pstà  em  projecto  eesludos  um 
ramal  da  povoação  de  Vinhó,  até  á  estrada 
real  a  macadam  n."  13,  de  Gouveia  a  Man- 
gualde. 

Também  no  tempo  da  antiga  viação  já  era 
muito  accessivel,  pois  passava  pelo  meio  da 
povoação  de  Vinhó  a  velha  estrada  real  de 
Celorico  da  Beira  a  Coimbra,  pela  ponte  da 
Murcella,  como  já  dissemos.  Atravessava  este 
concelho  de  nascente  a  poente  por  Figueiró 
da  Serra,  villa  de  Mello,  Nabaes,  Nabainhos, 
Sampaio,  ponte  do  Chovido,  na  ribeira  de 
Gouveia,  a  Jusante  da  villa  d'este  nome  e  a 
montante  da  povoação  de  Nespereira;— ia  de- 
pois a  Vinhó,  Lagarinhos,  Pinhanços,  etc. 

Quando,  approximadamenle  em  1853,  os 
nossos  engenheiros  fizeram  os  estudos  para 


1  Gouvpia  tem  na  mencionada  linha  esta- 
ção própria,  mas  dista  da  de  Mangualde  16 
kilometros  para  E.  Servirá  pois  só  a  parte 
oriental  do  concelho.  As  freguezias  restan- 
tes demandam  e  demandarão  sempre  a  esta- 
ção de  Mangualde  por  ser  mais  próxima  e 
pur  terem  para  ella  boas  estradas  a  maca- 
dam, eraquanto  que  para  a  estação  de  Gou- 
veia já  em  agosto  de  1881  deram  principio 
á  esirafia  que  a  deve  ligar  directamente 
com  a  villa,  mas  ainda  está  longe  da  sua  con- 
clusão n'esta  data, — abril  de  1887. 


I  a  construcção  da  Estrada  da  Beira,  aestra- 
1  da  real  n.°  12,  em  substiiuiijão  da  velha  es- 
i  trada  de  Celorico  a  Coimbra,  quizeram  le- 
i  val-a  com  pequenas  variantes  pelo  leito  da 
antiga,  atravessando  as  povoações  já  men- 
cionadas e  a»  villas  de  Gouveia  e  Ceia,  com 
o  que  muito  lucravam  aquelles  dois  conce- 
lhos, pois  a  estrada  cortaria  as  sédes  d'el- 
les  e  muitas  das  suas  paroiíhias:— Ceia,  San- 
ta Marinha,  Mangualde  da  Serra,  Moimenta 
da  Serra,  Gouveia,  Sampaio,  Nabacinhos, 
Nabaes,  Mello  e  Figueiró, — povoações  muito 
industriaes,  e  que  hoje  valeriam  o  dobro  do 
que  valem;  mas  (credite  posleril)  oppose- 
ram-se  os  habitantes  das  dietas  povoações, 
principalmente  os  da  villa  de  Gouveia,  —  a 
mais  rica,  mais  importante  e  mais  industrial 
de  Iodas  ^. 

Não  comprehenderam  o  alcance  da  mo- 
derna viação  que  ao  tempo  iniciávamos  e 
lembravam-se  do  muito  que  os  povos  d'este 
concelho  haviam  pouco  antes  soffrido  com  a 
guerra  peninsular  e  com  as  guerras  civis 
posteriores: — abcletamentos,  incêndios,  sa- 
ques, mortes,  violações  e  roubos. 

Em  verdade  no  tempo  de  guerra  soffrem 
muito  as  povoações  por  onde  passam  as  vias 
militares,  mas  felizmente  desde  1846  gosa- 
mos  uma  paz  oclaviana,  que  ao  tempo  mal 
podia  prever-se  e  por  isso  se  opposerara, 
mas  bem  se  arrependeram  e  tanto  que,  mais 
tarde,  quando  se  traetava  dos  estudos  para 
a  linha  férrea  da  Beira,  os  mesmos  que  mais 
pugnaram  para  que  a  estrada  se  afastasse 
quanto  ponsivel,  foram  os  primeiros  a  pedir 
que  a  linha  férrea  seguisse  pela  margem  es- 
querda do  Mondego  e  se  approxiraasse 
quanto  possível  de  Gouveia. 

O  grande  industrial  e  grande  proprietário 
d'esta  villa — Joaquim  d'Almeida  Rainha — 
chegou  a  oíTereeer  grátis  não  só  todo  o  ter- 
reno que  a  linha  houvesse  de  cortar  nas  suas 
quintas  (note-se  que  era  o  maior  proprieta- 


i  Só  a  villa  de  Gouveia  tem  hoje  13  fabri- 
cas de  lanifícios  e  o  seu  concelho  27  fabri- 
cas,— e  só  uma  das  casas  industriaes  da  villa 
de  Gouveia  vale  hoje  500  a  600  contos  de 
réis?!... 

V.  Villa  Nova  de  Tazem. 


1520 


VIN 


VIN 


rio  do  concelho)— mas  offereceu  também 
grátis  iodas  as  travessas  ou  chulipas  que 
fdssem  necessárias  para  a  mesma  linha  no 
termo  do  concelho  de  Gouveia,  ou  na  exten- 
são de  30  kilornetros  approximadarnenie !. .. 

Os  engenheiros  que  estudavam  a  nova  es- 
trada da  Beira,  vendo  a  opposição  das  pró- 
prias povoações  que  pretendiam  beneticiar, 
fugiram  cora  o  traçado  mais  para  o  norte,  o 
que  tanto  prejudicou  as  dietas  povoações 
como  facilitou  os  estudos  e  a  construi-ção  da 
e&irada,  pois  corre  atravez  da  planicie  de- 
serta !  No  concelho  de  Gouveia  apenas  toca 
Da  pequena  povoação  de  Villa  Cortez,  em- 
quanto  que  para  entrar  na  serie  de  povoa- 
ções mencionadas  e  que  demoram  todas  em 
nível  superior  na  raiz  da  grande  serra,  em 
terreno  bastanie  aceidentado  e  declivoso,  a 
consirucção  demandaria  muitos  muros  de 
supporte  e  as  expropriações  seriam  muito 
mais  caras. 

Os  mesmos  que  se  opposeram,  empenha- 
ram-se  depois  na  consirueção  de  um  ramal 
de  4:336  metros  para  ligação  da  dieta  estra- 
da com  a  Villa  de  Gouveia ,  pois  ficou  isola- 
da e  alcandorada  na  encosta,  e,  construído  o 
ramal,  *^8tabeleceram-se  logo  carreiras  de 
diligencias  e  de  galeras  (carros  de  mercado- 
rias) entre  Gouveia  e  Coimbra,— carros  e  di- 
ligencias que  fizeram  muito  bom  serviço  até 
que  se  inaugurou  a  linha  da  Beira  Alta. 

Prosigamos. 

Esta  parochia  não  comprehende  aldeias. 
É  formada  pela  única  povoação  de  Vinhó; 
apenas  tem  algumas  quintas  habitadas^  taes 
são  as  seguintes : 

1.  « — Quinta  de  S.  João,  que  foi  do  viscon- 
de de  Gouveia,  pae  do  conde  actual  d'este 
titulo,  e  é  hoje  da  opulenta  familia  Rainhas, 
de  Gouveia,  por  compra  que  ao  mencionado 
visconde  fez  Joaquim  de  Almeida  Rainha. 

V.  Villa  Nova  de  Tazem  e  Gouveia  n'este 
diecionario  e  no  suppleraento. 

2.  '— Quinta  do  Paul,  que  foi  de  José  Ma- 
ria Quirino  e  é  hoje  do  dr.  Antonio  Maria 
d'Almeida  Serra,  ambos  da  villa  de  Gou- 
veia. 

3.  *— A  quinta  que  foi  de  Jorge  Botto  Ma- 


1  ehado  e  é  hoje  do  seu  filho  natural  e  her- 
j  deiro  Antonio  Botto  Machado^  dos  quaeslo- 
'  go  fa liaremos, 

I  4.»— A  quinta  que  foi  de  José  Hygino 
1  Freire  Cabral,  da  villa  de  Gouveia,  e  é  hoje 
j  dos  seuH  herdeiros. 

j  S.»~0  extineto  convento  e  cerca  das  frei- 
1  ras  de  Vinhó,  ho]v  tudo  lambem  pertencente 
\  á  opulenta  familia  Rainhas,  d^  Gouveia. 
I  Adiante  deseuvol veremos  esí  í  tópico. 
I  Freguezias  limiiruphes: — Nespereira,  Rio 
:  Torto,  Moimenta  da  Serra  e  as  duas  fregue- 
zias da  villa  de  Gouveia: — S.  Julião  e  S.  Pe- 
dro. 

De  passagem  diremos  que  a  villa  de  Gou- 
veia tem  duas  freguezias  que  dividem  entre 
si  a  parte  urbana  e  rural  de  um  modo  sin- 
gular e  unico\ 

Todas  as  propriedades  que  possuir  qual- 
quer dos  habitantes  da  freguezia  de  S.  Pe- 
dro,—-casas,  campos,  vinhas,  montes,  ele— 
j  embora  estejam  na  freguezia  de  S.  Julião, 
!  pertencem  à  de  S.  Pedro.  Por  seu  turno  to- 
\  das  as  propriedades  que  possuir  qualquer 
j  dos  habitantes  da  freguezia  de  S.  Julião,  em- 
i  bora  estejam  na  freguezia  de  S.  Pedro,  per- 
I  tencem  a  de  S.  Julião,  e,  logo  que  o  pro- 
!  prietario  mude  a  sua  residência  de  uma  tre- 
I  guezia  para  a  outra,  a  essa  ti  a  pertencendo 
tudo  o  que  possuia  na  qued.  ixou,  pelo  que 
toda  a  villa  de  Gouveia  e  o  seu  lermo  per- 
tencem promiscuamente  aos  dois  parochos 
— e,  tanto  para  a  administração  dos  sacra- 
mentos, como  para  darem  as  boas  festas  aos 
seus  parochianos,  cada  um  dos  dictos  paro- 
chos atravessa  constantemente  a -freguezia 
do  outro  ?  I . . . 

Em  todo  o  nosso  paiz  não  conhecemos 
uma  salgalbada  assim  ! . . . 

Templos 

1.0 — A  egreja  matriz  actual,  que  era  a  do 
extineto  convento  das  freiras,  do  qual  adian- 
te fallaremos. 
2.°  —A  velha  matriz. 

Demora,  como  a  do  convento,  na  mesma 
povoação  de  Fm/id;— está  bastante  arruina- 
da, mas  ainda  aberta  ao  culto;— tem  altar- 


VIN 

mór  e  4  lateraes  com  boas  decorações  de  ta- 
lha antiga  dourada,— e  torre  com  2  sinos. 

3.o—:Capella  de  S.  João  em  sitio  muito  pit- 
toresco,  á  ent  ada  (1b  Vinhó,  indo  de  Gou- 
veia pela  antiga  estrada  real. 

Junto  da  dieta  capella  sh  vé  uma  carva- 
lha enorme,  que  a  ensombra— e  uma  gran- 
de presa  d'agua,  que  no  verão  se  divide  por 
differentes  consortes. 

í."— Capella  de  S.  Lourenço  na  extremi- 
dade opposta  da  povoação,  pelo  que  o  povo 
canta : 

Lindo  logar  é  Vinhò ; 
De  !ong^í  pai  eco  viiia  ; 
Tem  S.  .loão  à  entrada, 
S.  Lourenço  á  saida. 

Ambas  5*ão  publicas. 

Teve  também  uma  capella  particular,  de- 
dicada a  S.  João,  na  quinta  deste  nome,  mas 
já  não  existe. 

O  Convento 

Houve  n'esta  freguezia  um  convento  de 
religiosas  franciscanas  com  a  invocação  da 
Madre  de  Deus,  na  extremidade  S.  O.  de  Vi 
nhó. 

Foi  f  xtineto  no  meado  d'este  século  por 
fallecimento  da  ultima  freira  e  deile  puuco 
mais  resta  hoje  do  que  a  egreja,  ainda  in- 
lacta  e  sem  reconstrucções,  soffrivelmente 
conservada  e  de  bastante  merecimento. 

Tem  altar-mór  e  tres  lateraes,— um  do  la- 
do do  evangelho,  e  dois  do  lado  da  epistola, 
alem  de  uma  capelia  d'este  mesmo  lado,  de- 
dicada ao  Menino  Jesus  da  Tia  Baptista,— 
mesmo  em  frente  da  porta  da  entrada,  que 
se  abre  na  parede  do  lado  do  evangelho,  so- 
bre o  terreiro  do  convento. 

Á  esquerda  da  dieta  porta,  entrando,  Qea 
o  altar-mór— e  á  direita  estavam  os  eòros, 
hoje  desmantelados  e  em  ruinas,  onde  ain- 
da se  vê  uma  tela  de  bastante  merecimento, 
representando  a  Virgem,  padroeira. 

Na  mencionada  capella  do  Menino  Jesus, 
obra  dos  flns  do  ultimo  século,  alem  da  ima- 
gem do  Menino,  está  o  Santíssimo  Sacra- 
mento, pois,  como  já  dissemos,  este  templo 
é  boje  a  matriz  da  paroehia. 


VIN 


1521 


A  Tia  Baptista  do  Ceo  foi  uma  religiosa 
d'este  convento  que  se  tornou  muito  notá- 
vel pela  sua  piedade  e  viriudes  e  pela  sua 
particular  devoção  para  com  o  Menino  Je- 
sus. Nas  grandes  aíílicções  os  povos  da  loca- 
lidade e  cireumviéinhanças  corriam  a  soUi- 
citar  a  intercessão  da  Tia  Baptista  para  com 

0  seu  Menino,  seudo  quasí  sen)pre  certo  o 
deferimento,  pelo  que  lhe  erigiram  uma  lin- 
da capella  dentro  da  própria  egreja  do  con- 
vento e  Ihs^  íiziTam  e  fazem  ainda  hoje  gran- 
de festa  com  feira  aniiuai  na  segunda  feira 
da  1."  oitava  do  Espirito  Santo. 

O  tecto  da  egreja  é  apaioelado;  tem  45 
quadros  de  madeira  pintados  a  oleo  com 
diversas  imagens  no  corpo  do  templo,— e  18 
na  capella-mór,  encaixilhados  em  boa  talha 
dourada,  sendo  lamLeni  de  talha  dourada 
íiniiga  e  de  merecimento  as  decorações  de 

i  todos  os  altares 

No  vão  da  tribuna  do  altar-mór,  do  lade 
do  evangelho,  se  vé  interiormente,  mettida 
na  parede,  uma  caixa  de  pedra  com  as  os- 

'  sadas  dos  fundadores,  encimada  pnr  um  bra- 
.'•30  d'aroias  em  escudo  esquarielado,  tendo 

;  no  1.°  e  4.0  espaços  1  leão- e  no  2.°e  3.°  as 

1  quinas.  O  mesmo  brasão  se  vê  sobre  a  porta 
'  da  egreja,— 1)0  portão  de  entrada  para  o  ter- 
reiro—e sobre  uma  porta  do  convento. 

i  Na  frente  da  dieta  caixa  ossaria  se  lê  em 
orthographia  obsoleta  a  inscripção  seguinte: 

Esta  sepultura  he  de 
Francisco  de  Sousa  e  de 

SUA  MULHER  D.  ANTONIA 

de  Teyve,  Fundadores 

DESTA  SkNTA  CaSA.  ElLE 
FALLECEO  A  2  DE  MaYO 
de  1S78,  É  ÉLLA  A 

17  d'abril  de  1397. 

Foi  isto  0  que  nós  copiámos  da  própria 
caixa  ossuaria  i  em  agosto  de  1881,  quando 
regressávamos  da  Serra  da  Estrella  com  a 


1  Tem  um  oriflcio  aberto,  por  onde  met- 
temoa,  como  todos  mettem,  o  braço  e  ainda 
ao  tempo  ali  se  achavam  duas  caveiras  e 
differentes  ossos  humanos. 


1522  VIN 


VIN 


Expedição  Scientifica  e  visitámos  este  con- 
vento com  o  nosso  bom  amigo  Joaquim  de 
VaseoDcellos,  muito  illustrado  e  digno  vogal 
da  Expedição. 

V.  Seira  da  Estrella  no  supplemento. 

A  mesma  inseripção  se  encontra  na  His- 
toria Seráfica  (tomo  V  pag.  55)  por  Fr.  Fer- 
nando da  Soledade,  que  dedicou  a  este  ve- 
nerando convento  um  largo  tópico,  desde 
pag.  53  a  83— tópico  muito  digno  de  ler-se 
e  que  nós  mal  podemos  aqui  extractar. 

Do  exposto  se  vê  que  este  convento  foi 
fundado  por  Francisco  de  Sousa  e  sua  mu- 
lher D.  Antónia  de  Teyve,  não  D.  Francisca 
de  Teyve,  como  disse  Jorge  Cardoso  no  Agio- 
logio  Lusitano,  tomo  1.°  pag.  515,— lapso  que 
se  encontra  também  na  Chorographia  Por- 
tugueza,  por  haver  copiado  o  Agiologio,—e 
no  Diccionario  Chorograpkico  de  Almeida, 
por  haver  copiado  a  Chorographia  Portu- 
gueza.—E  foi  fundado  em  1573,  como  diz  a 
chronica,  não  em  1568,  como  diz  João  Ba- 
ptista de  Castro. 

Francisco  de  Sousa,  cognominado  o  bom, 
por  ser  uma  excellente  pessoa  e  muito  reli- 
gioso, era  F.  C.  R.  e  militou  na  índia.  ^  Sen- 
do já  decrépito  e  não  tendo  Olhos,  resolveu, 
d'accordo  com  a  esposa,  fundar  este  convento 
na  sua  quinta  de  Vinhó,  quinta  muito  antiga 
e  que  foi  do  dr.  Gil  d'Ocem,  ou  Dosem,  ou 
do  Sem,  como  diz  a  chronica,  seu  ascenden- 
te e  chanceller-mór  d'el-rei  D.  João  I,  a 


1  Descendia  de  Gonçalo  Annes  de  Sousa, 
senhor  de  Mortágua,  neto  de  Tristão  de 
Sousa,  também  senhor  de  Vinhó,  etc. 

O  dieio  Francisco  de  Sousa,  por  não  ter 
successão,  fundou  e  dotou  o  convento  de  Vi- 
nhó e  instituiu  herdeiro  da  parte  restante  da 
sua  casa  seu  sobrinho  Francisco  de  Sousa  e 
Almeida,  filho  de  sua  irmã  D.  Brites  de  Sou- 
sa, o  qual  casou  no  Porto  com  D.  Anna  Car- 
neiro, filha  única  de  Luiz  de  Valladares  e  de 
D.  Victoria  Carneiro. 

D'estes  Sousas  e  Almeidas  descendem  os 
senhores  da  nobre  casa  da  Cavallaria  e  da 
Torre  e  Paço  de  Villarigues,  em  Vouzella, 
hoje  muito  dignamente  representados  pelo 
sr.  marquez  de  Penalva. 

V.  Vouzella. 


quem  este  monarcha  a  doou,  depois  de  a 
confiscar  ao  traidor  AÍTonso  Gomes  da  Silva 
que,  sendo  alcaide-mór  na  Covilhã,  se  ban- 
deou por  Castella  i. 

O  nosso  rei  lh'a  doou,  estando  no  arraial 
de  Chaves  em  30  de  janeiro  de  1386.  Em 
1506,  sendo  já  de  Francisco  de  Sousa,  este 
a  deu  ao  seu  cunhado  Antonio  de  Teive,  pa- 
ra a  unir  a  certo  n)orgado  que  então  insii- 
'  tuia,  mas  pouco  depois,  em  março  de  1567, 
a  desannexou  do  dicto  morgado,  vinculan- 
do em  vez  d'ella  100^000  réis  de  juro,  por 
ser  a  dieta  quinta  muito  própria  para  a  fun- 
dação do  convento  que  projectava  fazer,  co- 
mo fez,  dando -lhe  a  invocação  de  Madre  de 
Deus,  por  ser  a  que  já  tinha  a  capella  da 
mesma  quinta, — capella  que  foi  substituída 
pela  egreja  do  convento. 

Em  1573,  estando  já  concluídas  todas  as 
obras,  o  entregou  por  escriptura  de  20  de 
junho  do  mesmo  anno  a  Fr.  Nicolau  de  Je- 
sus, custodio  da  custodia  observante  do  Por- 
to, com  certas  condiçõi  s: — que  seria  1.»  ab- 
badessa  Antónia  da  Assumpção,  sobrinha  do 
fundador  e  religiosa  no  convento  francisca- 
no da  Guarda,  d'onde  já  tinha  vindo  para  o 
novo  convento; — que  este,  durante  a  vida 
dos  fundadores,  não  receberia  freira  alguma 
sem  licença  d'elles,  como  seus  padroeiros; 
—que  o  numero  das  religiosas  não  passaria 
de  33; — que  a  abbadessa  seria  sempre  eleita 
entre  ellas  e  nunca  tirada  d  outro  conven- 
to, etc. 

Os  fundadores  deram  logo  para  patrimó- 
nio do  convento  oito  mil  cruzados  (3:200)^000 
réis) — somma  importante  n'aquelle  tempo, 
— e  por  sua  morte  o  beneficiaram  muito,  le- 
gando-lhe  inclusivamente  o  titulo  de  pa- 


1  Gil  d'Ocem  íoi  pae  do  dr.  Martim  d'Ocem 
do  conselho  do  mesmo  rei  D.  João  1,  seu 
embaixador  ás  cortes  da  Inglaterra  e  da 
Hespanha  repetidas  vezes,  etc— e  suppomos 
que  d'elle  descendia  o  lendário  Pedro  Cem, 
—Pedro  Pedrossem  da  Silva, — como  elle  as- 
signava. 

V.  Nicolau  (S.)  do  Porto,  vol.  VI,  pag.  46, 
col.  2,«  e  segg.— e  Santarém,  vol.  VIII,  pag. 
588,  col.  2.«  e  segg. 


VIN 


VIN  1523 


droeiros,  para  que  nenhum  seu  parente  de  \ 
fuiuro  alltígasstí  direito  sobre  elle.  j 

Gum  as  rendas  que  lhe  deixaram  os  fun-  ! 
dadores  e  com  os  doies  das  noviças  chegou  j 
a  ser  um  dos  conventos  mais  ricos  da  ordem  ' 
e  a  ler  50  religiosas  professas.  Alem  d'ísso 
foi  sempre  um  modelo  de  virtudes  e  disei- 
plma.  ÍNunca  demandou  reforma  durante  a 
sua  larga  existência;— pelo  contrario  muitas 
religiosas  d'elie  foram  em  diversas  datas  re- 
formar a  disciplina  d'outros  conventos^  sen- 
do um  d  tísies  o  de  íi.  Luiz,  de  Pinhel,— e 
produziu  muitas  religiosas  dignas  de  espe- 
cial menção  pela  sua  acrisolada  virtude, 
taes  foram  as  seguintes  : 

—Antónia  da  Assumpção,  1.»  abbadessa. 

— Eugenia  da  iMatividade,  2.*  abbadessa. 

—Brites  da  JNazareih,  3.»  abbadessa,  na- 
tural da  Villa  do  Midões. 

— Antónia  de  Jesus,  lambem  abbadessa, 
natural  de  Penedono. 

.  — Francisca  da  Ressurreição,  também  ab- 
bade&sa,  natural  da  ilha  da  Madeira. 

—Margarida  das  Chagas,  natural  da  fre- 
guezia  de  Casal  Vasco  ^. 

—Mana  de  Jesus,  uaiural  da  viila  de 
Ceia,  filha  do  dr.  Gaspar  Rebello  e  de  sua 
mulher  Maria  Borges. 

Teve  uma  mocidade  bastante  livre,  mas 
depois,  qual  outra  Magdalena,  regenerou-se; 
— viveu  santamente  e  sauiainenie  acabou  os 
seus  dias  em  1628,  contando  73  ânuos  de 
idade. 

Tão  virtuosa  e  penitente  se  tornou,  que 
d'ella  faz  menção  o  Agiologio  Lusitano,  a  24 
de  fevereiro. 

— Maria  do  Lado,  d'e9ta  mesma  freguezia 
de  Vinhó. 

— Maria  do  Bosario,  no  século  D.  Maria 
de  Mello,  natural  de  Casal  Vasco. 
Falltíceu  em  1686. 

—Ambrósia  da  Conceição,  natural  da  villa 
da  Covilhã. 

Foi  desde  menina  um  perfeito  exemplar 
de  viriudtís,  abbadessa  e  reformadora  do 
convento  de  S.  Luiz,  de  PinheL 


Se  lermos  a  chronica  ficamos  assombra- 
dos com  a  vida  penitente,  austera  e  virtuo- 
síssima d'esias  santas  religiosas,  cuja  vida 
é  um  contraste  com  a  Índole  d'este  século; 
a  chronica  porem  não  passa  do  anno  1721  e 
por  isso  não  menciona  outras  multas  reli- 
giosas de  grande  virtude  que  este  convento 
produziu  desde  aquella  data  até  a  sua  ex- 
tineção,  avultando  entre  ellas  : 

—A  Tia  Baptista  do  Ceu,  parente  de  José 
Higino  Pereira  Cabral,  da  villa  de  Gouveia, 
cavalheiro  respeiíabilissimo  e  que  falleeeu 
ha  poucos  aunos. 

Todos  na  localidade  ainda  hoje  veneram  a 
memoria  d'ella  como  a  de  uma  santa;  fes- 
tejam pomposamente  o  seu  Menino  Jesus, 
com  festa  e  feira  annual,  como  ella  festejou 
sempre,— e  por  essa  occasião  o  povo  nos 
seus  descantes,  como  prova  de  que  não  es- 
quece a  Tia  Baptista  e  o  seu  tão  caro  Me- 
nino,  costuma  cantar,  entre  outras,  as  coplas 
seguintes,  ao  som  do  clássico  adufe, — espé- 
cie de  pandeiro  quadrado,  que  se  toca  eona 
ambas  as  mãos  e  que  é  o  instrumento  favo- 
rito e  único  do  povo  da  Beira  Baixa,  herda- 
do dos  erminios,  talvez: 

Quando  fordes  a  Vinhó, 
Tirae  o  chapéu  á  cruz, 
Que  o  Menino  é  mordomo 
Da  bandeira  de  Jesus. 

Ó  minha  Tia  Baptista, 
A  quem  deixastes  o  ramo  ? 
Ás  cachopas  de  Gouveia, 
Ás  de  Vinhó  para  o  anno.  * 

Vamos  á  Tia  Baptista, 
Cachopas  andae,  andae. 
Que  está  lá  uma  fontinha. 
Bebe  d'ella  quem  lá  vae. 

i  Ó  minha  Tia  Baptista^ 

Tia  Baptista  do  Ceu, 
Só  vos  invejo  uma  coisa, 
— Do  vosso  Menino  o  chapéu. 


1  V.  Casal  de  Vasco  e  Ramirão,  tomo  2.» 
pag.  143. 


1  A  Tia  Baptista  era  sempre  a  juisa  da 
festa  do  seu  Menino  Jesus  e  costumava  coe- 


1524  VJN 


VIN 


Costumava  ella  veslir  o  seu  Menino  como 
se  fosse  um  general. 

Ainda  fm  1881  nós  o  vimos  com  farda, 
calção  6  chapéu  de  dois  bicos  com  plu- 
mas I.  . . 

Talvez  que  os  devotos  folgasões  se  refe- 
rissem ao  espaventoso  chapéu. 

O  edifício  do  convento  era  bastante  espa- 
çoso, mas  pouco  imponente  e  muito  irregu- 
lar, bem  como  o  terreiro  intra  muros,  onde 
se  fazia  e  faz  ainda  hoje  a  feira. 

Quando  foi  extmcto,  estava  arruinado  com 
o  peso  dos  séculos  e  mais  se  arruinou  com 
o  abandono.  Desabou  parte,  antes  de  ser  ar- 
rematado,—e  o  povo  exerceu  também  sobre 
elle  grande  vandalismo,  roubando  madeira 
e  pedra.  Apenas  se  conservou  intacto  um 
lanço,  onde  esteve  a  escola  de  instrueção 
primaria  d'esta  freguezia,— lanço  hoje  res- 
taurado e  transformado  em  habitação  par- 
ticular, pertencente  ao  rev.  José  Alves  Dias. 

Tudo  o  mais,— edifício  e  cercas,— é  da 
opulenta  família  Rainhas,  de  Gouveia,  que 
demoliu  quasi  toda  a  parte  restante  do  con- 
vento para  fazer,  como  fez,  casas  d'aluguel. 

Tinha  um  bom  claustro  com  columnas  de 
granito,  algumas  das  quaes  foram  removi- 
das pelos  compradores  para  fazerem  uma 
ramada  no  quintal  das  casas  que  possuíam 
em  Gouveia.  —  casas  que,  por  doação  de 
Francisco  d'Almeida  Rainha,  filho  do  gran- 
de industrial  e  capitalista  Joaquim  d'i^lmei- 
da  Rainha,  são  hoje  do  seu  guarda-livros 
Antonio  de  Gouveia  Amarante,  sitas  no  bairro 
da  Biqueira  ou  Regueira. 

N'este  convento  de  Vinhó  acabaram  os  seus 
dias  as  freiras  dos  extincios  conventos  fran- 
ciscanos d' Almeida  e  de  Nossa  Senhora  do 
Couto. 

Nos  princípios  da  metade  do  ultimo  se- 


vidar  para  mordomas,  em  annos  alternados, 
as  raparigas  solteiras  dos  povos  circumvisi- 
nhos,  dando-lhes  nn?  ramo,  como  signal  da 
eleição,— ramo  de  flores  naturaes,  muito  cui- 
dadosamente cultivadas  por  ella  em  um  pe- 
queno recinto  vedado,  que  tinha  na  cerca, 
ainda  hoje  denominado— a  cerca  do  Menino. 


culo  os  jesuítas  fizeram  um  collegío  esplen- 
dido na  Villa  de  Gouveia,  sobre  o  palacete 
do  mestre  de  campo  Antonio  de  Figueiredo 
I  Ferreira  e  que  esie  lhes  doou  com  todos  os 
seus  bens,  comprehendendo  magnificas  pro- 
priedades. 

A  fachada  nobre  do  dicto  collegio,  ainda 
hoje  muito  solido  e  com  uma  bella  cerca, 
tem  amplas  e  formosas  vistas  para  N.  E.  e 
O.  sobre  a  bacia  hydrographica  do  Monde- 
go, dominando  um  vastíssimo  horisonte 
muito  regular  e  em  forma  de  semi-circulo, 
limitado  a  N.  pela  serra  do  Marãó,  a  O.  pela 
do  Bussaco  e  a  N.  0.  pelas  do  Caramulo, 
Gralheira  e  Mezio.  D'ella  se  vê  Mangualde  a 
30  kilometros  de  distancia  e  Vizeu  a  50, 
alem  d'outras  muitas  povoações;— tem  adi- 
cta fachada  a  perspectiva  d"um  palácio  e  era 
decorada  pela  fronteria  da  magestosa  egreja 
que  teve  no  centro,  ladeada  por  duas  torres, 
—egreja  e  torres  que  foram  demolidas  ap- 
proximadamente  em  1837  por  Bernardo  An- 
tonio de  Figueiredo  Homem  para  fazer  uma 
fabrica  de  saragoças  (?!...)  quando  com- 
prou o  dicto  collegio  e  cerca,  hoje  proprie- 
dade e  habitação  do  conde  de  Caria,  seu 
herdeiro  e  sobrinho. 

Sendo  extinctos  pelo  marquez  de  Pombal 
em  1759  os  jesuítas,  pouco  depois  de  acaba- 
rem o  collegio,  para  elle  se  transferiram  as 
freiras  franciscanas  do  convento  d'Almeida, 
mas  também  pouco  tempo  ali  viveram,  por- 
que, sobrevindo  a  guerra  da  península,  foi 
o  dicto  collegio  em  1811  arvorado  em  hos- 
pital mihlar,- depois  quartel  de  caçadores 
n."  7,— sendo  as  freiras  removidas  para  o 
convento  de  Vinhó. 

Por  seu  turno  as  do  convento  de  Nossa 
Senhora  do  Couto,  na  extíncta  parochia  de 
Nabainhos,  hoje  annexa  á  de  Nabaes,  conce- 
lho de  Gouveia,  achando-se  a  braços  cora  a 
maior  pobresa  e  reduzidas  a  uma  única, 
esta,  approximadamente  em  1840,  para  não 
morrer  de  fome,  passou  para  o  convento  de 
Vinhó,  distante  cerca  de  7  kilometros  ao 
poente,- indo  a  pobre  senhora,  já  velhinha, 
a  pé,  descalça,  envolvida  em  andrajos  e  ba- 
nhada em  lagrimas,  chorando  a  sua  sorte  e 
a  do  seu  tão  querido  convento,  que  hoje  se 


VIN 


VIN  1525 


acha  também  qaasi  demolido.  Apenas  restam 
a  egreja,  que  foi  sempre  pequena  e  pobre, 
— e  a  humilde  casa  do  eapelião  e  confessor, 
ao  sul  da  egreja  e  do  convento,  metiendo-se 
de  permeio  a  antiga  estrada  mihtar  de  Celo- 
rico a  Coimbra. 

Assim  terminou  o  venerando  convento  de 
Vtnhó,  que  jà  contava  3  séculos  d'exi8ten- 
cia. 

Também  foi  extincto  era  1834  o  convento 
do  Espirito  Santo,  de  Gouveia. 

Era  de  frades  franciscanos;  demorava  a  2 
kilomeiros  do  de  Vinhó,  para  S.;  foi  com- 
prado também  por  Bernardo  Antonio  Ho- 
mem de  Figueiredo,  que  o  demoliu  lambem 
logo  para  fazer  a  sua  fabrica  de  sarago- 
ças?  !■ . .  Apenas  hoje  restam  d'elle  os  es- 
combros. 

O  convento  era  humilde  e  pequeno  e  ain- 
da existe,  mas  muito  mal  traclado  e  habi- 
tado pelo  caseiro  do  meneiotiado  conde  de 
Caria,  seu  actual  possuidor. 

V.  Gouveia,  vi  lia  da  Beira  Baixa,  Mello, 
Nabaes  e  Nabainhos,  n'esle  diccionario  e  no 
supplemenlo. 

As  produiTÔes  principaes  d'e8ta  freguezia 
de  Vinhó  são  vinho,  azeite,  cereaes  e  fructa 
de  caroço. 

Também  tem  algumas  larangeiras,  mas 
soÉfrem  muito  com  o  ar  da  grande  serra 
próxima  e  produzem  pouco  fructo  e  ruim. 

Também  abunda  em  pinheiros  e  carva- 
lhos, gado  lanígero  e  caça. 

O  seu  clima  é  temperado,  porque  demora 
na  planieie,  a  2  kilometros  da  raiz  da  gran- 
de serra. 

Nào  é  muito  saudável,  porque  os  seus  ha- 
bitantes, como  a  grande  maioria  dos  d'esta 
provinda  da  Beira  Baixa  e  das  da  Beira 
Alta  e  Traz-os  Montes,  não  sabem  o  que  é 
limpesa  nem  hygieoe. 

Fazem  das  ruas  montureiras;— não  caiam 
nem  lavam  as  casas;— vestem  saragoça  e 
burel,  que  nunca  lavam  também, — não  la- 
vam lambem  o  corpo— e  vivem  na  maior 
imraundicie,  em  contado  com  as  gallinhas^ 
porcos,  bois  e  gado  lanígero. 

No  momento  está  pesando  cruelmente  so- 


bre esta  paroehia  a  varíola,  sem  poupar 
adultos  nem  creanças,  tendo  feito  muitas  vi- 
ctimas. 

Tem  apenas  uma  escola  oíficial  de  ins- 
trueção  primaria  para  o  sexo  masculino. 

Pessoas  notáveis 

— Francisco  de  Sousa,  jà  mencionado  su- 
pra, ascendente  dos  actuaes  marquezes  de 
Penalva,  senhor  de  Vinhó  e  fundador  do 
convento,  ao  qual  deixou  as  casas  em  que 
viveu  e  fallpceu  junto  d'elle. 

—  Odr...  Botto  Machado,  juiz  da  casa  da 
supplicação,  F.  C  R.,  etc. 

Casou  com  D.  Rosa  Amália  de  Figueire- 
do e  tiveram  entre  outros  filhos  o  seguinte: 

—Jorge  Botto  Machado,  F.  C.  R.  e  senhor 
da  nobre  e  antiga  casa  dos  Bottos  Macha- 
dos d'esta  freguezia  de  Vinhó,  alliados  com 
muitas  famílias  da  principal  nobresa  d'esta 
província  e  da  da  Beira  Alta. 

O  dieto  Jorge  Botto  foi  o  ultimo  capitão - 
mór  de  Gouveia,  rival  do  Pitta  Bezerra,  ver- 
gonha da  família  e  da  humanidade  e  o  ter- 
ror e  açoute  d'e8te  concelho  1 

Desde  1828  até  1834,  ou  durante  o  ephe- 
mero  reinado  do  sr.  D.  Miguel,  praticou  to- 
da a  casta  de  prepotências:— prisões,,  se- 
questros, espancamentos,  ferimentos  e  mor- 
tes, mas  talis  vita,  finis  ital.  ■ . 

Apenas  em  1834  assumiram  os  liberaes  o 
poder,  Jorge  Bollo  foi  preso  e  mettido  no 
Limoeiro,  onde  falleceu,— e  seria  trucidado 
pelo  povo,  como  foi  o  Pitta  Bezerra,  se  o 
não  encarcerassem  tão  depressa. 

Falleceu  solteiro,  mas  deixou  um  filho  na- 
tural, que  legitimou  e  lhe  succedeu,— nos 
bens,  não  na  ferocidade,  pois  é  uma  excel- 
lente  pessoa,- o  sr.  Antonio  Botto  Machado, 
residente  em  Pinhel,  onde  casou. 

A  um  seuhomonymo  e  ascendente— lam- 
bem Antonio  Botto  Machado,— áe,  Villa  Cova 
a  Coelheira,  freguezia  do  concelho  de  Ceia, 
foi  concedido  em  13  de  janeiro  de  1780  o 
brasão  d'armas  seguinte:  —  escudo  partido 
em  pala  ;  na  1."  as  armas  dos  Boltos,  na 
2."  a  dos  Machados,  por  ser  filho  de  Jorge 
Botto  Machado,  neto  do  capitão  Antonio 
I  Botto  Machado,  bisneto  d'outro  Jorge  Botto 


i526  VIN 


VIN 


Machado,  3.»  neto  de  Antonio  Botto  Macha- 
do, 4."  ueio  de  Jorge  Botto  e  5."  neto  de  Di- 
niz Botio,  commendador  da  Ordem  de  Ch. 
na  Villa  de  Manteigas,  todos  descendentes  de 
Martini  Esteves  Butto,  a  quem  D.  Affonso  V 
fez  fidalgo  e  deu  brasão  darmas  em  1  de 
abril  de  1462,  pelos  seus  relevantes  serviços 
na  Africa. 

Archivo  Heraldico-genealogico  do  meu  bom 
amigo,  o  sr.  visiionde  de  Sanches  de  Baêna, 
pag.  33,  n.»  121. 

—  Fr.  Martinho  dos  Martyres,  religioso 
agostinho  descalço  de  muita  illustração  e 
virtudes. 

Wasceu  n'esta  freguezia  de  Vinhó  e  pro- 
fessou no  seu  convento  d'Estremoz  a  4  de 
março  de  1694. 

— O  dr.  Antonio  da  Fonseca  Mimoso  Guer- 
ra, do  conselho  de  S.  M.  ele. 

Nasceu  lambem  n'esta  parochia  e  teve  de 
emigrar  para  França  nos  princípios  d'este 
século,  por  ser  apodado  ãe  jacobino,  ou  par- 
tidário dos  francezes. 

Era  homem  de  grande  illustração,— foi 
depuiado  ás  cortes  de  1826,— seguiu  a  ma- 
gistratura—e  morreu  em  Lisboa,  sendo  juiz 
da  relação. 

As  casas  principaes  d'e8ta  parochia  são  as 
seguintes: 

1.  '— A  que  foi  do  tristemente  celebre  Jor- 
ge Botto  Machado,  ultimo  capitão-mór  de 
Gouveia,  hoje  do  seu  filho. 

É  brasonada. 

2.  * — A  de  Bazilio  Leitão,  que  veiu  dos 
lados  de  Coimbra  e  casou  aqui  com  uma  se- 
nhora filha  única  e  herdeira  da  familia  Corte 
Real,  parenta  dos  Cortes  Reaes  de  Fornos 
d'Algodres. 

Ê  um  edifício  elegante  e  novo,  feito  pelo 
mencionado  Bazilio  Leitão. 

3.  »— A  que  foi  de  Ignacio  de  Aragão  e  Pi- 
na, hoje  de  seus  filhos  e  herdeiros. 

Tudas  teem  mimosos  quinlaes  regadios. 

4.  *— A  do  rev.  José  Alves  Dias. 

É  uma  parte  do  extineio  convento,  res- 
taurada e  habitada  por  elle. 

Em  um  dos  altares  da  egreja  do  extineto  ' 


I  convento  se  venera  uma  imagem  de  Nossa 
I  Senhora  do  Rosario,  que  o  fundador  trouxe 
I  da  índia,— e  tomou  a  invocação  de  Nossa 
Senhora  das  Neves,  porque  na  1."  festivida- 
de que  se  lhe  fez  no  convento  a  5  d'agosto, 
e  por  consequência  era  pleno  verão,  toda  a 
Serra  da  Estrella  e  a  freguezia  de  Vinhó  se 
cobriram  de  neve,— diz  o  Sant.  Marianno, 
tomo  4."  pag.  536. 

Teve  pomposa  festa  annual  e  era  muito 
querida  dos  habitantes  d'e8ta  parochia.  Cos- 
tumavam recorrer  a  ella  nas  grandes  cala- 
midades publicas  e  leval-aem  procissão  pe- 
los campos  em  tempo  de  esterilidade. 

VINHÓS,  —  freguezia  do  concelho  e  co- 
marca de  Fafe,  districto  e  diocese  de  Braga, 
província  do  Minho. 

Vigairaria.  Orago  Santo  Estevam;— fogos 
92 —habitantes  380. 

Em  1706  era  vigairaria  da  commenda  de 
S.  Thomé  de  Travaçôs  no  concelho  de  Monte 
Longo,  comarca  de  Guimarães;— rendia  para 
o  vigário  40íí;000  réis  e  100  para  o  commen- 
dador;—contava  36  fogos — e  era  da  apre- 
sentação do  reitor  de  Travaçôs. 

Em  1768  era  da  mesma  apresentação; — 
rendia  para  o  vigário  SOí^OOO  réis — e  con- 
tava 58  fogos. 

O  censo  de  1861  deu-lhe  85  fogos  e  304 
habitantes,— e  o  de  1878  deu-lhe  81  fogos 
e  316  habitantes, — menos  fogos  e  mais  ha- 
bitantes! . . . 

Nenhum  d'elles  nos  satisfaz,  nem  os  apon- 
tamentos que  recebemos  da  localidade,  pois 
uns  dão-lhe  89  fogos — e  os  outros  96. 

Valha-nos  a  Senhora  do  Monte  do  Car- 
mo 1 .. . 

Dista  de  Fafe  5  kilometros  para  N.  O.;  — 
22  da  estação  de  Villa  Flor  ou  de  Guima- 
rães para  N.  E.; — 40  de  Braga; — 78  do  Por- 
to—e 415  de  Lisboa. 

Comprehende  as  aldeias  seguintes:— .ás- 
sento,  séde  da  parochia,  *— Godim,  Serna- 
dello,  Carvalho,  Casa  Nova,  Outeiro,  Outei- 
ro da  Linha,  Outeiro  da  Vinha,  Cachada, 


^  Ha  no  Minho  muitas  aldeias  denomina- 
das Assento  e  quasi  todas  são  sedes  de  pa- 
rochia. 


VIN 


VIS  1527 


Campo,  S.  Mamede,  Lagar,  Adegas  e  Deve- 
sa,— segundo  se  lê  ua  Clior.  Moderna,  mas 
parecem-Dos  aldeias  de  mais  para  tão  pou- 
cos fogos. 

Freguezias  limitrophes: — Reveihe  a  E.; — 
Travassos  a  iN.; — S.  Vieenie  a  0. — e  Santa 
Comba  a  S. 

ProducçÕes  dominantes  : — milho,  centeio 
e  vinho  verde  de  enforcado. 

Também  é  mimosa  de  caça  dos  seus  mon- 
tes e  de  peixe,  nomeadamente  trutas  muito 
saborosas,  de  um  ribeiro  que  passa  ao  poente 
6  junto  da  matriz — e  desagua  no  rio  de 
Pombeiro,  depois  de  regar  e  ferlilisar  cam- 
pos soberbos.  Também  move  2  moinhos  de 
cereaes  e  um  lagar  d'azeite  e  tem  2  pontes 
n'esta  freguezia,  por  uma  das  quaes,  que  é 
a  principal,  corre  a  estrada  disiricial  a  ma- 
cadam  de  Fafe  a  Povoa  de  Lanhoso,  mas 
ainda  não  passou  da  aldeia  de  Regueixo,  fre- 
guezia de  Travassos. 

Clima  temperado  e  saudável. 

Templos: — unicamente  a  egreja  matriz, 
que  é  pequena  e  pubre,  mas  decente. 

Já  teve  2  capellas, — uma  de  Nossa  Senho- 
ra da  Conceição  no  monte  da  Minholeira, 
junto  da  matriz;  mas  d  elia  hoje  apenas  res- 
tam alguns  vestígios; — a  outra  era  dedicada 
a  S.  Mamede  e  estava  na  aldeia  d'este  nome, 
mas  já  nem  vestígios  d'ella  restam. 

VINTE  E  QUATRO  {Casa  dos)— Era  uma 
junta  de  24  homens,  dois  de  cada  oíTicio, 
destinada  para  o  bom  governo  das  cidades 
de  Lisboa,  Porto  e  outras,  e  representou  em 
Portugal  um  papel  muito  importante. 

Data  a  sua  creação  do  remado  de  D. 
João  L 

Nenhum  individuo  podia  fazer  parte  d'esta 
junta  sem  ter  40  annos,  nem  entrava  nos  of- 
ficios  d'ella  sem  obter  duas  partes  dos  vo- 
tos. 

O  alvará  de  7  de  outubro  de  1781  deter- 
minou o  modo  como  havia  de  fazer-se  a 
eleição  do  juiz  do  povo. 

O  alvará  de  3  de  dezembro  de  1781  esta- 
beleceu o  regulamento  das  ofifleinas  da  Casa 
dos  Vime  e  Quatro  e  a  classifli^ação  dos  di- 
versos grémios  embandeirados  dos  oílicios, 
— e  determinou  quaes  delles  annualraente 
deviam  dar  homens  para  a  dieta  junta. 


A  Casa  dos  Vinte  e  Quatro  da  cidade  do 
Perto  foi  exiincta  em  1661,  como  culpada 
no  motim  que  na  mesma  cidade  occorrêra. 

Em  1822  decretaram  as  cortes  que  os  pro- . 
curadores  dos  mesteres,  e  mais  membros  da 
Casa  dos  Vinte  e  Quatro  em  Lisboa  e  em 
outras  terras  do  reino,  continuassem  a  ser 
providos  na  forma  das  leis  e  estylo,  subsis- 
tindo as  suas  attribuições  em  tudo  o  que  não 
fosse  contrario  ao  systeraa  constitucional. 

(Carta  de  lei  de  31  de  euiubro  de  1822.) 

Em  1834  foi  exiincta  a  Casa  dos  Vinte  e 
Quatro,  juntamente  com  os  logares  de  juiz  e 
procuradores  do  povo,  mesteres  e  grémios 
dos  differentes  oíBeios,  ficando  encarregadas 
as  camarás  muuícipaes  de  darem  as  provi- 
dencias que  a  tal  respeito  julgassem  mais 
acertadas  e  de  consultarem  acerca  das  que 
excedessem  as  suas  attribuições. 

O  decreto  de  7  de  maio  de  1834  dava  esta 
razão  : 

»Não  se  coadunando  com  os  princípios  da 
carta  constitucional  da  monarchia,  base  em 
que  devem  assentar  todas  as  disposições  le- 
gislativas, a  instituição  do  juiz  e  procurado- 
res do  povo,  mesteres,  Casa  dos  Vinte  e 
Quatro  e  classificação  dos  differentes  gré- 
mios—outros  tantos  estorvos  à  industria 
nacional,  que  para  medrar  muito  carece  da 
liberdade,  que  a  desenvolva  e  da  protecção 
que  a  defenda:  hei  por  bem...  decretar  o 
seguinte : 

•Ficam  extinctos  os  logares  de  juiz",  e  pro- 
curadores do  povo,  mesteres,  Casa  dos  Vinte 
e  Quatro  e  os  grémios  dos  differentes  offl- 
cios.» 

VISEU  ou  Fízew,  I— cidade  antiquíssima 
e  muito  importante  ainda,  séde  do  concelho, 
da  comarca,  do  districto  e  da  diocese  do  seu 
nome  na  província  da  Beira  Alta,  da  qual  é 
também  a  capital. 


i  Alexandre  Herculano  e  outros  muitos 
auetores  escrevem  Viseu  com  s,  mas  o  sr. 
Camillo  Castello  Branco  (hoje  visconde  de 
Correia  Botelho)  e  outros  escrevem  Vizeu 
com  z.  É  licito  pois  adoptar  qualquer  das 
duas  formas. 


1528  VIS 


VIS 


Demora  em  sitio  relativamente  alto  e  vis- 
toso cora  formosos  e  férteis  arrabaldes,  a  10° 
38'  9"  de  latiiude  e  1°  8',  7'/— E-de  loogi- 
íude  pelo  meridi;ino  de  Lisboa;— 1»  44',  57" 
—O— pelo  meridiano  do  observatório  de  S. 
Fernando  em  Cadis;~7°  57".— O— pelo  me- 
ridiano de  Greenwich;— 9"  42',  68"— E— 
pelo  da  Ilha  do  Ferro;  - 10°  17',  2"— O— 
pelo  meridiano  de  Paris,— e  a  540  metros 
d'altitude,  contados  do  novo  Hospital  da  Mi- 
sericórdia, ponto  mais  alto  de  Viseu,  extra 
muros. 

Está  entre  os  rios  Dão  e  Vouga,  na  mar- 
gem esquerda  do  Pavia,  confluente  do  rio 
Dão,  que  desagua  no  Mondego. 

É  banhada  a  O.  pelo  Pavia,  mas  a  Sé  dista 
d'elle  cerca  de  500  metros  para  E.;— 11  kl 
lometros  do  rio  Dão  para  O.  N.  O.;— 15  do 
Vouga  para  S.;— 25  do  Mondego  paraN,  N. 
O.;  20  da  estação  de  Nellas,  a  mais  próxima 
na  linha  da  Beira  Alta,  para  N.  N.  O.;— 87 
da  estação  (entroncamento)  da  Pampilhosa 
na  linha  férrea  do  Norte,  para  N.  E.;— 71  da 
cidade  da  Figueira,  também  para  N.  E.; —  | 
192  do  Porto  para  S.  E. »— e  317  de  Lisboa  | 
para  N.  N.  E.  | 

A  cidade  reveste  uma  pequena  collina,  { 
ainda  hoje  toda  povoada  e  encimada  pela  Sé, 
que  oecupa  precisamente  o  chão  do  antigo 
Castello  romano,  depois  palácio  real,  mas  a 
povoação  Já  desce  até  ás  faldas  da  collina  e 
se  espraia  pelos  campos  adjacentes. 

Divide-se  em  duas  párochias  denomina- 
das Sé  Oriental  e  Occidental,  que  compre- 
hendem  a  cidade  propriamente  dieta  e  as 
povoações  do  aro  até  á  distancia  de  4  a  6 
kilometros  em  volta  de  Viseu,  achando  se 
as  dietas  povoações  actualmente  divididas 
em  5  paròchias,  denominadas  annexas  :— 
Bio  de  Loba,  Ranhados  e  S.  Salvador  per- 


1  Pelas  linhas  da  Beira  Alfa  e  do  Norte, 
itinerário  que  hoje  segue  e  que  soffrerá 
grande  alteração  e  reducção  logo  que  se 
construa  a  linha  férrea  em  estudos  de  Viseu 
a  Chaves  pelos  valles  do  Paiva  e  do  Tâme- 
ga, pois  deve  cortar  a  linha  férrea  do  Dou- 
ro,ter  n'ella  entroncamento  junto  da  es- 
tacão de  Canaveses. 

V.  Villarinho  das  Paranheiras. 


tencentes  kfref^uezh  Occidental  dn  Sé;— Or- 
;  gens  e  Abraveses  á  freguezia  Oriental  III 
i     Ponho  aqui  tres  pontos  de  admiração  e 
mal  caracteriso  o  dispauterio  de  semelhante 
j  divisão  ecclesiaslica.  É  um  cumulo  no  seu 
!  género  e  um  facto  incrível  para  quem  fôr 
estranho  a  Viseu,  pois  uniram  á  freguezia 
Occidental  as  2  freguezias  orieniaes: — Rio  de 
Loba  a  E.  N.  E.— Ranhados  a  E.  S.  E.— e  S. 
Salvador  demora  a  S.  S.  O. 

Por  seu  turno  pertencem  à  freguezia 
Oriental  as  2  occidentaes: — Abraveses  a  N.  O. 
~B  Orgens  a  S.  O.  E  para  cumulo  da  tolice 
á  freguezia  Oriental  pertencem  alguns  po- 
vos das  annexas  da  freguezia  Occidental— 
e  V.  V.  1 

A  confu''ão  é  de  tal  ordem  que  muitas  ve- 
zes os  próprios  parochos  e  paroohianos  se 
enganam  com  a  destrinça,  pelo  que  não  raro 
se  encontram  nos  livros  da  freguezia  Orien- 
tal assentos  de  Baptismos  pertencentes  á  fre- 
guezia Occidental,  e  v.  v. 

Antes  de  se  crearem  as  5  annexas,  todo 
o  seu  vasto  chão  pertencia,  como  pertence 
ás  duas  antigas  paròchias  Oriental  e  Occi- 
dental da  Sé,  cuja  linha  divisória  linha  por 
base  a  rua  Direita,  que  se  prolonga  de  sul 
a  norte.  Já  n'esse  tempo  era  grande  a  con- 
fusão, porque  a  Sé,  matriz  commum  das  2 
freguezias,  demora  ao  poente  da  dieta  rua  e 
a  distancia  d'ella,  mettendo-se  de  permeio 
um  labyrintho  de  ru5s,  viellas  e  bilesgas, 


Actualmente  a  nossa  orfographia  é  um 
cahos!  Tende  a  operar-se  n'eíla  uma  gran- 
de transformação,  entretanto  cada  escfiptor 
e  cada  typographia  adopta  a  que  bem  lhe 
apraz.  Dão-se  mesmo  grandes  differenças 
n'este  ponto  entre  o  nf^rte  e  o  sul  do  nosso 
paiz.  Vamos  pois  na  corrente  emquanio  a 
I  nossa  Academia  Real  das  Sciencias  não  le- 
I  gislar  sobre  o  assumpto. 
I  Vem  isto  a  propósito  para  dizermos  que 
i  em  Lisboa  e  na  typographia  d'eHte  dicciona- 
I  rio  costumam  escrever  freguezia  com  -z-  e 
I  nós  escrevemos  freguesia  com  -s.-  mas,  para 
I  não  fatigarmos  os  typographos  da  casa  edi- 
I  tora,  que  são  aliás  arti.«tas  consummados,  na 
revisão  das  provas  deixamos  de  apontar 
'  aquella  e  outras  divergências  de  ortogra- 
'  phia. 


VIS 


VIS  1529 


todas  mais  tortas  do  que  a  mencionada  rua 
Direita,  que  é,  como  iodas  as  ruas  Direitas,  ; 
sufflcientemeate  lona.  j 

Já  ifesse  tempo  pertenciam  à  freguezia  \ 
Oriental  muitas  ruas,  viellas,  casais  e  ai-  \ 
delas  da  cidade  e  du  aro  de  Viseu  que  esta-  I 
vam  au  poente  da  Se, — e  por  seu  turno  per-  j 
tenciam  a  freguezia  Occidental  muitas  ruas,  | 
viellas,  casas  e  aldeias  que  demoravam  ao  i 
nascente.  j 

A  confusão  era  grande,  mas  depois  da  i 
creação  das  annexas  augmentou  escândalo-  i 
sãmente,  estupidamente,  propositadamente,  \ 
pois  'iò  assim  se  explica  o  faeio  estranho  e  ! 
único  de  mudarem  o  nome  aos  quadrantes.  ! 

Quem  pelos  mappas  liver  de  procurar  as  \ 
5  aunexas  fique  sabendo  que  as  orientaes  j 
sào  as  occidentaes,  e  v.  v.  | 

Isto  só  em  Viseu  I 

Prosigamos. 

As  o  mencionadas  annexas  são  freguezias 
autónomas  e  independentes  na  parle  civil, 
judicial  e  admiuisiraiiva,  mas  ecclesiaí^tica- 
raente  são  ainda  liuje  simples  curatos  das 
duas  freguezias  da  Sé. 

Todas  5  leem  pui  ocJios  próprios  e  perma- 
nentes, iud!<  nominaes  e  por  assim  dizer  coa- 
djuclures  do.s  2  paroclios  ua  Sé,  pois  tendo 
todas  sacrário  e  Santíssimo  para  mais  fácil 
adminis trairão  dos  sacramentos,  nenhuma 
d'ellas  tem  pia  baptismal !  1  Os  baptismos  de 
todas  as  5  annexas  e  das  2  freguezias  Orien- 
tal e  Occidental  são  todos  feilos  em  uma  pia 
única  na  Sé  de  Viseu?  I . . . 

Também  só  os  dois  parochos  da  Sé  po- 
dem assistir  e  assistem  aos  casamentos  das 
ô  annexas  e  teem  para  elles  livros  de  regis- 
tro parochial,  bem  como  para  os  Baptismos. 

Nas  annexas  apenas  ha  livros  d'obitos 
desde  1857. 

Em  todo  o  nosso  paiz  não  ha  dispauterio 
semelhante  e  ha  muito  devia  ler  acabado  tão 
anómalo  estado  de  cousas. 

Fique  a  cidade  de  Viseu  constituindo  as 
2  parochias  Oriental  e  Occidental,  mas  de- 
crete-se  a  independência  e  autonomia  com- 
pletas, tanto  na  parte  civil,  como  judicial, 
administrativa  e  ecclesiastica,  para  as  men. 


cionadas  S  annexas,  mesmo  porque  só  as- 
sim poderão  viver  com  decência  os  pobres 
curas,  que  hoje  apenas  teem  de  côngrua  e 
vencimento  total  100^000  réis,  deduzindo 
ainda  4^000  réis  para  o  cobrador  1— Ven- 
cera menos  do  que  um  mestre-escola,  pois 
nada  recebem  do  pé  d'altar,  o  que  é  duro, 
duríssimo,  levultante,  insupportavel ! 

Todos  clamam,  e  gritam  una  voce  e  cotn 
rasão  ! . . . 

As  dietas  annexas  foram  criadas  em  1808 
pelo  santo  prelado  D.  Francisco  Monteiro 
Pereira  d'Azevedo,  porque  até  então  o  sa- 
grado Viatico  lhes  era  levado  da  Sé  ou  das 
capellas  de  S.  Miguel  do  Fetal  e  de  S.  Mar- 
tinho, í  o  que  em  rasão  da  distancia — 4  a  6 
kilometros  para  os  pontos  extremos, — tinha 
graves  inconvenientes.  Foi  muito  louvável 
a  resolução  d'aquellB  bispo,  dando-lhes  cu- 
ras próprios,  que  elle  subsidiava,  como  di- 
remos quando  fallarmos  d'aquelle  santo  pre- 
lado, mas  desde  então  até  hoje  augmentou 
consideravelmente  o  preço  das  subsistências, 
— a  população  da  cidade — e  a  das  dietas  an- 
nexas. Augmentem  se  pois  lambem  os  ven- 
cimentos dos  pobres  curas — ou  dé-se  áquel- 
les  povos  a  desejada  autonomia,  mesmo  por- 
que, tendo  elles  na  localidade  egrejas  e  pa- 
ruchos  próprios,  como  leem  ha  muito,  é  uma 
barbaridade  obrigal  os  a  irem  a  Viseu  e  a 
transporem  por  vezes  4  a  G  kilometos  para 
se  receberem  e  para  baptisarem  os  seus  fi- 
lhos, perdendo  tempo  precioso  eexpondo-se 
aos  raios  do  sol  no  verão,  e  aos  vendavaes 
no  inverno — sem  necessidade  alguma  I 

Chamamos  para  este  ponto 
a  aitenção  do  governo  e  dos 
prelados  visienses. 

Note-se  lambem  que  os  parochos  das  5 
annexas  e  os  dois  parochos  da  Sé  são  todos 
curas  amoviveis.  ISenhura  d'elles  é  nem  nun- 
ca foi  collado  ?  ! . . . 

Em  lodos  08  nossos  cabidos  ha  como  em 
Viseu  cónegos  e  meios  cónegos,  mas  só  no 


1  Estas  2  capellas  extra-muros  eram  con* 
sideradas  matrizes  dos  povos  que  depois 
constituíram  as  S  annexas 


1530  VIS 


VIS 


aro.  e  na  cidade  de  Viseu  ha  curas  e  meios- 
curas  I 

Ainda  as  annexas 

Não  se  imagine  que  as  S  parochias  deno- 
minadas annexas  e  que  formam  o  aro  e  par- 
te integrante  da  cidade  de  Viseu,  ?ão  povoa- 
ções pequenas,  insignificantes,  pobres  e  sem 
recursos  para  snsteotarem  a  sua  autonomia. 
Pelo  contrario  são  mais  populosas,  mais  ri- 
cas 6  mais  importantes  do  que  a  maior 
parte  das  freguezias  ruraes  do  nosso  paiz, 
como  vamos  provar,  ampliando  um  pouco  o 
que  já  se  disse  de  cada  uma  d'ellas  nos  ar- 
tigos próprios. 

Freguezia  Occidental  (I)  da  Sé  de  Viseu 

1.*  annexa 

Rio  de  Loba  ^ 

Nem  a  Chorogrnpina  Portngueza  nem  o 
Portugal  S.  e  Profano  mencionam  esta  fre- 
guezia, porque  foi,  como  já  dissemos,  criada 
em  4808,  emquanto  que  o  padre  Carvalho 
escreveu  a  sua  chorographia  em  1706  a  1712 
e  Paulo  Dias  de  Nisa  escreveu  o  Port.  S.  e 
Prof.  em  1757  a  1768. 

O  mesmo  succede  e  fica  dito  desde  já  com 
relação  ás  outras  4  annexas. 

E  um  dos  3  curatos  da  freguezia  Occiden- 
tal da  Sé  de  Viseu,  da  qual  a  matriz  de  Bio 
de  Loba  dista  2  e  meio  kilometros  para  N. 
E.,  mas  fera  pontos  distantes  de  Viseu  5  a 
6  kilometros  e  talvez  mais  ! 

Em  1834,  segundo  se  lê  na  Memoria  offe-  i 
recida  á  camará  de  Viseu  em  1838  por  Be- 
rardo, então  ainda  leigo  e  administrador 
d'este  concelho,  esta  parochia  de  Rio  de  Lo- 
ba contava  237  fogos  e  1:293  habitan- 
tes (?!...)  sendo  609  do  sexo  masculino — 
e  684  do  sexo  feminino, — celibatários  746, 
— casados  4S4, — viúvos  93.  No  mesmo  anno 
de  1834  nasceram  n'esta  freguezia  15  crean- 
ças  do  sexo  masculino  e  16  do  sexo  femini- 
no— e  morreram  9  homens,  9  mulheres  e  13 
creanças. 


1  V.  tomo  VIII  pag.  194,  col.  1.* 


Em  1838,  segundo  se  lê  na  dieta  Memoria, 
contava  esta  freguezia  318  fogos ! . . . 

O  Flaviense  em  1852  deu-lhe  375  fogos; 
—o  censo  de  1864  deu-lhe  423  fogos  e  1:814 
habitantes;— o  de  1878  deu-lhe  160  fogos  e 
1:963  habitantes — e  hoje  (1887)  segundo  as 
informações  do  seu  rev.  cura  próprio,  conta 
492  fogos  e  2:150  habitantes. 

Orago~S.  Simão. 

Comprehende  as  aldeias  seguintes: — Rio 
de  Loba,  sede  da  parochia. — Barbeita,  Povoa 
de  Sobrinhos.  Gumirães.  Travassos  de  Cima, 
Travassos  de  Baixo,  i— 3  quintas  em  S.  João 
da  Carreira  e  4  no  Viso. 

Parochias  limitrophes:— Mondão  a  N.; — 
Fragosella  a  E.:— Ranhados  a  S.;— Abrave- 
ses e  a  Oriental  da  Sê  de  Viseu  a  0. 

Passam  ao  poente  d'esta  freguezia,  cami- 
nhando de  sul  a  norte,  a  estrada  districtal  a 
macadam,  n.°  40,  de  Viseu  a  Aguiar  da  Bei- 
ra,— e  ao  sul  a  estrada  real  n."  43,  de  Viseu 
a  Mangualde  e  Celorico. 

Templos 

1.  °—A  egreja  matriz,  muito  acanhada. 

2.  °— Capplla  de  Nossa  Senhora  da  Espe- 
rança, na  Povoa  de  Sobrinhos. 

3  ° — Capella  de  Santo  Antonio,  em  Bar- 
beita. 

4.°— Capella  de  S.  Martinho,  em  Travas- 
sos de  Cima, 

5  "—Capella  de  S.  João  e 

6.»— Capella  do  Senhor  dos  Afflicfos,~em 
Gumirães. 

As  3  primeiras  capellas  são  publicas;— as 
ultimas  2  são  particulares,  perteneentes  aos 
herdeiros  de  Miguel  Pinto,  de  Lourosa — e 
todas  estão  bem  tractadas. 

Todos  os  annos  vae  de  Vil  de  Moinhos,  al- 
deia da  freguezia  de  S.  Salvador,  á  dieta  Ca- 
pella de  S.  João,  no  dia  do  seu  orago,  uma 


1  Note-se  que  estas  duas  ultimas  aldeias 
e  as  3  quintas  de  S.  João  pprtencem  a  esta 
parochia  na  parte  civil,  judicial  e  adminis- 
trativa, mas  ecdesi^sticamentp  perteniíem, 
como  devera  pertencer  e«ta  freguezia  toda, 
á  freguezia  Oriental  da  Só  de  Viseu. 


VIS 


VIS  1531 


interessantíssima  cavalhada,  de  que  faremos 
menção  no  tópico  relativo  á  freguezia  de  S. 
Salvador. 

Producções  dominantes: — vinho  verde, 
millio,  centeio,  trigo,  batatas,  feijões,  cevada 
e  azeite. 

Tem  uma  escola  oíBcial  TOíícío,  de  instruc-  | 
ção  primaria  para  os  dois  sexos — e  2  cerai-  | 
terios  paroehiaes:— umem  Barbeita,— outro  j 
junto  da  matriz.  i 
Clima  saudável  e  temperado.  1 
É  seu  cura  actual  o  rev.  sr.  Joaquim  Ho-  i 
mera  de  Paiva  Cardoso,  a  quera  agradeço  } 
estes  apontamentos,  bem  como  ao  sr.  dr.  Ni-  j 
colau  Pereira  de  Mendonça,  que  se  dignou 
sollicilal-08  e  enviar-m'os.  i 

I 

Freguezia  Occidental  (!)  da  Sé  de  Viseu  j 

I 

2.'  annexa 
Ranhados  ^ 

A  matriz  d'esta  parochia  dista  de  Viseu 
2  e  meio  kilometros  para  E.  S.  E.  Está  pois 
do  lado  oriental,  mas  pertence  à  freguezia 
Occidental  e  ao  concelho,  comarca,  distri- 
cto  e  diocese  de  Viseu. 

Esta  povoação  de  Ranhados  foi  muito  pri- 
vilegiada, pois  era  villa  e  séde  de  concelho, 
pertencentes  á  ordem  de  Malta,  mas  suppo- 
mos  que  nunca  foi  freguezia. 

Não  se  estranhe  a  supposi- 
ção,  porque  este  ponto  è  obs- 
curo e  porque  tivemos  muitas 
villas  e  sedes  de  concelhos  sem 
serem  parochias,  mas  simples 
aldeias. 

V.  Vicente  de  Pereira  (S.)  to- 
mo X,  pag.  562,  col.  1.»  e  segg. 

Em  1708,  segundo  se  lê  na  Chorographia 
Portugueza,  era  matriz  d'estâ  villa  de  Ra- 
nhados a  egreja  de  Nossa  Senhora  da  Graça 
de  Fragosellas,  o  que  nos  custa  a  crer,  por- 
que Fiagoíeilas  não  pertencia  ao  concelho 
de  Ranhados  e  dista  de  Ranhados  cerca  de 


10  kilometros  para  N.  E.  Mais  natural  era 
pois  que  pertencesse  a  uma  das  freguezias 
de  Viseu,  estando  em  contacto  com  ellas  e 
pertencendo  a  ellas  todos  os  povos  circuin- 
visinhos  de  Ranhados,  que  constiiuiam  e 
constituem  o  aro  de  Viseu. 

Desde  1808  é  Ranhados  uma  das  3  anne- 
xas  da  freguezia  Occidental  de  Viseu— e  an- 
teriormente foi  uma  das  muitas  povoações 
do  aro,  que  tiveram  por  matrizes,  como  já 
dissemos,  as  eapellas  de  S.  Martinho  e  S.  Mi- 
guel do  Fetal,  extra-m.itros  de  Viseu,  pelo 
que,  mesmo  depois  da  criação  das  annexas, 
os  nubpntes  de  Ranhados  eram  obrigados  a 
ler  banhos  nas  mencionadas  eapellas  e  ali  se 
proclamaram  até  18S7,  approximadamente. 

Foi  o  bispo  D.  .José  .Joaquim  d'Azevedo  e 
Moura  quem  poz  termo  a  tal  usança. 

Esta  parochia  tem  hoje  como  orago  iVossa 
Senhora  da  Ouvida,  e  o  seu  paroeho  a  si  pró- 
prio se  denomina  meio  cura,  por  ser  cura  do 
cura  da  fresupzia  Occidental  de  Viseu  e  ter 
a  sen  cargo  a  cura  d'almas,  desobriga,  missa 
conventual  e  registro  dos  óbitos,  pertencen- 
do ao  cura  da  Sé  a  celebração  e  registro  dos 
casamentos  e  Baptismos  e  todos  os  proven- 
tos do  pé  d'altar,  como  succede  nas  outras 
annexas. 

O  Padre  Carvalho  em  1708  mencionou  o 
concelho,  mas  não  a  freguezia  ãp  Ranhados, 
porque  ao  tempo  ainda  não  existia.  Também 
por  igual  motivo  não  a  mencionou  o  Portu- 
gal S  e  Profano. 

Em  1834,  segundo  se  lé  na  Memoria  que 
Berardo  nfTereceu  á  camará,  esta  freguezia 
contava  71  (I)  fogos  e  441  habitantes  i. 

Em  1838,  segundo  se  lé  na  citada  Memo- 
ria, contava  215  fogos. 

O  Flaviense  em  1852  deu-lhe  231  fogos; 
— o  censo  de  1864  deu-lhe  265  fogos  e  1:064 
habitantes;— o  de  1878  deu-lhe  290  fogos  e 
1:192  habitantes— e  hoje  conta  310  fogos  e 
1:286  habitantes. 

Comprehende  as  aldeias  seguintes:— fía- 


1  Aqui  ha  talvez  erro  de  copia.  Suppomos 
1  V.  tomo  VIII  pag.  46,  coi.  2.»  e  segg.     \  que  Berardo  diria  171  fogos. 


1532  VIS 


ViS 


nhados,  eéde  da  parochia,— Lagea,  Alagôa, 
Carvalhal,  CabanÕes  de  Cima,  Repeses  e 
muitas  quintas,  sendo  as  principaes:— Ju- 
gueiros,  Pedras  Alçadas,  S.  Caetano,  Santa 
Eugenia,  Santa  Eufemia,  Santa  Lusia,  Lava- 
Mãos,  Ariais  e  Viso. 

Parochias  limilrophes;— S.  João  de  Lou- 
rosa, Villa  Chã  de  Sá,  Fragosellas,  Rio  de 
Loba  e  S.  Salvador. 

Templos 

A  egreja  parochial  da  Senhora  da  Ouvida 
e  as  capellas  seguintes  : 
Santa  Eulália. 

2.  » — Santa  Eufemia,  ambas  publicas. 

3.  " — Santa  Luzia. 
L*— Senhora  a  Prenhe. 

O  nome  que  o  povo  dá  de  tempos  imme- 
moriaes  à  Senhora,  invocação  d'e8la  capella 
é  Senhora  a  Prenhe,  cuja  imagem  eslá  hoje 
na  matriz  e  representa  a  Senhora  no  estado 
de  gravidez  I  Creio  já  estar  profanada  esta 
capella,  que  pertence  com  a  quinta  junta  aos 
morgados  de  Santa  Christina  de  Viseu,  de 
quem  se  falia  adiante. 

Não  mencionamos  mais  duas,  porque  já 
estão  profanadas. 

Na  capella  de  Santa  Eufemia  ha  todos  Og 
annos  festa  e  grande  romagem,  que  dura 
dois  dias. 

Na  de  Santa  Eulália  o  povo  festeja  não 
só  a  padroeira,  mas  lambem  S.  Domingos  e 
Santo  Antonio. 

Na  matriz,  alem  da  padroeira,  costumam 
festejar  S.  João,  S.  Sebastião,  Santo  Antonio, 
Santa  Barbara  e  Santa  Eufemia,  sendo  esta 
ultima  festividade  a  mais  pomposa,  por  ser 
feita  á  compita  com  os  devotos  que  festejam 
a  mesma  santa  na  sua  capellinha,  mencio- 
nada supra. 

No  artigo  Ranhados  (Vide)  contou  o  meu 
benemérito  antecessor  a  historia  da  dieta 
capella  e  das  laes  rivalidades,  extraetando  o 
que  se  lê  no  Santuário  Marianno,  tomo  5." 
pag.  S28  a  532,  pelo  que  nós  apenas  accres- 
centaremos  o  seguinte : 

A  1.»  invocação  da  dieta  capella  foi  Nossa 
Senhora  da  Orada,  porque  a  sua  padroeira 


era  a  Virgem  sob  este  titulo;  depois  tomou 
suecessivamente  os  de  Senhora  do  Rosario, 
— Senhora  das  Neves—e  por  ultimo  o  de 
Senhora  da  Ouvida,  sob  o  qual  é  venerada 
na  egreja  que  lhe  erigiram  em  Ranhados  e 
que  é  hoje  a  matriz. 

Feito  o  novo  templo  em  1656,  para  elle  no 
mesmo  anno  irans^feriram  da  dieta  capella 
a  imagem  da  Virgem  e  todas  as  outras  que 
ali  se  veneravam  e  eram — as  de  S.  Francis- 
co, Santo  Antonio,  S.  Sebastião  e  Santa  Eu- 
femia, ficando  a  dieta  capella  fechada  e  de- 
voluta. 

Vendo  isto  os  cónegos  de  Viseu  e  lendo 
no  ehustro  da  Sé  duas  imagens  de  Santa 
Eufemia,  levaram  a  oceultas  e  de  noite  (di- 
zem) uma  d'aquella8  imagens  para  a  dieta 
capella  e  foram  no  dia  seguinte  conduzil-a 
em  procissão  para  a  Só.  O  mesmo  repetiram 
varias  vezes,  pelo  que  o  povo  se  convenceu 
de  que  Santa  Eufemia  fugia  para  a  capella, 
porque  queria  ser  n'ella  venerada. 

Explosiu  a  devoção;  não  mais  consenti- 
ram que  a  imagem  volvesse  para  a  Sé— e 
todos  os  annos  lhe  fazem  festa  pomposa  com 
romagem  de  dois  diase  extraordinária  con- 
corrência. 

Por  seu  turno  o  parocho  e  os  habitantes 
de  Ranhados  capricham  em  festejar  pompo- 
samente também  a  imagem  da  mesma  santa 
que  foi  da  capella  para  a  matriz;  mas  até 
hoje  tem  sido  e  continua  a  ser  muito  maior 
a  concorrência  dos  devotos  á  festividade  e 
romagem  da  capella. 

O  extincto  concelho 

Em  1708  o  concelho  de  Ranhados  conta- 
va 176  fogos  e  530  habitantes,—!  juiz  ordi- 
nário, vereadores,  1  procurador  do  conce- 
lho, 1  escrivão  da  camará  e  mais  alguns  ou- 
tros ofíiciaes  com  jurisdicção  no  eivei,  por- 
que o  pelouro  criminal  pertencia  ao  juiz  de 
fóra  de  Viseu. 

Em  1836,  data  da  sua  extincção,  i  com- 


1  O  decreto  de  6  de  novembro  de  1836 
remodelou  o  concelho  de  Viseu  e  extinguiu 
este  de  Ranhados  e  o  do  Barreiro,  de  que 
logo  fallaremos. 


VIS 


VIS  153a 


prehendia  277  fogos  e  i:018  habitantes,  di- 
vididos pelas  povoações  seguintes : 

— Ranhados,  villa  e  séde  do  oxtincto  con- 
celho, com  H8  fogos  e  419  habitantes. 

Já  então  pertencia  ecclesiasticanoente  à 
(regueria  Occidental  de  Viseu. 

— Paradinha  com  59  fogos  e  133  habitan- 
tes, hoje  da  freguezia  ecciesiastica  de  S.  Sal- 
vador. 

Também  pertencia  ecclesiasticamente  à 
freguezia  Occidental  de  Viseu. 

—Lourosa  de  Baixo  com  42  fogos  e  177 
habitantes. 

Pertencia  ecclesiasticamente  à  freguezia 
de  Lourosa,  concelho  de  Viseu. 

—Villar  d'Orgem  com  48  fogos  e  225  ha- 
bitantes. 

Pertencia  ecclesiasticamente  à  freguezia  de 
Povolide,  então  concelho  próprio  e  hoje  sim- 
ples freguezia  do  concelho  de  Viseu  tam- 
bém. 

— Remende  com  6  fogos  e  42  (!)  habitan- 
tes. 

Pertencia  ecclesiasticamente  á  freguezia 
de  Santos  Evos,  concelho  de  Viseu. 

— Finalmente  4  easaes  em  Paço  de  Sil- 
gueiros, com  4  fogos  e  20  habitantes,  per- 
tencentes ecclesiasticamente  á  freguezia  de 
Silgueiros,  concelho  de  Viseu  também. 

Nada  tinha  em  Fragosellas. 

É  isto  o  que  se  lê  na  Memoria  que  Berar- 
do offereceu  à  camará  municipal  de  Viseu 
em  1838  com  outras  multas  noticias  da  ci- 
dade, do  concelho  e  do  bispado  de  Viseu, 
quasi  todas  extrahidas,  como  elle  próprio 
indica,  das  suas  Noticias  históricas  de  Viseu, 
que  deixou  mss.  e  que  posteriormente  fo- 
ram publicadas  no  Liberal,  jornal  de  Viseu, 
desde  o  n."  1  de  6  de  maio  de  1857, 1.»  an- 
no  da  publicação  do  dicto  jornal,  até  o  n.» 
15  de  24  de  junho  do  mesmo  anno,— coUec- 
ção  hoje  raríssima  e  que  havemos  de  citar 
muitas  vezes,  porque  a  temos  sobre  a  nossa 
banca  de  estudo,— graças  ao  ex.""  sr.  D. 
Ruy  Lopes,  digno  representante  da  nobilís- 
sima casa  de  Santar,  concelho  de  Nellas. 

V.  Santar. 

As  produeções  dominantes  d'esta  fregue-' 
zia  de  Ranhados  são  :  — vmho,  milho,  trigo, 

VOLUME  XI 


centeio,  cevada,  hervagens,  hortaliça  e  fru- 
cta. 

Não  tem  fabricas,  mas  abundam  n*ella 
carpinteiros,  fogueteiros  e  mulheres  que 
fiam  e  vendem  linhas. 

É  banhada  por  um  ribeiro  denominado  de 
S.  Domingos— e  é  servida  por  duas  bellas 
estradas  a  macadam:— a  real,  n."  43,  de  Vi- 
seu a  Mangualde  e  Celorico,— e  a  districtai, 
n."  44,  de  Viseu  a  Nellas. 

Ha  também  n'esta  freguezia  um  cemitério 
parochial,  junto  da  matriz, — duas  escolas  of- 
flciaes  d'in8trucção  primaria  para  os  dois 
sexos— e  uma  particular  para  meninas. 

É  seu  cura -parocho  desde  1855  (ha  32  an- 
nos  1 . . .)  o  rev.  sr.  Bernardino  Pais  do  Ama- 
ral, a  quem  agradeço  a  maior  parte  d'estes 
apontamentos,  bem  como  ao  sr.  dr.  Nicolau 
Pereira  de  Mendonça,  que  se  dignou  soUi- 
eital-os  e  enviar-m'os. 

Terminaremos  dizendo  que  do  extincto 
concelho  e  villa  de  Ranhados  ainda  hoje  se 
vô  na  povoação  d'este  nome— o  pelourinho  e 
a  casa  da  camará,  servindo  esta  hoje  de  casa 
da  fabrica  da  matriz. 

Já  não  existe  a  cadeia. 

Freguezia  Occidental  da  Sé  de  Viseu 
5.*  annexa 

S.  Salvador  i 

Demora  esta  freguezia  a  S.  O.  da  cidade 
de  Viseu,  da  qual  dista  2  e  meio  kilometros 
a  sua  egreja  matriz;— é  parte  integrante  ou 
uma  das  annexas  da  freguezia  Occidental 
desde  1808— e  anteriormente  foi  como  to- 
das as  outras  annexas  uma  simples  capella- 
nia  adjunta  à  cúria  da  Sé. 

Pertence  ao  concelho  de  Viseu  desde  6  de 
novembro  de  1836,  daia  em  que  foi  remo- 
delado este  concelho  e  extincto  o  do  Barrei- 
ro, ao  qual  pertencia  e  que  tinha  por  séde 
a  povoação  de  Vil  de  Moinhos,  aldeia  d'esta 
parochia, — segundo  diz  Berardo  na  Memo- 


1  V.  Salvador,  tomo  VIII,  pag.  359,  col. 
2.»— e  o  Santuário  Marianno,  tomo  5.',  pa- 
gina 317. 

97 


1534  VIS 


VIS 


ria  que  offereceu  á  camará  em  1838.  Elie 
não  é  bem  explicito  n'este  ponto,  pois  no 
inappa  do  concelho  do  Barreiro,  mencio- 
nando todas  as  povoações  que  o  conslituiam 
apenas  mencionou  3  d'e8ta  parochia  e  foram 
as  seguintes  : 

—Povoa  da  Medronhosa,  com  21  fogos  e 
83  habitantes; 

— S.  Salvador,  com  59  fogos  e  209  habi- 
tantes, e 

—Vil  de  Moinhos,  com  291  habitantes  em 
90  fogos. 

Total— 170  fogos  e  583  habitantes,  mas  no 
mappa  da  população  do  bispado  de  Viseu  dá 
na  mesma  Memoria  a  esta  freguezia  de  S. 
Salvador  238  fogos  I  D'aqui  se  infere  que  o 
exlinclo  concelho  do  Barreiro  não  a  compre 
hendia  toda;  mas  em  compensação  n'aquella 
data  (1836)  -alem  das  3  povoações  mencio- 
nada!) comprehendia  as  seguintes : 

— Paradella  da  Ponte,  povoação  da  fre- 
guezia e  concelho  de  S.  Miguel  do  Outeiro. 

Fogos  91,— habitantes  411. 

— Silvares,  povoação  da  freguezia  de  Sil- 
gueiros, concelho  de  Viseu. 

Fogos  28,— habitantes  120. 

—Aguadette,  povoação  da  freguezia  da 
Torre  Deita,  concelho  de  Viseu  também. 

Fogos  16,— habitantes  58. 

—  Villa  Nova,  freguezia  do  Couto  de  Bai- 
xo, então  concelho  do  mesmo  nome  e  hoje 
concelho  de  Viseu. 

Fogos  24,— habitantes  107. 

— Portella,  povoação  da  mesma  freguezia 
do  Couto  de  Baixo. 

Fogos  24,— habitantes  63. 

— S.  Cosmado,  povoação  da  freguezia  do 
Coxrío  de  Cima,  então  concelho  do  mesmo 
nome  e  hoje  também  concelho  de  Viseu. 

Fogos  41,— habitantes  105. 

—Masgallos,  povoação  da  mesma  fregue- 
zia do  Couto  de  Cima. 

Fogos  54,— habitantes  141. 

— Guduxo,  povoação  da  mesma  fregue- 
zia. 

Fogos  3, -habitantes  11. 

—Perodiz,  povoação  da  freguezia  de  S. 

Cypriano,  concelho  de  Viseu. 
■  Fogos  10,— habitantes  41. 


— Chãos,  aldeia  da  mesma  freguezia  de 
S.  Cypriano. 

Fogos  26,— habitantes  110. 

— Tondella,  povoação  da  freguezia  d'Or-  . 
gens,  annexa  da  Oriental  de  Viseu.  * 

Fogos  35,— habitantes  105. 

Total  do  extinclo  concelho  do  Barreiro : 

Povoações  2  ,   44 

Fogos   490 

Habitantes   1:755 

Este  concelho  do  Barreiro  e  o  de  Ranha- 
dos seu  viâinho  e  também  já  extiocto,  como 
dissemos  quando  fallámos  d'aquella  fregue- 
zia, eram  dois  concelhos  muito  exóticos ! 

Tendo  as  «édes  encostadas  aos  muros  de 
Viseu,  comprehendiam  povoações  dispersas 
e  algumas  distantes  umas  das  outras  12  ki- 
lometros, — todas  simples  aldeias,  pertencen- 
tes a  diversas  freguezías  e  diversos  conce- 
lhos e  coutos  l  Nenhuma  das  dietas  povoa- 
ções era  parochia,  nem  mesmo  as  próprias 
sédes  dos  dois  concelhos^  sendo  aliás  villas, 
ambas  por  seu  turno  encravadas  no  conce- 
lho de  Viseu  ?  ! . . . 

Não  sabemos  explicar  tão  monstruosa  or- 
ganisação— e  nem  Berardo  nas  suas  Memo- 


1  A  freguezia  ã'Orgens  é,  como  logo  dire- 
mos, uma  das  annexas  da  freguezia"  Orien- 
tal, mas  tem  3  povoações  anoexas  á  fregue- 
zia Occidental.  São  Casal  do  Chapéu,  Ton- 
detinha  e  a  mencionada  Tondella. 

2  O  concelho  de  Barreiro  devia  contar  15 
povoações,  pois  falta  na  Memoria  de  Berardo 
uma  povoação  imporiante.  Oliveira  de  Bar- 
reiro, que  terá  talvez  hoje  100  fogos  ou  mais 
e  fica  a  7  kilometros  de  Vist-u,  sendo  atra- 
vessada pela  estrada  districtal  que  liga  Vi- 
seu a  Nellas  e  Geia,  a  qual  é  da  freguezia  de 
S  João  de  Lourosa  (ou  Lourosa  da  Telha)  e 
de  que  se  não  fez  menção  n'este  diecionario 
em  Oliveira,  Lourosa,  ou  Barreiro,  cujo  con- 
celho escapou  também  ao  meu  antecessor.  A 
freguezia  Barreiro,  mencionada  no  tomo  I, 
pag.  340,  ainda  que  tem  o  mesmo  orago. 
Nossa  Senhora  da  Natividade,  que  lhe  deu  a 
Chor.  Port.  tomo  2."  pag.  i87,  não  parece 
ser  a  cabeça  d'esie  concelho,  que  estava  a 
uma  légua  de  Viseu,  e  a  outra  está  a  5  ou  6, 
no  alto  da  serra  de  Besteiros. 


VIS 


VIS  1535 


nas,  nem  Botelho  nos  seus  Diálogos  a  pode- 
ram  explicar  também.  * 

O  padre  Carvalho,  em  1708,  fallando  do 
concelho  do  Barreiro,  apenas  diz  o  seguinte: 

t . .  .dista  hua  legoa  de  Vizeu  para  a  pane 
do  sul,  tem  200  visinhos,  pessoas  maiores 
600,  menores  100,  cõ  huã  Igreja  Paroehial 
dedicada  a  Nossa  Senhora  da  Natividade, 
curado  que  apresenta  o  vigário  de  S.  Salva- 
dor de  Casteilãos—e  4  ermidas. . .  Tem  juiz 
que  tãbem  o  he  dós  Órfãos,  Vereadores,  Pro- 
curador do  Concelho,  Escrivão  da  Camara, 
hum  Tabellião,  hum  Alcayde,  e  huã  compa- 
nhia da  Ordenança.  Foy  senhor  d'esie  con- 


1  Era  vulgar  antigamente  as  villas  dos  do- 
natários da  coroa,  que  nomeavam  ouvidores 
para  fazerem  a  correição  d'ella8,  estarem  en- 
cravadas em  comarcas  da  coroa,  do  que  ha- 
via muitos  exemplos  nas  casas  das  Bainhas, 
de  Bragança,  do  Infantado  e  d'outros  do- 
natários. Por  egual  motivo  muitos  donatá- 
rios, senhores  de  terras  alé  insignifleanles  e 
que  nem  freguezias  eram,  pediram  aos  reis 
e  conseguiram  que  essas  terras,  apesar  de 
encravadas  em  outros  concelhos  e  diíTeren- 
tes  freguezias.  ficassem  sujeitas  para  a  go 
vernança  d'ellas  a  um  concelho  próximo,  que 
já  possuíam  por  doação  regia.  Assim  os 
Cunhas,  antigos  senhores  de  Santar  e  dos 
concelhos  de  Senhorim,  Barreiro,  Ovoa  e  Ca- 
nas de  Sabugosa,  sujeitaram  ao  seu  concelho 
do  Barreiro  povoações  encravadas  n'outras 
freguezias  e  concelhos.  E  como  os  bens  d'esta 
casa  foram  confiscados  pela  fugida  de  D. 
Lopo  da  Cunha,  senhor  de  Santar,  para  a 
Hespanha,  no  tempo  da  acclamação,  é  por 
isso  que  o  padre  Carvalho  na  Chor.  Port. 
tomo  2 "  pag.  187  e  alibi  diz  que  estes  bens 
estavam  na  represália  e  eram  administrados 
pela  Junta  dos  tres  Estados,  assim  como  os 
da  Casa  de  Villa  Real  (Vide  vol.  11.  pag.  996) 
que  também  estavam  confiscados,  foram  ap- 
plicados  para  com  outros  formarem  a  Casa 
do  Infantado,  mas  os  bens  patrimoniaes 
e  morgados  da  Casa  de  Santar  em  1669, 
quando  se  fez  a  paz  cora  Hespanha,  foram 
restituídos  aos  descendentes  de  D.  Lopo  da 
Cunha,  que  ficaram  em  Hespanha  e  os  pos- 
suiram  até  voltarem  para  os  seus  parentes 
de  Portugal  por  falta  de  successão,  já  n'e8te 
século,  indo  para  a  casa  do  Infantado  só  os 
bens  da  coroa  e  ordens,  senhorios  de  terras 
e  padroados  de  egrejas,  excepto  o  concelho 
de  Canas  de  Sabugosa,  que  foi  para  a  mitra 
de  Viseu,  á  qual  em  antigos  tempos  perten- 
cera. 


celho  D.  Lopo  da  Cunha,  senhor  da  casa  de 
Santar,  e  se  administra  pela  Junta  dos  tres 
Estados.! 

Não  se  estranhe  o  fallarmos  do  concelho 
de  Barreiro,  porque  tinha  a  sua  séde  n'e3ta 
freguezia  de  S.  Salvador. 

Prosigamos. 

Em  1852,  segundo  se  lê  no  Flaviense,  con- 
tava esta  freguezia  284  fogos;— o  censo  de 
1864  deu-lhe  338  fogos  e  1:403  habitantes; 
—o  de  1878  dtu-lhe  334  fogos  e  1:448  ha- 
bitantes,—e  hoje  conta  370  fogos  e  1:600 
habitantes. 

O  seu  parocho  é  oura  ou  meio-cura  amo» 
vivei,  como  todos  os  das  outras  annexas  do 
aro  de  Viseu— e  tem  de  vencimento  total 
apenas  lOOÍíOOO  réis  de  côngrua,  porque  os 
baptisadoh  e  casamentos  são  feitos  na  ma- 
triz (Sé)  da  freguezia  Occidental  de  Viseu. 

Para  evitarmos  repetições  veja-se  o  que 
dissemos  das  freguezias  de  Ranhados  e  Rio 
de  Loba,  congéneres  d'esta  de  S.  Salvador. 

Orago  Nossa  Senhora  das  Neves. 

Comprehende  as  aldeias  seguintes  : 

— S.  Salvador,  ao  pé  da  qual,  na  distan- 
cia de  200  metros,  se  vê  isolada  a  egreja 
matriz,  estando  aliás  no  centro  da  parochia. 

—  Vil  de  Moinhos.  É  assim  geralmente  de- 
nominada esta  aldeia,  mas  Berardo  deu-lhe 
o  nome  de  Villa  de  Moinhos,  dando  a  enten- 
der que  foi  Villa  como  nós  suppomos. 

É  a  povoação  mais  populosa  d'esla  fregue- 
zia e  dista  da  egreja  paroehial  cerca  de  1  ki- 
lometro  para  N.  E. 

Foi,  como  já  dissemos,  a  séde  do  antiquís- 
simo concelho  do  Barreiro. 

—Marzovellos,  ao  nascente  da  egreja  pa- 
roehial. 

— Paradinha,  a  N. 

—Povoa  da  Medronhosa,  ao  poente. 

— Santarinho,  a  N.  0. 

Quintas 

São  6  as  mais  notáveis: 
S.  Salvador. 

Demora  entre  a  egreja  matriz  e  a  povoa- 
ção de  Vil  de  Moinhos— e  pertence  ao  nosso 
bom  amigo  e  eyreneu,  o  sr.  dr.  Nicolau  Pe- 


1536  VIS 


VIS 


relra  de  Mendonça  Falcão,  hoje  D'eIIa  resi- 
dente, tendo  residido  muitos  anno;  na  sua 
casa  de  Fareginlias,  em  Castro  d'Ayre. 

V.  Paredes  da  Beira,  Pinhanços  e  Villa 
Nova  d  Ourem  n'este  diccionario— e  os  tó- 
picos Quintas  notáveis  e  Famílias  nobres 
n'este  artigo  Viseu. 

%' — Marzovellos,  na  povoação  d'esle  no- 
me. 

Pertence  aos  condes  de  Prime,  que  ali 
costumam  passar  algum  tempo  no  verão. 

3.  » — Paradinha,  junto  da  povoação  d'e8te 
nome. 

Pertenceu  á  nobilíssima  e  riquíssima  fa- 
mília Albuquerques  da  casa  do  Arco,  de  Vi- 
seu, mas  foi  vendida  e  hoje  pertence  a  es- 
tranhos, como  toda  aquella grande  casal... 

Veja-se  o  tópico — Famílias  nobres. 

4.  » — Medronhosa  junto  da  aldeia  da  Povoa 
de  Medronhosa. 

Pertence  ao  muito  digno  sub  chefe  e 
tenente  coronel  do  estado  maior  d'e8ta  di- 
visão—Miguel de  Sousa  de  Figueiredo,  ir- 
mão do  coronel  d'engenheiros,  actual  dire- 
ctor das  obras  publicas  d'e8te  districto, — An- 
tonio Cazlmiro  de  Figueiredo,  cuja  biogra- 
phia  daremos  adiante.  * 

5.  »  —  Vildemoinhos,  juoto  da  povoação 
d*este  nome. 

Pertence  aos  herdeiros  do  conde  de  Santa 
Eulália,  ha  pouco  falleeido,— e  está  em  gran- 
de abandono.  Tem  a  casa  d'habitação  arrui- 
nada e  uma  capella  antiquíssima  profanada 
ha  muitos  annos. 

Q.'— Quinta  do  Moura,  entre  Marzovellos 
e  a  matriz. 

Pertence  aos  herdeiros  de  José  Barroco, 
negociante  da  praça  do  Porto,  onde  rezidia, 
e  falleceu  ha  annos. 


*  Esta  quinta  da  Medronhosa  pertenceu  a 
Duarte  de  Lemos  de  Carvalho  e  Sousa,  mo- 
ço fidalgo  e  ramo  legitimo  por  varonia  da 
Casa  da  Trofa,  filho  2.»  da  casa  dos  Lemos, 
da  Quinta  dn  Ribeiro,  concelho  de  Caria.  Não 
tendo  successão  vendeu  a  a  um  lavrador 
d'esia  freguezia  e,  para  pagamento  de  divi- 
das dVste,  foi  posta  em  praça  e  arrematada 
em  1886  pelo  dicio  sr.  Miguel  de  Sousa  de 
Fijsueiredo,  que  n'ella  tem  feito  e  continua 
a  fazer  muitas  obras. 


Freguezias  limitrophes:— a  E.  e  N.  E.  as 
'^—Oriental  e  Occidental  de  Viseu— e  a  de 
Ranhados;— &  O.  a  de  S.  Cypriano—Q  a  N. 
O.  a  de  Orgens. 

ProdueçÕes  dominantes:— milho  e  vinho, 
muita  fructa,  muila  hervae  muita  hortaliça, 
que  vendem  na  praça  de  Viseu. 

O  clima  é  bastante  quente  no  verão,  mas 
saudável. 

Teve  esta  parochia  uma  fabrica  de  coriu- 
mes,  mas  já  não  existe. 

Hoje  a  sua  industria  reduz  se  á  lavoura 
dos  seus  campos,— moagem  de  pão— e  fa- 
brico de  cestos,  nomeadamente  cestos  de 
corra.  ^ 

Tem  lameiras  e  campos  magnifleos,  pois 
é  abuodantissima  d'agua  potável  e  de  rega. 
Banham-na  differentes  arroios  e  o  Pavia,  que 
só  na  quinta  de  S.  Salvador,  atravessada  por 
elle,  tem  4  grandes  açudes  e  em  toda  a  fre- 
guezia move  muitas  rodas  de  moinhos,  prin- 
cipalmente na  grande  povoação  de  Villa  ou 
Vil  de  Moinhos,  qu.isi  toda  habitada  por  mo- 
leiros. Em  1838  contava  esta  freguezia  23 
moinhos  de  pão  com  a  bagatella  de  41  ro- 
das, segundo  diz  Berardo,  e  hoje  não  conta 
menos.  É  pois  n'esta  freguezia  muito  impor- 
tante a  industria  da  moagem. 

Também  é  importante  e  notável  a  indus- 
tria do  fabrico  de  cestos  de  corra,  principal- 
mente na  aldeia  de  Vil  de  Moinhos,  onde  se 
exerce  em  maior  escala  e  com  grande  per- 
feição t 

Aquelles  artistas,  no  seu  género,  são  talvez 
os  primeiros  de  Portugal  I . . . 

Os  taes  cestos  são  feitos  de  verga  de  cas- 
tanheiro rachada,  fendida  e  tão  esmerada- 
mente polida  que  chega  a  imitar  fitas  de  se- 
da branca.  É  isto  o  que  se  denomina  corra. 

Os  cestos  feitos  com  ella  ficam  lindíssi- 
mos e  por  vezes  tão  compactos  que  podem 
encher-se  d'agua,  como  se  fossem  de  louça 
ou  de  uma  só  peça  de  madeira.  São  muito 
estimados  em  Viseu  e  fóra  de  Viseu,  mesmo 
no  Porto  e  em  Lisboa^  para  onde  os  enviam 
em  quantidade.  , 


1  O  nome  podia  ser  mais  decente,  mas  não 
tem  outro  a  tal  industria. 


VIS 


VIS  1537 


Também  fazem  cestos  e  canastras  mais 
singellos,  de  eôrra  mais  grossa  ou  ver- 
gas de  castanho,  salgueiro,  ou  mesmo  carva- 
lho, simplesmente  fendidas  a  meio,  mas  es- 
tes são  denominados  cestos  de  verga.  Só  os 
que  são  feitos  com  as  laes  filas  muito  del- 
gadas se  denominam  obra  de  corra  oxx  cestos 
decorra  e  constituem  uma éspecialidade dis- 
tÍDCta. 

Templos 

A  egreja  matriz  de  Nossa  Senhora 
das  iVeres,— templo  regular,  decente,  vistoso 
e  com  um  bonito  adro.  Principiou  por  uma 
simples  Capella  de  S.  Salvador,  cuja  historia 
é  interessante  e  pôde  vêr-sn  do  Santuário 
Marianno,  tomo  5.»  pag.  317,  e  n'este  dic- 
cionario,  artigo  Salvador. 

2.°— Capella  de  S.  João  Baptista,  na  gran- 
de povoação  de  Vil  de  Moinhos. 

É  publica  e  tem  ura  adro  espaçoso,  poni: 
posa  festa,  grande  romagem  e  apparatosa 
cavalhada  desde  tempo  muito  remoto. 

Adiante  daremos  uma  succinta  descripção 
das  taes  festas,  que  teem  um  timbre  parti- 
cular. 

3.0— Capella  de  Nossa  Senhora  da  Concei- 
ção de  Lourdes,  na  grande,  quinta  de  S.  Sal- 
vador e  juoto  das  casas  nobres  d'ella,  pep- 
tencentp,  como  jà  dissemos,  ao  sr.  dr.  Ni- 
colau Pereira  de  Mendonça  Falcão. 

A  dieta  Capella  é  particular  e  brasonada  e 
hoje  está  lindíssima,  porque  o  sr.  dr.  Nico- 
lau e  sua  ex  ™»  esposa  são  multo  religiosos 
e  a  decoraram  e  restauraram  a  capricho. 

N'ella  leem  Santíssimo  permanente  e  S. 
Santidade  Leão  XIII,  por  breve  de  17  de 
agosto  de  1886,  lhe  concedeu  a  prerogativa 
de  4  jubileus  annuaes  nos  dias  de  S.  José, 
Assumpção,  Natividade  e Conceição  de  Nossa 
Senhora,- todos  com  muitas  indulgências; 
e  por  outro  breve  do  mesmo  dia  privilegiou 
in  perpetuum  o  altar  de  Nossa  Senhora  da 
Conceição  de  Lourdes,  com  muitas  indul- 
gências. 

O  rio  Pavia  atravessa  esta  quinta  e  a  fer- 
tiliza por  4  levadas,  levando-lhes  os  enchur- 
ros  das  ruas  de  Viseu,  pelo  que  é  no»  seus 
lameiros  extraordinária  a  producção  da  erva 


joia  desde  o  primeiro  d'outubro  ao  fim  de 
maio,  chegando  ali  algumas  sortes  a  pro- 
duzirem 7  camas  d'erva,  porem  hoje,  de- 
pois que  a  camará  de  Vizeu  faz  varrer  re- 
gularmente as  ruas,  tem  diminuído  muito  a 
producção  da  erva.  O  rio  Pavia  tem  3  pon- 
tes dentro  d'esta  quinta,  2  de  pedra  e  uma 
de  pau. 

4.  »— Capella  de  Nossa  Senhora  da  Saud  , 
junto  à  casa  da  quinta  de  Paradinha. 

É  também  particular;  tem  todos  os  annos 
festa  e  romaria— e  está  bem  conservada. 

5.  »— Capella  de  Nossa  Senhora  dos  Mila- 
gres, na  quinta  da  Medronhosa. 

Está  em  via  de  restauração. 

6.  °— Capella  de  Santo  Antonio,  na  quinta 
de  Marzovellos. 

7.o_Capella  de  Nossa  Senhora  da  Concei- 
ção, entre  Marzovellos  e  a  egreja  parochial 
na  quinta  do  Moura. 

Todas  são  particulares  e  estão  bem  tra- 
ctadas. 

8  o— Capella  de  S.  João  Baptista,  na  quinta 
de  Vil  de  Moinhos,  que  foi  do  conde  de  Santa 
Eulália. 

Era  também  particular,— uma  das  mais 
interessantes  d'esta  parochia, — vinculada» 
antiquíssima  e  com  portas  d'arco  em  ogiva, 
mas  infelizmente  está  profanada  e  em  com- 
pleto abandono  ha  mais  de  um  século,  e  a 
imagem  do  padroeiro  foi  para  a  capella  pu- 
blica de  Vil  de  Moinhos,  onde  tem  o  nome 
de  S.  João  Velho. 

Festividades  religiosas 

Celebram  se  muitas  n'esta  freguezia,  taes 
são  as  de  Nossa  Senhora  das  Neves  (padro- 
eira)—SS.»"  Sacramento,  Santo  Antonio, 
Santa  Barbara,  S.  Sebastião,  Santa  Rita  e 
outras,  na  egreja  parochial;  a  de  Nossa  Se- 
nhora da  Saúde  em  Paradinha  e  a  de  S.  Joãa 
Baptista  na  sua  capella  de  Vil  de  Moinhos, 
sendo  esta  ultima  a  mais  pomposa  e  mais 
notável  de  todas  pela  extraordinária  concor- 
rência de  romeiros  e  devotos  e  pela  exqui- 
sitiee  da  imponente  cavalhada. 

Logo  na  tarde  do  dia  23  de  junho  concorre 
muito  povo  de  Viseu  e  pontos  mais  distan- 
'  les,  que  enche  litteralmente  o  grande  ter- 


1538  VIS 


VIS 


reiro  da  eapellinha,  onde  se  queima  bastante 
fogo  preso  e  solto  e  se  forma  um  grande  ar- 
raial eom  muitos  descantes  e  danças  eara- 
cteristieas,  tocando  lambem  varias  phiiar- 
monicas,  etc. 

Todo  aquelle  immenso  povo  ali  passa  a 
noite  era  folguedo  e  no  dia  seguinte,  ao  nas- 
cer do  sol,  rompe  e  se  organisa  a  histórica  e 
legendaria  cavalhada. 

Na  frente  vae  o  mordomo  da  funcçào,  que 
é  quasi  sempre  um  moleiro,  montado  em  um 
soberbo  cavallo  e  vestido  de  casaca  preta  e 
chapéu  armado  coro  plumas,  levando  de  um 
lado  o  seu  Alferes  da  Bandeira  cora  o  pen- 
dão do  Baptista— 6  do  outro  dois  membros 
da  mesa  da  irmandade  de  S.  João,  todos  4 
com  os  rostos  descobertos  e  montados  em 
bons  ginetes.  Segue-se  depois  a  cavalhada, 
por  vezes  em  numero  de  100  cavalleiros,  to- 
dos mascarados  e  vestidos  do  modo  mais  ca- 
priehoso  e  exótico,  parodiando  os  trages  de 
todas  as  epoehas?!. . . 

Depois  de  formada  e  reunida  a  grande  ca- 
valhada, segue  para  Viseu,  onde  entra  pelo 
terreiro  de  Santo  Antonio,  hoje  Passeio  de 
D.  Fernando;— à^SiU  vão  pela  rua  Formosa, 
rua  da  Regueira,  Arco  das  Freiras,  Poria  dos 
Cavalleiros  e  rua  da  Ribeira  até  á  eapelli- 
nha de  S.  João  da  Carreira,  a  300  metros  de 
Viseu  approximadamente.  Sem  se  apearem 
dão  3  voltas  à  dieta  capella  e  contramar- 
cham,  sfguindo  outra  vez  pela  rua  da  Ribei- 
ra, Porta  dos  Cavalleiros  e  rua  Direita;— 
sobera  depois  pela  rua  da  Cadeia  até  k  Pra- 
ça Velha,  hoje  Praça  de  Oimões;—áW\  vão 
á  Praça  da  herva  e  pelo  Arco  do  Suar  des- 
cem outra  vez  ao  Rocio  ou  Campo  de  Santo 
Antonio  {Passeio  de  D.  Fernando)  e— sem- 
pre cobertos  d'applausos  por  immenso  povo 
que  de  todos  os  lados  corre  em  montão  para 
08  ver, — regressam  a  Vil  de  Moinhos,  onde 
são  recebidos  em  triumpho  pela  multidão 
que  forma  o  grande  arraial. 

Chega  a  cavalhada  a  Vil  de  Moinhos  pe- 
las 8  horas  da  manhã;  —em  seguida  vae  á 
matriz  d'esta  freguezia,  e  depois  de  dar  uma 
volta  á  egreja,  vae  á  povoação  de  S.  Salva- 
dor correr  as  ruas  da  terra,  recolhendo  ou- 
tra vez  a  Vil  de  Moinhos;  dão  tres  voltas  à 
«apella  de  S.  João  Baptista  e  por  fira  todos 


os  cavalleiros  sem  se  apearem  são  brinda- 
dos com  muito  doce  e  vinho  à  custa  dos 
!  mordomos. 

Segue- se  depois  a  parle  religiosa  da  festa, 
— missa  cantada  a  grande  instrumental,  ser- 
mão, etc.,— continuando  as  danças  e  folgue- 
dos até  que  ao  declinar  do  dia  aquelfa  im- 
mensa  mole  de  povo  debanda  com  saudades, 
protestando  todos  não  faltarem  no  anno  se- 
guinte. 

A  dieta  cavalhada  hoje  é  unira  em  toda 
esta  província  e  em  todo  o  nosso  paiz  tal- 
vez. Deixa  a  perder  de  vista  qualquer  das 
scenas  mais  espectaeulosas  das  festas  de  S. 
João  em  Braga— e  a  velha  e  luzida  eaval- 
gata  da  camará  de  Villa  Real  de  Traz-os- 
Montes  na  manhã  de  S.  João  também. 

V.  tomo  XI,  pag.  1:007,  col.  2.» 

Edifícios  mais  notáveis 

1.  »— A  casa  nobre  da  quinta  de  Marzo- 
vellos,  dos  condes  de  Prime. 

Ê  brazonada. 

2.  »— A  casa  nobre  da  quinta  de  S.  Salva- 
dor. 

Tem  brasão  d'arraas  sobre  o  portão  de  fer- 
ro da  entrada  da  quinta. 
■  3.°— A  casa  nobre  da  quinta  da  Medro- 
nhosa. 

4.  °— A  casa  que  foi  do  capitão  Luiz  Mon- 
teiro, na  povoação  de  S.  Salvador. 

Pertence  hoje  a  ura  brazileiro,  que  a  com- 
prou em  hasta  publica. 

5.  » — A  casa  da  quinta  do  Moura. 

Servem  esta  freguezia  duas  estradas  a 
macadam:— a  n."  8,  real,  de  Viseu  á  Mea- 
lhada e  que  limita  esta  freguezia  pelo  sul, 
— e  a  municipal  de  1.»  classe,  de  Viseu  a 
Torre  Deita.  Corta  esta  freguezia  de  S.  Sal- 
vador de  nascente  a  poente. 

O  rio  Pavia  vera  da  serra  da  Mina,  onde 
nasce  em  Nespereira,  na  freguezia  de  Mon- 
dão,  a  2  léguas  de  Vizeu,  separando  a  cida- 
de do  grande  Campo  da  feira  e  da  celebre 
Cava  de  Fmaío;— caminha  de  nascente  a 
poente  e  morre  no  Dão,  tendo  de  curso  ap- 
proximadamente 3S  kilometros,  havendo 
atravessado,  alem  d'outras,  esta  freguezia  de 


VIS 


VIS  1539 


S.  Salvador,  na  qual  tem  uma  ponte  de  pe- 
dra em  Vil  de  Moinhos  e  2  de  pedra  e  1  de 
pau  dentro  da  Quinta  de  S.  Salvador. 

Tem  mais  Viseu  3  pontes— uma  de  pau  e 
2  de  pedra,  e  finalmente  1  de  pedra  na 
quinta  da  Azenha,  freguezia  d'0rgen8. 

Ha  n'esta  paroehia  3  cemitérios:— um  per- 
tencente á  irmandade  de  Nossa  Senhora  das 
Neves  Junto  da  egreja  parochial,— outro  na 
povoação  de  Vil  de  Moinhos,  pertencente  á 
irmandade  de  S.  João  Baptista,  e  outro  junto 
á  estrada  nova,  que  vae  de  Viseu  para  a 
Mealhada. 

É  cura-parocho  (raeio-cura)  d'esta  fregue- 
zia desde  1885  o  rev.  Manuel  Rodrigues  da 
€osta,  a  quem  agradeço  a  maior  parte  d'es- 
tes  apontamentos,  bera  como  ao  sr.  dr.  Ni- 
colau de  Mendonça,  que  se  dignou  solliei- 
talos. 

Freguezia  Oriental  (I)  da  Sé  de  Viseu 
1.'  annexa 


Abraveses  ^ 

Demora  esta  freguezia  na  margem  direita 
■do  Pavia,  a  N.  O.  da  cidade  de  Viseu,  da 
qual  dista  2  kilometros  e  é  curato  amovível 
com  os  mesmos  vencimentos  e  nas  mesmas 
•condições  das  outras  annexas. 

Orago  Nossa  Senhora  dos  Prazeres. 

Em  i834  a  sua  população  era  a  seguinte: 
—fogos  233,— habitantes  1:431,  sendo  662 
do  sexo  masculino  e  769  do  sexo  femjnino, 
— segundo  se  lé  na  Memoria  de  Berardo. 

Em  1852  contava  335  fogos  segundo  se  lé 
no  Flaviense. 

O  censo  de  1864  deu  lhe  363  fogos  e  1676 
habitantes;— o  de  1878  deu-lhe  399  fogos  e 
1:790  habitantes — e  hoje  conta  cerca  de  440 
fogos  e  de  1880  habitantes  1 . . . 

È  mais  populosa  do  que  muitas  das  nos- 
sas villas  e,  como  todas  as  outras  annexas, 
tem  elementos  de  sobra  para  sustentar  a  sua 
autonomia. 

Pertence  toda  á  freguezia  Oriental  e  eom- 


prehende  as  aldeias  se^mmer.— Abraveses, 
Paschoal,  Moure»,  Moinhos  do  Pintor^,  S 
Thiago,  Esculea,  Povoa,  Santo  Estevam 
Aguieira,  Carvalhal,  e  differentes  quintas, 
taes  são  as  de  Santo  Estevão,  de  Bernardo 
de  Andrade,  a  de  Santa  Amélia,  do  com- 
mendador  Bernardino  de  Mattos,  a  de  Fran- 
cisco Pereira  d' Almeida,  a  de  Eduardo  Pes- 
sanha e  outras  menos  importantes. 

Abraveses  demora  em  sitio  alto,  alegre, 
vistoso  e  muito  saudável;— ó  a  séde  da  pa- 
roehia e  a  povoação  mais  populosa  e  mais 
importante  d'ella.  Conta  cerca  de  200  fogos 
e  de  850  habitantes,— ruas  bem  calcetadas 
e  alguns  edifícios  regulares,  avultando  entre 
elles  a  egreja  matriz,  muito  vantajosa  e  ale- 
gremente situada  em  um  espaçoso  terreiro 
arborisado  no  ponto  culminante  da  mesma 
povoação,  dominando-a  toda,  bem  como  a 
cidade  de  Viseu,  grande  numero  d'aldeias  e 
um  vastíssimo  horisonte  limitado  pelas  ser- 
ras do  CaramuUo  e  da  Estrella. 

É  um  dos  mais  interessantes  miradouros 
dos  arrabaldes  de  Viseu— é  povoação  anti- 
quíssima, bem  como  as  de  Aguieira  e  Es- 
culea. Na  opinião  de  Botelho  e  de  outros  an- 
tiquários aquellas  3  povoações  foram  no 
tempo  dos  romanos  fortificadas  e  eram  parte 
integrante  das  obras  de  defesa  da  cidade  de 
Viseu  e  da  celebre  Cava  de  Viriato,  de  que 
fallaremos  adiante  e  que  demora  quasi  toda 
no  chão  d'esta  freguezia— na  parte  mais 
baixa,— sobre  a  direita  do  Pavia.— entre 


1  V.  Abravezes,  tomo  í,  pag.  20. 


1  N'esta  pequena  povoarão  fundou  o  con- 
selheiro Henrique  de  Lemos  no  século  xvi 
o  antigo  morgado  de  Moure  da  casa  dos 
Nápoles  da  Prebenda,  cuja  cabeça  é  a  Ca- 
pella antiga  fundada  pelo  mesmo  cónego  na 
Sé,  á  direita  da  porta  principal,  como  diz  a 
inseripção  que  tem  no  alto.  Infelizmente  este 
vincplo  está  extineto,  e  estão  em  hasta  pu- 
blica as  fazendas  d'elle  para  pagamento  de 
dividas  d'esta  familia,  pobre  hojel...  Ve- 
ja-se  n'este  artigo  o  tópico  Famílias  nobres 
de  Viseu. 

2  Estas  casas  pertencem  á  povoação  de 
ilíoMre;— estão  entre  ella  e  a  de  S.  Thiago— 
e  denominam-se  ainda  hoje  Moinhos  do  Pin- 
tor, porque,  segundo  diz  a  tradição,  ali  nas- 
ceu o  celebre  pintor  Grão  Vasco. 

Veja-se  o  tópico  Visienses  illustres. 


1540  VIS 

Abraveses  e  a  cidade  actual  de  Viseu,  que 
se  ergue  na  margem  esquerda  do  mesmo 
rio  e  domina  a  Cava  toda. 

Freguezias  limitrophes:— Orgens  a  O.;— 
Campo  a  N.;— Rio  de  Loba  a  E.;— S.  Salva- 
dor  e  a  Oriental  (I)  de  Viseu  a  S.,  perten- 
cendo a  esta  ultima  uma  parte  da  celebre 
Cava. 

Templos 

1.  "— A  egreja  matriz. 

Ê  a  antiga  capella  de  JSossa  Senhora  dos 
Prazeres,  recentemente  accrescentada  com 
uma  capella-mòr,  primeira  parte  do  vasto 
templo  em  projecto. 

Tem  uma  irmandade  do  Santíssimo,  ere- 
cta ha  poucos  annos. 

2.  °— Capella  de  Nossa  Senhora  dos  Remé- 
dios, na  povoação  do  Carvalhal. 

É  a  mais  moderna  de  todas,  elegante  e 
regular,  mas  singella. 

3.  »— Capella  de  S.  Pedro,  na  Eseulca. 

É  espaçosa  e  antiquíssima;— tem  um  adro 
também  espaçoso  e  arborisado— e  uma  ir- 
mandade de  S  Pedro,  muito  antiga  também. 

4.  «— Capella  de  Nossa  Senhora  dos  Praze- 
res, na  aldeia  de  Paschoaí. 

Teve  ouir'ora  a  invocação  de  Nossa  Se- 
nhora da  Esperança;  foi  restaurada  e  accres- 
centada nos  principio»  d'e8te  seculo~e  por 
essa  occasião  n'ella  se  instituiu  também  uma 
irmandade  de  Nossa  Senhora  dos  Prazeres. 

5.  »- Capella  de  S.  Thiago,  na  povoação 
d'este  nome. 

É  pequena,  muito  singella  e  antiga. 

6.  °— Capella  de  Santo  Estevam,  na  aldeia 
do  mesmo  nome.  ^ 


*  Não  é  verdadeiramente  aldeia,  mas  a  ce- 
lebre, antiga  e  grande  quinta  de  Santo  Es- 
tevam, que  pertenceu  aos  Abreus  e  Mellos, 
senhores  da  casa  histórica  da  Torre  na  Rua 
da  Cadeia  em  Viseu;  extinguindo-se  porem 
aquella  familia  em  nossos  dias,  por  falta  de 
suceessão,  succederam  n'ella  as  duas  sr."  D. 
Maria  Cândida  de  Lemos,  de  Várzeas,  e  sua 
irmã  D.  Maria  Ludovina  de  Lemos,  mãe  do 
desembargador  Rernardino  de  Lemos  de 
Aguilar,  do  Porto,  os  quaes  venderam  esta 


VJS 

É  pequena  e  particular,  mas  tem  porta 
franca  ao  publico. 

Pertence  a  Bernardino  d'Andrade. 

7.°— Capella  de  Santa  Luzia,  no  monte 
d'este  nome. 

Muito  singella  e  pequena. 

8»— Capella  de  Santo  Antonio,  na  povoa- 
ção de  Aguieira. 

Pequeníssima. 

Todas  são  publicas,  exceptuando  &  men- 
cionada sob  o  n.*  6. 

Festas  e  romarias 

O  povo  de  Viseu  é  muito  religioso,  como 
prova  o  grande  numero  de  festividades,  de 
que  já  fizemos  menção  nas  outras  annexas, 
e  n'este  ponto  os  habitantes  de  Abraveses 
supplantam  os  seus  visinhos.  Fazem  muitas 
romagens  todos  os  annos,  taes  são,  pela  or- 
dem da  sua  importância,  as  seguintes: 

{.'—Santa  Lusia,  em  Abraveses,  na  i.» 
oitava  do  Espirito  Santo. 

2.  *— S,  Pedro,  em  Eseulca,  a  29  de  junho. 

3.  »— S.  Thiago,  na  capella  e  na  povoaçãa 
d'este  nome,  no  dia  do  seu  orago. 

í.*— Senhora  das  Candeias,  na  povoação 
do  Carvalhal,  a  â  de  fevereiro. 

5  '—Santa  Barbara,  em  Pasehoal,  no  do- 
mingo do  Bom  Pastor. 

6.*— Santa  Lusia,  no  outeiro  do  noesma 
nome,  no  domingo  antecedente  ao  de  Pente- 
costes. 

Todas  estas  festividades  teem  romagem  e 
são  extraordinariamente  concorridas  as  duas 
primeiras  desde  tempos  muito  remotos  pela 
grande  devoção  do  povo  com  as  imagens  de 
Santa  Luzia  e  de  S.  Pedro,— pela  bellesa  lo- 
cal das  dietas  capellas— e  por  serem  muito 
accessiveis,  pois  são  servidas  por  duas  bel- 
las  estradas  a  maeadam  que  atravessam  esta 
freguezia:— a  estrada  real  n.»  7,  de  Viseu  a 
R.  Pedro  do  Sul,  Estarreja  e  L3mego,-e  a 
municipal  que,  entroncando  n'aquella  em 


quinta  ao  pae  e  tios  do  actual  possuidor  Ber- 
nardino de  Andrade.  As  casas  que  rodeiam 
esta  quinta  são  feitas  em  terreno  d'ella  e  ha- 
bitadas pelos  seus  caseiros. 


VIS 

Abraveses,  segue  pelo  Almargem  para  Cas- 
tro d'Ayre. 

Tudo  isio  contribue  para  a  erande  con- 
correncia  dos  romeiros,  nomeadamente  da 
cidade  de  Viseu,  que  se  despovoa  n'aquelles 
dias,  por  estarem  a  pequena  distancia  e  po- 
derem ir  muito  commodamente  a  pé  ou  em 
carros. 

O  que  mais  anima  estas  romagens— diz  o 
meu  informador — são  os  estrondos, — con- 
certo desafinado  de  rebecas,  pifanos,  viola 
ou  banza,  ferríobos,  bombo  e  uma  folha  de 
serra. ' 

Á  frente  do  estrondo^  e  em  volta  d*elle 
dança  ou  salta  furiosamente  um  bando  de 
rapazes  e  raparigas,  ordinariamente  do  mes- 
mo povo,  cantando  a  Cana  Verde '  e  outras 
canções  populares,  por  vezes  ao  desafio. 

Alem  dos  estrondos,  também  apparecem 
guitarradas  e  o  insupportavel  zabumba. 

Muitos  romeiros  levam  merenda  e  uma 
borracha  com  vinho;* — outros  nada  levam, 
mas  lá  encontram  sempre  á  venda  pão,  fru- 
cla,  doce,  peixe,  vinho,  etc. 


*  Temos  crusado  em  todas  as  direcções  o 
nosso  paiz  e  conhecemos  os  seus  descantes 
populares. 

No  artigo  S.  Martinho  de  Mouros,  tomo  5.' 
pag.  112,  já  nós  descrevemos  um  dos  mais 
imponentes  descantes  d'esta  província  e  de 
todo  o  nosso  paizi . . .  Na  Beira  Baixa  e  no 
Alto-Alemtejo  vimos  com  surpresa  os  adu- 
fes,  herdados  talvez  dos  herminios,  mas  só 
aqui  encontrámos  as  folhas  de  serra  nos  des- 
cantes populares. 

2  O  nome  é  apropriado,  mas  só  aqui  se  dá 
também  aos  descantes  do  povo. 

'  Esta  canção  popular  é  nova  n'esta  pro- 
víncia. 

A  Cana  Verde,  o  Serra,  o  Vira,  o  Regadi- 
nho,  ele,  são  danças  e  canções  próprias  da 
beira-mar  e  da  província  do  Minho.  Na  Bei- 
ra-Alta,  nomeadamente  ao  norte,  nos  conce- 
lhos de  Sinfães,  Rezende,  Lamego,  Arma- 
mar, Taboaço  e  Pesqueira,  os  grandes  des- 
cantes populares  reduzem-se  á  clássica  chu- 
la, no  Porto  denominada  chula  rabella.  O 
mesmo  suceede  na  outra  margem  (direita) 
do  Douro,  nos  concelhos  de  Canaveses, 
Baião,  Mesãofrio  e  Regoa. 

V.  Douru  n'este  diecionario  e  no  supple- 
mento. 

*  Os  pândegos  do  Porto  costumam  levar  o 
vinho  não  só  em  borrachas,  mas  em  peque- 
nas ancoretas  e  em  enormes  pontas  de  boi. 


VJS  1541 

Também  animam  e  abrilhantam  estas  ro- 
magens o  estrondear  dos  foguetes,  o  som 
das  phylarmonicas  e  o  repique  dos  sinos,, 
até  que  ao  pôr  do  sol  todos  debandam  com 
saudade,  satisfeitos  e  tranquillos,  pois  n'es- 
tas  romagens  de  Viseu  não  costuma  haver 
desordens  e  pancadaria  como  em  outras^ 
muitas  romagens,  nomeadamente  no  Minho. 

A  parte  religiosa  d'estas  festividades  e 
d'ouiras  que  por  brevidade  omittimos  é' 
sempre  feita  com  muita  decência:— missa 
solemne  com  musica  vocal  e  instrumental, 
sermão,  exposição  do  Santíssimo  e  procis- 
são pelas  ruas  cora  muitos  andores  e  anjos- 
cruzes,  pendões,  etc. 

Ha  n'esta  parochia  apenas  um  edificia 
brasonado,  em  Abraveses.  Foi  do  visconde 
de  Loureiro  e  actualmente  é  do  commenda- 
dor  Bernardino  de  Mattos,  que  n'elle  vae- 
montar  uma  fabrica  de  serralheria  e  moa- 
gem a  vapor. 

Também  teve  brasão  outr'orâ  a  casa  que 
é  hoje  de  Bernardino  d'Andrade,  em  Santo^ 
Estevam. 

Banha  esta  freguezia  a  pequena  ribeira  dfr 
Mido.  Passa  entre  as  aldeias  d'Abraveses  e 
Pasehoal;— desagua  no  Pavia — e  move  no  in- 
verno alguns  moinhos  de  pão. 

Produeçôes  dominantes: — milho,  centeio,^ 
trigo,  linho,  vinho  verde  criado  em  parrei- 
ras e  estacadas,  legumes,  fructa,  azeite  e  cas-^ 
taohas. 

Também  abunda  em  madeira  de  pinho  & 
em  pedra  de  granito  para  toda  a  sorte  de 
construeções. 

Tem  um  outeiro  ou  monte  bastante  ele- 
vado:— o  de  Santa  Lusia,—e  3  cabeços: — 
Aguieira,  Esculca  e  Abraveses. 

Ha  no  monte  de  Santa  Lusia  jazigos  de 
raanganez,  simplesmente  registados,  e  pe- 
dreiras inexgotaveia  de  magnifico  seixo  já. 
britado  para  macdam. 

Tem  3  cemitérios:— um  em  Abraveses, — 
outro  no  Carvalhal— e  outro  na  Esculca. 

Não  tem  escola  alguma,  nem  sequer  de- 
íostrucção  primaria  elementar  I 

Com  vista  ao  senado  vi- 
siense. 


1542  VIS 

Em  compeDHação  tem  muitas  tecedeiras  de 
linho  e  lã,  pedreiros,  carpinteiros,  trolhas, 
ferreiros,  sapateiros,  taverneiros,  alfaiates  e 
um  santeiro  muito  soffrivel,  em  S.  Thiago. 

Irmandades:— a  do  Santíssimo,  na  matriz, 
— a  de  S.  Pedro,  na  Eseuica— e  a  de  Nossa 
Senhora  dos  Prazeres,  em  Paschoal. 

Confrarias:— Senhora  dos  Prazeres,  Santo 
Antonio,  Santa  Lusia  e  S.  Sebastião,  em 
Abraveses; — Senhora  dos  Remédios  e  S.  João, 
no  Carvalhal. 

Ao  rev.  sr.  Joaquim  Rodrigues  Barroco, 
digno  parocho  actual  d'esia  freguezia,  bem 
como  ao  exr"  sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de 
Mendonça  Falcão,  agradeço  os  apontamen- 
tos que  se  dignaram  enviar-me. 

Freguezia  Oriental  (I)  da  Sé  de  Viseu 

2.*  annexa 

Orgens 

O  roeu  benemérito  antecessor  não  descre- 
veu esta  freguezia.  Apenas  fallou  da  aldeia 
de  Orgens  e  do  seu  convento  sob  o  titulo 
Monie  de  Viseu,  tomo  5.°,  pag.  533,  col.  1.» 
—  Vide.  Cumpre  nos  pois  descrevel-a. 

Note-se  de!<de  já  que  esta  freguezia  tomou 
o  nome  de  orjaes  ou  orjães,—cevadaes  no 
portuguez  amigo. 

V.  Orjais,  freguezia  do  concelho  da  Covi- 
lhã,—tomo  6.0  pag.  294,  col.  2.« 

A  freguezia  de  Orgens,  de  que  nos  occu- 
pamos  no  momento,  dista  apenas  2  kilome- 
tros  para  O.  da  cidade  de  Viseu,  a  cujo  con- 
celho pertence,  como  todas  as  outras  anne- 
xas,  de  que  vamos  tratando,  e  é  ecelesiasti- 
camente  um  simples  curato  nas  mesmas  con- 
dições e  com  os  mesmos  vencimentos  das 
outras  annexas  da  cidade  de  Viseu. 

Pertence  a  freguezia  Oriental,  mas  não 
toda.  Tem  algumas  povoações  e  quintas  que 
pertencem  á  freguezia  Occidental.  Adiante 
as  apontaremos. 

Esta  paroehia  de  Orgens  data  de  1808, 
como  todas  as  outras  annexas.  ^ 


^  Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  que 
dissemos  no  principio  d'este  tópico. 


VIS 

Em  1834  a  sua  população  era  a  seguinte: 
—fogos  213,— habitantes  1:069,  ^  sendo  494 
do  sexo  masculino  e  575  do  sexo  feminino, 
— segundo  se  lê  na  Memoria  de  Berardo. 

Em  1852  o  Flaviense  deu  lhe  240  fogos. 

O  censo  de  1864  deu-lhe  239  fogos  e  1:061 
habitantes;— o  de  1878  deu  lhe  247  fogos  e 
1:152  habitantes — e  hoje  conta  approxima- 
damente  248  fogos  e  1:151  habitantes, — se- 
gundo diz  o  seu  rev.  parocho. 

Tem  como  orago  SanfAnna  e  compre- 
hende  as  aldeias  segumtes: — Orgens,  séde 
da  paroehia,— Qulniella,  Travassos,  S.  Mar- 
tinho e  as  quintas  da  Azenha,  do  Themudo, 
do  Perseguido,  do  Corgo,  do  Cubo  e  a  doex- 
tincto  convento  de  S.  Francisco  d' Orgens, 
pertencentes  à  freguezia  Oriental  da  Sé  de 
Viseu;— a  povoação  de  londella  e  as  quin- 
tas de  Tondellinha  e  Casal  do  Chapéu,  per- 
tencentes à  freguezia  Occidental. 

A  quinta  da  Azenha  era  do  conde  de  San- 
ta Eulália,  de  quem  fallaremos  no  tópico 
das  Familias  illustres; — a  de  Tondellinha 
pertence  aos  herdeiros  de  Bento  de  Quei- 
roz Pinto,  de  Viseu  e  Favaios; — a  do  The- 
mudo pertence  a  José  Maria  de  Oliveira  Ja- 
neto,  de  Viseu; — a  do  Perseguido  pertence  a 
D  Ruy  Lopes  de  Sou^a  Alvim  e  Leraos,  de 
Santar,  concelho  de  Nellas. 

V.  Santar. 

As  outras  quintas  d'e3ta  paroehia  são 
pouco  importantes. 

A  do  Convento  era  a  cerca  do  extincto 
convento  de  S.  Francisco  do  Monte,  ou  de 
Orgens.  Foi  vendida  pelo  nosso  governo  e 
comprou-a  em  1834  Antonio  Rodrigues  de 
Loureiro,  chamado  pelo  povo — Antonio  Je- 
ronymo,  o  Pepino, — que  se  tornou  celebre 
pelas  questões  que  teve  com  os  habitantes 
d'e8ta  freguezia  por  causa  do  convento.  Por 
vezes  tentaram  assassinai  o,  pois  tendo  o 
governo  dado  para  matriz  da  paroehia  a 
bella  egreja  do  convento,  elle  tractou  logo 
de  o  demolir  quasi  todo;— estragou  a  cora- 
municação  interior  do  convento  para  a  egre- 


»  Aqui  ha  exageração,  pois  213  fogos  não 
podiam  dar  tantas  almas  I . . . 


VIS 


VJS  1543 


ja  e  sacristia- e  teotou  abrir  nova  eommu- 
nicação  da  parle  restante  do  convento  para 
a  egreja,  o  que  o  povo  não  consentiu  por  ser 
o  diclo  homem  uma  ereatura  antipatiiica  e 
por  estar  destruindo  barbaramente  o  con- 
vento, que  o  povo  tanto  estimava,  como  di- 
remos adiante. 

O  tal  comprador  destruiu  inclusivamente 
as  sepulturas  do  claustro  e  a  formosa  Ca- 
pella do  Capitulo,  etc. 

Para  escapar  á  morte  fez  uma  eseriptura 
de  composição  com  o  povo,  mas,  não  obs- 
tante isso,  foi  assassinado  á  traição  por  man- 
dado de  um  seu  inimigo,  com  quem  andava 
demanda, — segundo  consta. 

Do  venerando  convento,  fundado  em  1408 
e  que,  por  consequência,  ja  contava  426  an- 
nos,  apenas  restam  algumas  cellas  e  parte 
da  cosinha  para  uSo  do  proprietário  e  dos 
seus  caseiros.  A  egreja  e  a  sacristia  per- 
tencem à  parochia  e  estão  bem  conser- 
vadas. 

Como  se  pode  ver  da  chronica  e  dos  Diá- 
logos do  dr.  Botelho,  desde  a  sua  fundação 
este  convento  foi  um  modelo  de  observân- 
cia, muito  estimado  e  favorecido  pelo  povo, 
pelos  prelados  visienses  e  por  muitas  pes- 
soas nobres,  que  lhe  fizeram  grandes  doa- 
ções e  mesmo  de  distancia  ali  foram  enter- 
rar se,  como  os  senhores  de  Molellos,  que 
ali  tinham  eapella  sua,  e  os  Albuquerques  da 
nobilíssima  Casa  dos  Coutos,  padroeiros  da 
Capella  do  Capitulo,  onde  alguns  d'elle8  ja- 
zem. 

Tudo  profanou  o  comprador,  lançando  ao 
monturo  as  ossadas  de  taolas  famílias  no- 
bres I 

iNão  ha  muito  que  ali  andava  em  baldão 
a  lapide  da  sepultura  de  Jorge  do  Amaral  e 
Vasconcellos,  desembargador  da  mesa  da 
consciência  e  ordens,  eic,  ascendente  dos 
mencionados  Albuquerques  e  dos  Mendon- 
ças  Falcões,  de  Girabolhos,  muito  digna- 
mente representados  hoje  em  Viseu  pelo  sr. 
dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça  Falcão, 
nosso  bom  amigo,  que  chegou  a  v  r  a  dieta 
lapide  cora  a  inscrípção  própria,  mas  quan- 
do, passado  algum  tempo,  ali  voltou  para  a 
fazer  conduzir,  já  tinha  desapparecidol.  • . 


Ali  jazem  também  entre  outras  muitas 
pessoas  nobres  as  seguintes : 

—D.  Leonor  de  Castro,  filha  de  D.  Pedro 
de  Castro,  mulher  que  foi  de  João  Rodri- 
gues Pereira,  de  Riba-Vizella. 

—D.  Henrique  de  Castro,  irmão  da  dieta 
senhora. 

—Ruy  Gomes  da  Silva  e  sua  mulher,  paes 
de  D.  João  da  Silva,  da  Chamusca. 

— Rui  Freire  d' Andrade. 

—D.  Joanna  de  Cristello,  filha  do  antece- 
dente. 

—  D.  Beatriz  Nunes  da  Costa,  mulher  de 
Leonel  de  Queiroz  Castello  Branco. 

—D.  Izabel  do  Amaral  e  Vasconcellos,  as- 
cendente da  Casa  dos  Coutos.  Fez  de  novo  o 
Capitulo  e  d'elle  ficou  sendo  padroeira  por 
auctorisação  pontiflcia. 

Certo  prelado  de  Viseu  muito  amigo  d'es- 
tes  religiosos,  tentou  transferil-os  para  a  ci- 
dade, mas  o  povo  d'0rgen8,  tristíssimo  cora 
lai  noticia,  tanto  rogou  e  pediu,  que  o  prela- 
do reconsiderou— e  os  frades  permanece- 
ram em  Orgens  até  l83i,  data  da  extiocção 
dos  conventos  no  nosso  paiz. 

Toda  a  cidade  de  Viseu  adorava  os  hu- 
mildes franciscanos,  pelo  que  d'ali  eram 
constantemente  chamados  para  assistirem 
aos  moribundos. 

Também  eram  preferidos  para  assistirem 
no  oratório  aos  justiçados  e  para  os  acom- 
panharem até  o  patibulo,  como  fizeram  sem- 
pre com  a  maior  dedicação  e  mais  extrema 
caridade  até  1832  e  1833,  data  das  ultimas 
execuções  que  ensanguentaram  Viseu. 

Na  mata  se  vêem  ainda  varias  capellas, 
hoje  todas  arruinadas,  e  um  liado  arvoredo 
novo,  porque  o  antigo  foi  lodo  derrotado  I 
É  um  sitio  tão  ameno  e  tão  abundante  de 
excellente  agua  que  ainda  hoje  no  verão 
muitas  pessoas  e  famílias  de  Viseu  ali  vão 
passar  o  dia  e  jantar  á  sombra  do  arvoredo, 
que  parece  uma  miniatura  do  Bussaco. 

Freguezias  limitrophes: — S.  Salvador,  S. 
Cypriano,  Abraveses,  Vil  de  Souto  e  as  2 — 
Oriental  e  Occidental  de  Viseu. 
Atravessa  parte  d'esta  freguezia  a  nova 


1544  VIS 


VJS 


estrada  moDÍcipal  a  macadam,  de  Visea  à 
Torre  Deita  e  Besteiros. 

ProducçÕes  dominantes: — vinho  verde, 
milho,  trigo,  centeio,  cevada,  azeite,  herva- 
gens,  hortaliça,  fructa  e  castanhas. 

Também  n'esta  paroehia  cultivam  muitos 
alfobres  de  couves  e  cebolo  para  plantar  e 
que  todo  o  anno  levam  em  canastras  e  car- 
gas não  só  a  Viseu,  mas  a  todas  as  feiras  eir- 
cumvisinhas  até  à  distancia  de  3  a  5  legoas. 

Templos 

1.  ^—A  sumptuosa  egreja  que  foi  do  con- 
vento. 

È  a  matriz  e  está  muito  bem  conservada. 

2.  " — Capella  de  SanfAnna,  a  meio  da  po- 
voação de  Orgens. 

Foi  a  matriz  d'esta  paroehia  até  1834; — 
está  bem  conservada  ainda — e  tem  uma  ir- 
mandade antiga  de  Sant'Ànna,  a  padroeira, 
com  festa  annual  e  grande  romaria  a  26  de 
julho,  sendo  domingo,  e,  não  o  sendo,  no  im- 
mediato. 

3.  »— Capella  de  S.  Macário,  em  Tondella, 
com  festa  annual,  feita  por  mordomos,  no 
domingo  anterior  á  fesia  e  romagem  de  San- 
ta Anna. 

Ameaça  ruinas. 

4.  "-^  Capella  de  S  Romão,  em  Travassos, 
com  festa  annual  no  dia  do  seu  orago,  sen- 
do domingo,  aliás  transfere-se  para  o  do- 
mingo mais  próximo. 

Bem  conservada. 

5.  " — Capella  de  Nossa  Senhora  dos  Mila- 
gres, na  povoação  de  Quintella,  com  festa 
annual  por  mordomos  a  15  d'agoí»to. 

É  particular  e  pertence  ao  sr.  Camillo  de 
Andrade,  de  Viseu,  bem  como  o  terreno  con- 
tíguo que,  segundo  se  suppòe,  pertenceu  to- 
do à  nobre  familia  da  quinta  de  Santo  Este- 
vam (na  freguezia  de  Abraveses)  hoje  ex- 
tincta,  a  qual  possuía  também  n'esta  paro- 
ehia muitos  bens,  etc,  que  foram  compra- 
dos pelo  pae  e  tios  do  sr.  Camillo  d'An- 
drade. 

Bem  conservada. 

As  outras  todas  são  publicas. 

Ha  n*e8ta  paroehia  3  largos: — o  adro  da 


Capella  de  Sant'Anna, — o  da  egreja  do  coo- 
vento — e  a  formosa  avenida  para  o  dieta 
convento,  entre  2  muros  ainda  caiados  & 
com  um  bello  arco  na  entrada  da  mesma 
avenida,  tirada  a  cordão. 

Banha  esta  paroehia  o  Pavia,  que  a  di- 
vide da  de  S.  Salvador,  onde  tem  na  quinta 
da  Azenha  um  lagar  d'azeite  e  alguns  moi- 
nhos de  pão. 

Banha  esta  freguezia  também  um  ribeira 
que  passa  pelo  centro  d'ella  e  desagua  no 
Pavia,  junto  da  povoação  de  Tondella. 

Nasce  o  dicto  ribeiro  na  povoação  de  Pas- 
choal,  freguezia  de  Abravezes; — tem  4  kilo- 
metros  de  curso  e  2  pontes; — uma  em  S^ 
Martinho — e  outra  junto  da  quinta  de  Ton- 
dellinha,  denominada  ponte  Mourisca,  por 
onde  pasí»a  a  estrada  a  macadam  para  Bes- 
teiros. Move  3  moinhos  no  inverno. 

Berardo  na  sua  Memoria  diz  que  este  re- 
gato 96  denomina  Caseiro  e  que  em  1838  ti- 
nha 2  moinhos  d'azeite  e  9  de  pão  com  11 
rodas;  tem  hoje  só  1  de  azeite,  e  S  de  pão. 

Ha  n'esta  freguezia  2  aulas  offlciaes  de- 
instrucção  primaria:— uma  para  o  sexo  mas- 
culino, em  Travassos,  —  outra  mixta,  em 
Orgens. 

Clima  temperado  e  saudável. 

Ha  também  nVsta  freguezia  um  bom  cemi- 
tério parochial,  feito  em  1875  e  demora  jun- 
to da  estrada  publica,  entre  Orgens  e  o  ex- 
tíncto  convento,  distando  approximadamente 
400  metros  d'aquella  povoação  e  100  da 
convento. 

Industrias :— a  da  cultura  do  cebolo  e 
hortaliças  para  plantar- -e  o  fabrico  de  ces- 
tos e  canastras  de  corra,  mas  esta  ultima 
industria  é  mais  importante  na  povoação  de 
Vil  de  Moinhos,  freguezia  de  S.  Salvador,  on- 
de a  descrevemos  jâ. 
■  Vide. 

Também  é  muito  importante  n'BSta  fre- 
guezia de  Orgens  a  industria  dos  montantes 
que  se  oecupam  em  quebrar  e  extrahir  pe- 
dra no  monte  de  Nossa  Senhora  do  Crasto 
(Castro)— e  a  dos  pedreiros  que  se  oecu- 
pam em  fazer  edificios  e  toda  a  sorte  de 
construcções  com  a  dieta  pedra,  pois  é  gra- 


VIS 


VIS 


1545 


nito  alvíssimo  e  finíssimo,  do  melhor  de  Por 
tugal.  1 

D'ali  foi  sempre  e  vae  hoje  ainda  a  pedra 
■para  as  construcções  mais  luxuosas  dos  po- 
voa eircumvisinhos,  nomeadamente  para  Vi- 
seu, distante  6  kiiometros. 

O  dieto  monte  do  Crasio  é  lindíssimo,  de 
forma  cónica  e  um  dos  pontos  mais  altos  e 
mais  vistosos  dos  arrabaldes  de  Viseu.  Foi 
outr'ora  foriiflcado  e  tem  no  seu  curuto  uma 
antiquíssima  eapella  de  Nossa  Senhora  do 
Crasto,  que  tomou  o  nome  do  velho  castro  ro- 
mano que  ali  pompeou,  como  dizem  a  tradi- 
ção, a  onomástica  e  os  muitos  vestígios  de 
fortificações  e  outras  construcções  que  ali 
se  teem  encontrado.  ^  Por  seu  turno  àquelle 
monte  dá  boje  o  tiome  a  dieta  capelia  de 
Nossa  Senhora  do  Crasto,  muito  querida  e 
festejada  pelos  povos  eircumvisinhos.  É  pu- 
blica, mas  outr'ora  foi  particular  e  perten. 
ceu  aos  Loureiros,  senhores  da  nobilíssima 
e  antiquíssima  casa  e  quinta  de  Ferronhe, 
aldeia  da  mesma  freguezia  de  Vil  de  Souto, 
da  qual  eram  padroeiros, — padroado  que  no 
ultimo  século  passou  por  herança  com  a  di- 
eta casa  e  quinta  para  os  senhores  de  Moça- 
medes,  hoje  condes  da  Lapa. 

V.  Val  de  Souto,  tomo  X,  pag.  87,  col.  1.% 
—  Vil  de  Souto,  no  mesmo  vol.  pag.  663,  col- 
2.»— e  Villa  de  Souto,  tomo  XI,  pag.  1070, 
col.  2.'  também,  onde  já  se  fallou  da  dieta 
paroehia,  da  dieta  eapella  e  do  dicto  monie, 
— e,  aproveitando  o  ensejo,  diremos  que  o 
nome  vulgar  d'aquella  freguezia  é  Vil  de 
Souto. 

Moçamedes 

Com  relação  a  esta  antiquíssima  villa^ 
mencionada  supra,  que  tanto  trabalho  deu 
ao  nosso  benemérito  antecessor  e  a  nós  al- 
gum também  (V.  Muçamedes,  tomo  V,  pag. 
583)  aproveitando  este  ensejo,  aecrescenta- 
remos  o  seguinte  : 


1  V.  Villar  d^Ândorinho.  tomo  XI,  pag. 
1190,  col.  2»,  onde  mencionámos  outras  pe- 
dreiras de  bello  granito  lambem. 

*  O  dicto  monte  e  a  dieta  eapella  perten- 
cem á  freguezia  de  Vil  de  Souto,  que  prende 
com  esta  á'Orgens. 


Foi  doada  eífeetivamente  por  D.  Affonso 
Henriques,  sendo  ainda  infante,  no  anno  de 
1133, 1  a  Fernando  ou  Fernão  Pires,  e  é  ho- 
je uma  simples  aldeia,— «mca  do  nome  era 
todo  o  nosso  paiz, — pertencente  á  freguezia 
de  S.  Miguel  do  Matto,  concelho  de  Vouzella 
desde  24  d'outubro  de  1852,  data  do  decreto 
que  a  uniu  àquelle  concelho  e  a  desannexou 
do  de  S.  Pedro  do  Sul,  ao  qual  anterior- 
mente pertencia. 

V.  Matto  ou  S.  Miguel  do  Matto,  tomo  V, 
pag.  133.  col.  2.' 

A  dieta  paroehia  não  se  encontra  na  maior 
parte  dos  nossos  mappas  e  por  isso  mesmo 
nada  disse  da  sua  posição  a  Chorographia 
Moderna,  sendo  alias  escripia  em  Lisboa  e 
com  todos  08  elementos  que  ao  seu  illustra- 
do  e  consciencioso  auetor  offereciam  a  capi- 
pital  e  as  secretarias  do  estado,  pois  a  dieta 
publicação  foi  subsidiada  pelo  governo.  Po- 
demos porem  dizer  que  a  mencionada  fre- 
guezia demora  nas  duas  margens  do  rio  Tros- 
se,  2  confluente  do  Vouga,  a  S.  S.  0.  da  es- 
trada real  a  macadam  n.°  7,  de  Viseu  a  S. 
Pedro  do  Sul,  da  qual  dista  pouco  mais  de 
1  kilometro;— 4  da  margem  esquerda  do 
Vouga  para  S.;— 8  de  S.  Pedro  do  Sul  para 
S.  E.;— 8  de  Vouzella  para  E.,  contando  em 
linha  recta,  e  18  pela  nova  estrada  real  de 
S.  Pedro  do  Sul;— 14  de  Viseu  para  N.  O.; 
—78  da  estação  de  Estarreja  (a  mais  pró- 
xima) na  linha  férrea  do  Norte;— 127  do 
Porto— e  366  de  Lisboa. 

Freguezias  limitrophes  da  de  S.  Miguel  do 
Matto:— Bodiosa  (a  mais  próxima)  a  S.  S.  E., 
— Fataunços  a  O.;— Figueiredo  das  Donas  a 
O.  N.  O.— e  Riba  Feita  a  N.  N.  E. 

Comprehende  as  aldeias  seguintes : — S, 


1  Referimo-nos  á  copia  da  eseriptura,  pu- 
blicada no  artigo  Muçamedes.  Se  a  copia  é 
exacta,  o  infante  coutava  então  24  annos, 
pois  nasceu  em  1109; — principiou  a  gover- 
nar em  1129;— foi  acelamado  no  campo  da 
batalha  d'Ourique  em  1139— e  falleeeu  em 
1185. 

*  Assim  o  achamos  escripto  no  mappa  da 
direcção  das  obras  publicas  de  Viseu,  mas 
Berardo  deu-lhe  o  nome  de  Trousse  e  alguém 
o  denomina  Trouce. 


1546 


VIS 


VIS 


Miguel  do  Matto,  séde  da  parochia,— A/oça- 
medes,  floda,  Burgueta,  Adeujo  ou  A  de  Vjo, 
Casal  de  Lourosa,  i  Arrabalde,  Villar,  Caria, 
Villa  Pouca,  o  casal  de  Malcata,  as  quintas  do 
Paço  e  da  Roda,  e  uma  habitação  isolada  em 
Malordo. 

Eííi  1708  contava  163  fogos,— segundo  se 
lé  na  Chorographia  Porluyueza,  em  1768, 
segundo  se  lê  no  Port.  S.  e  Prof.^  contava 
apenas  115  fogos;  —  em  1852  o  Plaviense 
deu-lhe  247  fogos;— o  censo  de  1864  deu- 
lhe  279  fogos  e  1:131  habitantes — e  o  de 
1878  deu-lhe  285  fogos  e  1:116  habitantes, 
no  que  não  ha  proporção,  pois  285  fogos  de- 
viam dar  1:200  habitantes,  approximada- 
mente. 

Da  antiquíssima  aldeia  e  da  nobilii^sima 
casa  de  Mossamèdes  apenas  diremos  o  se- 
guinte : 

Posto  que  D.  Alfonso  Henriques  na  sua 
doação  lhe  deu  em  1133  o  nome  de  villa, 
com  certesa  não  era  villa  na  accepção  vul- 
gar de  hoje,  mas  na  d'aquelie  tempo,  em 
que  villa  ordinariamente  significava  quinta, 
casal  ou  casa  de  campo.  Também  não  sabe- 
mos se  posierjormente  foi  villa,  naaccepção 
hodierna;  o  que  sabemos  é  que  hoje  e  ha 


1  Este  casal  de  Lourosa  foi  povoado  pe- 
los cazeiros  da  grande  quinta  contigua  de 
Louroza  da  Commenda,  que  foi  de  Jacintho 
Lopes  Tavares,  de  Carnicâes,  junto  a  Tran- 
coso, e  hoje  dos  seus  netos,  os  Malafaias  de 
Serrazes,  em  Lafões.  Esta  commenda  que  era 
a  de  Ansemil,  da  ordem  de  Malta,  quasi  par- 
te com  a  quinta  de  Lourosa,  e  consta  de 
casas  de  habitação  e  capella  pegada,  que 
ainda  tem  por  fora  a  elegante  cruz  da  or- 
dem. N'esta  "casa,  sendo  administrador  do 
concelho  um  celebre  Moura  Coutinho,  de  S. 
Pedro  do  Sul,  foram  em  1834  os  patriotas 
d'esia  villa  matar  o  inoffensivo  monge  e  ve- 
lho cisterciense  Fr.  Ignacio  Ferreira  Ferrão 
de  Castello  Branco,  irmão  do  ultimo  com- 
mendador  de  Malta,  Fr.  Gonçalo  Ferrão,  por 
não  encontrarem  este,  os  quâes  eram  da  no- 
bre casa  de  S.  Thiago  a  par  de  Ceia. 

Esta  grande  e  bella  quinta  da  Commenda 
foi  vendida  p(  lo  governo,  depois  da  morte  do 
dicto  conimendííidor,  a  .losé  Isidoro  Guedes, 
de  Lamego,  par  do  íeino  e  1.°  visconde  de 
Valmor.  É  hoje  dos  seus  herdeiros. 


muito  tempo  é  uma  simples  quinta,  na  qual 
provavelmente  viveu  no  meiado  do  século  xii 
o  celebre  Fernão  Pires,  seu  primeiro  senhor. 

Consultando  o  sr.  Luiz  Ribeiro  Sotto- 
maior,  hoje  residente  em  Pombal,  6.»  neto  de 
D.  Margarida  d'Almeida,  que  foi  senhora 
d'esta  casa  e  quinta  de  Mossamèdes,  aquelle 
tão  illustrado  como  delicado  cavalheiro  di- 
gnou-se  enviar  me  os  apontamentos  seguin- 
tes : 

«Também  me  parece  que  esta  quinta  de 
Mossamèdes,  Moçamedes  ou  Muçamedes,  nun- 
ca foi  villa  na  accepção  hodierna,  mesmo 
porque  ali  não  ha  memoria  de  paços  de  con- 
celho, de  cadeia  nem  de  pelourinho. 

«No  alto  de  uma  collilia  ensombrada  d'ar- 
vores,  ergue-se  um  muro  meio  arruinado, 
feito  de  pedra  e  cal,  tendo  a  O.  uma  peque- 
1  na  Capella; — a  distancia  de  30  a  40  metros 
'  abre- se  um  bom  portão,  que  deve  contar 
mais  de  2  séculos,  e,  enirando-se  pelo  dicto 
portão,  vê-se  um  terceiro  de  fórma  quadran- 
gular, ensombrado  por  grandes  castanheiros, 
medindo  cada  uma  das  faces  talvez  mais  de 
100  metros.  Ergue-se  ao  fundo  uma  larga 
escadaria,  que  dá  ingresso  para  a  casa,  hoje 
em  ruínas,  mas  espaçosa  e  feita  com  dispên- 
dio, onde  nem  habitualmente  moravam  seus 
donos  outr'ora,  posto  que  era  grande  a  quin- 
ta, ainda  hoje  bastante  extensa,  mas  muito 
mais  em  outro  tempo  e  recebia  muitos  fo- 
ros, pensões,  direitos  e  tributos  que  se  per- 
deram com  o  andar  dos  séculos  e  com  a  au- 
sência dos  donos,  que  só  de  longe  em  longe 
iam  ali  passar  alguns  dias,  entretendo-se  com 
o  divertimento  da  caça,  muito  abundante 
n'aquelles  montes. 

«Esta  quinta  foi  effecti vãmente  doada  pelo 
infante  D.  AíTonso  Henriques  no  anno  de  1 133 
a  Fernando  ou  Fernão  Pires,  Peres  ou  Paes. 
Era  fácil  aos  copistas  e  paleograpgos  o  en- 
gano—e D.  Luiz  Salazar  no  índice  das  Glo- 
rias da  casa  Farnese,  fallando  das  famílias 
Girão,  Silva  e  Cunha,  aponta  a  fis.  592  e 
593  um  D.  Fernando  Paes,  tronco  dos  Cu- 
nhas, cujo  ramo  primogénito  no  tempo  do 
i  nosso  rei  D.  João  I  passou  para  Castella  e 
j  ali  formou  as  grandès  casas  de  Ossuno,  Es- 
i  calma,  ele. 


VIS 


VIS  1547 


«Aquelle  Fernão  Paes  foi  herdado  na 
Beira  e  julgo  ser  o  mesmo  de  quem  resa  a 
mencionada  doação,  pois  Martim  Vasques  da 
Canha.  6.»  neio  d  elle  por  varonia,  doou  a 
sua  terra  e  selleiro  de  Mossamedes  a  Gon- 
çalo Pires  d'Almeida,  para  casar,  como  ca- 
sou, cora  Ignez  Martins  da  Cunha,  filha  B. 
do  doador,  como  consta  de  uma  carta  de 
confirmação  com  data  de  1434,  referindo  se 
a  outra  confirmação  anterior.  Da  2.*  confir- 
mação tenho  eu  uma  copia  em  lettra  de 
mais  de  dois  séculos. 

•  Passou  pois  a  dieta  quinta  para  Martim 
Vasques  da  Cunha  e  d'este  para  Gonçalo  Pi- 
res d'Almeida,  de  quem  descendem  os  con. 
des  da  Lapa,  ramo  dos  Almeidas,  hoje  re- 
presentado pelo  3.»  conde  da  Lapa,  16.»  se- 
nhor da  casa  e  quinta  de  Mossamedes,  13." 
neto  de  Martim  Vasques  da  Cunha  e  19.° 
neto  do  tal  Fernão  Pires  ou  Paes.* 

Sendo  assim,  esta  quinta  de  Mossamedes^ 
embora  muito  cerceada  e  deteriorada,  con- 
serva-se  na  mesma  família  desde  113'^, — ha 
754  annos;  mas  P.  J.  Carlos  Feo  e  Manuel  de 
Castro  Pereira  na  Resenha  das  Familias  ti- 
tulares dizem  que  o  senhorio  de  Mossame- 
des foi  dado  aos  Almeidas,  ho]ei  condes  da 
Lapa,  em  30  de  janeiro  de  1410. '  Talvez  se 
refiram  á  doação  feita  por  Martim  Vasques 
da  Cunha  a  Gonçalo  Pires  d'Almeida,  como 
já  dissemos,  o  que  muito  bem  se  harmonisa 
com  as  duas  confirmações  supra  citadas. 

Aos  Almeidas,  senhores  de  Mossamedes, 
pertencem  o  jesuíta  Bernardo  Pereira  e  Fr. 
Rodrigo  de  Jesus,  carmelita,  que  pereceram 
na  índia  pela  fé.  Logo  fallaremos  d'elles  no 
lopico  dos  Visienses  illusíres,  porque  nasce- 
ram em  Viseu. 


1  O  actual  conde  da  Lapa  tem  o  mesmo 
nome  de  seu  p^e  e  de  seu  ít\ò— Manoel  d' Al- 
meida Vasconcellos  do  Soveral  de  Carvalho 
da  Maia  Soares  d' Albergaria — e  é  3.°  conde 
e  5  °  visconde  e  senhor  da  Lapa,  5.»  barão  e 
16.°  senhor  de  Mossamedes,  17.°  senhor  do 
.'tolar  e  honra  de  Lamaçaes,  17.°  senhor  d'Al- 
bergaria  e  morgado  de  S.  Paulo  da  Ponte  do 
CriZj  U.°  da  La^ôa  de  Viseu,  no  Algarve  (?) 
e  do  couto  do  Vieiro,  ete ,  ete. 


A  CIDADE 

Viseu  tem,  como  já  dissemos,  2  fregue- 
ii3is— Oriental  e  Occidental— que,  alem  da 
parte  urbana  ou  da  cidade  propriamente  di- 
eta, comprehendem  no  aro  as  5  annexas  ru- 
raes,  que  são,  como  também  já  dissemos, — 
parte  integrante  das  duas  freguezias  da  ci- 
dade. Até  aqui  tractámos  das  annexas  ou  da 
parte  rura/;— agora  traetemos  da  parte  ur- 
bana, ou  da  cidade  propriamente  dieta. 

Ella  divide-se  ecclesiastica  e  civilmente 
em  2  freguezias— Or/íníoí  e  Occidental  da 
Sé,  matriz  commum;  não  se  imagine  porem 
que  a  freguesia  Onmía/ comprehende  a  po- 
pulação e  ruas  que  demoram  a  leste  da  Sè 
— e  que  a  Occidental  eomprehende  a  popu- 
lação e  ruas  que  demoram  ao  poente. 

Ambas,  como  também  já  dissemos,  com- 
prehendem ruas,  travessas  e  largos  que  de- 
moram ao  nascente  e  poente,  sul  e  norte  da 
Sé,  porque  a  Sé  não  está  isolada  nem  a  ci- 
dade|dividida  em  2  grupos,  ou  bairros  dis. 
tantes,— um  a  leste,  outro  a  oeste. 

A  cidade  forma  um  labyrintho  ou  agru- 
pamento compacto  de  ruas,  viellas,  traves- 
sas e  largos,  revestindo  por  todos  os  qua- 
drantes uma  espécie  d'outeiro,  monte  ouct- 
so,  coroado  pela  Sé,  matriz  commum,  des- 
cendo a  população  até  á  baixa  da  encosta, 
e  espraiando  se  pelos  campos  circumjacen- 
tes  até  à  fronteira  das  annexas descriptas, 
que  cireumdam  como  aro  ou  arco  a  parte 
urbana  de  Viseu. 

Não  ha  pois  linha  divisória  natural  entre 
as  2  freguezias  da  cidade. 

O  cura  da  freguezia  Oriental  para  visitar 
os  seus  freguezes  e  administrar-lhes  os  sa- 
cramentos, atravessa  constantemente  ruas  e 
chãos  da  freguezia  Occidental — ev.  v. — ena 
Sé,  matriz  commum,  se  reúnem  os  parochos 
e  parochianos  das  2  freguezias;— d'ali  vae  o 
.«agrado  Viatieo  para  ambas— e  ali  se  cele- 
bram 03  casamentos  e  baptismos  das  2  fre- 
guezias da  cidade  e  das  5  freguezias  anne- 
xas ! 

lí-lo  seria  tolerável  outr'ora,  quando  ra- 
reavam os  templos,  a  população  e  o  clero, 


1548  VIS 


VIS 


mas  hoje  é  insupportavel  e  cumpre  ao  go- 
verno e  aos  prelados  visienses  pôr  termo  a 
semelhante  amalgama  —  única  em  todo  o 
nosso  paiz ! 

Dê-áe  completa  autonomia— ccc/cííasííco 
6  civil — ás  5  freguezias  annexas  e  ás  2  da 
«idade. 

Fique  embora  uma  tendo  por  matriz  a  Sé, 
mas  dé-se  por  matriz  á  outra  qualquer  dos 
templos  da  parte  baixa, — hoje  a  mais  for- 
mosa e  mais  interessante  de  Viseu. 

Arvore-se  em  matriz,  por  exemplo,  a  egre- 
ja  de  Nossa  Senhora  do  Carmo,  tão  linda, 
tão  vistosa,  e  tão  vantajosamente  situada  so- 
bre o  vasto  Campo  de  Alves  Mar  Uns,  outr'ora 
Largo  de  Santa  Christina,— depois  Largo  dos 
Nerys  ou  dos  Congregados— e  por  ultimo 
Terreiro  ou  Largo  do  Seminário.  Estamos 
certos  de  que  a  irmandade  àe Nossa  Senhora 
do  Carmo  não  se  opporia  a  um  accordo,  pois 
ficariam  a  cargo  da  parochia  a  fabrica  e  a 
conservação  do  templo,  pelo  que  a  irmanda- 
de poderia  appliear  aos  suíTragios  pelos  ir- 
mãos e  ás  suas  festividades  o  que  necessita 
de  despender  com  a  fabricá  e  conservação 
do  templo.  Assim  se  arvorou  em  matriz  no 
Porto,  não  ha  muito  (em  1842)  a  egreja  da 
Irmandade  do  Senhor  do  Bom  Fim,  egreja, 
que  a  parochia  está  transformando  em  um 
templo  magesioso,— amplíssimo  I. . .  E  ha- 
verá 10  annos  se  arvorou  em  matriz  da  fre- 
guezia  de  Massarellos,  também  no  Porto,  a 
egreja  da  irmandade  do  Corpo  Santo. 

Chamamos  para  este  ponto 
a  atteoção  do^fgoverno  e  dos 
prelados  visienses. 

Prosigamos. 

Em  1708  toda  a  cidade  de  Viseu  e  as  S 
annexas  coBstituiam  3  freguezias  (curatos) 
cujas  matrizes  eram  a  Sé,  intra-muros, — e 
as  egrejas  de  S.  Martinho  e  S.  Miguel  do  Fe- 
tal, extra-muros,-^e  contavam  os  3  curatos 
apenas  900  fogos  e  cerca  de  4:000  habitan- 
tes,— em  quanto  que  hoje  a  cidade  e  anne- 
xas contam  3:652  fogos  e  16:859  habitan- 
tes. Subiu  pois  ao  quadrupulo  a  sua  popu- 
lação no  periodo  de  179  annos. 

Em  1768  as  duas  freguezias  da  cidade  e 


annexas,  então  ainda  não  divididas,  com- 
prehendiam  928  fogos  e  eram  parocbiadas 
por  4  curas,  denominados  capellães  da  cura 
da  cidade  e  subúrbios;  tinha  cada  um  d'elle8 
50ií>000  réis  de  rendimento — e  eram  todos 
4  da  apresentação  da  mitra. 

Em  183i  a  freguezia  Oriental  contava  750 
fogos  e  1:615  habitantes — segundo  se  lê  na 
Memoria  de  Berardo,  mas  aqui  ha  grande 
inexactidão,  pois  750  fogos  deviam  dar  pelo 
menos  3:000  habitantes. 

No  mesmo  anno  a  freguezia  Occidental, 
segundo  se  lé  na  dieta  Memoria,  contava...* 
fogos — e  2:463  habitantes. 

Em  1852  a  freguezia  Oriental,  segundo 
diz  o  P  laviense,  contava  448  fogos — e  a  Oc- 
cidental 704  fogos. 

O  censo  de  1864  deu  á  freguezia  Oriental 
630  fogos  e  2:489  habitantes — e  á  Occiden- 
tal 950  fogos  e  4:326  habitantes. 

O  censo  de  1878  deu  à  Oriental  707  fogos 
e  2.-925  habitanle9,--e  á  Occidental  983  fo- 
gos e  4:317  habitantes. 

Finalmente  o  Diccionario  de  Portugal  e 
Possessões,  escripto  e  publicado  em  Viseu 
em  1884,  deu  à  freguezia  Oriental  749  fogos 
e  3:429  habitantes,— e  a  OccidenlaH :0k3  fo- 
gos e  5:200  habitantes. 

A  cidade  de  Vi^eu  deve  contar  pois  u'esta 
data  (1887)  cerca  de  1:792  fogos  e  8:629  ha- 
bitantes. 

Quantos  chorographos  re- 
petirão estas  cifras  até  a  con- 
sumação dos  séculos  ? 

Em  1885  a  parte  urbana  da  freguezia 
Oriental  deu  90  bapiisados,  14  casamentos  e 
53  óbitos; — a  parte  urbana  da  Occidental  deu 
150  baptÍ!»ados,  20  casamentos  e  86  óbitos. 

Ambas  teem  como  orago  o  mesmo  orago 
da  Sé, — Nossa  Senhora  da  Assumpção,  mas 
o  padroeiro  da  cidade  é  S.  Theotonio,  de 
quem  fallaremos  adiante  no  tópico  da  cathe- 
dral  e  no  dos  bispos. 

Fallemos  agora  da  cidade  ou  da  parte  ur- 
bana daquellas  2  freguezias  promiscua- 
mente : 


1  Esta  cifra  está  apagada  na  copia  que  te- 
mos presente. 


VIS 


VIS  1549 


Ruas 

Tem  hoje  Viseu  S5  ruas  de  l.«  2.*  e  3.« 
classe.  As  mais  importantes  são  as  4  seguin- 
tes : 

1.» — Rua  Direita. 

±»—Rua  de  D.  Luiz  /,  — antigamente  e 
ainda  hoje  também  denominada  Rua  da  Re- 
gueira. 

'Ò.'—Rua  de  D.  Maria  P<a, —anterior- 
mente e  ainda  hoje  também  denominada 
Rua  Formosa. 

í.*~Rua  do  Prinçipe  Real,  outr'ora  Rua 
de  Soar  de  Baixo. 

Esias  e  outras  ruas  largos  e  praças  rece- 
beram novos  nomes  por  occasião  das  festas 
do  centenário  de  Camões  e  da  vinda  de  SS. 
MM.  a  Viseu,  quando  se  inaugurou  solemne- 
mente  o  caminho  de  ferro  da  Beira  Alta, 
mas  o  povo  continua  a  dar-lhes  os  nomes 
antigos. 

A  Rua  Direita  ainda  não  mudou  de  no- 
me, sendo  aliás  uma  perfeita  antiphrase  d'el- 
ia,  puis  denorainando-se  direita,  é  uma  das 
mais  tortas,  como  succede  com  as  ruas  de 
igual  nome  em  todas  as  outras  nossas  cida- 
des. 

É  mui  10  torta,  muito  antiga  e  uma  das 
mais  estreitas  e  mais  immundas,  mas  muito 
central,  muito  extensa,  a  mais  comprida  de 
todas  e  toda  revestida  de  casas,  avultando 
entre  ellas  algumas  das  melhores  de  Viseu, 
outras  antiquíssimas  e  notáveis  pela  sua 
exótica  arehiteelura,  digna  da  attenção  dos 
archeologos, — um  convento  de  freiras,  ain- 
da hoje  habitado  e  muito  antigo  também  1, 
—3  grandes  palacetes: — o  dos  condes  de 
Prime, — o  dos  Albuquerques  do  Arco  e  o  que 
foi  de  Bento  de  Queiroz. 

A  rua  Direita  corta  Viseu  em  sentido  lon- 
gitudioal,  ou  de  nascente  a  poente,  pelo  que 
muito  impropriamente  lambem  outr'ora  ser- 
viu de  divisão  às  2  freguezias  Oriental  e 
Occidental  da  Sé,  a  qual  demora  ao  poente 
da  dieta  rua  e  distante  d'ella. 
Esta  rua  é  uma  enfiada  de  três  antigas 


1  Veja-se  o  tópico  relativo  aos  conventos. 

VOLUME  XI 


ruas: — rua  de  S.  Martinho  i  na  sua  parte 
leste;— rua  dos  Cavalleiros  na  sua  extremi- 
dade O.,  desde  o  arco  do  palacete  dos  Albu- 
querques até  o  arco  do  convento; — e  rua 
Direita,  propriamente  dieta,  a  parte  central. 

Tem  esta  rua  grandes  aleijões,  avultando 
entre  elles  dois  coíovellos  intoleráveis:— um 
em  Cimo  de  Villa,  a  montante  do  palacete 
do  conde  de  Prime,  onde  terminava  a  rua 
de  S.  Martinho;— OMITO  na  ligação  da  rua 
Direita,  propriamente  dieta,  com  a  rua  dos 
Cavalleiros,  a  pequena  distancia  do  arco  do 
convento. 

Á  ex.""  camará  de  Viseu  re- 
aommendamos  a  elimioação 
d'aquelles  dois  cotovellos,  que 
são  os  maiores  aleijões  da  rua 
Direita. 

Hotéis  e  hospedarias 

1.°— Hotel  Mabilia,  de  Mabilia  Adelaide 
das  Neves,  na  rua  D.  Duarte,  ou  da  Cadeia, 
f  o— Hotel  Cadete,  na  rua  da  Prebenda. 
^o— Hospedaria  das  Loiras,  no  largo  da 
Senhora  dos  Remédios. 

Cafés 

i.o — Qdfé  Barros,  na  rua  Nova. 
l.o—Café  Central,  também  na  rua  Nova 

Theatros 

1,0— Boa  União,  na  rua  dos  Cavalleiros. 
%,°—Da  rua  Escura,  na  rua  d'este  noine. 

Edificios  públicos 

Os  dez  melhores  edifícios  públicos  de  Vi- 
seu na  actualidade  são  os  seguintes  : 
I.o— A  Sé  cathedral. 

2.o_^  egreja  de  Nossa  Senhora  do  Car- 
mo. 


i  Tomou  o  nome  da  antiga  e  extincta 
egreja  de  S.  Martinho,  da  qual  adiante  fal- 
laremoíi.  . 

98 


1550  VIS 


VIS 


3.°— A  egreja  da  Misericórdia  e  suas  de- 
peodeucias. 

4 »— O  Hospital  da  Misericórdia,  denomi- 
nado Hospital  Novo. 

5.  °— Os  Paços  do  concelho. 

6.  °— O  antigo  Paço  Episcopal  da  Sé,  deno- 
minado Paço  dos  Ires  escalões,  hoje  occupado 
pelo  governo  civil,  pelo  lyceu  e  por  outras 
repartições  publicas.  Também  se  denomina 
Collegio. 

7.  »— O  Paço  Episcopal  de  Fontello,  resi- 
dência actual  dos  prelados  visienses. 

8.  «— O  extincto  convento  dos  frades  capu- 
chos de  Santo  Antonio,  hoje  quartel  militar. 

9.  °— O  Azylo  dHnfancia  desvalida. 

10.  ° — O  novo  mercado  coberto. 
Vejam-se  os  tópicos  correspondentes  a  es- 
tes iO  tiiulos. 

Edifícios  particulares 

Os  7  melhores  ediflcios  particulares  de 
Viseu  na  actualidade  são  os  seguintes: 

1.  " — O  palacete  ou  Casa  do  Arco,  que  foi 
da  Udbre  familia  Albuquerques,  ainda  hoje 
aqui  representada  por  Antonio  d'Albuquer- 
que  do  Amaral  Cardoso. 

O  mencionado  palacete  está  unido  a  uma 
das  antigas  portas  da  cidade,--a  Porta  dos 
CavaUeiros,~e  tem  sobre  o  arco  d'ella  um 
lindo  terraço  com  mirante  e  vistas  para  am- 
bos os  lados. 

Tem  este  palacete  também  uma  espaçosa 
e  linda  cerca. 

Foi  tudo  vendido  a  um  brazileiro  (capi- 
talista) de  S.  Pedro  do  Sul,  ha  pouco  tempo; 
depois  o  governo  adquiriu  o  palacete  para 
n'elle  installar  diíTerentes  repartições  publi- 
cas—e por  seu  turno  a  camará  de  Viseu 
tenta  comprar  a  cerca  para  a  transformar 
em  jardim  publico,  do  que  bem  carece  Vi- 
seu. 

2.  » — O  palacete  ou  Casa  da  Prebenda,  um 
dos  mais  bellos  de  Viseu  no  exterior. 

Pertencia  a  Luiz  Pereira  de  Mello  e  Nápo- 
les, senhor  d'esta  casa  e  seu  morgado,  re- 
presentante da  nobre  casa  e  senhorio  de 
Barbeita,  junto  de  Caminha,  e  da  alcaidaria- 
mór  d'aquella  vilIa,  o  que  tudo  ainda  pos- 


suiu seu  pae  Luiz  Pereira  de  Mello  Souto- 
maior,  mas  tudo  foi  vendido  para  pagamento 
de  dividas  I . . . 

3.  °— O  palacete  de  Fernando  d' Almeida 
Cardoso  de  Cerqueira. 

Demora  na  rua  Direita  e  passou  por  he- 
rança para  a  viuva  e  filhos  de  Bento  de 
Queiroz  Pinto  d'Alhaide  Serpe  e  Mello,  se- 
nhor da  nobre  casa  e  chefe  da  familia  d'es- 
tes  appellidos  em  Favaios,  concelho  d'Alijó, 
província  de  Traz  os-Montes.  São  os  seus 
actuaes  possuidores. 

4.  »— O  palacete  do  Conde  de  Prime,  por 
elle  habitado. 

Demora  na  mencionada  rua  Direita,  na 
extremidade  sul,  denominada  Cimo  de 
Villa. 

5.  »~0  palacete  de  Francisco  Antonio  da 
Silva  Mendes,  no  largo  do  Rocio,  onde  prin- 
cipia a  rua  do  Soar  de  Baixo. 

6.  "— O  palacete  do  Serrado,— fóra.  de  Vi- 
seu, mas  á  vista  da  cidade  e  distante  d'ella 
apenas  300  metros. 

Pertence  ao  visconde  do  Serrado,  Fran- 
cisco de  Mello  Lemos  e  Alvellos,  bem  como 
a  quinta  contigua;— tem  uma  elegante  en- 
trada por  um  espaçoso  terreiro,  fechado  por 
um  portão  de  ferro  com  brasão  d  armas— e 
a  quinta  bons  campos,  Jardins  e  frondoso 
arvoredo,  muita  agua,  ete. 

É  uma  das  melhores  vivendas  de  Vi- 
seu. 

7.  "— O  palacete  que  foi  do  morgado  de 
Sanla  Christina,  Manuel  Nicolau  Cardoso 
d'Abreu  Magalhães,  hoje  da  sua  neta  D.  Ignez 
d'Abreu  Castello  Branco,  que  vive  oa.  Povoa 
da  Arenosa,  concelho  do  Carregal,  com  o  seu 
marido  Gelásio  da  Cunha  Magalhães. 

Demora  este  palacete  no  antigo  Terreiro 
de  Santa  Christina,  depois  Largo  dos  Nerys 
e  do  Seminário,  hoje  Largo  de  Alves  Mar- 
tins, o  campo  maior  de  Viseu  depois  do 
Campo  da  Feira. 

Está  muito  vantajosamente  situado  o  di- 
cto  palacete  e,  logo  que  a  camará  mande, 
como  já  devia  ter  mandado,  demolir  uns 
tristes  casebres  que  estão  entre  a  rua  da  Re- 
gueira e  a  estrada  mova  de  Mangualde,  fica 
o  menciooado  palacete  com  duas  bellas  fa- 
chadas sobre  o  dicto  campo. 


VIS 


VIS  1551 


Edificios  públicos  brasonados 

1.  " — A  cathedral. 

Tem  na  sua  riquíssima  abobada  as  armas 
do  bispo  que  a  mandou  fazer  na  sua  maior 
parte— D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas,—  e  as  ar- 
mas d'ei-rei  D.  Manuel —de  seu  filho  o  car- 
deal D.  AíTonso,  bispo  de  Viseu —de  D.  Jor- 
ge da  Costa,  cardeal  d'Alpedrinha  — e  as  de 
el-rei  D.  Affouso  V  e  de  D.  João  II, 

Nos  claustros  tem  nas  abobadas  as  armas 
do  seu  fundador— o  bispo  e  cardeal  D.  Mi- 
guel da  Silva. 

Na  Capella  da  Cruz  e  nos  mesmos  claus- 
tros tem  as  armas  do  bispo  D.  Gonçalo  Pi- 
nheiro—e n'outras  capellas  e  em  differen- 
tes  sitios  tem  outros  muitos  brasões  d'ar- 
mas,— nenhum  porem  ná  sua  pobre  fronte- 
ria  depois  da  estúpida  restauração  feita  pelo 
cabido  em  1640  a  1671. 

Veja-se  o  tópico  relativo  á  cathedral. 

2.  "  —A  egreja  de  Misericórdia. 

Tem  na  frente  as  armas  reaes  portugue- 
zas. 

S.o—A  egreja  da  Ordem  3.»  de  Nossa  Se- 
nhora do  Carmo. 
Tem  as  armas  da  ordem. 

4.  »— A  egreja  da  Ordem  3.»  de  S.  Fran- 
cisco. 

Tem  na  frente  as  armas  da  ordem  e  na 
escadaria  as  do  bispo  D.  Julio  Francisco  de 
Oliveira,  que  mandou  fazer  as  dietas  esca- 
das. 

5.  » — A  egreja  do  Seminário. 

Tem  na  frente  as  armas  da  Congregação 
do  Oratório,  á  qual  pertenceu  até  1824,  como 
diremos  adiante. 

6.0—  A  Capella  de  Nossa  Senhora  da  Victo- 
ria, mandada  fazer  pelo  cónego  Antonio  de 
Almeida  d'Abreu  em  1605. 

Tem  sobre  o  seu  bello  pórtico  dois  bra- 
sões d'armas, — um  de  cada  lado:  o  da  direita 
d'Abreus  e  Almeidas,  o  da  esquerda  de  Car- 
dosos  6. . . 

De  passagem  diremos  que  esta  linda  Ca- 
pella ha  muito  esta  profanada  e  servindo  de 
arrecadação  dos  andores  e  moveis  da  ordem 
3."  de  S  Francisco,  que  está  na  posse  d'ella. 

Demora  a  dieta  capella  a  pequena  distan- 


cia da  egreja  dos  irmãos  terceiros  de  S.  Fran- 
cisco, com  frente  para  o  Rocio. 

7."— Capella  de  S.  Domingos,  na  rua  ou 
viella  de  S.  Domingos.  Não  é  edifício  publi- 
co, mas  particular,  e  tem  o  brazão  dos  anti- 
gos senhores  da  quinta  de  Santo  Estevão, 
que  a  fizeram,  assim  como  a  frente  nova  da 
sua  casa,  cuja  fachada  principal  deita  para 
a  rua  da  Cadeia  (hoje  de  D.  Duarte)  e  fica 
separada  da  capella  por  esta  viella,  com  a 
qual  casa  pega  a  celebre  casa  da  Torre, 
d'e3ta  rua,  que  ainda  exisie  com  a  torre. 

Tem  debaixo  do  formoso  janellão  gothi- 
co  as  armas  do  conselheiro  Pedro  Gomes 
d'Abreu,  que  a  comprou  em  praça.  Era  a 
casa  do  Almoxarifado,  onde  a  tradição  diz 
nascera  el-rei  D.  Duarte,  tanto  que  em  me- 
moria doeste  facto  se  concedeu  ao  dicto  con- 
selheiro e  seus  descendentes,  senhores  da 
quinta  de  Santo  Estevão,  o  privilegio  de 
azylo,  e  ainda  nos  princípios  d'este  século 
existia  chumbada  na  parede  por  baixo  do 
janellão  gothico,  uma  cadeia  a  que  os  cri- 
minosos se  agarravam.  Esta  capella,  a  casa 
nova  e  a  da  Torre  pegada,  foram  em  nos- 
sos dias  vendidas,  quando  se  extinguiu 
aquella  família  de  Santo  Estevão. 

Vide  infra,  o  n.»  11,  e  o  tópico  Templos 
extinctos,  n."  5. 

S."— Capella  de  Nossa  Senhora  da  Concei- 
ção, junto  do  Campo  da  Feira. 

Tem  na  frente  um  escudo  com  o  emblema 
do  mysterio  da  Conceição. 

9.  °— Paço  Episcopal  de  Fontello. 

Tem  no  fim  da  grande  avenida,  à  entrada 
do  terreiro,  2  brasões  d'armas  de  2  bispos 
visienses. 

10.  * — Paço  episcopal  dos  tres  escalões,  tam- 
bém denominado  Collegio,  contíguo  á  cathe- 
dral. 

Tem  sobre  a  porta  principal  um  nicho 
com  a  imagem  de  Nossa  Senhora  da  Espe- 
rança e  aos  lados  2  brasões  d'armas: — um 
do  bispo  D.  Nuno  de  Noronha,  que  ali  fun- 
dou o  velho  Seminário  em  1593;— outro  do 
bispo  D.  Fr.  Antonio  de  Sousa,  suecessor  do 
antecedente  e  que  continuou  a  dieta  obra, 
não  chegando  a  vel-a  ultimada  porque  fal- 
leceu  em  1597,  havendo  tomado  posse  em 
I  1595. 


1552  VIS 


VIS 


"  11." — Cruzeiro  do  adro  da  Sé. 

Tem  as  armas  do  bispo  D.  Julio  Fran- 
cisco d'01iveira,  e  a  data  em  que  o  mandou 
fazer— 1760— em  substituição  d'oulro  mais 
antigo  e  muito  modesto. 

12.°— O  antigo  Hospital  das  Chagas,  que 
pertenceu  à  Mií-ericordia. 

Tem  na  frente  o  emblema  da  sua  insti- 
tuição e  aos  lados  as  armas  do  mesmo  bispo 
D.  Julio,  com  a  data  1759,  por  haver  n'a- 
quelle  anno  mandado  fazer  n'este  hospital 
grandes  obras. 

Tem  mais  2  brasões  do  mesmo  bispo  em 
dependências  annexas,  feitas  por  elle  tam- 
bém. 

i^."— Hospital  Novo  da  Misericórdia. 

Tem  no  frontão  as  armas  reaes;— na  ex- 
tremidade E.  da  fronteria  as  armas  antigas 
da  cidade  de  Viseu; — na  extremidade  op- 
posta  as  armas  da  Santa  Casa— e  ao  alto  do 
frontão  3  grandes  e  formosas  estatuas  de 
granito,  representando  a  Fé,  a  Esperança  e 
a  Caridade. 

Occupa  o  centro  e  a  parte  culminante  a 
Caridade;  á  sua  direita  tem  a  Fé;  á.  esquer- 
da a  Esperança. 

1  í.°—A  casa  municipal  da  Ribeira. 

Tem  a  camará  no  Bairro  da  Ribeira  e 
junto  do  Campo  da  Feira  uma  casa  para  on- 
de costuma  transferir  a  sua  secretaria  e  ce- 
lebrar as  i^uas  sessões  por  occasião  da  gran- 
de feira,  de  que  logo  fallaremos.  Na  parte 
restante  do  anno  ficava  devoluta  a  dieta  ca- 
sa e,  depois  que  se  creou  em  Viseu  o  corpo 
da  policia  civil,  tem  esta  ali  a  2.»  esquadra. 

No  cunhal  do  lado  direito  se  vêem  as  ar- 
mas reaes,  e  uma  inscripção  com  o  nome 
de  quem  mandou  fazer  a  dieta  obra  no  an- 
no de  1738:— Alvaro  José  Saraiva  Beltrão, 
então  juiz  de  fóra  de  Viseu,  (senhor  da  Quin- 
ta do  Ribeiro  no  concelho  de  Caria),  presi- 
dente da  camará,  e  os  vereadores  João  d'Al- 
meida  de  Mello  e  Vasconcellos  (senhor  da 
casa  de  Santo  Estevam  e  da  casa  da  Torre, 
na  rua  da  Cadeia)  e  Henrique  de  Lemos  Cas- 
tellobraneo,  senhor  da  casa  dos  Lemos  de 
Arganil  e  Viseu. 

Fonte  de  Santa  Christina,  no  antigo 
largo  do  seu  nome,  hoje  Largo  d' Alves  Mar- 
tins. 


Tem  as  armas  do  cardeal  D  AfTonso  e  a 
esphera  armilar  d'el-rei  D.  Manuel,  pae  do 
dicto  infante. 

IG  "—Chafariz  do  Arco,  junto  da  Porta 
dos  Cavalleiros  e  defronte  do  palacete  que 
foi  dos  Albuquerques. 

Tem  2  bicas;  no  alto  um  nicho  com  a  ima- 
gem de  S.  Francisco  d'As8is— e  um  escudo 
com  as  armas  reaes  por  baixo. 

Não  tem  actualmente  Viseu  mais  edifícios 
públicos  brasonados,  porque  os  novos  paços 
do  concelho  ainda  não  estão  concluídos, 
posto  que  n'elles  já  funccionam  diversas  re- 
partições publicas. 

Edifícios  brasonados  particulares 

{."-—Casa  e  quinta  do  Serrado,  do  viscon- 
de d'este  titulo. 

2.  °— Casa  e  quinta  do  Cruseiro,  dos  Ser- 
pes Mellos. 

3.  » — Casa  e  quinta  de  S.  Miguet,  dos  Car- 
dosos,  senhores  d'esta  quinta. 

4.  ° — Casa  e  quinta  de  Maçorim,  dos  Ma- 
chados e  Silveiras. 

b.'—Casa  da  Prebenda,  dos  Nápoles  e 
Bourbons. 

6.  » — Casa  dos  Sousas  Valentes,  no  Largo 
de  S.  Sebastião. 

7.  " — Casa  de  Francisco  Antonio  da  Silva 
Mendes,  no  Rocio  ue  Santo  Antonio,  hoje 
Passeio  de  D.  Fernando. 

5.  " — Casa  dos  Pinhos  e  Azevedos,  no  mes- 
mo Passeio  de  D.  Fernando. 

9.  " — Casa  dos  Abrens  Magalhães,  m  Largo 
d'Alves  Martins. 

10.  * — Casa  dos  Bandnras  da  Gama,  de 
Torre  Deiía,  no  iMrgo  de  Traz  do  Collegio^ 

11.  " — A  Casa  da  Rua  da  Cadeia,  na  rua 
d'este  nome.  Casa  onde,  segundo  diz  a  tra- 
dição, nasceu  el  rei  D.  Duarte  e  que  foi  do 
cónego  Pedro  Gomes  d'Abreu,  e  depois  dos 
descendentes  d'este,  senhores  da  quinta  de 
Santo  Estevão  (hoje  vendida  e  pertencente  a 
estranhos)  pelo  que  na  dieta  casa  poz  o  bra- 
são que  lá  se  vê,  que  é  dos  Abreus  e  Soa- 
res d' Albergaria,  de  que  uzava  o  dito  cóne- 
go e  que  estava  também  no  seu  tumulo  na 
Capella  do  Calvário  no  claustro  da  Sé,  por 
detraz  do  grande  quadro  do  Grão  Vasco. 


VIS 

Vide  o  lopico  anterior  n.°  7,  das  Famílias 
nobres  de  Viseu  e  o  dos  Templos  extinctos. 

12.  °— Casa  que  foi  dos  Erneslos  Teixeiras 
de  Carvalho,  hoje  do  conde  de  Prime,  na  rua 
de  Cimo  de  Villa,  ou  rua  Direita. 

13.  °— Casa  que  foi  dos  Cardosos  Cerquei- 
ras,  extinctos,  iioje  possuída  e  habitada  pela 
família  Queiroz  Pinto  d'Aíhayde,  de  Louro- 
za,  ou  Favaios.  V.  o  tópico  Casas  particula- 
res, n.°  3. 

14.  °— A  casa  que  foi  da  família  Chaves  e 
que  hoje  pertence  a  Joaquim  d'Almeida 
Campos,  com  a  capella  de  Santa  Caiharma, 
hoje  profanada,  ao  Miradouro. 

15.  » — A  casa  que  foi  dos  Silveiras  de  La- 
mego e  que  ha  muitos  annos  é  do  estado. 
N'ella  se  acham  as  secretarias  da  2.»  divi- 
são e  o  calabouço. 

Estas  ca^as  n  °  13  e  15,  demoram  na  ce- 
lebre Rua  Direita. 

16.  °— A  Cam  do  Arco,  que  foi  da  nobilís- 
sima, antiquíssima  e  riquíssima  família  Al- 
buquerques. 

Tem  2  brasões  d'armas:— um  na  fronte- 
ria;- outro  na  porta  do  quintal  sobre  a  rua 
da  Regueira,  hoje  de  D.  Luiz  I. 

Demora  na  rua  dos  Cavalleiros,  parte  in- 
tegrante também  da  celebre  rua  Direita, 
como  já  dissemos. 

17,0 — j\  caga  do  sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de 
Mendonça  Falcão,  residente  na  sua  bella 
quinta  de  S.  Salvador,  como  já  dissemos. 

18.  °— A  casa  dos  Tóvares  Noronhas,  de 
Mões,  de  quem  logo  fallaremos. 

Estas  ultimas  duas  casas  demoram  na  rua 
da  Calçada. 

19.  ° — Casa  dos  Lemos  de  Sousa,  de  Villa 
de  Chã  de  Sá,  na  rua  de  D.  Luiz  l. 

Ficou  só  em  paredes  e  estas  em  pouco 
mais  de  metade,  mas  tem  brasão  e  é  o  edi- 
fleío  particular  com  mais  pé  direito  que  ha 
em  Viseu. 

20.  °— Casa  que  foi  dos  Almeidas  Vascon- 
cellos,  na  mesma  rua  de  D.  Luiz  I,  ou  Ri 
gueira. 

Pertenceu  aos  antigos  barões  de  Mossame- 
des,  depois  condes  da  Lapa,  que  a  vende- 
ram com  outros  bens  à  família  Mendes,  sua 
possuidora  actual,  e  tem  uma  bella  cerca. 

21.  ° — A  casa  que  foi  dos  Loureiros  Car- 


VIS  1553 

dosos,  depois  barões  de  Prime,  na  rua  de  S. 
Miguel. 

Pertenceu  ao  visconde  de  Loureiro,  fllho 
e  successor  do  barão  de  Prime,  e  foi  ha  pou- 
cos annos  arrematada  por  Antonio  de  Pádua 
Ponce  de  Carvalho,  seu  actual  possuidor. 

22.  °— A  casa  dos  Chaves  Araujos,  na  rua 
de  S.  Miguel,  só  com  brazões  antigos  nos  te- 
ctos das  salas. 

23.  °— A  casa  dos  Figueiredos  da  Povoa, 
fronteira  à  antecedente. 

Estas  ultimas  duas  casas  demoram  tam- 
bém na  rua  de  S.  Miguel  e  ambas  são  bra- 
sonadas, mas  não  leem  os  brasões  na  fron- 
teria. 

24  o_A  casa  dos  Mellos  e  Castros  d' Abreu, 
na  rua  do  Chão  do  Mestre. 

Foi  ultimo  senhor  (i'esta  casa  e  de  outros 
muitos  bens  o  conde  de  Santa  Eulália— Au- 
tonio  Augusto  de  Mello  e  Castro  d' Abreu,  ha 
pouco  fallecido,  não  deixando  successão  nem 
testamento.  E,  tendo  muitos  parentes  remo- 
los,  tractam  de  habilitar-se  4,  em  7."  grau«ci- 
vil,  que  dividirão  entre  si  esta  grande  casa. 

25o_A  casa  que  foi  dos  Abreus  Maga- 
lhães, morgados  de  Santa  Christina,  na  rua 
do  Chão  do  Mestre,  e  que  é  hoje  do  nego- 
ciante Perdigão,  que  tem  feito  n'ella  muitas 
obras,  pois  estava  em  grande  abandono  e 
quasi  em  ruínas. 

N'ella  se  acham  montadas  as  typographias 
do  Jornal  de  Viseu,  Districto  de  Viseu  e  Li' 
berdade. 

Esta  casa,  bem  digna  de  melhor  sorte, 
tem  um  pórtico  lindíssimo,— o  primeiro  de 
Fw«M— luxuosamente  ornamentado  e  enci- 
mado por  armas  de  eccleúastico.  Não  sa- 
bemos quem  a  fundou,  mas  devia  ser  pes- 
soa respeitabilissima,  de  alta  posição  ecele- 
siastíca,  porqne  o  brasão  parece  pontifí- 
cio l... 

Pertenceu  muitos  annos  aos  morgados  de 
Santa  Christina,  o  ultimo  dos  quaes  a  em- 
I  prasou  ao  mencionado  negociante,  que  ain- 
da hoje  d'ella  paga  fôro  á  ex.^^sr.»  D.  Ignez 
d'Abreu,  herdeira  do  vinculo  e  do  palácio  de 
Santa  Christina,  no  largo  d'esle  nome. 
I    Tem  pois  Viseu  actualmente  41  ediflcios 
I  brasonados  e  alguns  antiquíssimos,  o  que 
'  prova  que  Viseu  é  desde  tempos  muito  re- 


1554  VIS 


VIS 


motos  um  viveiro  de  nobresa  e  uma  cidade 
importante,— í  nunca  teve  tanta  vida  como 
hoje  ( . . . 
Prosigamos. 

Commercio  e  industria 

Tem  Viseu  muitos  estabelecimentos  com- 
merciaes,  alguns  bem  montados  e  um  banco 
próprio,  intitulado 

Banco  Agrícola  e  Industrial 

Este  baoco,  destinado  a  beneficiar  a  agri- 
cultura e  a  industria,  foi  creado  em  1868, 
principiando  a  funccionarem  13  de  abril  do 
mesmo  anno. 

Foram  seus  primeiros  gerentes  Francisco 
de  Mello  Lemos  e  Alvellos  (hoje  visconde  do 
Serrado),  o  dr.  Bernardo  Antonio  da  Silva  e 
Andrade  e  José  Luiz  do  Amaral  Guimarães. 

Ç)3  seus  fundos,  que  ainda  hoje  se  conser- 
vam, foram  60  contos,  dos  quaes  pertencem 
40  a  Misericórdia  e  20  aos  accionistas.  As 
acçòps  são  3:000,  cada  uma  do  valor  de  réis 
20^000. 

As  suas  operações  são  empréstimos  sobre 
letras  com  hypothecas,  — sobre  penhores  e 
em  conta  corrente.  O  seu  juro  tem  sido 
sempre  de  7  p.  c. 

Seus  directores  actuaes  são  o  dr.  Manuel 
Antonio  Barroso  e  o  comroendador  Duarte 
d'Almeida  Loureiro  e  Vasconcellos;— subs- 
tituto Camillo  Augusto  da  Silva  e  Andrade. 

Tem  Viseu  agencias  d'oUtro8  bancos  e 
companhias;— 6  pharmacias;— 8  estabeleci- 
mentos d'alfaiate,— 8  de  barbeiros  e  IS  de 
sapateiros,— differentes  alquilarias  e  estabe- 
lecimentos do  diligencias,— ferradores,  cor- 
rieiros,  serralheiros,  ferreiros,  pedreiros, 
carpinteiros,  marceneiros,  livreiros  e  enca- 
dernadores, cerieiros  e  muitos  latoeiros  de 
folha  branca  e  de  amarello,  surradores,  2 
fabricas  de  sola,  etc. 

Feiras  e  mercados 

Tem  Viseu  mercados  todas  as  terças  fei- 
ras de  cada  semana  e  uma  feira  annual  im- 


portantíssima e  antiquíssima  denominada 
Feira  de  S.  Matheus. 

Começa  no  dia  20  e  acaba  no  dia  30  de 
setembro  e  foi,  como  a  de  Trancoso,  uma  das 
mais  privilegiadas  do  reino,  pelo  que  se  de- 
nominou e  ainda  hoje  se  denomina  também 
Feira  Franca. 

Desde  tempo  immemorial  se  fazia  esta 
feira  no  vasto  chão  ou  campo  da  Cava  de 
Viriato  í,  de  que  logo  fallaremos,  mas  el-rpi 
D-ÍDuarte  a  mudou  da  Cava  para  a  Ribeira 
— e  do  dia  de  S.  Jorge,  23  d'abril,  para  o  de 
S.  Matheus,  2i  de  setembro,  declarando-a 
franca,  ou  isenta  dos  tributos  e  direitos  ds 
portagem  3  dias,  pelo  que  rapidamente  se 
tornou  importantíssima I  A  ella  concorriam 
industriaes  e  negociantes  de  todo  o  nosso 
paiz  e  até  mouros  de  Granada!  Deeahiu  bas- 
tante com  a  perseguição  e  expulsão  dos 
mouros  e  judeus;— depois  com  a  extincção 


^  Francifco  Manuel  Correia,  na  sua  inte- 
ressante Memoria  ms.  diz  que  esta  feira  prin- 
cipiou em  H88  por  alvará  d'el  rei  D.  San- 
cho I,  mas  Berardo  {Liberal  de  24  de  ju- 
nho de  18o7)  diz  que  se  ignora  completa- 
mente a  data  da  origem  d'esta  feira  e  pre- 
sume que  deve  o  seu  principio  à  festa  e  ro- 
magem que  no  dia  23  d'abril  costumava  fa- 
zer-se  a  S.  Jorge,  na  sua  capella  dentro  da 
Cava  de  Viriato,  porque  (diz  elle)— tra- 
cto e  commercio  dos  nossos  passados  era 
muito  escaço,  e  as  romarias  forão  occasião 
do  estabelecimento  de  muitas  feiras,  onde  os 
concorrentes,  de  passagem,  trocavao  e  ven- 
diào  08  seus  haveres.» 

loclinamo  nos  á  opinião  do  sábio  cónego, 
mesmo  porque  a  dicia  feira  até  o  tempo  de 
D.  Duarte  se  fez  sempre  a  23  d'abril,  dentro 
da  Cava,  no  dia  da  festa  e  da  romag-m  de 
S.  Jorge,  orago  da  dieta  capella,  pelo  que 
também  se  denominava  Feira  de  S.  Jorge,  e 
só  depois  que  a  feira  se  mudou  para  o  cam- 
po onde  hoje  se  faz  e  para  o  dia  S.  Matheus, 
é  que  tomou  o  nome  de  Feira  de  S.  Matheus, 
collocando-se  por  essa  occasião  a  imagem 
d'este  apostolo  na  capella  de  S.  Luiz,  que 
estava  no  chão,  para  onde  foi  mudada  a  fei- 
ra,—  imagem  que  ainda  hoje  se  vé  na  ca- 
pella de  Nossa  Senhora  da  Conceição  no 
mesmo  Campo,  feita  junto  da  de  S.  Luiz  e 
em  substituição  d'ella. 

Veja  se  o  n.»  10  no  tópico  dos  Templos 
extinclos—e  o  n.°  H  no  tópico  do  Templos 
actuaes. 


VIS 

das  suas  enormes  franquias— e  ultimamente 
com  o  progresso  da  viação  e  facilidade  das 
communicações  entre  nós,  o  que  tem  annul- 
iado  a  importância  de  todas  as  nossas  fei- 
ras. Soffreu  esta  também  muito,  mas  ainda 


VIS 


1555 


assim  é  hoje  sem  contestação  a  primeira 
d'esta  província  e  talvez  a  primeira  de  Por- 
tugal 1 . . . 

Não  exageramos,  como  prova  o  docu- 
mento seguinte : 


Mappa  estatístico  official  dos  objectos  expostos  á  venda 
na  FEIRA  FRANCA  de  Viseu 
em  setembro  de  1886,  e  valor  das  vendas  n'ella  realisadas 


N.»  dos 
eitabele- 
eimentos 


3 
3 
4 
5 
7 

i4 
13 
10 

2 
5 
19 
27 
23 
16 
4 
6 
12 
8 
7 
3 

10 

4 
23 


Objectos  expostos  i  venda 


Importância 
dos  objectos 
expostos 


Colchoeiros  •  

Caldeireiros  

Corrieiros   

Funileiros  

Latoeiros  d'amarello  

Sapateiros  

Tamanqueiros  ■ 

Chapeleiros  

Livreiros  

Retrozeiros  

Capellistas  

Quinquilherias  

Bufarinheiros  

Lojas  de  pannos^a  retalho  

Estabelecimentos  de  pelúcias  

Toalheiros  

Ferrageiros  

Mercieiros  

Louceiros  nacionaes  e  estrangeiros  

Vidraceiros  

Vendedores  de  ouro  e  prata  

Relojoeiros  

Vendedores  de  linho  em  rama..  

Pannos  da  Covilhã  

Ditos  de  Arreniella,  Alemquer,  Lisboa  e  Pader 

nello  

Cobertores  • 

Carneiras  e  pellicas  

Saragoça  em  fardos  

Depósitos  de  machinas  de  costura  

Somma  


Cifra  das  vendas 
realisadas 


1: 50011000 

2:000^000 

350)^000 

3:500,^000 
2:000,ííOOO 
7:500W 

800,^1000 
2:300,3000 

d4:000i?í000 

o  .  KAl  \  ^AAA 

5:000^000 

f-  .AAA  flíAAA 

4:00U#UuU 

12:000 WO 

2:500;^000 

2:000íS000 

600,^000 

35:000,^000 

9:800,^000 

85:000,ÍÍO0O 
52:000,^000 

17:000^000 
4:500 ,jí000 

16:000,^000 

3:800,^000 

100:000,^000 

14:000,^000 

5:000^000 

4:600^5000 

S.OOOíOOO 

2:000,5000 

9:000,^000 

3:000,5000 

11:000,^000 

4:800^000 

12:000^000 

5:000^000 
loO^OOO 
3:000^000 

800^000 
120:000^000 

6:000^000 

300,5000 

8:000,^000 

6:000^000 

400:000,^000 

220:000^000 

200:00Oí0OC 

>  100:000,5000 

60:000í00C 
2:000^00C 

)  28:000^000 
)  2:000,5000 

30:000,^00( 

)  28:000^000 

10:000,g00( 

)  800^000 

1.216:300W 

)  471:300^000 

1556  VIS 


VIS 


N.»  dos 
estãbele- 
eimenlos 


Objectos  expostos  á  venda 


Transporte  

Sola  

Beserro  cortido  

Alfaiates  cora  roupas  feitas  

Teias  de  linho  

Estopa  

Ferro  e  aço  em  barra  

Cordões  e  atacadores  

Albardeiros  

Fusos  

Rocas  

Vasilhame  para  vinho  

Taberneiros  que  venderam  70  pipas  de  vinho  de 

550  litros  

Araendoa  1:650  kilos  

Pera  secca  550  kilos  

Ameixa  secca  500  kilos  

Pecegos  35  kilos  

Milho  

Cevada   

Palha  

Rodeiros  

Gamellas  de  pau..  

Sardinha  

Ferragens  

Sebo  

Estanques  

GADOS 

Bovino  

Bezerros  

Muar  

Cavallar  

Asinino  

Total  


Importância 
dos  objectos 
expostos 


1.216:300)^000 
105:000,^000 
35:000>^000 
4:500,^000 
1:000^000 
lOOi^OOO 
14:400^000 
2:500^000 


100^000 
60^000 
350,^000 

40:656,^000 
500,^000 
200,^000 
66,2000 
7 


150^000 

80,2000 

6O',g0OO 

35I00O 

150^000 

150^000 

300^000 
65,3000 

SOOáOOO 

mmoo 

65,2000 
50011000 

90,1000 

70,2000 

150,^000 

150,2000 

1:500^000 

700^000 

280:000^000 

50:000^000 

45:000,^000 

17:500^000 

15:000,^000 

9:000^000 

8:000,^000 

3:000^000 

1:250,2000 

500,2000 

1.773:154,2000 

736:849^000 

Do  exposto  se  vé  que  a  Feira  Franca  de 
Viseu  é  muito  importante  ainda. 

Fez-se  na  Cam  de  Viriato,  durante  sécu- 
los;—depois,  por  ser  o  dicto  local  muito  er- 
mo, alagadiço  e  distaote  da  cidade ^600  a 
1:000  metros  (referirao-nos  à  Sé)  o  que  dava 
occasião  a  furtos,  roubos  e  outros  crimes, 


mudou-se  para  dentro  da  cidade  e  alguns 
annos  se  fez  no  Rocio  de  Santo  Anton.o.  hoje 
Passeio  de  D.  Fernando,  e  ao  longo  dis  ruas 
o  que  tinha  também  graves  inconvetientes, 
pelo  que  se  mudou  no  tempo  d'el  rei  D. 
Duarte  para  o  campo  onde  se  fai  ainda  ho- 
je, denominado  Campo  da  Feira,  m  mar- 


VIS 


VIS  1557 


gem  direita  do  Pavia,  entre  este  rio  e  a  ce-  i 
lebre  Cava  de  Viriato,  de  que  logo  faliare- 
mos.  * 

O  dicto  campo  é  irregular,  mas  espaçoso; 
— peio  meio  d'elie  passa  hoje  a  estrada  real 
a  macadam  n."  7,  de  Viseu  a  S.  Pedro  do 
Sul, — e  por  oecasião  da  feira  addicionam  ao 
dicto  campo  alguns  chãos  contíguos,  que  na 
parte  restante  do  anno  são  cultivados.  A  esta 
feira  vinham  antigamente  os  mouros  gra- 
nadinos e  da  Estremadura  e  Andaluzia  com 
productos  das  suas  industrias,  e  nos  nossos 
dias  ainda  vem  poldros  das  melhores  raças 
andaluzas  de  cavallos.  Hoje  vem  já  poucos, 
mas  ainda  concorrem  bastantes  hespaohoes 
da  raia  da  Beira. 

Também  todas  as  terças  feiras  se  faz  no 
dicto  Campo  de  Viriato^  feira  de  gado  bo- 
vino, suíno,  etc. 

Largos  e  praças 

í." — Passeio  de  D.  Fernando, —  oulr*ora 
Quinta  de  Maçorim, — depois  Campo  de  Ma 
çorim,  feito  em  uma  parte  da  mencionada 
quinta. 

Denominou-se  também  Rocio  de  Santo  An- 
tonio, depois  que  junto  dVlIe,  na  parte  res- 
tante da  bella  quiota  de  Maçorim,  se  fez  o 
convento  de  Santo  Antonio,  de  frades  ca 
puchos. 

É  hoje  o  campo  e  o  passeio  publico  mais 
bonito  de  Viseu,  mas  pouco  espaçoso,  pouco 
alindado  e  muito  irregular. 

Tem  apenas  algumas  arvores  de  grande 
porte,  alguns  bancos  e  um  pavilhão  onde 
costuma  tocar  nos  domingos  e  quintas  fei- 
ras a  banda  regimental^ — e  no  dicto  cam- 
po, se  erguem  os  novos  Paços  do  concelho. 


1  D.  Duarte  governou  apenas  5  annos, — 
de  1433  a  1438;— era  tilho  de  D.  João  I-e 
nascera  em  Viseu  em  1391,  pelo  que  não 
só  deferiu  a  petição  dos  visiens^es,  relativa- 
mente á  mudança  do  local  e  dia  da  feira, 
mas  na  provisão,  cujo  autographo  se  per- 
deu, muito  generosamente  acerescentou:  E 
por  attentarmos  a  ser  nuquella  cidade  o  nos- 
so nascimento,  a  concedemos  tres  dias  franca. 

Bom  serviço  prestou  á  sua  terra  natall... 

2  Assim  se  denomina  hoje  o  antigo  Cam- 
po da  Ribeira,  depois  Campo  da  Feira. 


Visèu,  sendo  capital  de  província  e  uma 
cidade  tão  importante  e  de  tantos  recursos 
(desculpem  os  visienses  a  franqueza)  não 
tem  um  jardim  publico,  nem  uma  alameda, 
nem  um  boulevard,  avenida  ou  parque  de  re- 
creio I 

N'este  ponto  envergonham-na  Lamego,  a 
2.*  cidade  d'e8ta  província,  e  outras  muitas 
das  nossas  cidades  de  2.»  ordem,  laes  são 
Évora,  Vianna,  Guimarães,  Setúbal,  Porta- 
legre, Elvas  e  Beja.  Envergonham  na  até  al- 
gumas das  nossas  villas,  taes  como  Cintra» 
Barcellos,  Villa  Viçosa,  Villa  Real  de  Traz- 
os-Montes,  Valença  do  Minho— e  as  praias 
da  Foz  do  Douro  e  da  Granja. 

Viseu  tem  e  leve  sempre  muitos  filhos  be- 
nemeritos,  mas  nunca  teve  um  que  se  dedi- 
casse aos  melhoramentos  e  embellesameutos 
da  cidade  como,  por  exemplo,  o  sr.  visconde 
de  Guedes  Teixeira  se  dedicou  aos  melho- 
ramentos e  embellesameotos  de  Lamego — e 
o  sr.  José  Guilherme  Pacheco  aos  melhora- 
mentos e  embellesamenios  da  villa  de  Pare- 
des, sua  pátria  adoptiva. 

Appellamos  francamente  para  quem  visse 
e  conhecesse  as  cidades  de  Viseu  e  Lamego 
e  a  Villa  de  Paredes  ha  20  annos — e  as  veja 
na  actualidade. 

Viseu— com  pequena  diíTerença — cooser- 
va-se  no  staíu  gno;— pelo  contrario  Lamego 
e  Paredes  mudaram  de  fond  en  comble ! 

Tem  Viseu  apenas  melhorado  em  edifi- 
cios  públicos  e  particulares,  e  em  poucas 
ruas  e  estradas  a  macadam  que  a  atraves- 
sam. 

Com  vista  aos  ill.'"'"  e  íx."" 
srs.  governador  civil,  conselhei- 
ros do  districto,  administrador 
do  concelho  e  vereadores  de  Vi- 
seu— bem  como  a  todos  os  be-^ 
nemeritos  visienses. 

Campo  da  Feira  ou  de  Viriato. 

É  o  campo  já  deseripto  supra. 

S  " — Largo  de  Alves  Martins. 

É  bastante  espaçoso,  em  forma  de  um 
quadrilongo  e  o  mais  regular  de  todos,  mas 
está  completamente  nú !.. . 

Sobre  elle  se  erguia  outr'ora  à  direita  e 
logo  á  entrada,  indo  da  rua  da  Regueira^  a 


1558  VIS 


VIS 


Capella  de  Santa  Chrislioa,  pelo  que  se  de-  | 
Dominou  Largo  de  Santa  Christina; — tam-  | 
bem  88  denomíDou  Largo  do  Carmo,  depois 
que  se  fez  junto  da  dieta  capella  a  esplen- 
dida egreja  de  Nossa  Senhora  do  Carmo- 
Denomiuou-se  finalmente  Largo  dos  Nerys 
ou  dos  Congregados  e  Terreiro  do  Semi- 
nário, depois  que  no  topo  e  ao  cimo  d'elle 
se  fez  o  convento  dos  Padres  do  Oratório, 
congregados  de  S.  Filippe  Nery,  hoje  semi- 
nário diocesano  desde  1824. 

Veja-se  no  nosso  Catalogo  dos  bispos  vi- 
sienses o  tópico  do  bispo  Lobo. 

Weste  campo,  junto  da  egreja  de  Nossa 
Senhora  do  Carmo,  se  vê  um  chafariz  muito 
antigo,  onde  se  bebe  a  melhor  agua  de  Vi- 
seu. 

É  a  Fonte  de  Santa  Cristina,  de  que  já  fi- 
zemos menção  entre  os  edificios  públicos 
brasonados,  sob  o  n.»  15. 

i."— Largo  de  S.  Miguel,  na  frente  da  an- 
liquissima  egreja  de  S.  Miguel  do  Fetal,  de 
que  adiante  fatiaremos. 

N'e8ie  campo  e  junto  da  dieta  egreja  está 
a  Eschola  do  Conde  de  Ferreira,  assim  deno- 
minada por  ser  uma  das  muitas  casas  de 
eschola  que  em  Portugal  se  fizeram  com  o 
subsidio  deixado  por  aquelle  benemérito  ca- 
pitalista portuense.  * 

No  dicio  campo  se  costuma  vender  carvão 
de  urze  de  Arganil  e  da  serra  de  S.  Macá- 
rio. 

5  ° — Largo  das  Freiras,  em  frente  do  con- 
vento das  religiosas  benedietinas. 

Por  este  largo  se  entra  para  o  theatro — 
Boa  União,  hoje  o  primeiro  de  Viseu — e  tem 
o  dicto  largo  a  0.  um  grande  arco  de  pedra 
denominado  Arco  das  Freiras,  porque  sobre 
elle  assenta  uma  parte  do  convento, — e  Ar- 
co dos  Cavalleiros,  porque  dava  entrada  pa- 
ra a  rua  dos  Cavalleiros,  hoje  rua  Direita, 
que  se  prolongava  e  prolonga  até  o  arco  da 
casa  dos  Albuquerques  ou  da  Porta  dos  Ca- 
valleiros, uma  das  velhas  portas  da  cidade- 

6.° — Adro  da  Sé  na  frente  da  cathedral, 
erguendo-se  do  lado  opposto  a  egreja  da  Mi- 
sericórdia—e  do  lado  sul,  à  direita  de  quem 


^  V  Campanhan,  tomo  2.°  pag.  59,  col. 


entra,  uma  torre  do  tempo  dos  romanos,  que 
serviu  d'Aljube  ou  prisão  ecelesiaslica,  hoje 
cadeia  civil. 

É  um  largo  bastante  espaçoso,  mas  desa- 
brido, irregular  e  mi,  sem  bancos  nem  ar- 
voredo. 

A  um  lado  d'elle  se  ergue  o  eruseiro  de 
que  já  fizemos  menção  no  tópico  Edificios 
públicos  brasonados,  sob  o  n.»  11.» — e  n'e8te 
largo  se  vende  todas  as  terças  feiras  louça 
vidrada,  sal  e  ferragem. 

Demora  no  ponto  culminante  de  Viseu 
outr'ora  escabroso  e  muito  defensável,  pelo 
que  os  romanos  em  volta  d'elle  fizeram  gran- 
des torres  e  muralhas  e  uma  boa  praça  de 
guerra  para  os  tempos  d'armas  brancas. 

Veja-se  o  tópico  relativo  á  cathedral. 

7.*— Praça  da  Senhora  dos  Remédios,— ou 
Praça  da  Erva,  porque  n'este  largo  se  ven- 
de a  erva. 

Demora  no  cimo  d'esta  praça  o  palacete 
do  fallecido  conde  de  Santa  Eulália. 

H.*— Largo  do  Collegio. 

Demora  este  largo  junto  ao  grande  edi- 
fleip  do  Collegio,  antigo  Seminário  e  paço 
Episcopal,  para  o  lado  N.  Não  é  nivelado,  an- 
tes muito  accidentado  e  escabroso  e  com  la- 
gos naturaes  e  penedos  á  vista ! . . . 

N'este  largo  se  vende  em  todos  os  dias  de 
feira  louça  de  barro  preta  e  vermelha,  tijo- 
lo, telha,  vazos  e  cortiços  para  flores. 

9."* — Praça  de  Luiz  de  Camões,  desde  as 
festas  do  tricentenário  do  grande  épico,  e  an- 
tigamente Praça  do  Commercio  ou  Praça 
Velha. 

Demora  no  alto  da  antiga  rua  da  Cadeia, 
hoje  rua  de  D.  Duarte,  e  contigua  á  cadeia 
civil,  uma  das  vell^as  torres  romanas. 

É  uma  praça  muito  irregular  e  pequena» 
mas  toda  revestida  de  casas  com  estabele- 
cimentos commerciaes  desde  tempos  muito 
remotos,  pois  foi  o  coração  de  Viseu.  D  ali 
e  da  próxima  fortalesa,  hoje  cathedral,  irra- 
diou a  população  para  todos  os  quadrantes 
até  ás  campinas  da  baixa,  onde  se  vé  hoje  a 
parte  melhor  de  Viseu. 

Na  dieta  praça  vende  se  nas  terças  feiras 
linho,  calçado  de  toda  a  ordem  e  miudesas 
ou  artigos  próprios  de  tendeiros  ambulan- 
tes. 


VJS 


VJS  1559 


Ao  cimo  d*esta  praça,  junto  do  Chão  do 
Mestre,  estavam  os  antigos  paços  do  concelho 
iDcendiados  no  século  xviii. 

10.*— Praça  2  de  maio,— vulgarmente  Pra- 
ça Nova. 

É  um  esplendido  mercado  coberto,  muito 
elegante  e  vistoso,  a  praça  mais  regular  de 
Viseu.  Tem  no  meio  4  espaçosos  alpendres 
com  coberturas  de  zinco  e  columnas  de 
ferro;  sobre  a  rua  Formosa  uma  bella  fron- 
teria  gradeada  de  ferro,  com  um  elegante 
pórtico  lambem  de  ferro  no  centro— e  nos 
seus  4  ângulos  4  torreões  com  portas  e  ja» 
Delias  de  ogiva,— torreões  que  a  camará  mu- 
nicipal arrenda,  bem  como  os  alpendres  in- 
teriores. 

Vendesse  n'esta  praça  hortaliça,  queijo, 
aves,  frueta,  pãj,  batatas,  etc,  etc. 

É  tão  espaçosa  esta  praça  que  raríssimas 
vezes  se  enche. 

Principiarann  as  obras  no  quintal  do  ba- 
charel Heitor  de  Lemos  e  Sousa,  junto  do 
Grémio  Visiense,  no  dia  21  d'agoslo  de  1877, 
e  deu-se-lhe  a  denominação  Dois  de  maio, 
dia  memorável  para  Viseu,  porque  no  flia  2 
de  maio  de  1834  entrou  em  Viseu  o  duque 
da  Terceira  com  as  tropas  liberaes  do  seu 
commando,  estabelecendo  o  governo  consti- 
tucional de  S.  M.  a  rainha  D.  Maria  II. 

loaugurou-se  a  dieta  praça  no  dia  2  de 
maio  de  1879,  mas  só  no  domingo  28  de  se- 
tembro seguinte  n'ella  se  fez  o  primeiro  mer- 
cado. 

Tem  esta  praça  um  contra:— ser  bastante 
faumida,  por  estar  no  sopé  de  uma  grande 
barreira. 

Templos  qcíuaes 

l.'—A  Sé. 

Veja-se  o  titulo  Cathedral  de  Viseu. 

i  *—Egreja  de  Nossa  Senhora  do  Carmo. 

Veja  se  o  titulo  Ordens  terceiras. 
'  Tem  5  altares,  2  torres  e  uma  bella  fron- 
teria  de  granito. 

3.» — Egreja  do  Seminário. 

Tem  graude  pé  direito,  bella  fronteria,  7 
altares,  côro  para  os  seminaristas,  abobada 
de  tijolo,  etc. 

V.  Conventos  e  Seminário. 


4.  * — Egreja  de  S.  Francisco. 

Tem  7  altares,  boa  fronteria  e  bom  átrio, 
etc.  V.  Ordens  terceiras. 

5.  » — Egreja  da  Misericórdia.  V.  Misericór- 
dia. 

ò.*— Egreja  do  convento  de  Jesus,  de  frei- 
ras benedictinas,  com  3  altares  e  boas  deco- 
rações de  talha  antiga. 

Veja-se  o  titulo  Conventos. 

7.  "— A  histórica  e  antiquíssima  egreja  de 
S.  Miguel  do  Fetal. 

D'ella  faltaremos,  bem  como  do  lendário 
tumulo  de  D.  Rodrigo,  no  fim  d'este  tó- 
pico. 

8.  »— A  egreja  da  Via  Sacra— ou  de  S. 
Francisco  das  Chaga'*. 

Demora  no  alto  da  Via  Sacra. 
Vide  adiante  o  tópico  d'esle  nome. 
Demanda  restauração  e  n'ella  se  acha  ere- 
cta a  irmandade  de  Santa  Cruz  e  Passos. 

9.  "— Capella  de  Santa  Martha,  no  Paço  de 
Fontello. 

Tem  3  altares.  O  altar-mór  é  o  de  Santa 
Martha  e  de  traz  d'este,  que  fica  separado  da 
capella-mór,  está  por  cima  uma  formosa  tela 
de  Grão  Vasco,  representando  Jesus  Chrísto 
em  casa  de  Martha,  que  me  parece  ser  a  me- 
lhor da  Capella,  posto  que  tem  muitas  e  algu- 
mas de  merecimento. 

Havemos  de  indical-as  todas,  quando  fal- 
larmos  do  celebre  pintor  Grão  Vasco. 

O  altar  collateral  do  lado  da  epistola,  é  dos 
dois  S.  JoÕes:  o  Evangelista  e  o  Baptista 
mostrando  o  Agnus  Dei. 

O  do  lado  do  evangelho  é  dedicado  a  S. 
Pedro  e  S.  Paulo. 

O  actual  prelado  tem  r£Staurado  e  aper- 
feiçoado muito  esta  eapella,  bem  como  o  Pa- 
ço de  Fontello  que  estavam  muito  descura- 
dos. N'este  tem  feito  importantes  obras  e 
melhoramentos,  e  agora  anda  consiruinda 
uma  bella  varanda  a  S.  para  tornar  também 
por  aquelle  lado  mais  commoda  a  commu- 
nicação  com  a  capeila. 

10.  °— Capella  de  S.  Sebastião,  na  rua  do 
Soar  de  Baixo,  ou  do  Prineipe  Real. 

Tem  3  altares  e  não  é  muito  antiga,  mas 
ignora-se  quando  e  por  quem  foi  fundada. 
Também  não  ha  muito  que  a  devoção  de 
I  mordomos  a  tinha  bem  reparada  t  festejava 


1560 


VIS 


VIS 


todos  os  annos  o  martyr,  mas  depois  essa  de-  1 
voção  esfriou;  as  festas  cessaram— e  na  po-  I 
bre  Capella  apenas  se  dizia  alguma  missa  re-  | 
sada. 

Pelos  annos  de  1820  foi  dourada  a  tribuna 
6  pouco  depois  se  fez  o  côro  e  a  escada  ex- 
terior para  elie. 

Consta  que  houve  uma  irmandade  de  S. 
Sebastião  n'esta  capella,  mas  foi  extineta  por 
falta  de  zelo  e  de  meios. 

É  publica. 

Em  1886,  por  occasião  de  estar  Viseu  amea- 
çado da  invasão  do  cholera,  certos  devotos 
do  Martyr  principiaram  a  colher  donativos 
para  restaurar  a  irmandade  e  a  capella,  o 
que  conseguiram  reformando  a  capella  e  os 
estatutos;  admittiram  muitos  íieis;  fizeram 
DO  anno  de  1887  uma  brilhante  festividade 
a  grande  instrumental,  sermão  e  procissão 
— 6,  promettem  continuar. 

11.  °— Capella  de  Nossa  Senhora  da  Con- 
ceição. 

Demora  na  Ribeira  e  tem  irmandade  pró- 
pria, instituída  em  1662  na  antiquíssima  ca- 
pella de  S.  Luiz,  hoje  profanada  e  era  ruí- 
nas, junto  da  de  Nossa  Senhora  da  Concei- 
ção, que  foi  feita  por  ser  a  de  S  Luiz  muito 
pequena  e  estar  muito  arruinada  com  o  pe- 
so dos  séculos,  pois  datava  do  tempo  d'el  rei 
P.  Duarte,  segundo  se  suppõe. 

É  publica  e  nVIla  se  v.^nera  a  imagem  de 
S.  Matheus,  que  estava  na  capella  de  S.  Luiz^ 
onde  foi  collocada  por  occasião  da  mudança 
da  feira. 

12.  °— Capella  de  Nossa  Senhora  dos  Re- 
médios, no  largo  d'este  nome. 

Como  diz  uma  inscripção  que  ainda  hoje 
tem  na  fronteria,  foi  fundada  pelo  povo  em 
1742  e  por  consequência  era  publica,  mas, 
caindo  em  grande  abandono  com  o  decor- 
rer do  tempo,  lançaram  mão  d'ella  os  donos 
da  casa  de  Santa  Eulália,  contigua  á  pobre 
capellinha. 

Até  1824  nVIla  costumava  resar  o  terço  á 
noite,  com  grande  concurso  de  povo,  José 
Paes  d'Almeida,  pharmaceutieo  muito  reli- 
gioso;— d'ali  costumava  também  sair  em  pro- 
cissão a  visitar  os  Passos— e  todos  os  annos 
o  mesmo  bemfeitor  e  protector  d'esta  capel- 
linha D'ella  festejava  com  missa  cantada  e 


sermão  a  podroeira,  o  que  tudo  acabou  no 
mencionado  anno  com  a  morte  do  piedoso 
pharmaceutieo. 

13.  ° — Capella  da  Balsa,  particular,  da  in- 
vocação de  Nossa  Senhora  e  do  Santíssimo 
Coração  de  Jesus. 

Demora  na  Balsa;  pertence  ao  rev."»  sr. 
Padre  Antonio  Ferreira  d'Almeida,  secreta- 
rio da  camará  ecclesiasiiea;— é  moderna  e 
muito  elegante — e  tem  Santíssimo  perma- 
nente. 

Foi  fundada  em  1884  e  inaugurada  com 
pomposa  festividade  em  2  d'abril  do  mesmo 
anno.  O  seu  altar  é  privilegiado  in  perpe- 
tuim,  com  indulgência  plenária.  Tem  uma 
rica  imagem  da  padroeira,  imagem  feitai  na 
AUemanha,  e  duas  formosas  telas  vindas  de 
Roma— A  morte  de  S.  José  e  o  Immaculado 
Coração  de  Maria. 

14.  ° — Capella  de  Santo  Antonio  em  Cimo 
de  Villa. 

É  também  particular; — demora  no  Cimo 
de  Villa— e  pertence  ao  conde  de  Prime,  a 
cuja  casa  está  pegada. 

15.  °— Capella  de  Nossa  Senhora  do  Pran- 
to. Demora  também  no  Cimo  de  Villa,  na 
rua  de  S.  Martinho,  continuação  da  rua  Di- 
reita—e foi  fundada  pelos  moradores  da  di- 
eta rua  em  1746,  como  diz  uma  inscripção 
que  tem  na  frente  e  que  é  textualmente  a 
seguinte  : 

HOC  PLATEAE  CIVES  HUJUS  P08UERE  SACEI.- 
LUM, 

SuMPTiBUS,  Alma,  suis,  suscipe  vota 
Parens. 

Em  vulgar:  tOs  cidadãos  d'esta  rua  fize- 
ram esta  capellinha  à  sua  custa.  Virgem 
Mãe,  acceitae  seus  votos.» 

Era  pois  a  dieta  capella  evidentemente 
publica  e  publica  deve  considerar-se  ainda, 
posto  que,  ha  annos,  os  donos  das  casas 
contíguas,  hoje  pertencentes — a  do  lado  de  ci-* 
ma  ao  commendador  Duarte  d'Almeida  Lou- 
reiro e  Vasconcellos, — e  a  do  lado  de  baixo 
a  Nicolau  Cabral  de  Mello  e  Abreu  Maga- 
lhães, residente  em  Papisios,  concelho  do 
Carregal, — talvez  por  haverem  feito  na  po- 
bre capellinha  alguns  reparos,  abriram  Q'ella 


VIS 


VIS  1561 


portas  de  comraunicação  para  as  dietas  ca- 
sas,— D*ella  mandam  celebrar  missas  como 
em  Capella  sua— e  ambos  teem  chave  para 
poderem  abril-a  quando  lhes  aprouver, — 
tudo  isto  com  anouencia  dos  moradores  da 
dieta  rua,  legítimos  donos  da  capellinha. 

Foram  extraordinariamente  pomposas  as 
festas  da  inauguração  em  1746,  como  pode 
ver-t^e  do  folheto  que  Francisco  Coelho  de 
Carvalho  publicou,  descrevendo-as,  em  1747. 

Intitula-se  o  dicio  folheto: — Relação  breve 
■das  festas  que  se  c^ilebiaram  na  cidade  de  Vi- 
ieu,  feitas  em  louvor  da  Virgem  Nossa  Se- 
nhora do  Pranto,  n'este  anno  de  1746.  Lis- 
i)oa,  1747,  4.°  de  16  pag. 

Veja-se  o  tomo  2.°  do  supplemento  ao 
Diccionario  Bibliographico  de  Innocencio  e 
a  Memoria  ms.  de  Francisco  Manuel  Correia. 

16.°— Capella  de  S.  Caetano,  na  quinta  de 
S.  Caetano,  defronte  de  Viseu,  a  400  melros 
de  distancia,  pertencente  á  viscondessa  d'eâte 
titulo.  É  antiga  e  muito  pequena;— foi  fun- 
dada por  um  ecclesiasiieo  da  família,  a  quem 
os  paes  ou  avós  da  viscondessa  de  S.  Cae- 
tano a  compraram — e  pertence  ao  termo  da 
freguezia  de  Ranhados,  uma  das  annexas  da 
Sé. 

Ha  em  Viseu  também  vários  oratórios, 
onde  86  diz  missa  por  concessões  apostóli- 
cas. Não  08  mencionamos  por  estarem  no 
interior  das  casas. 

Tamhem  no  tópico  relativo  à  cathedral 
mencionaremos  as  capellas  que  ha  no  inte- 
rior d'ella  e  nos  claustros. 

Templos  extinctos 

l.^—A  egreja  dos  frades  capuchos  do  con- 
vento de  Santo  Antonio. 

Era  um  bom  templo,  mas,  depois  que  se 
extinguiram  as  ordens  religiosas  e  se  arvo- 
rou o  dicto  convento  em  quartel  militar,  foi 
profanada  a  egreja  e  transformada  em  casa 
d'arrecadação  pelos  vândalos  d'este  século 
das  luzes  ?  I . . . 

Veja-se  o  tópico  relativo  aos  conventos. 

'i."— Egreja  de  S.  Martinho,  na  rua  d*este 
come. 

Era  um  templo  venerando  pela  sua  anti- 
guidade e  tradições. 


I    Já  existia  em  1385,  quando  Jeronymo  Bra- 
I  vo  e  sua  mulher  Isabel  d'Almeida  institui- 
i  ram  nas  suas  casas,  contíguas  á  dieta  egreja, 
j  um  hospital  ou  gafaria,  intitulado  Hospital 
das  Chagas  de  Nosso  Senhor  Jesus  Christo. 
I     Veja  se  o  tópico  relativo  á  Misericórdia. 
A  dieta  egreja  linha  pia  baptismal  e  foi 
matriz  de  parte  das  povoações  ruraes,  que 
era  1808  se  arvoraram  em  freguezías  anne- 
xas,  das  quaes  se  fez  já  menção. 

Até  o  meado  d'e.^le  século  servia  de  Ca- 
pella ao  díeto  hospital,  mas,  depois  que  os 
doentes  se  transferiram  para  o  Hospital  No- 
vo, ficou  a  pobre  egreja  em  abandono,  ca- 
hiu  em  ruinas  e  d'ella  hoje  nada  resta,  por- 
que foi  demolida  em  1876. 

Tinha  galilé  ou  átrio  coberto  á  entrada — 
e  um  púlpito  riquíssimo,  em  forma  de  cá- 
lix, feito  por  dois  monolitos  de  mármore  da 
Arrábida,  que  d'ali  mandou  expressamente 
conduzir  o  bispo  D.  João  de  Mello,  approxi- 
madamente  era  1675,  para  púlpito  da  Sé,  on- 
de esteve  até  que  o  rev.  cabido,  na  stulla  re- 
forma e  transformação  que  operou  na  Sé, 
durante  a  vacância  de  1720  a  1740,  tirou  da 
Sé  o  dicto  púlpito,  ainda  hoje  talvez  o  me- 
lhor de  Viseu,  e  colloeou-o  na  obscura  e  po- 
bre egreja  de  S.  Martinho  extra-muros?*....^ 
Não  terminou  porem  aqui  o  fadário  do 
pobre  púlpito,  pois  em  1875  a  camará  o  re- 
moveu para  a  eapella  do  cemitério  munici- 
pal, onde  se  vé  hoje  com  a  mesma  apparen- 
cia  e  formato  que  linha,  mas  partido  e  com 
muitos  fragmentos  Collados,  porque  o  pe- 
dreiro encarregado  da  remoção  era  tão  es- 
túpido e  foi  tão  desleixado,  que  o  despeda- 
çou!... 

A  dieta  egreja  ou  eapella  de  S.  Martinho 
era  pouco  espaçosa;— linha  um  só  altar — e 


1  Veja-se  o  tópico  relativo  à  Cathedral; 
entretanto  diremos  que  o  mármore  do  pobre 
púlpito  ó  igual  ao  do  altar-mór  e  da  pia  ba- 
ptismal da  Sé  e  das  2  pias  d'agua  benta, — e 
que  foi  todo  mandado  vir  da  Arrábida  pelo 
mesmo  bispo,  como  diz  o  Padre  Sousa,  no 
seu  Catalogo  dos  Bispos  de  Viseu,  tomo  3.» 
íl.  88. 

Veja-se  também  adiante  no  nosso  Catalogo 
dos  bispos  visienses  o  tópico  relativo  a  D, 
João  de  Mello. 


1562  VIS 


VIS 


n*ella  havia  uns  quadros  pequenos  de  bas- 
tante merecimento,  que  foram  removidos 
para  a  sacristia  da  Sé. 

2."— Capella  de  Nossa  Senhora  da  Lapa. 

Esteve  no  terreiro  da  Erva,  é  pequena  e 
está  defronte  da  capella  da  Senhora  dos  Re- 
médios. 

V.  tópico  anterior  n."  12. 

Foi  instituída  por  José  Paes  d'Almeida,  o 
piedoso  pharmaceutieo,  de  quem  já  Azemos 
menção  no  tópico  relativo  á  capella  de  Nossa 
Senhora  dos  Remédios,  da  qual  foi  insigne 
bemfeitor,  bem  como  d.'e8ta  da  Lapa,  que 
por  morte  d'elle  ficou  em  abandono, — caiu 
em  ruinas  —  e  hoje  está  quasi  desfeita I... 

4.° — Capella  de  Nossa  Senhora  da  Victo- 
ria, no  rocio  de  Santo  Antonio,  hoje  Passeio 
de  D.  Fernando. 

Era  uma  das  mais  luxuosas  e  mais  for- 
mosas eapellas  de  Viseu. 

Foi  fundada  em  1605  pelo  cónego  Antonio 
d' Almeida  Abreu,  que  sobre  a  porta  d'ella 
collocou  dois  escudos  com  brasões  differen- 
tes. 

Em  1733  foi  doada  pelo  cabido,  sede  va- 
cante,  aos  irmãos  da  ordem  3.*  de  S.  Fran- 
cisco. 

Tem  uma  frente  fleganle  e  n'ella  a  inscri- 
pção  seguinte : 

Esta  capella  da  Senhora 
DA  Victoria  mandou  fa- 
zer e  DOTOU  POR  SUA  DE- 
VOÇÃO o  CÓNEGO  Antonio 
d'Almeída  Avreu 
1605 

Para  evitarmos  repetições,  vejà-se  o  n." 
6."  do  topieo  relativo  aos  edifícios  públicos 
brasonados. 

^."—Capella  de  S.  Domingos. 

Era  aniiquissima  e  foi  profanada  ha  an- 
nos,  tendo  sido  restaurada  anteriormente 
varias  vezes.  Em  1724  foi  reconstruída  a 
fundamenlis  e  D'ella  se  collocaram  por  essa 
oceasião  as  armas  que  ainda  hoje  tem  no 
cunhal  do  frootispicío,  lado  E. 

No  mesmo  frontispício  se  vê  a  inscripção 
seguinte : 


Esta  Capella  do  Patriarcha 
S.  Domingos  he  de  João 
d'Almeida  e  Mello,  por 

TER  sido  DE  SEU  AVÔ  MON- 
TEIRO Mor  Alvaro  de  Carvalho 
Vasconcellos  Snr.  da  quinta 
DE  Santo  Estevão, 

QUE  A  RESTAUROU 

Este  João  d'Almeida  e  Mello,  senhor  da 
quinta  de  Santo  Estevão,  também  a  reno- 
vou, e  extíncta  a  sua  família,  foi  vendida  com 
a  casa  fronteira  ao  dr.  Francisco  Barroso, 
cujos  herdeiros  a  possuem,  mas  já  profana- 
da. O  seu  bello  retábulo  de  talha  dourada 
foi  dado  ao  rev.  cura  da  Sé,  João  Nunes,  da 
freguezia  Oriental  de  Viseu,  que  o  aprovei- 
tou 6  mandou  dourar  de  novo,  para  o  altar 
de  Santa  Rita  do  claustro  da  Sé,  que  foi 
queimado  e  estava  abandonado.  Este  zeloso 
ecclesiastico  reslaurou-o  de  novo  à  sua  custa 
6  com  donativos  de  alguns  devotos,  n'este 
anno  de  1887,  addiccionando-lhe  duas  bel- 
las  imagens  dos  Sagrados  Corações  de  Je- 
sus e  Maria,  sendo  feita  a  inauguração  d'este 
aliar  com  uma  pomposa  festividade  no  mez 
de  julho  do  corrente  anuo  de  1887. 

V.  sobre  a  capella  de  S.  Domingos  o  tó- 
pico Edifícios  públicos  brasonados  supra  n.» 
7,  e  o  tópico  Edifícios  brasonados  particula- 
res, n."  11. 

6." — Capella  de  Santa  Christina—e  depois 
também  —  Capella  de  Santo  Amaro,  —  no 
Campo  de  Santa  Chri-stiua,  que  tomou  d'ella 
o  nome  (hoje  Largo  de  Alves  Martins)— jun- 
to da  egreja  de  Nossa  Senhora  do  Carmo. 

Sumiu-se  na  nouie  dos  tempos  a  memo- 
ria da  fnndação  d'esta  anliquissima  capella 
de  Santa  Christina,  que.  depois  também  se 
denominou  capella  de  Santo  Amaro,  por  se 
festejar  ali  também  com  grande  pompa  este 
santo. 

D'ella  se  utílisaram  primeiramente  os  ir- 
I  mãos  3.'"  de  S.  Francisco,  desde  1729  até 
1733, — e  depois  os  3."'  de  Nossa  Senhora  do 
Carmo,  por  doação  do  cabido,  desde  1733 
até  1738,  data  em  que  já  estaria  profanada 
e  se  transferiram  as  imagens  para  a  egreja 
do  Carmo,  ficando  a  capella  servindo  de  casa 


VIS 


VIS  1563 


de  arrecadação  dos  objectos  pertenceotes  à 
dieta  ordem. 

Tioha  a  capeiia  oa  sua  frente  uma  galilé, 
ou  átrio  coberto,  e  no  chão  d'elle  se  encon- 
trou enterrado  em  1818  um  tumulo  ou  cai- 
xão de  pedra  que  exhalava  um  cheiro  seme- 
lhante ao  do  gaz  hydrogenio  sulphurisado. 
O  caixão  era  de  pedra  inteiriça;  dentro 
.  d'elle  apenas  se  encontrou  ua?a  matéria  es- 
branquiçada,— adipoeira, —  semelhando  um 
mixto  de  gordura  e  cera, — e  no  dicto  caixão 
86  lia  o  epitaphio  seguinte  : 

Maelo  Bo 
VTi.  F.  Tap. 

ANNO.  LX.  H. 
S.  E.  S.  T.  T.  LEVIS. 
FiLI.  F.  C. 

Traducção  de  Berardo;— «Mello  Tapsio. 
filho  de  Boucio,  tendo  sessenta  annos,  foi 
aqui  sepultado.  A  terra  lhe  seja  leve. 

O  filho  lhe  mandou  fazer  esta  sepultura.» 

Esta  Capella  estava  em  um  olival  confi- 
nante pelo  sul  com  uma  quinta  em  parte 
foreira  ao  cabido,  e  que  foi  de  Custodio  José 
da  Silveira,  da  familia  dos  antigos  manpos- 
teiros  da  rua  Direita.  Pertence  hoje  a  dieta 
quinta  ao  visconde  do  Serrado. 

O  mesmo  olival  deu  antigamente  o  nome 
à  rua  próxima— e  n'elle  se  edificou  também 
a  egreja  e  casa  da  ordem  3."  de  Nossa  Se- 
nhora do  Carmo,  que  hoje  pelo  nascente 
confinam  com  o  mencionado  Largo  d'Alves 
Martins- e  pelo  poente  confinavam  com  a 
estrada  que  vem  do  bairro  de  S.  Martinho 
para  o  dicto  largo. 

7 ."—Capella  de  Santa  Christina, — outra. 

Demorava  no  cimo  da  rua  da  Regueira ; 
pertencia,  bem  como  a  casa  contígua,  do  la- 
do do  nascente,  aos  Nerys  ou  congregados,  e 
fez  parte  integrante  da  cerca  d'elles  (hoje 
cerca  do  seminário)  até  1868,  data  era  que 
se  abriu  a  nova  estrada  a  macadam  de  Vi- 
seu a  Mangualde,  passando  por  ali  e  repa- 
rando da  quinta  a  dieta  capella  e  casa.  Foi 
então  demolida  a  capella,  ficando  só  a  casa, 
que  vem  a  ser  a  ultima  ao  eimo  da  rua  da 
Regueira. 


Na  dieta  capella  e  casa  viveram  os  primei- 
ros congregados  de  Viseu  70  annos,— de 
1689  até  1759,  data  em  que  se  transferiram 
para  o  seu  convento,  hoje  Seminário. 

Veja-se  o  tópico  relativo  aos  Convénios  e 
ao  Seminário. 

A  extincta  capella  tinha  de  comprimento 
35  palmos,— 20  de  largura— e  depois  de  1814 
n'ella  fuoccionou  algum  tempo  a  escola  re- 
gimental de  infanieria  n."  11. 

S."— Capella  de  S.  Lazaro,  na  rua  d'est6 
nome. 

Ignora-se  quando  e  por  quem  foi  funda- 
da, mas  de  uma  doação  feita  por  Domingos 
Martins  à  casa  dos  gafos,  em  19  d'abril  de 
1296,*  vé-se  que  já  então  existia  esta  capel- 
linha,  parle  integrante  da  gafaria  de  Viseu 
e  que,  segundo  o  costume,  devia  estar  fóra 
da  cidade  e  distante  d'ella. 

Nos  princípios  da  monarchia  abundavam 
em  Portugal  os  leprosos  ou  gafos,  pelo  que 
em  muitas  povoações  — e  sempre  a  distan- 
cia d'ellas,  se  fundaram  gafarias  ou  lazare- 
tos, pequenos  hospitaes  destinados  para 
aquelles  infelizes,  mas  com  o  tempo,  com  a 
mudança  da  alimentação  e  do  vestuário» 
principalmente  com  a  substituição  das  rou- 
pas de  lã  pelas  de  linho  e  coro  o  uso  do  as- 
sucar,  desappareceu  aquella  medonha  e  as- 
querosa enlermidade  e  com  elia  desappare- 
ceram  também  as  gafarias.  São  hoje  feliz- 
mente raros  entre  nós  os  indivíduos  aíTecta- 
dos  de  lepra,  comludo  ainda  no  Porto  se 
veem  alguns  no  Recolhimento  dos  Lázaros^ 
e  em  Coimbrã  no  Hospital  dos  Lázaros  Um- 
bem. 

Alem  d'aqúella  doação,  recebeu  outras  es- 
te hospital  de  Viseu  e  tinha  diversos  prasos 
e  algumas  rendas  ainda  nos  princípios  d'este 
século,  mas,  como  já  restasse  apenas  a  ca- 
pellioha,  prestes  a  desabar  com  o  peso  dos 
annos,  por  provisão  de  18  de  maio  de  1813 
foi  a  camará  auctorisadaparaemprasar,  co- 


1  N  B.--Reft-rimo-nos  sempre  anno  do 
nascimento  de  Christo,  quando  nas  datas  não 
fazemos  expressa  menção  de  era,  ou  era  de 
Cesar,  que  adianta  mais  38  annos,  como  to- 
do o  mundo  sabe. 


1564  VIS 


VJS 


mo  emprasou,  aquelle  terreno,  ao  negoeianle 
Antonio  da  Silva,  pelo  fôro  de  400  réis  an- 
cuaes.  Este  emphiteuta  a  demoliu  e  no  chão 
d'ella  fez  uma  casa,  unida  a  outra  que  jà  ali 
tinha  ao  sul  da  capella. 

De  uma  provii^ão  de  D.  João  III,  com  data 
de  29  de  novembro  de  1526  parece  depre- 
heuder-se  que  em  Viseu  não  havia  hospital 
de  lázaros,  mas  a  doação  de  1296  prova  evi- 
dentemente o  contrario. 

Ainda  no  archivo  da  camará  existe  o  tom- 
bo d'aquelles  prazos,  feito  em  1564,  mas  o 
sen  rendimento  tem  sido  muito  cerceado  e 
hoje  está  reduzido  a  pouco  mais  de  zero  t... 

D.  João  III  mandou  entregar  aquellas  ren- 
das à  Mise,rÍL'ordia,  mas  a  camará  ainda  hoje 
as  administra  e  com  ellas  paga  a  um  capei- 
Ião  e  certas  mercieiras  ou  beatas  que  assis 
tem  ás  missas  e  resam  pela  alma  de  quem 
lhes  deixou  as  esmolas, 

V.  Hospilaes. 

9." — Capella  de  S.  Luiz  rei  de  França. 

Demorava  na  Ribeira,  junto  da  capella 
actual  de  Nossa  Senhora  da  Conceição,  lado 
E.; — linha  a  porta  em  fórma  de  arco—eera 
antiquíssima  I  D'ella  hojo  apenas  restam  as 
paredes. 

Veja-se  o  tópico  relativo  á  capella  àe  Nos- 
sa Senhora  da  Conceição. 

Quando  no  tempo  d'el-rei  D.  Duarte  a 
grande  feira  se  mudou  da  Cava  de  Viriato 
para  esie  campo  da  Ribeira  ou  da  Feira — e 
do  dia  de  S.  Jorge,  23  d'abril,  para  o  de  S. 
Matheus,  21  de  setembro,  colloeou-se  a  ima- 
gem de  S.  Matheus  na  pobre  capella  de  S. 
Luiz,  da  qual  passou  com  a  do  seu  orago 
para  a  de  Nossa  Senhora  da  Conceição,  on- 
de se  vê  hoje  ainda. 

10.» — Capella  de  S.  Jorge  na  Cava  de  Vi- 
riato. 

Foi  uma  das  capellas  mais  antigas  de  Vi- 
s«u;  ignora-se  quando  e  por  quem  foi  fun- 
dada, mas  com  certesa  já  existia  no  século 
XV,  pois  o  infante  D.  Henrique  ^  (o  de  Sa- 
gres, filho  d'el-rei  D.  João  I)  sendo  duque  de 
Viseu,  dotou  a  dieta  capella  de  S.  Jorge, 
para  que  todos  os  sabbados  n'ella  se  cele- 


1  Falleceu  em  1460. 


brasse  uma  missa  cantada  e  para  que  o  ca- 
bido a  visitasse  em  procissão  no  dia  da  festa 
do  orago. 

Foi  S.  Jorge  um  valente  militar  e  um  dos 
martyres  da  fé  no  tempo  do  imperador  Dio- 
cleciano, nos  princípios  da  10.»  persegui- 
ção geral  da  egreja, — perseguição  que  teve 
o  seu  começo  no  aooo  300  de  Ghristo. 

Morreu  como  um  heroe; — como  tal  o  ve- 
neram christãos  e  mahometanos; — muitas 
nações  o  tomaram  por  defensor  e  patrono, 
taes  foram  a  Inglaterra  e  a  França,  Portu- 
gal e  a  Hespanha, — e  como  guerreiro  e  de- 
fensor o  invocavam  outr'ora  nas  batalhas  e 
hasteavam  o  seu  pendão  nas  fortalezas.  Foi 
sem  duvida  este  o  motivo  porque  lhe  erigi- 
ram uma  capella  dentrn  dos  muros  da  6'am, 
talvez  quando  os  visienses  ali  se  acolheram 
em  1065,  depois  da  morte  de  D.  Fernando 
Magno,  rei  de  Leão  e  Gastella,  abandonando 
a  cidade,  por  nào  poderem  defendel-a  das 
investidas  dos  mouros  e  passando  a  viver^ 
como  viveram  muitos  annos,  na  dieta  Cava, 
ainda  então  toda  circuitada  de  muros  (gran- 
des marachões  de  terra)  com  4  portas  e 
muito  defensável  para  o  tempo  d'armas 
brancas.  Apezar  d'isto,  não  havendo  docu- 
mento que  prove  tanta  antiguidade  da  ca- 
pella de  S.  Jorge,  parece  provável,  que  ella 
fosse  fundada  pela  dynasiia  joanina  dos  nos- 
sos reis;  porque  consta  de  escripiores  gra- 
ves, que  o  culto  de  S.  Jorge  em  Portugal  e 
o  ser  invocado  pelos  poriuguezes  como  pro- 
tector nas  batalhas,  pelo  que  depois  o  in- 
troduziram até  nas  proci:*8Ões  do  Corpo  de 
Deus,  data  da  vinda  da  rainha  ingleza  D. 
Philipa  de  Lencastre,  mulher  de  D.  João  I. 
Trouxe  ella  comsigo  muitos  inglezes,  que 
cá  se  estabeleceram;  iniroduziram  se  por  es- 
sa época  muitos  hábitos,  usos  e  até  palavras, 
e  appellidos  inglezes,  como  por  exemplo 
Lencastre  Falcão  e  outros  muitos,  e  d'ahi 
veiu  o  nome  d'el-rei  D.  Duarte^  filho  d'esta 
rainha,  o  qual  não  se  usava  entre  nós  e 
muito  menos  na  família  real.  E  como  D. 
João  I  e  sua  mulher  estiveram  algum  tempo 
em  Viseu,  pois  lá  viu  a  luz  o  seu  filho  pri- 
mogénito D.  Duarte,  é  provável  que  a  fun- 
dação da  capella  de  S.  Jorge  seja  d'esta  data 
ou  do  tempo  do  mfante  D.  Henrique,  1.»  du- 


VIS 


VJS  1565 


que  de  Viseu,  e  que  em  Viseu  morou  e  re- 
sidiu por  diíTerentes  vezes. 

O  doeumento  atraz  citado  do  infante  D. 
Henrique  em  nada  contradiz  esta  opinião. 
Demais,  nos  primeiros  séculos  da  monar- 
ehia  invocavam  S.  Thiago,  o  patrono  das 
Hespanhas,  nas  batalhas,  e  nunca  S.  Jorge,  o 
que  parece  confirmar  lambem  esta  opinião, 
mas  oppõe-se-lhe  o  que  dizemos  no  fim  d'este 
tópico  e  o  que  já  dissemos  supra,  fallando 
ãa.  grande  feirai . 

Com  o  tempo  arruinou-se  a  capeliae  pas- 
saram os  seus  encargos  para  a  eaihedral, 
mas  já  em  1618  se  n5o  cumpriam,  como 
consta  do  Livro  das  missas  do  cabido,  re- 
formado n'aquelle  anno. 

Ficou  pois  em  completo  abandono  a  dieta 
Capella,  já  com  a  falia  de  cumpriraenio  d'a- 
quelle  legado,  jà  com  a  remoção  da  feira 
franca,  ou  de  S.  Jorge,  para  o  campo  exte- 
rior, conliguo  á  Cava,  onde  se  fizera  sem 
pre,— já  com  a  mudança  da  dicia  feira  do 
dia  da  festa  de  S.  Jorge,  23  d'abril,  pelo  que 
lambem  se  denominava  Fe?ro  de  S.  Jorge, 
para  o  dia  21  de  setembro,  dia  do  apostolo 
S.  Matheus,  pelo  que  a  grande  feira  passou 
a  denominar-se  e  ainda  hoje  se  denomina 
Feira  de  S.  Matheus.  Com  esta  mudança  a 
pobre  capellinha  soffreu  muito,  pois  quando 
a  grande  feira  se  fazia  em  volta  d'ella,  a 
principiar  no  dia  da  festividade  de  S,  Jorge, 
era  visitada  por  milhares  de  feirantes  e  d'el- 
les  recebia  muitas  esmolas  I 

Se  a  feira  lucrou  com  a  mudança,  a  ca- 
pellinha perdeu  ;— ficou  em  abandono— e 
d'ella  hoje  apenas  resta  a  memoria. 

Prevaleceu  a  feira  e  desappareceu  a  Ca- 
pella que  havia  dado  a  origem  e  o  primi- 
tivo nome  á  dieta  feira,  como  dissemos  no 
logar  citado.  Vide.  Ora,  datando  a  dieta  feira 
de  1188,  como  alguém  diz,  e  sendo  creada, 
como  suppomos,  em  attenção  á  grande  con- 
corrência de  povo  por  occasião  da  festa  e 
romaria  de  S.  Jorge,  orago  da  capellinha, 
segue  se  que  era  anterior  a  1188  e  que  hoje 
contaria  pelo  menos  699  annos ! . . . 

Veja-se  o  tópico  Feiras  e  mercados  su- 
pra. 

VOLUME  XI 


Via  Sacra 

É  muito  antiga  e  demora  era  sitio  alegre 
e  vistoso,  sobranceiro  a  Vi?eu,  lado  orien- 
tal, extra  muros,  a  egreja  da  Via  Sacra  ou 
de  S.  Francisco  das  Chagas;  igoora-se  po- 
rem a  data  da  fundação  doeste  templo  que, 
pela  sua  archiieciura,  mostra  não  ser  ante- 
rior ao  século  xv,  segundo  se  lê  nas  Memo- 
rias de  Berardo. 

Pertence  á  irmandade  ou  confraria  de  S. 
Francisco  das  Chagas,  extra-muros,  que  per- 
deu os  seus  antigos  estatutos  e  presente- 
mente se  rege  por  um  compromisso  appro- 
vado  em  1780. 

Deu-se  a  esta  egreja  ou  capella  o  titulo  de 
Via  Sacra,  porque  desde  tempos  muito  re- 
motos costumavam  os  irmãos  da  ordem  3.* 
de  S.  Francisco  ir  da  sua  egreja  até  aquella 
todos  08  annos,  nas  sextas  feiras  da  quares- 
ma, visitar  ou  percorrer  a  Via  Sacra,  sem- 
pre com  grande  concurso  de  povo,  princi- 
'  piando  este  devoto  exercicio*na  egreja  dos 
irmãos  3.°',  sita  no  Largo  de  Santo  Antonio, 
e  terminando  na  dieta  egreja  da  Via  Sacra 
ou  de  S.  Francisco,  'extra-muros,  para  o  que 
levantaram  ao  longo  do  caminho  uma  serie 
de  erandes  cruzes  de  pedra,  desde  um  até 
o  outro  templo. 

A  dieta  irmandade  de  S.  Francisco  das 
Chagas  tem  muitas  indulgências  e  no  dia  10 
de  março  um  jubileu  para  os  irmãos,  sem- 
pre muito  concorrido. 

S.  Miguel  do  Fetal 
e  o  Tumulo  de  D.  Rodrigo 

Demora  este  templo  ao  sul  e  extra-muros 
de  Viseu,  no  largo  de  S.  Miguel,  de  que  jà 
fizemos  menção,  e  di^ta  das  ultimas  casas 
da  cidade  ou  da  rua  de  S.  Miguel  100  metros; 
cerca  de  400  metros  para  o  sul  da  Sé;  500 
do  Paço  episcopal  de  Fontello  para  O.  S.  O.; 
—500  da  margem  esquerda  do  Pavia  para 
sul,— e  200  da  nova  estrada  real  a  maca- 
dam  n.°  43,  de  Viseu  a  Mangualde,  para  o 
norte— tudo  isto  approximadamenie 


1  Desculpem-Qos  estas  mínudencias, 

99 


1566  VIS 


VIS 


IgDora-se  quando  e  por  quem  foi  fundada 
esta  egreja,  mas  todos  concordam  em  que 
data  de  tempos  muito  remotos  e  que— pelo 
menos  temporariamente— foi  Sé  de  Viseu  e 
residência  dos  seus  prelados  e  cónegos  an- 
tes da  fundação  da  nossa  monarchia;  i  era 
porem  um  templo  muito  humilde  e  mais  pe- 
queno do  que  o  actual,  quando  o  bispo  D. 
Jeronymo  Soares,  pelos  annos  de  1719  de- 
terminou restaural  a  e  deu  principio  às 
obras,  mas,  failecendo  em  18  de  janeiro  de 
1720,  depois  o  cabido  na  vacância  immediata 
proseguiu  com  as  obras  à  custa  das  rendas 
da  mitra,  concluindo  ia  restauração  em  1735. 

Interiormente  tem  3  altares; — a  velha  pia 
baptismal  do  tempo  em  que  foi  Sé  e  paro- 
ehia; — o  pretenso  tumulo  de  D.  Rodrigo  na 
Capella  mor,  do  lado  da  epistola  ^ — e  exte- 


que  se  os  visienses  todos  sabem  perfeita- 
menie  onde  demora  a  antiquíssima  egreja  de 
S.  Miguel  do  Fetal,  um  dos  templos  mais  no- 
táveis de  Viseli  pela  sua  antiguidade  e  tra- 
dições e  pela  lenda  do  tumulo  de  D.  Rodri- 
go, poucos,  muito  poucos  dos  historiadores 
que  faliam  d'ella  sabem  onde  ella  demora,  e 
de  um  momento  para  o  outro  pode  desap- 
parecer. 

Ainda  est'anno  de  1887  um  nosso  amigo 
residente  em  Lisboa,  para  satisfazer  a  um 
pedido  de  certo  cônsul  estrangeiro,  residente 
em  Lisboa  também,  nos  perguntou  onde  de- 
morava a  pobre  egreja  e  se  ainda  lá  se  con- 
servava o  tumulo  de  D.  Rodrigo  1 

N'este  mesmo  dici^ionario.  que  acceitei 
indo  a  meio  do  artigo  Vianna  do  Castello,  o 
meu  antecessor  (Deus  lhe  perdoe!)  disse  que 
a  egreja  onde  se  suppõe  que  demora  o  tu- 
mulo de  D.  Rodrigo  era  a  do  Feital,  conce- 
lho de  Trancoso,  distante  de  Viseu  dez  lé- 
guas,— aliás  60kilomeiros para  E. N.  E.?l... 

V.  Feital,  tomo  3.»,  pag.  161,— e  Naza 
reth,  (Nossa  Senhora  de)  tomo  VI,  pag.  20, 
col.  2.*,  linha  8.» 

*  Alguém  chega  a  dizer  que  foi  a  primeira 
Sé  e  a  primeira  parochia  da  cidade  de  Vi- 
seu, mas  nós  não  concordamos. 

Veja-se  o  tópico  relativo  a  cathedral. 

2  Assim  o  encontramos  na  interessante 
Memoria  de  Francisco  Manuel  Correia,  mas 
Fr.  Bernardo  de  Brito  em  1609  e  o  dr.  Ma- 
nuel Botelho  em  1630  disseram  que  o  men- 
cionado tumulo  estava  do  lado  do  Evange- 
lho l...  Talvez  o  mudassem  na  restauração 
da  egreja,  pois  hoje  (1887)  está  do  lado  da 


riormente  na  sua  fronteria  as  elegantes  ins- 
cripções  seguintes : 
Ao  nascente  : 

HaC  MiCHAEL  PrINCEPS  COELESTIS  IN 
AEDE  PATEONUS, 
HUMANUM  A  PBISCO  PROTE- 
GI! HOSTE  GENUS. 

DUX  QOIA  SUPREMOS  COEU  QDE 

MlNISTER  HABETUR, 
MiSSILIS  HASTA  DECET,  PÊNDULA 
LIBRA  MANUS. 

Ao  poente : 

quo  posuit  veterem  prior  urbe 

paroecia  sedem 
hog  factum  est  templum,  se- 
de vagante  novum 

Annos  mille  supra  nume- 

RANTUR  SAECULA  SEPTEM 

Lustra  que,  gum  sedes  gondere 
jussiT  opus. 

Em  vulgar:  •  Miguel,  príncipe  celeste,  ora- 
go  d'este  templo,  defende  o  género  humano 
do  antigo  inimigo. 

«Porque  é  tido  como  general  supremo  e 
ministro  do  eeu,  convem-lhe  a  arrenaeçado- 
ra  lança  e  a  mão  com  a  balança  pendente. 

«Este  novo  templo  foi  edificado  em  sè  va- 
ga, 1  onde  a  primeira  parochia  de  Viseu  teve 
a  sua  antiga  séde. 

« Conta vam-se  sete  séculos  e  sete  lustros  ' 


epistola,  como  a  nosso  pedido  pessoalmente 
verificou  o  sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Men- 
donça Falcão,  nosso  principal  Cyreneu  n'este 
artigo. 

1  Esta  vacância  durou  vinte  annos,  desde 
a  morte  de  D.  Jeronymo  Soares  em  i720, 
até  á  nomeação  de  D.  Julio  em  1740. 

2  Lustro  do  latim  lustrum  é  o  período  de 
5  annos  completos,  pelo  que  a  data  supra 
corresponde  a  1735  e  não  a  .1728  como  al- 
guém pretende,  contando  o  lustro  como  pe- 
ríodo de  4  annos,  segundo  se  lé  no  Diccio- 
nario  Ecclesiastico  de  Ximenes  Arias,  folha 
178,  v. 


VIS 


VIS  1567 


sobre  mil  anoos,  quando  o  cabido  mandou 
fazer  esta  obra.» 

Data  pois  de  1735  a  ultima  restauração 
d'este  templo,  pois  devia  ter  sido  restaurado 
mais  vezes,  porque  já  era  1110  o  conde  D. 
Henrique  de  Borgonha  o  doou  para  calhe- 
dral  com  certos  passaes,  ou  terrenos  adja- 
centes, a  D.  Theodonio,  então  prior  e  gover- 
nador d'este  bispado  de  Viseu  por  nomea- 
ção de  D.  Mauricio,  bispo  de  Coimbra,  a 
quem  Paulo  11  em  1101  enearregára,  como 
a  bispo  mais  próximo,  o  governo  dos  bispa- 
dos de  Viseu  e  de  Lamego,  ambos  então  va- 
gos ou  sem  pastor,  por  causa  da  lueta  com 
os  mouros,  a  qual  obrigou  os  prelados  de 
Viseu,  de  Lamego  e  outros  a  refugiarem-se 
nas  Astúrias. 

Veja  se  o  tópico  relativo  aos  prelados  vi- 
sienses. 

É  pois  anterior  a  1110  a  pobre  ermida  de 
S.  Miguel  do  Fetal,  então  talvez  o  único  tem- 
plo de  Viseu,  por  haver  sido  esta  cidade  ar- 
rasada e  destruída  pelos  mouros  repetidas 
vezes. 

Veja-se  o  tópico  relativo  á  cathedral. 

Parece  averiguado  que  a  pobre  ermida  foi 
Sé  de  Viseu  alguns  annos  e  que  junto  d'ella 
viveram  em  communidade  o  prior  D.  Theo- 
donio, e  talvez  outrps  priores  com  os  cóne- 
gos visienses,  que  então  poucos  seriam,  mas 
também  parece  averiguado,  que  o  mesmo 
conde  D.  Henrique  e  sua  mulher  a  condessa 
e  rainha  D.  Theresa  deram  principio  á  Sé 
actual  no  recinto  da  velha  fortaleza  romana, 
junto  dos  antigos  paços  dos  reis  de  Oviedo. 

Suppõe-se  que  a  pobre  capella  escapou  á 
destruição  por  ser  um  templo  de  pouco  vul- 
to e  por  demorar  extra-muros  n^aquelle 
tempo,  ficando  talvez  profanada,  abandonada 
e  escondida  em  terreno  inculto,  no  meio  de 
um  matagal  de  fetos,  d'onde  lhe  proveiu  o 
nome  de  S.  Miguel  do  Fetal,  como  se  deno- 
mina ainda  hoje  também  Senhora  do  Pedre- 
gal uma  imagem  da  Virgem  que  se  venera 
no  altar-mór  da  Sé  de  Viseu  e  que  foi  en- 
contrada em  um  montão  de  pedras  *,—ima- 


1  Também  na  Sé  do  Porto  se  venera  ain- 


gem  ainda  hoje,  como  sempre,  da  maior  de- 
voção para  o  povo  de  Viseu. 

Nos  prineipíos  do  século  xvii,  dedicou  o  dr. 
Botelho  os  seus  volumosos  Diálogos  moraes 
e  politicos  «Á  virgem  Maria  Senhora  nossa 
da  Assumpção,  orago  da  Sé  d'ella.  Virgem 
Maria  Madre  de  Deus,  minha  mãe  e  Senhora 
Nossa.» 

Em  dois  sitios  ao  redor  de  Viseu,  indo 
para  Ranhados  e  Vil  de  Moinhos,  um  ao 
poente,  outro  ao  sul  da  Sé,  como  d'ali  por 
diante  esta  se  encobre,  quando  ali  chega  o 
povo  de  Viseu  e  subúrbios,  volta-se  para 
traz  para  avistarem  por  a  ultima  vez  a  Sé, 
dobram  o  jodho  persigoando-se,  fazem  a  sua 
mezura  e  só  depois  continuara.  Dizem  que 
esta  mezura  é  á  Senhora  do  Altar-mór,  e 
tanto  que  aquelles  dois  sitios  conservam  des- 
de tempos  antiquíssimos  até  hoje  o  nome  de 
Mezura. 

Não  sabemos  se  a  cidade  de  Viseu  ou- 
tr'ora  comprehendia  o  chão  da  egreja  do 
Fetal;  é  porem  certo  que  o  dicto  chão  foi 
povoado  no  tempo  dos  romanos,  pois  alem 
do  tumulo  romano  de  que  já  fizemos  men- 
ção, encontrado  a  pequena  distancia,  junto 
da  capella  de  Santa  Chrisíina  (veja- se  este 
tópico)  ainda  em  1853,  demolindo-se  um 
lanço  de  parede  na  sacristia  de  S.  Miguel, 
enconlrou-se  uma  lapide  sepulcral  roma- 
na, servindo  de  alvenaria,  o  que  nos  leva  a 
crer  que,  se  hoje  se  demolisse  toda  a  capella^ 
se  encontrariam  outras  lapides  semelhantes 
que  os  pedreiros  destruíram  e  empregaram 
como  alvenaria  na  reconstrucção  de  1735  e 
talvez  nas  reconstrucçòes  anteriores, —pe- 
dras que  muito  provavelmente  encontraram 
no  dicto  chão  e  que  talvez  fizessem  parte  do 
próprio  edificio  que  foi  substituído  pela  ca- 
pella em  tempos  de  que  não  ha  memoria. 

Na  lapide  encontrada  em  1853  se  lia  a 
inscripção  seguinte,  com  algumas  lettras  li- 
gadas : 


da  hoje  uma  imagem  da  Virgem  com  a  in- 
vocação de  Nossa  Senhora  da  Silva,  por  se 
encontrar  in  illo  tempore  escondida  entre 
silvedos  no  próprio  chão  da  antiga  Sé  des- 
truída pelos  mouros,— chão  onde  se  vé  hoje 
a  Sé  actual. 


1568 


VIS 


VIS 


D.  M.  S. 

SVNVAE 

Boc.  Cl.  F. 
AE.  XI. 

AMO.  E  NA, 
MATai.  PIE 

NTISSIMAE 

ET  Albin 

lANUS.  G 
ENER.  F.  C. 

Em  vulgar  : — Monumento  consagrado  aos 
Manes.  A  Sunua  \  filha  de  Bocco  2  Cina  ^,  de 
idade  de  onze  annos,  mandaram  fazer  esta 
sepultura  o  natural  amor  de  sua  mãe  piedo- 
síssima e  o  genro  Albiniano. 

Desde  os  prineipios  da  nossa  moDarehia 
a  Sé  de  Viseu  passou  da  egreja  de  S.  Mi- 
guel para  o  local  onde  hoje  se  vê,  mas  pa^ 
rece  que  a  pobre  capella  continuou  a  ser 
egreja  parochial,  d'onde  se  administravam 
os  sacramentos  aos  povos  do  aro  de  Viseu, 
como  se  administravam  ainda  em  1808, 
quando  se  crearam  as  5  annexas,  de  que  já 
fizemos  menção,  pelo  que  n'ella  e  na  de  S. 
Martinho,  mesmo  depois  da  creação  das  an- 


1  Também  se  chamava  Sunua  o  bispo 
ariano  de  Merida,  que  ao  anno  588  foi  o 
chefe  da  conjuração  dos  hereges  contra  o 
rei  Rpcaredo. 

V.  Historia  de  Hespanha  por  João  de  Ma- 
rianna,  parte  1.»  I.  6."  fl  245. 

2  Bocco  ou  Bocho  era  lambem  o  nome  do 
rei  da  Mauritânia  e  da  Getúlia,  sogro  de  Ju- 
gartha,  rei  da  Numiriia.  O  mencionado  rei 
Bocco,  andando  em  guerra  comos  romanos, 
entregou-lhes  o  genro  no  tempo  de  Silla, 
300  aonos,  A.  Ch. — Também  houve  um  ge- 
neral Boca,  enviado  em  588  por  Gutrando, 
rei  dos  franeezes,  contra  os  godos  da  Gália 
gothica,  reinando  Recaiedo. 

^  Cina  ou  Cinva  era  lambem  o  nome  do 
cônsul  romano  Lucio  Cornélio  Cinua,  sogro 
de  Julio  Ct^sar. 

Aquelle  Cinua  no  tempo  de  Silla  (anno 
87,  A.  Ch.)  foi  deposto  do  consulado  e  se  re- 
tirou de  Roma.  que  depois  foi  cercar  junta- 
mente com  Mário. 

V.  Diccion.  Hist.  de  Feller,  tomo  3.»  pag. 
162— e  De  Rep.  Rom.  fl.  328. 


nexas,  continuaram  a  ler-se  os  banhos  dos 
nubentes  do  aro,  não  sabemos  até  quando. 

Também  os  frades  capuchos,  ames  de  pas- 
sarem para  o  convento  de  Santo  Antonio  de 
Maçorim,  1  oceuparam  28  annos  (de  1613  a 
1641)  a  dieta  egreja  de  S  Miguel  e  os  seus 
amigos  passaes,  que  tinham  casa  e  (segun- 
do se  suppõe)  eram  as  terras  ao  nascente, 
*hoje  a  casa  e  quinta  dos  Cardosos  de  S.  Mi- 
guel reformada  e  que  ainda  conserva  inte- 
riormente alguns  veíítigios  de  ter  servido  de 
communidade  religiosa,  depois  de  ter  sido 
pertença  dos  passaes  da  egreja  de  S.  Miguel 
do  Fetal». 

É  isto  o  que  se  lê  na  interessante  Memo- 
ria ms.  do  infatigável  e  muito  consciencioso 
investigador  Francisco  Manuel  Correia,  pag. 
85,  mas  n'este  ponto  claudicou,  pois  segun- 
do diz  o  padre  Leonardo  de  Sousa  no  3.» 
tomo  do  seu  Catalogo  dos  Bispos  de  Viseu, 
também  ms.,  fl.  48,  y.  e  49,  os  frades  capu- 
chos residiram — não  no  passal  da  egreja  de 
S.  Miguel — mas  em  uma  quinta  próxima  (a 
tal  dos  Cardosos)  que  em  1767  era  de  Ma- 
nuel de  Mesquita  Cardoso  e  que  os  frades 
compraram  a  David  Alvares,  pedreiro  e  mes- 
tre d'obras,  por  30Uj^00O  réis;— e  em  uma 
das  casas  da  dieta  quinta  (não  do  passal) 
erigiram  logo  capella  com  a  invocação  de 
Santo  Antonio,  na  qual  disseram  a  1."  missa 
era  uma  segunda  feira,  20  de  junho  de  1633. 

Em  1855  estava  em  completo  abandono, 
fechada  e  bastante  arruinada  a  pobre  egreja 
de  S.  Miguel,  já  porque  desde  1735,  datada 
ultima  reconstrucçào,  poucas  obras  n'ella  se 
haviam  feito,  já  porque  deixou  de  ser  egreja 
parochial  desde  1808,  data  da  creação  das 
annexas  Valeu-lhe  e  salvou-a  a  benemérita 
irmandade  do  Senhor  dos  Passos  que,  estan- 
do erecta  desde  muitos  annos  na  capella  da 
Cruz,  no  claustro  da  Sé,  condoída  da  po- 
bre egreja  de  S.  Miguel,  pediu-a  ao  prelado, 
— transferiu-se  para  ella  no  dicto  anno  de 
1855 — e  nella  se  lera  conservado  até  hoje, 
reparando-a  è  tractando-a  com  toda  a  de- 
cência— e  rendendo  n  ella  culto  á  veneranda 


*  Veja-se  o  titulo  Conventos. 


VIS 

imagem  do  seu  padroeiro, — o  Senhor  dos 
Passos. 

O  tumulo  de  D.  Rodrigo 

Estamos  escrevendo  estas  linhas  no  dia  9 
de  setembro  de  1887  e  eommemorando  a 
grande  batalha  qae  em  igual  mez  e  dia  do 
anno  714  (ha  1:173  annos)  se  feriu  nas  mar- 
gens do  Guadalete  entre  D.  Rodrigo,  ultimo 
rei  dos  godos,  e  Tarik-ben-Zeyad,  mussul- 
mano. 

Variam  nas  datas  e  em  outras  muitas  cir- 
fiumstancias  os  historiadores  árabes  e  ehris- 
tãos,  fallando  d'esia  batalha;  é  porem  indu- 
bitável que  foi  decisiva  e  que  n'ellase  fez  pe- 
daços o  império  Wisigothico.  Os  godos  fica- 
ram completamente  destroçados  e  D.  Rodri- 
go, segundo  parece,  morreu  no  conflicto;  i  mas, 
como  no  campo  da  batalha  nem  fóra  d'elle 
jamais  se  encontrou  o  cadáver  do  ultimo  rei 
godo,  como  íuccedeu  com  o  nosso  mallogra- 
do  rei  D.  Sebastião  em  seguida  á  batalha  de 
Alcacer-Kivir,  formaram  se  diversas  lendas. 
Do  rei  godo  se  disse  que,  vendo  a  batalha 
perdida,  se  acolheu  era  trajos  de  pastor  ao 
mosteiro  de  Canliana,  junto  de  Merida;— que 
d'ali,  acompanhado  por  um  monge,  se  inter- 
nou na  Lusitânia  e  vivêra  vida  penitente  al- 
guns annos  junto  da  villa  da  Pederneira, 
hoje  concelho  d'Alcobaça,  d'onde  passou  co- 
mo ermitão  para  a  capella  de  S.  Miguel  do 
Fetal,  de  que  no  momento  nos  oeeupamos, 
e  que  ali  falleceu  e  jaz  2. 

Deu  curso  a  esta  lenda  o  haver-se  encon- 
tradogna  dicia  egreja,  pelo  anno  de  900,  um 
tumulo  com  esta  inscripção  : 

HiG  RBOUIESCir  RODERIGUS  ULTIMUS 
Rex  GoTHORllM. 


1  HiU.  de  Portugal  de  Alexandre  Hercu- 
lano, tomo  1."  pag  50. 

2  V.  Nazareth  (Nossa  Senhora  de)  tomo 
5."  pag.  17,  col.  1»; — Monarchia  Lusitana, 
parte  ÍI,  fl.  269  a  27S;— os  Diálogos  ms.  do 
dr.  Manuel  Botelho  Ribeiro,  fl.  213  a  219,  no 
códice  de  Girabollios, — e  as  Noticias  de  Vi- 
seu por  Berardo,  publicadas  no  Liberal,  n.° 
1  de  6  de  maio  de  1857. 


VIS  1569 

MALIDICTUS  furor  IMPIUS 
JULIANI  PERTINAX:  INDINATIO 

Ejus  QUiA  dura;  VESANUS 

FÚRIA,  ANIMOSUS  INDIG.\A 
TIONE,  IMPETUOSOS  FUROHE, 
OBLITUS  FIDELITATIS,  IMMEMOR 
ReLIGIONIS,  CRUDELIS  IN  SE, 
HO.MIGIDA  IN  DOMINUM, 
HOSTIS  IN  DOMÉSTICOS,  VASTA- 
TOR  IN  PATRIAM,  REUS  IN 
OMNES,  MEMORIA  EJUS 
IN  OMNE  ORE  AMARES 
CET^  NOMEN  IN  AETERNUM 
PUTRBSCET. 

Em  vulgar:  «Aqui  jaz  D,  Rodrigo,  ultimo 
rei  dos  godos.  Maldicto  seja  o  impio  furor  de 
Julião,!  que  tão  pertinaz  e  porfiado  foi;  mal- 
dieta  a  sua  indignação  tão  dura;  2  louco  e 
cruel  o  tornou  o  odio,  animoso  a  indignação 
e  impetuoso  o  furor;  esquecido  da  fidelidade 
e  da  religião,  cruel  para  comsigo  mesme, 
homicida  para  com  o  seu  soberano,  inimigo 
para  com  os  seus  parentes,  destruidor  da 
sua  pátria  e  reu  para  com.  todos,  amarga 
será  ná  bocca  de  lodos  a  sua  memoria  e  pa- 
ra sempre  apodrecerá  e  se  corromperá  o 
seu  nome.» 

É  isto  o  que  se  lê  nos  Diálogos  do  dr.  Bo- 
telho, mas  parece-nos  um  romance!  Era  ver- 
dade era  uma  inscripção  muito  grande  para 
um  tumulo  tão  pequeno,  pois  o  próprio  dr. 
Botelho  e  todos  quantos  mencionara  o  dicto 
tumulo  dizem  que  era  de  fabrica  humilde, 
bem  como  era  humilde  e  pequena  a  egreja 
e  humilde  e  pequeno  o  arco,  onde  estava 
mettido  o  tumulo,  na  parede  da  capella- mór, 
do  lado  do  evangelho,^ —em  frente  d*outro 


1  Refere-se  ao  conde  D.  Julião,  seu  validoi 
que  o  atraiçoou  e  vend^^u  aos  mouros. 

2  Dizem  que  D.  Julião  atraiçoara  e  ven- 
dera aos  mouros  D.  Rodrigo,  porque  est« 
com  promessa  de  casam^nin  seduzira  e  de- 
pois abandonara  a  formosa  Florinda,  filha  do 
mencionado  conde,  chamada  a  Cava,  nas 
historias  d'e8se  tempo. 

3  Ou  do  nascente,  como  dizem  o  dr.  Bote- 
lho e  Fr.  Bernardo  de  Brito,  mas  hoje  está 
do  lado  da  epistola,  que  é  o  lado  do  poente. 


i570  VIS 


VIS 


arco  e  d*oulro  tumulo  semelhante,  onde  ja- 
sia,  (segundo  se  suppõe)  um  bispo  de  Viseu, 
cujo  nome  se  ignora  e  que,  desfigurado  em 
ermitão,  para  escapar  aos  mouros,  ali  viveu 
algum  tempo  na  companhia  do  rei  da  lenda 
e  ali  acabou  também  seus  dias. 

O  mesmo  Fr.  Bernardo  de  Brito  que,  sen- 
do aliás  um  sábio,  foi,  mau  grado  seu  e  nos- 
so, Ião  pouco  escrupuloso  como  historiador, 
tecendo  a  lenda  de  D.  Rodrigo  e  mencio- 
nando a  tal  inscripçào  que  elie  próprio  vira, 
apenas  se  atreveu  a  copiar  as  duas  primei- 
ras linhas,  accrescentando : 

«As  próprias  palavras  me  lembra  que  vi 
escritas  de  preto,  em  hu  arco  de  parede  que 
está  sobre  a  sepultura  d'El  Rey,  poste  que 
o  Arcebispo  D.  Rodrigo,  e  aquelles  que  o  se- 
guem, ponhào  maior  leitura,  não  advertin- 
do que  todas  as  mais  palavras  que  elle  acre- 
centa,  são  pragas  e  maldições  suas,  que  ro- 
ga ao  conde  D.  Julião  (como  notou  attenta- 
damente  Ambrósio  de  Morales,  seguindo  ao 
bispo  de  Salamanca,  &  outros)  &  não  rezões 
do  mesmo  letreiro,  como  elles  as  fazem.  A 
Igreja  em  que  a  sepultura  dei  Rey  está  ao 
presente  (i609)  he  piqu^na,  &  de  fabrica  mui 
antiga,  particularmente  a  capella  mór  junto 
da  qual  ficão  de  cada  parte  sua  cella  do 
mesmo  comprimento,  mas  estreitas,  e  escu- 
ras, por  não  terem  mais  luz,  que  a  que  lhe 
entra  por  hua  piquena  fresta  aberta  contra 
o  nascente,  e  em  hua  das  quaes  (que  Qca 
para  o  meio  dia)  se  diz  que  vivia  certo  er- 
mitão, por  cujo  concelho  el  Rei  se  governa- 
va, no  discurso  de  sua  penitencia,  &  ali  se 
mostra  hoje  (1609)  sua  sepultura,  encostada 
á  parede  da  capella  da  parte  da  epistola:  Na 
outra  cella  que  fica  contra  o  Norte  passou 
el  Bey  sua  vida  pagando  na  estreiteza  do 
lugar,  as  larguezas  dos  paços,  &  liberdade  da 
vida  passada,  em  que  offendera  a  seu  cria- 
dor, &  na  parede  da  capella  que  correspon- 
de á  parte  do  Evangelho  fica  um  modo  de 
arco,  em  que  se  vé  a  sepultura,  em  que  es- 
tiverão  os  seus  ossos,  &  se  visita  dos  natu- 
raes  com  devoção,  crendo  que  por  seu  meio 
faz  o  Senor  ali  algus  milagres  em  pessoas 
doentes  de  maleitas,  &  outras  enfermidades 
semelbàtes. 

«Debayxo  do  mesmo  arco,  que  fiqua  res- 


pondendo para  dentro  da  cella,  vi  pintado* 
na  parede  o  ermitão,  &  el  Rey  com  a  cobra 
de  duas  cabeças,  &  ly  as  lettras  acima  refe- 
ridas (a  tal  inscripção)  tudo  ]à  gastado  do 
tempo,  com  sinaes  de  muita  antiguidade, 
mas  de  modo  que  se  podíão  ver  disiincta- 
mente. 

tO  sepulchro  é  chão  de  hua  sò  pedra,  em 
que  escasamente  pode  caber  um  corpo  hu- 
mano. Ao  tempo  que  eu  o  vi,  estava  já  des- 
coberto, sem  ter  ali  a  pedra  que  lhe  servira 
de  cubertura,  nS  os  ossos  dei  Rey,  que  me 
disseráo  aver  annos  que  se  levarão  pera  Cas- 
tella,  sem  saberem  de  que  modo,  nem  por 
cuja  ordem,  nem  eu  o  pude  alcançar,  por 
mais  dili'gencias  que  fiz  com  gente  antiga 
d'aquella  cidade,  que  tinha  rezão  de  saber 
hua  cousa  de  tanta  importância,  quando 
fosse  tão  certa  como  algus  me  aííirmarão.» 

Monarchta  Lusit.  parte  II,  fl.  275. 

O  dr.  Botelho  aos  seus  Diálogos,  escri- 
ptos  pelos  annos  de  1630,  não  tem  duvida 
em  acreditar  que  D.  Rodrigo  jazeu  na  men- 
cionada egreja,  mas  diz  que  ella  não  esca- 
pou á  destruição  mussulmana  e  que  o  tu- 
mulo foi  encontrado  por  Carestes,  cujo  tes- 
temunho invoca,  dando  as  próprias  palavras 
d'elle:  «Eu  Carestes,  vassallo  d'el-rei  D.  Af- 
fonso  de  Leão,  genro  do  Cavalleiro  de  Deos> 
Rei  D.  Pelaio,  quando  o  dieto  Sor.  Rei  D. 
Affonso  ganhou  Viseu  aos  Mouros,  achei  hua 
sepultura  em  hum  campo,  em  a  qual  esta- 
vão  escritas  estas  palavras,  que  agora  ouvi» 
rás,  em  lettras  golhicas : 

Aqui  jaze  El  Rei  Don 
Rodrigo,  el  postrimero 
DE  LOS  Godos,  etc. 

«O  mais  (diz  Botelho)  são  as  mesmas  maU 
dições  do  letreiro  i—e  accreseenta  vogar  co- 
mo certo  em  Viseu  in  illo  tempore  que  o 
bispo  D.  Jorge  d*Athaide  (governou  pe- 
los annos  1568  a  1578)  mandara  occulta- 
mente  remover  para  a  Sé  os  restos  mortaes 
de  D.  Rodrigo,  assim  como  removeu  para 
novas  sepulturas  os  restos  mortaes  de  mui- 
tos prelados  visienses. 

Fecharemos  este  tópico  dizendo  que  o  ca- 


VIS 


VIS  1571 


bido  mandando  era  1730  a  1735  restaurar  a 
pobre  egreja,  restaurou  também  o  tumulo  e, 
não  encontrando  a  mencionada  inscripção  ou 
tendo  escrúpulo  em  aceeital-a,  substituiu-a 
por  esta,  que  hoje  (1887)  lá  se  vê  : 

HlC  JACET,  AUT  JACUIT  POSTRE- 
MUS  IN  ORDINE  ReGUM 
GOTTORUM,  UT  NOBIS  NUNTIA 
FAMA  REFERT. 

•Aqui  jaz  ou  jazeu  o  ultimo  rei  dos  godos, 
segundo  diz  a  tradição.» 

Outro,  tumulo 

Em  1868,  quando  se  construía  a  nova  es- 
trada a  macadara  de  Viseu  para  Mangualde 
e  se  abriu  o  leito  d'ella  atravez  da  malta  da 
quinta  dos  Cardosos,  de  que  já  fizemos  men- 
ção, ali,  não  longe  da  pobre  egreja  de  S.  Mi- 
guel do  Fetal,  se  encontrou  um  tumulo  de 
pedra  inteiriça,  mas  só  a  caixa,  envolta  nas 
raízes  d'um  carvalho  e,  como  os  trabalhado- 
res não  reconhecessem  logo  o  tumulo,  par- 
tiram-lhe  alguns  fragmentos. 

Tomou  conta  do  dicto  tumulo  José  Car- 
doso de  Lemos  e  Meneses,  dono  da  quinta. 

A  pedra  era  como  sulphurica  e  estranha 
n'e8ta  provinda, — diz  Francisco  Manuel  na 
sua  Memoria;-- -revelava  muita  antiguidade 
8,  posto  que  o  sarcophago  já  não  tinha  tam- 
pa, nem  inscripção,  nem  dentro  coisa  algu- 
ma, mostrava  ter  pertencido  a  pessoa  notá- 
vel. 

É  possível  que  fosse  uma  sepultura  ro- 
mana, como  a  que  se  encontrou  junto  da 
Capella  de  Santa  Christina  (veja-se  este  tó- 
pico)— e  talvez  lhe  pertencesse  a  tampa  ou 
lapide  mencionada  supra,  que  em  1853  se 
achou  na  parede  da  egreja  do  Fetal,  pois  é 
pequena  a  distancia  de  um  ao  outro  ponto. 

A  cathedral 

O  bispado  de  Viseu,  como  diremos  no  tó- 
pico dos  seus  prelados,  segundo  a  maioria 
dos  auctores  data  do  século  vi  e  alguns  com 
o  Padre  Sousa  dizem  que  data  do  século  iii. 


mas  ignora-se  onde  esteve  a  cathedral  até 
que  os  mouros  foram  definitivamente  expul- 
sos de  Viseu  por  D.  Fernando  Magno,  rei  de 
Leão  e  Casiella,  em  1057,  como  diz  o  nosso 
primeiro  historiador — Alexandre  Herculano 
—na  sua  Hist.  de  Port.  tomo  1.»  pag.  165, — 
ou  em  25  de  julho  do  mesmo  anno  1057,  co- 
mo diz  Berardo  na  Memoria  que  ofi"ereceu 
à  camará,— -ou  em  25  de  julho  de  1058,  co- 
mo diz  o  mesmo  cónego  Berardo  nas  suas 
Noticias  de  Viseu,  publicadas  no  Liberal, 
citando  João  Pedro  Ribeiro  e  o  Clironicon 
Lusitano,  ^—on  no  dia  28  de  junho  de  1038, 
como  dizem  o  dr.  Botelho  nos  seus  Diálo- 
gos, cap.  20,— a  Monarchia  Lusitana,  parte 
2.»  fl.  375,  V.— o  sr.  Ignacio  de  Vilhena  Bar- 
bosa nas  Cidades  e  Villas,  tomo  3.»  pag.  184. 
— e  o  sr.  J.  A.  d'01iveira  Mascarenhas  no 
seu  diecionario  Portugal  e  Possessões,  pu- 
blicado era  Viseu  em  1883. 

Respeitando  muito  tão  abalisados  escri- 
ptores,  não  podemos  deixar  de  curvar-nos 
perante  Alexandre  Herculano. 

São  muito  escassas  e  pouco  firmes  as  me- 
morias que  nos  restam  d'aquelle  tempo,  sup- 
pòe-se  porem  que  em  1057,  quando  el  rej 
D.  Fernando  Magno  tomou  Viseu,  a  sua  an- 
tiga Sé  já  não  existia  ou  estava  profanada  e 
servmdo  de  mesquita  aos  mouros;  2— que  D. 
Fernando  a  mandou  purificar  e  restituir  ao 
nosso  culto,— e  que  demorava  dentro  dos 
muros  do  antigo  castello  romano,  approxi- 
madaraente  no  local  onde  hoje  se  vé,  como 
prova  uma  das  doações  que  o  mesmo  rei  lhe 
fizera  e  que  foi  confirmada  pelo  conde  D. 
Henrique  em  1080. 

A  citada  doação  é  a  seguinte  : 


1  Suppomos  que  a  diíTerença  entre  a  Me- 
moria e  as  Noticias  de  Berardo  provem  de 
err(.  de  copia  ou  de  irapressão. 

2  N'aquelles  tempos  calamitosos,  quando 
os  mouros  tomavara  as  povoações  christãs, 
por  vezes  arvoravam  em  mesquitas  os  nos- 
sos templos  e  nós,  recuperando  as  povoações 
tomadas  por  elles,  costumávamos  purificar 
as  suas  mesquitas  e  restituil  as  ao  culto  ca- 
tholieo.  Foi  isto  o  que  se  deu  com  a  egreja 
d'Almacave  em  Lamego,  e  ^ora  a  eapella  de 


1572  VIS 

In  nomine  Ste.  et  individue  Trinitatis . . .  i  ] 
Em  vulgar:— «Em  nome  da  SS."'»  Trin- 
dade, Padre  Filho  e  Espirito  Santo.  Esta  é  a 
carta  de  testamento  que  eu  o  conde  D.  Hen- 
rique juntamente  com  a  minha  mulher  D 
Teresa,  fazemos  à  egreja  de  Santa  Mana  da 
Sé  episcopal  de  Viseu  e  aos  clérigos  n'ella 
moradores,  testamento  que  el-rei  D.  Fer- 
nando, ha  muito  fallecido,  2  fez  em  favor  da 
dicia  egreja  e  é  o  seguinte: — pela  parte  de 
dentro  do  muro  velho  o  chão  da  dieta  egreja 
entre  o  caminho  de  S.  Miguel  (do  Feial)  e  a 
rua  da  Regueira,  a  entestar  uo  caminho  pu- 
blico, e  isto  mesmo  lhes  confirmamos  para 
salvação  da  nossa  alma,  etc,  aos  12  d'agoslo 
da  era  de  ill8,—anno  108U.» 

Do  exposto  se  vê  que  pelos  annos  de  1057 
a  1065  a  Sé  de  Viseu  tinha  a  mesma  invoca- 
ção de  Santa  Maria  ou  de  No^sa  Senhora  da 
Assumpção;— que  demorava  dentro  dos  ve- 
lhos muros,  a  distancia  da  egreja  de  S.  Mi- 
guel do  Fetal;— que  esta  ultima  egreja  tam- 
bém já  existia  n'aquelle  tempo,  mas  não  era 
a  cathedral— e  que  por  consequência  a  dieta 
egreja  de  S.  Miguel  não  foi  como  diz  a  tra- 
dição, a  primeira  catliedral  de  Viseu^.-  É  ver- 
dade que  o  mesmo  conde  D.  Henrique  deu 
em  1110,  como  ja  disí^emos,  a  dieta  egreja 
de  S.  Miguel  ao  prior  D.  T/ieodonio  para  Sé 
visiense  e  que  o  dicto  prior  n'ella  viveu  com 
08  seus  cónegos,  mas  tudo  leva  a  crer  que  a 
dieta  egreja  foi  Sé  pouco  tempo,  talvez  só 
durante  as  obras  da  Sé  intra-muros,  mesmo 
porque  se  suppõe  que  a  Sé  actual  era  então 
um  templo  muito  humilde,  encravado  den- 
tro da  velha  fortalesa  e  que,  por  se  achar 
em  ruinas,  o  conde  D.  Henrique  e  a  rainha 
D.  Thereza  o  restauraram,  mas  não  o  funda- 
ram de  novo,  como  alguém  pretende,  pois  já 
existia  no  tempo  de  D.  Fernando  Magno. 
JNào  podemos  levar  mais  longe  as  nossas 


Sanía  Luzia  em  Villa  Flor  de  Traz  os-Mon- 
tes,  ete. 

V.  tomo  XI,  pag.  733.  eol.  2.» 

1  Nos  Diálogos  de  Botelho,  cap.  21,  pôde 
ver-se  todo  o  texto. 

2  D.  Fernando  Magno  falleceu  em  1065. 

3  Veja-se  o  tópico  supra:  S.  Miguel  do  Fe- 
tal. 


VIS 

averiguações  cora  relação  aos  primórdios  da 
Sé  de  Viseu  e  ao  local  que  oceupou. 

Ninguém  jàmais  disse  que  ella  estivesse 
algum  tempo  na  Cava  de  Viriato,  onde  es- 
teve outr'ora  durante  seeiilos  a  cidade  de 
Viseu  em  períodos  alternados,  como  dize- 
mos adiante  no  tópico  relativo  às  Antiguida- 
des de  Viseu  e  á  dieta  Cava.  Apenas  consta 
que  a  Sé  esteve  onde  hoje  demora  e  no  Fe- 
tal,—mAi  no  Fetal  pouco  tempo, — só  du- 
rante o  governo  do  prior  D.  Theodonio  e  tal- 
vez nos  primeiros  annos  do  governo  do  seu 
suceessor. 

Note  se  que  o  prior  D.  Theodonio  gover- 
nou o  bispado  de  Viseu  apenas  2  annos— 
IHO  a  1112.  Succedeu-lhe  o  prior  S.  Theo- 
tonio,^  que  governou  desde  1112  até  1119 e 
residiu  talvez  com  os  seus  cónegos,  pelo  me- 
nos alguns  annos,  junto  da  Sé  actual,  no  an- 
tigo paço  da  fortalesa,  onde  viveram  os  reis 
de  Leão,  o  conde  D.  Henrique  e  a  rainha  D. 
Tareja,  no  sítio  onde  hoje  estão  os  claustros 
da  Sé. 

Desde  que  S.  Theotonio  em  1112  a  1119 
se  installou  no  velho  paço  real  da  fortalesa, 
ali  se  installou  lambem  definitivamente  a  Sé 
de  Viseu  até  hoje- 1887,— ha  768  a  775  an- 
nos,—e  pôde  dizer-se  desde  1057,  ou  desde 
a  conquista  de  Vií^eu  por  D.  Fernando  Magno, 
ha  830  annos, —mas' que  transformações,  re- 
construcções  e  modificações  não  tem  ella 
soffrido  ? 

Hoje  é  um  bom  templo,— uma  das  melho- 
res e  mais  notáveis  Sés  de  Portugal,— não 
das  mais  amplas,  mas  das  mais  ricas  em  de- 
corações de  pedra,  talha  e  pintura,  e  sobre 
tudo  de  um  gosto  singular  na  sua  fojmo- 
sa  architectura  interior  manoelina — e  muito 
bem  situada  sobre  um  espaçoso  terreiro  on- 
de pompearam  a  fortalesa  romana  e  os  ve- 
lhos paços  reaes  e  episcopaes  no  ponto  cul- 
minante e  mais  vistoso  da  cidade  de  Viseu. 


Não  se  confundam  estes  dois  priores, 
posto  que  foram  contemporâneos  e  quasi  hu- 
monymos. 

Veja  se  adiante  o  nosso  Catalogo  clirono- 
lógico  dos  bispos  do  Viseu. 


VIS 


VIS  1573 


Em  tópicos  especlaes  adiante  fallaremos 
da  fortalesa  romana  e  dos  velhos  paços  epis- 
copaes  e  reaes;  agora  fallemos  da  Sé,  apro- 
yeitando  os  Diálogos  de  Botelho,  a  Memoria 
e  as  Noticias  de  Berardo— e  nomeadamente 
a  Memoria  ms.  de  Francisco  Manuel  Correia, 
homem  bastante  illustrado,  excellente  pes- 
soa e  o  mais  diligente  e  mais  consciencioso 
investigador  das  antiguidades  de  Viseu  e  da 
sua  calhedral  até  hoje ! 

Só  a  plania  baixa  que  elle  desenhou  e  que 
por  fortuna  lemos,  bem  como  a  dieta  Memo- 
ria, sobre  a  nossa  banca  de  estudo, — planta 
lindíssima  e  que  representa  com  a  máxima 
claresa  aquelles  3  editicios, — ó  um  padrão 
de  gloria  para  o  seu  auctor  e  revelia  um  tra- 
balho persisienle  e  conscienciosissimo  du' 
rante  muitos  annos  l 

Depois  de  estudar  e  meditar  tudo  o  que 
até  o  seu  tempo  i  se  havia  escripto  de  mais 
interessante  com  relaçãu  a  Viseu,  verificou 
tudo  sobre  o  próprio  local,  onde  por  fortuna 
vivia  e,  como  era  um  homem  sinceramente 
religioso,  estudou  particularmente  a  Sé,  os 
velhos  paços  reaes  e  episcopaes  e  a  forta- 
lesa romana,  porque  os  3  edifícios  formam 
uma  amalgama,  um  conjuncto. 

Gastou  annos  e  annos  mirando  e  remi- 
rando  toda  a  Sé  e  suas  dependências  e  o 
grande  labyrioiho  hoje  formado  por  ella, 
pela  fortalesa  romana  e  pelos  velhos  paços; 
— elle  mirou,  remirou,  apalpou  e  mediu  to- 
do o  chão  dos  3  ediQcios, — a  côr  e  as  juntas 
das  pedras, — o  cimento,  o  azulejo  e  o  rebo- 
co das  paredes;— copiou  iodas  asinscripções 
e  estudou  todas  as  reconstrucções  dos  3  edi- 
fícios desde  o  pavimento  até  os  eirados  e  te- 
ctos e,  depois  de  um  trabalho  insano,  por 
assim  dizer  reconstituiu  a  velha  fortaleza,  os 
velhos  paçoís  e  a  Sé,  indicando  as  transfor- 
mações porque  passaram  desde  os  tempos 
mais  remotos  até  hoje.  Infelizmente  não  che- 
gou a  ver  a  sua  Memoria  publicada  e  dei- 
xou-a  repleta  de  notas  e  addi.ções  em  centos 


1  Faljecííu  em  18  de  setembro  de  1882. 
V.  Francisco  Manuel  Correia  no  tópico  dos 
Visienses  illustres. 


I  de  papeis  informes  e  soltos      . .) — notas  a 
!  addiçòes  que  foi  colhendo  em  quanto  Deus 
I  lhe  deu  vida  e  que  hoje  tornam  muito  ira- 
i  pertinente  a  publicarão.  É  mesmo  imperti- 
nente e  difloil  a  leitura  d'ella— e  mais  ina- 
pertinente  e  diííicil  o  copial-a,  pelo  que  a  di- 
eta Memoria  ainda  esta  em  um  exemplar 
único,  escripto  pelo  auctor  e  por  consequên- 
cia exposta  a  desapparecer  e  sumir-se  de  um 
momento  para  o  outro,  o  que  seria  uma  per- 
da irreparável,  immensa,  para  a  historia  e 
chorographia  de  Viseu  e  para  a  nossa  litte- 
ratura. 

Aos  bons  visienses  pedimos  pois  muito  en- 
carecidamente qu3  tratem  de  salvar  a  dieta 
Memoria  publicando  a  sem  delongas. 

Para  desejar  seria  que  publicassem  tam- 
bém os  interessantes  Diálogos  do  dr.  Manuel 
Botelho  Ribeiro,  que  ainda  se  conservam 
mss.  desde  1630— e  as  Noticias  e  a  Memoria 
do  sábio  cónego  José  d'01iveira  Berardo,  tão 
interessantes  também  e  ainda  hojequasi  des- 
conhecidas mesmo  em  Viseu  ?  1 . . . 

Prosigamos. . 

Gomo  se  vê  da  engenhosa  e  muito  cons- 
cienciosa planta  desenhada  por"F.  Manuel, 
o  recinto  da  fortaleza  romana  era  um  qua- 
drado perfeito  ou  quasi  perfeito,- defendido 
por  4  panos  de  grossa  muralha  e  por  4  tor- 
res nos  4  angulus,  das  quaes  hoje  apenas  ha 
memoria  de  duas,— as  duas  de  que  ainda  lá 
se  vêem  os  restos,  como  formando  as  bali- 
sas  do  lanço  de  muros  do  lado  S.  O. — uma, 
a  antiga  torre  de  menagem,  no  angulo  O., 
servindo  de  cadeia  civil, — ouira,  a  antiga 
torre  do  relógio,  no  angulo  S.  O.,  servindo 
hoje  para  despejos. 

D'este  lanço  de  muralhas  partiam  em  an- 
gulo recto  e  parallelos  para  N.  E.  outros  dois 
lanços  de  muros  de  igual  extensão— e  fe- 
chava a  N.  E.  o  recinto  outro  lanço  de  muros, 
parallelo  ao  1.",  tendo  também  como  aquelle 
nas  duas  extremidades  ou  nos  ângulos  N. 
e  E.  outras  duas  torres,  de  que  não  ha 
memoria,  por  terem  sido  muito  provavel- 
mente demolidas  cum  o  muro,  quando  d'a- 
quelle  lado  se  fez  o  vrlho  paço  episcopal  na 
extremidade  E.  do  rei-into  da  foitalesa, — 
\  paço  que  depois  avançou  para  N.  e  se  de- 


1574  VIS 


VIS 


nominou  Paço  da  Sé  ou  dos  tres  escalões,  ao  I 
qual  por  ultimo  na  sua  extremidade  N.  se  ad- 
diccionou  o  antigo  Seminário  diocesano,  ho- 
je denominado  Collegio,  onde  actualmente 
funecionam  o  lyceu,  o  governo  civil  e  outras 
repartições  publicas. 

Também  se  demoliu  antes  ou  depois  e 
desappareceu  ha  muito  o  lanço  de  muros 
que  fechava  a  fortalesa  romana  a  N.  O. — e  o 
chão  do  dicto  muro  com  algum  espaço  ex- 
terior e  approximadamente  com  metade  do 
recinto  interior  Ja  fortalesa  formam  hoje  o 
adro,  sobre  o  qual  se  erguem  a  S.  E.  a  ca- 
thedral,  a  N.  O.  a  casa  das  sessões  e  a  egre- 
ja  da  Misericórdia,  em  frente  da  cathedral  e 
olhando  para  ella,— e  a  N.  E.  o  grande  edi- 
fício do  Collegio,  ligado  com  o  Paço  dos  tres 
escalões. 

A  Sé  prolonga-se  de  S.  E.  a  N.  O.  e,  como 
se  vê  da  planta,  a  principio  descrevia  um 
parallelogrammo  hirto,  como  os  nossos  an- 
tigos templos,  sem  a  fòrma  da  cruz  latina. 
A  sua  extremidade  S.  E.  foi  talvez  o  próprio 
muro  que  a  velha  fortalesa  tinha  d'aquelle 
lado; — depois,  quando  a  Sé  tomou  a  forma 
da  cruz  latina,  abriu-se  no  alinhamento  do 
dicto  muro  o  arco  cruzeiro  e  prolongou-se 
o  templo  mais  para  S.  E.  formando  a  capella 
mór  ou  o  topo  da  cruz— e  ainda  posterior- 
mente (logo  diremos  quando)  sendo  pequena 
a  capella  mór,  deram-lhe  mais  fundo,  pro- 
longando-se  outro  tanto  para  S.  E. 

Também  se  fizeram  a  S.  O.  e  N.  E.  do  ar- 
co cruzeiro  as  capellas  do  Santíssimo  e  do 
Espirito  Santo,  que  hoje  lá  se  véera  e  que 
formam  os  braços  da  cruz  latina. 

Tem  a  Só  hoje  3  naves.  No  topo  da  do 
centro  está  a  capella  mór;— no  topo  da  do 
lado  da  epistola  está  a  capella  de  S.  Pedro, 
que  ficou  fóra  do  alinhamento  dos  muros  da 
fortaleza,  bem  como  a  sacristia  da  capella 
do  Santíssimo,  contigua  a  estas  duas  capel- 
las e  cora  entrada  por  ambas,— e  no  topo  da 
nave  do  lado  do  evangelho  está  a  capella  de 
S.  João,  parallela  e  em  symetria  com  a  de  | 
S.  Pedro  e  que  ficou  também  fóra  do  alinha- 
mento da  fortaleza.  | 

A  Sé  estava  precisamente  do  meio  da 


I  fortalesa,  contando  de  S.  O.  a  N.  E.,  mas 
posteriormente,  com  a  demolição  dos  velhos 
muros  e  cora  a  construcção  dos  velhos  pa- 
ços e  do  Collegio  d'este  lado,  os  edificios 
avançaram  um  pouco  mais  para  N.  E.  e 
ultrapassaram  o  alinhamento  dos  muros — 
em  quanto  que  do  lado  S.  O.  ainda  lá  se 
\ê  entre  as  duas  torres  romanas  o  alinha- 
mento da  primitiva  muralha,  pois  entre  ella 
e  a  Sé  apenas  se  fez  o  claustro.  A  parte  bai- 
xa d'este  foi  feita  pelo  bispo  e  cardeal  D. 
Miguel  da  Silva,  em  1534,  no  chão  onde  es- 
tavam os  restos  do  velho  paço  real  que  D. 
João  III  para  aquelle  fim  lhe  cedeu  e  que  D. 
Miguel  demoliu^  paço  onde  vivera  o  prior 
S.  Theotonio  de  1H2  a  1119. 

A  parle  alta  do  claustro  foi  feita  pelo  ca- 
bido na  grande  vacância  de  1720  a  1743, 
bem  como  as  varandas  ou.  passeio  das  ameias 
sobre  as  paredes  exteriores  do  claustro,— 
passeio  que  se  prolonga  pelo  cimo  dos  velhos 
muros  da  fortaleza  ate  á  antiga  torre  de  me- 
nagem, depois  aljube  e  hoje  cadeia  civil  na 
extremidade  O.  do  lanço  dos  velhos  mu- 
ros, que  vão  para  aquella  torre,  como  já  dis- 
semos, desde  a  velha  torre  do  relógio,  e  for- 
ma ura  angulo  recto  com  a  parede  do  claus- 
tro, que  olha  para  N.  O. 

Ainda  o  claustro 

Demora  a  S.  O.  da  Sé,  á  direita  de  quem 
entra,  e  fórma  um  quadrado  perfeito,  occu- 
pando  todo  o  espaço  entre  a  Sé  e  o  alinha- 
mento do  mencionado  lanço  dos  muros  da 
fortalesa. 

A  architectura  do  claustro  é  um  raixto  da 
OTàem  jónica  e  dórica, — extravagância  muito 
commum  na  raaior  parte  dos  nossos  edifi- 
cios, como  diz  Berardo.  ^ 

Também  o  mesmo  sábio  cónego  diz  que  o 
bispo  D.  João  (sic)  pelos  annos  de  143!  deu 
principio  a  um  claustro  a  O.  da  Sé,  como 
consta  da  seguinte  nota  ou  lembrança,  ex- 


1  Veja-se  o  Álbum  Visiense,  esplendida  pu- 
blicação folio,  il lustrada,  (1884-1886)  que  a 
pag.  òl  dá  era  lytographia  oa  claustros  da 
Sé— e  a  pag.  4  outra  lytographia  represen- 
tando a  mesma  Sé. 


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trahida  por  Berardo  de  um  antigo  necroló- 
gio: Era  de  1319  annos  {sic)  segunda  feira 
oito  dia  de  Maio  dia  de  S  Miguel  compessa- 
rom  de  fundar  a  crusta  da  see  de  Viseo  e 
mandou  fundar  o  bispo  D.  Jhoanne  por  Jeaotn 
de  Lamego  que  era  o  mestre  da  obra. 

Nada  mais  sabemos  de  semelhante  claus- 
tro. 

Desde  a  sua  fundação  foi  cemitério  do  ca- 
bido aié  o  2.»  quartel  d'este  século,  pelo  que 
o  seu  pavimento  estava  immundo  e  cheio  de 
sepulturas  em  1875,  data  em  que  o  governo, 
a  instancias  de  Luiz  de  Campos,  deputado 
por  Viseu,  mandou  fazer  muitos  reparos  na 
Sé,  despendendo  cerca  de  ires  contos  de  réis. 
Foi  ladrilhado  todo  o  claustro  cora  bello 
granito,  como  hoje  se  vê,— reparou-se  a  casa 
do  thesouro  velho  e  novo,  *  a  sacristia,  os  co- 
ros de  baixo  e  de  cima,  a  sala  capitular,  o 
archivo  do  cabido  e  o  órgão  grande,  que  foi 
limpo,  bem  como  a  celebre  abobada  dos  nós 
que  eslava  gemendo,  sobrecarregada  com 
immenso  entulho;— reformaram-se  as  por- 
tas e  ameias,  levantou  se  e  restaurou-se  o 
telhado  e  armações,  etc. 

D.  Miguel  da  Silva,  como  jà  dissemos,  fez 
este  claustro,  mas  a  parte  baixa  somente, 
sem  os  altares  que  hoje  lá  se  vêem  e  que  são 
os  seguintes : 

{.•—Capella  do  Descendimento  da  Cruz, 
á  esquerda  de  quem  entra  da  Sé  para  o 
claustro.  Chamada  vulgarmente  pelo  povo 
Capella  dos  santos  brancos,  porque  as  figu- 
ras todas  d'este  altar  são  de  pedra  branca  de 
Ançã.  Pertence  hoje  ao  commendador  e  dr, 
Ladislau  Pereira  Chaves, de  Viseu,  eoutr'ora 
pertenceu  aos  Amorins  e  Vasconcellos  de  S. 
Francisco  d'Orgens,  representados  hoje  pelo 
seu  descendente  Nicolau  de  Mendonça,  da 
quinta  de  S.  Salvador,  e  seus  irmãos. 

f."— Nossa  Senhora  da  Assumpção. 

Pertence  aos  condes  da  Lapa. 

3.  '*—Arckanjo  S.  Miguel. 

4.  »— S.  José. 


1  O  thesouro  velho  está  a  E.  e  junto  da 
grande  sacristia; — o  thesouro  novo,  edificio 
pequeno  e  singello,  foi  feito  pelo  cabido  em 
1720  a  1743  a  S.  O.  da  capella  mór  e  en- 
costado a  ella. 


Pertence  á  própria  cathedral. 

5.  » — Senhor  da  Agonia. 

Este  altar  foi  feito  pelo  cónego  Jorge  Hen- 
riques em  1395,  mas,  passado  algum  tempo, 
foi  abandonado  pelos  herdeiros  do  fundador 
e  n'elle  se  installou  a  irmandade  das  Almas» 
que  ali  faz  as  suas  funcçòes  ha  muitos  an- 
nos, e  passaram  para  a  coroa  os  bens  dotaes 
que  esta  capella  tinha  em  Cavernães. 

6.  " — Santo  Antonio. 

Este  altar  foi  feito  em  1696  por  4  mordo- 
mos, como  diz  uma  inscripção  que  ainda 
hoje  lá  se  vê  na  parede  da  capella  do  lado 
do  evangelho:  —  Sendo  Mordomos  Manoel 
Monteira,  Bento  da  Motta  Sant  Iago,  Fran- 
cisco Dias,  e  Diogo  Fernandes,  fizerão  á  sua 
custa  esta  capella  para  Confraria  de  Santo 
Antonio,  no  anno  de  1696.  Não  chegou  po- 
rem a  vogar  a  dieta  confraria  e  cora  o  tem- 
po a  capella,  o  altar  e  a  própria  imagem  do 
thaumaturgo  cahiram  em  completa  ruina, 
mas  tudo  restaurou  à  sua  custa,  em  1875, 
uma  piedosa  senhora  da  nobre  casa  Lemos, 
de  Villa  Chã  de  Sá,  e  collocou  na  dieta  ca- 
pella uma  nova  imagem  do  padroeiro,  ima- 
gem que  cosiuma  andar  pela  casa  dos  mor- 
domos. 

7.  »— Altar  que  em  ouiro  tempo  foi  da  in- 
vocação de  Santa  Ritta.  Ardeu  todo  ha  mui- 
tos annos,  mas  nos  nossos  dias  acaba  de  ser 
restaurado  pelos  esforços  do  piedoso  cura  da 
Occidental,  o  rev.  João  Nunes  de  Almeida. 
Tem  uma  nova  tribuna  dourada  e  duas  bel- 
las  imagens  novas  do  SS.  Coração  de  Jesus, 
e  SS.  Coração  de  Maria,  das  quaes  a  pri- 
meira fica  no  meio  do  aliar,  e  a  segunda  do 
lado  do  evangelho.  A  antiga  imagem  de 
Santa  Ritta,  dourada  e  encarnada  de  novo, 
está  do  lado  da  epistola. 

Em  tempos  remotos  este  altar  teve  a  in- 
vocação de  Nossa  Senhora  da  C'^asta,  ou  do 
Crasto,  ou  do  Claustro,  i 

Capella  da  Cruz 

Ha  lambera  no  claustro  duas  grandes  ca- 


>  V.  Villa  de  Souto,  onde  já  fizemos  refe- 
rencia a  esta  capellinha  áe  - Nossa  Senhora 
do  Crasto. 


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VIS 


pellas: — a  da  Cruz  e  a  do  Calvário,  dignas 
de  especial  menção.  Demoram  a  S.E.  do 
claustro; — são  coniiguas— e  estão  no  mesmo 
alinhamento  da  capella  do  Santíssimo^  com 
a  differ^nça  porem  que  para  esta  ultima  se 
entra  pelo  cruzeiro  da  Sé— e  para  as  outras 
duas  enlra-se  pelo  claustro. 

A  da  Cruz  demora  na  extremidade  S.  do 
passeio  S.  E.  do  claustro,  entre  este  e  a  ve- 
lha torre  romana,  denominada  torre  do  re- 
lógio. 

Tem  sobre  o  claustro  um  grande  pórtico 
em  arco;— n'eile  a  data  1567  e  uma  inscri- 
pção— e  por  baixo  d'esta  uma  cruz  esculpi- 
da e  outra  dourada.  O  bispo  D.  Gonçalo  Pi- 
nheiro mandou  fazer  esta  capella  para  seu 
jazigo,  mas,  como  faliecesse  em  1566,  antes 
de  a  concluir,  foi  sepultado  na  capella  mór 
da  Sé. 

V.  no  tópico  dos  bispos  o  n.°  57. 

Funcciooou  n'esia  capella  a  irmandade  do 
Senhor  dos  Passos  muitos  annos  até  1855;, 
data  em  que  passou,  como  já  dissemos,  para 
a  egreja  de  S.  Miguel  do  Fetal.  Veja-se  este 
titulo  no  tcpico  das  Egrejas. 

D.  Gonçalo  Pinheiro  era  muito  devotado  á 
Santa  Cruz  de  Christo,  como  provam  a  ins- 
tituição d'esta  capella  e  a  inscripção  que  fez 
gravar  sobre  o  pórtico  d 'entrada  na  avenida 
de  Fontello. 

Também  se  suppõe  que  o  grande  quadro 
que  hoje  se  vé  na  capella  do  Calvário,  (logo 
a  descreveremos)  foi  mandado  fazer  pelo 
mesmo  bispo  D.  Gonçalo  para  a  capella  da 
Cruz,  á  qual  parece  alludir,  pois  representa 
o  Bom  Jesus  do  Calvário,  e  que  a  irmandade 
dos  Passos  para  ali  o  removêra,  quando  se 
estabeleceu  na  capella  da  Cruz  e  rj'ella  fez 
a  tribuna  com  o  respectivo  camarim  para  a 
imagem  do  Senhor  dos  Passos.  Também  se 
suppõe  que  a  capella  do  Calvário  n'aquelle 
tempo  ainda  não  era  capella,  mas  sacristia 
e  casa  d'arrumação  da  irmandade  dos  Pas- 
sos e  da  capella  da  Cruz. 

Capella  do  Calvário 

Ao  que  já  fica  dieto  d'e3te  templo  accres- 
centaremos  o  seguinte  :  j 
Pela  sua  architeciurá,  antiguidade  e  Ira-  i 


diçôes  è  a  capella  mais  notável  do  claustro 
6  da  Sé.  Na  sua  origem,  não  sabemos  para 
que  uso,  foi  parte  integrante  e  dependência 
dos  velhos  paços  reaes,  cedidos  por  D.  Jaão 
III  a  D.  Miguel  da  Silva,  para  n'tílles  fazer, 
como  fez,  o  claustro,  demolindo  os,  sem  to- 
car no  venerando  edifício,  hoje  capella  do 
Calvário, — edifício,  cuja  fundação  se  ignora, 
mas  que  é  cora  certeza  anterior  à  nossa 
mooarchia,  pois  na  casa  que  sobre  elle  as- 
senta, hoje  sala  capitular.,  viveu  o  prior  S. 
Theolonio  em  1112  a  1119,  como  dizem  a 
tradição  e  a  inscripção  que  se  vê  sobre  a 
porta  da  dieta  sala: 

Haeg  est  domus  a  Divo 
Theotúnio,  hujus  sanctae 
Sedis  patrono,  habitata, 

ET  AB  IlLUSTRISSIMO  CaPITULO, 

Sede  Vagante  instatjrata 

ANNO  1721. 

«Esta  é  a  casa  onde  viveu  S.  Theotonio, 
padroeiro  desta  Santa  Sé,  casa  que  o  illus- 
trissimo  cabido.  Sede  vacanle,  resfaurou  no 
anno  de  1721. • 

A  dieta  capella  é  toda  de  abobada  de  gra- 
nito com  ornamentação  exótica  e  fíguras  in- 
decentes, o  que  revelia  ter  sido  feita  não 
para  templo  oatholico,  mas  para  outro  qual- 
quer destino,  talvez  no  tempo  da  oceupação 
árabe,  e,  segundo  se  suppõe,  foi  jasigo  dos 
primeiros  prelados  visienses,  pois  tem  nas 
paredes  differentes  arcos,  em  um  dosquaes, 
ao  lado  do  evangelho  e  delraz  do  aliar,  foi 
sepultado  em  1463  o  bispo  D-  João  Vicente, 
ou  bispo  azul,  fundador  da  congregação  dos 
loyos,  1— e  n'outro,  do  lado  da  epistola,  o 
cónego  Pedro  Gomes  d'Abreu,  sobrinho  do 
bispo  D.  João  Gomes  d'Abreu,  o  que  com- 


1  V.  no  tópico  dos  bispos  o  n.'»  '47. 
Este  tumulo,  ainda  hoje  o  primeiro  de  Vi- 
seu, é  uma  obra  d'arte  notável,  mas  infeliz- 
mente brilha  pouco,  por  estar  em  sitio  hoje 
muito  falto  de  luz.  O  mesmo  succede  ao  for- 
i  moso  quadro  do  Calvário,  que  está  n'esta 
I  capella  e  que  é  geralmente  aitribuido  ao  ce- 
I  lebre  pintor  Grão  Vasco. 


VIS 


VIS  1577 


prou  em  praça  a  casa  da  Torre  na  rua  da  i 
Cadeia,  onde  nasceu  el-rei  D.  Duarte,  na  i 
qual  poz  as  suas  armas,  que  são  as  mesmas 
que  aqui  tem  o  seu  tumulo.  * 

Alem  d'estas  duas  arcadas,  tinha  outra, 
onde  está  hoje  a  porta  que  dá  para  o  claus- 
tro a  N.  O.  —  e  ca  parede  do  lado  N.  E. 
teve  outro  arco,  onde  hoje  se  vê  um  armá- 
rio que  foi  arrecadação  da  irmandade  dos 
Passos,  quando  esta  funecionava  na  antiga 
Capella  da  Cruz. 

Também  do  mesmo  lado  Ps.  E.  leve  ou- 
tras arcadas,  de  que  ainda  se  vêem  claros 
vestígios  detraz  da  tribuna  da  capella  do 
Santissimo,  na  parede  Iwje  commum  ás  duas 
capellas,  mas  talvez  que  outr'ora  algum  dos 
dictos  arcos  fosse  poria  d'entrâda  ou  janella. 

Note-se  que  o  chão,  onde  está  hoje  a  ca- 
pella da  Cruz,  foi  descoberto  alè  o  anno  de 
1567,  data  da  construcção  da  dieta  capella, 
como  já  dissemos,  e  que  sobre  o  dieto  chão 
a  capella  do  Calvário  tinha  uma  janella  d'ar- 
co  de  volta  inteira  ornamentada,  janella  que 
por  essa  occasião  se  tapou  e  lá  se  vê  tapada 
ainda.  Era  igual  a  outra  que  tem  sobre  o  ei- 
rado, juDio  da  porta  do  Sol,  olhando  como 
a  dieta  porta  para  S.  E. 

Foram  também  do  mesmo  estylo  {arco  de 
volta  inteira)  as  4  janellas,  hoje  rectangula- 
res, que  estão  nas  cap*  lias  de  S.  Pedro  e  S. 
João  Baptista,  aos  lados  da  capella  mór— e 
foram  lambem  d'arc()  imeiro  as  janellas  que 
outr'ora  davam  luz  para  o  corpo  da  Sé,  pois 
ainda  hoje  se  vê  assim  uma,  embora  tapada, 
na  parede  lateral  N.  E.  da  Sé,  detraz  do 
sitio  onde  esteve  o  antigo  órgão, — janella  que 
hoje  está  sobre  a  abobada  das  escadas  que 
da  sacristia  vão  para  o  coro  alto. 

Tem  pois  a  Sé  de  Viseu  janellas  de  3  es- 
lylos,  que  marcam  3  datas  e  3  grandes  re- 
construcções. 

As  mais  antigas  são  as  de  arco  de  volta 
inteira,  coevas  da  1.»  fundação, — da  1.»  abo- 
bada— e  da  antiga  fortalesa  talvez I... 


*  No  Álbum  Visiense,  esplendida  publica- 
ção illustrada,  pôde  ver-se  a  pag.  78  uma 
lytograpbia  representando  a  dieta  casa  e  as 
dietas  armas. 


I     As  de  ogiva  são  posteriores  e  coevas  da 
I  2.»  abobada, — a  abobada  actual  ou  dos  nós, 
feita  nos  princípios  do  século  xvi,  como  logo 
diremos. 

As  rectangulares  são  as  mais  modernas  e 
datam  da  reconstrucção  feita  pelo  cabido  na 
Vacância  de  1640  a  1671. 

Fecharemos  este  tópico  dizendo  que  na 
capella  de  que  no  momento  nos  oecupamos, 
se  vê  no  altar,  junto  da  porta  do  sol,  o  gran- 
de quadro  do  Bom  Jesus  do  Calvário  que, 
segundo  se  suppõe,  deu  o  nome  á  capella, 
depois  que  a  irmandade  dos  Passos  para  ali 
o  removeu  da  capella  da  Cruz,  como  já  dis- 
semos quando  fallámos  delia. 

A  abobada  dos  nós 
ou  de 

D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas 
e 

as  reconstrucções  da 
cathcdral 

A  Só  de  Viseu  tem  obras  d'arte  notáveis 
em  pintura  e  archilectura.  Entre  as  primei- 
ras avultam  os  quadros  de  Grão  Vasco  (logo 
fallaremos  d'elles);— entre  as  segundas  a  lin- 
díssima e  riquíssima  abobada  actual  do  tem- 
plo, denominada  abobada  dos  nós  ou  de  D. 
Diogo  Ortiz  de  Vilhegas,  da  qual  nos  oceu- 
pamos  no  momento. 

Não  sabemos  o  que  seria  a  Sé,  quando  D. 
Fernando  Magno  tomou  Viseu  aos  mouros 
em  1057,  como  já  dissemos  supra,  mas  sup- 
pomos  que  desde  então  demora  intra  muros, 
no  mesmo  local  hodierno,  embora  muito  mo- 
dificada e  por  certo  muito  ampliada. 

Temos  noticia  de  7  grandes  reconstruc- 
ções: 

l.«— No  tempo  do  conde  D.  Henrique— pe- 
los annos  de  1100  a  1112. 

%' — No  tempo  em  que  se  fez  a  1.»  aboba- 
da—em 1282  a  1362  — e  o  antigo  claustro 
— principiado  em  1341. 

3.  » — No  tempo  em  que  se  fez  a  2.*  aboba- 
da, dieta  dos  nós,  concluída  por  D.  Diogo 
Ortiz  de  Vilhegas  em  1513. 

4.  *— Quando  D.  Miguel  da  Silva  fez  o 
claustro  hodierno,  como  já  dissemos,  em 
1534. 


1578  VIS 


VIS 


5.  »— Quando  D.  Jorge  d'Athaide  fez  a  sa- 
cristia actual  e  o  corredor  para  a  eapella  de 
S.  João,  em  1573  a  1578.  i 

6.  *— Na  vacância  de  1640  a  1671. 

7.  »— Na  vacância  de  1720  a  1740. 

V.  o  nosso  Catalogo  chronologico  dos  bis- 
pos de  Viseu. 

Temos  provas  bastantes  de  todas  estas  re- 
coustrucções : 

Da  1.»  e  2  *  em  uma  inscripção  antiga  que 
se  encontra  no  fundo  da  torre  actual  do  re- 
lógio (a  da  frente  da  Sé,  entrando  á  direita) 
da  qual  inscripção,  segundo  a  leitura  de  Be- 
rardo, consta  que  em  5  d'abril  da  era  de 
1320  (anno  1282)  foi  principiada  a  construe- 
ção  de  uma  abobada  da  Sé,  dando  se  por 
finda  na  era  de  1400  (anno  de  1362)  no  dia 
4  de  julho. 

Durou  pois  nada  menos  de  80  annos  a 
coDstrucção  da  dieta  abobada,  o  que  nos  leva 
a  crer  que  as  obras  estiveram  interrompi- 
das algum  tempo,  mesmo  porque  a  citada 
inscripção  diz; — a  qual  obra  querendo  se  aca- 
bar...— E,  fallando  da  abobada,  não  falia 
das  paredes,  d'onde  se  infere  que  estas  jà 
existiam  em  1282,— talvez  desde  o  tempo  do 
conde  D.  Henrique  e  da  rainha  D.  Thereza, 
geralmente  apontados  como  fundadores,  ou 
antes — primeiros  restauradores  da  Sé  actual. 
Francisco  Manuel  até  suppõe  que  as  dietas 
paredes  fossem  da  antiga  fortalesa,  d'algum 
quartel  interior  talvez. 

Também  não  consta  qne  se  fizessem  novas 
paredes  quando  em  ....  a  1513  se  fez  a 
abobada  dos  nós,  o  que  nos  leva  a  crer  que 
as  paredes  actuaes  da  Sé  são  as  mesmas  so- 
bre que  assentava  a  1.*  abobada.  Isto  mesmo 
confirmam  as  2  janellas  antigas  de  2  estylos 
diíTerentes,  que  ainda  hoje  se  vêem  tapadas 
no  alto  da  parede  lateral  N.  E.,  do  lado  ex* 
terior,  sobre  a  abobada  de  tijolo  das  esca- 
das que  da  sacristia  vão  para  o  côro  de  ci- 
ma. Uma  das  dietas  janellas  era  de  arco  de 
volta  inteira  ou  do  tempo  da  antiga  funda- 
ção, como  já  dissemos  quando  falíamos  da 
Capella  do  Calvário; — a  outra  era  ogival,  co- 


1  V.  no  tópico  dos  bispos  o  d.*  58. 


mo  foram  todas  as  do  tempo  em  que  se  fez 
a  abobada  dos  nós  e  que  na  vacância  de 
1640  a  1671  foram  estupidamente  transfor- 
madas pelo  cabido  em  janellas  rectangula- 
res, quando  restaurou  e  deturpou  igual- 
mente a  froDteria  da  Sé. 

Com  relação  ao  claustro  antigo  e  à  3.*  re- 
construcção  da  Sé,  veja-se  o  que  dissemos 
supra  no  tópico  do  claustro  actual  e  o  que 
dizemos  adiante  no  nosso  Catalogo  dos  bis- 
pos visienses,  fallando  de  D.  Miguel  da  Silva, 
pois  este  prelado  também  restaurou  o  côro 
alto  e  o  guarneceu  com  esplendidas  cadeiras 
muito  ornamentadas,  como  pôde  ver  se  nos 
Diálogos  de  Botelho, — cadeiras  que  jà  não 
existem.  Suppomos  que  foram  esmagadas 
quando  em  1635  desabou  a  fronteria  da  Sé 
8  que  o  cabido,  na  barbara  restauração  de 
1640  a  1671,  as  substituiu  pelas  cadeiras 
actuaes,  tirando-lhes  toda  a  bellesa,  como 
tirou  à  fronieria  da  Sé,  substituindo  a  go- 
thica  florida  pela  dórica  e  prosaica  fronte- 
ria actual. 

Também  o  cabido  na  mesma  vacância  de 
1640  a  1671,  ou  na  6."  restaurarão  indicada 
supra,  accrescentou  a  eapella  môr,  por  ser 
muito  pequena  e  não  ter  espaço  para  o  côro; 
— fez  aos  lados  da  eapella  mór  as  capellas  de 
S.  João  e  de  S.  Pedro,  nos  vãos  até  ali  occu- 
pados  por  duas  sacristias;— fez  as  tribunas 
das  3  mencionadas  capellas  e  dos  altares  da 
Senhora  do  Rosario  e  da  Rainha  Santa  Iza- 
substituiu  as  janellas  e  portas  ogivaes 
com  molduras  por  janellas  e  portas  rectan- 
gulares lisas;— fei  também  as  3  columnas 
fingidas  nas  paredes  com  madeira,  estuque 
e  argamassa; — os  2  púlpitos  nas  columnas; 
—as  cadeiras  de  pau  ordinário  no  côro  de 
baixo,  ou  da  eapella  mór,— cadeiras  que  em 
1720  foram  removidas  para  a  eapella  da 
Cruz  e  substituídas  por  outras  de  pau  pre- 
to;—finalmente  fez  a  casa  do  thesouro  novo 
e  collocou  novo  relógio  na  torre  da  fronte- 
ria da  Sé,  a  N.  E. 

A  sala  do  vestuário  do  cabido,  lado  S.  O.,  e 
junto  das  escadas  do  côro,— o  passeio  das 
ameias  sobre  o  claustro  e  ao  longo  do  muro 
da  fortalesa,— a  sala  capitular  e  a  do  ar- 
chiyo,— as  cadeiras  de  pau  preto  que  estão 


VIS 


VIS  1579 


na  Capella  mór,  ete.,— tudo  foi  feito  pelo  ca- 
bido, segundo  se  suppõe,  na  restauração  e 
vacância  de  1720  a  1740, 
Agora  fallemos  da 

Abobada  dos  nós 

Com  razào  se  orgulha  Viseu  de  possuir 
duas  obras  de  pedra  monumentaes  e  únicas 
em  todo  o  nosso  paiz: — a  abobada  actual  da 
Sé— e  as  escadas  do  Seminário  ou  do  antigo 
convento  dos  Nerys,  das  quaes  logo  fallare- 
mos. 

A  abobada  é  monumental  e  única  em  todo 
o  nosso  paiz,  posto  que  temos  em  Portugal 
templos  muito  superiores  e  com  abobadas 
esplendidas,  taes  são  o  de  Santa  Maria  da 
Batalha  e  o  dos  Jeronymos  de  Belém,  mas 
note-se  que  a  pedra  d'estes  2  templos  e  a  de 
todos  ao  sul  do  nosso  paiz,  comprehendendo 
as  duas  Sés  e  a  veneranda  egreja  de  Santa 
Cruz  de  Coimbra,  é  calcareo  dócil  e  maleá- 
vel— que  se  presta  á  goiva  e  formão  e  ás  or- 
namentações mais  mimosas,  em  quanto  que 
a  de  Viseu  é  granito,  pedra  muito  mais  dura 
e  áspera  e  muito  mais  diíficil  de  trabalhar, 
ornamentar  e  polir. 

Que  o  digam  os  estatuários  e  mestres  de 
obras  I . . . 

É  verdade  que  temos  ao  norte  do  nosso 
paiz  mimosos  trabalhos  em  granito,  v.  g.  no 
Porto,  nomeadamente  nas  escadas  do  Pala- 
cio da  Bolsa,  também  únicas  no  seu  género 
em  Portugal,— na  fronteria  dos  Terceiros  do 
Carmo  e  nas  estatuas  que  decoram  a  fronte- 
ria da  nova  egreja  dos  Terceiros  Francisca- 
nos;—em  Braga  na  Sé,  nomeadamente  no  va- 
randim exterior  daeapella  mór  e  no  templo  do 
Bom  Jesus  do  Monte, — e  em  Lamego  no  san- 
tuário dos  Remédios  e  nas  3  portas  da  fron- 
teria da  Sé,  que  pode  orgulhar-se  de  ter  um 
grupo  de  3  pórticos  de  granito,  como  não  se 
encontra  em  templo  nem  ediQcio  algum  de 
Portugal  1 . . . 

Todas  estas  obras  d'arte  são  lindíssimas  e 
custaram  muito  dinheiro,  mas  são  muito 
mais  pequenas  e  custaram  muito  menos  do 
que  a  abobada  da  Sé  de  Viseu. 

Temos  também  ao  norte  do  nosso  paiz  vá- 


rios templos  cora  soberbas  abobadas  de  gra- 
nito, V.  g.  a  da  Só  da  Guarda— as  3  das  egre- 
jas  de  S.  Bento  da  Victoria,  de  S.  João  No- 
vo e  dos  Grillos,  hoje  do  seminário,  no  Por- 
to,—e  a  doextincto  convento  loyo  de  Villar  de 
Frades,  junto  de  Barcellos,  mas  todos  estes 
4  últimos  templos  são  de  uma  só  nave  lisa, 
emquanto  que  a  Sé  de  Viseu  tem  3  naves, 
é  mais  ampla  e  a  sua  abobada  muito  mais 
vasta,  mais  brincada  e  de  mais  difflcil  eons- 
trueção. 

A  Sé  da  Guarda  tem  3  naves  também, — 
é  mais  ampla  talvez,— ioda  de  cantaria  de 
granito— e  tem  mais  mérito  architectonico 
do  que  a  Sé  de  Viseu.  Está  ainda  toda  ameia- 
do^;— foi  construída  por  uma  planta  unifor- 
me—e  poucas  deturpações  tem  soffrido  até 
hoje;  mas  está  alravez  d'uma  barreira  e 
muito  mais  desvantajosamente  situaila  do 
que  a  Sé  de  Viseu;— as  suas  decorações  são 
incomparavelmente  mais  pobres — e  a  sua 
abobada  é  multo  mais  singella,  posto  que 
são  muito  mais  altas  e  de  mais  mérito  artís- 
tico as  columnas  em  que  assenta. 

A  esplendida  abobada  da  Sé  de  Viseu  de- 
nomina-se  abobada  de  D.  Diogo  Ortiz  de  Vi- 
lhegas,  porque  foi  concluída  e  talvez  dese- 
nhada e  dirigida  a  sua  construcção  pelo 
bispo  d'aquelle  nome,  2— e  denomina-se  tam- 
bém^ abobada  dos  nós,  por  ser  ornamentada 
com  laçaria  de  cordas  e  nós. 

Já  em.  1630  o  dr.  Botelho  nos  sem  Diálo- 
gos {Códice  de  Girabolhos,  pag.  401)  fallan- 
do  d'esta  abobada  e  do  seu  fundador,  disse: 


^  A  Sé  de  Viseu  brilharia  o  dobro  se  es- 
tivesse lambem  toda  ameiada,  como  a  egi- 
taniense,  ou  como  a  velha  de  Coimbra,  ou 
como  a  matriz  de  Villa  do  Conde,  pois  de- 
mora em  sitio  alto  e  desalTrontado  com  am- 
plas e  mimosas  vistas  para  todos  os  qua- 
drantes. 

A  da  Guarda  está  em  altitude  superior, 
mas  enterrada  em  uma  barreira  e  afronta- 
da por  ella  e  pela  cidade. 

Os  seus  eirados  das  ameias  teem  vistas 
muito  amplas,  mais  amplas  que  a  de  Viseu, 
para  N.  E.  e  O.— mas  muito  agrestes ! 

2  Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  que 
d'este  prelado  dizemos  na  sua  biographia, 
sob  o  n.o  52  do  nosso  catalogo. 


1580  VIS 


VIS 


— «...vede  o  cordão  de  relevo  de  pedra,  i 
que  tem  pelo  meio  das  naves  com  os  nós  j 
nelle  entalhados  e  tão  perfeitos,  que  pare- 
cem dados  com  a  mão,  sendo  pedra  Ião  du- 
ra e  losea.  O  côro  pela  parte  inferior  iie  obra 
tão  rara,  que  em  o  meio,  onde  feehão  os  ar- 
cos da  abobada,  afigura -se  que  he  mais  bai- 
xa que  08  estribos  donde  se  sustenta  o  peso 
e  maquina  d'aquelle  edifício  tão  pendente^ 
que  parece  sobre-eeu  de  cortinas.  Deixo  os 
mais  relevos  e  lavores,  com  que  he  obrado^ 
que  nem  de  cera  se  fizera  melhor  friso. 

lAs  figuras  e  folhagens  da  porta  princi- 
pal, haveis  de  confessar  não  tendes  visto  coi- 
sa semelhante.  Todo  aquelle  portal  e  o  mais 
frontispicio,  que  está  entre  as  torres,  com  a 
curiosa  invenção  da  vidraça,  que  dá  luz  ao 
côro  he  obra  d'este  insigne  Prelado...» 

A  magnifica  abobada  conserva-se  intacta 
e  firme,  com  toda  a  bellesa  do  estylo  ogival 
do  3."  período,  posto  que  já  conta  cerca  de 
400  annos,  mas  a  fronteria  correspondente, 
tão  rica,  tão  ornamentada  e  tão  bem  des- 
cripta  por  Botelho,  já  não  existe  I  Na  vacân- 
cia de  1640  a  1671,  como  já  dissemos,  o  ca- 
bido (Deus  lhe  perdoei)  a  substituiu  pela 
chata  e  prosaica  fronteria  actual  dórica,  sem 
a  minima  relação  di^  parentesco  ou  affini- 
dade  com  a  velha  fronteria  e  com  a  esplen- 
dida architectura  interior. 

O  cabido  matou  e  enterrou  toda  a  bellesa 
e  magestade  architectonica  da  Sé,— dispon- 
do aliás  de  grandes  sommas,  de  meios  mais 
que  sufFicientes  para  restaurar  a  velha  e  ma- 
gestosa  fronteria,  pois  durante  os  32  annos 
da  vacância  (ella  principiou  em  1639)  as 
rendas  da  mitra  visiense  aceumuladas  subi- 
ram a  mais  de  cento  e  cincoenta  contos  de 
réis,  1  que  sem  exageração  correspondiam  a 
mais  de  tresentos  contos  da  nossa  moeda 
actual. 

A  grande  abobada,  como  diz  uma  inscri- 
pção  que  está  n'ella  sobre  o  côro,  junto  das 


*  Pouco  depois  da  dieta  vacância  (em 
1674)  rendia  o  bispado  de  Viseu  7:200^000 
réis  annuaes. 

Veja-se  o  que  dizemos  do  santo  bispo  D. 
João  de  Mello  no  nosso  catalogo,  n."  69. 


armas  de  D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas,  foi 
concluída  em  1513  por  este  prelado,  que  pro- 
seguiu  com  as  obras  complementares  da  Sé 
e  em  23  de  julho  de  1516,  ou  passados  3  an- 
nos, a  sagrou,!  tendo  principiado  porem  o 
pontificado  d'este  bispo  em  1507,  mal  pôde 
crer-se  que  elle  fizesse  a  grande  abobada 
toda  n'aquelles  6  annos — nem  leria  rendas 
para  tal  obra,  por  não  ter  havido  vacância 
immediatamente  anterior. 

Suppomos  que  as  obras  principiaram 
muito  antes  do  pontificado  de  D.  Ortiz.  Tal- 
vez que  el-rei  D.  Manuel,  sendo  ainda  duque 
de  Beja  e  possuindo  desde  1484,  por  mercê 
de  D.  João  II,  todos  os  bens  que  tinham  sido 
do  ducado  de  Viseu,  desse  principio  à  gran- 
de obra  ou  o  dinheiro  para  ella,  encarre- 
gando D.  Diogo  de  a  dirigir,  antes  de  o  no- 
mear bispo  de  Viseu,  por  ser  D.  Diogo  dis- 
tincto  mathematico  e  architecto,  muito  que- 
rido e  estimado  por  D.  Manuol  e  já  então  seu 
confessor  e  bispo  de  Tanger,  in  partibus  in- 
fidelium,  sem  residencja  obrigada,  achando- 
se  portanto  livre  para  poder  acceitar  a  com- 
missão. 

Isto  mesmo  nos  leva  a  crer  o  facto  de  se 
verem  na  dieta  abobada  as  armas  reaes  por- 
tugupzas  no  cume  da  nave  central, — asd'el- 
rei  D.  Manuel  no  cume  da  nave  N.  E.  em 
escudo  partido  a  meio,  ou  em  lisonja,— e 
a  esphera  armilar,  emblema  do  mesmo  rei, 
no  cume  da  nave  S.  O. 

Suppomos  até  que  as  dictMS  obras  dura- 
ram mais  de  20  annos;— que  principiaram 
no  reinado  de  D.  João  11,  fallecido  em  1495 
e  amigo  também  de  D.  Diogo;— que  el-rei 
D.  Manuel,  succedendo  a  D.  João  II,  as  con- 
tinuou—e que  o  escudo  das  armas  reaes 
portuguezas  no  cume  da  nave  central  se  re- 
fere a  D.  João  II,  como  iniciador  da  grande 
obra. 

Também  na  dieta  abobada  se  vê  junto  das 
janellas  do  côro  alto  as  armas  de  D.  Jorge 
da  Costa,  cardeal  d'Alpedrinha,  antecessor 


1  Veja-se  o  que  dizemos  de  D.  Diogo  Or- 
tiz de  Vilhegas  no  nosso  Catalogo  dos  bispos 
visienses,  n.*  52. 


VIS 


VIS  1581 


de  D.  Diogo,  e  que  foi  bispo  de  Yheu—bem 
como  d'outros  muitos  bispados— em  1506  a 
1507,  o  que  nos  leva  a  crer  que  este  riquís- 
simo prelado  lanribem  contribuiu  para  a  eons- 
trucção  da  dieta  abobada  ^ 

Também  na  capella  d(t  Santissimo  se  vé  na 
abobada  as  armas  do  bispo  D.  Soludidalio, 
porque  talvez  concorresse  igualmente  para 
a  dieta  obra. 

Alguém  suppõe  que  D.  Soludidalio  foi  bis- 
po de  Viseu  pelos  annos  de  1483  a  1486, 
posto  que  d'elle  não  resta  outra  memoria 
alem  das  dietas  armas  e  d  um  sinete ! . . . 

Veja-se  no  nosso  Catalogo  o  n.«  28,  na 
secção  dos  Bispos  duvidosos. 

Ainda  a  Sé 
Altares  e  capellas 

{."—Altar-mór. 

Tem  um  bom  retábulo  de  talha  dourada, 
feito  pelo  cabido  na  vacância  de  1639  a  1671, 
quando  ampliou  a  capella  mór;  * — por  essa 
occasião  collocou  o  velho  retábulo  na  capella 
do  Espirito  Santo— e  poz  lambem  retábulos 
nas  capellas  de  S.  João  Baptista,  S.  Pedro  e 
S.  Sebastião  (hoje  Santissimo  Sacramento) 
em  substituição  das  4  primorosas  pinturas 
de  Grão  Vasco, — piuturas  que  até  ali  for- 
mavam talvez  o  único  adorno  dos  4  al. 
tares  e  que  o  cabido  no  seu  estulto  furor  de 
reformas  apeou  e  substituiu  pelos  retábulos 
que  lá  se  vêem,  persuadido  (?)  de  que  a  ma- 


1  Veja-se  o  n.»  15  no  nosso  Catalogo  dos 
bispos  visienses. 

2  É  isto  o  que  se  lê  na  Memoria  de  Fran- 
cisco Manuel  Correia,  homem  muito  cons- 
ciencioso e  que  estudou  a  Sé  talvez  como 
ninguém  até  hoje;  mas  Berardo  (V.  Idberal 
de  13  de  junho  de  1857)  smiplesmenie  àii: 
—  «A  capella  mór  foi  algum  tanto  ampliada 
nos  princípios  do  século  xviii,  e  alguns  que- 
rem attribuir  esta  obra  ao  bispo  D  João  Ma- 
noel* (1610-1625);— tí  o  padre  Leonardo  de 
Sousa  no  seu  interessanlissimo  Catalogo,  to- 
mo 3  •  fl.  87,  v.,  frtllrindo  do  bispo  D.  João 
de  Mello  e  Trl  nndo-se  ao  anuo  1674  (elle 
governou  de  1673  a  168i)  diz:  -  «Em  Vizeu 
gastou  muitos  mil  crusados  não  somente  na 
factura  da  capella  ma yor,  que  reedificou, /"a- 
zendo  a  maior  e  mais  clara. .  » 

Como  vêem,  não  é  liquido  este  ponto. 

VOLUME  XI 


deira  deurada  tinha  mais  brilho  e  valia  maia 
do  que  08  4  grandes  quadros,  quando  só  o 
de  S.  Pedro  vale  mais,  muito  mais  do  que 
toda  a  entalha  da  Sé  I . . . 

Felizmente  não  lançou  ao  monturo  os  4 
preciosos  quadros,  mas  colloeou-os  nas  pa- 
redes da  sacristia,  a  esmo  e  como  obra  de 
feira,  sem  atlender  às  condições  de  exposi- 
ção e  de  luz,  como  ainda  lá  se  vêem,  pelo 
que  não  brilham  tanto  como  podiam  e  de- 
viam brilhar. 

Também  o  cabido  em  1639  e  1671,  levado 
pelo  furor  das  reformas  e  querendo  assigna- 
lar  o  seu  nome  (bem  tristemente  assignalado 
o  deixou!. . .)  substituiu  a  veneranda  fron- 
teria  gothica  muito  ornamentada  pela  dórica 
e  desgraciosa  que  lá  se  vê  I 

Mais  ainda : 

Fez  nas  paredes  lateraes  da  Só  3  meias 
columnas  lisas  e  fingidas  com  madeira,  ar- 
gamassa e  cal— e  para  symeiria  mascarou 
também  com  argamassa  e  cal  as  lindíssimas 
columnas  centraes  que  sustentam  a  abobada 
e  que  eram  e  são  de  granito  em  caneliuras, 
— caneliuras  que  os  trolhas  barbaramente 
picaram  e  mutilaram  para  melhor  lhes  ada- 
ptarem a  argamassa,  como  se  viu  em  1876, 
quando  os  engenheiros  incumbidos  p^lo  go- 
verno de  restaurar  os  claustros  e  a  Sé,  se 
dispunham  a  limpar  as  dietas  columnas. 
Acharam-nas  tão  mutiladas  na  sua  orna- 
mentação que  houveram  por  bem  drixal-as 
com  a  mesma  cal  e  argamassa  que  osrev."' 
cónegos  em  1639  a  1671  lhes  pozeram. 

Também  o  rev.  cabido  na  mesma  data 
(Deus  lhe  perdoe!...)  levado  p»'lo  seu  fu- 
ror de  renome  e  reformas,  substituiu  pelas 
desgraciosas  jaoeltas  e  portas  lisas  rectan- 
gulares, que  hoje  tem  a  Sé,  as  lindíssimas 
j  anel  las  e  portas  ogivaes  ornamentadas,  que 
D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas  maudou  fazer  em 
perfeita  harmonia  com  a  esplendida  abobada, 
como  já  dissemos,  fallando  da  Capella  do 
Calvário. 

Prosigamos  com  a  enumeração  dos  alta- 
res da  Sé : 

2.  "— S.  Pedro. 

3.  »— S.  João  Baptista. 

Estes  2  altares  estão— o  1."  à  esquerda— 

100 


1582  VIS 


VIS 


e  o  2.°  á  direita  de  quem  sae  da  capella  mor, 
encostados  a  ella,  no  chão  que  ouir'ora  oc- 
cuparam  as  velhas  sacristias,  voltados  para 
o  vã'o  do  cruzeiro  e  para  o  corpo  da  Sé,  pre- 
cisamente no  topo  ou  na  frente  das  duas  na- 
ves lateraes. 

F.  Manuel  aponta  outras  muitas  minuden- 
cias  que  omittimos;  apenas  diremos  que  n'es- 
tes  dois  altares  estiveram  primitivamente 
(segundo  se  suppõe)  2  dos  grandes  quadros 
de  Grão  Vasco,  que  hoje  se  vêem  na  sacris- 
tia:—o  que  representa  S.  Pedro,  príncipe 
dos  Apostolo*  e  que  é  geralmente  conside- 
rado por  nacionaes  e  estrangeiros  a  melhor 
producção  de  Grão  Vasco. — e  o  que  repre- 
senta 8.  João  Baptista  baplisando  o  Redem- 
ptor. 

4.  ° — Santissimo  Sacramento. 

5.  " — Espirito  Santo. 

Estes  dois  altares  estão  em  frente  um  do 
outro  ao  fundo  de  2  grandes  capellas  no  to- 
po dos  braços  da  cruz  latina  que  descreve  a 
planta  da  Sé;— o  1."  á  esquerda  da  capella 
mór;— o  2.»  á  direita. 

O  !  •  foi  ouir'ora  dedicado  a  S.  Sebastião 
e  também  (segundo  se  suppõe  era  primitiva- 
mente formado  pelo  quadro  que  se  vé  na  sa- 
cristia maior,  representando  o  Martyr,  • — o 
t.'  era  também  formado  pelo  quadro  de  Grão 
Vasco,  representando  a  descida  do  Espirito 
Santo  sobre  os  Apóstolos,  — quadro  que  foi 
substituído  pelo  retábulo  da  antiga  capella 
mór,  como  já  dissemos. 

6.  * — Santa  Izabel  Rainha. 

7.  »— Nossa  Senhora  do  Rosario. 

O  1.*  d'estes  dois  altares  está  na  parede 
lateral  da  capella  do  Santissimo,  do  lado  do 
evangelho;— o  2.»  está  em  symetria  com  este 
na  parede  lateral  da  capella  do  Espirito 
Santo,  do  lado  da  epistola,— e  foram  feitos 


*  Em  outros  templos  suecedeu  o  mesmo, 
V.  g.  na  antiquissiraa  egreja  de  S.  Pedro  de 
Uiragaya,  no  Porto.  Também  ali  demora  á 
esquerda  da  capella  mór  a  capella  do  San- 
tissimo, cnjo  altar  lambem  outr'ora  era  de- 
dicado a  S.  Sebastião— e  tinha  igualmente 
um  grande  painel  representando  a  prisão  do 
Afflí/j/r,— painel  que  ainda  hoje  se  vê  lam- 
bem na  sacristia  maior  da  dieta  egreja. 


em  2  arcos  ogivaes  de  duas  portas  que  ha- 
via n'aquellas  paredes,— portas  que  foram 
substituídas  por  outras  rectangulares  que  lá 
se  vêem  nas  paredes  ao  lado  dos  dictos  al- 
tares. Em  frente  dos  díctos  arcos  havia  ou- 
tros 2  no  mesmo  estylo;— um  na  capella  do 
Santíssimo  e  que  dava  passagem  para  o 
claustro;— outro  na  capella  do  Espirito  Santo 
e  que  dava  passagem  para  o  corredor  que 
vae  da  sacristia  grande  para  o  côro  alto.  O 
1.»  foi  tapado  e  n'elle  se  fez  um  mauzoleu 
que  hoje  serve  de  credencia;  i— o  2.»  foi  ta- 
pado e  transformada  em  confessionário. 

Para  mais  mínudencias  com  relação  á  ca- 
pella mór,  capellas  lateraes,  portas,  arcos,  al- 
tares, sacristias,  etc.  veja-se  a  interessante 
Memoria  de  F.  Manoel. 

As  paredes  do  corpo  da  Sé  não  teem  al- 
tares. Apenas  ha  um  no  fundo,  á  direita  de 
quem  entra  e  junto  da  porta  do  claustro. 
Foi  feito  no  vão  do  antigo  baptistério,  pelo 
cónego  Henrique  de  Lemos,  para  cabeça  do 
vinculo  de  Moure,  da  casa  dos  Nápoles  da 
Prebenda,  como  diz  uma  inscripção  que  lá 
se  vê,  mas  sem  data,  pelo  que  se  ignora  o 
anno  da  fundação  da  dieta  capella;  styjpõe- 
se  porem  que  foi  feita  approxímadamente 
no  meado  do  século  xvi  e  que  a  decora- 
ram e  revestiram  com  azulejo  em  1721, 
porque  n'esta  data  foi  feita,  como  já  dis- 
semos, pelo  cabido  a  sala  capitular  sobre 
a  capella  do  Calvário,  e  nota-se  que  o  azu- 
lejo da  dieta  sala  é  igual  ao  da  capella  do 
cónego  Henrique  de  Lemos,  ou  dos  morga- 
dos de  Moure.  2  Não  se  confunda  porem  a  di- 


1  Este  mauzoleu  é  do  fundador  da  dieta 
capella— Lourenço  Coelho  Leitão,  desembar- 
gador do  paço  e  chanceller-mór, — e  de  sua 
mulher  D  Anna  de  Sousa  e  Távora,  como 
diz  a  inscripção  qu*>  lá  se  vê  junto  do  bra- 
zào  dos  Coelhos  Leitões  e  Tavoras,  tendo  si- 
do picado  por  ordem  do  marquez  de  Pom- 
bal o  brazào  dos  Tavoras  e  na  inscripção 
este  appellido 

2  O  cónego  Henrique  de  Lemos  viveu  effe- 
ctivamente  no  meado  do  século  xvi.  D'elle 

i  falia  muito  o  dr  B<tt<  lho  no  dialogo  5;°  cap. 
I  10.  Entre  outras  coisas  diz  que  o  menciona- 
I  do  cónego  mandou  fazpr  o  bello  cruzeiro  de 
I  Santa  Christina  era  1563. 


VIS 


VIS  1583 


cia  Capella  com  o  antigo  baptistério,  em  cujo 
vão  foi  feita,  porque  a  8ua  architeelura  re-  j 
vella  maior,  niuilo  maior  antiguicinde!  Tal-  | 
vez  fosse  coevo  da  i  '  abobada,  principiada,  i 
como  jà  dissemos,  no  anno  de  1282,  e  sup- 
põe-se  que  o  dicto  baptistério,  acanhado  e 
escuro,  ali  funccionou  alé  que  se  fez  o  novo 
e  actual  na  outra  parede,  a  latpral  da  Sé,  en- 
trando à  esquerda,  no  vão  das  escadas  que 
o  bispo  D.  Gonçalo  Pinheiro  mandou  fazer 
em  1553  a  1566,  para  servidão  particular  e 
directa  entre  a  capella  mór  e  o  côro  al- 
to. Suppõe  se  que  até  aquella  data  os  cóne- 
gos subiam  para  o  dicto  côro  por  escadas 
de  caracol  ou  d'outra  qualquer  forma,  que 
estavam  no  vão  da  torre  denominada  hoje 
dos  sinos,  á  esquerda  de  quem  entra  na  Sé, 
o  que  tornava  muito  incommoda  a  passa- 
gem dos  cónegos  da  capella  mór  e  da  sacris- 
tia para  o  côro  alto  (único  então  existente) 
e  V.  V.,  pois  tinham  de  atravessar  toda  a 
Sé!... 

Sacristias 

Eram  3  aniigamente:— duas  aos  lados  da 
pequena  e  antiga  capella  mór,  nos  vãos  das 
capellas  actuaes  de  S.  Pedro  e  S.  João  Ba- 
ptista,—e  uma,  então  muito  pequena  tam- 
bém, junto  da  capella  de  S.  Sebastião,  onde 
estava  o  sacrário,  hoje  capella  do  Santíssi- 
mo, restaurada  e  muito  ampliada  em  1721, 
— e  a  sacristia  grande  ou  do  cabido,  detraz 
da  capella  do  Espirito  Sonío,— sacristia  que 
foi  feita  pelo  bispo  D.  Jorge  d'Athavde  em 
i573,  como  diz  uma  inscripção  que  se  vê 
sobre  a  porta  d'ella,  com  as  suas  armas. 

Suppõe-se  que  o  chão  d'esta  sacristia  an- 
teriormente foi  claustro  e  cemitério, — talvez 
o  claustro  antigo,  de  que  já  fizemos  menção 
DO  tópico  do  claustro  actual;— e  com  toda  a 
certesa  foi  cemitério,  porque  em  1875,  ar- 
rancando-se  o  velho  soalho  que  tinha,  lá  se 
eocoDtraram  ainda  tampas  de  muitas  sepul- 
turas sem  inseripçSes,  sendo  mais  regulares 
16.  Na  mesma  occasião  foi  soalhada  de  novo, 
— coneertaram-se  os  seus  gavetões  e  íize- 
rara  se-lhe  outros  reparos,  bem  como  no  the- 
SOUTO  relho,  contíguo,  como  jà  dissemos. 

N'esta  grande  e  bella  sacristia  se  acham 
os  4  preciosos  quadros  de  Grão  Vasco,  repre- 


sentando S.  Pedro,  S.  Sebastião,  a  descida  do 
Espirito  Santo  sobre  os  Apóstolos  e  S.  João 
Baptista  bapiisando  o  Ri-demptor,  os  quaes 
foram  removidos  dos  4  altares  da  me,-ma  in- 
vocação para  aqui  no  século  xvii,  como  jà 
dissemos,  quando  se  fizeram  os  retábulos 
dos  dictos  altares. 

No  tópico  relativo  a  Grão  Vasco  volvere- 
mos a  fallar  d'e!'te3  4  grandes  quadros  e 
d'outros  d'esie  notável  pintor  visiense. 

Azulejo 

Ha  na  Sé  muito  azulejo  de  diíTerentes  pa- 
drões e  diíTerentes  datas. 

Segundo  se  lô  na  Memoria  de  F.  Manoel, 
o  azulejo  mais  antigo  é  o  da  sacristia  e  da 
capella  do  Santíssimo.  Talvez  date  de  1629, 
como  elle  suppõe. 

O  do  antíjzo  baptistério  e  o  da  sala  do  ca- 
bido é  de  1721. 

O  restante  data  da  grande  vacância  de 
1639  a  1671.  Ha  entre  elle  azulejo  estampado 
de  muito  merecimento,  representando  diffe- 
renies  factos  da  vida  de  S.  Theotonio,  pa- 
droeiro da  cidade  de  Viseu  e  que  foi  primei- 
ramente cónego  d'esta  Sé,  depois  prior  e  go- 
vernador d'este  bispado— e  por  ultimo  prior 
dos  cónegos  regrantes  de  Santa  Cruz  de 
Coimbra,  como  dizemos  no  nosso  Catalogo 
dos  bispos  visienses. 

Depois  que  em  1119  renunciou  o  priorado 
e  governo  do  bispado  de  Viseu,  fez  duas  pe- 
regrinações á  Palestina  em  visita  aos  Laga- 
res Santos  e  na  2.*  soffreu  no  mar  grandes 
tribulações  com  uma  tempestade  horrorosa 

A  este  facto  allude  o  1."  lanço  do  dicto 
azulejo  que  se  vê  na  parede  lateral  da  Sé, 
entrando  à  direita. 

O  2  "  lanço  d'azulejo  da  mesma  parede  re- 
presenta-o  jà  como  prior  de  Santa  Cruz  de 
Coimbra  dando  o  habito  a  muitos  dos  seu» 
cónegos. 

O  3.»  lanço  d'azulejo  da  mesma  parede  re- 
presenta S.  Theotonio  recebendo  festiva- 
mente na  egreja  de  Santa  Cruz  a  D.  Affonso 
Henriques,  volvendo  triumphante  da  batalha 
do  campo  d'Ourique  a  render  graças  ao  céu 
com  08  seus  capitães  e  soldados,  levando 
como  tropheu  5  reis  mouros  prisioneiros. 


1584  VJS 


VIS 


Órgãos 

Tem  a  Sé  um  bom  órgão,  mandado  fazer 
nos  priDcipios  d'este  século  pi  lo  santo  pre- 
lado D,  Francisco  Monteiro  Pereira  d'Aze- 
vedo  em  substituição  d'outro  muito  antigo 
que,  segundo  se  suppõe,  datava  dos  princi- 
pios  do  século  xvi,  ou  do  tempo  em  que  se 
fez  a  esplendida  abobada  actuai,  e  que  oc- 
cupava  approximadamente  o  mesmo  sitio  do 
novo  órgão  entre  duas  coiumnas  da  nave 
lateral,  entrando  na  Sé,  á  esquerda.  Não  o 
concluiu  e  assim  se  conserva,  mas  dispendeu 
com  elle  mais  de  vtnie  mil  crusados  ou  de  8 
contos  de  reis  que  por  certo  correspondiam 
a  i5  ou  16  contos  da  nossa  moeda  actuai  I 

Para  evitarmos  repetições  veja-se  no  nosso 
Catalogo  dos  bispos  visienses  o  tópico  relativo 
a  este  venerando  prelado. 

Torres 

Quando  fallarmos  das  Antiguidades  de  Vi- 
seu, fallaremos  das  velhas  torres  romanas 
de  que  ainda  existem  duas,  embora  reslau 
radas  e  muito  modificadas,  mas  que  na  opi- 
nião de  F.  Manuel  eram  4^  tendo  desappare- 
eido  ha  muito  as  outras  duas.  Agora  falía- 
mos das  torres  da  Sé,  que  também  são  duas 
e  se  erguem  aos  lados  da  sua  fronteria,— 
unaa  á  direita  de  quem  entra,  denominada 
torre  do  relógio,  porque  para  ella  se  trans- 
feriu o  relógio  que  antigamente  estava  junto 
da  velha  torre  romana,  também  por  isso  de- 
nominada do  relógio,  na  extremidade  S.  do 
lanço  que  ainda  hoje  resta  da  amiga  for- 
talesa; — a  outra  torre  da  Sé,  entrando  á  es- 
querda, denomina-se  torre  dos  sinos  desde 
que  para  ella  se  mudaram  os  sinos  que  an- 
teriormente estavam  na  velha  torre  romana, 
denominada  do  relógio  ou  torre  grande,  que 
hoje  serve  de  despejo  ao  cabido. 

Das  duas  torres  da  Sé  desabou  a  dos  si- 
nos, como  já  dissemos,  no  dia  10  de  feve- 
reiro de  1635,  levando  d'envolta  a  fronteria 
da  cathedral  e  despedaçando-se  os  sims  to-  j 
dos,  exceptuando  j  denominado  —  bêbado,  j 
•por  tocar  em  outro  tempo  mais  antigo  a  j 
buscar  o  provimento  para  os  reverendos  co-  ' 


negos,  vivendo  o  bispo  D.  João  Martins,  pe- 
los annos  de  1388. '  Com  o  mesmo  sino  que 
ainda  existe  (diz  o  padre  Leonardo  de  Sousa 
no  seu  catalogo,  tomo  3.»  fl.  54,  v.,  escripto 
em  1767)  se  toca  a  convocar  o  illustrissimo 
cabido  nas  quartas  e  sabbados  da  semana.» 

Depois  o  cabido  em  1639  a  1671  mandou 
fazer  de  novo  a  fronteria  e  restaurar  a  torre, 
da  qual  apenas  aproveitou  os  alicerces  e  al- 
guns melros  da  base.  A  parte  restante  foi 
toda  feita  de  novo  em  perfeita  symetria  com 
a  torre  do  relógio,  que  escapou  da  catastro- 
phe.  Apenas  fez  também  de  novo  a  cúpula 
d'esia  em  harmonia  com  a  nova  cúpula  que 
poz  na  dos  sinos. 

As  duas  torres  eram  iguaes  e  muito  anti- 
gas. F.  Manuel  suppõe  que  pertenciam  à 
velha  fortalesa,  mas  nós  suppomos  que  per- 
tenciam á  velha  cathedral  do  tempo  do  con- 


*  Respeitamos  muito  a  memoria  do  padre 
Leonardo,  mas  aqui  também  claudicou  (nos 
parece),  pois,  como  dizemos  no  nosso  cata- 
logo, este  bispo  D.  João  Martins  governou 
pelos  annos  de  1375  a  1378  (não  1388).  Alem 
d'Í8so  a  torre  grande,  do  relógio  ou  dos  si- 
nos, foi  dada  pelo  nosso  rei  D.  João  I  ao  bis- 
po D.  João  Homem  a  27  de  fevereiro  do  anno 
1392;— &  mesmo  prelado  D.  João  Homem 
(não  D.  João  Martins)  nVlla  puz  os  sinos, 
mandando  fundir  de  novo  dois: — o  de  Nossa 
Senhora,  com  as  armas  da  familia  Homens, 
na  era  de  1431  (anno  I39u)— e  no  anno  se- 
guinte mandou  fundir  ouiru,— com  que  cka- 
mão  a  cabido— áiz  o  dr.  Botelho,  e  que  tinha 
a  inscripção  seguinte : 

Dns  Johãs  Epi?  Vicensis  me  fiso 
ERA  1432. 

Em  vulgar : 

D.  João,  bispo  de  Viseu,  me  fez  na  era  de 
1432-(anno  1394). 

Foi  este  o  tal  sino.  depois  denominado  ftí- 
bado,  que  escapou  ao  naufr^igio  e  que  ainda 
lá  existia  em  1767,  contando  a  bagalella  de 
373  annos?!... 

Welle  se  verificou  o  annexim  : 

«Ao  menino  e  ao  borracho 
Pôe-lhes  Deus  a  mão  por  baixo.» 

Hoje  (1887)  o  sino  mais  antigo  da  Sé  de 
Viseu  data  de  1814— e  o  mais  moderno  data 
de  1872. 


VIS 


VIS  1585 


de  D.  Henrique  e  da  rainha  D.  Tareja,— e  j 
que  terminariam  em  eirado  com  ameias  t 
para  defesa  e  ultimo  refugio  em  lempo  de 
guerra. 

Nas  dietas  torres  e  na  cathedral  se  reco- 
lheram os  habitantes  de  Viseu  ainda  no  tem- 
po do  nosso  rei  D.  João  I,  quando  os  hespa- 
nhoes  tomaram,  saquearam  e  incendiaram 
esta  cidade,  que  então  tinha  os  muros  des- 
manti^lados,  coroo  diremos  adiante, 
f  As  duas  torres,  como  pôde  vêr-se  na  iyto- 
graphia  representando  a  Sé,  a  pag.  4  âo  Ál- 
bum Visiense,  são  hirtas,  pesadas,  desgra- 
cio.*as,  muito  singelas  e  relativamente  bai- 
xas. 

Terminam  em  coruchéus  redondos  que 
partem  de  um  pequeno  eirado  com  balaus- 
trada de  pedra,  ficando  a  dieta  balaustrada 
quasi  no  mesmo  nível  do  limpano  da  Sè, — 
e  desde  o  pavimento  até  á  dieta  balaustrada 
são  formadas  por  paredes  lisas  e  compactas, 
sem  frestas  nem  cornijas,  nem  a  minima  or- 
namentação. Apenas  tem  cada  uma  8  ven- 
tanas  ou  janellas  para  os  sinos,— er»  nivel 
inferior  ao  do  tímpano  da  Sé\. . . 

De  passagem  diremos  que  as  torre*  mais 
lindas  que  ha  hoje  n'esta  província  da  Beira 
Alta  são  as  do  formoso  santuário  dos  Remé- 
dios, em  Lamego. 

Arcas  e  cubas 

Desde  tempos  muito  remotos  se  guarda- 
vam na  Sé,  por  ser  mais  defensável,  os  dí- 
zimos do  pão,  vinho  e  azeite,  pertencentes  ao 
cabido  e  prelados,  pelo  que  n'ella  havia 
grandes  arcas  e  cubas,  mas  o  bispo  D.  João 
Pires  as  mandou  remover  no  anno  de  1388, 
porque  pejavam  e  affrontavam  a  Sé.  * 


1  O  dr.  Botelho  {Dial.  4.»  cap.  31)  diz:— 
•  Por  hua  sentença  consta  viver  este  bispo 
(refere-se  a  D.  João  Martins,  mas  nós  jul- 
gamos que  era  o  bispo  D.  João  Pires)  pelos 
annos  de  1388,  da  qual  se  vé  que  fez  tirar 
as  cubas  e  orca»  de  deniro  da  Sé,  onde  até 
então  se  recolbíão  os  dízimos,  e  fruetos,  e 
d'ali  se  repartiâo,  mandando  a  certas  horas 
buscar  cada  hum  dos  capitulares  sua  ração 
de  pão.  e  vinho,  para  o  que  se  tocava  o  si- 
no, que  por  esta  causa  lhe  ficou  o  nome  de 


Muito  provavelmente  apenas  recolhiam  na 
Sé  os  dízimos  do  aro,  aliás  não  caberiam 
n'ella;— e  tomal-a  hiam  toda  só  as  cubas,  se 
o  cabido  e  prelados  de  Viseu  colhessem  lanto 
vinho  como  outr'ora  colhia  o  abbade  de  Lo- 
brigas, no  concelho  de  Penaguião,  pois  consta 
que  chegou  a  colher  só  em  um  anno  1:000 
pipas  de  530  litros  nas  suas  duas  parochias 
de  S.  João  e  S.  Miguel  de  Lobrigas,  i— alem 
dos  dízimos  d'azeite,  frueta,  cereaes,  etc. 

Foram  os  abbades  mais  ricos  de  Portugal. 
Tiveram  de  renda  13  a  20  contos  de  réis  e, 
como  se  isto  não  bastasse,  foram  também  al- 
gum tempo  inspectores  das  estradas  do  Dou- 
ro, pelo  que  recebiam  mais  uma  peça  de 
6^000  réis  por  dia  ?/.. . 

Nós  já  vimos  os  seus  grandes  armazéns,, 
denominados  ainda  hoje  casa  da  renda,  on- 
de armazenavam  e  lotavam  por  vezes  o  vi- 
nho de  dois  annos.  Parecem  um  convento! 

Aquelles  abbades  eram  tão  ricos,  que  certo 
prelado  de  Lamego  tentou  permutar  com  um 
d'elles. 

V  Lobrigas  n'e8te  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 

Factos  importantes 

Fecharemos  este  tópico,  mencionando  3 
factos  notáveis  que  prendem  com  a  Sé  de 
Viseu. 


bêbado,  e  a  rasão  de  estarem  dentro  da  Sé 
as  cubas,  era  por  não  ter  a. cidade  muros, 
nem  haver  outra  fortalesa,  onde  estivessem 
seguros  os  mantimentos  das  guerras,  que  ti- 
nham os  Reis  de  Portugal  com  os  de  Gas- 
tella...» 

Do  exposto  se  vê  que  o  tal  sino,  denomi- 
nado bêbado,  já  existia  em  1388,  como  diz 
Boielho  supra;— logo  não  podia  ser  o  sino 
mandado  fa/.er  pelo  bispo  D  João  Homem  no 
anno  de  1393  com  que  chamam  a  cabido,  co- 
mo diz  o  mesmo  dr.  Botelho.  Eram  dois  si- 
nos differentes  e  parece  que  o  Padre  Leo- 
nardo os  confundiu,  dizendo  serem  um  e  o 
mesmo  t . . . 

Veja-se  o  tópico  Torres  sob  o  titulo  Ca- 
thedral. 

í  Estas  duas  parochias  ainda  em  1840  pro- 
duziram 3.316  pipas,  mas  deviam  produzir 
muito  mais,  quando  as  plantações  eram  no- 
vas. 


1586  VIS 


VIS 


I 

Em  geral  os  bispos  visienses  foram  muito 
estimados  e  respeitados  pelos  seus  diocesa- 
nos, nomeadamenle  o  benemérito  bispo  e 
bispo  modelo  D.  João  de  Bragança,  cujo  pon- 
tificado se  prolongou  de  1599  a  1609  Man- 
teve no  melhor  pé  a  disciplina  eccksiastica  e 
os  bons  costumes  sem  violências,  reprehen- 
soes  nem  castigos;^ial  era  o  prestigio  do  seu 
nome  e  o  respeito  que  infundia  a  todos; — mas 
outros  foram  muito  desconsiderados  e  até 
odiados  pela  sua  imprudência  e  falta  de  cri- 
tério. Citaremos  apenas  dois: — D.  João  Go- 
mes ã' Abreu  e  D.  Julio  Francisco  d' Oliveira. 

Aquelle  governou  de  1466  a  i482  e  o  seu 
ponlifÍL-adú  foi  uma  serie  consiante  de  bu- 
lhas com  os  visienses, — bulhas  t<T,o  encarni- 
çadas que  um  dia,  quando  elias  estavam  no 
período  mais  agudo,  foi  encontrado  morto  na 
cama  fulminado  por  um  ataque  apopielico, 
proveniente  dos  desgostos  que  o  ralavam — 
ou  de  veneno  que  lhe  propinaram,— segunâo 
dizem  os  seus  biographos. 

D.  Julio,  sendo  aliás  ura  bispo  de  bons 
costumes,  muito  tractavel,  muito  illusirado, 
muito  amante  de  festas  e  generosissimo,  du- 
rante os  2õ  annos  do  seu  longo  poutitkado 
(1740  a  1765)  teve  dias  de  grande  satisfação, 
mas  outros  muito  amargos  e  tanto  que  suc- 
cumbiu  também  fulminado  por  um  ataque 
apopletico,  proveniente  dos  seus  grandes 
desgostos. 

Por  causa  de  uma  pouca  de  palha  que  o 
juiz  de  fora  lhe  embargou,  dispendeu  mais 
de  vinte  e  cinco  mil  crusados,  que  por  certo 
correspondiam  ao  dobro  ou  a  mais  de  vinte 
contos  de  réis  da  nossa  moeda  actual; — ex- 
commungou  e  fez  prender  e  degradar  para 
fôra  de  Viseu  o  dicto  juiz,  um  vereador,  o 
procurador  da  camará,  o  alcaide,  o  mpiri- 
nho,  4  bacharéis  e  4  escrivães,  mas  tal  odio 
lhe  votaram  os  visienses,  tanto  o  desconsi- 
deraram e  tantos  desgostos  lhe  causaram, 
que  chorou  lagrimas  de  sangue  I. . . 

Sendo  bastante  altivo,  mas  não  vendo  meio  i 
de  açaimar  a  irritação  dos  visienses,  tomou 


uma  resolução  extrema,  heróica,  e  foi  a  se- 
guinte : 

Por  OL-casião  da  festividade  dos  Reis,  em 
seguida  ao  pontifical  que  celebrou  na  Só,  fez 
da  sua  cadeira  uma  commovente  pralu-a; — 
depois  levantou  se; — foi  pôr  se  de  joelhos  no 
meio  do  côi  o  da  Capella  mór;—  pediu  perdão 
a  todos  em  geral  e  a  cada  um  em  particular, 
do  mau  exemplo  que  lhes  havia  dado  com  o 
seu  governo; — em  seguida  levantando-se  pe- 
diu  a  todos  que  se  sentassem  e,  banhado  em 
lagrimas,  os  foi  abra<;ando  a  todos  pelos 
pès?  l... 

Este  facto  heróico  >'  único  nos  annaes  da 
diocese  de  Viseu  e  talvez  nos  das  dioceses 
de  Purtugal  e  da  península,  commoveu  pro- 
fundamente a  lodos — e  todos  ali  depozeram 
ódios  e  resentimenlos. 

Foi  mais  longe  ainda  a  magnanimidade  de 
D.  Julio: — perdoou  aos  ecclesiasticos  que 
ao  tempo  se  achavam  presos  e  a  outros  que 
se  haviam  horaisiado — e  deu  largas  esmo- 
las. 

É  este  um  dos  tópicos  mais  interessantes 
da  interessante  biographia  de  D.  Julio  Fran- 
cisco d'Oliveira,  escripta  pelo  padre  Leonar- 
do de  Sousa,'  seu  contemporâneo  e  amigo 
sincero  e  dedicado  e  como  D.  Julio  também 
congregado  do  Ora<o?*w,— biographia  que  da- 
remos no  supplemenio  ao  artigo  Viseu,  por- 
que, a  despeito  dos  nossos  esforços  para  a 
resumirmos,  ficou  muito  longa  e  muito  longo 
vae  também  já  este  artigo. 

Outro  facto 

II 

As  freiras  de  S.  Luiz  do  Pinhel 
bivacando  na  Sé  de  Viseu 

No  tempo  do  bispo  D.  Jeronymo  Soares 
(1694  a  1720)  depois  de  grandes  desintelli- 
gencias  entre  o  provincial  e  as  freiras  fran- 


1  Catalogo  dos  Bispos  de  Viseu  (ms.  e 
exemplar  unicol...)  tomo  3°,  liv.  3.°,  eap. 
2»,  3.°,  4  °,  5»,  6.°,  7  »,  8.°,  9.",  IO.»  e  11.» 
de  fl.  135  a  é  fi.  24á,  mihi. 

É  uma  biographia  esplendidal . . . 


VIS 

ciscanas  de  S.  Luiz  de  Pinhel,  resolveram  as 
freiras  de-ligar  se  do  provincial  e  render 
obediência  sòmeole  ao  bispo  diocesano,  que 
entào  era  o  de  Viseu.  Com  este  inluilo  um 
bello  dia  deixaram  o  convento  28  das  dietas 
freiras;— metteram-S8  em  carros  de  lavoura, 
toldados  cora  ramos,  colclias  e  lençoes  (era 
no  rigor  do  verão)— e,  acompanhadas  pelos 
seus  capellães  e  criadas,  seguiram  pára  Vi- 
seu, aonde  chegaram  no  dia  6  d'agoslo  de 
1710. 

Apearam-se  junto  da  quinta  de  Fonlello; 
— hastearam  a  cruz  conventual,— cobriram 
o  rosto  com  os  véus— e  em  2  alas  marcha- 
ram proeessionaltnente  para  o  paço  episco- 
pal da  Sé,  onde  residia  o  prelado.  Sendo  este 
prevenido,  mandou  fechar  as  portas  do  paço 
e  dizer-lhes  que  as  não  recebia.  Estando  as 
freirinhas  já  no  adro  e  vendo  aberta  a  porta 
da  Sé,  por  haver  lindado  n'aquelle  instante 
o  coro  da  manhã,  entraram  para  ella.  Man- 
dou também  logo  o  bispo  fechar  as  portas 
da  Sé  e  lá  ficaram  as  freiras  resando,  con- 
ferenciando e  descançando,  pois  iam  fatiga- 
díssimas com  a  longa  e  penosa  jornada  e 
com  o  ardente  sol  d'agosto. 

Mandou  o  santo  bi-po  servir-lhes  mesmo 
na  Sé  um  abundante  jantar, —sempre  cora 
as  portas  fechadas,  pelo  que  de  tarde  não 
houvb  eòro, — e  ao  declinar  do  dia  ordenou 
que  se  recolhessem  ao  convento  das  religio- 
sas beoediciinas  de  Viseu,  onde  se  conser- 
varam aié  que  em  outubro  do  mesmo  anno 
as  obrigou  a  voltarem  para  o  seu  convento 
de  Pinhel,  acompanhadas  pelos  ministros  ec- 
clesiasiieos  e  por  diíTerentes  cavalheiros  de 
Viseu. 

Assim  terminou  este  episodio  monástico. 

Também  no  governo  d'este  santo  bispo,  a 
5  de  março  do  dicto  anno,  cahiu  um  raio  na 
Sé  e  jà  haviam  cahido  n'ella  mais  dois. 

Veja-se  no  nosso  Catalogo  dos  bispos  vi- 
sienses o  tópico  relativo  a  D.  Jeronymo  Soa- 
res. 

III 

Grande  desordem  na  Sé  de  Viseu 
entre  os  cónegos  e  metos-conegos 

Os  cónegos  da  Sé  de  Viseu  foram  se 


VIS  1587 

muito  ciosos  da  sua  dignidade  e  prerogati- 
vas.  Tinham  o  fôro  de  cavalleiros  fidalgos, 
açougue  próprio,  o  cargo  d'almotaceis  em 
mezes  alternados  cora  o  almotaeé  nomeado 
pela  camará,  e  exempção  do  tributo  deno- 
minado cavallaria  ou  cavallode  Maio,^  mas 
em  1635,  estando  os  cónegos  a  governar  a 
diocese  sem  elegerem  vigário  capitular,  co- 
mo manda  o  concilio  de  Trento,  na  vacância 
pela  morte  do  bispo  D.  Miguel  de  Castro, 
quizeram  mais  um  distioctivo  nas  raurças. 
Sendo  ellas  todas  pretas,  com  forros  e  abo- 
toadura  da  mesma  côr  e,  sabendo  que  os 
cónegos  d'outras  dioceses,  incluindo  a  de 
Braga,  metrópole  da  de  Viseu,  já  tinham 
murças  pretas  forradas  de  carmesim  com 
pospontos,  abotoadura  e  cairel  da  mesma 
'côr,  em  sessão  capitular  de  13  de  jmeiro  do 
dicto  anno  resolveram  nemine  discrepante 
usar  também  murças  forradas  de  carmesim» 
etc,  só  os  cónegos— e,  usando  ou  abusando 
da  jurisdieção  ordinária  como  governado- 
res da  diocese,  estipularam  penas  gravíssi- 
mas contra  os  meios  cónegos,  se  recalcitras- 
sem, como  effectivamente  recalcitraram,  al- 
legando  que  entre  elles  e  os  cónegos  jàmais 
houvera  nem  consentiam  que  houvesse  dis- 
tineção  nas  murças. 

Correu  o  pleito  entre  os  cónegos  e  meios 
cónegos  por  causa  das  murças  e  com  tanto 
azedume  como  no  século  seguinte  a  celebre 
questão  do  hyssope  entre  o  bispo  e  o  deão 
d'Elva3;  só  lhes  f^iltou  um  cantor  como  A. 
Diniz  da  Cruz  e  Silva. 

Foram  tantas  e  tão  escandalosas  as  peri- 
pécias, que  o  vulgo  lhesattribuiu  como  cas- 
tigos  do  ceu  os  casos  extraordinários  que  en- 


1  Certo  tributo  de  umas  tantas  libras  ou 
soldos  que  em  Viseu  e  no  seu  alfoz  pagavam 
lodos  os  annos  no  1."  dia  de  maio  os  chefes 
de  familia  que  não  tivessem  cavnllo  de  mar- 
ca, próprio  para  guerra.  Este  tributo  cor- 
respondia ao  ái  colheita  Jugada  onfossadei- 
ra—e  d'elle  foram  isentos  os  cónegos  pelo 
foral  que  a  rainha  D.  Thereza  deu  á  cidade 
de  Viseu  em  1123,  coufinnailo  por  el-rei  D. 
Diniz  na  concordata  de  20  d'ago3to  de  1292. 

V.  Cavalleito  e  Cavallo  de  Maio  em  Vi- 
terbo—e  n'este  artigo  o  tópico  Foraes. 


1588  VIS 


VIS 


tão  aterraram  Viseu,  tal  foi  uma  horrorosa 
tormenta  que  no  dia  8  e  9  de  fevereiro  do 
mesmo  anno  de  1635  pesou  sobre  a  cidade. 

O  vento  arraneou  e  destroçou  muitos  cas- 
tanheiros e  oliveiras  seculares,  causando 
grande  pr^juiso  nos  contornos  de  Viseu; — 
cahiram  e  deslelharam-se  differenles  casas; 
— a  chuva  foi  tanta  que  parecia  ura  novo  di- 
luviei— e  o  pânico  subiu  de  ponto  quando 
a  10  do  diclo  mez  e  anno,  pelas  2  para  as  3 
horas  da  tarde,  estando  os  cónegos  resando 
completas,  desabou  a  torre  dos  sinos  com  a 
fronteria  da  Sé!  Não  cessou  porem  a  vergo- 
nhosíssima contenda.  Pelo  contrario,  exacer- 
bou-se  com  o  facto  seguinte: 

No  sabbado  immediatamente  anterior  á 
dominga  da  quioquagessiraa  ou  do  entrudo 
(o  tempo  era  próprio,  mas  o  local  impró- 
prio) dia  17  de  fevereiro  do  dicto  anno,  à 
estação  da  missa  do  dia,  com  o  Santíssimo 
exposto,  por  ser  véspera  da  festividade  de 
S.  Theotonio,  padroeiro  de  Viseu,  sete  dos 
meios  cónegos  mais  resolutos  apresentaram- 
se  no  côro  com  murças  iguaes  ás  novas 
murças  dos  cónegos.  Ficaram  estes  desespe- 
rados e  logo  o  arcypreste  Ignacio  Dias,  que 
estava  presidindo  ás  dietas  vésperas,  na  falta 
d'outra  dignidade  superior,  o  que  não  abona 
muiio  a  dignidade  do  cabido  d'enlão,  por  se 
tractar  da  festa  do  padroeiro,  como  já  dis- 
semos,—fulminou  os  sete  meios  cónegos  cora 
as  censuras  da  egreja  e,  como  elles  as  des- 
pregassem, implorou  o. auxilio  do  braço  se- 
cular para  os  constranger  a  deporem  as  mur- 
ças, Sdb  pena  de  prisão. 

A  força  publica  invadiu  a  Sé  e  a  capella 
mór,  estando  o  Santíssimo  Sacramento  ex- 
posto,—e  o  conflicto  excedeu  as  raias  do  es- 
cândalo I  Os  7  meios-Cbnegos  reagiram,  mas 
a  final  tiveram  de  ceder  á  força  numérica 
dos  beleguins  e  dos  cónegos; — todos  7  foram 
levados  de  roldão  pela  porta  fóra,  com  es- 
panto dos  fieis  que  estavam  assistindo  á 
missa,— rasgaram  lhes  as  murças  e  mette- 
ram-Los  no  aljube.  Seguiram  se  logo  pro- 
testos e  appellações  e  foram  postos  em  li- 
berdade, não  conseguindo  porem  sentença 
definitiva  a  seu  favor,  passados  dias,— na  1." 
quinta  feira  da  quaresma,  a  22  do  dicto  méz 
e  anno, — tornaram  a  litigar  sobre  o  mesmo 


ponto.  Prolongou-se  o  pleito  muito  tempo 
(durou  annos?!)  interpondo  se  embargos  de 
uma  e  outra  parte  e,  não  querendo  os  pre- 
lados intervir  na  contenda  para  não  magoa- 
rem os  cónegos  nem  os  meios-conegos,  fica- 
ram estes  usando  das  novas  murças  até 
hoje. 

Por  bom  preço  as  pagaram,  nomeada- 
mente bs  taes  sete  I 

Sobre  tão  estranho  acontecimento  veja-se 
o  Catalogo  dos  Bispos  de  Viseu  pelo  padre 
Leonardo  de  Sousa,  tomo  3."  fl.  53,  v.,  54  e 
55;— o  Dialogo  5.»  cap.  23,  do  dr.  Manuel  Bo- 
telho Ribeiro,  testemunha  ocular  da  tormen- 
ta, como  diz  o  cónego  José  de  Oliveira  Be- 
rardo,—e  as  Memorias  do  próprio  cónego 
Berardo,  publicadas  no  Liberal,  n.»  iO  de  6 
de  junho  de  1857. 

Todos  estes  auetores  concordara  no  es- 
sencial, mas  divergem  n'algumâs  eireums- 
tanclas,— e  Berardo,  depois  de  dizer  que  exa- 
minou os  documentos  judiciaes,  accreseenta 
—  que  a  final  os  meios-conegos  obtiveram 
provimento  nos  aggravos  recebidos,— confir- 
mação na  posse  de  trazerem  murças  iguaes 
às  dos  cónegos — e  que  estes  foram  conde- 
mnados  nas  perdas  e  damnos  que  lhes  ha- 
viam causado. 

Não  se  extinguiu  porem  nos  rev."'  cóne- 
gos o  estulto  desejo  de  se  extremarem  e  dis- 
tinguirem dos  meios-conegos  e  com  este  ir- 
rosorio  intuito  no  pontificado  do  santo  bispo 
D.  Francisco  Monteiro  Pereira  d' Azevedo 
(1792  a  1819)  pediram  e  obtiveram— 5Ó  para 
elles  cónegos — o  dislinctivo  de  meias  e  cin- 
tas rubras  e  borlas  verdes  nos  chapéus.  Bo- 
taram novamente  as  novas  insígnias  pulando 
de  contentes  e  batendo  palmas  por  haverem 
achatado  os  meios  cónegos,  mas  estes  tam- 
bém sem  demora  obtiveram  igual  concessão 
e  os  cónegos  ficaram  outra  vez  de  cara  á 
banda?!... 

Era  bem  mais  numeroso  então  do  que  é 
hoje  o 

Cabido  de  Viseu 

Actualmente  apenas  conta  3  cónegos  e  1 
meio  conego  ou  meio  prebendado,  todos  de- 


VIS 


VIS  1589 


crepitos.  São  os  seguintes  pela  ordem  chro- 
nologica  da  sua  apresentação : 

i.'—D.  Gaudêncio  José  Pereira,  bacharel 
formado  em  direito  pela  universidade  de 
Coimbra. 

Foi  apresentado  cónego- professor  com  o 
ónus  de  ensino  no  seminário  diocesano  por 
decreto  de  22  d'oulubro  de  1863;— regeu 
com  muita  dignidade  a  cadeira  de  direito 
canónico; — foi  vigário  gerai  da  diocese  no 
tempo  do  bispo  D.  Antonio  Alves  Martins  e, 
por  morte  dVlle,  vigário  capitular  sed^  t?a- 
cante  desde  5  de  fevereiro  de  1882  até  23  de 
agosto  de  1883,  data  em  que  tomou  posse  o 
prelado  actual,  por  procuração  dada  ao  mes- 
mo rev,  cónego,  que  ficou  também  governan- 
do a  diocese  até  que  o  dicto  prelado  fez  a 
sua  entrada  solemne  e  depois  o  nomeou  seu 
vigário  geral. 

É  um  presbyiero  de  singular  merecimento, 
—muito  illuí«trado,  muito  prudente,  muito 
caritativo  e  de  bons  costumes,  pelo  que  ha 
mezes  foi  nomeado  arcebispo  de  Mylilene  e 
vigário  geral  do  patrian-hado  e,  falleeendo 
ha  dias  o  bispo  de  Portalegre,  para  ali  foi 
mandado  como  governador  d'aquella  dioce- 
se, na  qual  muito  provavelmente  vae  ser  pro- 
vido. 1 

'í.'— Antonio  Alves  Lopes,  ainda  parente  do 
fallecido  prelado  D.  Antonio  Alves  Martins. 

Foi  apresentado  por  decreto  de  26  de  se- 
tembro de  1863  e  está  decrépito  e  demen- 
tei... 

3.» — Joaquim  Marques  Pinto. 

Foi  apresentado  por  decreto  de  26  de  se- 
tembro de  1863  lambem,  tendo  sido  ante- 
riormente vigário  collado  em  Piodo  e  depois 
secretario  do  sr.  D.  Antonio  Alves  Martins. 

Pode  dizer-se  que  é  hoje  (1887)  o  cónego 
único  da  Sé  de  Viseu,  pois  o  l.»com  certesa 
não  volta  ao  cabido— e  o  2.»  está  completa- 
mente inuUlisado. 

Dos  meios  cónegos  apenas  vive  também 
hoje  um  só,— o  rev.  Sebastião  Pereira  de  Fi- 


i  Á  ultima  hora  (10  de  novembro  de  1887) 
consta  que  o  sr.  D.  Antonio  Xavier  de  Sousa 
Monteiro,  actuabní^nte  bispo  de  Bt^ja,  será 
transferido  para  Portalegre  e  que  depois  será 
nomeado  bispo  de  Beja  o  sr.  D.  Gaudêncio. 


gueiredo  Queiroz,— ]&  decrépito  e  completa- 
mente inutilisado  também,  pois  foi  apresen- 
tado por  decreto  de  12  de  setembro  de  185S, 
ou  ha  32  annos.  ^ 

O  cabido  de  Viseu  foi  um  dos  mais  nu- 
merosos. Já  contou  28  cónegos  de  prebenda 
inteira  e  12  meio -prebendados,  emquanto  que 
hoje  está  por  assim  dizer  extinctol 

A  bulia  que  auctorisou  o  nosso  governo 
para  reduzir  as  dioceses  do  continente  ira- 
poz-lhe  a  condição  de  preencher  os  quadros 
capitulares.  O  governo  promptameote  redu- 
ziu as  dioceses,  supprimindo  as  d'Aveiro, 
Elvas,  Pinhel.  Castello  Branco  e  Leiria  em 
1882,  mas  até  hoje  (1887)  ainda  não  no- 
meou um  cónego  para  os  cabidos  restan- 
tes, que  estão  quasi  todos  como  o  de  Vi- 
seu, sem  o  pessoal  preciso  para  os  pontili- 
caes,  etc. 

Fazemos  votos  porque  o  governo  e  a  cú- 
ria romana  traetem  de  providenciar  e  fazer 
cessar  tão  anómalo  estado  de  cou-as. 

Até  aqui  fallámos  da  Sé  de  Viseu  e  dos 
seus  cónegos;  fallomos  agora  também  dos 
seus  prelados. 

CATALOGO  CHRONOLOGICO 
DOS  BISPOS  DE  VISEU 

Este  tópico  é  muito  importante  para  a  his- 
toria e  topographia  d'e8ta  cidade,  porque  a 
longa  serie  dos  seus  bispos  prova  claramente 
a  existência  de  Viseu  como  cidade  episco- 
pal desde  o  século  vi  e  leva  a  crer  que  Vi- 
seu já  era  cidade  e  talvez  cidade  episcopal 
séculos  antes.  Alem  d'isso  a  historia  dos 
seus  prelados  derrama  grande  luz  sobre  a 
historia  de  Viseu;  não  é  porem  fácil  de  or- 
ganisar  com  firmeza  o  dicto  catalogo  e,  para 
não  nos  expormos  a  certa  ordem  de  censu- 
ras, aqui  apontamos  os  auctores  que  nos  ser- 
viram de  guia : 


*  Em  1885  falleceu  o  cónego  José  Joaquim 
Pereira  d'Aln]eida,  que  havia  sido  aprehcn- 
tado  em  virtude  de  renuncia  apostólica  e 
beneplácito  régio  de  27  d'agosto  de  1799. 

Morreu  nonagenario  e  era  o  decano  dos 
cónegos  porfuguezes,  pois  contava  66  annos 
de  coUação?!.. . 


1590  VIS 


VIS 


1.° — Dr.  Manuel  Botelho  Ribeiro  Pereira, 
auctor  dijs  Diálogos  moraes  e  politicos,  e  fun- 
dação da  cidade  de  Viseu,  ele.,  escriptos  pe- 
los annos  de  1630  a  lò?S 

Temos  sobre  a  tios-^a  banca  de  estudo  es- 
tes Diálogos  m  Códice  de  Girabolhos,  d'onde 
foi  extrahido  o  códice  n.»  70  da  Bibliolheca 
Municipal  do  Porto  para  o  sr.  coude  d' Aze- 
vedo, que  o  legou  com  todos  os  seus  mss. 
á  dieta  biblioihríca,  le^nado  ao  sr.  conde  de 
Samodães  ludas  as  ubrás  impressas  que  cons- 
tiluiam  a  sua  grande  livraria.  * 

O  códice  de  Girabolhos  comprehende  S13 
pag.  folio; — pertenceu  ao  failecido  sr.  dr.  e 
desembargador  F.  C.  R.  e  sócio  da  Academia 
Real  das  Sciencias,  Agostinho  de  Mendonça 
Falcão  Guuiiuho  Sampaio  e  Povoas— e  hoje 
pertence  a  seu  íilho  e  nosso  principal  cyre- 
neu  n'este  artigo,  o  sr.  dr.  Nicolau  Pereira 
de  Mendonça  Falcão,  residente  na  sua  nobre 
casa  e  qaiuta  de  S.  Salvador,  junto  de  Vi- 
seu, de  quem  fallaremos  adiante  e  jase  fal- 
lou  nos  artigos  Paredes  da  Beira,  Pinhan- 
ços  6  Villa  Nova  d' Ourem. 

Padre  Antonio  Carvalho  da  Costa, 
Chorog.  Port.,  tomo  1.»  pag.  181  a  18o  da  1.» 
edição. 

O  seu  catalogo  foi  escripto  em  1707. 

3.  °— Padre  João  Coldt,  auctor  do  Catalogo 
dos  Bispos  de  Viseu  publicado  no  2."  tomo 
das  Mem.  da  Acad.  R.  de  Historia,  em  1772. 

4.  "— D.  Francisco  Alexandre  Lobo,  illus- 
trado  bispo  de  Viseu  desde  18i9  até  18i4. 

Escreveu  um  Catalogo  d'algUQ8  bispos  da 
sua  diocese,  catalogo  que  pôde  ver-se  no  1.» 
tomo  das  suas  obras,  pag.  221  a  287. 

5.  " — O  muito  illuátrado  cónego  José  d' Oli- 
veira Berardo. 

Pelos  anoos  de  1835  a  1837  escreveu  a 
interessante  memoria — Noticias  históricas  de 
Viseu,  que  deixou  mss.,  e  que  foram  publi- 
cadas em  folheiios  no  Liberal,  periódico  de 
Viseu,  desde  o  n."  1  de  6  de  maio  de  1857 


1  A  Bibliotheca  do  Porto  já  possuía  dois 
códices  com  os  mesmos  Diálogos,  mas  o  que 
foi  do  sr.  conde  d'A7,evedo  é  mais  nitido  e 
tem  uma  interessante  apreciação  critica, 
feita  pnlo  sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Men- 
donça Falcão. 


até  o  D.°  15  de  24  de  junho  do  mesmo  anno, 
cuja  collecção  temos  sobre  a  nossa  banca  de 
estudo,  por  finesa  especial  do  sr.  D.  Ruy  Lo- 
pes de  Sousa  Alvim  e  Lemos  de  Carvalho  e 
Vasconccilos.  ^ 

O  mesmo  Berardo  em  1838,  sendo  admi- 
nistrador d'este  concelho  (ainda  não  era  pa- 
dre) escreveu  e  offereceu  a  camará  munici- 
pal outra  memoria,  denominada  Noticias  de 
Viseu,  resumindo  parte  d"aquella  e  addicio- 
nando  lhe  um  mappa  geographico  do  conce- 
lho de  Viseu  cora  varias  tab:  lias  indicando 
as  freguezias  que  pelo  decreto  de  6  de  no- 
vembro de  1836  ficaram  pertencendo  ao  di- 
cto  concelho  e  as  que  anteriormente  lhe  per- 
tenciam, bem  como  aos  exlinclos  concelhos 
de  Ranhados  e  de  Barreiros  e  a  todo  o  bis- 
pado de  Viseu,  sua  população,  etc. 

Desta  2.»  Memoria,  que  se  guarda  no  ar- 
chivo  da  camará  de  Viseu,  tirou  o  mencio- 
nado sr.  dr.  Agosiiuho  de  Mendonça  uma 
copia,  hoje  pertencente  ao  seu  filho,  o  sr. 
dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça, — copia 
que  por  fiaeza  especial  de  s.  es.»  também  te- 
mos sobre  a  nossa  banca  de  estudo. 

Berardo  foi  o  mentor  de  Alexandre  Her- 
culano e  do  conde  Rikzincki,  quando  visi- 
taram esta  cidade,  e  ambos  lhe  teceram  pom- 
posos elogios.  2 

6.0 — Francisco  Manuel  Correia,  ha  pouco 
fallecido,  incansável  e  muito  minucioso  e 
consciencioso  investigador  das  coisas  de  Vi- 
seu. 

É  auctor  de  um  precioso  ms.  intitulado 
Memorias  em  respeito  á  Cidade  de  Viseu,  sua 
antiguidade.  Fortificação,  Cathedral,  Bispos 
e  Priores,  Cabido  e  Ducado  extincto  e  mais 
notabilidades  de  remota  antiguidade  e  poste- 
riores, de  que  ha  noticia.  Por  hum  curioso 
viziense.  Anno  1876. 

O  sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça 
por  fortuna  descobriu  e  pôde  enviar  nos 
também  esta  il/emoría,  completamente  igno- 
rada até  hoje.  Pertence  ao  rev.""  João  Nunes 
d'Almeida^  e  comprehende  142  pag.  folio, 


1  V.  Santar  e  Villar  Secco,  freguezias  do 
concelho  de  Nellas. 

2  Veja  se  o  tópico  Visienses  illnstres. 

í  É  o  parocho  da  freguezia  Occidental  da 


VIS 


VIS  1591 


alem  de  uma  infinidade  de  nótas  e  addições, 
posteriormente  colligidas  pelo  benemérito 
auclor  e  por  elle  escnptas  em  papeis  infur- 
mes  e  soltos  que  aié  hoje  felizmente  se  não 
perderam. 

Bem  merece  a  dieta  Memoria  as  honras  da 
publicidade,  porque  representa  um  trabalho 
insano  e  adianta  bastante  em  alguns  pontos 
com  relação  aos  trabalhos  de  Botelho  e  de 
Berardo.  ^ 

7,o_o  rev.  Padre  João  Vieira  Neves  de 
Castro  e  Cruz,  distincto  escriptor  calhulieo 
e  nosso  bom  amigo,  que  muito  espontanea- 
mente se  dignou  escrever  e  enviar-nos  tam- 
bém um  suceinto  catalogo  dos  Bispos  de  Vi- 
seu. 

V.  Milheiros  da  Maia,  tomo  V,  pag.  227, 
col.  2.* 

8.o_o  sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendon- 
ça Falcão  já  mencionado,  que,  alem  d'outros 
muitos  apontamentos  para  este  artigo,  nos 
mandou  interessantes  estudos  com  relação 
a  este  tópico. 

9  o_o  Padre  Leonardo  de  Sousa,  que  foi 
congregado  do  Oratório  em  Viseu  e  deixou 
ms.  um  interessante  Catalogo  dos  bispos 
d'esia  diocese,— Ca/a/ogo  até  hoje  inteira- 
mente desconhecido.  luiiiuU-se  e\le:— Memo- 
rias históricas  e  chronulogicas  dos  Bispos  de 
Viseu,  nas  quaes  se  comprehendem  particula- 
res noticias  dos  tempos  que  os  mesmos  pre- 
lados alcançarão,  das  Perseguições  geraes, 
que  padeceu  a  Igreja  Catholica,  Scismas,  e 
Concilios  geraes  até  o  presente  estado,  e  fi- 
nalmente dos  Ponlifices,  Emperadores,  Reis 
d' Espanha,  e  Portugal,  conforme  a  ordem  dos 
annos,  e  memoriai  do  Reino,— offerecidas  ao 
Illustrissimo,  e  Reverendissimo  Cabido  de 
Viseu  pelo  Padre  Leonardo  de  Sousa  Ulisi- 
ponense,  e  da  Congregação  do  Oratório  Vi- 
ziense, — Anno  de  M.D.CC  LXVIL 

Este  catalogo  adianta  muito  com  relação 
a  todos  os  outros,  infelizmente  porem  ape- 
nas resta  o  ultimo  dos  seus  3  volumes  1  Foi 


Sé  de  Viseu,  sacerdote  muito  illustrado  e 
que  foi  intimo  amigo  do  auclor,  pelo  que  as 
irmãs  e  herdeiras  d'este  lhe  di^rain  o  tal  wis. 

1  Veja  se  também  o  tópico  Visienses  illus' 
tres. 


comprado  ha  annos  em  Lisboa  n'um  leilão 
pelo  sr.  Antonio  d  Almeida  Campos  e  Silva, 
benemérito  filho  de  Viseu  domiciliado  no 
Porto  e  dono  de  uma  bella  livraria,  o  qual 
muito  generosamente  nos  emprestou  o  diclo 
catalogo,  pelo  que  lhe  beijamos  as  mãos 
agradecido.  * 

É  o  3.»  tomo;— comprehende  289  folhas 
— e  traeta  somente  dos  bi-pos  de  Viseu  nos 
séculos  XVII  e  xvni,  desde  D.  João  Manuel 
aié  D.  Julio  Francisco  d' Oliveira,  mas  por 
fortuna  termina  com  o  índice  de  toda  a  obra» 
no  qual  se  encontra  uma  lista  chronologiea 
de  todos  os  bÍ!>pos  de  Viseu— CÉ^ríos,  duvido- 
sos e  simplesmente  eleitos,— seai  nomes,— 
terras  onde  nasceram  e  onde  falleeeram,— 
tempo  que  governaram,  etc,  o  que  supre  atè 
certo  ponto  os  2  volumes  perdidos. 

Do  exposto  se  vô  que  podíamos  escrever 
um  livro  sobre  o  assumpto,  mas  teremos  de 
reduzir  quanto  possível  este  tópico,  dividín- 
do-o  para  maior  claresa  em  duas  partes:— 
na  daremos  os  nomes  de  todus  os  bispos 
de  Viseu  sobre  que  ha  certesa,  addiccionan- 
do-lhe  03  nomes  dos  bispos  duvidosos  e  dos 
que  foram  sóntiente  eleitos  e  não  confirma- 
dos;—na  2.«  daremos  uma  breve  noticia  de 
cada  um  dos  mencionados  bispos. 

PARTE  I 

Bispos  de  Viseu  no  tempo 
dos  suevos  e  godos 

Século  VI 

l.*—Remissol,  S72  até  585. 
<i,<>—Sunila  ou  Sínula,  585-593. 

Século  VII 

^•—Gundemiro  ou  Gundemaro,  610-625* 


1  Também  s.  ex.*  possue  e  nos  emprestou 
uma  copia  dos  Diálogos  de  Botelho,  tirada 
do  Códice  de  Girabollios—e  o  foral  dado  a 
Viseu  por  el  rei  D.  Manuel,— exemplar  es- 
plendido, que  lhe  custou  22^500  réisl. .  • 

V.  o  tópico  Foraes. 


1592  VIS 


VIS 


4.»— Latiso,  633-637. 
^.''—Farno,  Firmo  ou  Farnio,— pelos  an- 
nos  de  638. 

6.  ''—Parimo  ou  Parino,  646 

V.  Bolelho,  Coldt,  Cobo  e  Sou8a. 

7.  »—  Undila  ou  Wadila,  653-666. 

Vacância 

8.  '>—Bpparato,  681-683. 

9.  ''—Wil}fonso  ou  Vocifredo,  688. 
iO.o—Theofredo,  693. 

Conquista  dos  sarracenos 
Século  VIII 

O  Padre  Sousa  dá  como  certo  o  bispo  His- 
pano em  712— mas  Berardo  aponla-o  como 
duvidoso  em  715. 

Século  IX 

H.'—TheodonHro,  876-899. 
O  padre  Sousa  assigna-lhe  o  anno  de 
869. 

Século  X 

12.  » — Gundemiro  ou  Gtmdemaro,  905. 

13.  °— America  ou  Anserico,  915-918. 
ií.^—Sabarico,  922 

Ib."—  Salomon  ou  Salomão^  932. 

Cruz,  Botelho,  Coldt  e  Sousa  não  mencio- 
nam estes  últimos  2  bispos. 

lò.o—Dulcidio,  934-951. 

l7.'—Hermegildo  ou  Hermenegildo,  961- 
969. 

IS.'— Iquilano,  Jquilaon  Inquila,  981-985- 
Vacância  de  35  annos  proveniente  da  no- 
va occupação  de  Viseu  pelos  mouros. 

Século  XI 

19.  »— Z).  Gomes,  1020-1050. 

20.  »— D.  Sisnando,  1058-1064. 


Século  XII 
Priores 

—D.  Theodonio,  1110-1112. 

— S.  lheotonio,  1112-1119. » 

—D.  Honorio,  1119. 

—D.  Odorio,  1120- 1130. 

—  D.  Sueiro  Jhedom,  1131-1144. 

Bispos  do  tempo  da  nossa  monarchia 

21.  »-D.  Odorio,  1144-1165. 

22.  °-/).  Gonçalo  I,  1165-1169. 

23.  «-Z).  Marcos,  1170. 

24.  »— D.  Godinho,  1171-1179. 

25.  »— D.  João  Pires,  1."  1179-1192. 

26.  »— D.  Nicolau,  1193-1213. 

Século  XIII 

26.  »— D.  Nicolau,^  1193-1213. 

O  Padre  Carvalho  dá  como  suecessor 
d'esle  bispo  outro  do  mesmo  nome  pelos  an- 
nos de  1293,  ao  qual  (diz)  succedeu  D.  Fer- 
nando pelos  annos  de  1252  I 

O  seu  catalogo  é  uma  serie  de  dislates. 

27.  »—/).  Fernando  Raymundo  Coutinho^ 
1213-1214. 

28.  »— D.  Bartholomeu,  12U-1221. 

29.  »— Z).  Gil  ou  Egidio,^  1221-1240,— se- 
gundo dizem  Berardo  e  Coldt,  dando-lhe  por 
succe.«sor  D.  Pedro  Gonçalves,  mas  o  seu 
poDliflcado  não  podia  ir  tão  longe,  porque 
Alexandre  Lobo  e  Cruz  lhe  dão  como  sue 
cessor  o  seguinte  ; 

30.  »— D.  Martinho  i.»  em  1230. 
Berardo,  F.  Manuel,  Sou?a  e  Coldt  nem 


*  Não  se  confundam  estes  dois  priores, 
posto  que  são  quasi  humonymos.  Adeante, 
na  Parte  II,  seremos  mais  explii^tos. 

2  Repetimos  o  nome,  porque  o  seu  ponti- 
ficado principiou  no  sec.  xii  e  terminou  no 
sec.  XIII. 

3  Botelho  e  Sousa  em  vez  d'e«te  bispo  men- 
cionam D.  Egas  1°,  a  quem  Botelho  dá  por 
suecessor  D.  Pedro,  único  do  nome,  pelos 
aoDOS  de  1233. 


VIS 


VIS  1593 


como  duvidoso  mencionam  este  bispo,— e  F.  j 
Manuel  dá  em  1230  o  bispo  D.  João  Pedro,  | 
2."  de  nome;  fazem  porem  menção  de  D.  \ 
Martinho  o  sr.  Padre  Cruz  e  o  sábio  bispo 
Lobo. 

Vacância  de  20  annos  e  interdicíos 

31.  °— Z).  Pedro  Gonçalves,  í.',  1250-1254, 
— segundo  dizem  Coldt,  Berardo,  Lobo,  F. 
Manuel  e  Cruz. 

32.  »— D.  Matheus,  l.o,  1254-1271. 

Vacância  de  8  annos 

33.  *— D.  Matheus,  2.",  1279-1287. 
34-0— Z).  Egas,  1289-1313. 

Século  XIV 

34.  '— D.  Egas,  1289-1313. 

35'— D.  Martinho,  2.%  1313-1323. 

Alexandre  Lobo  e  o  sr.  Padre  Cruz  deno- 
minam este  bispo  2."  do  nome,  porque  já 
mencionaram  outro  supra;  —  Coldt,  Berar- 
do, F.  Manuel,  Botelho  e  Sousa  dão-no  como 
í »  do  nome—e  F.  Manuel  diz  que  também 
se  denominava  D.  João  de  S.  Martinho. 

36.  " — D.  Gonçalo  de  Figueiredo,  2.",  o  An- 
chinho,  1323-1Í28. 

37.  »— D.  Miguel  Vivas,  1330-1335. 

38.  °— D.  João  2.»,  1360-1362. 
39.0—1).  João  Martins,  3.',  1375-1378. 

40.  »— Z).  Pedro  Lourenço,  2.*,  -1385. 

41.  "— jD.  João  Pires,  4.%  1385-1388. 

42.  »— D.  João  Homem,  5.»,  1392-1425. » 

Século  XV 

42.  °— D.  João  Homem,  5.°,  1392-1425. 

43.  °— jD.  Fr.  João  d' Évora,  6.°,  1414,— se- 
gundo diz  Alexandre  Lobo,  mas  a  data  não 
se  coaduna  com  a  do  pontificado  antece» 


1  Ha  grande  divergência  nos  diíTerentes 
auctores  com  relação  a  estes  últimos  5  pon- 
tificados. 

Veja-se  o  que  d'eUe8  dizemos  adiante,  na 
Parte  II. 


\  dente,— e  Carvalho,  Coldt,  Cruz,  Berardo,  F. 
I  Manuel  e  o  sr.  dr.  Nicolau  não  mencionam 
i  tal  bispol . . . 

44.«— Z).  Garcia,  1426-1430. 
ín.°-D.  Luiz  do  Amaral,  í.",  1432-1438. 

46.  »— D.  Luiz  Coutinho,  2.°,  1438-1444. 
O  sr.  Padre  Cruz  dá  um  bispo— D.  Gon- 
çalo de  Figueiredo,  3."  do  nome,  como  suc- 
cessor  de  D.  Luiz  do  Amaral  pelos  annos  de 
1440,  mas  nenhum  dos  outros  catálogos  aqui 
o  menciona.  Suppomos  que  é  o  mesmo  bispo 
D.  Gonçalo  2.°,  o  Anchinho,  mencionado  sob 
o  n.»  36. 

47.  »— Z).  João  Vicente,  7.",  o  bispo  azul, 
fundador  dos  Lóios,  1446-1463. 

48.  »— Z).  João  Galvão,  8.»  1464-1466,— 
segundo  dizem  Botelho  e  Carvalho,  mas  F. 
Manuel,  Cruz  Berardo  e  Lobo  não  mencio- 
nam tal  bispo,— Cuidt  e  Souía  dão-no  como 
duvidoso— e  nós  também  nos  inclinamos  a 
esta  opinião. 

49.  »- D.  João  Gomes  d^Abreu,  9.»  1466- 
1482. 

50.  » — D.  Fernando  Gonçalves  de  Miranda, 
2.0,  1487-1505. 

Século  XVI 

50.  » — D.  Fernando  Gonçalves  de  Miranda, 
2°,  1487-1505. 

51.  »— Z).  Jorge  da  Costa,  í.',  cardeal  d' Al- 
pedrinha, 1506-1507. 

52.  »— Z).  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas,  o  Cal- 
çadilha,  1507-1519. 

53.  »— £>.  Affonso,  infante  e  cardeal,  1520- 
1524. 

54.  »— Z).  Fr.  João  de  Chaves,  10.",  1524- 
1526. 

55.  »- Z).  Miguel  da  Silva,  2.',  cardeal, 
1527-1547. 

56.  »  —  D.  Alexandre  Famese,  cardeal, 
1547-1552. 

57.  »~Z).  Gonçalo  Pinheiro,  1553-1556. 

58.  »- Z).  Jorge  d'Alhaide,  2.",  1568-1578. 

59.  »— Z).  Miguel  de  Castro,  3  »,  1579-1585. 

60.  »- D.  Nuno  de  Noronha,  1586-1594. 

61.  »— Z).  Fr.  Antonio  de  Sousa,  1.",  1595- 
1597. 

62.  »— Z).  Fr.  João  de  Bragança, 
1599-Í609. 


1594  VJS 


VIS 


Século  XVII 

62.  »— D.  Fr.  João  de  Bragança,  li.", 
1599-1609. 

63.  °-í).  João  Manuel,  12.",  1610-1625. 

■  64.»— D.  João  de  Portugal,  13.°,  1626- 
i629. 

65.  » — D.  Fr.  Bernardino  de  Sena,  1629- 
1632. 

66.  »— D.  Miguel  de  Castro,  4;  1633-1634. 

67.  »— D.  Diniz  de  Mello  e  Castro,  1636- 
1639. 

O  sr.  Padre  Cruz  não  menciona  estes  2  úl- 
timos bispos  e  Carvalho  mencionou  só  o  pe- 
Duliimo. 

Vacantía  de  32  annos 
(1639-1671) 

68.  »— D.  Manuel  de  Saldanha,  1671. 

69.  "— D.  João  de  Mello  14.',  1673-1684. 

70.  «-£).  Ricardo  Russel,  1685-1693. 

71.  »— D.  Jeronymo  Soares,  1694-1720. 

Século  XVIII 
li." -D.  Jeronymo  Soares,  1694-1720. 
Vacância  de  20  annos 

72.  "— D.  Julio  Francisco  d'Oliveira,  1740- 
1765. 

Alexandre  Lobo  começa  o  pontificado 
d'e8te  bispo  em  1741— eF.  Manuel  em  1743, 
mas  nós  seguimos  a  opinião  do  Padre  Sousa 
que  escreveu  em  1767  e  foi  não  só  contem- 
porâneo do  dicto  prelado  mas  como  elle  con 
gregado  do  Oratório  ou  de  S.  Philippe  Nery, 
pelo  que  lhe  dedicou  a  maior  parte  do  tomo 
3.*  e  ultimo  do  seu  volumoso  catalogo, — na- 
da menos  de  10  capítulos  (2.»  a  11.'  inclu- 
sive)—áe  fl.  135  a  242. 

É  uma  minuciosa,  conscienciosa  e  pre- 
ciosa biographia,  infelizmente  ainda  manu- 
scripta  e  por  consequência  exposta  a  per- 
der-se  como  já  se  perderam  os  2  primeiros 
tomos  do  mesmo  catalogo!. . . 


Quando  se  resolverá  o  go- 
verno a  salvar  em  edições  ba- 
ratas 08  numerosos  e  precio- 
sos mss.  que  ainda  restam  nas 
nossas  biblioihecas,  mandando 
continuar  a  publicação  dos 
Inéditos  da  Academia  Real  das 
Sciencias  pela  nossa  Imprensa 
Nacional,  sob  a  direcção  da 
Academia? 

Chamamos  para  este  impor- 
tantíssimo assumpto  a  atten- 
ção  de  S.  M.  el  rei  o  sr.  D. 
Luiz  e  de  S.  A.  R.  o  príncipe 
D.  Carlos. 


Desculpem-nos  a  digressão. 

73.  »— D.  Francisco  Mendo  Trigoso,  i.», 
1770-1778. 

O  sr.  Padre  Cruz  não  mencionou  este 
bispo. 

74.  »— D.  José  Antonio  Barbosa  Soares,  1", 
1779-1782. 

75.  '— D.  Fr.  José  do  Menino  Jesus,  2.', 
1783-1791. 

76.  °— i).  Francisco  Monteiro  Pereira  de 
Azevedo,  2.",  1792-1819. 

Século  XIX 


76.»— D.  Francisco  Monteiro  Pereira  d^ 
Azevedo,  2.',  1792-1819. 

Repete-se  o  numero  porque  o  pontificado 
d'e8te  bispo  se  divide  por  2  séculos. 

17."— D.  Francisco  Alexandre  Lobo,  3.", 
1819-1844. 

78.  » — D.  José  Joaquim  d* Azevedo  e  Moura, 
3.",  1846-1856. 

79.  »— D.  José  Manuel  de  Lemos,  4.;  1856- 
1858. 

80.  »— D.  José  Xavier  Cerveira  e  Sousa,  5.', 
1859-1862. 

81.  »— D.  Antonio  Alves  Martins,!.",  1862- 
1882. 

82.  »- D.  José  Dias  Correia  de  Carvalho, 
6.",  1883-.... 

É  o  bispo  actual. 


VIS 


VJS  1595 


Bispos  duvidosos 
{Annos  de  Christo) 

1.  »— S.  Justo,  1.°,  pelos  annos  de  270. 

2.  *— S.  Justo,  2.",  pelos  annos  de  284. 

O  Padre  Sousa  dá  estes  dois  bispos  como 
certos  ?  I . . . 

3.  "— Santo  Aulo,  bispo  e  marlyr,  300. 

4.  »— S.  Luslo,  300. 

5.  »— S.  Justo,  3.°,  320. 

O  Padre  Sousa  tapabem  dá  estes  dois  bis- 
pos como  certos  f  t. . . 

6.  °—Idacio,  pelos  annos  de  385. 

7.  " — Lazaro,  400. 

O  Padre  Sousa  menciona  estes  últimos 
dois  como  duvidosos. 

8.  °—Mansueto,  pelos  annos  de  513. 

9.  '—Affanio,  541. 
lO.o—Thimoteo,  563. 
Sousa  dà-o  como  certo. 

11.0 — Adaulfo,  pelos  annos  de  568. 

ii.'— Justo,  4.",  577. 

13." — Vulpeciano,  600. 

lí.^—Festino,  637. 

ib.o— Hispano,  712. 

Sousa  dà-o  como  certo. 

lò.'— Galindo,  pelos  anoos  de  740. 

{7.»—Pelagio,  780. 

iS.'— João,  780. 

19.'— Probo,  809. 

10.  °— Clemente,  847. 
H*—Romualdo,  . . . 
Sousa  menciona-o  sem  data. 
liH.o—Hermigitdo,  pelos  annos  de  1112,  se- 
gundo diz  o  Padre  Sousa. 

23.  »- D.  Pelagio,  

Sousa  meneiona-o  sem  data,  como  succes- 
8or  de  D.  Matheus,  1.*  (n.»  32). 

24.  »— D.  Alvaro,  pelos  annos  de  1272. 

25.  "— D.  Egas,  

Sousa  menciona-o  sem  data,  comosucces- 
sor  de  D,  ^l/raro  e  ambos  como  duvidosos; 
menciona  porem  mais  dois  bispos  com  o 
mesmo  nome  de  Egas,— um  correspondente 
ao  que  riòá  denominamos  D.  Çil  {n."  29j — e 
outro  correspondente  ao  bispo  D.  Egas,  n." 
34. 

26.  "—  D.  Martinho,  pelos  annos  de  ... . 


Sousa  menciona-o  como  duvidoso  e  sem 
data  entre  o  duvidoso  D.  Egas  e  D.  Matheus 
2.°,  mas  dá  outro  D.  Mortinho  como  certo, 
correspondente  ao  menciouado  por  nós  sob 
o  n  o  35. 

27.0—0.  Julião  d'Alva,  

Sousa  menciona-o  entre  Alexandre  For- 
nese  e  D.  Gonçalo  Pinheiro— {n  "'  S6e57  da 
nossa  lista) — e  Carvalho  nieni-iona-o  também 
sem  data  entre  D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas  e 
o  bispo  D.  AfTooso,  infante  cardeal  (o.»'  52 
e  53  da  nossa  lista). 

28.°— D.  Soludidario,  ou  Scludidario. 

F.  Manuel,  baseado  em  um  sinete  ou  sello 
que  jà  depois  do  meiado  d'este  século  se  en- 
controu em  Vi!-eu,— sinete  que  possue  An- 
tonio José  Pereira,  pintor  visiense,  e  que  F. 
Manuel  viu  e  desenhou  na  sua  Memoria,  a 
pag.  72,  entende  que  esie  D.  Soludldalio  foi 
bispo  de  Viseu,  successor  de  D.  João  Gomes 
6  antecessor  de  D.  Fernando  Gonçalves  de 
Miranda,  mencionados  na  nossa  lista  sob  os 
n.<"  49  e  50. 

As  rasões  que  F.  Manuel  adduzsão  as  se- 
guintes : 

Porque  o  tal  sinete,  que  é  redondo, 
tem  no  centro  ura  escudo  encimado  por  uma 
mitra;— no  meio  do  escudo  uma  estrella; — . 
em  volta  do  escudo  sete  eastellos — e  na  orla 
do  sinete  esla  legenãn:— Solvdidali ep.  e  op- 
visens  —  que  em  vulgar  diz :  —  Soludidalw 
bispo  da  cidade  de  Viseu. 

Nada  mais  terminante ! 

2.»— Porque  na  abobada  da  capella  do 
Santíssimo  se  vé  na  Sé  o  mesmo  brasão  do 
sinete. 

3  «—Porque  na  riquíssima  abobada  actual 
da  Sé,  alem  d'aquelle  brasão,  apenas  se  vé 
o  dos  Gostai  (do  cardeal  de  Alpedrinha,  D. 
Jorge  da  Costa)— e  o  do  bispo  D.  Diogo  Or- 
tiz de  Vilhegas,  que  foi  quem  concluiu  a  di- 
eta abobada,  como  dissemos  quando  tracta- 
mo.»  â'este  ultimo  bispo  e  da  cathedral. 

D'aqui  F.  Manuel  muito  sensatamente  in- 
fere que  a  dieta  abobada,  cuja  construcção 
durou  cora  certosa  muitos  annos,  seria  prin- 
cipiada pelo  bispo  D.  Soludidalio, — conti- 
nuada a  expensas  do  opulentíssimo  cardeal 
D.  Jorge  da  Costa — e  concluída  e  talvez  feita 
na  sua  maior  parte  por  D.  Diogo  Ortiz  de 


1596 


VIS 


VIS 


Vilhegas,  pelo  que  este  ali  collocou  as  suas 
armas  e  as  cfaquelles  dois  bispos  seus  ante- 
cessores e  cooi  elle  factores  da  riquíssima 
abobada,  i 

4.  *— Porque  (diz  lambem  muito  sensata- 
mente F.  Manuel)— entre  o  bispo  D.  João 
Gomes,  que  falleeeu  em  1482— e  o  bispo  D. 
Fernando  G.  de  Miranda,  cujo  pontificado 
todos  (excepto  o  Padre  Sousa)  principiam 
em  1487,  ha  uma  vacância  de  5  annos,  sem 
memoria  d'oulro  bispo,  o  que  o  leva  a  crer 
que  D.  Soludidalio,  foi  bispo  de  Viseu  n'a- 
quelle  interregno  ou  pelos  annos  de  1482  a 
1487. 

Na  minha  humilde  opinião  F.  Manuel  ar- 
gum^-nta  bem. 

29.* -D.  Jorge  Pereira  de  Sande,  1739. 

SuppÕe-se  que  foi  nomeado  por  el-rei  D. 
João  V  na  data  supra,  mas  que  não  acceitou 
a  mercê,  o  que  determinou  D.  João  V  a  no- 
mear D.  Antonio  de  Guadalupe,  de  quem  fal- 
íamos na  li.4a  dos  Bispos  certos. 

Catalogo  do  Padre  Sousa,  tomo  3."  fl.  129. 

Bispos  eleitos,  mas  não  confirmados 

Occorrem-uos  os  seguintes : 

1.  " — O  venerável  Padre  Mestre  Fr.  Luiz 
de  Granada,  1568. 

2.  °— O  Padre  Mestre  Fr.  Martinho  de  Le- 
desma, no  mesmo  anno  de  1568. 

3.0 — ff.  ]\f(inoel  da  Veiga,  lambem  no  mes- 
mo anno  de  1568,  segundo  diz  o  Padre  Sou- 
sa, dando  este  ultimo  como  dutidoso. 

i.^—Fr.  Roque  do  Espirito  Santo,  1586. 

Também  regeitou  o  arcebispado  de  Gôa  e 
08  bispados  de  Ceuta  e  Lamego.  V.  Coldt. 

5.  »— D.  João  da  Silva,  1632. 

Era  filho  de  D.  João  da  Silva,  4.*  conde 
de  Portalegre,  e  falleeeu  em  1634. 

6  " — Sigismundo  Francisco,  1634. 

Era  filho  de  Leopoldo,  archi-duque  doTi- 
rol;— foi  eleito  (por  Filippe  IV)  bispo  de  Vi- 


1  Na  mesma  abobada  se  vêem  lambem  al- 
guns escudos  com  as  nossas  armas  reaes, 
enlrrt  elles  o  de  D.  Manuel  com  o  di^tinctivo 
da  esphera  armillar,  como  já  dissemos  no  tó- 
pico relativo  à  Sé. 

Vide. 


seu,  contando  apenas  3  annos  de  idade,  e  de- 
pois foi  bispo  d'Ausburgo. 

Na  grande  vacância  de  32  annos  prove- 
nienie  da  guerra  entre  Portugal  e  Hespanha, 
desde  1639,  data  do  fallecimento  do  bispo 
D.  Diniz  de  Mello  e  Castro,  até  167 1,  data  da 
confirmação  de  D.  Manoel  de  Saldanha,  fo- 
ram eleitos  bispos  de  Viseu  os  seguintes: 

7.  »— D.  Alvaro  da  Costa,  1639. 

8.  «-D.  Fr.  Gerardo  Pereira,  1640. 

9.  °— D.  Fernando  de  Mello,  1640,  segundo 
diz  o  Padre  Sousa,  i 

10.  »— D.  Manuel  de  Saldanha,  2  1653. 
Foi  reitor  e  reformador  da  Universidade; 

n'ellii  acclamou  rei  o  nosso  D.  João  IV  em 
16'j:0  e  instituiu  um  préstito  que  da  capella 
da  Universidade  iria  lodos  os  annos  no  !.• 
de  dezembro  ao  convento  de  Santa  Cruz,  em 
acção  de  graças  pela  restauração  da  nossa 
autonomia.  Também  no  dia  28  de  julho  de 
16i6  jurou  com  os  lentes  da  Universidade 
defender  a  Immaculada  Conceição  de  Maria. 

Era  filho  de  João  de  Saldanha  e  de  D.  Leo- 
nor de  Menezes. 

H.°— D.  Fernando  de  Miranda  Henriques 
1662. 

12.  '>— D.  Diogo  Lobo  da  Silveira,  1663. 

13.  »— D,  Manuel  de  Noronha,  1664. 

14.  ° — D.  Fr.  Manuel  da  Conceição,  

Sousa  o  dá  eleito— sem  data. 

Estes  últimos  5  foram  nomeados  pelos 
nossos  reis  D.  Juão  IV  e  D.  AfTooso  VI,  mas 
nenhum  d'elle8  obteve  confirmação  apostó- 
lica, por  causa  das  intrigas  e  opposição  de 
Castella. 

De  todos  estes  bispos  eleitos  e  não  confir- 
mados (ao  todo  foram  8)  tracta  amplamente 
o  padre  Sousa. 

15.  * — D.  Fr.  Antonio  de  Guadalupe,  1739- 
1740. 

Sendo  bispo  do  Rio  de  Janeiro,  foi  nomea- 


*  Estes  3  foram  nomeados  por  Filippe  III, 
mas  nenhum  d  elles  obteve  confirmação  nem 
chegou  a  governar  o  bispado. 

2  Falleeeu  em  1659.  sendo  bispo  eleito  de 
Coimbra,  e  jaz  em  sepuliura  rasa  na  capella 
mór  da  egreja  do  cuoveuio  do  Bussaco,  do 
qual  foi  muito  insigne  bcmfeitor. 


VIS 


VIS  1597 


do  bispo  de  Viseu.  Não  chegou  a  tomar  pos- 
se d'esta  ultima  diocese,  mas  suppomos  que 
foi  confirmado. 

Nasceu  em  Amarante  a  27  de  setembro  de 
1672  e  foram  seus  paes  o  dr.  Jeronymo  da 
Cunha,  magistrado  digníssimo,  e  D.  Maria  de 
Cerqueira. 

Formou-se  em  cânones;  seguiu,  como  seu 
pae,  a  magistratura  e,  tendo  pouco  mais  de 
25  annos,  foi  despachado  juiz  de  fóra  de 
Trancoso,  mas,  antes  de  acabar  o  1.*  Irien- 
nio,  abandonou  a  magistratura  e  tomou  o 
habito  de  religioso  franciscano  rainorista,  em 
Lisboa,  a23dtí  março  de  i701j  professando 
a  24  de  igual  mez  no  anno  seguinte. 

Sendo  muito  versado  era  philosophia,  a 
ordem  o  mandou  estudar  theologia  no  colle- 
gio  de  S.  Boaventura  de  Coimbra,  tornaudo- 
se  no  fim  de  3  annos  ura  consummado  theo- 
logo,  pelo  que  lhe  offereceram  uma  cadeira 
de  theologia,  mas  elle  preferiu  a  predica  e 
foi  um  orador  sacro  de  primeira  plana,  como 
provam  os  3  tomos  dos  seus  sermões,  que 
correm  impressos,  alem  de  outros  muitos 
que  deixou  mss. 

Tão  alto  soavam  a  sua  illustraçào  e  virtu- 
des, que  el-rei  D.  João  V  o  nomeou  bispo  do 
Rio  de  Janeiro  em  23  de  novembro  de  1772, 
mas  por  causa  das  desintelligencias  entre  a 
nossa  corte  e  a  de  Roma,  só  era  1724  obteve 
a  confirmação. 

Sagrou-se  na  egreja  patriarchal  de  Lisboa 
em  13  de  maio  de  1725,  e  a  2  de  junho  do 
mesmo  anno  embarcou  para  o  Rio  de  Janei- 
ro, ch(  gaudo  ali  a  10  d'agosto. 

No  anno  seguinte  (1726)  vi:4Íiou  pessoal- 
mente a  sua  diocese,  então  vastissima,  com 
mais  de  600  léguas  d'extensão,  pois  corapre- 
hendia  tatiib-ni  os  2  districtos  de  S.  Paulo  e 
Marianna,  hoje  bispados  próprios. 

Era  arrebatado  de  génio,  mas  em  breve 
reconsiderava  e  sfe  arrependia,  e  foi  ião  vir- 
tuoso que  por  fua  morte  os  seus  diocesanos 
«  veneraram  como  santo  e  lhe  faziam  votos 
e  mandavam  dizer  missas,  como  advogado  de 
coisas  perdidas,  qual  outro  Santo  Antonio  de  ! 
Lisboa  e  Pádua.  j 

Emquaoto  foi  bispo  do  Rio  de  Janeiro  teve 

VOLUME  XI 


sempre  ura  alfaiate  e  BoflBciaes  trabalhando 

por  sua  conta  em  vestidos  para  os  pobres,  e 
BO  seu  testamento  deu  carta  d'alforria  a  to- 
dos os  seus  escravos. 

Em  1739  D.  João  V  o  nomeou  bispo  de 
Viseu;— chegou  a  Lisboa  em  agosto  de  1740 
na  frota  do  Rio  de  Janeiro,  que  constava  de 
26  navios  mercantes  e  3  naus  de  guerra, 
mas  chegou  tão  doente  que  foi  levado  a  custo 
em  uma  cadeirinha  de  mão  para  o  seu  con- 
vento de  S.  Francisco,  em  26  d'agosto  do 
mesmo  anno  e,  passados  6  dias, — a  31  do 
mesrao  mez  d  agosto  de  1740,  ali  falleceu, 
depois  de  receber  com  a  maior  compuncção 
todos  08  sacrameolos,  tendo  de  idade  67  an- 
nos, 11  raezes  e  4  dias  e  de  pontificado  16 
annos. 

Jaz  no  cemitério  do  dicto  convento,  em  se- 
pultura rasa  com  uma  grande  ioscripção  la- 
tina, que  pode  ler-se  no  Catalogo  de  Sousa, 
tomo  3."  íl.  135. 

lò.^—José  Vicente  Gomes  de  Moura,  pres- 
bytero  secular,  1482. 

Este  dislinctissimo  professor  de  latim, 
grego  e  historia,  e  não  menos  disiiucto  es- 
criptor  publico,  foi  em  1842  nomeado  coadju- 
tor e  futuro  successor  do  bi?po  de  Viseu  D. 
Francisco  Alexandre  Lobo,  mas  não  aeceitou 
a  nomeação. 

Era  natural  de  Mouronho,  concelho  de  Tá- 
bua, onde  nasceu  era  22  de  dezembro  de 
1769;— falleceu  junto  de  Coimbra  em  2  de 
março  de  1834— e  jaz  na  villa  de  Poiares, 
sua  terra  adoptiva,  em  um  bello  mauzoleu 
erigido  á  sua  memoria  em  1859  pelos  admi- 
radores da  iliustração  e  virtudes  do  finado. 

Veja-se  a  Oração  fúnebre  recitada  peio  sr. 
dr,  Francisco  Antonio  Rodrigues  d'Azevedo  * 
e  publicada  em  1854,— o  Diccionario  Bibi. 
de  Innocencio— e  a  Revista  Litt.  do  Porto, 
tomo  X,  pag.  104  e  345,  onde  se  encontra  a 
biographia  de  José  Vi(;ente  Gomes  de  Moura, 
escripta  pelo  sr.  dr.  Francisco  Antonio  Ro- 
drigues de  Gusmão,  distineto  litterato  lam- 
bem 


1  Foi  lente  da  theologia  na  nossa  universi- 
dade,—jubilou-se  ha  muito  tempo— e  de  to- 
dos os  lentes  do  meu  curso  (1851-1856)  éo 
«mco  que  ainda  vive. 

101 


1598  VIS 


VIS 


V.  Villa  Nova  de  Foscôa,  tomo  XI,  pag. 
848,  col.  1.» 

PARTE  II 

Breve  noticia  dos  bispos  de  Viseu, 
mencionados  como  certos 

Bem  quizera  aproveitar  e  conglobar  tudo 
o  que  se  lê  nos  nove  catálogos  impressos  e 
mss.  já  indicados  e  que  por  fortuna  tenho 
presentes.  O  ensejo  era  óptimo  para  escre- 
ver um  Catalogo  dos  Bispos  de  Viseu,  com- 
pleto quanto  possível,  mas  daria  um  grosso 
volume  e,  como  este  ariigo  e  este  tópico  vão 
já  muito  longos,  com  magua  terei  de  des- 
presar  fontes  tão  abundantes  e  de  reduzir 
este  tópico  á  expressão  mais  simples,  para 
não  o  supprimir  completamente. 

Bispos  de  Viseu  no  tempo  dos  suevos 
e  godos 

Século  VI 

l.^—Remissol,  S72-585. 

Assistiu  ao  2.°  concilio  bracarense,  cele- 
brado no  anno  de  Christo  572  e  subscreveu 
em  2."  logar,  governando  Portugal  e  Gallisa 
o  rei  suevo  Miro  ou  Ariomiro.  No  anno  583 
foi  o  reino  dos  suevos  occupado  por  Leo- 
vigildo,  rei  godo  ariano,  que  perseguiu  cruel- 
mente os  bispos  catholicos  e  desterrou 
aquelle,  dando  o  bispado  de  Viseu  ao  ariano 
Sunila,  que  foi  seu  suceessor,  pois  Remis- 
sol  falleeeu  no  desterro. 

i."— Sunila,  585-593. 

Abjurou  a  seita  d'Ario,  no  3."  concilio  to- 
letano,  congregado  em  589  *  assignando  em 
35.»  logar,  e  tendo  já  fallecido  Remissol,  foi- 
Ihe  dado  o  bispado  de  Viseu,  que  até  ali  oc- 
cupou  condo  intruso. 

Século  VII 

3»—Gundemiro,  610-625. 


1  Referimo-nos  sempre  ao  anno  do  nasci- 
mento de  Christo,  quando  não  fizermos  men- 
ção da  era  de  Cesar. 


Foi  o  19. •  prelado  dos  26  que  no  anno 
610  assignaram  o  decreto  d'ei-rei  Gundema- 
ro,  reconhecendo  o  arcebispo  de*Toledo  co- 
mo metropolitano  da  província  de  Carta- 
gena. 

í.^—Lauso,  633-637. 
Assistiu  ao  4.»  concilio  toletano  e  o  assi- 
gnou  em  633. 

5.  °—Farno  ou  Firmo,  638. 

Assistiu  ao  6.°  concilio  toletano  em  638. 

6.  "— Par  imo  ou  Parino,  646. 

Assistiu  ao  7.0  concilio  de  Toledo,  celebra- 
do no  anno  de  646. 

l.^—Undila  ou  Wadila,  653-666. 

Assistiu  ao  concilio  8.°  de  Toledo,  cele- 
brado no  anno  de  653. 

Vacância 

S.^^—Reparato,  681-683. 
Assistiu  ao  12."  e  13.°  concilies  de  Tole- 
do, celebrados  em  681  e  683. 

9.  " — Wilifonso  ou  Vocifredo,  688. 
Assistiu  ao  15.0  concilio  de  Toledo,  cele- 
brado no  anno  de  688. 

10.  "— Theofreão,  693. 

Assistiu  ao  16."  concilio  de  Toledo,  cele- 
brado no  anno  de  693. 

Conquista  dos  sarracenos 

Século  VIII 

V.  o  que  já  dissemos  na  Parte  I. 

Século  IX 

il.o—Tkeodomiro,  876-899. 

Assistiu  á  sagraçáo  do  templo  de  Santiago 
de  Compostella  no  anno  de  876— e  ao  con- 
cilio celebrado  em  Oviedo  no  anno  de  877 — 
li  mezes  depois  da  dieta  sagração,  como  diz 
Coldt.  O  bií»po  Lobo  e  F.  Manuel  também  lhe 
assignam  o  anno  de  876,  mas  outros  catálo- 
gos divergem  nas  datas,— e  o  sr.  Padre  Cruz, 
em  vez  de  Theodomiro,  que  todos  dão  como 
certo,  menciona  em  900  o  bispo  Argemiro, 
que  nem  como  duvidoso  vejo  em  catalogo  al- 
gum. 


VIS 


VIS  1599 


Berardo  diz  que  o  pontificado  de  Theo- 
domiro  se  prolongou  alé  o  anno  899,  data  da 
sagração  da  egreja  de  Santiago  da  Gallisa, 
— e  Botelho  prolonga  o  mesmo  pontificado 
até  o  anno  de  901,  mas  Coldt  cita  em  favor 
da  sua  opinião  Sandoval,  Sampaio  e  Pagi  na 
critica  aos  Annaes  de  Baronio.  A  mesma  opi- 
nião seguiu  ainda  em  1858  o  Compendio  de 
la  vida,  martyrio,  traslacion  é  invencion  dei 
glorioso  cuerpo  de  Santiago  el  Mayor,  pag.  75 
dizendo  que  aquella  sagração  foi  feita  no 
anno  de  874  ou  876,  por  eommissão  do  Pa- 
pa João  VIII,  que  governou  a  egreja  de  Deus 
desde  872  até  882,  mas  o  dr.  D.  José  Maria 
Cepedano  y  Carnero  na  sua  Historia  y  des- 
cripcion  arqueológica  de  la  Basilica  Compôs- 
telana  (Lugo,  1870)  a  pag.  15  diz  que  a  men- 
cionada sagração  foi  feita  no  anno  de  899. 
A  mesma  opinião  seguem  Florez  na  Espana 
Sagrada,  tomo  1,  pag.  100,— e  Castella  Fer- 
rer na  Historia  de  Santiago  Zebedeo,  pag. 
463  e  464. 

Vejam  que  labyrintho  I . . . 

Prosigamos. 

Século  X 

lâ.» — Gundemiro  ou  Gundemaro,  905. 

Assigaou  uma  escriptura  de  doação  que 
fez  el-rei  D.  Affonso  Magno  ao  mosteiro  de 
Sahagum  no  anno  de  905. 

13." — Américo  ou  America,  915-918. 

Assignou  varias  doações  nos  annos  915- 
918— e  falleceu  em  920. 

V.  F.  Manuel  Botelho  e  Coldt. 

ik.»—Sabarico,  922. 

Assignou  em  922  o  privilegio  do  mosteiro 
de  Samos. 

15." — Salamon  ou  Salomão,  932. 

Assignou  um  privilegio  da  egreja  de  San- 
tiago da  Gallisa  em  932. 

V.  Alexandre  Lobo,  F.  Manuel  e  Berardo; 
— Cruz,  Botelho,  Sousa  e  Coldt  não  mencio- 
nam estes  últimos  2  bispos. 

IQ.'— Dulcídio,  934-951. 

17." — Ermegilo  ou  Hermenegildo. 

Assignou  uma  doação  feita  por  Enderqui- 
na  Palia  ao  mosteiro  de  Lorvão  em  961; — 
Lobo  aponta  documentos  de  965;— Berardo 
e  F.  Manuel  prolongam  o  seu  pontificado  até 


969  e  Botelho  suppõe  que  ultrapassou  esta 
data. 

18.° — Iquilano  ou  Iquila,  981-985. 

Assignou  uma  doação  feiía  em  981  ao  mos- 
teiro de  Lorvão— e  Alexandre  lobo  refere-se 
a  documentos  assignados  por  este  bispo  em 
985. 

Botelho  não  o  menciona. 

Vacância  de  35  annos,  proveniente  da  no- 
va occupação  de  Viseu  pelos  mouros,  com- 
mandados  por  Almansor,  —  occupação  que 
durou  76  annos,  até  que  D.  Fernando  Magno 
a  tomou  de  novo  em  1057.  ^ 

Os  bispos  de  Viseu  e  outros  muilos  de 
Portugal  e  do  sul  da  Hespanha  durante  a 
dominação  árabe  residiram  em  Oviedo,  onde 
os  reis  de  Leão  lhes  deram  asylo  e  assigna- 
ram  egrejas  para  se  sustentarem,  pelo  que 
Oviedo  se  denominou  cidade  dos  bispos. 

A  egreja  que  ali  tiveram  os  bispos  de  Vi- 
seu, desde  Theodomiro,  foi  a  de  Santa  Ma- 
ria de  Novelhote,  em  Rosisem. 

V.  Dialogo  III  de  Botelho,  eap.  12;— e  Me- 
morias de.  Berardo,  parte  II,  cap.  3.° 

Século  XI 

IQ.o—DGomes,  1020-1050. 

Achou-se  em  1050  no  concilio  de  Coyaca, 
diocese  de  Oviedo,  segundo  dizem  Lobo,  Sou- 
sa, Botelho,  Cruz  e  Coldt,  mas  Berardo  men- 
ciona este  bispo  D.  Gomes  não  como  bispo 
de  Viseu,  mas  de  Occa,  subscrevendo  a  opi- 
nião de  Fr.  Manuel  Risco  no  vol.  38daífe*- 
panha  Sagrada;— e  F.  Manuel  meneiona-o 
como  1.°  prior  de  Viseu  ? ! . . . 

20.»-D.  Sisnando,  1058-1004. 

Botelho,  Coldt,  F.  Manuel  e  o  sr.  Padre 
Cruz  não  mencionam  este  bispo,  mas  Ale- 
xandre Lobo  e  Sousa  dão-no  como  certo— e 
Berardo  menciona-o  como  duvidoso'^  l... 

Século  XII 
Priores 

Seguem-se  os  priores,  a  quem  os  bispos  de 


1  V.  o  principio  do  tópico  relativo  à  ca- 
thedral. 


1600  VIS 


Coimbra,  como  mais  próximos,  em  virtude 
da  diíipo«ição  dos  antigos  cânones  e  da  bulia 
de  Pasehoal  II,  do  anno  HOl,  dirigida  ao 
bispo  de  Coimbra  D.  Mauricio,  encarrega- 
ram o  governo  d'este  bispado  de  Viseu,  para 
atteuuarem  os  inconvenientes  da  grande  va- 
cância. 

Gon«erva-se  apenas  memoria  dos  priores 
segui  nt^^s  : 

—D.  rheodonio,  lHO-1112. 

O  conde  D.  Henrique  era  1110  lhe  deu  a 
egreja  de  S.  Miguel  do  Felal,  onde  residiu 
com  os  seus  cónegos  até  que  falleceu  em 
1Í12. 

SuppÕe-se  que  a  cathedral  n'aquelle  tem- 
po eslava  em  ruínas. 

— S.  Theotonio,  1112-1119. 

Nasceu  na  aldeia  de  Tardinhade,  freguezia 
de  Ganfei,  concelho  de  Valença,  no  Minho 
(V.  Ganfei);— em  filho  de  D.  Oveco  e  de  sua 
mulher  Eugenia,— e  sobrinho  de  D.  Cresço- 
nio,  bispo  de  Coimbra,  pessoas  muito  no- 
bres. 

Sendo  cónego  em  Viseu  desde  1C93,  por 
fallecimeaio  de  D.  Theodonio,  em  1112,  foi 
eleito  prior  d'e8le  bispado  pelo  povo  e  clero^ 
eleição  que  o  bispo  de  Coimbra  confirmou; 
mas  em  1119  renunciou  o  priorado  no  seu 
sobrinho  D.  Honorio  para  ir,  como  foi,  1.»  e 
2.»  vez  á  Palestina  visitar  os  Logares  Santos. 
A  rainha  D.  Theresa  o  quiz  fazer  bispo  de 
Viseu,— graça  que  elle  humildemente  recu- 
sou para  ir  com  um  seu  irmão  e  outros  com- 
panheiros dar  principio  ao  convento  de  Sort- 
ia Cruz  em  Coimbra,  do  qual  foi  eleito  i.» 
prior-mór  em  1132  eali  falleceu  como  santo 
em  1162. 

V.  Coimbra,  tomo  2  •  pag.  326. 

A  cidade  de  Viseu,  em  veneração  da  sua 
memoria  e  por  gratidão  aos  muitos  benefí- 
cios que  d  eile  recebera,  o  tomou  para  seu 
padroeiro,  solemnisando  cem  grandes  fes- 
tas em  1603  duas  canas  do  braço  direito 
do  santo  prior,  que  o  geral  e  o  capitulo 
de  Santa  Cruz  lhe  deram  como  preciosas  re- 
líquias. 

— D.  Honorio,  1119. 

Era,  como  já  dissemos,  sobrinho  de  S. 
Theotonio,  que  n'elle  renunciou  em  1119  o 
priorado  de  Viseu,  onde  era  cónego  e  falle- 


I  ceu  no  mesmo  anno,  como  se  lé  no  livro  m' 
tigo  dos  óbitos  do  convento  de  Grijó. 

-D.  Odorio,  1120-1130. 

O  povo  e  clero  de  Viseu,  mal  contentes 
com  a  subordinação  á  diocese  de  Coimbra, 
poucos  mezes  depois  de  ser  nomeado  prior 
lhe  deram  o  titulo  de  bispo,  com  approvação 
da  rainha  D.  Theresa.  Oppoz-!«e  D.  Gonçalo, 
então  bispo  de  Coimbra.  D.  Odorio  cedeu  no 
mesmo  anno  de  1120  o  seu  titulo  de  bispo  e 
ficou  governando  a  diocese  como  siciiples 
prior,  mas  em  1130  largou  o  priorado  a  D. 
Soeiro  Tedom  e  foi  viver  no  convento  de 
Santa  Cruz  de  Coimbra,  até  que  el-rei  D.  Af- 
fonso  Henriques,  annuindo  ás  instancias  do 
povo  e  clero  de  Viseu,  que  não  cessavam  de 
pugnar  em  favor  da  sua  autonomia  e  contra 
a  sugeição  aos  bispos  conimbricenses,  o  no- 
meou bispo  de  Viseu,  impondo  se  de  fórma 
tal  que  o  bispo  de  Coimbra  não  recalcitrou. 

—D.  Soeiro  Tedom,  1131-H44. 

Foi  este  o  uliimo  prior  que  governou  a 
diocese,  mas  em  1171  a  1179  ainda  uo  qua- 
dro do  cabido  visiense  figurava  um  prior, 
como  simples  dignidade,  segundo  diz  Coldt, 
fallando  do  bispo  n.°  24  infra. 

Bispos  do  tempo  da  nossa  monarchia 

21.  »—  D.  Od(yrio,  1144-1165. 

Este  bispo  comprou  a  quinta  de  Fontello, 
como  dizemos  D'outro  tópico,  e  no  seu  pon- 
tificado se  creou  o  Exemplo  de  S.  Christo- 
vam  de  Lafões,  com  assentmentç  do  bispo  D. 
Odorio  e  dos  seus  cónegos,  o  que  muito  bera 
demonstra  Berardo  no  cap.  V,  parte  II  das 
suas  Memorias,  refutando  a  contraria  asser- 
são  de  Viterbo  no  seu  Elucidaria,  art.  Fer- 
ros. 

V.  Lafões,  onde  o  meu  antecessor  fallou 
do  grande  mosteiro  a  que  pertencia  o  tal 
Exemplo. 

22.  »-D.  Gonçalo,!.",  1165-1169. 

Era  monge  d'Alcobaça  e  assistiu  á  sagra- 
ção  da  egreja  de  S.  João  de  Tarouca,  em 
1169. 

Coldt  diz  que  renunciou. 

23.  »— D.  Marcos,  1170. 

É  mencionado  na  bulia  da  beatificação  de 
S.  Rozendo,  em  1170. 


VIS 


VIS  1601 


24.  »— D.  Godinho,  1171-Í179.  i 
Com  o  consentimento  do  seu  prior  Pedro  : 

Lombardo  e  de  todos  os  seus  cónegos  admii-  i 
tiu  ao  numero  d'este8  João  de  Reservada,  j 
como  diz  uma  memoria  do  cartório  de  Vi-  ! 
seu. 
V.  Coldt. 

25.  "— D.  João  Pires,  l.\  1179-1102. 
SuppÕe-se  que  falleeeu  em  1192. 

D.  Sancho  I  lhe  doou  e  á  sua  egreja  a  villa 
de  Canas  de  Senhorim  em  1 186 — e  a  contou, 
— e  em  1187  o  mesmo  rei  (não  este  bispo, 
como  se  lê  algures)  deu  foral  a  Viseu. 

Século  XIII 

26.  "— D.  iVíCo/oM,  1193-1213. 

NasL'eu  em  Lisboa,  na  freguezia  de  S.  Vi- 
cente de  Fóra,  sendo  seus  paes  João  Rodri- 
gues Velho  e  Anna  Taveira;— professou  no 
mosteiro  dos  cónegos  regrantes  de  S.  Vicente 
de  Fóra  em  1173;  depois  de  ordenado  estu- 
dou em  Paris  artes  e  theologia  e  foi  thesou- 
reiro-mór  no  cabido  de  Coimbra,  ete. 

Sendo  eleito  bispo  de  Viseu  em  1193  e 
viudo  em  1198  occupar  a  cadeira  pontifícia 
o  papa  lonoceneio  III,  seu  conhecido  dos 
tempos  em  que  o  nosso  prelado  viveu  em 
Paris  e  andou  viajando,  foi  a  Roma  beijar- 
Ihe  o  pé.  O  papa  reconhecido  o  confirmou  e 
sagrou  e  escreveu  uma  carta  a  rainha  D. 
Theresa  recommeodando-lh'o  e  louvando-o 
pela  sua  modéstia,  illustraçâo  o  circunspec- 
ção. 1 

Falleeeu  em  Viseu  no  dia  3  d'outubro  de 
1213. 
V.  Coldt. 

27.  °— D.  Fernando  Raimundo  Coutinho, 
1.",  1213-1214. 

O  sr.  Padre  Cruz  não  menciona  este  bis- 
po;— Coldt  dà-o  como  duvidoso, — mas  Bote- 
lho, Berardo,  Sou-a,  Lobo,  F.  Manuel  eosr. 
dr.  Nicolau  dão- no  como  certo. 

Tomou  posse  em  1213  e  falleeeu  em  1  de 
fevereiro  de  1214. 


1  Foi  protector  e  insigne  bemfeilor  do  con- 
vento de  Ferrpira  d' Aves,  então  de  monges 
e  posteriormente  de  freiras. 

V.  Elucidário  de  Viterbo,  art.  Ferros. 


Residiu  nas  casas  da  quinta  de  Santa  Eu. 
genia,  que  foram  incendiadas  pelos  franee- 
zes  em  1810,  e  ali  fez  uma  concordata  com 

0  cabido,  repartindo. as  terças,  casaes  e  egre- 
jas  da  diocese  entre  elle  e  o  deão,  chantre» 
thesoureiro  e  cónegos,  como  consta  do  Es- 
tatuto 1."  da  Cathedral,  fl.  1,  v. 

Botelho  indica  iodas  as  egrejas  que  fica- 
ram pertencendo  aos  bispos. 

28.'— D.  Bartholomeu,  1214-1221. 

Assignou  em  1218  a  escriptura,  na  qual 
D.  AÍTonso  II  confirmou  a  doação  do  couto 
de  Gondomar,  feita  por  D.  Sancho  I  ao  bispo 
do  Porto  D.  Martinho  Rodrigues  II,  no  anno 
de  1193. 

V.  Botelho,  Dialogo  4."  cap.  9.»— e  o  Cata- 
logo dos  Bispos  do  Porto,  pag.  57  e  segg, 
mihi. 

Nas  Memorias  que  Berardo  offereceu  à  ca- 
mará em  1838  vê-se  o  nome  do  bispo  D.  Bar- 
tholomeu, mas  não  se  encontra  nas  Memo- 
rias do  mesmo  Berardo,  publicadas  no  Li- 
beral; o  bispo  Lobo  nem  como  duvidoso  o 
menciona,— dão-no  porem  como  cerío— Bo- 
telho, Coldt,  Cruz,  F.  Manuel,  o  sr.  dr.  Nico- 
lau e  o  padre  Sousa. 

Coldt  diz  que  ha  memorias  d'este  bispo  em 
doações  e  escripturas  desde  o  anno  1215  até 
1222,  mas  Sousa  diz  que  falleeeu  em  Viseu 
em  1221. 

29  o— D.  Gil  ou  D.  Egidio  ou  D.  Egas,  í." 
1221-1230. 

V.  o  que  já  dissemos  d'este  prelado  na 
Parte  I. 

Coldt  diz  que  ha  noticias  d'elle  por  todo 
o  reinado  de  D.  Sancho  II,  ou  até  1245;— 
Sousa  diz  que  o  pontificado  d'este  bispo  prin- 
cipiou em  1221  e  terminou  em  1248,  data  da 
sua  morie,  em  Viseu,— mas  Botelho  diz  que 
do  livro  d'oblto9  apenas  consta  que  falleeeu 
a  9  de  setembro. 

Os  catálogos  lodos  divergem  e  nós  não  po- 
demos harmonisal-08. 

30.»— D.  Martinho,  1230— segundo  dizem 
Alexandre  Lobo  e  o  sr.  Padre  Cruz. 

V.  o  que  já  dissemos  d'este  prelado. 

Vacância  de  20  annos  e  interdictos 

1  31.»— D.  Pedro  Gonçalves,  1250-1254. 


16.02  VIS 


VIS 


V.  o  que  já  dissemos  d'e8te  bispo. 

Em  1251  deu  Carta  de  Fôro  aos  habitan- 
tes do  Couto  da  Sé,  que  estava  dentro  dos 
antigos  muros  da  cidade. 

Falleeeu  em  Viseu  em  1254  e  jaz  na  Sé, 
como  diz  o  Padre  Sousa. 

No  seu  tempo,  diz  Berardo,  tiveram  logar 
umas  grandes  dissenções  entre  o  biíipo  da 
Guarda  D.  Martintio  Paes  e  os  bispos  de  Vi- 
seu, porque,  estando  estes  na  posse  das  egre- 
jas  do  Jarmello  e  Castello  Mendo,  os  da  Guar- 
da pretendiam  tazel-as  suas  empregando  a 
força,  na  falta- de  melhor  argumento. 

•  Marchava  para  a  cidade  da  Guarda  o  bis- 
po de  Viseu  rodeado  dos  seus  cónegos  e  se- 
guido de  uma  grande  comitiva  de  clérigos, 
onde  lambem  ião  os  juises  eommissionados 
para  sustentarem  a  posse  por  parle  de  Vi- 
seu. Porem  o  bispo  egilaniense,  á  frente  de 
uma  phalange  forte  de  clérigos  e  leigos  ar- 
mados, sahiu-lhes  ao  encontro  na  passagem 
do  rio  Mondego  e  depois  de  uma  arrogante 
intimação,  a  que  seus  adversários  não  qui- 
serào  ceder,  passou  ás  vias  de  facto,  já  fus- 
tigando as  alimárias,  já  deturbando  os  ca- 
valleiros;  e  a  tal  ponto  cahirão  os  da  Guar- 
da sobre  os  de  Vizeu,  que  estes  tiverão  de 
se  retirar,  arremessando-lhes  simplesmente 
as  armas  das  censuras. 

•  Esta  celebre  contenda  veio  a  terminar 
por  uma  sentença  dos  commissarios  apostó- 
licos, que  derão  á  só  da  Guarda  as  parochias 
do  Germello,  e  á  de  Vizeu  as  de  Castello 
Mendo.  1 

É  isto  o  que  textualmente  diz  Berardo  nas 
suas  Memorias,  publicadas  no  Liberal,  a 
quem  seguiu  F.  Manuel,  e  isto  mesmo  com 
mais  amplitude  ainda  diz  Viterbo  no  artigo 
Garda,  —  artigo  muito  curioso  e  muito  di- 
gno de  se  ler.  —Consultando  nós  o  Catalogo 
dos  Bispos  da  Guarda,  escripto  pelo  dr.  Ma- 
nuel Pereira  da  Silva  Leal  e  publicado  em 
1722  no  tomo  2.»  das  Memorias  da  Academia 
Real  de  Historia,  não  temos  duvida  em  crer 
que  o  protogonista  das  grandes  dissenções 
fosse  o  bispo  da  Guarda  D.  Martinho  Paes, 
pois  ali  se  caracierisa  como  irascivel,  enér- 
gico e  turbulento  e  se  apontam  não  as  dis- 
senções com  os  bispos  de  Viseu,  más  outras 
muitas  com  os  bispos  de  Coimbra  durante  o 


seu  longo  pontificado,  dissensões  que  o  obri- 
garam a  ir  a  Roma  varias  vezes.  O  que  não 
podemos  crer  é  que  o  tal  conflicto  se  desse 
com  o  bispo  de  Viseu  D.  Pedro  Gonçalves, 
como  diz  Berardo,  pois  D.  Martinho  Paes  foi 
bispo  da  Guarda  desde  o  anno  1200  ou  1202 
até  12  de  novembro  de  1228,  data  em  que 
falleeeu  em  Roma,  como  diz  o  dr.  Leal,  em 
quanto  que  D.  Pedro  Gonçalves  foi  bispo  de 
Viseu  em  1250  a  1254,  data  em  que  falleeeu 
como  já  dissemos. 

Viterbo,  narrando  minuciosamente  o  con- 
flicto, não  lhe  assignou  data,  depois  diz  e  pro- 
va que  as  taes  dissenções  ainda  duravam  no 
anno  de  1239  (11  ânuos  depois  do  falleei- 
mento  de  D.  Martinho)— aecrescentando  que 
não  pôde  averiguar  guiando  terminaram. 

V.  Jermello  e  Castello  Mendo. 

32.«— D.  Matheus  1.°,  1254-1271. 

Foi  eleito  em  1254,  e  no  mesmo  anno  as- 
sistm  ás  côrtés  que  D.  AíTonso  IH  celebrou 
em  Leiria;— assignou  o  foral  que  o  mesmo 
rei  deu  a  Villa  Nova  de  Gaya  em  1255;— es- 
teve alguns  annos  sem  obter  confirmação — 
e  foi  um  dos  prelados  que  em  1262  supplica- 
ram  ao  pontífice  Urbano  IV  a  legitimação 
dos  filhos  que  D.  Affonso  III  teve  da  rainha 
D.  Brites,  vivendo  ainda  a  condessa  Mathil- 
de,  sua  primeira  mulher.  Coniinuaram  no 
seu  tempo  os  grandes  conflictos  entre  Por- 
tugal e  a  cúria  romana,  conflictos  que  atra- 
vessaram os  reinados  de  D.  Affonso  II  e  D. 
Sancho  II  e  enlutaram  o  nosso  paiz  com  cen- 
suras e  interdictos;— foi  acérrimo  defensor 
das  immunidades  ecclesiastieas  que  o  estado 
invadira;— em  defesa  d'ellas  foi  com  outros 
bispos  a  Roma;— estava  em  Viterbo  no  anno 
de  1268,  quando  ali  falleeeu  o  Papa  Cle- 
mente IV— e  em  Viterbo  falleeeu  também  o 
nosso  bispo  no  anno  de  1271,  como  diz  o 
Padie  Sousa. 


Vacância  de  8  annos 


33.»— D.  Matheus  II,  1279-1287. 
Todos  os  catálogos  são  accordes  n'estas 
datas,— o  que  é  raríssimo  ! 
Jaz  em  Viseu  na  capella  mór  da  Sé,  onde 


VIS 


VIS  1603 


o  bispo  D.  Jorge  d'Athaide  lhe  fez  sepultura 
própria  com  a  inseri pção  seguinte  : 

Dom.  Mathaeo  Epõ  Visen. 
qui  obiit  anno  1325.  die 

16.  Febroary.  Georgins 

ejusdem  ecclae.  epus. 
Anno  1571  DIE  4.  Aprilis. 
F.  C. 

Em  vulgar:  «A  D.  Matheus,  bispo  visiense, 
que  falloceu  uo  dia  16  de  fevereiro  do  anno 
1325, 1  D.  Jorge  bispo  da  mesma  egreja,  fez 
construir  e  dedicou  esta  sepultura  no  dia 
4  d'abril  de  1571.» 

Suppõe-se  que  as  ossadas  de  D,  Matheus 
estavam  no  chão  onde  hoje  se  vê  a  sacristia 
e  que  D.  Jorge  as  removeu  quando  fez  ali 
obras. 

Por  faliecimento  de  D.  Affonso  V  (16  de 
fevereiro  de  1279)  que  pouco  antes  se  havia 
congraçado  cura  o  romano  poniitiee,  Nico- 
lau líl,  acabaram  os  iuterdictos  em  Poriu- 
gal  e  com  elles  a  vacância  da  sé  de  Viseu. 

Século  XIV 

34.°— D.  Egas,  ou  2.",  se  dermos  ao 
bispo  D.  Gil  (o.°  29,  supra)  o  nome  de  Egas 
tamberíí,— 1289-1313. 

Jaz  em  Viseu  na  sepultura  que  em  1571 
lhe  mandou  erigir  na  capella  mór  da  Sé  o 
bispo  D.  Jorge,  quando  fez  também  ali  a  ou- 
tra sepultura  para  D.  Matheus  II. 

Na  inscripção  da  de  D.  Egas  se  nota  o 
mesmo  lapso  de  trocar  o  anno  pela  era,  pois 
diz  que  falleeeu  no  dia  16  de  março  do  anno 
1351,  devendo  dizer  na  era  de  1351,  que 
corresponde  ao  anno  1313,  data  do  seu  fal- 
iecimento. 

Este  bispo  D.  Egas  fez  nova  divisão  das 
rendas  do  bispado  com  os  seus  cónegos,  re- 
formando a  que  tinha  sido  feita  pelo  bispo 
D.  Fernando  Raimundo  (V.  n."  27);— creou 
iO  meios-conegos,  pelos  quaes  dividiu  as  pre- 


1  Aqui  houve  lapso.  Devia  dizer — na  era 
de  1325  {anno  de  1287)  data  do  faliecimento 
de  D.  Matheus  II. 


bendas  de  5  conesias  vagas;— creou  também 
a  corporação  dos  padres  coreiros  e  benefi- 
ciados,—e  obteve  d'el-rei  D.  Diuiz  muitas 
concessões  importantes,  v.  g.  a  doação  da 
egreja  de  S.  Pedro  do  Sal  para  o  seu  cabido 
e  para  este  o  foro  de  fidalgos  cavalleiros,  a 
exempção  do  tributo  chamado  cavallaria,  a 
•graça  de  serem  os  cónegos  almotacés,  a  res- 
tituição da  rua  do  Suar  ao  velho  couto  da 
sé,  a  transferencia  dos  direitos  que  o  rei  ti- 
nha nas  egrejas  de  Castello  Mendo,  etc.  etc. 

V.  Diálogos  de  Botelho  e  a  Memoria  de  F. 
Manuel. 

35.  » -D.  Martinho  II,  1313-1323. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  que 
já  dissemos  d'eite  bispo. 

Foi  eleito  no  mesmo  anno  de  1313,  em 
que  falleeeu  D.  Egas,  seu  antecessor,  como 
consta  de  uma  doação,  que  assigna,  feita  em 
julho  d'aquetle  anno.  Botelho  e  Coldt  citam 
d'elle  muitas  memorias,  mas  lamentam  igno- 
rar a  data  em  que  falleeeu;— F.  Manuel, 
consciencioso  investigador  e  muito  escru- 
puloso nas  datas,  diz  que  já  era  fallecido  em 
1323,  mas  o  Padre  Sousa  diz  que  falleeeu 
em  Lisboa  no  anno  de  1325— %  Sousa  tem 
muita  aucloridade,  como  já  dissemos. 

Attribue-se  a  este  bispo  a  conclusão  da 
antiga  abobada  da  sé,— abobada  principiada 
pelo  bispo  D.  Matheus  II,  no  anno  de  1282- 

Para  evitarmos  repetições,  veja  se  o  tópico 
relativo  á  caihedral. 

36.  °— D.  Gonçalo  de  Figueiredo,  II,  o  An- 
chinho,  1323-1328. 

Sousa  diz  que  este  bispo  nasceu  em  Al- 
cácer do  Sa/,— que  principiou  o  seu  pontifi- 
cado em  1326— e  que  expirou  em  Viseu  em 
1328. 

Berardo  diz  que  era  natural  do  Algarve  e 
pae  de  filhos  legitimes,  antes  de  abraçar  o 
estado  ecclesiastico. 

Botelho  falia  muito  largamente  d'este  bis- 
po  e  dos  seus  numerosos  descendentes  no 
Dialogo  4.»  cap.  18-30  inclusive.  Foi  patriar- 
cha  dos  Figueiredos,  dos  Loureiros  e  d'ou- 
tras  muitas  famílias  nobres  da  Beira. 

Alexandre  Lobo,  F.  Manuel  e  Coldt  dão-no 
já  eleito  em  1323. 

I     37.»-/).  Miguel  Vivas  1.%  1330-1335. 
i    O  Padre  Sousa  da-o  como  simplesmente 


1604  V]S 


VIS 


eleito,  mas  Coldt,  Berardo  e  F.  Manuel  dão- 
no  como  bi?po  confirmado,  — e  Viterbo  fal- 
lando  da  collegiada  de  Santo  André  de  Fer- 
reira d'At^es,  diz:  «Corria  o  anno  de  1331, 
quando  D.  Miguel  Vivas,  eleito  e  confirmado 
bispo  de  Viseu,  achando-se  de  visita  no  Cas- 
tello de  Ferreira  a  30  de  dezembro,  deo  no^ 
va  forma,  e  quan  instituiu  de  novo  a  pre- 
sente collegiada. . . » 

V.  no  Elucidário  o  longo  e  interessantis- 
simo  artigo  Ferros,  tomo  1.»  pag.  324,  col- 
2.»  mihi. 

Respeitamos  muito  a  opinião  do  Padre 
Sousa,  mas  nVste  ponto  também  elaudicoul 

D.  Miguel  Vivas  foi  chanceller-mór  d'el- 
rei  D.  AÍToDso  IV  e,  antes  de  ser  eleito  bispo, 
foi  abbade  de  Trasmires,  ^  e  D.  Prior  da  col- 
legiada de  Guimarães  até  1329,  como  dizem 
o  Padre  Carvalho  na  Chor.  Port.,  tomo  1.» 
pag.  27 — e  Damião  A.  de  Lemos  na  sua  Po- 
litica Moral  e  Civil,  tomo  4."'  pag.  420. 

Botelho  dá  este  bispo  como  antecessor  do 
seguinte : 

38.«— D.  João  II  1360-1362. 

Assistiu  com  outros  prelados  á  justiíiea- 
ção  que  em  1361  fez  em  Coimbra  D  Pedro  I. 
para  provar  que  havia  casado  com  a  infeliz 
D.  Ignez  de  Castro,  como  declarou  o  mesmo 
rei  na  villa  de  Cantanhede,  e  no  anno  de 
1362  assistiu  á  sagração  do  convento  velho 
de  S.  Francisco  de  Coimbra. 

Berardo,  referiodo-se  a  uma  nota  que  dá 
na  sua  integra,  extrahida  de  ura  antigo  Necro- 
lógio, diz  que  este  D.  João  II  já  era  bispo  de 
Viseu  em  1341  ?!... 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  tópi- 
co relativo  á  eathedral. 

Botelho  dá  este  bispo  como  antecessor  de 
D.  Gonçalo  de  Figueiredo  II.  Foi  lapso. 


*  Não  sabpmos  que  abbadia  era  esta;  mas 
como  abbade  de  Trasmires  e  chanceller-mór 
do  reino,  assignou  era  Coimbra  no  anno  de 
1327  o  2.»  testamento  da  rainha  Santa  Isa- 
bel. 

Hist.  Geneal.  tomo  l.'  das  Provas,  tit.  1." 
pag.  121. 

Nós  não  temos  hoje  ^m  Portugal  freguezia 
alguma  denominada  Trasmires.  Talvez  que 
assim  se  denominasse  in  illo  tempore  a  fre- 
goezia  de  Três  Minas,  hrjfí  do  concelho  de 
Villa  Pouca  d'Aguiar,  em  Traz-os-Montes. 


O  Padre  Sousa  diz  que  falleceu  em  Coim- 
bra no  anno  de  1362. 

Desde  1335  até  1375  não  ha  memoria  d'ou- 
tro  bispo  de  Viseu,  alem  de  D  João  II,  mas 
é  de  suppor  que  houvesse  algum  outro,  mes- 
i  mo  porque  durante  aquelle  tempo  não  consta 
que  houvessem  interdictos  no  nosso  paiz.  O 
que  consta  é  que  em  i3i8  houve  uma  gran- 
de peste  que  assolou  Portugal  e  Hespanha, 
ficando  muitas  povoações  sem  um  único  ha- 
bitante ! . . . 
39.»— D.  João  Martins,  IH,  1375-1378, 
É  isto  o  que  podemos  colligir  dos  differen- 
tes  catálogos  que  nos  cercam,  mas  o  Padre 
Sousa  diz  que  falleceu  em  Viseu  no  anno  de 
1388— e  Botelho  e  Coldt  dizem  que  em  es- 
cripturas  com  esta  data  se  faz  menção  d'elle. 
Este  ponto  é  muito  obscuro. 
40  '—D.  Pedro  Lourenço  II,  1385,  segun- 
do dizem  Alexandre  Lobo,  F.  Manuel,  dr.  Ni- 
colau e  Berardo,  mas  Botelho,  Sousa,  Cruz 
e  Coldt  não  o  mencionam,  talvez  pelo  facto 
de  ser  deposto  suis  culpis  et  dementis  no 
mesmo  anno  de  1385,  segundo  se  lé  em  uma 
bulia  do  Papa  Urbano  VI.  V.  Memorias  de 
Berardo, 

Suppomos  que  o  seu  pontificado  foi  muito 
ephemero  e  que  Urbano  VI  o  annullou,  por 
prender  com  o  schisma  d'aquplle  tempo. 
41.»- D.  João  Pires  IV,  1385-1388. 
Segundo  dizem  também  Alexandre  Lobo, 
F.  Manuel,  dr.  Nicolau  e  Berardo,  mas  Bo- 
telho, Sousa^  Cruz  e  Coldt  não  o  mencionara 
talvez  pelo  mesmo  facto  de  ser  o  seu  epis- 
copado muito  ephemero  e  prender  com  o 
schisma  que  se  manifestou  no  tempo  do  papa 
Urbano  VI. 

F.  Manuel  diz  que  foi  chantre  em  Viseu  e 
confirmado  bispo  d'esia  diocese  em  1386  por 
bulia  do  papa  Urbano  VJ,  da  qual  existe  co- 
pia em  pergaminho  no  archivo  da  eathe- 
dral!... 

Como  os  bispos  D.  João  11,  D.  João  Mar- 
tins, D.  João  Pires,  D.  João  Homem  e  D.  Fr. 
João  d'Evora  formam  uma  serie  de  5  prela- 
dos quasi  seguida,  todos  com  o  mesmo  nome 
de  João,  costumando  nas  assignaturas  escre- 
ver apenas  o  nome  próprio,  é  hoje  muito  dif- 
ficil  fazer  a  destrinça  e  todos  os  catalogas  di^ 
vergem,  falhndo  d'estes  bispos. 


VIS 


VIS  1605 


Século  XV 

j 

42.  °— D.  João  Homem  V,  Í392-1425. 
O  Padre  Sousa  diz  que  era  natural  de  La- 

geosa  e  que  falleceu  (ignora  onde)  em  1426; 
o  mesmo  diz  Coldt;  —  mas  F.  Manuel  diz 
que  falleceu  em  i  de  dezembro  de  1425  e  o 
mesmo  diz  Berardo,  act*resceotando  que  as- 
sim o  lêra  em  um  documento  judliiial. 

D.  João  I  estimava  tanto  este  prelado,  que 
o  elegeu  padrinho  de  seu  filho  o  celebre  in- 
fante D.  Henrique,  1."  duque  de  Viseu. 

O  mesmo  rei  lhe  deu  em  27  de  fevereiro 
do  anno  1392  uma  das  torres  romanas,  co- 
nhecida pelo  nome  de  torre  do  relógio,  onde 
collocou  08  sinos  da  cathedral,^— e  em  1407 
deu  principio  ao  convento  de  S.  Francisco 
de  Orgens. 

Este  bispo  era  da  nobre  família  Costa  Ho- 
mens, padroeiros  da  Lageosa,  dos  quaes  Bo- 
telho falia  muito  amplamente  no  Dialogo  4." 
cap.  33,  como  de  ascendentes  seus.. 

43.  »— D.  Fr.  José  d' Évora,  VI.  1414. 
V.  o  que  já  dissemos  dVste  bispo. 
Mencionamol-o  unicamente  pelo  respeito 

que  tributamos  à  memoria  do  sábio  bispo 
Alexandre  Lobo,  que  o  mencionou  no  seu 
catalogo  e,  se  ainda  vivera,  por  certo  se  de- 
fenderia I . . . 

44.  °— D.  Garcia  de  Meneses,  1426-1430. 
Foi  bispo  do  Algarve,  d'oiide  passou  para 

Lamego;— ali  foi  primeiramente  simples  go- 
vernador da  diocese,  em  nome  do  bispo  D. 
Alvaro,  e  depoi.s  bispo  próprio  aié  1426,  data 
em  que  foi  transferido  para  Viseu. 

F.  Manuel,  muito  escrupuloso  com  datas, 
prolonga  o  pontificado  d'este  bispo  até  1433; 
— o  sr.  dr.  Nicolau  prolonga-o  até  1432  so- 
mente;— Bprardo,  Cruz  e  Coldt  não  passam 
do  anno  1430,— em  o  qual  ou  no  seguinte  de' 
via  fallecer,—à\z  Botelho, — e  Sousa  diz  cla- 
ramente que  falleceu  em  1430  na  cidade  de 
Viseu  ?  I . . . 

45.  «—D.  Luiz  do  Amaral,  í.<>,  1432-1438. 
Alfxandre  Lobo  diz  que  o  pontificado 

I 


I  d'este  bispo  principiou  em  1433,  mas  não 
I  lhe  assigna  o  termo;— F.  Manuel  re.duz  este 
í  pontificado  ao  anno  de  1433;— o  sr.  Padre 
Cruz  assigna  lhe  também  simplesmente  a 
data  de  1433;— Sousa  d:z  que  este  pontifica- 
do principiou  em  1431  e  que  D.  Luiz  falle- 
ceu na  Iialia  em  1439;— o  Padre  Coldt  pro- 
longa este  ponlifii-ado  desde  1433  até  1438, ' 
data  em  que  na  sua  opinião  foi  deposto  D. 
Luiz  do  Amaral;— Botelho  diz  que  este  bispo 
sueeedeu  a  D.  Garcia,  mas  que  o  anno  é  du- 
vidoso; que  em  1432  com  ceriesa  jà  era  bis- 
po de  Viseu — e  que  foi  deposto  por  Eugé- 
nio IV,  mas  nào  diz  quando; — Berardo  assi- 
gna-lhe  as  datas  1433-1439?!... 

Em  vista  de  tal  discordância  nos  catálo- 
gos de  Viseu,  fomos  consultar  os  de  Lame- 
go, por  ter  sido  ali  prelado  D.  Luiz  do  Ama- 
ral, e  n'plles  encontrámos  bastante  luz. 

tNo  anno  de  1431  ainda  governava  D' 
Luiz,  como  consta  do  archivo  capitular,  na 
sentença  n."  224.  Em  1432  eslava  já  o  bis- 
pado vago,  como  do  mesmo  archivo  consta 
e  trasladado  D.  Luiz  a  bispo  de  Viseu,  sua 
pátria.» 

Hist.  Eccl.  de  Lamego  por  D,  Joaquim  de 
Azevedo,  pag.  60,  cnl.  2.» 

Em  seguida  aponta  3  sentenças  que  faliam 
de  D.  Luiz  do  Amaral  como  bispo  de  Viseu,, 
— duas  com  data  de  1432  e  uma  com  data 
de  1444;— depqis  diz : 

«Já  a  esse  tempo  (anno  de  1444)  D.  Luiz 
estava  deposto  por  scismatiijo,  mas  por  seus 
procuradores  se  intrusou  em  Viseu,  do  que 
se  queixou  com  vehemencia  o  papa  Eugé- 
nio IV,  como  consta  de  suas  lettras  ao  rei 
,  D.  AfTonso  V. 

•  Pcuco  tempo  tinha  de  governo  em  Viseu 
D.  Luiz  de  Amaral,  quando  nas  vésperas  da 
morte  do  rei  D.  João  1 1  partiu  para  Bazilêa 
com  o  caracter  de  embaixador  da  magestade 
portugueza  áquelle  sagrado  congresso  e  ao 
papa  Eugénio  IV.  O  mesmo  concilio,  que  ao 
principio  foi  legitimo,  o  escolheu  por  em- 
baixador ao  imperador  de  Constantinopoia, 

I 


1  Veja  se  o  que  dissemos  no  tópico  Tor- 
res, fallando  da  Calhedral. 


1  D.  Joãu  I  falleceu  no  dia  14  d'agosio  de 
1433. 


i606  VIS 


VIS 


mas,  separados  os  legados  apostólicos  do  con- 
cilio e  separados  da  obediência  uns  poucos 
de  bispos  com  o  cardeal  Luiz  Allemand,  feito 
scisma,  formaram  seu  conciliábulo,  em  que 
foi  eleito  papa  ou  anii-papa  Amadeu  VIII, 
duque  de  Sabóia,  dito  Felix  V.  Ao  mesmo 
tempo  o  concilio  de  Florença  escolheu  o  bis- 
po do  Porto  por  embaixador  a  Coustanlino- 
pola,  achando-se  n'aquella  côrie  dois  bispos 
porluguezes,  um  a  convidar  o  moaarcha  pa- 
ra o  verdadeiro  concilio,  aonde  elle  foi,  ou- 
tro já  scismatico  para  o  attrahir  ao  seu  er- 
rado partido.  Foi  depois  D.  Luiz  embaixa- 
dor do  conciliábulo  ao  i-riperador  da  AUe- 
manha  e  a  outros  príncipes.  O  anti-papa  o 
fez  cardeal,  ou  anti-eardeal,  no  anuo  de  1444; 
pouco  depois  morreu,  ja  reconciliado  coma 
Igreja,  como  o  anti-papa  e  os  mais  scisma- 
ticos,  que  todos  se  reconciliaram.  Os  outros 
anti  cardeaes  foram  pelo  papa  Nicolau  V  re- 
munerados com  a  purpura,  passando  de  fal- 
sos para  verdadeiros  cardeaes,  por  terem 
abjurado  o  scisma.  Não  teve  a  purpura  le- 
gitima o  nosso  D.  Luiz,  porque  morreu  an- 
tes da  promoção  dos  seus  coUegaj*,  ainda 
que  depois  da  sua  conversão.  Havia  perdido 
o  bispado  de  Vizeu  e  sido  excommuogado 
pelo  papa  Eugénio  IV  no  auno  de  1440  »  i 

Do  exposto  se  vê  que  D.  Luiz  do  Amaral 
foi  bispo  legitimo  de  Viseu  desde  1432  até 
1440—6  bispo  intruso  até  1444,— na  opinião 
de  D.  Joaquim  d'Azevedo, — mas  nós  iuclina- 
mo-nos  a  crer  que  o  pontificado  legitimo,  de 
D.  Luiz  do  Amaral  não  passou  de  1438,  por- 
que em  1438  já  era  bispo  de  Viseu  D.  Luiz 
Coutinho,  seu  suceessor. 

D.  Luiz  do  Amaral  era  filho  de  Viseu;— 
foi  o  único  dos  bispos  visienses  natural  d'es- 
ta  cidade;— pertencia  a  uma  familia  nobilís- 
sima— e  nos  Diálogos  de  Botelho  se  pôde  vér 
a  sua  genealogia. 

46.«— D.  Luiz  Coutinho  il,  1438-1444. 

Sousa  e  Botelho  dizem  que  este  pontifica- 
do principiou  em  1437; — Alexandre  Lobo  diz 


1  Hisl.  Eccl.  de  Lamego,  logar  citado,  mas 
oulrus  dizem  que  foi  deposio  em  1437  ou 
1438  e  que  por  essa  occasião  o  papa  fez  bis- 
po de  Viseu  a  D.  Luiz  Coutinho. 

V.  ColdL 


i  que  principiou  em  1433; — Coldt  diz  simples» 
'  mente  que  ha  memorias  d'elle  nos  ânuos  de 
j  1438  a  1444;— o  sr.  Padre  Cruz  assigua-lhe 
i  simplesmente  a  data  de  1444  e  diz  que  foi 
suceessor  de  D.  Gonçalo  de  Figueiredo,  o  que 
é  lapso  manifesto, — finalmente  Berardo  só 
diz  que  ha  noticias  d'eáte  bispo  até  1444. 
Vejam  que  labyrintho  I . . . 
Deus  nos  dé  paciência  para  levarmos  a 
cruz  ao  Caivano. 

F.  Manuel  lambem  diz  que  este  prelado  foi 
bispo  de  Lamego— e  Botelho  diz  que  foi  bis- 
po em  4  dioceses:— Lamego,  Viseu,  Coim- 
bra e  Lisboa, — mas  nos  catálogos  de  Lame- 
go não  86  encontra  tal  bispo  1  Suppomos  que 
foi  ali  simplesmente  deão. 

É  certo  que  em  1444  foi  transferido  de  Vi- 
seu para  Cuimbra,  d"ondtí  passou  para  Lis- 
boa, suecedendo-lhe  no  bispado  de  Coimbra 
seu  irmão  D.  Fernando  Coutinho.  Eram  fi- 
lhos do  2."  matrimonio  de  Gonçalo  Vasques 
Coutinho,  4.*  ^  marechal  do  reino  e  homem 
poderosíssimo,  que  do  seu  1.°  matrimonio 
cora  D.  Leonor  Gonçalves  d'Azevedo  teve 
Vasco  Fernandes  Coutinho  e  A'varo  Gonçal- 
ves Coutinho,  o  lendário  Magriço,  chefe  dos 
Dose  de  Inglaterra,  cantados  por  Camões. 

V.  Cêa,  tomo  2.«  pag.  233,  eol.  2.*-e  Pi- 
nhel, tomo  7.»  pag.  70,  col.  2.»  e  seguintes, 
onde  nós  cantamos  em  prosa  rude  as  faça- 
nhãs  do  marechal  D.  Fernando  Coutinho, 
descendente  d'aquelles  heroes,  cuja  nobi- 
líssima ascendência  e  descendência  pôde 
ver-se  no  Dialogo  4.°,  de  Botelho,  eap.  37. 

Este  bispo,  abusando  do  alto  valimento  da 
sua  familia,  tomou  posse  do  bispado  de  Vi- 
seu sem  consentimento  d'el-rei  D.  Aífuuso  V, 
pelo  que  este  violentamente  o  esbulhou  da 
dieta  posse,  mas  não  recalcitrou;  submetteu- 
se;  o  rei  perdoou-lhe  6  não  só  o  reintegrou 
n'6ste  bispado,  mas  depois  o  transferiu  para 


1  O  dr.  Botelho  diz  que  foi  2  °  marechal — 
6  o  mesmo  se  lê  n'ouir«s  auctores,  mas  D. 
Luiz  Caetano  de  Lima  na  sua  Geographía 
Histórica,  tomo  1."  pag.  454  e  segg.  diz  e 
i  prova  qun  o  1  °  marechal  foi  Gonçalo  Vas- 
\  ques  d' Azevedo;  — 2.«  Alvaro  Pereira;  — 3.» 

Alvaro  Gonçalves  Camelo;— Gonçalo  Vaz 
I  ou  Vasques  Coutinho l.,. 


VIS 


VIS  1607 


o  de  Coimbra  e  d'este  para  o  de  Lisboa, 
onde  falleceu  em  1453,  como  diz  o  Padre 
Sousa. 

47.0— D.  João  Vicente,  7.»,  1446-1463. 

Este  bispo  foi  o  fundador  e  grande  prote- 
ctor da  congregação  dos  cónegos  seculares 
de  S.  Joào  Evangelista  (loyos)  e  porque  usou 
sempre  o  habito  azul  que  lhes  dera,  foi  de- 
nominado bispo  azul. 

Também  o  denominaram  bispo  santo^  por 
ser  um  modelo  de  vinude, — Mestre  João,  por 
ter  sido  lente  de  medicina  e  physico-raór  do 
reino, — e  D.  João  de  Chaves  erradamente  e 
muito  depois  da  sua  morte,  por  confundirem 
€ste  bispo  /».  João  Vicente  com  o  bispo  D. 
Fr.  João  de  Chaves,  de  quem  fallaremos  sob 
o  n.»  54. 

D.  João  Vicente  pela  sua  illustração  e  vir- 
tudes, pela  sua  humildade  e  modéstia,  pelas 
momentosas  commissòes  que  exerceu  e  pe- 
los relevantes  serviços  que  prestou  à  socie- 
dade e  à  egreja,  foi  um  dos  prelados  visien- 
ses mais  beneméritos. 

D'elle  já  nós  fallámos  amplamente  no  ar- 
tigo Villar  de  Frades,  para  onde  remettemos 
os  leitores. 

Veja  se  também  o  que  dizem  Botelho  no 
Dialogo  V,  cap.  1.° — e  a  Hist.  Eccl.  de  La- 
mego, que  lhe  dedicou  um  largo  e  inieres- 
santíssimo  tópico,  mas  a  fonte  mais  abun- 
dante para  a  biographia  d'este  prelado  é  a 
■chronica  dos  loyos,  denominada  Ceo  aberto 
na  terra. 

Sendo  bispo  de  Lamego,  o  papa  o  nomeou 
bispo  de  Viseu  no  mesmo  anno  de  1444,  em 
que  transferiu  para  Coimbra  o  seu  anteces- 
sor D.  Luiz  Coutinho,  pelo  que  Alexandre 
Lobo,  Sousa  e  F.  Manuel  dizem  que  o  seu 
pontificado  principiou  em  1444,  mas  é  certo 
que  se  conservou  em  Lamego  como  bispo 
próprio  d'aquella  cidade  até  28  d'abril  de 
1446,  data  em  que  deixou  Lamego  e  se  trans. 
feriu  para  Viseu,  como  prova  com  vários 
documentos  D.  Joaquim  d'Azevedo  na  sua 
Hist.  Eccl.  de  Lamego,  pelo  que  nós  lhe  abri- 
mos o  seu  pontificado  visiense  no  anno  de 
1446, — pontificado  que  terminou  com  a  sua 
morte  em  30  d'âgoâto  de  1463,  como  dizem 
Coldt,  Sousa,  D.  Joaquim  d'Azevedo  e  o  Pa- 


dre Francisco  de  Santa  Maria  na  chronica 
dos  loyos,  pag.  602. 

Botelho  e  F.  Manuel  dizem  que  falleceu 
em  1453.  Foi  lapso. 

Jaz  na  capella  do  Bom  Jesus  do  Calvário, 
onde  ellé,  estando  na  corte  de  Hespanha,  ha- 
via mandado  fazer  a  sua  sepultura,  no  claus- 
tro da  Sé  de  Viseu,  mas  alguém  diz  que  pos- 
teriormente e  furtivamente  foi  trasladado 
para  o  convento  de  Villar  de  Frades— e  ou- 
tros dizem  para  o  convento  dos  loyos  em 
Évora,  pelo  que  o  Padre  Sousa  assigna  co- 
mo local  da  sepultura  d'este  bispo — Yiseu  e 
Évora. 

Para  melhor  desempenho  do  seu  múnus 
pastoral  e  para  maior  commodidade  dos  seus 
diocesanos,  apenas  chegou  a  Viseu  instal- 
lou-se  nos  paços  contíguos  à  Sé,  deixando  a 
quinta  de  Fontello,  residência  habitual  dos 
seus  antecessores. 

Foi  este  prelado  quem  reformou  a  O.  de 
Chriâto  e  lhe  deu  novos  estatutos  por  cora- 
missão  do  Infante  D.  Henrique,  o  de  Sagres, 
mestre  d'ella  e  1."  duque  de  Viseu,— e  por 
bulia  d'Eugenio  IV. 

48."— D.  João  Galvão,  8."  1464-1466. 

V.  o  que  já  dissemos  d'este  bispo. 

Botelho  no  Dialogo  o."  cap.  2 '  falia  d'elle 
e  da  sua  genealogia  muito  largamente,  mas 
creio  se  enganou  dando-o  como  bispo  de  Vi- 
seu, pois  D.  Rodrigo  da  Cunha  no  seu  ca- 
talogo dos  arcebispos  de  Braga,  cap.  62,  mos- 
tra ler  estudado  bem  a  biographia  de  D. 
João  Galvão  e  menciona-o  simplesmente  co- 
mo bispo  de  Coimbra  e  arcebispo  de  Braga, 
— não  como  bispo  de  Viseu  l 

O  mesmo  Botelho  diz  que  a  historia  dos 
bispos  visienses  é  muito  confusa  n'e8te  pon- 
to, por  ter  havido  em  Viseu  uma  serie  de  3 
bispos  (aliás  2)  com  o  mesmo  nome  João  e 
costumarem  assignar  apenas  com  o  nome 
próprio,  dando  a  entender  que  talvez  elle  at- 
tribuisse  a  D.  João  Galvão  documentos  do 
seu  antecessor  D.  João  Vicente,  como  eíTecti- 
vameoie  attribuiu  todos  os  que  aponta  com 
as  datas  de  1434  a  1459,  pois  o  pontificado 
de  D.  João  Vicente  prolongou-se  até  1463 

É  certo  que  D.  João  Galvão  foi,  como  D. 
Miguel  da  Silva,  um  homem  muito  notável 
e  muito  infeliz,  pois  tendo  sido  escrivão  da 


1608  VIS 


VIS 


puridade  d'el-rei  D.  AflfoDso  V,  foi  prior- 
mór  de  Santa  Cruz  de  Coimbra,  cargo  que 
trocou  pela  mitra  d'aquella  cidade— e  deixou 
aquella  mitra  para  cingir  a  de  Braga,  mas, 
pelo  facto  de  principiar  a  exercer  ali  o  mú- 
nus archiepi?copal  sem  ter  ainda  as  lettras 
apostólicas,  o  papa  depois  lh'as  recusou,  pelo 
que  ficou  sem  a  mitra  de  Braga,  sem  a  de 
Coimbra  e  sem  o  priorado  mór  de  Santa 
Cruz,— e  passou  o  resito  de  seu'<  dias  muito 
obscura  e  pobremente,  parochiando  uma 
simples  egreja,  como  diz  D.  Rodrigo  da  Cu- 
nha. 

49.»- D.  João  Gomes  d' Abreu,  9 »,  1466- 
1482. 

F.  Manuel  diz  que  este  bispo  também  se 
assignava  D.  João  da  Annunciação  e  que  o 
seu  pontificado  principiou  em  1462;— Bote- 
lho também  cita  uma  apresentação  feita  por 
elle  em  1462  e  outras  com  as  datas  de  1469, 
1479  e  1481;— Coldt  diz  constar  ser  bispo 
de  Viseu  nos  annos  de  1469  e  1481;— Ale- 
xandre Lobo  e  o  sr.  Padre  Cruz  aísignam- 
Ihe  simplesmente  a  da'a  de  1482,  mas  o  pa- 
dre Sousa  diz  que  este  pontificado  princi- 
piou em  1466  e  terminou  em  1482. 

É  certo  que  este  prelado  falleceu  no  dia 
16  de  fevereiro  de  1482  repentinamente  e 
também  no  mesmo  anno  falleceram  repenti- 
namente outras  pessoas  distinctas,  taes  fo- 
ram o  barão  d'Alvito,  ó  conde-prior,  e  conde 
de  Monsanto,  o  marquez  de  Villa  Real,  etc. 

Este  bispo  era  da  nobre  geração  dos  se- 
nhores de  Regalados,  onde  nasceu,  como  diz 
o  padre  Sousa,  e  nos  Diálogos  de  Botelho 
pôde  vér-se  a  sua  genealogia. 

O  nosso  rei  D.  Affonso  V  lhe  deu  as  2  tor- 
res romanas,  cohtiguas  á  Sé,  as  quaes  arvo- 
rou em,  aljube  ou  prisão  dos  ecclesiasiicos, 
6  foi  este  um  dos  motivos  do  grande  odio  e 
luetas  encarniçadas  que  se  desenvolveram 
entre  elle  e  os  visienses  e  que,  segundo  se 
suppõe,  lhe  abreviaram  a  existência,  pois 
estavam  no  seu  periodo  mais  agudo,  quando 
o  bispo  foi  encontrado  morto  na  cama  ful- 
minado por  um  ataque  apopletico — ou  por 
veneno  que  lhe  propinaram,  segundo*  dizem 
alguns  dos  seus  biographos. 

Era  tão  amigo  dos  frades  d'Orgens  que 


recomraendou  ao  seu  mordomo  lhes  desse 
tudo  o  que  pedissem.  Os  mesmos  frades 
eram  também  muito  queridos  dos  visienses 
e  por  isso,  quando  as  luetas  entre  estes  e  o 
bispo  andavam  mais  accesas,  evitavam  oi'ca- 
sião  de  fallar  lhe,  para  não  se  exporem  ao 
odio  da  cidade,  também.  ^ 
Jaz  em  Viseu. 

D'esle  bispo  fallaremos  ainda  no  titulo  das 
famílias  nobres  d'esta  cidade 

Veja-se  o  que  dissemos  do  Bispo  D.  Solu- 
didario  na  lista  dos  bispos  duvidosos,  n.»28. 

Século  XVI 

50.  »— D.  Fernando  ou  Fernão  Gonçalves 
de  Miranda,  2  •  1487-lSOo. 

Nas  Memorias  de  Berardo,  publicadas  no 
Liberal,  se  lê  textualmente  o  seguinte:  «João 
Coldt  nos  refere  que  do  Livro  das  CollaçÕes 
ecclesiasncas  consta  ter  sido  bispo  de  Vizeu 
desde  1487  até  1491.»  Salvo  o  respeito  que 
tributamos  á  memoria  de  Berardo,  não  po- 
demos acceiíar  esta  referencia,  pois  Coldt 
não  diz  tal  coisa.  Apenas  diz  que  este  pre- 
lado falleceu  em  1505,  sem  indicar  o  come- 
ço do  seu  pontificado.  Botelho  é  quem  diz 
que  este  D.  Fern?indo  foi  bispo  de  Viseu  pe- 
los annos  de  1487  a  1491  — e  F.  Manuel  diz 
que  foi  bispo  de  1487  a  1505,  mas  o  Padre 
Sousa  diz  que  foi  bispo  de  Viseu  desde  1483 
até  1505,  data  em  que  falleceu  em  Lisboa» 
onde  jaz,  na  capella  dos  Mirandas,  freguezia 
de  S.  Christovara,  tendo  nascido  em  Lisboa 
também. 

No  Agiologio  Lusitano,  tomo  2.»  pag.  769, 
se  encontra  o  extenso  epitaphio  da  sua  se- 
pultura, indicando  os  cargos  principaes  que 
exerceu,  e  nos  Diálogos  de  Botelho  pode  ver- 
se a  sua  genealogia. 

51.  "- D.  Jorge  do,  Costa^  1.°,  o  famoso  Car- 
deal d'Alpedrinha,  1506-1507. 

Botelho,  Carvalho  e  Cruz  não  mencionam 
este  bispo; — Alexandre  Lobo  dá-o  como  du- 


^  As  luetas  prolongaram -se  durante  quasi 
todo  o  pontificado  dVste  bispo,  que  o  rei 
muito  estimava,  pelo  que  o  próprio  rei  teve 
de  intervir  n'ellas  muitas  vezes. 


VIS 


VIS  1609 


vidoso,  mas  F.  Manuel,  Suu?a,  Berardo,  Coldt 
e  o  sr.  dr,  Nicolau  dão  no  como  certo 

Muito  podíamos  dizer  de  D  Jorge  da  Cos- 
ta, que  foi  o  prelado  mais  rico  que  lem  lido 
Portugal  até  hoje  e  um  dos  homens  mais  im- 
porlautes  do  ^eu  tempo,  tauio  em  Portugal 
conno  em  Roma,  onde  viveu  desde  1479  até 
1S08,  tendo  até  à  sua  morte  quasi  tanto  va- 
limento como  os  próprios  pontífices,  mas 
para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  artigo 
Alpedrinha,  i 

Jaz  na  egreja  de  Santa  Maria  do  Populo 
em  Roma,  na  qual  mandou  fazer  uma  capella 
esplendida  e  n'ella  a  sepultura  própria. 

52>— D,  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas,  o  Calça- 
dilha,  1S07-1519. 

Botelho  e  o  sr,  dr.  Nicolau  dão  começo  a 
este  pontificado  em  1506;  — F.  Manuel,  Be- 
rardo e  o  bispo  Lobo  dizem  que  principiou 
em  1507;— 6  o  padre  Sousa  diz  que  princi- 
piou em  1508,  mas  todos  concordam  em  que 
terminou  no  anno  de  1519. 

Este  bispo  foi  cognominado  Calçadilha, 
por  ser  natural  de  uma  povoação  d'este  no- 
me em  Castella,  junto  de  Samora.  Era  de 
nobre  ascendência,  como  pôde  vér-se  nos 
Diálogos  de  Botelho;— veiu  para  Portugal  em 
1476,  acompanhando  como  confessor  a  Ex 
cellente  Senhora  D.  Joanna; — foi  muito  ae- 
eeito  dos  nossos  reis  D.  AfTonso  V,  D.  João  II 
6  D.  Manuel,  que  o  chamaram  para  o  seu 
conselho  e  o  fizeram  seu  confessor  e  capel- 
lão-mór,  prior  de  S.  Vicente  de  Fóra,  bispo 
de  Tanger  e  de  Viseu,  etc. 

Foi  grande  iheologo,  dislincto  orador,  bom 
malhematico  e  astrólogo,  pelo  que  tomou 
por  emblema  das  suas  armas  uma  estreita. 

Fez  parte  do  congresso,  de  sábios,  convo- 
cado por  el-rei  D.  Manuel  para  resolverem 
a  proposta  de  Christovam  Colombo,  que  se 
offerecia  para  demandaras  índias,  navegan- 
do de  Lisboa  para  o  poente,  proposta  que  a 
Inglaterra  já  tinha  despresado  e  que  o  diclo 
congresso  igualmente  despresou,  por  condes- 


cendência para  com  D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhe- 
i  gas,  pelo  que  á  Hespanha  coube  depois  a 
!  gloria  de  descobrir  o  Novo  Mundo. 

Falleceu  D.  Diogo  em  Almeirim  em  1519, 

quando  ali  »e  achava  a  côrie,  e  ali  jaz  na 

egreja  dos  dominicos  de  Santa  Maria  da 

Serra. 

Deixou  em  Viseu  boa  meníioria  e  o  seu 
nome  vinculado  á  riqulí^sima  abobada  da  Sé, 
denominada  de  D.  Diogo  Ortiz  ou  dos  nós, 
por  ser  em  ogiva  de  granito  primorosamente 
trabalhada  e  ornamentada  com  laçaria  de 
cordas  e  nós. 

Não  se  sabe  com  certesa  quando  e  por 
quem  foi  principiada  a  dieta  abobada,  ^  mas 
sabe-se  com  certesa  que  foi  feita,  pelo  menos 
em  grande  parte,  e  concluída  por  este  pre- 
lado, como  diz  uma  inscripção  que  se  véna 
dieta  abobada,  junto  do  seu  brasão  d'arma8 
e  em  redor  d'elle,  tudo  lavrado  em  pedra 
d'Ançã. 

A  dieta  inscripção  é  a  seguinte  ; 

.Esta  Se  mandou  abobe- 
DAR  o  Muito  Magnifico 
S5Í0R  DÕ  Diogo  Ortins, 
Bpõ  desta  cidade,  e  do 
Concelho  dos  Reis,  e 
SE  acabou  Era  do  Snor 

DE  1513 

■  o  mesmo  bispo  mandou  fazer  lambera  a 
frontería  da  Sé  com  um  riquissimo  pórtico 
muito  ornamentado  com  figuras  e  folhagem, 
bem  como  uma  grande  janella  superior,  de 
curiosa  invenção,  que  dava  luz  para  o  côro, 
segundo  diz  Botelho,— tudo  em  estylo  gotbi- 
co  florido,  ou  Manuelino,  e  em  perfeita  har- 
monia cora  a  architeclura  interior;  e  sobre 
o  grande  pórtico  se  via,  como  diz  Botelho 
lambem,  outra  inseripçào  exterior,  como  a 
mencionada  supra;  mas  infelizmente  aquella 
magestosa  fronteria  desabou  com  uma  das 
torres  em  18  de  fevereiro  de  1635  e  foi  subs- 
tituída pela  desgracíosa  fronteria  actual,  que 


*  Por  certo  não  foi  mais  illusirado  nem  i  ^  V.  o  tópico  relativo  ácathedraleaobis- 
mai-t  bem  educado  do  que  D.  Miguel  da  Sil-  '  po  D.  Soludidalio,  de  quem  ja  fizemos  mea- 
va, mas  foi  bem  mais  feliz  do  que  elle  /  . . .     '  ção  entre  os  bispos  duvidosos,  sob  o  n.»  28. 


IblO  VIS 


VIS 


não  tem  merecimento  algum  arlistico  nem  a 
minima  relação  com  a  arehitectura  inte- 
rior I 

Este  bispo  chamou  para  Portugal  sobri- 
nhos e  outros  parentes,  de  quem  procedem 
varias  famílias  nobres  de  Viseu. 

Também  sagrou  a  caihedral  em  junho  de 
1S16. 

V.  Diálogos  de  Botelho  a  Memoria  de  F. 
Manuel  e  o  tópico  relativo  à  Sé. 

53.  "— D.  Affonso,  infante  e  cardeal,  1520- 
1524. 

Todos  os  catálogos  que  me  cercam  são 
aceordps  n'estas  datas; — apenas  o  dr.  Bote- 
lho prolonga  este  pontiQcado  até  15i8. 

Este  infante  D.  Affonso,  6.»  filho  d'el  rei  D. 
Manuel  e  de  sua  2."  mulher  a  rainha  D.  Ma- 
ria, foi  creado  cardeal-diacono  do  titulo  de 
Santa  Luzia  em  27  de  junho  de  1517,  cou- 
tando apenas  8  annos  de  idade.  Depois  foi 
cardeal  de  S.  Braz — e  ultimamente  cardeal 
de  S.  João  e  S.  Paulo. 

Em  1516  foi  feito  bispo  da  Guarda  e  prior- 
mór  da  Santa  Cruz  de  Coimbra. 

Em  1520  lhe  deram  o  bispado  de  Viseu, 
que  não  governou  pessoalmente,  por  contar 
ainda  apenas  11  annos.  Teve  o  titulo  de  pre- 
lado d'e8ia  diocese  até  1524;  —  posterior- 
mente foi  arcebispo  de  Lisboa,  abbade  d'Al- 
eobaça  e  perpetuo  administrador  do  bispa- 
do à'Evora,  onde  nasceu  no  dia  23  d'abril 
de  1509— e  falleceu  em  Lisboa  no  dia  21  de 
abril  de  1540,  contando  apenas  31  annos  de 
idade. 

Jaz  na  egreja  de  Belém. 

Tinha  muito  merecimento  e  foi  o  1.*  pre- 
lado que  ordenou  se  fizessem  livros,  onde  se 
registrassem  os  baptismos,  casamentos  e  óbi- 
tos, como  posteriormente  decretou  para  toda 
a  egreja  o  concilio  de  Terento. 

54.  »— D.  Fr.  João  de  Chaves,  10.»  do  no- 
me, 1524-1526. 

O  Padre  Carvalho  e  o  sr.  Padre  Cruz  não 
mencionam  este  bispo;— Botelho,  Berardo, 
Lobo,  F.  Manuel,  Coldt,  Sousa  e  o  sr.  dr.  Ni- 
colau dão-no  como  certo, — mas  em  algumas 
circumstancias  divergem. 

Botelho  e  o  sr.  dr.  Nicolau  dizem  que  este 
bispo  foi  loyo,  mas  F.  Manuel,  Berardo,  Lo- 
bo e  Coldt  dizem  que  foi  religioso  da  Obser- 


vância (franciscano)  e  n'ella  duas  vezes  pro- 
vincial. 

Todos  ignoram  onde  nasceu  e  onde  falle- 
ceu; apenas  o  Padre  Sousa  diz  que  era  na- 
tural de  Guimarães,  opinião  a  que  o  bispo 
Lobo  se  inclina. 

SuppÕe-se  que  falleceu  em  Viseu.  Berar- 
do e  F-.  Manuel  dizem  que  jaz  na  capella  do 
Bom  Jesus  do  Calvário,  indo  da  Sé  para  o 
claustro,  em  uma  sepultura  que  ali  se  vé, 
tendo  por  brazão  duas  chaves.  Berardo  até 
se  insurge  contra  quem  pretende  que  a  di- 
eta sepultura  é  do  bispo  santo  D.  João  Vi- 
cente, fundador  dos  loyos;  mas  Botelho  e  o 
sr.  dr.  Nicolau  dizem  e  provam  que  não  é 
nem  pôde  ser  do  bispo  D.  Fr.  João  de  Cha- 
ves, porque  o  brasão  d'e8ta  familia  tem  por 
emblema  5  chaves  em  aspa, — não  2; — e  que 
a  dieta  capella  e  a  dieta  sepultura  perten- 
cem ao  bispo  santOy  D.  João  Vicente  — o 
qual  tomou  por  emblema  duas  chaves,  por 
ter  sido  medico  do  papa  Nicolau  V. 

Nós  perfilhamos  esta  opinião. 

Terminaremos  dizendo  que  D.  Fr.  João  de 
Chaves  foi  um  bispo  virtuoso  e  bom  theologo, 
confessor  do  duque  de  Bragança  D.  Jaime, 
e  D.  prior  commendatario  do  convento  da 
Costa,  em  Guimarães  2. 

55.  °— D.  Miguel  da  Silva,  2.°  do  nome  e 
cardeal,  1527-1547. 

É  muito  interessante  a  biographia  d'e8te 
prelado  e  deu -nos  um  trabalho  insano,  mas 
ficou  tão  longa  e  tão  longos  vão  já  este  tó- 
pico e  este  artigo,  que  resolvemos  dal  a  no 
supplemento,  bem  como  a  do  bispo  D.  Ju- 
lio Francisco  d' Oliveira,  não  menos  interes- 
sante nem  menos  longa. 

V.  Viseu  no  supplemento  a  este  diceiono- 
rio. 

56.  »— D.  Alexandre  Farnese,  cardeal,  etc. 
1547-1552. 

Em  virtude  da  mysteriosa  renuncia  de  D. 
Miguel  da  Silva  foi  Alexandre  Farnese  bispo 


1  V.  o  que  já  dissemos  d'este  bispo,  sob  o 
n.»  47. 

2  V.  Obras  de  D.  Francisco  Alexandre  Lo- 
bo, tomo  1."  pag.  251-259— e  o  que  no  lopico 
relativo  à  Sé  dizemos  da  Capella  do  Calvá- 
rio. 


VIS 


VIS  1611 


de  Viseu  desde  22  d'abril  de  1547  até  1552, 
mas  bispo  commendatario,  poisnuneaenirou 
em  Viseu.  Governaram  por  elle  a  diocese  dois 
italianos-^e  falieeeu  em  Roma  a  2  de  março 
de  1589,  tendo  renuriciado  a  diocese  de  Vi- 
seu nos  fins  do  anno  de  1551  ou  principios 
de  1552,  pois  em  setembro  de  1551  ainda 
elle  não  havia  renunciado,  como  prova  Ale- 
xandre Lobo, — e  em  março  de  1552  era  já 
nomeado  bispo  de  Viseu  D.  Gonçalo  Pi- 
nheiro. 

Alexandre  Farnese,  filho  de  Pedro  Luiz 
Farnese  (primeiro  duque  de  Parma)  e  neto 
de  Paulo  III,  nasceu  em  Roma  no  dia  17  de 
outubro  de  1520  e  foi  ura  dos  homens  mais 
illustrados,  mais  ricos  e  de  mais  mereci- 
mento na  sua  época. 

Aos  13  annos  já  era  bispo  de  Parma;  aos 
24  já  era  cardeal  e  depois  aecumulou  mui- 
tos bispados,  arcebispados,  benefícios  rendo- 
sos, cargos  e  pensões,  podendo  competir  com 
o  nosso  cardeal  d'Alpedrinha  e  certamente 
o  excedeu  em  riquezas,  posto  que  por  des- 
intelligencias  com  o  papa  Julio  III  teve  de 
sair  de  Roma,  perdeu  a  rica  diocese  de  Mon- 
treale  e  a  grande  influencia  que  exercia  na 
cúria,  onde  foi  muitos  annos  o  primeiro  mi- 
nistro e  teve  tanto  valimento  como  o  próprio 
papa  f  I. .. 

g7.c_D.  Gonçalo  Pinheiro,  1553-1566. 

Este  bispo  era  natural  de  Setúbal,  filho  de 
João  Pires  e  de  Leonor  Rodrigues  Pinheiro, 
Deto  paterno  de  Alfonso  Fernandes,  secreta- 
rio da  rainha  D.  Filippa  de  Lencastre,  mulher 
de  D.  João  l,  e  neto  materno  de  Gonçalo  Ro- 
drigues, cavalleiro  de  D.  João  IL 

Formou-se  em  cânones  na  universidade  de 
Lisboa  e  doutorou-se  em  theologia  na  de 
Salamanca;  —  foi  muito  erudito  n'aquellas 
duas  faculdades,  bem  como  em  astronomia, 
grego,  hebraico,  latim,  etc. 

Quando  regressou  de  Salamanca  foi  feito 
cónego  d 'Évora  e  bispo  de  Safira. 

Depois  foi  mandado  em  commissão  por  D. 
João  III  com  outros  ministros  a  França,  pa- 
ra resolverem  uma  questão  importante,  pro- 
veniente de  certas  presas.  Reuniram-se  em 
Baiona  com  igual  numero  de  commissiona- 
dos  francezes  e  não  só  decidiram  a  pendên- 
cia a  contento  d'amba8  as  corôas,  mas  foi  ali 


tão  estimado  e  considerado  o  nosso  bjspo 
que,  a  pedido  do  cabido  de  Baiona,  regeu 
pessoalmente  aquella  diocese  algum  tempo. 

Em  15i3,  sendo  bi?po  de  Tanger,  foi  man- 
dado como  Bosso  embaixador  a  França,  on- 
de recebeu  de  Francisco  I  grandes  demons- 
trações de  estima.  Regressando  a  Portugal 
foi  feito  desembargador  do  paço  em  1548  e 
em  1552  foi  eleito  bispo  de  Viseu,  para  onde 
partiu  em  1553  e  onde  assignalou  o  seu  no- 
me convocando  synodo  em  1555,  no  qual 
promulgou  decretos  salutares  —  e  fazendo 
muitas  obras,  taes  foram  as  escadas  para  o 
côro  de  cima,  na  cathedral,  em  cuja  aboba- 
da se  vêem  as  suas  armas,— e  a  capella  da 
Vera  Cruz,  junto  do  claustro,  para  seu  ja- 
zigo, mas  foi  sepultado  na  capella  mór,  por- 
que falieeeu  era  1566,  *  durando  ainda  as 
obras  da  capella. 

Foi  concluída  em  1567,  por  diligencias  do 
seu  sobnnho,  que  na  abobada  poz  também 
as  armas  do  mesmo  bispo,— wm  pinheiro  e 
um  leão  rompente,  em  campo  vermelho. 

Rezidiu  algum  tempo  no  paço  de  Fontello, 
que  tentou  transformar  em  Azylo  de  Mendi- 
cidade,—o  em  ura  dos  sitios  mais  pittores- 
cos  da  mesma  quinta  de  Fontello  fez  uma 
capellinha  dedicada  a  S.  Jeronymo,  na  qual 
poz  e  se  vê  ainda  uma  inscripção  em  grego  2. 


1  É  isto  o  que  dizem  Berardo  e  F.  Manuel, 
mas  Botelho,  Coldt,  Carvalho,  Sousa  e  o  sr. 
Padre  Cruz  dizem  que  falleceuera  1567.  Nós 
preferimos  a  data  de  1566,  porque  em  8  de 
setembro  do  dicto  anno  D.  Fr.  Bartholomeu 
dos  Mariyres  convocou  em  Braga  synodo,  ao 
qual  assi.stiram  todos  os  bispos  suffraganeos, 
—  exceptuando  o  de  Viseu,  por  se  achar  a 
a  diocese  vaga,  como  diz  D.  Rodrigo  da  Cu- 
nha. 

2  Também  fez  o  grande  pórtico  de  entra- 
da para  a  formosa  avenida  do  paço  e  quinta 
de  Fontello,  como  prova  a  inscripção  que 
mandou  gravar  e  lá  se  vé  ainda  sobre  o  di- 
cto portão : 

HOS  ADITVS,  NOSTRAE  8IGM0  MONSTRANTR  SALTTIS, 
HOSPITIO  ET  GRATIIS  INOPOM,  QOB  EXTRDXIT  IH  DS08 
GOTBESÇALLOS,  POPOLI  ANTISTES,  PlNARlCS,  ANNO  1565. 

Em  vulgar -.—  «Gonçalo  Pinheiro,  bispo 
d'esta  cidade,  fez  construir  estes  pórticos  com 
o  signal  demonstrativo  da  nossa  redempção, 


1612  VIS 


VIS 


58.»- D.  Jorge  d'Athaide,  1568-1578. 

Era  irmão  do  vice-rei  da  índia  D.  Luiz  de 
Alhaide,  coDde  d'Aihouguia,  e  filho  de  D. 
Antonio  d'Alhaide,  conde  da  Castanheira; — 
assistiu  ao  concilio  de  Trento,  oujas  actas 
escreveu,  e  em  Roma  Pio  IV  o  encarregou 
da  reforma  do  missal  e  do  breviário  roma- 
no Em  1568  foi  eleito  bispo  de  Viseu,  on- 
de entrou  no  dia  14  de  março  de  1569,  ten- 
do sido  sagrado  em  Lisboa,  no  templo  de 
Nossa  Senhora  da  Graça,  com  o  máximo  es- 
plendor, assistindo  el-rei  D.  Sebastião,  a  rai- 
nha D.  Catharina,  a  infanta  D.  Maria  e  toda 
a  corte. 

Falleceu  em  17  de  janeiro  de  1611,  con- 
tando 76  annos  de  idade,  e  foi  um  prelado 
digníssimo,  sempre  muito  estimado  e consi- 
derado pelos  monarchas  do  seu  tempo. 

Governou  a  diocese  apenas  9  annos,  até 
1578,  data  em  que  muito  espontaneamente 
renunciou,  porque,  sendo  seu  )rmão  D.  Luiz, 
conde  d'Alhouguia,  o  primeiro  general  por- 
tuguez  do  seu  tempo  e  tendo  sido  nomeado 
commandante  em  chefe  do  exercito  que  D. 
Sebastião  se  propunha  levar,  como  levou,  á 
Africa,  o  mesmo  rei  o  exonerou  do  com- 


para hospício  e  bem  fazer  dos  pobres  e  para 
seus  usos,  no  anno  de  1565. 

Note  se  que  em  agosto  de  1876  a  camará 
de  Viseu,  d'accordo  com  o  prelado  D.  Anto- 
nio Alves  Martins,  apeou  o  dicto  portão  e 
collocou-o  de  novo  um  pouco  mais  dentro  da 
grande  avenida,  (recuou  9'",5)  para  tornar 
mais  plana  e  suave  a  entrada  e  mais  ampla 
a  rua  contigua;  nada  porem  soffreu  o  dicto 
pórtico,  porque  a  mudança  foi  feita  com  to- 
do o  carinho. 

0  portão  é  espaço.so,  mas  pouco  elegante 
e  rt'cianeular.  Pôde* ver  se  em  lyiographia  no 
Álbum  Visiense,  pag.  12-13. 

Também  se  suppõe  que  a  grande  avenida 
foi  obra  de  D.  Gonçalo  Pinheiro,  Devem  pois 
contar  mais  de  300  annus  algumas  das  ar- 
vores que  a  ensombram. 

Trabalhou  zelosamente  na  illustraçãoe  re- 
forma do  seu  clero;  em  1556  fez  as  Consti- 
tnições  Synodaes  do  bispado  de  Viseu— e  tam- 
bém assistiu  a  uma  parte  do  concilio  de 
Trunfo. 

1  Era  muito  illustrado  e  deixou  muitas 
obras  impressas  e  mss.,  como  liiz  sl  Biblio- 
theca  Lvsílana,  mas  Innoeencio  uem  o  men- 
ciona como  escriptor !    ií.;íjíh«i  t>  !»iti-  : 


mando  e  o  enviou  pela  segunda  vez  como 
I  vice-rei  para  a  índia,  por  se  oppor  muito 
!  prudentemente  à  dieta  expedição,  prevendo 
a  desgraça  que  nos  esperava  em  Aleacer- 
quivir  a  4  d'ago»lo  do  mesmo  anno  de  1578, 
devida  á  inexperiência  e  teimosia  do  joven 
monarcha  e  à  substituição  do  valente  gene- 
ral por  D.  Diogo  de  Sousa,  que  nada  sabia 
da  arte  da  guerra  \. . . 

Perdemos  na  Africa  as  forças  vivas  da  na- 
ção e  depois  a  nossa  autonomia,  que  só  em 
1640  recuperámos. 

Fez  D.  Jorge  d'Athaide  em  Viseu  a  bella 
sacristia  actual  da  Só  e  o  pavimento  superior 
em  1574,  bem  como  parle  do  paço  episcopal 
contíguo,  e  deu  principio  ao  mosteiro  das 
freiras  de  S.  Bento.  Fez  também  obras  im- 
portantes no  paço  de  Fontello;  construiu  á 
sua  custa  a  egreja  da  Misericórdia  de  Viseu 
e  acabou  a  capella  mór  da  egreja  do  con- 
vento d' Alcobaça,  de  que  foi  abbade  com- 
mendatario.  Para  a  dieta  capella-mór  trans- 
feriu as  ossadas  do  seu  padrinho,  o  celebre 
João  de  Barros; — para  a  capella-mór  da  Só 
de  Viseu  transferiu  as  ossadas  dos  bispos 
D.  Matheus  e  D.  Egas,  as  do  bispo  D.  João 
Pires  e  d'ouiros  seus  antecessores  para  a  ca- 
pella de  S.  João  Baptista,  Também  (segundo 
se  suppõe)  restaurou  o  pretendido  tumulo 
d'el-rei  D.  Rodrigo  na  egreja  de  S.  Miguel 
do  Fetal,  pelo  que— diz  Botelho— sí  occupou 
a  eníhesourar  ossos,  como  os  avaros  a  guar- 
dar riquesas. 

Foi  eapellão  mór,  esmoler  e  conselheiro 
de  estado  de  Filippe  II  de  Hespanha,  com 
quem  viveu  na  corte  de  Madrid  até  1598, 
data  do  fallecimento  d'esie  rei,  que  lhe  of- 
fereceu  os  arcebispados  de  S.  Thiago  do  Gal- 
lisa,  Braga,  Lisboa  e  Évora,  mas  lodos  re- 
geitou  dizendo  que  o  bom  prelado  deve  ser 
unius  uxoris  ver?  I . . . 

Também  regeitou  o  cargo  de  ioquisidor- 
mór  6  100  000  crnsados  que  os  judeus  lhe 
ofifereciam,  quando  andavam  impetrando  o 
perdão  geral. 

Foi  homem  piedosíssimo  até  que  expirou. 
I  No  seu  testamento,  alem  de  muitas  es- 
I  molas  importantes  que  deixou  a  differentes 
i  institutos  religiosos^  taes  como  SOOcrusados 


VIS 


VIS  1613 


de  juro  para  a  sustentação  de  2  frade»  ear-  i 
luxos,  lOOilíOOO  réis  de  juro  para  o  vestuá- 
rio das  religiosas  pobres  do  convento  da 
Castanheira,  etc,  instituiu  por  herdeiros  do 
remanescente  os  pobres  d' Alcobaça? ! . . . 

Jaz  no  convento  de  Santo  Antonio  da  Cas- 
tanheira, pantheon  dos  seus  maiores,  na  pro- 
víncia da  Estremadura. 

V.  Castanheira  da  Estremadura,  e  Athou- 
guia  n'este  diceionario-  e  o  Dialogo  5."  de 
Botelho,  cap,  2.»  onde  se  encontra  uma  lar- 
ga genealogia  e  outras  noticias  muito  curio- 
sas de  tão  benemérito  prelado. 

09.'— D.  Miguel  de  Castro,  3.%  1579-1583, 

Era  filho  de  D.  Diogo  de  Castro,  mordo- 
mo-mór  da  princesa  D  Joanna,  e  de  D.  Leo- 
nor d'Athaide.  Tomou  posse  do  bispado  de 
Viseu  em  15  de  setembro  de  1579  e  o  gover- 
nou até  1585,  data  em  que  foi  transferido 
para  o  arcebispado  de  Lisboa,  onde  falleceu 
em  30  de  junho  de  1625,  tendo  nascido  em 
Évora,  não  sabemos  quando. 

Foi  um  dos  regentes  do  reino  na  ausên- 
cia do  cardeal  e  archiduque  Alberto,— e  foi 
lambem  algum  tempo  vice-rei,  mas  cumpriu 
sempre  com  muito  louvor  os  seus  deveres 
de  bispo  e  foi  muito  esmoler,  costumando 
soccorrer  generosamente  as  famílias  que, 
lendo  disposto  de  meios,  se  achavam  em  cir- 
cumstaneias  precárias. 

Botelho,  que  foi  seu  contemporâneo,  cita 
alguns  d'estes  factos,  concluindo  por  dizer 
— que  era  tão  amado  e  bem  quisto  de  todos 
que  até  as  pedras  em  sua  morte  parece  que 
mostraram  o  sentimento  que  nos  corações  de 
todos  ficava  pelas  obras  de  misericórdia  que 
de  continuo  exercia. 

Foi  lambem  um  grande  berafeitor  da  ci- 
dade e  da  Sé  de  Viseu,  mesmo  depois  da  sua 
transferencia  para  Lisboa,— donde  por  mui- 
tas vezes  (diz  Botelho)  mandou  para  Viseu 
muitos  mil  crusados  (!)  para  se  despenderem 
em  esmolas  e  obras  pias,  e  ultimamente  para 
se  fazer  um  ornamento  de  brocado  para  a  Sé, 
em  que  se  veem  suas  armas  peça  muito  rica. 

Nos  Diálogos  do  mesmo  dr.  Botelho  pode 
ver-se  a  genealogia  d'este  venerando  bispo, 
descendente  dos  Castros  de  Hespanha,  dos 
qaaes  descendia  também  a  infeliz  D.  Ignez 
de  Castro. 

VOLUMB  XI 


60.°— D.  Nuno  de  Noronha,  1586-1594. 

Era  filho  de  D.  Sancho  de  Noronha,  conde 
de  Odemira,  e  de  D.  Margarida  da  Silv?,  fi- 
lha de  D.  João  da  Silva,  2.°  conde  de  Porta- 
legre. 

Foi  reitor  da  Universidade  de  Coimbra  e 
depois  bispo  de  Viseu,  onde  entrou  era  1586. 
Em  1594  foi  transferido  para  a  diocese  da 
Guarda,  onde  jaz,  tendo  fallecido  era  27  de 
novembro  de  1608  i  no  paço  episcopal  de 
Castello  Branco,  que  elle  havia  feito  e  no 
qual  despendeu  mais  de  40:000  crusados  I 

Em  Viseu  concluiu  o  mosteiro  benedjctino 
que  o  seu  antecessor  D.  Jorge  d'Almeida  co- 
meçara—e deu  principio  ao  velho  seminá- 
rio contíguo  à  Sé,  hoje  denominado  Calle- 
gio,  que  o  seu  suceessor  concluiu,  como  diz 
a  ioscripção  que  ainda  hoje  lá  se  vê: 

D.  Nuno  de  Noronha 
Bpõ  de  Viseu  fez  este 
Seminário,  e  começou 
a  obra  dia  do  spirito 
St.»  M.  d.  X  C  III, 
SENDO  Reitor  Joam  Sirgado 

Note-se  que  este  bispo  já  tinha  organisa- 
do  o  quadro  dos  estudos  do  mesmo  seminá- 
rio em  1587— e  em  1593  iractou  de  dar-lhe 
casa  própria  e  cisa  esplendida,  toda  com 
grossas  paredes  de  bella  cantaria  de  granito, 
mas  não  a  ultimou,  porque  no  anno  seguin- 
te teve  de  abandonar  a  diocese  em  virtude 
de  grandes  desgostos  com  a  cidade,  por  ha- 
ver dado  homisio  no  seu  paço  ao  assassino 
de  Pedro  Borges. 

Também  fez  o  seminário  da  Guarda, — edi- 
fício magestoso  e  no  mesmo  estylo  do  que 
principiara  em  Viseu. 

Douiorou-se  em  lheologiana  Universidade 
de  Coimbra,  sendo  ali  reitor,  e  era  Viseu  dei- 
xou bom  nome  como  prelado.  Beforraou  os 
costumes  do  clero;— foi  magnânimo  e  gene- 
roso— e  viveu  sempre  com  grande  fausto. 

Em  1606  foi  a  Madrid  e  levou  tão  appara- 
loso  séquito  de  pagens  e  criados  seus,  ca- 


1  Envenenado  por  uma  purga  que  lhe  de- 
ra um  judeu,— sí  vera  est  fama. 

m 


1614  VIS 


VIS 


valleiros  da  ordem  de  Christo  e  d'outras  or- 
dens,—que  os  madrilenos  ficaram  deslum- 
brados 6  o  receberam  com  demonstrações  re- 
gias, imaginando  ser  Filippe  III,  que  algu- 
mas horas  antes  havia  sabido  para  o  Pardo. 

Para  a  sua  genealogia  e  outros  promeno- 
res  veja-se  os  Diálogos  de  Botelho. 

61.°— D.  Fr.  Antonio  de  Sousa,  1595-1597. 

Foi  religioso  dominieo,  filho  de  Martim 
Affonso  de  Sousa,  12."  governador  da  índia 
e  de  D.  Anna  Pimentel. 

Governou  apenas  dois  annos,  pois  ha- 
vendo tomado  posse  no  anno  de  1595,  em 
1597  falleceu  no  Campo  Grande,  em  Lisboa, 
onde  nascera,  e  jaz  no  convento  de  Santo 
Antonio  da  Castanheira,  em  sepultura  pró- 
pria, mandada  fazer  pelo  bispo  D.  Jorge  de 
Athaide,  seu  parente. 

Concluiu  o  seminário  de  Viseu,  principia- 
do pelo  seu  antecessor  D.  Nuno,  como  já  dis- 
semos, pelo  que  n'elle  gravou  a  inseripção 
seguinte : 

Antoni,  tibi  Nonius  paravit. 

DlGNUS  PONTIFICUM  LABOR  DUOllUM. 

Em  vulgar:— ^níowío,  D.  Nuno  te  prepa- 
rou este  seminário,  obra  digna  de  dois  bispos. 

Junto  da  dieta  inseripção  se  vôem  as  ar- 
mas dos  dois  prelados. 

Também  fez  no  paço  de  Fontello  uma  va- 
randa que  deitava  para  a  Fonte  do  Carvalho, 
varanda  que  desabou  por  oeeasião  da  gran- 
de tempestade  de  1635,  oito  dias  antes  de 
cair  a  torre  do  relógio  com  parte  da  fronte- 
ria  da  Sé,  como  já  dissemos  no  tópico  rela- 
tivo á  cathedrai. 

Foi  homem  muito  virtuoso  e  todos  os  an- 
nos dotava  e  casava  9  orphãs. 

Do  exposto  se  vê  que  D.  Antonio  seria  um 
dos  mais  beneméritos  prelados  de  Viseu,  se 
a  morte  o  não  roubasse  tão  cedo. 

Era  muito  illustrado,  doutor  em  theologia 
pela  Universidade  de  Lovaina  e  mestre  da 
sua  ordem,  na  qual  professou  a  7  de  março 
de  1557.  Foi  também  pregador  de  D.  Sebas- 
tião, e  alem  d'isso  provincial  e  depois  vigá- 
rio geral  de  toda  a  ordem  dominiea,  eleito  i 


por  ultimo  bispo  de  Viseu  a  4  de  dezembro 
de  1595,  segundo  diz  Innoeencio  Francisco 
da  Silva  no  seu  Diccionario  Bibliographico. 

Traduziu  do  grego  o  Manual  de  Epictecto, 
cuja  traducção  foi  publicada  pela  primeira 
vez  em  Coimbra,  no  auno  de  1594.  Depois 
fez-se  outra  edição  em  Lisboa  em  1595— e 
outra  na  mesma  cidade  em  1785. 

Teve  um  sobrinho,  também  Fr.  Antonio  de 
Sousa,  igualmente  dominieo,  que  foi  depu- 
tado da  Inquisição,  do  conselho  geral  do 
Santo  Officio  e  lambem  orador  distincto  e 
distineto  escriptor  publico.  Falleceu  em  1632 
e  deixou  varias  obras,  umas  impressas  e  ou- 
tras manuscriptas,  indicadas  por  Innoeencio 
e  por  Barbosa  Machado. 

Século  XVII 

62.»—/}.  João  de  Bragança,  1599-1609. 

Era  da  varonia  dos  duques  de  Bragança, 
filho  de  D.  Francisco  de  Mello,  2.»  coude  de 
Tentúgal  e  1."  marquez  de  Ferreira,  e  de  D. 
Eugenia  de  Mendonça,  filha  de  D.  Jayme,4  ° 
duque  de  Bragança. 

Antes  de  ser  bispo  foi  D.  Prior  de  Guima- 
rães, cónego  d'Evora  e  senhor  dos  préstimo- 
nios  das  egrejas  da  sua  nobilíssima  casa,  que 
andavam  no  filho  2.",  pelo  que  foi  mais  rico 
antes  de  ser  bispo,  mesmo  porque  depois  de 
cingir  a  mitra,  dava  tudo  aos  pobres!. . . 

Era  um  cortesão  modelo, — muito  aííavel, 
muito  accessivel,  muito  bondoso,  muito  de- 
licado e  muito  esmoler,  pelo  que  toda  a  ci- 
dade e  todos  os  seus  diocesanos  o  idolatra- 
vam. 

Manteve  no  melhor  pé  a  disciplina  ecele- 
siasíica  e  os  bons  costumes,  sem  violências, 
reprehensões  nem  castigos, — tal  era  o  pres- 
tigio do  seu  nome  e  o  respeito  que  infundia 
a  todos. 

Era  pontualissimo  em  todas  as  festas  pu- 
blicas e  a  seu  lado  encontrou  sempre  não  só 
o  cabido,  mas  toda  a  nobresa  de  Viseu,  por- 
que também  não  perdia  ensejo  de  penhorar 
com  attenções  o  seu  cabido  e  a  nobresa  da 
cidade,  recebendo-a  e  tractando-a  com  o 
maior  carinho  e  brindando-a  generosamente 
por  occasião  de  baptisados,  casamentos  e 
d'outras  festas  de  familia,  mas  por  seu  turno 


VIS 


VIS  1615 


todos  á  compita  caprichavam  em  o  honrar  e 
ser-lhe  gratos. 

Nasceu  na  povoação  de  Agua  de  Peixes, 
então  Villa  e  hoje  simples  aldeia  da  fregue- 
sa, Villa  e  concelho  d' Alvito,  no  Alemtejo, 
onde  seus  paes  então  viviam  e  tinham  um 
palacete  e  grande  cerca,  malta  e  coutada, 
que  ainda  hoje  se  denomina  Cerrado  d" Agua 
de  Peixes. 

V.  Agua  de  Peixes. 

Entrou  em  Viseu  a  23  de  julho  de  i599, 
dia  da  dedicação  da  cathedral,  e  falleceu  em 
Évora  no  dia  3  de  fevereiro  de  1609,  tendo 
padecido  cruelmente  de  gottanosuUimos  an- 
nos  e  soffrido  tres  insultos  apopleticos,  o 
ultimo  dos  quaes  o  matou,  deixando  os  seus 
diocesanos  cobertos  de  rigoroso  luto  desde 
que  partiu  a  ultima  vez  para  Évora,  pois 
Dão  só  ia  acabrunhado  e  doente,  levando  a 
morte  como  que  estampada  na  fronte,  mas 
por  uma  triste  coincidência  apenas  deixou 
Viseu  ouviu-se  o  dobre  de  finados,  por  ha- 
ver fallecido  um  diocesano,  dobre  que  foi  o 
adeus  da  despedida,  como  que  annunciando 
a  morte  do  santo  prelado. 

Annos  antes,  estando  elle  em  Évora,  já 
doente  de  gotta,  foi  visitai- o  o  duque  de  Bra- 
gança e,  para  o  distrahir,  perguntou  lhe  como 
o  traclavam  os  visienses. 

«Muito  bem  — respondeu  elle—  porque  é 
gente  honrada  e  me  jogam  cannas  todas  as 
vezes  que  eu  quero.» 

Effectivamente  estavam  sempre  promptos 
para  o  obesequiarem.  Até  um  anno,  andan- 
do elle  em  visita  e  achando-se  em  Trancoso 
por  oceasião  da  grande  feira  de  S.  Bartho- 
lomeu,  muitos  cavalheiros  visienses  foram 
ali  de  propósito  e,  unidos  a  outros  da  villa 
e  arrabaldes,  ali  mesmo  jogaram  cannas  em 
honra  d'elle,  o  que  muito  o  lisongeou. 

No  anno  de  1600,  segundo  do  seu  ponti- 
ficado, pesou  sobre  Viseu  uma  tempestade 
medonha ! 

A'  meia  noite  de  16  de  dezembro,— de  um 
sabbado  para  um  domingo, — levantòu-se  de- 
traz  da  Misericórdia  um  tufão  de  tal  ordem, 
acompanhado  de  trovões  e  chuva  que,  dis- 
correndo pelo  Miradouro,  da  parte  debaixo  I 


do  Seminário  até  á  egreja  de  S.  Miguel  do 
Fetal,  na  largura  de  um  liro  de  pedra,  des- 
truiu os  telhados  todos  e  arrancou  e  despe- 
daçou todas  as  oliveiras,  carvalhos  e  outras 
arvores  que  encontrou  na  sua  vertiginosa 
passagem,  arrojando  inclusivamente  umaoli- 
veira  por  cima  do  muro  da  Misericórdia  até 
á  pedra  de  Gonçalvinho,  no  meio  da  cidade; 
—arrombou  as  portas  do  muro  da  Regueira^ 
que  tinham  grossos  ferrolhos  e  estavam  fe- 
chadas por  causa  da  peste  que  então  gras- 
sava—e destruiu  os  carvalhos  seculares  que 
ali  havia.  Felizmente  não  matou  ninguém. 

Isto  conta  Botelho,  como  testemunha  de 
vista,  nos  seus  Diálogos,  onde  se  encontra 
também  uma  larga  genealogia  do  eminente 
prelado. 

Terminaremos  dizendo  que,  d'accordo  com 
o  cabido,  concedeu  á  camará  visiense  o  pri- 
vilegio de  ter  cadeiras  de  espaldar  de  couro 
na  Sé,  defronte  do  púlpito,  para  os  verea- 
dores poderem  sentar-se,  por  oceasião  das 
procissões  que  eram  obrigados  a  acompa- 
nhar. 

A  provisão  foi  datada  do  paço  de  Fontello 
a  20  d'abril  de  1604. 

63.°— £>.  João  Manuel,  12."  1610-1625. 

Era  filho  de  D.  Nuno  Manuel,  senhor  de 
Tancos,  etc,  e  de  D.  Joanna  de  Athaide,  fi- 
lha do  primeiro  conde  da  Castanheira;— for- 
mou-se  em  theologia  na  Universidade  de 
Coimbra,  onde  foi  eollegial  de  S.  Pedro,  en- 
trando para  o  dicto  coUegio  em  1596;— ten- 
do apenas  ordens  menores,  seu  tio  D.  Miguel 
de  Castro,  arcebispo  de  Lisboa,  o  nomeou 
cónego  da  dieta  Sé;— Filippe  II  o  nomeou 
seu  esmoler-mór  e  depois  bispo  de  Viseu  em 
1610,  por  fallecimento  de  D.  João  de  Bra- 
gança. 

Foi  sagrado  em  Lisboa  por  D.  Jorge  de 
Alhaide,  no  convento^da  Graça  dos  religio- 
sos eremitas  de  Santo  Agostinho,  a  21  de 
março  do  dicto  anno,  na  dominiea  Laetare, 
que  é  a  4.*  da  quaresma  e,  tendo  mandado 
tomar  posse  da  diocese  de  Viseu  por  procu- 
ração, fez  ali  a  sua  entrada  a  25  d'abril  do 
mesmo  anno,— na  dominga  do  Bom  Pastor^ 
dia  de  bona  agouro,  pois,  como  veremos,  fòi 
um  pastor  benemérito,. 

Passados  10  dias— a  5  de 'maio,  pesou  so- 


1616  VIS 


VIS 


bre  Viseu  uraa  trovoada  medonha,  caindo  um 
raio  na  torre  denominada  do  relógio,  por  ha- 
ver estado  n'ella  o  relógio  da  cidade,  mas  ao 
tempo  encerrava  o  cartório  do  cabido.  O  raio 
levou  da  grimpa  da  torre  a  figura  de  ura  ra- 
paz que  indicava  o  tempo;— d'ali  passou  á 
Capella  de  S.  Sebastião  (hoje  do  Senhor  dos 
Passos)  onde  manchou  levemente  o  seu  retá- 
bulo, sem  causar  outro  damno. 

Também  quando  este  prelado  no  ultimo 
quartel  da  vida  foi  feito  arcebispo  de  Lisboa 
6  nas  varandas  da  Sé  se  achavam  muitos  po- 
bres reunidos  para  a  destribuição  de  esmo- 
las, abateu  a  dieta  varanda,  perecendo  mais 
de  60  pobres  e  ficando  outros  muitos  aleija- 
dos 1 

Em  1611  visitou  pessoalmente  a  sua  dio. 
cese  de  Viseu  e,  depois  de  bem  se  informar 
das  necessidades  d'ella,  traetou  immediata- 
mente  de  dar-lhe  novas  Constituições.  Feitas 
estas,  convocou  synodo,  ao  qual  as  submet- 
teu  no  dia  13  de  abril  de  1614;  depois  man- 
dou-as  imprimir  e,  coucluida  a  impressão 
DOS  princípios  do  anno  de  1617,  ordenou  em 
uma  pastoral  que  se  cumprissem  desde  o 
dia  do  Espirito  Santo  d'aquelle  mesmo  anno 
em  diante. 

Foram  impressas  em  Coimbra,  por  Nico- 
lau de  Carvalho,  impressor  da  Universidade 
no  dicto  anno  de  1617,  como  se  vê  do  exem- 
plar que  possuímos,  e  comprehendem  377 
pag.  de  folio  pequeno,  mais  156  com  os  di- 
versos regimentos,  alem  dos  índices,  etc,  ^ 

Quando  andava  em  visita  e  chegou  á  fre- 
guezia  de  S.  Miguel  do  Outeiro,  celebravam- 
se  ali  officios  por  certo  parochiano.  O  bispo 


*  As  primeiras  Constituições  d'este  bispa- 
do foram  feitas  por  D.  Miguel  da  Silva  e  pu- 
blicadas em  synodo  aos  16  d'outubro  de 
1527.  Rarissimasl 

Outras  pelo  bispo  D.  Gonçalo  Pinheiro,  pu- 
blicadas em  synodo  no  anno  de  1555, — hoje 
muito  raras  também. 

Outras  por  D.  João  Manuel — supra. 

Outras  pelo  bispo  D.JoãodeMellOs—Coim- 
bra,  1684. 

Finalmente  outras  pelo  bispo  D.  Julio  I 
Francisco  d' Oliveira,— LUbosL,  1749*  ' 


entrou  na  egreja, — sentou-se  entre  os  outros 
clérigos  e  com  elles  foi  psalmeando. 

Terminado  o  oíflcio,  o  parocho  deu-lhe  a 
esmola  do  costume,  como  a  todos  os  outros 
clérigos,  dizendo:— 6m  amereceu  Vossa  Se- 
nhorial. . .  O  prelado  tentou  escusar-se,  mas 
vendo  as  instancias  do  vigário,  aeceitou-a, 
dizendo  que  estimava  mais  aquella  esmola 
do  que  todas  as  rendas  do  bispado,  por  ser 
a  primeira  que  lhe  rendiam  as  ordens. 

Ao  tempo  a  esmola  dos  of- 
ficios era  de  80  réis — e  o  bis- 
pado rendia  doze  mil  crusados. 

Também  quando  andava  na  visita  e  che- 
gou á  freguezia  de  Mondão,  distante  de  Vi- 
seu 6  kilometros,  ficou  surprehendido  ao 
ver  o  grande  manancial  d'aguâ  que  ali  brota 
e  concebeu  o  plano  de  a  conduzir  em  arcos 
para  Viseu,  mas  depois  reconsiderou,  lem- 
brando-se  de  que  Viseu  tinha  agua  bastante 
c  de  que,  levando  para  ali  aquella,  ficariam 
sem  valor  os  muitos  campos  que  fertilisa. 

Também  tentou  levar  para  Viseu  os  fra- 
des do  convento  d'Orgens,  que  elle  muito 
estimava  e  protegia.  Chegou  a  convocar  pa- 
ra este  fim  a  camará  de  Viseu,  que  prom- 
ptamente  annuiu,  mas  depois  também  re- 
considerou em  face  das  instancias  e  lagri- 
mas com  que  os  povos  de  Orgens  lhe  pedi- 
ram a  conservação  dos  pobres  frades  capa- 
chos que  elles  idolatravam, 

Dotou  generosamente  a  Sé  com  preciosas 
alfaias  e  um  órgão  (o  pequeno)  e,  achando- 
se  em  ruinas  a  capella  de  Santa  Martha,  no 
paço  de  Fontello,  mandou-a  restaurar  e  fa- 
zer de  novo  com  a  magnificência  que  hoje 
ostenta,— e  mandou  também  fazer  no  mesmo 
paço  as  3  grandes  salas  contíguas  á  capella» 
dando  elle  próprio  o  risco  de  toda  a  obra, 
pois  era  muito  versado  em  architectura  e 
astronomia. 

Foi  mestre  das  dietas  obras  Daniel  Alva- 
res,  de  Viseu,  pae  do  dr.  e  desembargador 
João  Saraiva  de  Carvalho. 

Vagando  o  bispado  da  Guarda  em  1615, 
Filippe  II  offereceu-ih'o,  mas  elle  reeasoa, 
porque  o  de  Viseu  era  mais  rendoso  e  a3 


VIS 


VIS  1617 


suas  rendas  se  achavam  livres,  tm  quanto 
que  sobre  as  do  bispado  da  Guarda  pesavam 
ao  tempo  differentes  pensões;  mas  em  1625 
■  acceitou  a  transferencia  para  o  bispado  de 
Coimbra,  onde  fez  a  sua  entrada  solemne  a 
6  de  maio  do  mesmo  anno  — e  em  1632  Fi- 
lippe  III  o  nomeou  vice-rei  de  Portugal  e  ar- 
cebispo de  Lisboa,  cargos  que  pouco  tempo 
exerceu,  porque  uma  hydropisia  o  matou  no 
dia  4  de  julho  de  1633,  havendo  tomado 
posse  do  arcebispado  apenas  23  dias  antes. 

Nasceu  e  faileceu  em  Lisboa  e  foi  sepul- 
tado na  egreja  de  Nossa  Senhora  de  Jesus, 
dos  religiosos  terceiros  de  S.  Francisco, — 
egreja  que  elle  havia  mandado  fazer  para 
sua  sepultura  e  dos  condes  da  Atalaia,  de- 
pois marquezes  de  Tancos,  como  padroeiro 
d'aquella  província.  Haviam  terminado  as 
obras  da  egreja  14  dias  antes  do  seu  falleci- 
mento,  tendo  principiado  em  1615  e  durado 
por  consequência  18  annos. 

Jaz  na  capella  mór  em  sepultura  própria 
com  a  inscripção  seguinte  : 

Sepultura  de  D.  JoÃo 
Manoel,  Bispo  que  foi  de 
Viseu  e  de  Coimbra,  Ar- 
cebispo DE  Lisboa  e  Vice- 
Rei  de  Portugal.  Fallegeo 

a  4  de  Julho  de  1633. 

Com  relação  à  genealogia  d'este  prelado, 
vejam-se  os  Diálogos  de  Botelho, — e  com  re- 
lação ás  outras  eircurastancias  da  sua  vida, 
como  prelado  de  Viseu,  de  Coimbra  e  de 
Lisboa,  veja-se  o  tomo  3.°  do  catalogo  do 
Padre  Sousa,— tomo  que  abre  com  a  histo- 
ria d'eãte  bispo,  comprehendendo  as  primei- 
ras 25  folhas  I . . . 

É  para  lamentar  que  se  perdessem  os  ou- 
tros 2  tomos  d'este  interessantíssimo  cata- 
logo. 

64."— D.  Fr.  João  de  Portugal,  13.»,  1626- 
1629. 

Nasceu  em  Évora  no  anno  de  1554  e  ex- 
pirou em  Viseu  às  8  horas  da  noite  do  dia 
26  de  fevereiro  de  1629,  contando  75  annos 
de  idade,— 56  de  profissão  religiosa— e  2  an- 
nos, 8  meses  e  12  dias  de  pontificado. 

Foi  um  dos  bispos  mais  penitentes,  mais 


illustrados,  mais  modestos,  mais  caritativos 
6  mais  virtuosos  que  até  hoje  tem  tido  Vi- 
seu, pelo  que  todos  o  consideravam  e  pran- 
tearam como  santo. 

Jaz  na  capella-mór  da  Sé,  da  parte  do 
Evangelho,  em  sepultura  rasa  com  a  inscri- 
pção seguinte  : 

Sepultura  do  Padre  Mestre 
D.  Fr.  Jo.\o  de  portugal, 
Bispo  que  foi  de  Viseu. 
Faleceo  a  26  de  fevereiro  de 
1629. 

D'este  santo  bispo  tractou  largamente  o 
Padre  Sousa  no  3  °  tomo  do  seu  interessan- 
tíssimo Catalogo,  desde  fl.  13  até  26,— e  nos 
Diálogos  de  Botelho  pode  ver-se  a  «ua  ge- 
nealogia. 

Era  irmão  de  D.  Francisco  de  Portugal, 
3.°  conde  de  Vimioso,  e  de  D.  Luiz  de  Por- 
tugal, 4.»  conde  também  de  Vimioso,  e  fo- 
ram seus  paes  D.  Affonso  de  Portugal,  2." 
conde  dd  Vimioso,  e  a  condessa  D.  Luisa  de 
Gusmão.  1 

Professou  em  Évora  na  ordem  de  S.  Do- 
mingos em  1572;  — depois  formou-se  em 
theologia  na  Universidade  de  Salamanca;— 
regressando  ao  convento  d'Evora,  foi  feito 
deputado  da  Inquisição  em  1590  e  inquisi- 
dor em  1592.  Erigindo-se  em  Lisboa  o  mos- 
teiro de  religiosas  benedietinas  do  Sacra- 
mento, foi  o  seu  primeiro  confessor  e  vigá- 
rio, prestíindo  o  juramento  do  esiylo  em  1612 
e  foi  também  capellão  de  Filippo  III,— car- 
gos que  oceupou  até  que  em  1626  foi  elei- 
to bispo  de  Viseu.  Sagrou  se  na  dieta  egreja 
do  Sacramento  e,  depois  dd  tomar  posse  do 
seu  bispado  a  17  d'abril  do  dicto  anno,  pelo 
Padre  Barnabé  Carolla,  a  quem  tinha  dado 
procuração,  partiu  para  Viseu,  onde  entrou 
a  14  de  julho  do  mesmo  anno.  Foi  recebido 
com  grande  pompa  pelo  clero,  nobresa  e 
povo,  que  o  foram  esperar  a  distancia  de 
mais  de  uma  legua,  ficando  attonitos  quando 
viram  que  todo  o  séquito  do  venerando  pre- 
lado se  reduzia  a  6  religiosos  do  seu  habito. 


1  V.  Vimioso. 


1618  VIS 


VIS 


por  elle  escolhidos  para  o  governo  aa  sua 
relação  e  da  sua  casa,  aos  quaes  e  aos  seus 
fâmulos,  apenas  chegou  a  Viseu,  depois  de 
08  reunir  no  seu  quarto,  dirigiu  a  seguinte 
allocução  : 

«Filhos,  estamos  em  Viseu,  aonde  nos 
trouxe  Nosso  Senhor  pela  Sua  misericórdia 
para  o  servirmos.  Eu,  como  prelado,  reli- 
gioso e  velho,  tenho  maior  obrigação  que  to- 
dos os  mais  prelados  de  dar  bom  exemplo, 
assim  na  rainha  pessoa  e  vida,  como  na  de 
meus  criados.  Peço  a  todos,  como  a  filhos, 
que  ponham  grande  cuidado  no  serviço  de 
Deus,  porque  no  meu  vai  pouco.  A  todos  tra. 
tarão  com  amor  e  cortesia,  e  especialmente 
advirto  que  nenhum  receba  coisa  alguma» 
por  limitada  que  seja,  sem  minha  licença,  e 
o  contrario  d'isto  me  ha  de  ser  muito  cus- 
toso e  no  meu  serviço  mal  aceeito.» 

Tractou  logo  de  visitar  pessoalmente  o  bis- 
pado e,  como  visse  que  a  maior  parte  dos 
seus  diocesanos  ignoravam  a  doutrina  chris- 
tã,  compoz  e  fez  distribuir  um  Summario^ 
d'ella  \  recommendando  ao  mesmo  tempo  a 
todos  os  parochos  que  a  ensinassem. 

Mandou  também  fazer  2  livros,— um  com 
os  nomes  de  todos  os  clérigos  do  bispado 
seus  costumes  e  habilitações,— outro  com  os 
Domes  das  pessoas  mais  necessitadas,  viuvas 
honestas  e  orphãos  da  cidade  e  diocese,  cos- 
tumando entreter-se  a  ler  os  mencionados 
livros  para  melhor  provimento  dos  benefí- 
cios ecclesiasticos  e  mais  acertada  distribui- 
ção das  esmolas. 

Tentou  convocar  synodo  para  reforma  das 
Constituições  da  diocese,  mas  n.ão  o  convo- 
cou porque  a  morte  o  surprehendeu. 

Aos  ecclesiasticos  de  mau  exemplo  repre- 
hendia-os  como  pae  e,  logo  que  elles  se 
emendavam,  favorecia-os generosamente?!... 

Vivia  com  toda  a  parcimonia  e  nunca  dei- 


_i  Alem  d'este  Summarioda  doutrina  chris- 
ta,  compoz  outras  obras,  cujos  titulos  podem 
ver-se  na  Bibliothera  Lusitana,  sendo  uma 
d'ellas  o  livro  De  Suma  Trinitate,  cuja  im- 
pressão custou  cerca  de  6:000  crusados,— 
segundo  diz  Botelho. 


xou  o  seu  habito  nem  consentiu  que  os  seus 
familiares  usassem  de  seda. 

Também  nunca  deu  um  real  aos  parentes- 
Dizia  que  as  rendas  dos  bispados  são  o  dote 
que  se  dá  aos  bispos  como  a  suas  esposas, 
para  ser  gasto  exclusivamente  com  ellas  e  com 
os  seus  filhos,  que  são  os  pobres,  pelo  que  tu- 
do dava  aos  pobres  e  costumava  vestir  6  to- 
dos os  mezes. 

Dizendo- lhe  um  dia  o  seu  mordomo  que 
era  necessário  reservar  500  crusados  para 
uma  pequena  baixella  de  prata,  pois  tinha 
somente  um  jarro,  um  prato  e  umas  galhe- 
tas,—  respondeu  o  santo  bispo :  —Não  diga 
ociosidades  t 

Constando-lhe  que  o  meio-prebendado  An- 
tonio Leilão  vivia  miseravelmenie  e  andava 
coberto  d'andrajos,  quando  outros  clérigos 
da  mesria  classe  viviam  decentemente,  màn- 
dou-o  chamar  e  lhe  observou  tão  estranho 
facto.  Reípondeu  Antonio  Leilão: 

»Vivo  e  trajo  assim,  porque  80u  ladrão* 
mas  ladrão  de  mim  mesmo,  para  com  as  mi- 
nhas economias  fazer  uma  capella  defronte 
da  cadeia,  *  para  que  os  presos  possam  ouvir 
missa  nos  domingos  e  dias  santos.» 

Ficou  o  bispo  muiio  satisfeito  com  a  res- 
posta e  prometleu-Ihe  auxilial-o  no  seu  em- 
penho com  a  esmola  de  40^000  réis,  o  que 
não  pôde  cumprir  porque  d'ali  a  breve  tre- 
cho expirou;  mas  o  pobre  Antonio  Leitão, 
prospguindo  com  a  sua  duríssima  peniten- 
cia, logrou  fazer  a  capella,  que  lá  se  via  com 
a  inseripção  seguinte  sobre  a  torça,  alludin- 
do  a  este  facto,  e  resava  ou  resa  assim  : 

EX  RAPTO  CONSTRUXIT  OPUS  DICA- 
VIT  QUE  SACELLUM  

Em  vulgar:— 'Com  o  roubo  fez  esta  obra  e 
dedicou  esta  capella . . . 
Abençoado  roubo  I 

No  tempo  d'este  santo  prelado  (em  1628) 
accrescentaram  as  religiosas  de  S.  Benta 


í  Referia-se  á  cadeia  que  estava  nos  bai- 
xos da  amiga  casa  da  camará,  na  travessa 
do  Chão  do  Mestre. 

V.  o  tópico  Passos  do  Concelho. 


VIS 

mais  30  palmos  á  sua  egreja— e  no  mesmo 
anno,  a  23  de  janeiro,  pesou  sobre  Viseu  tão 
grande  tempestade  e  tanta  chuva  que  a  agua 
entrou  na  dieta  egreja  até  o  sacrário,  pelo 
que  as  freiras  retiraram  o  Santíssimo  para 
a  sua  enfermaria  e  desde  aquella  data  o  fes- 
tejam sempre  com  exposição  e  sermão  no 
mesmo  dia  23  de  janeiro. 
Passemos  adiante. 

65.o_/,  Bernardino  de  Senna,  1629- 
1632. 

Nasceu  em  Torres  Novas  a  26  de  maio  de 
i571  e  00  baptismo  derara-lhe  o  nome  de 
Bernardino  de  Seuna,  porque  sua  mãe  teve 
um  parto  muito  feliz  e  sentiu  os  prenúncios 
a  20  d'aquelle  mez,  no  dia  da  festa  de  S» 
Bernardino  de  Senna;  mas  na  ordem  foi  tam- 
bém conhecido  pelo  nome  de  Fr.  Bernardino 
da  Natividade,  porque  professou  no  dia  da 
festa  da  Natividade. 

Foram  seus  paes  Miguel  d'Arnide,  geno- 
vez,  e  Camilla  Gomes  de  Mello,  natural  de 
Lisboa. 

Mostrando  desde  a  puerícia  grande  voca- 
ção para  a  vida  religiosa,  aos  15  annos  foi 
admittido  ao  noviciado  no  convento  de  S. 
Francisco  de  Lisboa,  tomando  o  habito  de 
observante  a  7  de  setembro  de  1586  e  no 
mesmo  convento  professou  passado  o  anno 
do  estylo.  Pouco  depois  o  geral  o  mandou 
estuflar  lógica  no  convento  de  Santo  Anto- 
nio de  Ferreirim,  junto  de  Lamego,  para  on- 
de partiu  a  pé  e  esmolando,  na  forma  do  seu 
instituto  i. 

Terminado  em  1590  o  seu  curso  de  lógi- 
ca, no  qual  se  tcrnnu  muito  distiocto,  foi  es- 
tudar physica  no  convento  de  S.  Francisco 
de  Santarém  e  d'ali  passou  para  o  de  S. 
Francisco  da  Ponte,  em  Coimbra,  onde  estu- 
dou metaphysica,— fíízendo  todas  estas  lon- 
gas jornadas  a  pé  e  esmolando. 


i  A  esia  jornad  i  s  ^  seguiram  outras  mui- 
tas, pois  durante  a  sua  longa  vida  percorreu 
primf^iramente  a  pé,  como  simples  religioso 
franciscano, — depois  a  cavallo  como  genera- 
lissimo  ou  primeiro  ministro  da  sua  ordem,  j 
— e  por  uliimn  como  bispo,  mais  de  5:500  le- 
guas  f^m  Portugal,  llespanha,  Itália e  Fran- 
ça. I 


VIS  1619 

D'ali  passou  a  estudar  lheologia  no  colle- 
gio  de  S.  Boaventura  da  mesma  cidade,  con- 
tando já  22  annos,  e,  terminando  com  a  maior 
distincção  o  seu  curso  theologico,  passou  em 
1597  para  Lisboa,  onde  tomou  parte  brilhan- 
tíssima nas  conclusões  magnas,  que  a  sua 
ordem  celebrou  por  occasião  do  capitulo  ge- 
ral d'aquelle  anno.  Tanto  se  distinguiu  que 
o  geral  o  nomeou  leitor  em  Artes  e  o  man- 
dou reger  a  dieta  cadeira  no  convento  de 
Santa  Christioa,  no  bispado  de  Coimbra, 
d^onde  passou  a  ler  no  convento  de  Ferrei- 
rim, fazendo  todas  estas  jornadas  a  pé  e  es- 
molando—e da  mesma  fórma  passados  an- 
nos regressou  ao  convento  de  S.  Francisco 
de  Lisboa,  onde  em  1601  assistiu  a  outro  ca- 
pitulo. D'aii  volveu  ao  convento  de  Ferrei- 
rim já  na  qualidade  de  guardião  e  mestre» 
contando  apenas  30  annos.  Por  causa  de  cer- 
tas questões  com  o  juiz  de  fóra  de  Lamego, 
foi  à  Lisboa  queixar-se  ao  ministro  e,  obten- 
do d'elle  sem  difíiculdade  providencias,  vol- 
veu a  Ferreirim,  a  pá,  como  fôra,— muito  fa- 
tigado mas  ao  mesmo  tempo  muito  satisfeito 
por  se  ver  livre  da  vexatória  e  menos  escru- 
pulosa superintendência  do  juiz  de  fóra  de 
Lamego,  como  representante  dos  condes  de 
Marialva,  padroeiros  do  convento  de  Fer- 
reirim. 

Em  1606  foi  eleito  commissario  geral  para 
a  ilha  da  Madeira,  mas  a  pedido  seu  o  dis- 
pensaram e  nomearam  guardião  do  convento 
de  Santarém,  para  onde  partiu  lambem  a  pé. 
Decorridos  annos,  foi  ler  theologia  no  con- 
vento de  Lisboa,  donde  passou  a  leccionar 
no  collegio  de  S,  Boaventura  de  Coimbra, 
caminhando  sempre  a  pé. 

No  capitulo  que  em  1610  se  celebrou  no 
convento  de  S.  Francisco  de  Lisboa,  foi  eleito 
definidor,— càrgo  importante  e  muito  hon- 
roso,—e  em  1614  foi  nomeado  guardião  do 
dicto  convento,  onde  fez  grandes  obras  e 
uma  casa  para  a  livraria^  tão  espaçosa  e  sum- 
ptuosa que  n'ella  muitos  annos  se  celebraram 
as  cortes;  mas  infelizmente  na  noite  de  30 
de  novembro  de  1741  quasi  todo  aquelle 
grande  ediflcio  foi  pasto  das  chammas,  cora- 
prehendendo  a  dieta  sala  e  4  espaçosos  claus- 
tros, escapando  apenas  a  egreja,  os  coros,  a 


1620  VIS 


VÍS 


sacristia,  a  casa  do  noviciado,  o  refeitório  dos 
pobres  e  pouco  mais 

No  capituio  de  1617  foi  eleito  provincial. 

Filippe  III  lhe  offereceu  a  mitra  de  S.  Tho- 
»»«?,— depois  a  de  Ceuta— e  por  ultimo  a  de 
Gôa,  mas  o  nosso  biographado  recusou-as 
todas. 

No  capitulo  geral  que  em  1618  se  celebrou 
no  convento  de  S.  Francisco  de  Salamanca 
presidiu  a  um  acto  litterario  com  tanta  dis- 
tincção  que  ali  mesmo  foi  eleito  secretario 
da  província  ^  e  o  geral  o  levou  comsigo  pa- 
ra Madrid,  donde,  passando  algum  tempo, 
volveu  ao  seu  convento  de  Coimbra;— assis- 
tiu a  um  capitulo  que  ali  se  celebrou— e  de- 
pois regressou  a  Castella.  Passando  logo  a 
visitar  aquella  provincta  com  o  geral,  per- 
correu a  maior  parte  da  Hespanha  e  da  Itá- 
lia, a  e  a  cavallo,  de  verão  e  de  inverno, 
atravessando  com  grande  incommodo  mon- 
tes, serras  e  caminhos  medonhos  I 

Foi  eleito  commissario  geral  da  ordem  no 
capitulo  geral  de  Segovia,  d'onde  partiu  para 
Portugal,  mas  em  breve  regressou  a  Madrid, 
começando  logo  a  exercer  o  cargo  de  gerai, 
em  que  muito  se  distinguiu,  percorrendo 
Portugal  e  Hespanha  de  uma  extremidade 
até  à  outra,  a  cavallo,  mas  sempre  com  os 
pés  nus,  excepto  no  rigor  do  inverno,— e 
muito  pobremente  vestido.  As  suas  roupas 
eram  sempre  andrajos,  mas  apesar  d'isso  li- 
nha entrada  franca  no  paço  e  Filippe  III  o 
recebia  com  particular  estimação  pelo  seu 
renome  e  porque  os  geraes  franciscanos 
eram  grandes  de  Hespanha  e  conselheiros  de 
estado  desde  o  tempo  de  Carlos  V. 

O  papa  Urbano  VÍII  também  o  estimava 
muito;— correspondia-se  com  elle  e  lhe  pe- 
diu que  continuasse  no  generalato  da  ordem 
até  à  paschoa  do  Espirito  Santo  de  1625,  era 
que  tencionava  celebrar  o  jubileu  do  anno 
santo. 

Da  Hespanha  passou  a  França;— d'ali  a 


*  A  ordem  seraphica  era  a  mais  numerosa 
de  todas.  Comprehendia  milhares  de  conven- 
tos, seguindo  todos  com  leves  modificações 
o  instituto  do  patriarcha  S.  Francisco,  mas 
dividiam-se  em  grupos  denominados  custo- 
dias e  provindas. 


Sabóia,  onde  foi  muito  bem  recebido  pelo 
duque;— depois  foi  á  Toscana  e  ao  santuá- 
rio do  Loreto,  onde  celebrou  as  3  missas  do 
Natal,— e  d'ali  passou  a  Roma  a  beijar  o  pé 
á  Santidade  de  Urbano  VIII,  que  o  nomeou 
ministro  geral  da  ordem. 

De  Roma  foi  para  Assis,  terra  natal  do  seu 
patriarcha;  ali  se  demorou  algum  tempo  na 
casa  por  elle  fundada ;— depois  seguiu  para 
Bolonha,  Florença,  Modena,  Parma,  etc,  vi- 
sitando os  conventos  da  sua  ordem  na  Itália, 
d'onde  volveu  a  visitar  novamente  os  de 
Hespanha  e  depois  os  de  Portugal,  passando 
da  Andaluzia  ao  Alemtejo  e  do  Alemtejo  a 
Lisboa. 

Depois  de  descançar  algum  tempo,  partia 
para  França  para  reformar  aquella  provín- 
cia e  reduzir  os  clauslraes  a  observância,  o 
que,  não  sem  diíficuldade,  conseguiu.  Prose- 
guindo  avante  volveu  à  Itália  e  Roma;-as- 
sistiu  a  diversos  capitules  — e  regressou  á 
Hespanha  e  Madrid,  sendo  nomeado  bispo  de 
Viseu  antes  d'ali  chegar,  no  anno  de  1629. 

Contava  então  o  nosso  biographado  58  an- 
nos  e  estava  faiigadissimo  por  haver  percor- 
rido mais  de  5:000  léguas  e  ter  visitado  e 
governado  cerca  de  6.000  conventos  e  de 
280:000  súbditos  de  um  e  outro  sexo?!. . . 

Em  Madrid  recebeu  no  anno  de  1630  as 
bulias  e  ali  mesmo  foi  sagrado  com  toda  a 
pompa  no  convento  das  suas  religiosas  des- 
calças, no  dia  13  de  julho  de  1631,  conti- 
nuando  a  permanecer  em  Madrid  no  exercí- 
cio do  seu  generalato,  que  só  deixou  em  ou- 
tubro do  dicto  anno. 

Em  maio  de  1632  partiu  para  Viseu,  aon- 
de chegou  a  2  de  junho,  entrando*  logo  no 
exercício  do  múnus  pastoral,  repartindo  com 
mão  larga  pelos  pobres  todas  as  rendas  da 
diocese  e  reservando  para  si  o  estrietamente 
necessário,  que  se  reduzia  a  muito  pouco, 
pois  nunca  deixou  o  habito  franciscano  e 
formavam  toda  a  sua  família  um  padre  con- 
fessor irlandez  e  um  irmão  leigo,  ambos  da 
sua  ordem  e  ambos  virtuosíssimos,  sendo  o 
leigo  denominado  Paciência  pela  muita  que 
tinha,— diz  o  Padre  Sousa. 

Sentindo  o  nosso  biographado  esvaírem- 


VIS 


VJS  1621 


se-lhe  as  forças,  mandou  logo  fazer  uma  pe- 
quena Capella  no  seu  convénio  de  S.  Fran- 
cisco de  Lisboa,  para  ser  n'ella  sepultado, 
elegendo  para  repouso  o  convento  onde  pro- 
fessou e  deu  começo  às  suas  fadigas. 

Vagando  n'aquelle  mesmo  anno  o  bispado 
de  Coimbra,  Filippe  III  o  nomeou  bispo  d'a- 
quellâ  diocese  e  reformador  da  relação  do 
Porto,  mas,  quando  chegou  a  Portugal  a  no- 
ticia, já  D.  Fr.  Bernardino  tinha  expirado  no 
dia  5  d'oulubro  de  1632. 

Jaz  na  capella-mór  da  Sé  de  Viseu. 

Foi  bispo  apenas  1  anno,  2  mezes  e  23  dias 
— e  falleeeu  contando  61  annos,  4  mezes  e 
nove  dias  de  idade. 

Era  alto,  corpulento,  rosado,  muiio  inlel- 
ligenle  e  muito  caritativo  e  seria  um  dos 
mais  beneméritos  prelados  de  Viseu,  se  a 
morte  o  não  roubasse  tão  depressa. 

66."— D.  Miguel  de  Castro,  4.\  1633-1634. 

Era  sobrinho  do  bispo  do  mesmo  nome, 
de  quem  já  fizemos  menção  sob  o  n."  59,  e 
filho  de  D.  Diogo  de  Castro,  2."  conde  de 
Basto,  vice-rei  de  Portugal,  ele,  e  de  D.  Ma- 
ria de  Távora,  filha  de  Lourenço  Pires  de 
Távora. 

Este  bispo  D.  Miguel  de  Castro  foi  arce- 
diago de  Santarém  na  collegiada  de  Sauta 
Maria  d' Alcaçova,  do  conselho  geral  do  San- 
to Offleio,  commissario  geral  da  bulia  da 
santa  crusada,  conselheiro  de  estado  em  Ma- 
drid, etc. 

Filippe  IV  de  Hespanha  e  III  de  Portugal 
o  nomeou  bispo  de  Viseu  em  1633  e,  rece- 
bidas as  bulias  da  confirmação,  mandou  to- 
mar posse  do  bispado,  posse  que  por  elle 
tomaram  o  deão,  mestre  escola  e  vigário  ge- 
ral de  Viseu  no  dia  17  de  março  de  1634, 
mas  infelizmente  falleeeu  em  Madrid  no  mes- 
mo anno  a  13  de  março,  4  dias  antes  dos 
seus  procuradores  tomarem  a  posse, — como 
dizem  alguns  dos  seus  biographos,  porem  o 
Padre  Sousa  e  outros  dizem  que  falleeeu  no 
dia  27  d'outubro  i. 

Nasceu  não  sabemos  quando  nem  onde, 
mas  é  certo  que  falleeeu  em  Madrid  no  an- 


í  O  cadáver  chegou  a  Viseu  no  dia  13  de 
novembro  do  dicto  anno  de  1634. 


no  de  1634  e  jaz  na  Sé  de  Viseu,  logo  à  en- 
trada, em  sepultura  com  tampa  de  mármore 
vermelho,— lisa  e  sem  armas  nem  inscripção 
alguma,— porque  assim  o  determinou  o  fi- 
nado, como  diz  o  Padre  Sousa,  citando  duas 
cartas  que  se  encontram  no  cartório  do  ca- 
bido. 

Em  1734,  ou  decorridos  100  annos,  man- 
dando-se  compor  o  pavimento  da  Sé  e  fazer 
as  sepulturas  uniformes  e  de  caixa,  foi  aber- 
ta a  dieta  sepultura  e  n'ella,  alem  dos  restos 
mortaes  do  bispo,  que  apenas  expostos  ao  ar 
se  reduziram  a  pó,  se  encontrou  a  cruz  pei- 
toral e  o  annel,— insígnias  de  que  alguém 
quiz  apoderar-í^e,  mas  o  cabido  (honra  lhe 
sejal)  oppoz-se  e  ficaram  encerradas  com  as 
cinzas  na  sepultura  do  dicto  prelado,  como 
diz  o  mesmo  Padre  Sousa. 

Morto  D.  Miguel  de  Castro,  seguiu-se  uma 
vacância  de  2  annos  i  e  logo  no  primeiro 
(1633)  se  deram  em  Viseu  3  factos  notáveis 
e  quasi  simultâneos:- uma  tempestade  me- 
donha,—o  desabamento  da  torre  dos  sinos  e 
da  fronleria  da  Sé— e  uma  lucla  vergonho- 
síssima entre  os  cónegos  e  meios  cónegos 
por  causa  de  certos  disiinetivos  nas  murças. 

Veja-se  o  tópico  Sé  de  Viseu. 

67.°— D.  Diniz  de  Mello  e  Castro,  1636- 
1639. 

Era  ascendente  dos  condes  de  Monsanto; 
—nasceu  na  vilia  de  Collares^  junto  de  Cin- 
tra, e  foram  seus  paes  Francisco  de  Mello  e 
Castro,  alcaide- mór  do  Outeiro,  commenda- 
dor  de  Montalegre,  etc,  e  Brites  Nobre. 

Doutorou-se  era  cânones  na  Universidade 
de  Coimbra;— foi  desembargador  da  relação 
do  Porto,  da  casa  da  supplicação,  dos  aggra- 
vos  e  do  paço— e  regedor  das  justiças  no 
anno  de  1626.  Em  1627  foi  eleito  bispo  de 


1  Em  1634,  pouco  depois  de  principiar  a 
vacância,  FiHppe  III  nomeou  bispo  de  Vi- 
seu Segismundo  Francisco,  allemão,  filho  do 
archiduque  do  Tirol,  mas  o  pae  muito  pru- 
dentemente agradeceu  e  demittiu  a  finesa 
por  ter  então  o  filho  apenas  tres  annos  de 
idade ! 

Depois  foi  bispo  d'Auí burgo,  na  Allema- 
nha,  com  honras  de  Príncipe,  etc. 


1622  VIS 

Leiria;-em  1636  foi  nomeado  bispo  de  Vi 
seu  e,  tendo  governado  esta  diocese  2  an- 
nos,  foi  apresentado  na  da  Guarda  em  1638. 
Em  23  de  maio  de  1639  mandou  pelo  rev. 
dr.  Luiz  Pires  da  Veiga  tomar  posse  da  di- 
cta  diocese,  mas  não  chegou  a  entrar  n'ella. 
porque,  tendo  ido  a  Lisboa,  ali  fall^^ceu  no 
dia  24  de  novembro  do  mesmo  armo  de  1639, 
como  diz  o  Padre  Sousa,  mas  F.  Manuel  e 
Berardo  dizem  que  falleeeu  a  4  de  novem- 
bro de  1640,— Carvalho  e  Coldt  dizem  que 
falleeeu  a  24  do  dieto  mez  e  do  dieto  anno  de 
16401... 

Botelho,  podendo  dizer  muito  d'este  bispo, 
seu  contemporâneo  e  ultimo  do  seu  eatalo 
go,  apenas  o  indicou,  para  não  se  tornar  sus- 
peito louvando  o; »  mas  o  Padre  Sousa  falia 
d'elle  amplamente  no  tomo  3."  e  ultimo  do 
seu  catalogo,  fl.  57  a  63,  v. 

Governando  o  bispado  de  Viseu  apenas  2 
annos,  tornou-se  por  muitos  títulos  henerae- 
rito. 

Fez  visitar  a  diocese  repetidas  vezes  por 
pessoas  idóneas;— era  diligentissimo  no  cum- 
primento do  raunu-  pastoral  e  no  provimen- 
to dos  benefícios  ecclesiasticos;— amava  os 
pobres  como  filhos,  soccorrendo-os  genero- 
samente—e  foi  um  dos  mais  insignes  bem- 
feitores  da  Misericórdia  de  Viseu  e  de  todas 
as  do  seu  bispado  I 

Para  evitarmos  repetições,  vt^ja-se  o  titulo 
Misericórdia. 

Também,  sendo  já  bispo  de  Viseu,  com- 
prou e  mandou  para  a  Sé  de  Leiria  muitas 
peças  de  prata  e  ricos  paramentos. 

Jaz  na  villa  de  Collares  na  capella  niór  da 
egreja  que  foi  dos  religiosos  carmelita?  obser- 
vantes, em  sepultura  própria  com  um  longo 
epitaphio  e  um  escudo  com  as  suas  armas  e 
as  insígnias  episcopaes  e  de  regedor  das  jus 
tiças. 

Vacância  de  82  annos 

Por  morte  de  D.  Diniz  de  Mello  e  Cist^o 
em  1639,  seguiu-se  uma  vacância  de  32  an- 


1  Suppomos  até  que  entre  os  dois  havia  es- 
treitas relações,  pois  a  este  bispo  dedicou 
Botelho  os  seus  Diálogos. 


VIS 

nos  até  1671,  proveniente  da  grande  lucta 
entre  Portugal  e  Hespanha,  iniciada  em  Lis- 
boa com  a  gloriosa  revolução  de  1  de  dezem- 
bro de  1640,— lucta  que  durou  mais  de  27 
annos  (até  1668)  e  nos  libertou  do  jugo  es- 
trangeiro. 

Durante  a  longa  vacância  foram  nomea- 
dos para  Viseu  8  bispos,— 3  por  Gastella  e 
S  por  Portugal,  mas  nenhum  d'elles  obteve 
confirmação  apostólica,  sendo  entretanto  go- 
vernada a  diocese  pelo  cabido. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  tópico 
— Bispos  eleitos. 

]N'esta  longa  vacância  o  cabido  (Deus  lhe 
perdoei)  aproveitando  ou  antes  malbaratan- 
do as  enormes  rendas  da  mitra  aecumuladas, 
restaurou  (deturpou)  a  Sé,  fazendo  entre  ou- 
tras obras  a  fronteria  actual,  em  substitui- 
ção da  que  havia  desabado  em  1635,  mas 
infelizmente,  em  vez  de  se  inspirar  no  pri- 
moroso estylo  architectonieo  da  velha  fron- 
teria, que  era  o  mesmo  da  abobada  de  D. 
Ortiz  de  Vilhegas,  fez  o  que  lá  se  vê,— uma 
obra  singellissima,  desgraciosa  e  vergonhosa 
em  completa  desharmonia  com  a  architectura 
interior. 
Deus  lhe  perdoe !. . . 
Veja-se  o  tópico  relativo  à  Sé. 

Para  as  ordenações  e  benção  dos  Santos 
Óleos,  etc,  recorreram  os  visienses  aos  ou- 
tros prelados  do  reino  até  que  falleceram  to- 
dos, sobrevivendo  apenas  um,— D.  Francisco 
de  Souto  Maior,  natural  de  Lamego,  cónego 
regrante  de  Santo  Agostinho,  D.  Prior  de  S. 
Vicente  de  Fora,  procurador  geral  dos  cru- 
zios,  deão  da  capella  real  de  Lisboa,  provi- 
sor  e  vigário  geral  d'aquella  diocese  e  bispo 
de  Targa,  por  ultimo  eleito  bispo  de  Lame- 
go e  arcebispo  de  Braga,— homem  muito 
douto,  muito  virtuoso  e  muito  vigoroso ! 

Durante  11  annos  foi  o  unino  bispo  de  Por- 
tugnl  e  suas  possessões II... 

Tendo  nascido  em  1590,  falleeeu  em  1699, 
contando  a  bagatclla  de  109  annos  de  idade 
'  e  63  de  pontificado,  durante  os  quaes  orde- 
j  nou  mais  de  20; 000  sarcrdoies  e  confirmou 
'  talvez  mais  de  uoi  milhão  de  pessoas,  pois 
era  incao-^avel  no  exercício  do  múnus  epis- 
copal e  redobrou  de  zelo  quando  se  viu  só 


VIS 


VIS  1623 


á  frente  da  christandade  de  todo  o  nosso paiz 
e  suas  possessões. 

V.  Lamego  n'este  diecionario  e  no  sopple- 
mento. 

68.»— D.  Manuel  de  Saldanha,  1671. 

Vários  auctores  dão  como  prelados  de  Vi- 
seu 3  indivíduos  d'e8te  nome:— um  filho  de 
Manuel  de  Saldanha  e  de  D,  Leonor  de  Me- 
neses—outro filho  de  João  de  Saldanha  e  de 
D.  Leonor  de  Meneses,— outro  filho  de  Fer- 
nando ou  Fernão  de  Saldanha  e  de  D.  Joan- 
na  de  Noronha,  mas  parece  averiguado  que 
os  dois  primeiros  são  um  e  o  mesmo  de  que 
já  fizemos  menção  no  tópico  dos  Bispos  elei- 
tos, sob  o  n.o  10,  sendo  seu  pae  João  de  Sal- 
danha e  não  Manuel  de  Saldanha, — e  que  o 
2."  foi  este,  de  quem  no.  momento  nos  occu- 
pamos,  como  diz  o  Padre  Sousa. 

D'este  prelado  D.  Manuel  de  Saldanha  faz 
menção  a  Hist.  Geneal.  C.  R.,  tomo  5.»  pag. 
369.  Era  da  nobre  família  Saldanhas,  ante- 
passados dos  condes  de  Rio  Maior,  hoje  du- 
ques de  Saldanha; — foi  cónego  em  Lisboa— 
e  o  1."  bispo  de  Viseu  depois  da  grande  va- 
cância. 

Feita  a  paz  entre  Portugal  e  a  Hespanha 
em  13  de  fevereiro  de  1668,  tractou  logo  D- 
Pedro  II  de  prover  as  nossas  dioceses  e  no 
mesmo  auno  apresentou  n'esta  de  Viseu  D. 
Manuel  de  Saldanha  O  papa  Clemente  X  o 
confirmou  em  1671;— manduu  tomar  posse 
do  bispado  em  17  de  maio  e  n'elle  entrou  em 
16  de  setembro  do  mesmo  anno  de  1671, 
mas,  passados  3  mezes  era  cadáver,  pois  fal- 
leeeu  a  26  de  dezembro  seguinte  e  jaz  na  ca- 
pella-mór  da  Sé  de  Viseu  em  sepultura  de 
mármore  lisa,  com  as  suas  armas  e  uma  ín- 
seripção. 

Alguém  diz  que  foi  dr.  em  cânones  e  su- 
míler  da  cortina  de  D.  Alfonso  VI,  mas  Coldt 


í  D.  Alfonso  VI  reinou  desde  16S6  até 
1683,  mas  seu  irmão  D.  Pedro  tirou-lhe  a 
mulher  e  a  coroa  e  governou  como  regente 
desde  22  de  novembro  de  1667  até  12  de  se- 
tembro de  1683,  data  do  falleeimenio  do  in- 
feliz D.  Alfonso  VI.  Depois  o  mesmo  regente 
foi  aeclamado  rei— D.  Pedro  II— e  governou 
como  tal  até  1706,  data  em  que  falleceu. 


e  Sousa  omittem  estas  cireumstancias,  de- 
dieando-lhe  o  Padre  Sousa  nada  menos  de 
5  fl.  do  seu  interessantíssimo  e  volumoso  ca- 
talogo. Também  nada,  absolutamente  nada 
diz  dos  seus  actos  como  prelado. 

69.»— Z).  João  de  Mello,  Í4.°  1673-1684. 

Nasceu  pelos  annos  de  1620  em  Évora  e 
foram  seus  paes  D.  Jorge  de  Mello,  vedor  da 
rainha  D.  Luisa,  mulher  d'el-rei  D.  João  IV, 
mestre  sala  do  mesmo  rei,  etc„— e  D.  Ma- 
gdalena  de  Távora,— família  nobilíssima,  da 
qual  procedem  os  eondes  de  Murça  e  da  Fi- 
gueira- 

Foi  deputado  e  inquisidor  do  santo  ofiQcio 
em  Évora  e  paroeho  da  egreja  de  S.  Thiago 
na  mesma  cidade,  mas  era  tão  propenso  á 
vida  penitente,  que  um  dia  resignou  todos 
os  seus  cargos  e  fugiu  para  a  serra  da  Ar- 
rábida, onde  viveu  sepultado  em  uma  pe- 
quena cella  como  simples  monge  cinco  an- 
nos, no  fim  dos  quaes  foi  eleito  bispo  d'El- 
vas,  onde  entrou  em  1671  e  Iogon'e3se  anno 
e  no  seguinte  visitou  toda  a  diocese  em  com- 
panhia do  venerável  Fr.  Antonio  das  Chagas, 
missionário  apostólico  do  Varatojo. 

Por  morte  de  D.  Manuel  de  Saldanha  foi 
transferido  para  a  Sé  de  Viseu,  da  qual  to- 
mou posse  por  procuração  em  18  de  setem- 
bro de  1673  e  a  governou  até  1684,  data  em 
que  foi  transferido  para  o  bispado  de  Coim- 
bra, onde  permaneceu  até  que  expirou  na 
quinta  episcopal  de  S.  Martinho  do  Bispo  em 
28  de  junho  de  1704.  Por  sua  determinação 
foi  sepultado  na  egreja  dos  monges  carme- 
litas do  Bussaco,  que  elle  estimava  como  fi- 
lhos e  tanto  que  com  elles  costumava  viver 
a  vida  mais  penitente  e  austera, — fez-lhes 
grandes  esmolas  e  n'aquella  thebaida  man- 
dou construir  a  capella  do  Calvário  e  outras 
muitas,  nada  menos  de  20,  que  ainda  hoje 
se  lá  vêem  disseminadas  pela  raatta,  embora 
em  ruinas.  Mandou  também  fazer  ali  muitas 
fontes  caprichosas,  nomeadamente  a  celebre 
Fonte  Fria,  que  nós  em  1851,  quando  estu- 
dávamos ainda  preparatórios  em  Coimbra, 
tivemos  oceasião  de  ver  como  D.  João  de 
Mello  a  deixou:  ^  toda  revestida  de  musgo, 


1  Éramos  alumno  do  coUegio  então  mon- 
tado no  extincto  convento  de  S.  Francisco 


1624  VIS 

de  mosaico  e  de  conchas,  escondida  entre 
arvoredo  secular,  mas  muito  mais  interes- 
sante do  que  é  hoje  com  a  sua  ampla  esca- 
daria, tanques,  repuehos  e  outras  decora- 
ções á  la  mode. 

Foi  um  prelado  muito  virtuoso  e  muito 
generoso  para  com  os  pobres,  mas  de  vida 
tão  austera  que  só  achava  prazer  na  solidão 
do  Bussaco,  identificando-se  em  tudo  com  os 
santos  eremitas. 

O  seu  traje  era  tão  modesto  que  de  ura  ju- 
bão  que  usára  20  annos  mandou  fazer  uns 
calções  1  Isto  em  Viseu,  montando  então  as 
rendas  do  bispado  a  18  mil  crusados,  e,  de- 
pois de  ser  bispo-conde  de  Coimbra  com  ren- 
das muito  superiores,  por  vezes  de  noite  se 
entretinha  a  remendar  as  suas  vestes,~conio 
diz  o  Padre  Sousa.  Pelo  contrario  gostava  de 
ver  a  Sé  e  todos  os  templos  sempre  limpos 
e  asseados,  com  o  que  despendeu  muitos 
contos  de  reis. 

Em  Viseu  reedificou  e  ampliou  a  capelia- 
mór  da  Sé,  dando-lhe  mais  luz  do  que  linha 
e  poz-lhe  um  riquíssimo  altar  de  uma  só  pe- 
dra de  fino  mármore  que  mandou  vir  ex- 
pressamente da  Arrábida  e  tinha  17  palmos 
de  comprimento,  5  de  largo  e  1  de  espessura, 
firmada  sobre  uma  columna  também  de  már- 
more cora  5  palmos  de  altura.  Dotou  tam- 
bém a  Sé  com  uma  pia  baptismal,  duas  de 
agua  benta  e  um  púlpito  octogono,  em  forma 
de  calix,  tudo  do  mesmo  mármore  da  Arrá- 
bida—objectos  preciosos  e  dignos  de  vene- 


da  Ponte  e  dirigido  pelo  rev.  Manuel  Xavier 
Pinto  Homem,  que  depois  se  doutorou  em 
theologia,  sendo  director  do  grande  Collegio 
de  S.  Bento,  hoje  iyceu,  e  que  por  ultimo  foi 
reitor  do  seminário  de  Santarém. 

Com  o  mencionado  director,  meu  patrieio 
6  bom  amigo  (Deus  o  lenha  em  bom  logarl) 
e  com  lodos  os  professores  e  alumnos  do  di- 
cto  collegio,  fomos  era  agosto  d'aquelle  anno 
passar  uma  brevia  de  3  dias  no  extincto  con- 
vento do  Bussaco,  então  ainda  mais  despre- 
sado  e  mais  arruinado  do  que  hoje,  mas  com 
outra  expressão,  outro  timbre,  como  se  fôra 
a  própria  Thebaida  deserta,  emquanto  que 
hoje  o  seu  aspecto  mudou. 

É  uma  estancia  de  gôso,  semelhando  um 
grande  parque  à  imitação  dos  de  Cintra. 


VIS 

ração,— mas  infelizmente,  passados  annos,  o 
cabido,  dominado  pela  febre  das  obras  sem 
gosto,  assim  como  na  grande  vacância  de- 
turpou a  fronteria  da  Sé,  na  vacância  que  se 
seguiu  a  D.  Jeronymo  Soares, — arrancou  a 
mesa  do  altar-mór  e  eollocou-a  a  modo  de 
frontal  do  mesmo,— e  o  púlpito  levou-o  para 
a  egreja  de  S.  Martinho,  extra-muros  [..  A 

Trouxe  sempre  em  missão  no  bispado  de 
Viseu  differentes  padres  da  congregação  do 
Oratório,  que  mandou  vir  de  Freixo  d«  Es- 
pada á  Cinta,  e  lambem  algum  tempo  o  ve- 
nerável Fr.  Antonio  das  Chagas  que,  antes 
de  entrar  em  Viseu,  apenas  avistou  a  cidade, 
se  poz  de  joelhos  e  levantando  as  mãos  dis- 
se :  pobre  cidade,  ^e  as  almas  que  encerras 
estão  como  as  tuas  paredes  mostram  I. . . 

Estavam  denegridas  como  a  maior  parte 
dos  edifícios  da  Beira,  antes  de  se  abrir  á 
exploração  a  linha  férrea,  que  barateou  con- 
sideravelmente o  preço  da  cal  e  do  sal,  pois 
este  ia  da  Figueira  da  Foz,  aquella  dos  For- 
nos e  Bairrada  e  a  sua  conducção  era  ca- 
ríssima. 

Tentou  fundar  um  convento  em  Viseu  pa- 
ra os  Padres  do  Oratório,  de  quem  era  muito 
amigo,  mas  não  pôde  vencer  certas  contra- 
riedades que  se  oppozeram,  posto  que  era 
bastante  enérgico  e  tanto  que  excoramun- 
gou  o  corregedor  de  Viseu  Gonçalo  Mendes 
de  Brito  por  prender  no  adro  e  couto  da  Sé 
um  criminoso.  A  questão  foi  até  o  tribunal 
da  legacia,— ultima  instancia,— que  decla- 
rou validas  as  censuras  e  mandou  que  o  di- 
eto  corregedor  pedisse  ao  prelado  absolvição 
d'ellas  e  pagasse  as  custas?!. . . 

A  sentença  tem  a  data  de  2  de  dezembro 
de  1676. 


Não  terminou  porem  aqui  o  fadário  do 
pobre  púlpito,  pois  em  187S  a  camará  o  re- 
moveu d'ali  para  a  capelia  do  cemitério  mu- 
nicipal, onde  se  vê  hoje  com  a  mesma  appa- 
reneia,  mas  partido  em  muitos  fragmentos 
coitados,  porque  o  pedreiro  encarregado  da 
remoção  era  tão  estúpido  e  foi  tão  desleixa- 
do, que  o  despedaçou ! . . . 

Veja-se  o  n."  2  no  tópico  dos  Templos  ex- 
tinctos,  onde  fallámos  da  Egreja  de  S.  Mar- 
tinho, de  que  hoje  apenas  resta  a  memoria. 


VIS 


VIS  1625 


Celebrou  synodo  em  7  de  setembro  de 
1681,  no  qual  ampliou  as  constituições  do 
bispado,  enriqueceodo-as  de  máximas  mys- 
tieas  6  moraes  em  prosa  e  verso.  Coimbra, 
1684. 

Veja-se  o  tópico  relativo  ao  bispo  D.  João 
Manuel,  n.«  63  da  nossa  lista. 

Mandou  fazer  ca  quinta  de  Fontello,  junto 
da  Capella  do  Santo  Sepulchro,  um  hospieio 
para  n'elle  poisarem  os  missionários  do  Va- 
ratojo,  quando  viessem  a  Viseu;— na  quinta 
de  Santa  Eugenia  fez  um  hospital  para  os 
pobres,  contíguo  à  capella,  com  14  camas 
sempre  promptas, — 8  para  homens  e  6  para 
mulheres,  com  todos  os  commodos  para  os 
doentes  e  convalescentes,— e,  depois  que  pas- 
sou para  Coimbra,  notando  pouca  luz  na  Sé, 
mandou-lhe  abrir  novas  janellas,  levanlou- 
Ihe  a  torre,  ornou-lhe  o  côro  e  poz  novos  e 
vistosos  retábulos  nos  altares  laleraes,  etc, 
com  o  que  deturpou  também  a  magestosa 
architectura  d'aquelle  venerando  tempb 
ainda  hoje  bem  conhecido  pelo  nome  de  Sé 
velha. 

Fez  também,  como  já  dissemos,  grandes 
obras  no  Bussaco,  sua  residência  favorita; — 
restaurou  muitas  egrejas  do  bispado,  gas- 
tando sò  com  a  de  S.  João  de  Santa  Cruz 
mais  de  quarenta  mil  crusados;— fez  a  fun- 
damentis  o  convento  das  religiosas  francis- 
canas de  Cendelgas; »— ampliou  a  egreja  do 
Louriçal;— restaurou  a  de  Semide;— com- 
prou para  Recolhimento  de  convertidas  o  Pa- 
ço do  Conde,  em  Coimbra;— deu  grandes  es- 
molas aos  jesuítas  para  a  conclusão  da  ea- 
pella-mór  da  egreja  do  seu  collegio  ou  da  Sé 
nova  actual;— sagrou  a  nova  egreja  do  con- 
vento de  Santa  Clara  e  para  ella  trasladou 
com  grande  pompa  o  corpo  da  Rainha  Santa- 

Fundou  também  o  Paço  da  Figueira,  que 
vinculou  em  morgado  e  o  deixou  a  seu  so- 
brinho D.  Antonio  José  de  Mello,  cujos  des- 
cendentes, possuindo  aquelle  palácio  e  mor- 
gado, foram  n'e8te  século  feitos  condes  da 
Figueira,  estando  actualmente  vendido  o  di- 


1  V.  Montemor  o  Velho,  tomo  5.»  pag.  515, 
col.  1.' 


do  palácio  pelos  condes  de  Murça,  que  sue- 
cederam  no  dieto  morgado  aos  condes  da 
Figueira  por  falta  de  sueeessão  à'estes 

Terminaremos  dizendo  que  este  benemé- 
rito prelado  falleceu  com  opinião  de  santo 
— como  diz  o  Padre  Sousa,  que  lhe  dedicou 
dois  longos  capítulos  do  seu  interessantís- 
simo Catalogo,  desde  fl.  84  até  fl.  99  do  tomo 
3."  e  ultimo. 

70.»-^.  Ricardo  Russel,  1685-1693. 

Nasceu  na  Grã-Bretanha,  de  paes  inglezes^ 
mas  catholicos,  pelos  annos  de  1630; — fez  os 
seus  primeiros  estudos  na  França,  em  um 
collegio  dos  Padres  da  Congregação  do  Ora- 
tório e,  por  insinuação  superior,  passou  ao 
nosso  paiz  para  ensinar  o  idioma  inglez  á 
infanta  D.  Catharina  (irmã  de  D.  Pedro  II) 
depois  de  traetado  o  seu  casamento  com 
Carlos  II  da  Inglaterra,  2— e  em  Lisboa  an- 
tes de  entrar  no  serviço  do  paço,  estudou 
philosophia  e  theologia  no  collegio  de  S.  Pe- 
dro e  de  S.  Paulo,  seminário  dos  inglezes  ca- 
tholicos. 

Estando  já  no  paço,  ensinando  o  inglez  á 
infanta,  a  rainha  D.  Luisa,  mãe  d'ella,  costu- 
mava consultal-o  sobre  os  negócios  de  mais 
ponderação. 

Em  1661  a  mesma  rainha,  sendo  regente 
na  menoridade  de  D.  Affonso  VI,  nomeou 
D.  Ricardo  bispo  de  Cabo  Verde,  mas  elle 
não  acceitou  a  nomeação. 

Em  1662  acompanhou  a  infanta  para  a  In- 
glaterra como  seu  eapellão  mór,  esmoler  e 
sumiler  da^cortima  e,  regressando  a  Portu- 
gal, foi  feito  bispo  de  Portalegre.  Sagrou-se 
em  1671  e  fez  ali  a  sua  entrada  solemneem 
março  de  1672.  Governou  aquelle  bispado 
cerca  de  14  annos,  até  que  foi  transferido 
para  o  de  Viseu,  tomando  posse  por  procu- 
ração em  18  de  novembro  de  1684  e  fazendo 
a  sua  entrada  solemne  em  28  d'abril  de  1685. 

Falleceu  na  quinta  de  Fontello  aos  15  de 
novembro  de  1693,  contando  63  annos  de 
idade,  e  jaz  na  capella-mór  da  Sé. 

Foi  o  primeiro  bispo  que  ali  se  sepultou, 


1  Ha  bastantes  annos  que  no  dicto  Paço 
está  montada  uma  Assembleia. 

2  V.  Pinhel,  tomo  7.»  pag.  71,  col.  2.«  e 
I  segg. 


1626  VIS 


VIS 


depois  do  accrescentamento  feito  por  D.  João 
de  Mello,  e  na  sua  sepullura  mandou  gravar 
esta  simples  inscripção. 

EXPECTANS  BeATAM 

Spem,  hic  jacet  Ri- 

CHARDUS. 

«Aqui  jaz  D.  Ricardo,  aguardando  a  bem- 
avBDturança.» 

Foi  um  bispo  illustrado  e  de  bons  costu- 
mes, zeloso  no  cumprimento  dos  seus  deve- 
res e  bastante  caritativo  nos  últimos  3  an- 
nos  do  seu  pontificado,  pois  nos  primeiros  5 
amos  não  deu  uma  única  esmola,  com  o  que 
se  expoz  a  graves  censuras,  e,  observando- 
Ihe  isto  mesmo  um  dos  seus  ministros,  res- 
pondeu:—que  em  primeiro  logar  estava  a 
virtude  da  justiça  do  que  a  da  caridade— e 
que  os  encargos  da  mitra  eram  tantos  que 
ainda  não  tinha  podido  ultimar  o  pagamento 
das  bulias  ^. 

Era  muito  espirituoso  e  propenso  a  rir  e 
folgar,  mas  severo  ao  mesmo  tempo. 

Mandou  fazer  na  matta  do  convento  dos 
religiosos  franciscanos  de  Santo  Antonio  um 
grande  terreiro  circular  com  assentos  de  pe- 
dra em  volta  e  um  cruzeiro  no  centro;— ali 
costumava  ir  passar  no  verão  as  tardes,  pa- 
lestrando não  só  com  os  religiosos  professos 
mas  com  os  noviços,  entrelendo-se  com  es- 
tes a  dirigir-lhes  graças,  galanterias  e  dietos 
joco-serios,  distribuindo  lhes  ao  mesmo  tem- 
po doces  que  para  este  fim  levava  em  cai- 
xas na  sua  carruagem  ?  I . . . 

Fez  no  mesmo  convento  uma  grande  en- 
fermaria e,  para  que  nada  faltasse  n'ella,  um 
bello  dia  mandou  aos  religiosos  tantas  ca- 
nastras cheias  de  cobertores,  lençoes,  toa- 
lhas, ligaduras,  pannos  mais  pequenos,  etc, 
que  os  pobres  capuchos  ficaram  espantados ! 
E  com  o  grande  presente  mandou  também 


^  1  Note-se  que  o  bispado  de  Viseu  rendia 
n'aquelle  tempo  oito  contos  de  réis,  que  por 
certo  correspondiam  a  mais  de  16  contos  da 
nossa  moeda  actual  ?  f .. . 


uma  importante  somma  de  dinheiro  para 
louça  e  outras  miudesas. 

Em  signal  de  reconhecimento,  mandaram 
os  religiosos  gravar  em  uma  lapide  sobre  a 
porta  da  capella  da  dieta  enfermaria  uma 
inscripção  muito  lisongeira  para  o  prelado, 
mas  este  apenas  consentiu  que  escrevessem 
o  seguinte : 

Esta  enfermaria  mandou  fazer  Ricardo, 
BISPO  de  Viseu 

Também  nunca  tolerou  que  em  parte  al- 
guma se  collocassem  as  suas  armas. 

Era  tão  espirituoso  que  certo  dia  aeer- 
eando-se  d'elle  ao  mesmo  tempo  dois  cóne- 
gos para  beijar-lhe  o  annel,  o  bispo,  sabendo 
que  um^d'elles  era  alcunhado  Entrudo  e  o 
outro  Quaresma,  disse  com  a  galanteria  que 
lhe  era  própria:— primeiro  está  o  Entrudo  e 
depois  a  Quaresma  I . . . 

Constando-lhe  que  certo  lavrador  era  to- 
dos 08  annos  excommungado  por  não  saber 
a  doutrina,  chamou-o  e  disse-lhe  que  se  den- 
tro de  8  dias  aprendesse  a  doutrina  que  lhe 
indicou, lhe  daria  40^000 réis.  No  praso  mar- 
cado foi  o  lavrador  procurar  o  bispo,  levan- 
do a  doutrina  toda  bem  decorada.  O  bispo 
deu-lhe  promptamente  os  40^000  réis,  mas 
metteu-o  no  aljube  até  lá  os  gastar,  por  ver 
que,  se  até  aquella  idade  não  tinha  apren- 
dido a  doutrina,  era  por  desleixo  e  despreso, 
não  por  falta  de  memoria,  como  dizia. 

Sendo  D.  Ricardo  ainda  bispo  de  Portale- 
gre e  offereceado-lhe  D.  Pedro  II  a  mitra  de 
Viseu,  partiu  a  oecultas  de  Portalegre,  ves- 
tido como  simples  padre,  montado  em  uma 
cavalgadura  sem  apparato  algum,  e  dirigiu- 
se  incógnito  a  Viseu,  para  ver  se  lhe  convi- 
nha a  transferencia.  Chegando  á  povoação 
de  Calde  ao  escurecer,  procurou  commodo; 
—indiearam-lhe  a  casa  de  certo  ecclesiasti- 
co;— foi  bem  recebido;  conversaram  muito 
e,  quando  se  traetava  da  ceia,  notou  que  os 
servia  uma  menina  muito  sympaihica  e  mui- 
to bem  vestida.  Perguntou  ao  padre  se  era 
sobrinha  d'elle.  Respondeu  negativamente, 
allegando  fraquesas  da  humanidade,  pois 
mal  imaginava  elle  que  estava  fallando  com 


VIS 


VIS  1627 


o  seu  futuro  bispo;  tomou  porem  nota  D.  Ri- 
cardo e,  pouco  depois  da  sua  transferencia, 
mandou  chamar  o  dicto  padre  a  Viseu  e  per- 
guntou-lhe  se  o  coniiecia. 

Ficou  attonito  e  respondeu  negativamente. 
Lenibrou-lhe  então  D.  Ricardo  que  já  tinha 
sido  seu  hospede;— repetiu  a  palestra  com 
todos  os  promenores— e  concluiu  por  dizer- 
Ihe  que  seria  seu  amigo  e  protector,  se  qui- 
zesse  pôr  cobro  ao  escândalo. 

O  padre  aceeitou  com  reconhecimento  e 
docilidade  a  exhortação  e  cumpriu.  Por  seu 
turno  D.  Ricardo  metteu  a  menina  em  um 
convento  de  freiras,— a  mãe  d'ella  em  um 
recolhimento— e  ao  padre  deu  lhe  um  dos 
melhores  bene fidos  da  diocese? l. .» 

Terminaremos  este  suceinto  esboço  bio- 
graphico  dizendo  que  D.  Ricardo  costumava 
presidir  aos  exames,  tanto  de  concursos  pa- 
ra benefleios,  como  de  ordinandos,  e  era 
n'este  ponto  severo  e  rigoroso. 

Um  dia  reprovou  16  estudantes  sò  porque 
erraram  successivamente  a  pronuncia  da  pa- 
lavra idolum,  fazendo  breve  a  segunda  syl- 
laba,  sendo  longa. 

Ainda  diremos  que  no  seu  pontificado  se 
estabeleceram  em  Viseu  os  congregados  do 
Oratório. 

Veja-se  o  tópico  relativo  aos  Conventos. 

Veja-se  também  o  Catalogo  do  Padre  Sou- 
sa, tomo  3.0  livro  XI,  cap.  VI  e  VII,  desde 
fl.  99,  V.  até  íl.  m,  onde  se  encontram  lar- 
gas e  muito  curiosas  noticias  dVste  prela- 
do i. 

li.'— D.  Jeronymo  Soares,  1694-1720. 

Era  natural  de  Lisboa  e  íilho  de  João  Al- 
vares Soares  da  Veiga  Avelar  Taveira  (pro- 
vedor da  alfandega  d'aquella  cidade)  e  de  D. 
Maria  Soares  de  Mello,  pessoas  muito  illus- 
tres. 

Nasceu  em  1635; — formou-se  em  cânones 
na  Universidade  de  Coimbra  e,  vagando  ali 
no  tribunal  da  inquisição  um  logar  de  de- 
putado que  tinha  annexa  uma  conesia  dou- 


1  Em  13  de  janeiro  de  1691  convocou  sy- 
nodo  e  n'elle  addiccionou  ás  Constit.  do  Bisp. 
08  4  tópicos  seguintes:— 1."  Eternidade  da 
alma;—%''  Eternidade  do  Paraiso;—3.°  Eter- 
nidade do  corpo;— 4."  Eternidade  do  Inferno. 


toral  da  Sé  de  Viseu,  foi  n'elle  provido,  to- 
mandD  posse  em  1664  e  o  exerceu  até  1669, 
data  em  que  foi  transferido  também  como 
deputado  para  a  inquisição  de  Lisboa.  D'ali 
passou  em  1671  para  Évora,  como  inquisi- 
dor;—em  1675  foi  nomeado  membro  do  con- 
selho geral  da  inquisição  de  Lisboa— e  no 
dicto  anno  foi  como  procurador  da  mesma 
enviado  a  Roma,  onde  se  demorou  6  annos 
e  trabalhou  muito  com  o  nosso  embaixador 
extraordinário  D.  Fr.  Luiz  da  Silva,  bispo  de 
Lamego,  para  annuUarem,  como  annularam, 
os  titânicos  esforços  dos  judeus  contra  a  in- 
quisição. 

Em  1690  foi  feito  bispo  d'Elvas;— em  no- 
vembro de  1694  foi  transferido  para  Viseu; 
tomou  posse  por  procuração  em  13  do  dicto 
mez  e  anno— e  no  dia  6  de  julho  de  1695  fez 
a  sua  entrada  solemne  em  Viseu. 

Era  tão  caritativo  que  vendo  a  Misericór- 
dia sobrecarregada  de  doentes  e  com  tão 
poucas  rendas  que  a  despesa  com  as  dietas 
corria  por  conta  da  mesa,  tomou  logo  a  seu 
cargo  no  mesmo  anno  da  1693  a  sustenta- 
ção dos  doentes  e  os  sustentou  durante  iodo 
o  seu  pontificado.  Deu  alem  d'Í8S0  á  santa 
casa  muitos  dotes  para  donzellas  e  em  1705 
dois  contos  de  réis  em  dinheiro,  como  diz  o 
Padre  Sousa. 

Convocou  synodo  a  8  de  junho  de  1699 
(na  oitava  do  Espirito  Santo)  no  qual 
reuniu  350  pessoas  entre  ecclesiastieos  e  lei- 
gos distiuctos,  e  reformou  e  accrescentou  as 
Constituições  da  diocese,  depois  de  a  ter  vi- 
sitado pessoalmente. 

Reformou  também  os  estatutos  de  muitas 
irmandades  e  confrarias  e  em  1703  os  da 
corporação  dos  12  padres  coreiros,  pois  ain- 
da se  regulavam  pelos  antiquíssimos  estatu- 
tos dados  pelo  prior  S.  Theotooio  1 . . . 

Fez  obras  em  muitos  conventos  do  bispa- 
do e  o  seu  maior  prazer  era  dar  esmolas, 
pelo  que  nunca  saia  de  casa  sem  levar  pen- 
dente da  mão  esquerda  uma  grande  bolsa 
com  dinheiro  que  ia  constantemente  distri- 
buindo. 

E  soecorria  não  só  os  leigos,  mas  também 
os  ecclesiastieos  pobres,  vestindo-os,  valen- 
do-lhes  com  dinheiro  em  cireumstaneias  cri- 


1628  VIS 


VJS 


ticas,  dando-lhes  esmolas  para  as  suas  egre- 
ja8,  ele. 

Alem  d'isso  sustentava  não  com  luxo,  mas 
com  abundância,  a  sua  numerosa  família. 

Costumava  dizer;— O  fwew  dinheiro  é  como 
açafrão,  pois  a  tudo  tinge  l 

Note-se  porem  que  este  prelado  tinha  boa 
fortuna  própria  e  que  o  bispado  então  ren- 
dia quarenta  e  cinco  mil  crusados  *  ou  réis 
ISiOOOiííOOO,  que  certamente  equivaliam  a 
mais  de  30:000|íOOO  réis  da  nossa  moeda 
actual?!... 

Era  Ião  modesto  e  tão  accessivel  que,  mes- 
mo na  rua,  costumava  entreter-se  a  conver- 
sar com  os  pobres,  e  não  gostava  que  repi- 
cassem os  sinos,  quando  sabia  de  casa. 

Aehando-se  elie  no  paço  episcopal  da  ci- 
dade em  quarta  feira  de  cinza,  5  de  março 
de  1710,  pesou  sobre  Viseu  uma  medonha 
trovoada,  sendo  o  chuva  a  cântaros,  a  pedra 
a  montes  e  os  trovões  contínuos,  e  por  essa 
occasião  cahiu  um  raio  na  torre  dos  sinos, 
contigua  ao  paço  Rompeu  a  abobada  da 
mesma  torre,  lançando  pedras  a  grande  dis- 
tancia;— furou  largas  e  grossas  paredes; — 
arruinou  fortíssimas  abobadas  e  soalhos;— 
desbaratou  as  varandas  do  Collegio  e  do  ca- 
bido— e  arrancou  varias  columnas  e  telha- 
dos, etc. 

Ficou  o  santo  prelado  attonito,  porque  a 
grande  descarga  eléctrica  rebentou  junto  do 
seu  quarto.  Apenas  declinou  a  tempestade, 
foi  á  janella  e,  vendo  os  destroços,  ergueu  as 
mãos  ao  ceu  por  não  ter  ficado  sepultado 
n'ellas  com  os  seus  familiares!  Tractoulogo 
de  fazer  amparar  as  grandes  ruinas  (o  edi- 
fício do  Collegto  foi  o  que  mais  soffreu)  e  em 
seguida  tudo  restaurou,  dispendendo  gran- 
des sommas. 

A  Sé  está  muito  exposta  a 
faiscas  eléctricas,  porque  de- 


1  É  isto  o  que  se  lé  em  uma  nota  ao  Ca- 
talogo do  Padre  Sousa,  tomo  3.*,  cap.  9.»  Q. 
117,  v. 

2  Na  mesma  Sé  cahira  lambem  um  raio 
em  1609  e  outro  em  1635.  Este,  de  que  agora 
fazemos  menção,  foi  até  áqaella  data  o  3  * 


mora  em  uma  eminência,  no 
ponto  culminante  da  cidade,  e 
bom  fôra  que  a  protegessem 
com  pára-raios,  como  tem  o 
Hospital  Novo. 

Em  agosto  do  mesmo  anno  de  1710,  foi 
Viseu  alvoroçada  com  um  acontecimento  de 
ordem  muito  diversa,  mas  não  menos  ex- 
traordinário ; 

A  6  do  dicto  mez,— dia  da  Transfigura- 
ção do  SenAor,— chegaram  a  Viseu  28  reli- 
giosas clarissas  do  convento  de  S.  Luiz  de 
Pinhel,  com  algumas  criadas,  i,  pois,  em  vir- 
tude de  certas  questões  que  tiveram  com  o 
seu  provincial,  resolveram  abandonar  o  con- 
vento (?!...)  e  irem  pessoalmente  queixar- 
se  ao  bispo  de  Viseu,  então  bispo  de  Pinhel 
lambem  2,  tentando  desligarem-se  da  obe- 
diência áquelle  e  ficarem  sujeitas  ao  bispo 
diocesano,  como  em  tempo  determinara  In- 
nocencio  VIIL 

Acercou  se  logo  da  estranha  comitiva  a 
cidade  toda  com  espanto.  As  freiras  para- 
ram na  rua  dos  Cavallos,  junto  dos  muros 
da  quinta  de  Fontello;— apearam-se  dos  car- 
ros (?)  em  que  fizeram  a  jornada  e,  muito 
afflictas  com  o  ardentíssimo  sol  d'agosto  « 
muito  moidas  com  os  tombos  e  solavancos 
das  carroças  durante  as  14  léguas  de  pés- 
simo caminho  de  Pinhel  a  Viseu,  levantaram 
uma  cruz  que  traziam  e,  pondo-se  era  fórma 
de  coro,  ali  mesmo  resaram  as  horas  cano- 


*  V.  Pinhel,  tomo  7.»  pag.  84,  col.  2."  e 
segg.,  onde  se  encontra  uma  larga  descripção 
d'aquelle  convento,  escripta  por  nós,  bem 
como  todo  aquelte  extenso  artigo,  que  em 
1876  oíferecemos  ao  nosso  benemérito  an- 
tecessor, mal  imaginando  que  este  dicciona- 
rio  estivesse  hoje  a  nosso  cargo!  Também 
posteriormente  lhe  offerecemos  o  artigo 
Poiares,  freguezia  do  concelho  da  Regoa, — 
e  anteriormente  os  artigos  Miragaya  e  S.  Ni- 
colau, freguezia  do  Porto,  alem  d'outros. 

Bom  tempo  era  aquelle  em  que  nós  pas- 
seávamos e  escrevíamos  por  distracção,  em- 
quanto  que  desde  1884  gememos  sobre  a 
nossa  banca  de  estado,  fazendo  constante- 
mente serão  até  ás  2  e  por  vezes  3  horas  e 
mais  depois  da  meia  noite  ?! ... 

*  Veja-se  no  artigo  citado  a  fundação  do 
bispado  de  Pinhel,  hoje  extincto. 


VIS 


VIS  1629 


oiças.  Depois  cobriram  os  rostos  com  os  véus 
e,  formaudo  duas  alas,  caminliaram  dire- 
ctamente para  a  Sé,  seguidas  por  uma  mul- 
tidão immensa  de  povo. 

Apeuas  cliegaram  ao  adro  da  Sé,  o  bispo 
mandou  fechar  as  portas  do  seu  {>alacio  e  or- 
denou aos  seus  ministros  lhes  fizessem  sa- 
ber que  Dão  as  aceeitava  por  súbditas;  —  o 
dr.  provisor  Jrião  Ayres  muito  severamente 
lhes  estranhou  o  arrojo  e  temeridade;  mas 
eÚas,  aem  se  importarem  com  advertências» 
insistiram  no  heu  propósito,  dizendo  que  não 
queriam  ou'ro  superior  alem  do  prelado  de 
Viseu  e,  vendo  as  portas  da  Sé  ainda  aber- 
tas, por  haver  acabado  o  côro  momentos  an- 
tes, entraram  e  fizeram  oração. 

Mandou  logo  o  bispo  fechar  as  portas  da 
Sé  e  levar  as  chaves  para  o  seu  quarto; 
—  depois  mandou-lhes  ali  um  abundante 
jantar,  servido  pelos  seus  criados  graves, 
com  assistência  dos  seus  capellães,  que  no 
fim  do  jantar,  por  ordem  do  mesmo  bispo, 
se  retiraram,  tornando  a  fechar  as  portas  da 
Sé  e  levando  as  chaves,  pelo  que  não  houve 
côro  na  tarde  d'esse  dia. 

Convocou  immediatamente  o  prelado  to- 
dos os  seus  miuisiros  e  oílieiaes  de  justiça; 
— expoz-lhes  o  caso — e  deu  ordem  para  que 
ao  pôr  do  sol  fossem  conduzidas  ao  convento 
benedictino  da  cidade,  tendo  prevenido 
aquellas  religiosas  para  que  recebessem  as 
prófugas  de  Pinhel  e  as  fractassem  com  ca- 
ridade, accommodando-as  como  podessem  e 
certificando-lhes  que  satisfaria  todas  as  des- 
pezas,—o  que  tudo  pontualmente  se  cum- 
priu. 

Também  concedeu  ás  religiosas  de  Pinhel 
o  côro  baixo  para  resarem  o  officio  divino 
ao  tempo  era  que  as  benedictinas  resassem 
no  côro  alto. 

Não  cessavam  as  prófugas  de  instar,  pe- 
dir, rogar  e  supplicar,  mas  não  mudou  de 
resolução  e  obrigou-as  a  voltarem  para  o 
seu  convento  de  S.  Luiz  de  Pinhel,  para  o 
que  mandou  vir  de  Lamego  e  de  Coimbra 
17  liteiras,  por  não  haver  ao  tempo  em  Vi- 
seu liteira  alguma  d'aluguel,  e  em  outubro 
do  mesmo  anno, — bem  contra  vontade — se- 

VOLUME  XI 


guiram  nas  17  liteiras  para  Pinhel,  acompa- 
nhadas pelos  ministros  ecclesiasticos  e  se- 
culares de  Viseu  e  por  outras  muitas  pes- 
soas nobres  da  mesma  cidade,  em  attenção 
ás  dietas  religiosas  e  ao  prelado,  que  fez  to- 
das as  despezas  da  conducção  e  outras  mui- 
tas em  Roma  para  sanar  a  tempestade,  como 
diz  o  Padre  Sousa. 

A  retirada  das  freirinhas  do  seu  convento 
e  a  viagem  até  Viseu  devia  ser  triste  e  pe- 
nosa, por  ser  feita  em  agosto,— no  rigor  do 
verão, — e  em  carros  de  lavoura,  tirados  por 
bois,  que,  para  vencerem  as  taes  14  legoas 
de  barrancos  por  certo  não  gastaram  menos 
de  5  dias.  Em  compensação  regressaram  por 
tempo  muito  mais  benigno,— m  outubro, — 
e  com  o  apparato  de  princesas,  pois  n'aquelle 
tempo  e  por  aquelles  sítios  o  melhor  e  mais 
luxuoso  transporte  eram  as  liteiras  e  talvez 
que  nunca  entrassem  tantas  a  um  tempo  em 
Pinhel!  Só  as  das  freirinhas  eram  17— e 
muito  provavelmente  em  liteiras  foram  tam- 
bém alguns  dos  ministros  e  fidalgos  que  as 
acompanhavam,  indo  outros  em  sella.  E  de- 
viam acompanhar  a  comitiva  muitas  baga- 
geiras com  roupas  e  mantimento,  pois  desde 
Viseu  até  Pinhel  ainda  nem  hoje  se  encon- 
trariam commodos  para  tanta  gente  e  tantas 
cavalgaduras  durante  3  dias,  que  menos  não 
gastaram  por  certo  com  a  viagem. 

Devia  ser  uma  cavalgata  brilhantíssima, 
imponentíssima  e  estrondosíssima,  porque  os 
machos  das  liteiras  iam  sempre  carregados 
de  campainhas,  para  não  se  espantarem. 
Imagine  se  pois  o  barulho  que  fariam  34  va- 
lentes machos,  sacudindo  a  um  tempo  pelo 
menos  34  dúzias  de  campainhas,  —  total 
408?!... 

No  artigo  Villa  Real  de  Traz-os- Montes 
(vol.  XI,  pag.  989,  col,  1.»  e  segg.)  mencio- 
námos um  episodio  monástico  interessante, 
mas  este  é  talvez  mais  interessante  ainda — 
e  mais  interessante  seria  se  podessemos  en- 
trar em  pormenores. 

Em  1713  um  incêndio  consumiu  parte  do 
paço  episcopal  da  Sé.  Teve  principio  na  co- 
sinha  e  rapidamente  se  alastrou  pelo  edifl- 
I  cio  até  o  quarto  do  prelado,  que  era  conti- 

103 


1630  VIS 


VIS 


guo  à  cisterna.  A  custo  o  salvaram  por  meio 
d'uma  escada  que  encostaram  á  janelia,  e 
teve  de  acolher-se  ao  paço  de  Fontello.  Con- 
tava o  santo  bispo  então  já  78  annos,  mas 
ainda  mandou  reconstruir  tudo  o  que  o  in- 
cêndio destruirá. 

Durante  muito  tempo  deu  200^000  réis 
por  anno  para  as  obras  do  convento  dos  Con- 
gregados, hoje  Seminário. 

Expirou  na  quinta  de  Fontello  no  dia  18» 
de  janeiro  de  1720,  tendo  recebido  com  a 
maior  compuncção  o  sagrado  Viatieo  que  foi 
da  Sé  com  grande  pompa,  levado  pelo  deão 
acompanhado  pelos  cónegos,  todos  paramen- 
tados com  as  suas  capas  mais  ricas. 

Falleceu  ja  decrépito,  contando  85  annos 
de  idade  e  30  de  pontiflcado  nas  duas  dioce- 
ses, deixando  uma  memoria  veneranda. 

Jaz  na  capella-mór  da  Sé  de  Viseu. 

Quem  pretender  mais  amplas  noticias 
d'este  santo  prelado  veja  o  Catalogo  do  Pa- 
dre Sousa,  tomo  3,°,  desde  fl.  H2  até  fl. 
128,  V. 

Século  XVIII 
Vacância  de  20  annos 

Por  morte  do  insigne  prelado  D.  Jeronymo 
Soares  seguiu-se  uma  longa  vacância  de  20 
annos,  proveniente  das  graves  desinteiligen- 
cias  entre  a  nossa  côrte  e  a  de  Roma. 

Parece  que,  tendo  o  papa  Clemente  XI  pe- 
dido em  1717  auxilio  contra  os  turcos  ao 
nosso  rei  D.  João  V,  enviando-lhe  este  prom- 
ptamente  uma  armada,  depois  o  nosso  rei 
lhe  pedira  o  barrete  de  cardeal  para  mr.  Bi 
chi  e  o  papa  lh'o  recusou. 

Por  esta  e  outras  rasões,  D.  João  V,  ma- 
goado, interrompeu  as  relações  com  a  côrte 
de  Roma  durante  15  annos,  chegando  a  or- 
denar que  o  pairiarcha  de  Lisboa  exercesse 
as  funcções  de  poniitiee  em  Portugal  e  seus 


1  Goldt,  Berardo,  F.  Manuel  e  outros  dizem 
que  falleceu  no  dia  28  de  janeiro,  mas  o  Pa- 
dre Sousa,  que  muitíssimo  respeitamos,  diz 
claramente  que  falleceu  no  dia  18  de  janeiro  i 
de  1720.  I 

Este  prelado  é  o  ultimo  do  Cataloqo  de  ' 
Coldt.  , 


domínios,  até  que  o  papa  Clemente  XII  poz 
termo  ao  scisma  em  1733. 

Em  virtude  d'aquellas  desintelligencias 
achavara-se  vagas  as  dioceses  de  Braga,  Por- 
to, Évora,  Lamego,  Coimbra,  Elvas,  Guarda, 
Miranda,  Portalegre,  Funchal  e  Viseu,  pelo 
que  D.  João  V  tractou  de  as  prover.  Em 
1739,  segundo  diz  o  Padre  Sousa,  nomeou 
bispo  de  Viseu  Jorge  Pereira  de  Sande,  que 
se  executou,  i— e  D.  Fr.  Antonio  de  Guada- 
lupe, bispo  do  Rio  de  Janeiro,  que  não  che- 
gou a  tomar  posse,  por  fallecer  em  Lisboa 
no  dia  31  d'agosto  de  1740,— seis  dias  de- 
pois de  desembarcar.  2 

Terminou  esta  grande  vacância  com  a  no- 
meação do  prelado  seguinte— D.  Julio  Fran- 
cisco d' Oliveira— uo  mesmo  anno  de  1740  e^ 
durante  ella,  o  cabido,  em  contravenção  das 
disposições  do  concilio  de  Trento,  governou 
por  si  directamente  o  bispado  e  fez  algumas 
obras.  Entre  ellas  concluiu  a  restauração  da 
antiquíssima  egreja  de  S.  Miguel  do  Fetal, — 
restauração  que  o  benemérito  bispo  D.  Je- 
ronymo Soares  principiou,  como  já  dissemos 
no  tópico  Egrejas. 

72  °— y».  Julio  Francisco  d'Oliveira,  1740- 
1765. 

Durou  nada  menos  de  25  annos  o  ponti- 
ficado d'este  bispo. 

É  nmito  interessante  a  sua  biographia  e 
pouco  trabalho  nos  deu,  porque  só  tivemos 
de  exlractar  e  resumir  a  esplendida  biogra- 
phia  que  se  encontra,  como  já  dissemos,  no 
interessamissimo  Catalogo  do  Padre  Sousa, 
tomo  3.°,  desde  fl.  242;— ficou  porem  tão 
longa  ainda,  que  resolvemos  dal-a  no  sup- 
plemento,  beni  como  a  do  bispo  e  cardeal 
D.  Miguel  da  Silva. 

V.  Viseu  no  supplemento  a  este  dieciona- 
rio;  — entretanto  ficam  as  duas  pobres  bio- 
graphias  á  disposição  dos  leitores  n'esta  sua 
humilde  casa. 

73.° — D.  Francisco  Mendo  Trigoso,  1.°, 
1770-1778. 

Era  íilho  primogénito  de  Francisco  Mendo 


1  Veja-se  a  lista  dos  Bispos  duvidosos. 

2  Veja-se  a  lista  dos  Bispos  eleitos  e  o  Ca- 
talogo de  Sousa. 


VIS 


VIS  1631 


Trigoso,  dos  Trigosos  de  Torres  Vedras,  e  de  | 
D.  Antónia  Theresa  de  Aragão,  pessoas  no- 
bilíssimas. Tal  era  a  sua  vocação  para  o  sa- 
cerdócio, que  renunciou  aos  direitos  da  pri- 
mogenitura;— ordenou-se;— doutorou  se  em 
cânones  na  Universidade  de  Coimbra— e,  de- 
pois de  servir  vários  empregos,  el  rei  D. 
José  I  o  nomeou  bispo  de  Viseu,  onde  fez  a 
sua  entrada  solemne  no  dia  i6  de  dezembro 
de  1770,— anno  em  que  o  papa  Clemente  XIV 
erigiu  o  bispado  de  Pinhel— com  os  3  arey- 
prestados  de  Viseu:  —  Pinhel,  Trancoso,  e 
Castello  Mendo— e  com  as  egrejas  que  per- 
tenciam ao  bispado  de  Lamego  na  região 
de  Cima- Côa. 

V.  Pinhel,  tomo  7.»  pag.  64,  col.  2.»  e  segg. 

Foi  um  prelado  muito  virtuoso  e  muito 
generoso— e  falleeeu  no  dia  19  de  setembro 
de  1778. 

Jaz  na  Sé  de  Viseu  junto  da  capella  mór, 
em  uma  das  3  sepulturas  de  bispos  que  ahi 
se  acham.  É  a  do  lado  do  evangelho. 

Em  1777,— anno  em  que  falleeeu  el-rei  D. 
José,— deu  este  bispo  á  Misericórdia  de  Vi- 
seu 4:800i^000  réis  para  alimento  dos  con- 
valescentes. 

D'este  prelado  foi  sobrinho  o  celebre  dr- 
Manuel  Paes  Trigoso,  lente  de  prima  em  câ- 
nones e  vice-reitor  na  Universidade  de  Coim- 
bra, desembargador  do  paço,  ete.,— e  d'este 
foi  também  sobrinho  o  dr.  Francisco  Manuel 
Trigoso  d'Aragâo  Morato,  lente  de  direito 
em  Coimbra,  deputado  ás  cortes  em  1820  e 
1826,  ministro  e  conselheiro  d'estado,  sócio 
e  vice-presidente  da  Academia  Real  das 
Sciencias,  vice-presidente  da  camará  dos 
pares,  etc— homem  muito  illustrado  e  um 
dos  4  primeiros  philologos  e  mestres  da  lín- 
gua portugueza  no  seu  tempo.  Os  outros 
eram  D.  Francisco  de  S.  Luiz,  D.  Francisco 
Alexandre  Lobo  e  o  dr.  Agostinho  de  Men- 
donça Falcão,  sócio  da  Academia  Real  das 
Sciencias,  ete.  ^ 

74.0—0.  José  Antonio  Barbosa  Soares, 
Í779-1782. 


1  V.  Pinhanços,  tomo  7.»  pag.  43,  col.  1.» 
in-fine.  Era  pae  do  nosso  bom  amigo  e  cy- 
reneu,  o  sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça 
Falcão. 


Era  natural  da  freguezia  de  Baldreu  ou 
Valdreu,  concelho  de  Villa  Verde,  no  Minho, 
e  foi  lente  de  cânones  na  Universidade  de 
Coimbra.  Foi  eleito  bispo  de  Viseu  em  ou- 
tubro de  1778;  sagrado  em  2  de  maio  de 
1779;  tomou  posse  por  procuração  em  13  do 
dicto  mez;  chegou  a  Viseu  em  29  de  junho; 
fez  a  sua  entrada  solemne  no  dia  2  de  julho 
de  1779,  e  falleeeu  em  25  de  novembro  de 
1782. 

Jaz  na  Sé  de  Viseu,  junto  da  sepultura  do 
seu  antecessor,  do  lado  da  Epistola,  onde  se 
vêem  as  suas  armas  com  uma  inscripç5o  já 
diífleil  de  ler. 

Nada  mais  sabemos  d'este  prelado. 

75.° — D.  Fr.  José  do  Menino  Jesus,  l.°  do 
nome,  1783-1791. 

Era  natural  da  Cachoeira,  arcebispado  da 
Bahia;— foi  frade  carmelita  e,  tendo  sido 
eleito  e  confirmado  bispo  do  Maranhão, 
quando  se  dispunha  para  a  viagem  foi  trans- 
ferido para  a  diocese  de  Viseu,  onde  fez  a 
sua  entrada  solemne  em  8  de  dezembro  de 
1783. 

Foi  um  bispo  illustrado,  generoso  e  aman- 
te d'obras  d'arte. 

Deu  á  eaihedral  um  rico  paramento  bran- 
co completo — e  ao  cabido  as  roais  preciosas 
esculpturas  que  tem  a  cidade  de  Viseu!  São 
ellas : 

— Uma  primorosa  imagem  do  Senhor  Cru- 
cificado, feita  de  marfim  e  de  uma  só  peça, 
exceptuando  os  braços,  sendo  maior  do  que 
as  imagens  de  marfim,  feitas  de  um  só  dente 
de  elephante. 

—Outra  primorosa  imagem  do  Menino  Je- 
sus, despido  e  encostado  a  uma  penha,  sobre 
uma  peanha  -de  madeira  dourada,  mettida 
em  um  oratório  de  madeira  também  doura- 
da e  envidraçado  por  3  lados. 

—  Outra  imagem  perfeitíssima,  represen- 
tando o  moço  Tobias  acompanhado  pelo  anjo 
na  sua  jornada  a  Ruges,  na  Media,  para  re- 
ceber de  Gabélo  o  que  este  devia  a  seu  pae, 
que  se  achava  cego  e  doente. 

Visitou  o  bispado  duas  vezes  e  tinha  in- 
tenção de  ampliar  a  eathedral,  mas  infeliz- 
mente, estando  em  Castellões,  freguezia  do 
concelho  de  Tondella,  ali  falleeeu  no  dia  13 


VIS 


VIS 


de  janeiro  de  1791,  na  casa  da  quinia  da 
Cruz,  que  foi  do  dislineto  fidalgo  Antonio 
Xavier  Telles  d'Almeida  Cardoso. 

Fallecendo  esle  sem  geração,  posto  ser  ca- 
sado com  D.  Maria  da  Piedade  Azevedo,  a 
dieta  casa.  depois  d'abolidos  os  vínculos,  pas- 
sou para  os  sobrinhos  da  viuva,  dos  quaesé 
irmã  e  co-herdeira  a  ex.""  sr.*  D.  Maria  da 
Piedade  de  Lemos  e  Azevedo,  esposa  do  sr. 
dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça  Falcão, 
nosso  principal  cyreneu  n'e8te  artigo  *. 

Fallecido  o  prelado  em  CastellÕes,  ali  fo- 
ram o  cabido  incorporado  e  o  clero  todo  de 
Viseu  receber  o  cadáver  e  o  conduziram  pa- 
ra a  Sé,  onde  jaz,  ao  fundo  da  capella  mór, 
do  lado  do  evangelho,  na  mesma  sepul- 
tura em  que  posteriormente  foi  enterrado 
também  o  bispo  Lobo  no  anno  de  1844. 

76  ° — /),  Francisco  Monteiro  Pereira  de 
Azevedo,  2.°  1792-1819. 

Era  natural  de  Rezende,  da  nobre  família 
dos  seus  appellidos  e  ascendente  da  nobilís- 
sima casa  daá  Brolhas  e  da  dos  Albergarias 
de  Lameso. 

Foi  lente  de  direito  na  Universidade  de 
Coimbra  e  fez  a  sua  entrada  solemne  em  Vi- 
seu no  l."  de  novembro  de  1792.  «Nós  o  co- 
nhecemos (diz  Berardo)  nunca  esquecido 
d'aquella  máxima — Bona  Ecclesiae  suntpa- 
trimonia  pauperum.» 

Effectivamente  foi  um  dos  prelados  mais 
virtuosos,  mais  modestos  e  mais  caritativos 
que  até  hoje  tem  tido  Viseu! 

Vivia  e  vestia  com  a  maior  simplicidade; 
—nunca  enthesourou  um  ceitil — e  dava  tu- 
do aos  pobres,  inclusivamente  as  próprias 
roupas. 

Visitou  o  bispado  e,  para  melhor  admi- 
nistração d'elle,  subdividiu  os  arcyprestados: 
— o  do  Aro  em  S;— o  de  Mòens  era  2;— os  de 
Besteiros,  Pena  Verde  e  Lafões  cada  um  em 
3,— e  por  provisão  de  11  de  julho  de  1807 
instituiu  as  5  paroehias  suburbanas,  anne- 
xas  á  cathedral,  subsidiando  os  respecti- 
vos curas  com  as  rendas  da  milraL,— grande 


1  Veja  se  o  tópico  das  Quintas  notáveis — 
e  os  artigos  Pinhanços,  Paredes  da  Beira  e 
Villa  Nova  d' Ourem. 


documento  de  desinteresse  de  que  se  aponta- 
rão mui  raros  exemplos,— àiz  Berardo. 

Era  1808,  surgindo  em  Viseu  uma  revolta 
militar  contra  o  g^^neral  da  província,  Flo- 
rêncio José  Correia  de  Mello,  e  contra  o  juiz 
de  fora  João  Bernardo  de  Vilhena,  a  pretex- 
to de  jacobinagera  e  de  falta  de  pagamento, 
foram  presos  aqnelles  dois  funccionarios  pela 
tropa  e  por  alguns  paisanos  que  tomaram 
parte  no  motim  e,  como  \iseu  ficasse  sem 
aucturidades.  dirigiram-ne  ao  p;iço  episco- 
pal da  Sé  e  obrigaram  o  venerando  prelado 
a  eucarregar-se  interinamente  do  governo 
da  cidade, — sacrificio  enorme  que  elle  aecei- 
tou  para  acalmar  os  desordeiros  e  obviar  a 
maiores  desgostos. 

Durou  pouco  tempo  tão  anqmalo  estado  de 
cousas,  pois  o  governo  sem  demora  mandou 
para  Viseu  uma  alçada  que,  procedendo  a 
devassa,  culpou  muitos  millares  e  cidadãos 
6  os  enviou  presos  para  a  Relação  do  Porto, 
em  cujas  cadeias  .'^econservaram^té  que,  em 
29  de  março  de  1809,  entrou  Soult  no  Por- 
to e  as  cadeias  foram  abertas. 

Saíram  lambem  então  os  dietos  presos  e 
tomaram  o  rumo  que  bem  lhes  approuve,  não 
se  importando  mais  cora  elles  a  justiça,  por 
causa  da  guerra  da  península  que  se  pro- 
longou até  1814. 

Também  no  pontificado  d'e8te  bispo  se 
renovaram  as  velhas  questiúnculas  entre  os 
cónegos  e  meios  cónegos  de  Viseu  por  causa 
das  vestes. 

Tendo  os  cónegos  obtido  privilegio  para 
poderem  usar  de  meias  e  cintos  vermelhos 
e  de  borlas  verdes  nos  chapéus,  com  expressa 
exclusão  dos  meios  cónegos,  estes  demanda- 
ram-nos  e  venceram  o  pleito,  como  já  tinham 
vencido  outro  pleito  semelhante  em  1635. 

Vejam-se  os  tópicos  relativos  á  Sé  e  ao 
Cabido. 

Em  1810  occuparam  os  inglezes  todo  o 
paço  episcopal  da  Sé,  o  claustro  e  o  edifieio 
do  Collegio  com  o  hospital  militar,  que  ali 
se  conservou  muito  tempo,  pelo  que  o  pre- 
lado mudou  para  o  paço  de  Fontello  e  ali 
permaneceu,  bem  como  os  seus  successores 

Mandou  este  prelado  fazer  o  órgão  grande 


VIS 


VIS  1633 


da  Sé,  em  substituição  do  antigo,  que  se  sup- 
põe  ter  sido  feito  pelo  mesmo  couslruetor  do 
de  Santa  Cruz  de  Coimbra.  O  novo  órgão  da 
Só  de  Viseu  foi  feito  em  18i4  a  1819  por 
Luiz  Antonio  dos  Santos,  o  engenheiro,  assim 
cognommado  porque,  tendo  sido  um  sim- 
ples carpinteiro,  chegou  a  ser  um  organeiro 
distincto. 

Não  acabou  o  dicto  órgão  porque,  durando 
ainda  as  obras  quando  falleceu  este  prelado, 
depois  o  seu  successor,  D.  Francisco  Ale- 
xandre Lobo,  vendo  que  ellas  estavam  ca- 
ríssimas por  serem  feitas  a  jornal,  quiz 
concluil-as  por  ajuste,  mas  o  constructor  não 
annuiu— e  assim  ficou  o  órgão  até  bojei 

O  prelado  D.  Francisco  Pereira  gastou 
cou  elle  mais  de  vinte  mil  crusados  I 

Também  lançou  a  primeira  pedra  ao  novo 
hospital  da  Misericórdia  e  deu  logo  para  o 
principio  das  obras  i:312i^000  réis. 

V.  Misericórdia. 

Falleceu  este  venerando  prelado  no  dia  3 
de  fevereiro  de  1819  e  jaz  na  Sé,  ao  fundo  da 
capeila  mór,  na  mesma  sepultura  do  bispo 
D.  Manuel  de  Saldanha,  fallecido  em  1671. 

Século  XIX 

11." — D.  Francisco  Alexandre  Lobo,  3.°  do 
nome,  1819-1844. 

Nasceu  em  Beja  no  dia  14  de  setembro  de 
1763  6  foram  seus  paes  Manuel  Lobo  da 
Silva  e  D.  Antónia  Maria  Lobo. 

Foi  doutor  em  theologia  e  lente  da  mesma 
faculdade  na  Universidade  de  Coimbra,  freire 
professo  na  ordem  de  Christo,  sócio  da  Aca 
demia  Real  das  Scieneias  e  bispo  de  Viseu 
eleito  era  maio  de  18i9  e  sagrado  em  16  de 
julho  de  1820,  mas  só  entrou  na  sua  diocese 
no  dia  17  de  novembro  do  dieto  anno. 

Foi  lambera  nomeado  par  do  reino  e  mi- 
nistro do  reino  pela  infanta  regente  em  1826, 
— e  o  sr.  D.  Miguel  o  nomeou  em  1828  con- 
selheiro de  estado  e  reformador  geral  dos 
estudos,  logar  que  resignou  em  1831,  reti- 
rando-se  para  a  sua  diocese. 

Em  Coimbra  morou  no  celebre  Collegio 
dos  Militares,  viveiro  que  tantos  sábios  e 
homens  illustres  produziu,  taes  foram— An- 
tonio Ribeiro  dos  Santos,  D.  João  de  Maga- 


lhães e  Avellar,  bispo  do  Porto,  D.  Fr.  Fran- 
cisco de  S.  Luiz,  cardeal  patriarcha,  Antonio 
Pinheiro  d'Azevedo,  vlee-reitor  da  Univer- 
sidade, etc,  etc. 

D.  Francisco  Alexandre  Lobo  atravessou 
um  dos  períodos  mais  turbulentos  da  histo- 
ria d'este  século  e,  por  haver  seguido  e 
servido  o  partido  de  D.  Miguel  em  1834, 
pouco  depois  da  convenção  d'Evora  Monte, 
emigrou  para  França,  onde  permaneceu  até 
1844,  data  em  que  regressou  ao  paiz.  Tendo 
reconhecido  o  novo  governo  da  rainha  a  sr.» 
D.  Maria  II,  dispuoha-se  a  volver  á  sua  dio- 
cese, mas  infelizmente  adoeceu  em  Lisboa 
antes  de  partir  e  ali  falleceu  no  mosteiro  das 
religiosas  Flamengas  do  Calvário,  em  9  de 
setembro  de  1844,  contando  81  annos  de 
idade,  pois  nasceu  em  setembro  de  1763, 
como  diz  Innocencio  Francisco  da  Silva. 

Em  cumprimento  das  suas  disposições  tes- 
tamentárias foi  o  seu  cadáver  transportado 
para  Viseu  e  depositado  na  egreja  do  Semi- 
nário;—d'ali  foi  levado  com  grande  acompa- 
nhamento na  tarde  de  18  de  dezembro  para 
a  Sé,  onde  lhe  fizeram  exéquias  solemnes  no 
dia  19  do  dicto  mez  e  anno  de  1844,— e  em 
seguida  foi  sepultado  na  mesma  Sé,  onde 
jaz  ao  fundo  da  capella-mór,  em  sepultura 
sem  armas.  É  uma  das  4  que  ali  se  vêem 
(a  1."  do  lado  do  Evangelho,  contando  do 
centro)  —  a  mesma  onde  fôra  sepultado  o 
bispo  D.  Fr.  José  do  Menino  Jesus. 

Quando  partiu  para  o  estrangeiro  nomeou 

0  seu  vigário  geral  governador  da  diocese, 
mas  o  governo  liberal  não  o  reconheceu  e 
nomeou  de  motu  próprio  para  esta  e  outras 
dioceses  governadores  e  vigários  capitulares, 
que  muitos  fieis  não  reconheceram,  accei- 
tando  por  seus  pastores  unicamente  os  vigá- 
rios geraes  nomeados  pelos  bispos  e  a  esses 
vigários  recorriam  clandestinamente.  Deu 
isto  causa  a  um  schisma  e  cruéis  persegui- 
ções, sendo  muitas  pessoas  mettidas  na  ca- 
deia, outras  barbaramente  espancadas  e  al- 
gumas inclusivamente  assassinadas,  como 
succedeu  ao  infeliz  abbade  de  Guardão,  con- 
celho deTondella,n'este  bispado,— Francisco 
d'Azevedo,  da  nobre  família  Azevedos,  de 

1  Paredes  da  Beira,  doutor  em  cânones  pela 


1634  VIS 


VIS 


Universidade  de  Coimbra.  Morreu  queimado 
vivo  na  sua  casa  de  Casal  d' Asco,  em  Bestei- 
ros, á  qual  08  regalistas  deitaram  o  fogo, 
porque  aquelle  infeliz  abbade  não  quiz  dar- 
se  à  prisão,  ao  ver  a  sanha  dos  seus  perse- 
guidores íontra  elle  pelo  crime  de  obedecer 
ao  governador  da  diocese  nomeado  pelo  bis- 
po e  não  ao  intruso,  nomeado  pelo  gover- 
no?!... 

Em  1824  este  bispo,  d'accordo  com  os 
congregados  do  Oratório,  obteve  a  casa  que 
estes  tinham  em  Viseu  e  para  ella  transfe- 
riu o  seminário  diocesano  que  estava  no 
Collegio,  contíguo  á  cathedral. 

Foi  um  dos  bispos  mais  illustres  do  seu 
tempo,  tanto  em  letiras  como  em  virtudes. 
Era  um  philologo  distinctissimo,  talvez  su- 
perior aos  grandes  philologos  seus  contem- 
porâneos Francisco  Manuel  Trigoso  d' Ara- 
gão Morato  e  D.  Francisco  de  S.  Luiz,— e  foi 
também  fecundo  e  distineto  escriptor  pu- 
blico. 

Pôde  ver-se  a  lista  das  suas  obras  no  Dic- 
cionario  BibliograpJiico  de  Innocencio,  tomo 
2.»,  paginas  324  e  325,  e  nos  additamentos 
do  mesmo  tomo,  pag.  476  e  477. 

•  O  bispo  Lobo  (diz  Innocencio)  foi  no  seu 
tempo  e  é  ainda  hoje  havido  na  conta  de  ho- 
mem de  vasta  lição,  muito  instruído  nas 
sciencias  próprias  do  seu  estado,  e  versado 
em  todos  os  ramos  da  philologia  e  littera- 
tura  amena.  Infelizmente  as  questões  politi- 
cas, em  que  tomou  parte,  mais  activa  talvez 
do  que  convinha  a  um  verdadeiro  suecessor 
dos  apóstolos,  flzeram  dividir  a  seu  respeito 
as  opiniões  dos  partidos,  sempre  exageradas 
e  muitas  vezes  injustas. . .  Porem  os  críticos 
de  um  e  outro  lado  concordam  geralmente 
em  considerar  o  bispo  de  Viseu  como  um 
dos  escriptores,  que  nos  tempos  modernos 
souberam  imitar  mais  de  perto  os  nossos  an- 
tigos clássicos  no  que  diz  respeito  á  proprie- 
dade da  locução,  pureza  da  linguagem,  e  á 
correcção  d'estylo.  O  sr.  Alexandre  Hercu- 
lano fallando  da  Memoria  acerca  de  Fr.  Luiz 
de  Sousa,  não  duvidou  qualificai -a  de  mo- 
dêlo  de  consciência  litteraria,  de  erudição,  ^ 
de  estylo.  (V.  o  prologo  aos  Annaes  de  D. 
João  III,  pag.|9.)— Comtudo  o  sr.  Lopes  de 


Mendonça,  no  estudo  que  ha  pouco  publicou 
sobre  D.  Francisco  Alexandre  Lobo,  no  to- 
mo II,  pag.  5  a  36  dos  Annaes  das  Sciencias 
e  Letras,  afastando-se  algum  tanto  da  opi- 
nião eommum,  tracta  o  prelado  com  mais 
desabrimento,  e  rebaixando  os  quilates  do 
seu  mérito,  julga  excessivos  os  louvores  que 
outros  lhe  teem  prodigalisado.» 

Respeitamos  muito  a  opinião  do  sr.  Lopes 
de  Mendonça,  mas  tem  mais  peso  a  de  Ale- 
xandre Herculano. 

Na  interessante  Memoria  sobre  a  vida  de 
D.  Francisco  Alexandre  Lobo,  etc.  por  Fran- 
cisco Eleuiherio  de  Faria  e  Mello,  1844,  (V.) 
se  encontram  muito  copiosas  e  largas  noti- 
cias com  relação  ao  biographado,  seu  con- 
temporâneo e  companheiro  na  emigração. 

78."— D.  José  Joaquim  d' Azevedo  e  Moura, 
3.%  1846-1856. 

Era  deão  em  Évora;— foi  nomeado  bispo 
de  Viseu  pela  rainha  D.  Maria  II,  em  20  de 
setembro  de  1845;— o  papa  Gregorio  XVI  o 
confirmou  em  19  de  janeiro  de  1846;— foi 
sagrado  em  S.  Vicente  de  Fóra  no  dia  29  do 
seguinte  mez  de  março;— tomou  posse  por 
procuração  no  dia  19  de  julho  e  fez  a  sua 
entrada  solemne  em  Viseu  no  dia  27  do 
mesmo  mez  e  anno  de  1846. — Foi  transferi- 
do para  Braga  em  27  de  fevereiro  de  1856; 
— confirmado  por  Pio  IX  em  17  de  julho  do 
mesmo  anno,— e  partiu  de  Viseu  por  Lame- 
go para  Braga  em  4  de  novembro  seguinte. 

Em  1875,  achando-se  adiantado  em  annos, 
pediu  coadjuetor  e,  sendo-lhe  dado  como 
coadjuctor  e  futuro  suecessor  o  arcebispo  de 
Gôâ—D.  João  Chrysostomo  d' Amorim  Pessoa, 
natural  da  villa  de  Cantanhede  e  hoje  (1887) 
arcebispo  resignatario  de  Braga,  partiu  D. 
José  Joaquim  d'Azevedo  e  Moura  em  14  de 
julho  de  1875  para  a  sua  casa  de  Évora,  on- 
de falleeeu  em  27  de  novembro  de  1876.  * 


1  Se  bem  nos  recordamos,  já  antes  de  1875 
lhe  havia  sido  dado  por  coadjutor  e  futuro 
suecessor  D.  José  Maria  da  Silva  Torres, 
egresso  benedictino,  arcebispo  resignatario 
de  Gôa,  doutor  em  theologia  e  professor  de 
philosophia  moral  no  Collegio  das  Artes,  em 
Coimbra;  veiu  porem  de  Gôa  muito  doente 
e  falleeeu  pouco  depois  de  chegar  a  Lisboa. 


VIS 


VIS  i635 


Foi  ura  prelado  extremamente. . .  econo-  í 
mico  6  tanto  que  ao  partir  de  Viseu  não  dei-  i 
xou  no  paço  coisa  alguma  para  o  seu  sue-  i 
cessor.  ^ 
Mandou  vender  tudo,  inclusivamente  uns  i 
pobres  canários,  pelo  que  ainda  hoje  em  Vi 
seu  é  denominado  Bispo  dos  canários.  ^ 

79.°— D.  José  Manuel  de  Lemos,  4."  do  no- 
me, 1856-1858. 

Foi  dr.  de  capello,  lente  de  theologia  e 
viee-reitor  na  Universidade  de  Coimbra,  on- 
de governou  também  algum  tempo  a  diocese 
como  vigário  capitular;— em  25  d'outubro 
de  1853  foi  nomeado  bispo  de  Bragança;— 
em  5  de  março  de  1856  foi  transferido  para 
Viseu,  aoode  chegou  no  dia  31  d'outubro  e 
fez  a  sua  entrada  solemne  em  6  de  novem- 
bro do  mesmo  anno  de  1856. 

Do  bispado  de  Viseu  foi  transferido  para 
o  de  Coimbra  em  23  d'abril  de  1858;— foi 
confirmada  a  sua  transferencia  por  Pio  IX 
em  27  de  setembro  e  deixou  Viseu  em  22  de 
novembro  do  mesmo  anno  de  1858.  Final- 
mente falleeeu  em  Coimbra  às  11  horas  da 
noite  do  dia  26  de  março  de  1870,  havendo 
completado  79  annos  no  dia  17  do  dieto  mez, 
pois  nasceu  na  aldeia  de  Ruriz,  freguezia  de 
S.  Mamede  de  Troviscoso,  concelho  de  Mon- 
sâo,  distrieto  de  Vianna,  areyprestado  de 
Valença,  no  dia  17  de  março  de  1791,— e  fo- 
ram seus  paes  Manoel  José  de  Lemos  e  Ma- 
ria Luisa  Fernandes,  como  prova  a  certidão 
seguinte,  extrahida  de  um  dos  livros  findos 
d'aquella  parochia,  fl.  178. 
Eil-a: 

tJosé  Manoel,  filho  legitimo  de  Manuel  José 
de  Lemos  e  de  sua  mulher  Maria  Luisa  Fer- 
nando?, do  logar  de  Ruriz,  d'esta  freguezia, 
de  S.  Mamede  de  Troviscoso,  termo  de  Mon- 


A  D.  José  Maria  da  Silva  Torres  succedeu 
no  arcebispado  de  Gôa  D.  João  Chrysostomo 
e  esiH  mesmo,  regressando  da  índia,  passa- 
dos alguns  annos,  succedeu  ao  arcebispo  de 
Braga  D.  José  Joaquim  d'Azevedo  e  Moura. 

1  Nascíu  em  Alfandega  da  Fé  no  dia  18 
d'outubro  de  1794;— foi  ministro  dos  negó- 
cios ecelesiastieos  e  da  justiça  por  decreto  de 
21  de  fevereiro  de  1848— e  exonerado  por 
decreto  de  29  de  março  do  anno  seguinte. 


são,  neto  pela  parte  paterna  de  Vasco  de  Le- 
mos e  de  sua  mulher  Joanna  de  Faria,  e  pela 
materna  de  João  Fernandes  e  de  sua  mulher 
Francisca  Luisa  Rodrigues,  todos  do  logar 
de  Ruriz,  d'esta  freguezia  de  S.  Mamede  de 
Troviscoso,  nasceu  aos  dezesete  dias  do  mez 
de  março  do  anno  de  mil  setecentos  noventa 
e  um  e  foi  baptisado  aos  dezenove  dias  do 
mesmo  mez  de  março  do  dicto  anno  por  mim 

0  reitor  Luiz  Manuel  Soares  de  Brito,  e  lhe 
puz  os  santos  óleos.  Foram  padrinhos  Ma- 
nuel Fernandes,  solteiro,  do  logar  de  Ruriz, 
e  Marianna  Rodrigues,  do  logar  de  Cristello, 
todos  d'esta  freguezia  de  S.  Mamede,  estan- 
do presentes  por  testemunhas  Francisco 
de  Passos,  do  logar  da  Igreja,  e  Antonio  Jesé 
de  Lemos,  do  logar  de  Ruriz,  todos  d 'esta 
freguezia,  e  para  a  todo  o  tempo  constar  fiz 
este  assento  no  mesmo  dia,  mez  e  anno.  Era 
ut  supra.  O  reitor  Luiz  Manuel  Soares  de 
Brito,— Francisco  de  Passos,— Antonio  José 
de  Lemos.— E  não  contem  mais  o  dicto  as- 
sento e  ao  próprio  livro  me  reporto.  Valença 
30  de  março  de  1812.  E  eu  Joaquim  Luiz 
Pinto  de  Sousa  e  Azevedo,  ajudante  dos  li- 
vros findos,  que  o  escrevi  e  assignei.  Joa- 
quim Luiz  Pinto  de  Sousa  e  Azevedo.» 

Fez  o  seu  curso  de  humanidades— latim, 
lógica  e  rethoriea,— nas  aulas  dos  congrega- 
dos do  Oratório,  de  Monsão;— em  1815  foi 
para  Évora  como  secretario  do  arcebispo  D. 
Fr.  Joaquim  de  Santa  Clara;— vivendo  ainda 
este  prelado  e  achando-se  na  sua  companhia, 
recebeu  as  ordens  de  presbylero  em  Lisboa 
no  dia  24  de  junho  de  1816— e  cora  o  mes- 
mo prelado  se  conservou  até  á  sua  morte, 
merecendo  que  o  cabido  d'Evora  lhe  passas- 
se em  1818  um  attestado  dos  seus  serviços 
muito  honroso. 

No  mesmo  anno  de  1818  matriculou-se  em 
theologia  na  Universidade  de  Coimbra  e  na 
mesma  faculdade  se  doutorou  em  3  d'outu- 
bro  de  1824,  passando  em  seguida  a  paro- 
ehiar  a  egreja  de  Castello  Viegas,  concelho  e 
bispado  de  Coimbra,  a  qual  era  da  apresen- 
tação da  universidade,- e  ali  se  conservou 
sempre  estimado  pelos  seus  paroehianos  até 
que  em  1828,  por  ser  tido  como  liberal,  teve 

1  de  retirar-se  para  Lisboa. 


1636  VIS 


VIS 


Em  junho  de  i834  foi  nomeado  governa- 
dor temporal  e  vigário  eapitular  do  bispado 
"  de  Piniiel,  d'onde  se  ausentou  por  falta  de 
saúde  em  1835,  regressando  a  Coimbra,  on- 
de foi  logo  nomeado  professor  proprietário 
da  cadeira  de  grego  do  Collegio  das  Ar- 
tes. 

Em  setembro  de  1836  foi  nomeado  gover- 
nador temporal  e  vigário  capitular  do  bis- 
pado de  Coimbra,— commissão  que  desem- 
penhou até  agosto  de  1842,  passando  então 
a  reger  na  universidade  uma  cadeira  de  theo- 
logia,  na  qual  havia  sido  provido  em  1840, 
— e  em  1844  passou  a  lente  cathedratico. 

Em  1843  foi  nomeado  deão  da  Sé  de  Coim- 
bra—e em  18  d'abril  de  1850  vogal  do  con- 
selho d'instrueção  publica. 

No  fim  de  1851  foi  nomeado  viee-reitor  da 
Universidade,  cargo  que  exerceu  até  1854. 
sendo  por  essa  oceasião  agraciado  com  a 
commenda  de  Nossa  Senhora  da  Conceição 
de  Villa  Viçosa,  havendo  já  sido  agraciado 
em  1853  com  a  carta  de  conselho,  etc. 

Terminaremos  dizendo  que  foi  nosso  pre- 
lado na  universidade  desde  1851  até  1854— 
6  que  desde  então  até  1856,  data  da  nossa 
formatura,  foi  prelado  da  universidade  o 
nosso  patrício  e  bom  amigo,  o  sr.  dr.  José 
Ernesto  de  Carvalho  e  Rego,  que  Deus  haja. 

80.°— D.  José  Xavier  da  Cerveira  e  Sousa, 
6.0,  1859-1862. 

Era  natural  da  freguezia  de  Mogofores, 
concelho  e  comarca  da  Anadia,  distrieto  de 
Aveiro; — foi  dr.  de  capello  e  lente  de  theo- 
logia  na  Universidade  de  Coimbra;— eleito 
bispo  do  Funchal,  capital  da  ilha  da  Madei- 
ra, em  14  de  junho  de  1843;— transferido 
para  o  bispado  de  Beja  por  decreto  de  18  de 
abril  de  1849,  d'onde  foi  transferido  para 
Viseu,  era  1859,  chegando  a  esta  cidade  em 
5  de  outubro  e  fazendo  n'ella  a  sua  entrada 
solemne  em  23  do  dicto  mez  e  anno  de 
1859. 

Este  prelado,  querendo  que  o  seu  clero 
vestisse  com  a  decência  própria  do  seu  es-  i 
tado,  prescreveu-lhe  certa  ordem  de  traje, 
mas  o  clero  recalcitrou  f  Desobedeceram-lhe 
muitos  ecclesiasticos,  incluindo  alguns  dos 
seus  familiares,  pelo  que  abandonou  a  dio- 
cese 6  se  recolheu  á  sua  casa  de  Mogofores, 


onde  falleceu  ralado  de  tribulações  e  desgos- 
tos no  dia  15  de  março  de  1862. 

81." — D.  Antonio  Alves  Martins,  i.°  do  no- 
me, 1862-1882. 

Nasceu  na  pequena  aldeia  da  Granja,  fre- 
guezia, concelho  e  comarca  d'Alijó  em  Traz- 
os-Montes,  no  dia  10  de  fevereiro  de  1808. 

Foi  religioso  da  3.»  ordem  de  S.  Francisco 
da  penitencia  ou  dos  borras,  na  qual  profes- 
sou a  21  de  maio  de  1825;— matriculou  se 
np  1.»  anno  iheologico  na  Universidade  de 
Coimbra  em  1827-1828;— em  virtude  das 
occorrencias  politicas  (acclamação  de  D.  Mi- 
guel) que  ao  tempo  occorreram,  fechou-se  a 
Universidade  em  1828-1829,  pelo  que  o 
nosso  biographado  teve  de  frequentar  o  2.» 
anno  -iheologico  em  1829  a  1830— e  o  3.»  em 
1830  a  1831,  sendo  sempre  estudante  dis- 
tineto. 

Rebentando  a  guerra  civil,  fechou-se  ou- 
tra vez  a  Universidade  em  1832  e  elle  adhe- 
riu  á  revolução  contrá  D.  Miguel;— abando- 
nou o  convento,  fez  parte  d'uma  guerrilha 
liberal— e  certo  dia  foi  com  outros  compa- 
nheiros aprisionado  cora  as  armas  na  mão 
pelas  tropas  de  D,  Miguel  e  conduzido  para 
Viseu  para  ser  julgado  pela  commissão  de 
guerra  ali  ao  tempo  installada,  e  que  por 
certo  o  fuzilaria,  como  fuzilou  por  igual  mo- 
tivo outros  desgraçados;  mas  elle  por  fortu- 
na pôde  seduzir  o  commandante  da  escolta; 
—fugiram  todos  para  o  Porto,  onde  já  esta- 
va D.  Pedro, — ali  assentou  praça  e  serviu 
durante  o  cerco. 

Em  1834,  depois  da  convenção  d'Evora 
Monte,  abrindo-se  novamente  a  Universida- 
de, voltou  para  Coimbra,  mas,  vendo  que 
todos  abandonaram  a  faculdade  de  theolo- 
gia*  matriculou-se  no  1.»  anno  mathema- 
tico! 

Em  1835  voltou  para  a  faculdade  de  theo- 
logia  e  n'ella  concluiu  com  muita  distincção 
a  formatura  em  1837. 


*  Em  1828  frequentaram  a  faculdade  de 
lheologia  56  alumnos— eem  outubro  de  1834 
apenas  se  matriculou  na  dieta  faculdade  1 
aiumuo  brazileiro,  natural  do  Maranhão, — 
e  este  no  1."  anno,  ficando  todas  as  outras 
aulas  desertas  I . . . 


VIS 


VIS  1637 


Foi  com  estes  dados  que  elle  entrou  na  j 
vida  publica,  atravessando  as  maiores  per- 
turbações politicas  d'e8ie  século,  pelo  que 
até  baixar  ao  tumulo  não  pôde  eximir-se  á 
influencia  da  politica.  Por  causa  d'ella  esteve 
prestes  a  ser  fusilado  em  Viseu  em  1832;— 
durante  o  cerco  do  Porto  viu  a  sepultura 
aberta  muitas  vezes— e  mesmo  depois  de  ser 
prelado  a  politica  o  expoz  a  censuras  e  des- 
gostos, pois  até  que  baixou  ao  tumulo  em 
1882  tomou  sempre  parte  na  politica  mili- 
tante do  nosso  paiz, — já  como  escriptor  pu- 
blico e  redactor  de  diversos  periódicos,— já 
como  deputado  e  par  do  reino,— já  como  mi- 
nistro e  presidente  de  ministros. 

Se  não  fôra  a  nefasta  influencia  da  poli- 
tica ou  do  meio  em  que  nasce»  e  viveu,  se- 
ria com  toda  a  certeza  um  dos  nossos  pre- 
lados mais  distinetos  e  beneméritos,  pois  ti- 
nha, um  coração  d'ouro  e  sentimentos  nobi- 
líssimos;—eramuitoillustrado,  muito  enérgi- 
co, e  dotado  da  maior  exempção  muito  es- 
moler e  muito  amigo  dos  seus  parentes,  a 
quem  protegeu  e  amparou  como  pae,  edu- 
cando e  formando  os  sobrinhos,  etc,  pois 
infelizmente  a  sua  familia  era  pobre— e  po- 
bre morreu  o  nosso  biographado,  tendo  sido 
cónego  em  Lisboa,  enfermeiro  mór  do  hos- 
pital de  S.  José,  bispo  de  Viseu  20  annos, 
ministro  doestado  e  presidente  de  ministros* 
— cargos  em  que  outros  teem  feito  boas  fortu- 
nas!... 


1  Nunca  acceitou  nem  collou  parocho  al- 
gum nomeado  pelo  governo  contra  as  suas 
indicações — e  em  junho  de  1867,  indo  com 
485  bispos  a  Roma  assistir  às  grandes  fes- 
tas do  XVIII  centenário  dos  apóstolos  S.  Pe- 
dro e  S.  Paulo  e  á  canonisação  de  vários 
santos,  a  convite  do  papa  Pio  IX,  todos  os 
prelados  dirigiram  a  S.  Santidade  uma  men- 
sagem, protestando  pela  necessidade  do  po- 
der temporal  do  papa  e  todos  a  assignaram 
— menos  o  bis^po  de  Vigeu  D.  Antonio  Alves 
Martins,  a  despeito  das  instancias  dos  seus 
collegas,— sfindo  um  dos  mais  pobres  entre 
os  485  bispos  que  ao  tempo  ali  se  achavam 
reunidos?!  .. 

Se  fosse  mais  ambicioso  e  aspirasse  como 
outros  a  mitras  mais  rendosas,  promptamen- 
te  subscreveria. 

Praticou  outros  muitos  factos  que  revelam 
igualmente  a  sua  rara  exempção. 


E  note-se  que  viveu  sempre  com  a  maior 
singelesa,  sem  fausto  nem  apparato  algum. 

Dava  tudo  aos  pobres  e  aos  seus  parentes 
—que  pobres  eram  também.  E  não  se  ima- 
gine que  deixou  os  parentes  ricos.  Nós  já 
estivemes  em  Alijó  e  na  Granja  e  lá  vimos 
a  sua  modesta  casa  e  o  seu  modesto  mauzo- 
leu  no  cemitério  publico  da  villa,  ouvindo 
a  lodos  fallar  com  profundo  respeito  da  me- 
moria do  Snado,  lecendo-lhe  os  maiores  elo- 
gios. Também  por  acaso  em  1882  assistimos 
ás  suas  exéquias  em  Viseu  e  notámos  sin- 
cera dôr  em  gregos  e  troianos,— amigos  e 
adversários  políticos  do  venerando  prelado. 

Correm  impressas  muitas  biographias  de 
s.  ex.«  e  por  isso  nos  limitaremos  a  indicar 
alguns  tópicos: 

Concluída  a  sua  formatura,  foi  professor 
de  historia  e  geographia  no  lyceu  nacional 
do  Porto,— deputado  em  varias  legislaturas, 
■—cónego  na  p.atriarchal,— enfermeiro  mór 
do  hospital  de  S.  José,— collaborador  e  re- 
dactor de  diíTerentes  jornaes  políticos  e  lit- 
terarios  do  Porto  e  de  Lisboa,  nomeadamente 
da  Esperança,  do  Nacional  e  do  Primeiro  de 
Janeiro,  que  ainda  hoje  (1887)  se  publica  no 
Porto. 

Foi  também  distineto  orador  sagrado  e 
tribunieio.  D'elle  correra  impressos  alguns 
sermões  e  na  camará  dos  deputados  pronun- 
ciou um  magnifico  discurso  em  favor  das 
Irmãs  da  Caridade,  quando  Lisboa  inteira  e 
todos  08  outros  deputados  lhes  fizeram  crua 
guerra. 

Foi  nomeado  bispo  de  Viseu  em  julho  de 
1862  e  confirmado  por  Pio  IX  era  25  de  se- 
tembro do  mesmo  anno; — tomou  posse  por 
procuração  em  7  de  novembro  seguinte;— 
chegou  a  Viseu  em  25  de  janeiro  de  1863, 
poisando  no  paço  de  Fontello;— fez  a  sua  en- 
trada aolemne  em  29  do  mesmo  mez;— fal- 
ieceu  no  dicto  paço  de  Fontello  ás  8  horas 
da  manhã  de  5  de  fevereiro  de  1882— e  a  18 
de  março  do  mesmo  anno  rss  seus  restos 
mortaes  foram  trasladados  para  o  cemitério 
publico  da  Villa  d'Alijó,  onde  repousam  em 
um  modesto  mauzoleu. 

Foi  também  ministro  e  presidente  de  mi- 


1638  VIS 


VIS 


nistros,  como  já  dissemos,  e  com  tanta  abne- 
gação, tanta  dignidade,  tanto  desinteresse  e 
tanto  patriotismo  que,  longe  de  querer  lo- 
cupletar-se,  e  aos  seus  parentes,  dando-lhes 
collocações  e  commissòes  rendosas,  como 
teem  feito  outro»  ministros,  não  eolioeou  um 
só,  e  vendo  as  finanças  publicas  em  mau  es- 
tado, principiou  por  fazer  uma  importante 
dedueção  nos  vencimentos  de  todos  osfunc- 
cionarios,  sem  exceptuar  os  bispos  e  o  clero, 
pelo  que  elle  também  ficou  soíTrendo  a  de- 
dução como  bispo  e  como  ministro  de  estado, 
— e  ficou  muito  satisfeito,  mas  todos  os  ou- 
tros funceionarios,  incluindo  os  seus  amigos 
políticos,  ficaram  descontentes  e  no  primeiro 
ensejo  se  desfizeram  d'elle. 

Eram  todos  muito  patriotas,  mas  como  os 
do  baixo  império,  que  deram  curso  à  bem 
conhecida  phrase: 

Bem,  rem,  quomodocumque  rem ! . . . 

No  Dicctonario  Bibliographico  de  Innocen- 
cio  pode  ver-se  a  lista  das  suas  obras. 

82.°— D.  José  Dias  Correia  de  Carvalho, 
6."  do  nome,  1883-  

É  o  bispo  actual. 

Nasceu  na  villa  de  Canellas,  hoje  simples 
aldeia  da  freguezia  de  Poiares,  concelho  e 
comarca  da  Regoa,  districto  de  Villa  Real 
em  19  de  dezembro  de  1830  e  foram  seus 
paes— Antonio  Dias  de  Carvalho  e  D.  Maria 
Engrácia  Correia  de  Carvalho. 

Principiou  rn  Porto  os  seus  estudos  com 
destino  á  vida  l  eclesiástica  e  tomou  a  ordem 
de  presbytero  em  1851;— cursou  depois  a 
Universidade  de  Coimbra  e  completou  a  sua 
formatura  na  faculdade  de  theologia  em  22 
de  junho  de  1860  e  na  de  direito  em  23  de 
junho  de  1862,  obtendo  algumas  distincções 
académicas  alem  de  boas  informações  em 
costumes  e  litteralura. 

Em  seguida  foi  para  o  bispado  de  Beja, 
onde  exerceu  a  advocacia  e  regeu  uma  ca- 
deira de  seiencias  eeclesiasticas  no  seminá- 
rio até  junho  de  1871,  sendo  também  ali 
promotor  e  vigário  pro-capitular  da  diocese. 

Em  13  de  março  de  1871  foi  nomeado 
bispo  de  Cabo  Verde,- confirmado  em  6  de 
julho— e  sagrado  em  3  de  setembro  em  Lis- 
boa, na  egreja  de  Santa  Justa. 


Partiu  para  Cabo  Verde  em  5  de  janeiro 
de  1872  e  ali  se  conservou  sem  voltar  ao 
reino  cerca  de  oito  annos,  durante  os  quaes 
prestou  relevantes  serviços  àquella  diocese- 
Poz  termo  ás  dissidências  que  havia  entre 
os  cónegos;— melhorou  os  estudos,  a  disci- 
plina e  as  condições  económicas  do  seminá- 
rio—e  visitou  todas  as  9  ilhas  habitadas  do 
archipelago:— Fogo,  Brava,  Maia,  S.  Thiago, 
Santo  Antão,  Sal,  Boa  Vista,  S.  Nicolau  e  S. 
Vicente. 

Foi  o  1.»  prelado  de  Cabo  Verde  que  visi- 
tou todas  as  egrejas  do  archipelago,  luctando 
com  muitos  discommodos  e  muitas  difflcul- 
dades  per  mar  e  por  terra,  mas  fez  flores- 
cer em  todo  o  bispado  o  culto  religioso,  a 
moral  publica  e  a  disciplina  ecciesiastiea. 

A  dureza  do  clima  e  o  seu  Ímprobo  traba- 
lho apostólico  arruinaram- lhe  a  saúde,  pelo 
que  teve  de  vir  tractar-se  ao  continente,  sem 
descurar  a  administração  do  seu  rebanho. 

Vagando  por  essa  oecasião  differentes  dio- 
ceses do  continente,  foi  indicado  para  a  de 
Portalegre  e  depois  para  a  de  Lisboa,  mas 
por  ultimo  foi  transferido  para  a  de  Viseu» 
sendo  nomeado  em  26  d'abril  de  1883  e  con- 
firmado em  9  d'agosto  do  mesmo  anno.  To- 
mou posse  por  procuração  em  18  de  setem- 
bro e  fez  a  sua  entrada  solemne  em  Viseu 
no  dia  24  d'outubro  do  dicto  anno,  sendo 
muito  bem  recebido  pelo  clero,  nobresa  e 
povo  e  tem  correspondido  até  hoje  á  fama 
que  o  preeedéra. 

As  qualidades  da  sua  alma  realçam  os  do- 
tes do  seu  espirito  sempre  recto,  benévolo  e 
justiceiro. 

Se  a  sua  benevolência  penhora  e  altrahe 
os  que  com  elle  privam,  a  sua  caridade,  a 
sua  tolerância  e  o  seu  animo  bondoso  con- 
solam e  suavisam  os  que  a  elle  recor- 
rem. 

Eis  em  aqui  breves  traços  o  que  è  o  ex.°" 
sr.  D.  José  Dias  Correia  de  Carvalho,  bispo 
actual  de  Viseu,  mas  pôde  ver-se  a  sua  bio- 
graphia  mais  detalhada  e  alindada  no  jornal 
litterario  O  Occidente  e  na  Galeria  Contem- 
porânea,—e  note-se  que  ainda  não  tivemos 
a  honra  de  ver  nem  de  conhecer  pessoal- 
mente a  s.  ex." 


VIS 

Troaxe  de  Cabo  Verde  a  saúde  muito  ar- 
ruinada e,  como  08  facultativos  llie  aconse- 
lhassem ares  e  banhos  de  mar,  comprou  na 
Villa  de  Buarcos,  junto  da  cidade  da  Figuei- 
ra, uma  casa,  onde  costuma  passar  com  a 
sua  família  alguns  mezes. 

A  dieta  casa  foi  dos  Malhias  de  Carvalho^ 
de  Cantanhede,  e  demora  junto  da  egreja  da 
Misericórdia  de  Buarcos.  Era  muito  aniií;a 
e  estava  em  ruinas,  mas  s.  ex.«  restaurou-a 
6  tornou-a  habitável  e  mesmo  confortável' 
Não  tem  bellesas  arehitectonieas,  mas  em 
compensação  tem  vistas  esplendidas  sobre  a 
Villa  6  bahia  de  Buarcos  e  sobre  o  atlântico 
desde  o  Cabo  do  Mondego  a  N.— até  á  Fi- 
gueira, Lavos,  Paião,  Peniche  e  Berlengas, 
distantes  cerca  de  90  kilometros  a  S. 

V.  Buarcos,  Figueira  e  Peniche  n'este  dic- 
cionario  e  no  supplemenio. 

A  isto  se  reduz  o  que  nos  foi  possível 
apurar  com  relação  aos  bispos  de  Viseu.  O 
assumpto  é  vastíssimo  e  nebulosíssimo  \  Po- 
dem apontar-nos  muitos  lapsos,  mas,  se  os 
próprios  censores  tentarem  empresa  seme- 
lhante,—tropeçarão  igualmente  e—rira  bien 
qui  rira  le  dernier  ?  I . . . 

Prosigamos. 

Ainda  a  cidade 
Viação 

Partem  de  Viseu  as  seguintes  estradas  a 
macadam  : 

L^—Real  de  Viseu  a  S.  Pedro  do  Sul, 
Vouzella  e  Estarreja,  onde  entronca  na  li- 
nha férrea  do  Norte. 

É  servida  por  diligencia  diária,  que  parte 
de  Viseu  às  3  Vz  horas  da  tarde  e  chega  ás 
9  da  manhã. 

%*—Real  de  Viseu  a  Lamego  por  S.  Pe- 
dro do  Sul,  sendo  até  ali  commum  à  pri- 
meira. 

Ê  servida  por  diligencia  diária  (correio) 
que  parte  de  Viseu  ás  3  horas  da  tarde  e 
chega  ás  9 1/2  da  manhã. 

3.*— Real  de  Viseu  á  estação  da  Mealhada, 


VIS  1639 

na  linha  férrea  do  Norte,  por  Tondella  e 
Santa  Comba-Dão. 

Teve  diligencia  diária  que  cessou,  depois 
que  se  abriu  ao  transito  a  linha  férrea  da 
Beira  Alta. 

í.'—Real  de  Viseu  a  Celorico  da  Beira, 
por  Mangualde. 

Tem  duas  diligencias  diárias  até  Mangual- 
de;—parlem  ambas  ás  6  V2  da  manhã  e  che- 
gam ás  5  da  tarde,  sendo  uma  d'ellas  cor- 
reio. 

5.  '—Districtal  de  Viseu  a  Ceia  pela  villa 
6  estação  de  Nellas,  onde  corta  a  linha  da 
Beira  Alta. 

Tem  duas  diligencias  diárias  até  á  estação 
de  Nellas:— uma  parte  de  Viseu  ás  4  horas 
e  a  outra  (correio)  ás  11  Ví  da  manhã;— e 
chegam  a  Viseu  uma  d'ellas  á  1  hora  da 
tarde,— a  outra  á  1  da  manhã. 

6.  »—Districtal  de  Viseu  ao  Pinhão  por 
Moimenta  da  Beira,  Taboaço  e  foz  do  Tá- 
vora. 

1.  *— Municipal  de  Viseu  ao  valle  de  Bes- 
teiros. 

Estas  ultimas  duas  estradas  ainda  não  es- 
tão concluídas. 

Quando  fallarmos  do  Dis- 
tricto  de  Viseu,  indicaremos  a 
viação  d'elle  iodo. 

Grandes  proprietários 

Os  6  maiores  proprietários  da  cidade  de 
Viseu  na  actualidade  são  os  seguintes : 
l,o_Qonde  de  Prime. 

2.  »— Heitor  de  Lemos  e  irmãos. 

3.i»_ Viscondessa  de  S.  Caetano— D.  Eu- 
genia Mendes  Viseu. 

4.  » — Visconde  do  Serrado. 

5.  »- Francisco  Antonio  da  Silva  Mendes. 
6.._Viuva  e  filhos  de  Bento  de  Queiroz 

Pinto  d'Athaide. 

Os  6  maiores  proprietários  do  concelho 
de  Viseu,  na  actualidade  também,  são  os  se- 
guintes : 

l.o_Dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça 
Falcão,  residente  na  sua  quinta  de  S.  Sal- 
vador. 

2.»— Francisco  Antonio  da  Silva  Mendes 


1640  VIS 


VIS 


3.  »— Conde  de  Prime. 

4.  »— Bernardo  d'Andrade  e  seu  irmão  Ca- 
millo d' Andrade. 

5.  "— Heitor  de  Lemos, 

6.  »— Jo.sé  Maria  Bandeira  Monteiro  Suba- 
gua,  de  Oliveira  do  Barreiro. 

Com  a  extineção  dos  víncu- 
los e  eom  a  má  administração 
extinguiram-se  ainda  muitore- 
centemente  em  Viseu  algumas 
das  suas  casas  mais  nobres  e 
mais  ricas  I  Não  as  indicamos, 
para  não  aggravarmos  a  dolo- 
rosa situação  dos  seus  aetuaes 
representantes. 

Movimento  jornalístico 

Publicam-se  actualmente  em  Viseu  os  6 
jornaes  seguintes : 

Para  não  melindrarmos  ne- 
nhum, vamos  mencional-os 
pela  ordem  chronologica. 

1.° — Viriato. 

Fundação— 3  d'abril  de  1855. 

É  bi-semanal  e  publiea-se  nas  terças  e 
sextas  feiras. 

i." — Jornal  de  Viseu. 

Fundação— agosto  de  1864. 

É  tri-semanal  e  publica-se  nos  domingos, 
quarta  e  sextas  feiras. 

3." — Liberdade. 

Fundação— 13  de  fevereiro  de  1871. 

Ê  semanal  e  publiea-se  nas  sextas  feiras. 

L^^-Districto  de  Viseu. 

Fundação— 2  de  novembro  de  1879. 

É  bi-semanal  e  publica-se  nos  domingos 
e  quartas  feiras. 

5.» — Independente. 

Fundação— 15  d'outubro  de  1883. 

É  bi-semanal  e  publica-se  nos  domingos 
e  quintas  feiras. 

G.°—Commercio  de  Viseu. 

Fundação— 3  de  julho  de  1886. 

É  bi-semanál  e  publica-se  nos  domingos  e 
quintas  feiras.  j 

Do  exposto  se  vô  que  Viseu  tem  muita  i 


vida,  muitas  pessoas  illustradas  e  muitos  es- 
criptores  públicos. 

Talvez  que  em  Braga  ou  era  Coimbra  se 
não  publique  actualmente  maior  numero  de 
jornaes. 

Também  aqui  recentemente  se  publicou  e 
não  sabemos  se  ainda  hoje  se  publica  o  .4/- 
bum  Visiense,  folio  mensal  com  8  paginas  de 
te:  to  e  4  eom  primorosas  lytographias,  re- 
presentando monumentos  e  pessoas  notáveis 
de  Viseu. 

Era  uma  publicação  esplendida  como  nun- 
ca se  viu  em  Portugal— fóra  de  Lisboa  e  do 
Porto  I . . . 

Foi  seu  director  litterario  o  sr.  Cesar  Au- 
gusto d'Almeidâ— e  seu  director  artístico  o 
sr.  José  d'Almeida  Silva- e  ambos  se  cobri- 
ram de  louros,  pois  tanto  os  desenhos  como 
o  texto  e  a  parte  lytographica  disputavam 
primasias. 

Temos  completo  o  1.»  anno  com  uma  bella 
portada  e  indica  lytographados,  desde  feve- 
reiro de  1884  até  abril  de  1885,  pois  por 
falta  de  papel  próprio  que  a  empresa  man- 
dou expressamente  fabricar,  o  Álbum  inter- 
rompeu a  publicação  nos  mezes  de  maio,  ju- 
nho e  julho. 

Do  2."  anno  temos  apenas  o  1."  numero 
publicado  em  janeiro  de  1886.  Dá  elle  em 
pagina  inteira  um  bello  retrato  do  rev.  có- 
nego José  d' Almeida  Martins— e  nas  outras 
2  paginas  de  desenhos  o  Novo  Hospital  da 
Misericórdia,  do  qual  adiante  fallaremos,— - 
e  uma  das  Cavalhadas  de  S.  João,  já  dea- 
criptas  n'este  artigo,  quando  falíamos  das 
annexas. 

V.  o  tópico  S.  Salvador. 

Os  12  números  do  1."  anno,  alem  de  vá- 
rios artigos  litterarios  em  prosa  e  verso» 
eomprehendem  os  retratos  e  biographias  se- 
guintes : 

—Antonio  d'Almeida  Duque. 

—D.  Antonio  Alves  Martins. 

—Antonio  Casimiro  de  Figueiredo. 

— Padre  Antonio  Duarte  Moura. 

— Dr.  Antonio  Luiz  Dourado. 

— Dr.  Antonio  Nunes  de  Carvalho. 

— Dr.  Duarte  d'Almeida  Loureiro  e  Vas- 
concellos. 


VIS 


ViS  1641 


— Dr.  Eduardo  Correia  d'01iveira. 

— Gonçalo  Pires  Bandeira  da  Gama. 

— João  Gòmes  dos  Samos. 

—João  da  Silva  Mendes. 

—José  Ribeiro  de  Carvalho  e  Silva. 

— Dr.  José  Simões  Dias. 

— Dr.  Manuel  Antonio  Barroso  e 

— Thomaz  Ribeiro, 

Nos  mesmos  12  números  do  dicto  Álbum 
se  encontram  os  desenhos  seguintes: 
— Aguieira 

— Baixo  relevo  da  Sé.  V.  Capella  da  Cruz 

— Casa  onde  nasceu  D.  Duarte. 

— Cava  de  Viriato. 

— Claustros  actuaes  da  Sé.  ^ 

— Convento  de  S.  Francisco  d'Orgens. 

V.  Orgens  no  tópico  Annexas. 

— Um  croquis  de  fantasia  com  o  titulo  Fo- 
lar, como  reclame  à  confeitaria  Santa  Rita, 
que  é  sem  contestação  a  primeira  de  Viseu 
e  demora  na  rua  Direita,  junto  ao  Arco  dús 
Freiras. 

— Egreja  da  ordem  3.'  do  Carme. 

—Egreja  da  ordem  5.»  de  S.  Francisco. 

V.  o  tópico  Egrejas  supra— e  adeante  Or- 
dens terceiras. 

— Estrada  de  Silgueiros. 

Repifsenta  o  formoso  ianço  das  Pedras 
Alçadas,  a  pequena  distancia  de  Viseu,  na 
estrada  reai  a  macadam  n."  8,  de  Viseu  à 
Mealhada  por  Tondeila. 

— Paço  episcopal  de  Fontello. 

É  o  edifido  actual. 

—Antigo  portão  de  entrada  para  o  átrio 
do  dicto  paço. 

— Pórtico  de  entrada  para  a  grande  ave- 
nida do  mesmo  paço. 

Ê  a  mesma  porta  mandada  fazer  peio 
bispo  D.  Gonçalo  Pinheiro  em  1565  e  que 
em  agosto  de  1876  foi  removida,  recuando 


1  Estão  bem  desenhados  e  bem  descriptos, 
mas  o  Álbum  diz  que  foram  feitos  em  1340. 
Foi  lapso,  pois,  como  já  dissemos,  são  muito 
posteriores  e  foram  mandados  fazer  por  D. 
Miguel  da  Silva  no  sec.  xvi. 

V.  o  tópico  supra,  relativo  á  Cathedral. 

2  Este  portão  já  não  existe.  Era  ogival  e 
foi  demolido  ha  annos,  bem  como  a  parede, 
espécie  de  torre,  em  que  se  abria. 


9'",5  para  dentro  da  grande  avenida,  como 
já  dissemos. 

V.  no  nosso  Catalogo  dos  bispos  visienses 
o  tópico  relativo  a  D.  Gonçalo  Pinheiro. 

—  Egreja  da  Misericórdia  e  suas  depen- 
dências. 

D*ella  já  falíamos. e  volveremos  a  fallar 
adiante. 
— Órgão  modelo. 

Descreve  um  órgão  de  sala,  invenção  do 
rev.  Antonio  Duarte  Moura,  de  quem  falla- 
remos  no  tópico  Visienses  illustres. 

— Pelicano  da  Sé  de  Viseu. 

Representa  uma  ave  de  bronze  antiquia- 
sima  6  primorosamente  cinzelada,  que  esteve 
durante  séculos  na  grimpa  da  torre  do  reló- 
gio e  que  está  hoje  servindo  de  estante  na 
Capella  mór  da  Sé. 

V.  Pelicano,  infra. 

— Praça  de  Camões. 

—Praça  2  de  Maio, 

V.  o  tópico  supra— Lar</os,  Praças  &  ruas. 
— Seminário. 

Representa  o  Seminário  actual,  que  foi  o 
convento  dos  Nerys. 
D'elle  fallaremos  adiante. 

—  Via  Sacra. 

Representa  em  uma  formosa  paisagem  a 
pequena  egreja  de  S.  Francisco  extra-mu- 
ros,  de  que  já  fizemos  menção. 

V.  Via  Sacra. 

A  todos  quantos  presam  as  boas  lettras  e 
as  bellas  artes  recommendamos  o  Álbum  Vú 
siense. 

Pôde  servir  de  modélo  ás  publicações 
d'e8ta  ordem. 
Prosigamos. 

Clubs  e  casas  dhnstrucção  e  recreio 

—Grémio  de  Viseu. 

—Monte  pio  filantrópico  dos  artistas. 

— Club  instrueção  e  recreio. 

— Associação  dos  Bombeiros  voluntários. 

Collegios  particulares 

Senhor  da  Boa  Fortuna. 
Demora  no  bairro  da  Ribeira  e  é  muito 
dignamente  dirigido  pelo  sr.  Antonio  Lopes 


1642  VIS 

d'Almeida,  que  também  é  profes8or  do  mes- 
mo collegío. 

Aulas  officiaes  de  instrucção  primaria 

Tem  a  cidade  4, — duas  para  o  sexo  mas- 
culino,— duas  para  o  sexo  feminino — e  um 
curso  nocturno,  que  é  único  em  todo  o  dis- 
tricto,  sustentado  pela  camará  municipal  e 
pelo  benemérito  cidadão  José  Ribeiro  de  Car- 
valho, residente  no  império  do  Brazil. 

É  Viseu  também  a  sede  da  6."  circum- 
sçripção  escolar  dMnstrucçào  primaria,  que 
eomprehende  todo  o  districto  e  está  dividi- 
da em  4  círculos  escolares  : 

— O  i.»  tem  a  sua  ?éde  em  Viseu  e  eom- 
prehende os  concelhos  de  Mangualde,  Oli- 
veira de  Frades,  Penalva  do  Castello,  S.  Pe- 
dro do  Sul,  Viseu  e  Vouzella. 

—O  2.»  tem  a  séde  em  Lamego  e  eompre- 
hende 03  concelhos  de  Armamar,  Castro 
d'Ayre,  Lamego,  Mondim  da  Beira,  Resen- 
de, Sinfães  e  Tarouca. 

—O  3."  tem  a  séde  na  villa  de  S.  João  da 
Pesqueira  e  eomprehende  os  concelhos  de 
Fraguas,  Moimenta  da  Beira,  Penedono,  Pes- 
queira, Sattam,  Sernancelhe  e  Taboaço. 

—O  4."  tem  a  séde  em  Tondella  e  eompre- 
hende os  concelhos  de  Carregal  do  Sal,  Mor- 
tágua, Nellas,  Santa  Comba  Dão,  S.  João 
d'Areias  e  Tondella. 

É  muito  digno  inspector  do  1.»  circulo  e 
de  toda  a  circumscripção  o  sr.  dr.  Joaquim 
José  d'Andrade  e  Silva. 

É  sub-inspeclor  do  2.°  circulo  Bento  José 
da  Costa;— do  3."  circulo  Antonio  de  Sousa 
Guerra;— do  4.»  circulo  Antonio  Albino  de 
Carvalho  Mourão. 

Escolas  publicas  de  toda  a  circumscripção 
em  agosto  do  corrente  anno  de  i887  : 


Elementares  (sexo  masculino)   272 

<"        (    »   feminino)   115 

Elementares   complementares  (sexo 

masculino)   15 

Dietas  do  sexo  feminino   7 

Escolas  mixtas   10 

Total  das  escolas   419 


VIS 

Escolas  particulares  de  toda  a  circum- 
scripção : 


Sexo  masculino   28 

t   feminino   19 

Total  das  particulares   47 

Total  geral   466 

Alumnos  recenseados  no  ultimo  anno  em 
toda  a  circumscripção  : 

Sexo  masculino   19:318 

»   feminino   9:919 

Total   29:237 

Alumnos  matriculados  nas  escolas  publi- 
cas: 

Sexo  masculino   13:516 

»   feminino  ,   5.293 

Total   18:809 

Nas  escolas  particulares : 

Sexo  masculino  .'  977 

»    feminino   484 

Total   1:461 


Total  geral  dos  alumnos  matricula- 
dos nas  escolas  publicas  e  particu- 
lares de  toda  a  6."  circumscripção 
ou  de  todo  o  districto  de  Viseu. .  20:270 

Alumnos  d'ambo3  os  sexos  que  fize- 
ram exame  no  corrente  anno  de 
1887   453 

Ficaram  approvados   377 

Adiados   76 

O  numero  dos  propostos  para  exame  foi 
maior,  mas  alguns  faltaram  á  chamada  e  não 
fizeram  exame. 

Com  as  ultimas  reformas  a  instrucção  pri- 
maria tem  progredido  e  melhorado  consi- 
deravelmente. 

O  ensino  obrigatório  foi  decretado,  mas 
não  está  em  execução,  porque  este  depende 
de  muitas  entidades,  a  maior  parle  das  quaes 


VIS 


VIS  1643 


descura  os  seus  deveres;  ainda  assim  a  6.' 
circumscripQão  é  uma  das  que  tem  progre- 
dido mais  n'esta  parte,  como  provam  os  al- 
garismos supra  e  o  grande  numero  d*e8co- 
las  recentemente  ereadas  por  iniciativa  do 
seu  benemérito  inspector. 
* 

Instrucção  secundaria 
Lyceu 

Tem  esta  cidade  um  lyceu  de  1.»  classe. 
O  seu  movimento  no  anno  de  1886  a  1887 
foi  o  seguinte  : 


Disciplinas 

Aiuninos 

matriculados 

.  90, 

29 

Franeez— 1.°  anno  

29 

2."  .   

23 

32 

»         2°  » 

27 

S.»   »  . 

20 

•          4.»   »  . 

1 

5.°  >.   

15 

20 

15 

1 

16 

9 

Iniroducção— 3.»  anno  

22 

13 

5.»  .   

17 

17 

10 

16 

.         6.»  i   

1 

357 

  9 

  357 

Também  ha  na  cidade  diíTerentes  profes- 
sores particulares  que  leccionam  as  disci- 
plinas do  lyceu;— o  Club  Instrucção  e  Re- 
creio tem  para  os  seus  sócios  aulas  de  por- 
tuguez  e  franeez — e  o  Collegio  do  Senhor  da 


Boa  Fortuna  e  o  Seminário  episcopal  tam- 
bém leccionam  muitas  das  disciplinas  do  ly- 
ceu. 

Instrucção  superior 
e 

Seminário 

Em  virtude  das  disposições  do  concilio  de 
Trento,  que  em  1563  ordenou  a  creação  dos 
seminários  em  todas  as  dioceses,  D.  Nuno 
de  Noronha,  sendo  feito  bispo  de  Viseu  em 
1586  e  não  encontrando  ainda  aqui  seminá- 
rio, tractou  logo  de  o  crear  no  seu  próprio 
palácio  (o  Paço  dos  S  escalões,  ou  da  Sé)  • 
lhe  deu  estatutos  em  1587. 

Ali  funceionou  o  seminário  6  annos,  mas, 
conhecendo  o  mesmo  prelado  a  instante  ne- 
cessidade de  um  edifieio  próprio  esufBcien- 
temente  espaçoso  para  tal  estabelecimento^ 
resolveu  construil-o,  prolongando  para  N.  O, 
o  seu  palácio  da  Sé.  Inaugurou  solemne- 
mente  as  ohras,  benzendo  e  lançando-lhes  a 
primeira  pedra,  no  domingo  do  Espirito  San- 
to, 6  de  junho  de  1593,  e  deu-lhes  grande 
desenvolvimento,  mas  não  as  concluiu  por 
ser  em  1594  transferido  para  a  diocese  da 
Guarda,  pelo  que  D.  Fr.  Antonio  de  Sousa, 
seu  successor  as  continuou.  Também  este 
prelado  não  pôde  concluil-as  e  n'ellas  des- 
penderam grandes  sommas  alguns  dos  seus 
successores,  nomeadamente  D.  João  de  Bra- 
gança e  D.  João  Manuel,  mas  ainda  no  tem- 
po do  dr.  Manuel  Botelho  Ribeiro  (1630  a 
1636)  ainda  não  estavam  de  todo  concluídas, 
como  elle  próprio  diz  nos  seus  Diálogos,  fal- 
laodo  do  bispo  D.  Nuno  de  Noronha. 

Veja-se  também  o  que  dissemos  d'estes  3 
prelados  supra,  no.  nosso  Catalogo  dos  bis- 
pos visienses. 

Funceionou  pois  o  seminário  de  Viseu — 
primeiramente  no  Paço  Episcopal  da  Sé; — 
depois  no  edifício  denominado  Collegio,  con- 
tíguo âo  dicto  paço;— em  virtude  do  incên- 
dio que  no  dia  14  de  julho  de  1716,  pelas  8 
horas  da  manhã,  devorou  parte  do  Paço 
Episcopal  da  Sé  e  do  edifício  do  Collegio  ou 
Seminário,  1  foi  este  (segundo  se  suppõe) 


1  O  numero  dos  alumnos  é  menor,  porque 
alguns  frequentam  differentes  disciplinas. 


1  É  isto  o  que  se  lê  nos  apontamentos  que 


1644  VIS 


VJS 


transferido  para  os  baixos  do  Paço  de  Fon- 
tello,  mas,  apenas  se  repararam  os  estragos 
que  o  incêndio  causou,  volveu  o  Seminário 
para  o  edifício  do  Collegio  e  ali  se  conser- 
vou alé  que  em  1824  se  transferiu  para  o 
convento  dos  Nerys,  onde  tem  funccionado 
até  hoje  ^ 

D.  Nuno  de  Noronha  não  só  deu  princi- 
pio ao  Seminário,  mas  creou-lhe  o  seu  pri 
meiro  património,  impondo,  em  conformi. 
dade  com  o  espirito  do  concilio  de  Trento^ 
uma  collecta  sobre  todos  os  bens  ecclesias- 
ticos  do  bispado,  comprehendendo  os  reddi- 
tos  das  mesas  pontifical  e  capitular,  dos  be- 
neficies, commendas  e  conventos. 

Foi  a  dieta  collecta  o  fundo  primitivo  do 
seminário  e  o  mesmo  prelado,  conforman- 
do-se  com  as  circumstancias  do  tempo,  es- 
tabeleceu nVlIe  3  aulas  de  laiim  para  os  di- 
versos graus  dus  alumnos,— outra  de  canto 
— e  outra  de  lheologia  moral. 

Foi  este  o  quadro  dos  seus  estudos  du- 
rante o  longo  período  de  206  annos,  ou  des- 
de 1587  até  1793,  data  era  que  o  bispo  D. 
Francisco  Monteiro  Pereira  d'Azevedo,  re- 
conhecendo a  necessidade  de  melhorar  a 
instrueção  do  clero,  estabeleceu  e  inaugurou 
no  mez  d'abril  as  aulas  de  Instituições  canó- 
nicas e  cathecismo.  Supprimiu  depois  e^ta 
ultima  e  em  outubro  (h  1796  creou  as  de 
historia  ecclesiastica  e  íheologia  dogmutica^ 
— Em  1771,  não  tendo  ainda  o  seminário  ou- 
tras rendas  alem  da  mencionada  collecta, 


recebi  da  camará  ecclesiastica  de  Vispu,  mas 
o  padre  Leonardo  de  Sousa  no  seu  interes- 
santíssimo Catalogo,  apenas  menciona  dois 
grandes  desastres  no  Collegio  e  no  Paço  Epis- 
copal da  Sé  durante  o  pontificado  do  santo 
bispo  D.  Jeronymo  Soares  (1694  a  1720):— 

1.  »  um  raio  que  em  1710  cahiu  na  torre 
dos  sinos  e  fez  grandes  destroços  na  mes- 
ma, no  Collegio  e  no  Paço  episcopal,  etc. — 

2.  "  um  incêndio  que  em  1713  (?)  se  manifes- 
tou na  cosinha  do  Paço  episcopal  e  devorou 
grande  parte  d'elle. 

V.  o  que  dissemos  de  D.  Jeronymo  Soares 
DO  nosso  Catalogo  dos  bispos  visienses. 

1  V.  o  tópico  inkai— Conventos. 

Note  se  lambem  que  o  Seminário  outr*ora 
denominava- se  Collegio,  nome  que  ainda  hoje 
conserva  o  edifício  onde  esteve  até  1824. 


'  pelo  que  luctava  com  grande  falta  de  meios, 
I  fui  reduzido  o  tempo  lectivo  e  o  da  residen- 
I  ciâ  dos  alumnos.  D.  Francisco  Mendo  Tri- 
I  goso,  para  remediar  este  inconvenieuie,  não 
j  só  reedificou  á  sua  custa  as  cellas  e  o  refei- 
I  tório,  mas  deu  para*  fundo  do  Seminário  a 
I  quantia  de  4:800^0000  réis,  por  escripiura  de 
16  de  dezembro  de  1771,  e  depois  mais  réis 
400^000,  por  escriptura  de  26  de  julho  de 
1773, — fundo  abençoado,  pois  com  o  decor- 
rer do  tempo  cresceu  de  modo  que  em  julho 
de  1808  já  subia  à  importante  sonima  de 
20:648M00réis?!... 

Varias  causas  contribuíram  para  este  au- 
graento,  sendo  uma  d'ellas  a  generosidade 
do  bispo  D.  Francisco  Monteiro  Pereira  de 
Azevedo,  que  alé  1816  pagou  pelas  rendas 
da  mitra  os  vencimentos  dos  professores  das 
aulas  por  elie  estabelecidas,  e  outras  despe- 
zas. 

O  edificio  do  Seminário  ou  Collegio,  prin- 
cipiado por  D.  Nuno  de  Noronha  e  conti- 
nuado pelus  bispos  seus  successores,  é  vasto 
e  caro,  pois  as  suas  paredes  são  muito  soli- 
das (ainda  hoje  desafiam  os  séculos,  contan- 
do cerca  de  300  annos)  e  todas  de  bella  can- 
taria de  granito,  mas  nào  tinha  a  VH^tidão  e 
accommodações  precisas  p;ira  s^eminario  da 
diocese  n.'a  actualidade,  pelo  que  no  outono 
de  1823  a  congregação  do  Oratório  de  S.  Fi- 
lippe  Nery  de  Viseu,  conhecendo  airapossi 
bilidade  de  continuar  a  subsistir  por  falta  de 
gente  e  de  recursos '  e  tendo  em  considera- 
ção as  avultadas  qtiantias  que  os  prelados 
de  Viseu,  nomeadamente  D.  Julio  Francisco 
d' Oliveira^,  haviam  dado  para  a  edificação 
do  seu  convento,  oífereceram-no  com  os  fun- 
dos d'elle  ao  bispo  D.  Francisco  Alexandre 
Lobo,  para  Seminário  diocesano.  Em  14  de 
junho  de  1824  se  fez  a  escriptura  da  ceden- 


1  Contava  então  apenas  4  padres:— o  pre- 
posito  Bernardo  de  Seona,— Francisco  Ro- 
drigues, Antonio  Pereira  e  José  Joaquim. 

Coincidência  notável:  —  4  padres  deram 
principio  a  esta  congregação  — e  com  igual 
numero  se  extinguiu. 

2  V.  o  pontificado  d'eãte  bispo  no  supple- 
mento  a  este  diccionario  ao  artigo  Viseu. 


VIS 


VIS  1645 


cia  e  eoDsignação  de  peosoes  entre  o  bispo 
e  congregados,  previamente  auctorisada  pela 
provisão  d'el-rei  D.  João  VI  cora  data  de  7 
de  maio  do  mesmo  anno. 

Assim  passou  a  ser  seminário  o  convento 
dos  Nerys  com  todas  as  suas  pertenças  e  ha- 
veres, pelo  que  sobre  a  porta  de  entrada  se 
gravou  e  lê  a  inscripção  seguinte  : 

COLLEGIO  FUNDADO  EM 

1587  PELO  Bi.^po  D.  Nuno 
DE  Noronha,  com  o  titulo 
DE  Seminário  da  invoca- 
ção DE  Nossa  Senhora  da 

Esperança,  e  mudado 
para  este  logar  em  agosto 

DE  1824. 

Foi  uma  bella  aequisição,  pois  é  um  edi- 
fício amplo,  elegante,  muito  solido,  com  uma 
bonita  egreja  e  aceommodaçòes  para  grande 
communidafie.  Demora  sobre  um  vasto  cam- 
po, o  mais  regular  de  Viseu,  em  terreno  mi- 
moso e  com  linda  cerca,  em  contacto  com  a 
cidade,  mas  sem  visinhança  que  perturbe  os 
seminaristas.  Tem  apenas  um  grande  con- 
tra:— Estar  em  local  tão  húmido,  que  até  no 
verão  muiias  pedras  do  ladrilho  dá  egreja, 
claustro  e  aulas  do  andar  térreo  não  enehu- 
gam  e  vêem-se  sempre  a  transsudar  I. . . 

È  um  dos  edifícios  de  Viseu  mais  alegres 
e  vistosos  e  mais  vantajosamente  situados, 
emquanto  que  o  velho  Seminário  ou  Colle- 
gio  estava  em  sitio  áspero  e  desabrido,  mui- 
to exposto  a  faiseas  eléctricas,  muito  batido 
pelos  vendavaes  e  muito  devassado  e  affron- 
tado  pela  Sé  e  pela  torre  dos  sinos,  que  lá  se 
ergue  a  paredes  meias  entre  a  Sé  e  o  velho 
Seminário  e  que  devia  ser  uma  visinhança 
horrorosa,  insupportavel  para  uma  casa  de 
estudo. 

Quando  em  1834  se  extinguiram  as  ordens 
religiosas,  a  prefeitura  tomou  posse  da  casa 
da  congregação  de  Viseu  e  n'ella  se  estabe- 
leceram differentes  repartições  publicas.Pro- 
lestou  logo  o  reitor  contra  a  usurpação,  fa- 
zendo ver  e  provando  que  desde  1824  o  di- 
cto  convento  era  propriedade  do  Seminário. 
No  mesmo  sentido  representou  também  a 

VOLUME  XI 


auetoridade  ecclesiastica  e  com  o  apoio  do 
administrador  do  concelho  (depois  cónego) 
José  d'01iveira  Berardo,  o  governo  reconsi- 
derou e  mandou  restituir  o  dicto  convento 
ao  vigário  capitular  da  diocese,  o  cónego 
José  Viçoso  da  Veiga;  mas,  antes  d'este  ir  á 
posse  e  quando  ali  se  conservavam  as  repar- 
tições publicas,  appareceu  incendiado  o  edi- 
fieio  na  noite  de  26  para  27  de  janeiro  de 
1841,  soffrendo  grave  deterioração  e  sendo 
pasto  das  chammas  todos  os  moveis,  papeis 
e  documentos  que  ali  existiam*.  Foi  uma 
perda  enorme  para  muitos  particulares  e  pa- 
ra o  governo,  porque  ali  ao  tempo  se  guar- 
davam muitos  livros  e  documentos  das  cor- 
porações exlinctas  em  1834,— tombos  dos 
conventos  e  de  commendas,  escripturas  de 
dividas  ao  Seminário  e  a  outras  corporações 
e  de  prasos  que  pelo  decreto  de  28  de  maio 
de  1834  (o  da  extineção  das  corporações  re- 
ligiosas) ficaram  pertencendo  à  fazenda  na- 
cional. 

Não  faltou  quem  dissesse  e  ainda  hoje  se 
diz— que  o  incêndio  do  Seminário  de  Viseu, 
bem  como  o  do  Seminário  de  Lamego,  o  da 
Sé  patriárchal  e  o  do  Thesouro  Velho  de  Lis- 
boa, foram  soprados  adrede  para  liquidação 
de  contas  ?  I . . . 

Nos  annos  de  1842  e  1843  foi  reconstruído 
á  custa  das  rendas  do  próprio  Seminário, 
que  dispendeu  na  restauração  cerca  de  i6 
contos  de  réis;— ficou  muito  solido  e  como . 
novo— e  é  hoje  um  dos  primeiros  do  nosso 
paiz  2 

Ao  zelo  dos  seus  reitores,  entre  os  quaes 
tem  logar  dislincto  o  cónego  honorário— 
Ignacio  Alexandre  de  Magalhães— se  devem 
importantes  melhoramentos  nas  suas  rendas 
e  no  edificio;- está  muito  bem  tractado  e 


1  Do  grande  edificio  apenas  escaparam  a 
egreja  e  a  livraria,  que  estava  no  quarteirão 
do  lado  sul. 

o  Reabriu-se  em  1844;— esteve  na  posse 
do  governo  desde  1834  até  1841— e  estive- 
ram as  aulas  interrompidas  desde  1832  até 
1843,  ou  durante  11  annos,  com  grave  pre- 
juiso  da  instrueção  do  clero. 

104 


1646  VIS 

bem  conservado— e  pôde  prover  70  logares 
gratuitos  de  alumnos  pobres.  ^ 

O  bispo  D.  Nuno  de  Noronha  não  só  fun- 
dou 8  dotou  o  Senainario  em  1587,  mas  deu- 
lhe  estatutos  para  o  seu  governo  litlerario, 
religioso  e  económico.  Também  creou  o  of- 
ficio  de  reitor,  a  cujo  cargo  ficou  intei- 
ramente o  governo  temporal  e  espiritual  do 
seminário,— e  o  de  vice-reilor  para  o  coadju- 
var e  .«ubstituir  em  qualquer  falta.  E  em 
observância  do  que  dispõe  o  concilio  de 
Tremo  creou  também  uma  junta  composta 
de  4  ecclesiasticos,  perante  a  qual  o  reitor 
no  fim  de  cada  anno  presta  contas  da  sua 
gerência. 

Finalmente  a  lei  de  2  d'abril  de  1845,  ar- 
tigo 10.°,  diz  que  aos  prelados  diocesanos 
pertence  o  governo  económico  e  disciplinar 
dos  seminários,  sob  a  inspecção  do  governo, 
pelo  que  foi  supprimido  o  cargo  de  reitor, 
prevalecendo  apenas  o  de  vice-reiíor. 

Quadro  de  estudos 

Já  vimos  qual  foi  o  estabelecido  por  D. 
Nuno  de  Noronha  em  1587  e  as  reformas 
que  fez  o  bispo  D.  Francisco  Monteiro  Pe- 
reira d'Azevedo  em  1793  e  1796.  Vigorou 
esta  ultima  até  que  o  bispo  D.  Francisco 
Alexandre  Lobo,  em  26  d'outubro  de  1821, 
estabeleceu  como  disciplinas  preparatórias 
dos  ordinandos— latim,  philosophia  racional 
6  moral  e  historia  sagrada  do  antigo  testa- 
mento,—e  como  disciplinas  ecclesiasticas  um 
curso  biennal,  comprehendendo  no  1."  anno 
historia  ecclesiaslica  e  theologia  dogmática, 
— e  no  2.°  theologia  moral  e  instituições  ca- 
nónicas,—curso  que  foi  elevado  a  triennal 
por  decreto  de  2  d'abril  de  1862.. 

O  seu  quadro  d'estudo8  actualmente  é  o 
seguinte  : 


1  Este  anno  de  1887  admittiu  70  alumnos 
pobres,  dos  quaes  são  52  erratuitos  e  18  pa 
gam  mensalidades  de  5i^000  e  3^000  réis, 
sendo  o  total  dos  habitantes  da  casa,  com  os 
empregados,  vice-reitor  e  perfeitos,  79  pes-  I 
soas.  ] 


VIS 

Curso  de  preparatórias 


Anno  lectivo  de  1886  a  1887 


imeros 

Cadeií%s  e  disciplinas 

ternos 

íternos 

O 

z; 

~ 

Cd 

1 

PortURuez  

18 



33 



51 

2 

Francez  . . . 

16 

23 

oo 

3 

Latim 

31 

50 

RI 

Ol 

4 

Arithmetica,geomelria 

plana  e  princípios  de 

5 

19 

24 

43 

Elementos  de  chímiea, 

physicae  historia  na- 

15 

13 

28 

6 

Geographia,  cosmo- 

graphia   e  historia 

universal  pátria  

4 

10 

14 

7 

Philosophia  racional  e 

moral  e  princípios  de 

8 

6 

14 

8 

8 

7 

15 

9 

Litteratura  nacional. . 

Total  das  matriculas. . 

118 

166 

284 

No  principio  d'e8te  anno  lectivo  de  1887- 
1888  criou  o  prelado  mais  a  cadeira  de  In- 
trodueção,  de  que  é  professor  o  dr.  Luiz  Fer- 
reira de  Figueiredo. 


Curso  theologico 


o 

õ 

O 

a 

E 

Disciplinas 

t-, 

õ 

3 

c 

1.°  anno 

1 

Historia  da  egreja  

8 

23 

31 

2 

Theolog.  dogm.  geral. 

» 

• 

2°  anno 

3 

4 

5 

9 

4 

Theol.  dogm.  especial. 

» 

( 

• 

40 

VIS 


VIS  1647 


imeros 

OisciplíDãs 

lernos 

t  ternos 

"5 

õ 

e 

40 

3°  amo 

5 

D 

iz 

18 

6 

Thpfiinaia  sflp.ramftntal 

t 

> 

> 

7 

1  Q 

lo 

W 

S8 
36 

8 

4S 

21 

9 

60 

41 

101 

Tntal  ftasi  matriculas 

253 

284 

537 

Numero  dos  alumnos 

Curso  secundário  

42 

59 

101 

Curso  theologico  

18 

41 

59 

Total  dos  alumnos. . . 

60 

100 

160 

A  iostaneias  do  benemérito  pairiareha  dos 
areheologos  portuguezes,  o  sr.  conselheiro 
Joaquim  Possidonio  Narciso  da  Silva,  archi- 
tecto  da  casa  real,  nosso  bom  amigo  e  mes- 
tre, fundador  e  presidente  da  Real  Associa- 
ção dos  architectos  civis  e  areheologos  portu- 
guezes, o  seminário  de  Beja  e  outros  jà  no 
anno  lectivo  ultimo  crearam  uma  cadeira 
de  archeologia  christã.  E  bem  nec-ssaria  é  a 
dieta  cadeira  em  todas  as  nossas  dioceses, 
nomeadamente  n'esta  de  Viseu,  para  guarda 
e  conservação  de  tantos  monumentos  reli- 
giosos. 

Se  o  cabido  visiense  tivesse  algumas  no- 
ções d'archeologia,  não  praticava  os  desaca- 
tos e  deturpações  que  praticou  na  Sé,  prin- 
cipalmente na  vacância  de  1639  a  1671  ena 
de  1720  a  1743. 

Veja- se  o  tópico  relativo  á  cathedral. 

Ao  ex."»  e  rev."^»  sr.  D.  José 
Dias  Correia  de  Carvalho,  di- 
gno prelado  de  Viseu  na  actua- 
lidade, muito  instantemente 
pedimos  que  se  digne  crear 


também  no  seminário  visiense 
uma  aula  de  archeologia 
christã. 

O  bello  edifieio  do  Seminário  pôde  ver-se 
em  lytographia  no  Álbum  Visiense,  a  pag. 
88.  Ergue-se  na  extremidade  sul  do  Campo 
Alves  Martins,  sobre  o  qual  tem  uma  sober- 
ba fachada  com  3  pavimentos  e  na  sua  ex- 
tremidade O.  a  linda  egreja  que  foi  dos  con- 
gregados e  que  forma  um  todo  com  a  dieta 
fachada,  olhando  ambas  para  N. 

Dos  3  pavimentos  o  l.»ao  rez  dechaussée 
tem  10  grandes  janellas  gradeadas  de  ferro 
e  o  portão  d'entrada  na  sua  extremidade  O. 
contíguo  à  egreja.  N'este  pavimento  estão  as 
aulas,  a  cosinha,  refeitório,  etc. 

Os  outros  2  pavimentos  teem  na  frente  3 
sacadas  e  8  janellas  cada  um. 

A  fronteria  prolonga-se  de  E.  a  0.;— tem 
de  extensão  54'",84,  eomprehendendo  a  fa- 
chada da  egreja,  que  tem  de  largura  15"',51 
alem  de  0°','òZ  na  base  dos  eunhaes. 

A  egreja  é  de  architectura  compósita;  tem 
1  nave  e  7  altares,— communicação  interior 
para  os  3  pavimentos  do  seminário  e  grande 
côro  sobre  o  guardaveoto  com  muita  luz  que 
recebe  de  3  grandes  janellas.  A  capella-mór 
tem  um  elegante  retábulo  de  madeira  e  ta- 
lha moderna  muito  simples,  com  a  imagem 
de  S.  Filippe  Nery,  padroeiro  e  fundador 
da  antiga  congregação  do  Oratório,  i  do  lado 
do  evangelho,— imagem  romana  de  eseul- 
ptura  primorosa,— e  do  lado  da  epistola  a 
de  S.  Francisco  d'AssÍ3. 

Tem  de  largura  a  capella-mór  6",7— e  de 
comprimento  ll'°,52  desde  a  frente  do  altar 
mór  até  o  arco  cruzeiro, — alem  de  3"',80  que 
oceupam  o  altar  e  a  tribuna. 

O  corpo  da  egreja  tem  de  largura  10"',06 
e  25'",45  de  comprimento.  Total  do  seu  com- 
primento até  o  altar-mór  36?',97— e  eompre- 
hendendo o  altar  e  tribuna— 40°',70. 

A  sacristia  tem  de  largura  7"',23  e  de  com- 
primento 11",35,  não  eomprehendendo  o  la- 


1  O  padroeiro  do  Seminário  é  Nossa  Se- 
nhora da  Esperança  ou  da  Espectação—e  o 
padroeiro  do  convento  era  Nossa  Senhora  da 
Assumpção. 


1648  VIS 


VJS 


vatorio,  que  é  uma  imponente  obra  d'arte, 
feito  de  bello  granito  muito  bem  cinzelado, 
com  altas  pyramides  e  3  bicas  d'agua  pe 
renne  que  jorram  da  bocca  de  3  phantasio- 
sas  carrancas.  Serviu  ouir'ora  de  sacristia  e 
tem  2  portas  de  commuuicarão  para  a  sa- 
cristia actual. 

A  torre  ergue-se  na  reetaguarda  da  Ca- 
pella mór; — é  elegante  e  termina  em  varan- 
dim e  cúpula  redonda,  perfeitamente  seme- 
lhantes aos  varandins  e  cúpulas  das  torres 
actuaes  da  Sé. 

Foi  alteada  depois  do  meado  d'e8te  sécu- 
lo, como  diremos  adiante. 

O  claustro  e  a  biblioíheca 

Ao  sul,  ou  do  lado  posterior  da  grande  fa- 
chada do  Seminário  e  formando  um  todo  com 
a  parte  central  d'ella,  o  edifício  descreve  um 
amplo  quadrado  em  volta  do  claustro  que 
-lhe  fica  no  centro  e  do  qual  recebe  ar  e  luz. 

É  talvez  o  claustro  no  seu  conjuncto  a 
parte  mais  elegante  do  edificio.  Tem  de  ca- 
da lado  5  arcos  espaçosos  com  2'°,43  d  aber- 
jura,  assentes  sobre  columnas  quadrangula- 
res;—no  meio  ha  um  terrapleno  bem  ladri- 
lhado com  mosaico  de  seixo;— mede  14™,80 
por  face  e  tem  no  centro  uma  grande  es- 
trella  formada  com  seixo  de  varias  cores. 

Circuitam  o  claustro  passeios  abobadados 
que  teem  de  largura  4  metros  e  de  compri- 
mento em  cada  uma  das  faces  23  metros. 

A  cada  um  dos  arcos  centraes  correspon- 
de no  2."  andar  do  edificio  uma  porta  de  sa- 
cada—e a  cada  um  dos  2  arcos  lateraes  sua 
janella.  Tem  pois  o  segundo  pavimento  16 
janellas  e  4  sacadas  sobre  o  vão  do  claustro. 
O  terceiro  pavimento  tem  sobre  o  mesmo 
vão  do  claustro,  guarnecendo  as  4  faces  d'el- 
le,  uma  varanda  com  23'",56  de  comprimento 
em  cada  face,— 4'",0  de  largura— e  uma  ba- 
laustrada de  pedra,  dividida  em  series  de  6 
balaustres  correspondentes  a  cada  um  dos 
arcos  e  terminando  em  acroterios,  sobre  os 
quaes  se  erguem  tantas  columnas  eilindri- 
cas,  quantos  os  pilares  que  sustentam  a  ar- 
caria do  primeiro  pavimento,  o  que  tudo 
enaltece  e  dà  muita  elegância  ao  claustro. 


A  dieta  varanda  serve  lambem  de  recreio 
e  eommodidade  aos  seminaristas,  principal- 
mente no  inverno. 

0.S  4  corpos  do  edificio  que  revestem  o 
claustro  teem  ao  centro  de  cada  um  grandes 
corredores  que  terminam  era  portas  de  sa- 
cada e  dão  serventia  independente  para  as 
cellas.  Oá  dictos  corredores  teem  de  largura 
2'",07;— de  altura  3™,9— e  de  comprimento 
ate  á  aresta  das  sacadas  40'",0  cada  um,  sen- 
do muito  mais  extenso  o  do  lado  norte,  por- 
que comprehende  toda  a  grande  fachada  do 
edificio. 

A  bibliotheca  dos  congregados  estava  no 
terceiro  pavimento,  lado  sul,  em  uma  sala 
que  hoje  serve  de  camarata  e  comporta  26 
alumnos.  Tem  ella  de  comprimento  IS^jlO — 
e  de  largura  9",  18. 

A  bibliotheca  actual  do  Seminário  demora 
no  mesmo  pavimento,  na  sua  extremidade 
N.  O.  e  comprehende  5  a  6  mil  volumes,  res- 
to das  livrarias  dos  conventos  de  Santo  An- 
tonio de  Viseu  e  de  S.  Francisco  d'Oi'gens  e 
da  dos  congregados,  incluindo  a  livraria 
particular  que  foi  de  D.  Francisco  Alexandre 
Lobo  e  que  este  bispo  deixou  ao  Seminário, 
— bem  como  a  livraria  do  C(  nego  José  An- 
tonio Pereira  Monteiro,  i 

Este  ultimo  foi  reitor  do  Saminario  desde 
10  de  julho  de  1818  até  3i  de  dezembro  de 
1851; — falleceu  na  sua  casa  de  Parada  do 
Jarmello,  concelho  e  diocese  da  Guarda,  em 
24  de  maio  de  1856— e  não  só  deixou  ao  Se- 
minário os  seus  livros,  mas  tudo  quanto 
possuia  em  Viseu. 

O  convento 

D.  João  de  Mello,  sendo  muito  amigo  dos 
padres  do  Oratório,  cuja  casa  em  Lisboa  ha- 
bitualmente frequentava,  e  vendo  que  po- 
diam prestar-lhe  bons  serviços  por  se  darem 
muito  aos  trabalhos  do  púlpito  e  do  confes- 


í  Só  as  bibliotheeas  dos  3  conventos  com- 
prehendiam  mais  de  30.000  volumes.  Ima- 
gine-se  pois  quanto  soííreram  as  boas  lettras 
com  a  barbara  extincção  das  ordens  religio- 
sas?!... 


VIS 

sionario,  quando  foi  transferido  d'E[vas  pa- 
ra Viseu  e  partiu  de  Lisboa  para  a  sua  nova 
diocese  era  1674,  trouxe  eomsigo  de  Lisboa 
2  congregados— o  padre  Manuel  da  Costa  e 
o  padre  João  da  Guarda.  Muito  desejou  dar- 
Ihes  convento  em  Viseu,  mas,  a  despeito  de 
lodos  os  seus  esforços,  não  o  pôde  conseguir, 
pelo  que  os  dictos  padres  regressaram  a  Lis- 
boa apenas  expirou  a  licença  que  traziam  e 
que  era  de  4  a  5  mezes. 

Ao  bispo  D.  João  de  Mello  suecedeu  em 
1686  D.  Ricardo  Russel,  muito  affeiçoado 
também  aos  padres  do  Oratório  por  terem 
sido,  como  já  dissemos,  os  seus  primeiros 
mestres  em  França.  Desejou  igualmente  dar- 
Ihes  casa  em  Viseu,  para  o  que  mandou  pe- 
dir alguns  padres  ao  preposito  do  convento 
de  Freixo  de  Espada  á  Cinta,  em  Traz-os- 
Montes.  D'ali  lhe  foram  enviados  em  1688  os 
quatro  seguintes : — José  das  Caldas  {era  o 
preposito)— Banholomeu  Monteiro,  João  da 
Silva  e  Diogo  Pereira.  * 

Aposentou  03  no  hospital  da  quinta  de 
Santa  Eugenia,  onde  tinham  capella  e  as 
commodidades  precisas  para  viverem  e  exer- 
cerem o  seu  ministério,  sendo  então  o  dicto 
hospital  dirigido  pelo  padre  Gaspar  Rodri- 
gues, natural  da  villa  da  Meda.  2 

Ali  prégavam  e  confessavam,  mas,  por  ser 
a  quinta  um  pouco  distante  de  Viseu  e  dif- 
ficultar  aos  visienses  o  accesso,  iam  fazer  os 
seus  exercícios  religiosos  na  egreja  da  Via 
Sacra,  (veja-se  o  tópico  Egrejas),  sendo  sem- 
pre extraordinário  o  concurso  dos  fieis. 

D.  Ricardo  solliciiou  e  obteve  da  camará  e 
de  D.  Pedro  il  licença  para  edificação  do  no- 
vo convento; — por  seu  turno  lhes  deu  tam- 
bém logo  provisão;— em  seguida  soUicitaram 
e  obtiveram  de  Innocencio  III  bulia  de  con- 
firmação com  data  de  13  de  maio  do  mesmo 
anno  de  1688— e  a  10  de  julho  seguinte  se 
installaram  solemnemente  em  Viseu,  assis- 
tindo o  prelado  com  todos  os  seus  ministros 


1  O  padre  Leonardo  de  Sousa  não  men- 
ciona este  ultimo. 

2  Havia  sido  enfermeiro  dos  doentes  do 
mesmo  hospital,  mas  tão  zeloso  e  virtuoso, 
que  D.  Ricardo  Russel  o  ordenou  e  nomeou 
capellão  e  director  do  dicto  hospital. 


VIS  1649 

e  familiares,  clero,  nobresa  e  povo,— e  como 
ainda  não  tivessem  rendas  suíBcientes  para 
a  sua  sustentação,  o  prelado  lhes  arbitrou  a 
pensão  annual  de  lOOi^OOO  réis. 

Ignoramos  qual  foi  a  primeira  casa  que 
tiveram  em  Viseu,  depois  do  hospital  da 
quinta  de  Sanla  Eugenia,  mas  sabemos  que 
passado  um  anno,— a  5  d'agosto  de  1689— 
se  transferiram  para  o  largo  de  Santa  Chris  ■ 
Una,  para  as  casas  e  capella  que  Simão  Ma- 
chado e  sua  mulher  D.  Anna  de  Jesus  Serpe 
ali  possuíam  e  lhes  doaram  para  aquelleíim 
(com  uma  boa  cerca,  hoje  a  cerca  do  Semi- 
nário) onde  en':;iram  oratório  e  vivtrani 
cerca  de  70  annos,  ou  até  que  se  fez  o  novo 
convento  e  se  concluiu  a  nova  egreja  era 
1759  1. 

D.  Ricardo,  vendo  que  era  muito  pequena 
a  dieta  casa,  resolveu  fazer-lhes  outra  mais 
ampla,  para  o  que  nos  princípios  do  anno 
1693,  ultimo  da  sua  vida,  lhes  deu  dose  mil 
crusados,  somma  importante  n'aquelle  tem- 
po. 

Abertos  os  alicerces  do  novo  convento  no 
sitio  do  Valle,  dentro  da  dieta  cerca  e  com 
bastante  diíTu-uldade,  porque  nVlIes  se  en- 
controu muita  agua,  lançou  lhe  o  bispo  so- 
lemnemente  a  primeira  pedra,  que  era  d'An- 
çã,  na  qual  se  esculpiram  as  armas  da  con- 
gregação 2  e  o  anno  mez  e  dia  da  festa,— 26 
de  maio  de  1693,— dia  de  S.  Filippe  Nery, 
patriarcha  da  congregação. 

A  isto  se  reduz  o  que  diz  o  padre  Leonar- 
do de  Sousa  no  seu  Catalogo  dos  Bispos  de 
Viseu,  tomo  3."  fl.  106  a  107,  terminando 
cora  estas  palavras:  •  Outras  raais  indivi- 


1  Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  que 
no  tópico  dos  templos  já  se  disse  da  2.*  ca- 
pella de  Santa  Cristina  e  do  largo  ou  ter- 
reiro d'esie  nome,  pag.  1563,  col.  1.» — e  pag. 
1557,  col.  2.»— ín  fine. 

2  Não  as  do  prelado,  porque  era  tão  mo- 
desto que  nunca  tolerou  se  abrissem  as  suas 
armas  em  nenhuma  das  obras  que  fez.  Pelo 
contrario  outros  bispos  visienses,  nomeada- 
mente D.  Julio  F.  d'01iveira,  em  todas  as 
suas  obras  poserara  os  seus  brasões  d'armas^ 


1650  VIS 


VIS 


duaes  noticias  reservamos  para  a  Philippim 
Visiense* — mas  não  chegou  a  escrever  tal 
obra,  ou  se  perdeu,  como  já  se  perderam  os 
2  primeiros  tomos  do  dielo  catalogo.  Nem 
Innocencio  no  Dicc.  Bibliogr.— nem  o  seu 
continuador  Brito  Aranha  mencionam  o  Ca- 
talogo nem  a  Filippina,  nem  sequer  o  Epi- 
tome  Carmelitano,  eseripto  pelo  mesmo  pa- 
dre Sousa  e  publicado  em  1739,— segundo- 
nos  afflrmara,  pois  não  lográmos  ainda  ver 
exemplar  algum  do  tal  Epitome  nem  se  en- 
contra na  Bibliotheca  Municipal  de  Viseu.  * 

Também  com  relação  ao  padre  Leonardo 
de  Sousa  apenas  sabemos  que  elle  pertencia 
á  congregação  de  Lisboa  e  que  veiu  d'aii 
para  Viseu  na  companhia  do  bispo  D.  Julio» 
do  qual  foi  capellão  e  biographo. 

Veja-se  no  dicto  Catalogo  a  longa  biogra- 
phia  de  D.  Julio  Francisco  d'01iveira  e  no 
supplemeoto  a  este  diccionario  e  ao  artigo 
Viseu  a  summula  d'aquella  biographia. 

Prosigamos. 

Ao  bispo  D.  Ricardo  Rnssel  suceedeu,  co- 
mo já  dissemos,  D.  Jeronymo  Soares  em 
1694.  Vendo  elle  que  os  congregados  ainda 
não  tinham  egreja  sufflcientemeote  ampla 
pois  que  ao  tempo  mal  sahia  dos  alicerces 
ao  norte  do  novo  convento,  mandado  fazer 
pelo  seu  antecessor,  resolveu  D.  Jeronymo 
fazel-a,  em  1708,  mas,  querendo  continual-a 
com  a  magnificência  da  planta  traçada  por 
D.  Ricardo,  os  seus  familiares  se  opposeram, 
allegando  ser  nimiamente  grande  para  uma 
communidade  tão  pequena,  pois  contava  en- 
tão apenas  15  congregados.  Taoto  instaram 
que  o  santo  bispo  D.  Jeronymo  resolveu  que 
a  nova  egreja  fosse  exactamente  como  a  dos 
religiosos  franciscanos  de  Santo  Antonio  de 
Viseu;  —  mandou  copiar  e  medir  a  dieta 
egreja  e  no  mesmo  anno  de  1708  deu  prin- 


*  Depois  de  escrevermos  estas  linhas,  sou- 
bemos que  a  Ordem  5.»  do  Carmo  de  Viseu 
possuía  muitos  exemplares  do  tal  Epitome 
e  ao  nosso  bom  amigo  o  sr.  dr.  Nicolau  Pe- 
reira de  Mendonça  Falcão  devemos  e  agra- 
decemos um  exemplar.  Veja-se  a  indicação 
d'elle  infra,  no  tópico  Armas  de  Viseu,  onde 
volveremos  a  fallar  do  auetor. 


cipio  á  nova,  abrindo-se  novo  alicerce  da 
parte  do  poente  e  aproveitando  o  alicerce  já 
feito  a  E.  N.  e  S.  ^ 

Deu-se  a  obra  de  empreitada,  mas  prose- 
guiu  lentamente,  porque  D.  Jeronymo  ape- 
nas consignou  para  ella  200W0  réis  an- 
nuaes  e  suspendeu  essa  mesma  consignação 
em  1713,  por  haver  feito  grandes  despezas 
com  a  restauração  do  paço  episcopal  da  Sé, 
da  mesma  Sé,  das  torres  e  do  Collegio,  em 
seguida  ao  raio  que  em  5  de  março  de  1710' 
arrumou  aquelles  edifícios.  Despendéra  tam- 
bém grandes  sommas  no  mesmo  anno  com 
as  freiras  de  S.  Luiz  de  Pinhel,  que  fugiram 
para  Viseu  2— e  em  1713  com  a  nova  restau- 
ração do  dIcto  paço  episcopal  e  do  Collegio, 
em  seguida  ao  incêndio  que  n'aqu'^lle  anno 
em  grande  parte  os  devorou.  Alem  d'isso  foi 
sempre  muito  esmoler  e  despendia  grandes 
sommas  com  os  pobres. 

Do  exposto  se  vê  : 

l.o— Que  o  edifício  actual  do  Seminário  de 
Viseu  foi  principiado  em  1693; 

2.»— Que  em  1708  já  estava  em  parte  feito 
com  o  dinheiro  doado  pelo  bispo  D.  Ricardo 
Russel; 

3  "—Que  a  egreja,  segundo  a  planta  dei- 
xada por  aquelle  bispo,  devia  ser  magesto- 
sa,  muito  ampla; — que  D  Jeronymo  Soares 
a  modificou  e  lhe  deu  as  mesmas  propor- 
ções que  tinha  a  dos  capuchos  de  Santo  An- 
tonio,— e  que  mandou  proceder  á  eonstrucção 
da  nova  egreja  desde  1708  até  1713,  data  em 
que  suspendeu  a  consignação  e  pararam  as 
obras. 

Ao  bispo  D.  Jeronymo  Soares,  fallecido 
em  28  de  janeiro  de  1720,  suceedeu  D.  Julio 
Francisco  d'01iveira,  cujo  pontificado  se  pro- 
longou de  1740  a  1765.  ^  Foi  o  mais  insigne 
bemfeitor  dos  congregados  de  Viseu,  por  ter 
sido  congregado  também,  e  em  1744, — ico- 


í  Catalogo  do  padre  Sousa,  tomo  3.°  fl  99 
a  128. 

2  V.  no  nosso  catalogo  o  tópico  relativo  a 
D.  Jeronymo  Soares. 

*  Entre  D.  Jeronymo  e  D.  Julio  houve  uma 
grande  vacância  de  20  annos. 

V.  o  nosso  catalogo  supra. 


VIS 


VIS  1651 


nhecendo  a  grande  necessidade  que  tinhão 
08  congregados  de  Vizeu  de  continuar  suas 
obras  na  nova  casa,  que  annos  antes  (refe- 
re se  à  grande  vacância)  adiantara  muito  o 
íUustrissimo  cabido,  e  que  já  em  tempo  do 
Ulustrissimo  bispo  D.  Ricardo  havião  prin- 
cipiado, se  resolveu  mandalias  continuar  no 
primeiro  d'agosto  do  dicio  anno.  Desta  obra 
foi  intendente,  por  vontade  expressa  do  mes- 
mo prelado,  o  Padre  Luiz  José  da  congrega- 
ção do  Oratório  de  Lisboa,  que  assistia  com 
elle  desde  que  veiu  d'aquella  cidade  para 
Vizeu.  Pagava  aos  offlciaes  o  dr.  provizor, 
sendo  mestre  das  mesmas  obras  de  carpin- 
teiro José  do  Valle,  pois  de  pedraria  se  acha' 
va  feito  o  principal.*  * 

Tomou  pois  D.  Julio  as  obras  á  sua  conta, 
o  que  muito  estimaram  e  agradeceram  os 
congregados.  tAssim  foram  continuando:  o 
exeellentissimo  em  dispender,  e  os  Padres, 
em  orar.»— diz  Sousa. 

Em  1747,  vendo  D-  Julio  o  adiantamento 
das  obras,  quiz  que  os  congregados  se  trans- 
ferissem de  Santa  Cristina  para  o  novo  con- 
vento, pois  já  podia  receber  40  padres.  «E 
ainda  que  se  não  tinha  cuidado  da  egreja, 
por  pedir  mais  dilação  e  gastos,  quiz  tam- 
bém o  mesmo  prelado  supprissem  aquella 
falta  as  casas  do  oratório  publico  e  portaria, 
senão  de  mais  extensão,  sempre  com  maior 
comraodidade  do  que  té  então  tinhão»— co- 
mo diz  o  mesmo  padre  Sousa. 

Disposta  a  transferencia,  benzeu  solemne- 
mente  a  nova  casa  na  S.«  oitava  do  Espirito 
Santo,  dia  25  de  maio  do  dieto  anno,  de  ma- 
nhã, e  na  tarde  do  mesmo  dia  se  fez  com 
grande  pompa  e  processionalmente  a  mu- 
dança, assistindo  o  prelado  com  todos  os 
seus  ministros,  cabido  e  mais  clero,  religio- 
sos de  S.  Francisco  e  Santo  Antonio,  ordens 
terceiras,,  nobresa  e  povo. 

Os  congregados  eram  então  24  e  preposito 
ou  superior  o  padre  Bernardo  Xavier  da 
Villa  de  Trovões,  tio  de  Frani;isco  Xavier 
d' Almeida,  fidalgo  distineto,  que  foi  o  cau- 


1  Catalogo  de  Sousa,  tomo  3."  fl.  183,  v.  e 
184. 


datario  de  D.  Julio  na  solerane  procissão  da 
mudança.  Assim  deixou  a  congregação  «os 
tegurios  em  que  habitava  por  mais  de  58  an- 
nos»—ou  desde  1689.  ^ 

Terminou  a  procissão  ao  declinar  do  dia 
Seguiram -se  vésperas  solemnes  do  patriar- 
cha  S.  Filippe  Nery,  às  quaes  assistiu  D.  Ju- 
lio, que  pernoitou  na  nova  casa,  por  se  eon- 
cluirem  a  deshoras. 

Vendo  D.  Julio  a  grande  necessidade  que 
os  congregados  tinham  de  egreja,  pois  desde 
1747  se  serviam  do  seu  oratório  e  portaria  2, 
determinou  fazei -a  muito  a  seu  gosto,— d'elle 
bispo,  não  dos  congregados,  diz  o  padre  Sou- 
sa (logar  citado  fl.  211)  pois  a  não  ser  com 
as  commodidades  precisas  para  os  seus  mi- 
nistérios, se  contentavão  com  a  de  que  se 
sermão. 

Tractando  de  escolher  planta  para  a  nova 
egreja,  apresentaram-lhe  seis  muito  capazes ^ 
mas  elle  preferiu  a  que  foi*  feita  por  um  pe- 
dreiro, Antonio  Mendes,  dos  lados  de  Lame- 
go. Mandou  logo  preparar  tudo  para  a  cons- 
trucção  do  templo,  abrir  alicerces '  e  rogar 
obreiros,— e  a  8  de  setembro  de  1757  lhe 
lançou  com  grande  pompa  a  primeira  pedra, 
que  era  d' Ançã  e  de  palmo  e  meyo  (?)  ém 
quadro.  De  hua  parte  se  vião  as  armas  da 
congregação,  e  da  outra  as  suas:  e  de  baixo 
de  ambas  a  memoria  do  sagrante,  anno  dia 
e  mez  em  que  o  executou;  e  da  outra  parte  e 


1  Catalogo  do  padre  Sousa,  tomo  3.»  fl. 
198. 

Estiveram  pois  os  congregados  sempre  ena 
Santa  Cristina,  desde  que  vieram  para  Vi- 
seu, exceptuando  a  primeira  pousada  na 
quinta  de  Santa  Eugenia. 

2  O  padre  Sousa  neste  ponto  não  faz  a  mi- 
nima  referencia  á  egreja  principiada  pelo 
bispo  D.  Ricardo  Russel  em  1693,— conti- 
nuada pelo  seu  suicessor  D.  Jeronymo— e 
posteriormente  pelo  cabido  na  grande  vacân- 
cia de  1720  a  1740 1 . . . 

3  É  isto  o  que  diz  o  padre  Sousa,  congre- 
gado, contemporâneo  e  testemunha  prezen- 
ciai.  Não  fez  a  mínima  allusão  á  egreja  men- 
cionada supra,  que  foi  principiada  approxi- 
madamente  em  1693  e  que,  segundo  se  vô 
do  exposto,  em  1757,  ou  decorridos  64  an- 
nos, ainda  não  estava  acabada— n^w  alicer- 
ces tinha'^1. . . 


1652  VIS 


VIS 


face  da  mesma  pedra  cinco  cruzes  em  aspa, 
—diz  textualmente  o  padre  Sousa, 

A  dictâ  memoria  ou  inseripção  era  a  se- 
guinte : 


EXCELLENTISSIMUS,  ET  ReVE- 

rendissimus  d.  julius 
Franciscus  de  Oliveira 

HUNG  lapidem  BENEDIXIT. 

Anno  1757.  DiE  8  Setembris. 


Berardo  e  F.  Manuel  suppoem  que  aegreja 
e  o  convento  mandados  fazer  por  D.  Ricardo 
Russel,— continuados  por  D.  Jeronymo — e 
depois  peio  cabido  na  vacância  de  i720  a 
1740,  estavam  em  outra  parte,  mas  ignoram 
onde  e  ninguém  aponta  vestígios  de  seme- 
lhantes edificações,  que  deviam  ser  impor- 
tantes e  não  eram  muito  antigas,  o  que  nos 
leva  a  crer  que  foram  feitas  no  próprio  chão 
do  extincto  convento,  hoje  Seminário,  e  que 
este  as  representa. 

Sentimos  que  o  padre  Sousa,  contempo- 
râneo de  D.  Julio  e  tão  minucioso  em  tudo 
o  que  respeita  á  congregação  de  Viseu,  men- 
cionando as  obras  do  tal  convento  e  da  tal 
egreja,  não  diga  onde  estavam  e  o  que  res- 
tava d'ellas,  quando  D.  Julio  fez  a  egreja 
actual  e  concluiu  o  convento.  D'este  ainda 
diz  que  estava  no  sitio  do  Valle  (?)  e  quasi 
eoncluido  emquaoto  ás  obras  de  pedra, 
quando  para  ali  mudou  a  congregação,  mas 
não  diz  onde  eslava  a  antiga  egreja  nem  o 
que  restava  d'ella  quando  D,  Julio  mandou 
fazer  a  egreja  ACtuâl— desde  os  alicercesl l... 

É  possível  que  elie  a  mandasse  fazer  no 
mesmo  chão  onde  estava  a  outra,— que  esta 
fosse  demolida  até  os  fundamentos,  por  não 
se  adaptar  á  nova  planta,— e  que  o  padre 
Sousa  omittisse  esta  eireumstaneia,  como  por 
certo  omittiu  outras  muitas,  para  não  affron- 
tar  a  memoria  do  seu  biographado,  amigo 
e  congregadol . . .  Apenas  muito  a  sobrepos- 
se  levanta  uma  ponta  do  veu,  dizendo  que 
D.  Julio  fòi  muito  infeliz  na  escolha  da  plan- 
ta para  a  nova  egreja. 

Ahi  fica  a  nossa  humilde  opinião.  Agora 
prosigamos. 


Eureka,  eureka! 

Tendo  já  promptas  e  em  caminho  do  prelo 
as  linhas  supra,  recebemos  do  ex,""  e  rev."» 
sr.  Joaquim  Paes  de  Sobral,  muito  digno  pro- 
fessor de  theologia  e  viee-reitor  d'esie  Se- 
minário, as  linhas  que  seguem  e  que  diri- 
mem completamente  a  questão  t . . . 

Eil-as  : 

«Os  padres  fundadores  da  congregação  de 
Viseu  alojaram  se  primeiramente  na  casa 
contigua  á  capella  de  Santa  Evgenia,  hoje 
profanada,  e  depois  estabeleeeram-se  na  ca- 
sa que  ficava  ao  fundo  da  cerca  do  actual 
Seminário  e  que  foi  separada  pela  nova  es- 
trada real  a  maeadam  de  Viseu  a  Mangual- 
de. Ali  rezidiram  exercendo  o  seu  ministé- 
rio na  Capella  ou  pequena  egreja  que  a  O. 
lhe  ficava  pegada  e  que  em  parte  foi  corta- 
da pela  referida  estrada,  i  Ainda  hoje  se  vé 
ali  o  cunhal  que  era  o  do  lado  do  Evange- 
lho, a  fazer  quina  da  mesma  casa. 

«D*ali  deram  principio  e  proseguiram  os 
padres  á  obra  do  convento,  que  não  pode- 
ram  realisar  por  um  só  impulso  e  por  uma 
só  vez,  ficando  a  parte  do  sul  por  concluir. 

«A  parte  que  primeiro  concluiram  foi  a 
do  norte,  com  as  dos  lados  E.  e  O.,  para  onde 
mudou  a  congregação,  não  obstante  corre- 
rem ainda  as  obias  no  prolongamtnto  do 
lado  S.  que  depois  foi  continuado,  se  bem 
que  não  acabado,  por  D.  Julio.' 

«A  egreja  que  lhes  servia  para  os  actos 
religiosos  antes  da  nova,  alem  da  que  tinham 
no  teu  1."  hospício,  dedicada,  segundo  pa- 
rece, a  Nossa  Senhora  da  Assumpção,  ficava 
no  primeiro  pavimento  do  actual  edifieio  do 
Seminário,  na  parte  do  norte,  que  deita  para 
o  grande  terreiro  ou  campo  exterior,  hoje 
Largo  Alves  Martins.  A  porta  era  a  mesma 
do  convento,  hoje  Seminário,  e  prolonga va- 
se  até  á  S.»  janella  actual,  que  hoje  deita  pa- 
ra o  mencionado  terreiro.  Próximo  da  6.* 
janella  havia  um  arco  que  ia  topar  no  se- 


*  V,  o  que  já  dissemos  sob  o  n."  7  no  tó- 
pico dos  Templos  extinctos—a  o  que  já  dis- 
semos também  supra,  n'este  tópico  do  Semi- 
nário. 


VIS 


VIS  1653 


gundo  pavimento  da  casa  e  tinha  por  cada 
lado  uma  porta  que  dava  para  a  sacristia,  a 
qual  ficava  por  detraz  do  dicto  arco,  onde 
se  aecommodava  o  altar  e  tribuna. 

tA  sacristia  recebia  luz  pela  6."  janella  e 
tinha  entrada  pelos  claustros,  pela  porta  que 
hoje  dá  serventia  para  a  aula  do  2  "  anno  do 
curso  theologico.  Á  direita  d'esia  porta  es- 
tava o  lavatório  de  cantaria  muito  bem  la- 
vrada e  que  foi  demolido  em  1883,  quando 
se  demoliu  o  arco  também,  para  dar  ás  saias 
a  dimensão  que  presentemente  teem.  O  es- 
paço onde  estiveram  a  egreja  e  a  sacristia 
está  hoje  dividido  pelas  duas  salas  das  aulas 
do  1.»  e  2.°  auno  do  curso  theologico,  com 
o  aposento  do  guarda-oortão,— alem  do  átrio 
da  portaria,  que  era  corno  que  uma  prolon- 
gação  da  mesma  egreja  e  que  ficava  inde- 
pendente do  resto  do  edifício,  depois  de  fe- 
chadas as  duas  portas  que  ladeavam  o  arco. 
Tinha  este  em  frenie  da  portaria  uma  ima- 
gem do  Cruciticado  p  hoje,  depois  de  com- 
pletamente vasado,  dá  também  passagem 
para  a  escadaria. 

•  Ainda  hoje  se  podem  ver  debaixo  do  soa- 
lho as  sepulturas  bem  talhadas  e  de  pedra 
muito  bem  escodada,  que  se  acham  em  per- 
feito estado  de  conservação.  Na  porta  de  en- 
trada, á  esquerda  de  quem  entra,  está  ainda 
a  pia  d'agua  benta,  como  que  a  indicar  ao 
Padre  Berardo  e  a  Francisco  Manuel  o  logar 
da  antiga  egreja  e  convento,  mandados  fa- 
zer por  D.  Ricardo  Russel,  continuados  por 
D.  Jeronymo  Soares  e  depois  pelo  cabido  na 
vacância  de  1720  a  i740. 

«Outra  pia  d'agua  benta  se  achava  á  di- 
reita da  porta  que  hoje  dá  entrada  para  a 
sala  do  1."  anno  theologico  e  que  é  a  pri- 
meira á  esquerda  de  quem  entra  para  o 
claustro.  Era  a  porta  travessa  da  mesma 
egreja,  porta  por  onde.  o  próprio  Berardo 
tantas  vezes  entrou,  quando  professor  d'este 
Seminário,  para  se  sentar  na  cadeira  magis- 
tral, que  estava  collocada  precisamente  no 
centro  do  arco,  onde  esteve  o  altar  da  antiga 
egreja. 

«Portanto  é  phantasiar  historia  o  dizer  que 
os  padres  congregados  tiveram  outro  con- 
vento e  outra  egreja,  mandados  fazer  pelos 


bemfeitores  acima  indicados,  alem  do  con- 
vento que  hoje  é  Seminário,  e  alem  da  casa 
ao  fundo  do  terreiro  ou  do  Largo  Alves  Mar- 
tins, com  a  sua  pequena  egreja  pegada. 

«As  obras  a  que  o  padre  Leonardo  de 
Sousa  se  referiu  não  eram  nem  podiam  ser 
oulrai»,  senão  estas,  e  não  precisava  de  dizer 
onde  Oitavara,  porque  eram  patentes  a  todos 
os  olhos,  t 

Do  exposto  se  vê:  1.°— que  o  edifício  do 
convento  dos  Nerys,  anterior  ao  bispo  D.  Ju- 
lio, era,  como  nós  suppunhamos,  o  mesmo 
que  D.  Julio  continuou  e  que  hoje  é  Semi- 
nário;— 2.°  que  a  egreja  actual  não  foi  feila 
no  chão  da  antiga,  mas  na  extremidade  O. 
do  convento,  proloogaudo-se  de  sul  a  norte^ 
como  lá  se  vê  e  nós  já  dissemos, — emquanto 
que  a  egreja  antiga  estava  a  pequena  dis- 
tancia da  nova;— apenas  se  mettia  de  per- 
meio o  pateo  e  a  escadaria  do  convento,  mas 
prolongava-se  de  nascente  a  poente,  tomando 
a  fachada  N.  do  edifício  desde  o  portão  d'e8te 
até  a  6.»  janella  actual. 

Suppomos  que  a  dieta  egreja  formava  & 
extremidade  0.  e  a  parte  principal  da  facha- 
da N.  do  convento,  à  imitação  do  convento 
d' Arouca,  do  das  Chagas  e  do  de  Santa  Cruz, 
em  Lamego,  e  do  collegio  dos  jesuítas,  hoje 
tamb^^m  Seminário,  em  Bragança,  etc.  Por 
este  systema  de  construcçòes  muitos  con- 
ventos, estando  aliás  em  sitios  muito  visto- 
sos, como  que  se  escondiam.  Apenas  mos- 
travam ao  publico  uma  das  paredes  lateraes 
da  egreja  e  por  vezes  detraz  d'ella  estavam 
encobertos  edifícios  muito  amplos!  Podem 
citar- se  como  modêlo  de  construcçòes  n'e8te 
género  os  conventos  das  Chagas  e  de  Santa 
Cruz,  em  Lamego.  Dos  dois  pouco  mais  se 
vé  do  que  as  egrejas,  occupando  aliás  o  pri- 
meiro uma  das  faces  do  grande  Campo  do 
Taholado  e  erguendo-se  o  segundo  no  alto  de 
Santa  Cruz,  o  sitio  mais  vistoso  de  Lamego, 

Também  suppomos  que,  fei  ta  a  nova  egreja 
dos  congregados,  se  prolongou  e  deu  no-va 
fórma, — a  fórma  actual, — á  fronteria  do  con- 
vento no  espaço  comprehendido  pela  antiga 
egreja,  pois  é  muito  provável  que  a  parte 
occupada  por  esta  não  tinha  as  janellas  e  sa- 
cadas que  hoje  lá  se  vêem  nos  tres  pavimen- 


1654  VIS 


VIS 


tos,  em  perfeita  symetria  com  a  parte  res- 
tante da  dieta  fachada  nobre. 

Muito  provavelmente  a  parede  lateral  e 
exterior  da  dieta  egreja  apenas  tinha  uma 
porta  para  o  publico  e  as  frestas  ou  janellas 
precisas  para  darem  luz  ao  templo. 

Agora  prosigamos. 

D.  Julio  activou  tanto  a  construcção  do 
novo  templo,  visitando  as  obras  repetiíias 
vezes,  pagando  generosamente  aos  operários 
e  brindando  o  mestre,  etc,  que  no  dia  27  de 
janeiro  de  17S9,  ou  passados  apenas  15  rae- 
zes  e  19  dias  depois  da  inauguração  das 
obras,  estava  a  egreja  concluída  I  D.  Julio  a 
benzeu  solemnemerjte  e  celebrou  n'ella  a 
primeira  missa  resada,  e  no  dia  de  S.  Fran- 
cisco, 29  do  dieto  mez  e  anno,  se  transferiu 
para  ella  o  Santíssimo  com  extraordinária 
pompa. 

Seguiram-se  as  festas  da  dedicação  do  no- 
vo templo,  que  duraram  onze  dias  e  foram 
pomposíssimas  lambem.  Delias  se  encontra 
minuciosa  deseripção  no  catalogo  do  padre 
Sousa,  tomo  3  •  fl.  214  a  232,  e  d'ellas  dare- 
mos um  extrai^to  na  biographia  de  D.  Julio. 

As  e&cadas  do  Seminário  ou  do  Convento 
dos  Nerys 

Como  já  dissemos  fallando  da  cathedral, 
depois  da  abobada  dos  nós  ou  de  D.  Diogo 
Ortiz  de  Vilhegas,  a  obra  d'arte  mais  notá- 
vel de  Viseu,  em  pedra,  são  as  escadas  d'este 
Seminário,  únicas  em  todo  o  nosso  paiz,  não 
pelos  seus  ornatos  nem  pela  sua  amplidão, 
pois  n'esie  ponto  são  muílo  superiores,  alem 
d'ouiras,  as  escadas  do  paço  episcopal  e  do 
palácio  da  Bolsa,  no  Porto.  O  que  mais  dis- 
tingue estas  de  Vizeu  e  as  torna  singulares 
é  o  segredo  e  arrojo  da  sua  construcção 

Só  quem  as  vê  pôde  bem  avaliai  as.  Pare- 
cera uma  fantasia,  um  sonho,  pois  compre- 
hendem  uma  grande  mole  de  granito, — nada 
menos  de  6  grandes  lanços  de  escadas  de 
pedra,  com  o  peso  de  muitas  toneladas, — to- 
dos em  recta  e  lançados  sobre  o  espaço,  sem 
se  firmarem  sobre  columnas  ou  paredes  nem 
assentarem  sobre  coisa  alguma?!...— Ape- 


nas tocam  nos  patamares  os  seus  últimos  de- 
graus. 

Nós  nada  entendemos  de  engenheria,  mas 
já  visitámos  com  assombro  as  dietas  esca- 
das e  vamos  tentar  um  esforço  para  d'algu- 
ma  fórma  as  descrevermos. 

Descuipem-nos  as  heresias  os  entendedo- 
res da  arte. 

Estão  ellas  dentro  de  uma  quadra,  espécie 
de  torreão,  qup,  a  pequena  distancia  e  em 
frente  da  porta  principal,  se  ergue  a  toda  a 
altura  do  edificio  e  que  de  norte  a  sul  tem 
de  capacidade  7'",39  e  de  E.  a  O.  6™,97.  As 
suas  paredes  N.  e  S.  teem  de  espessura  2"',29 
— e  as  de  E.  e  0.  1",35,  sendo  esta  ultima 
reforçada  pela  parede  da  egreja,  que  flea  na 
extremidade  O.  do  convento. 

Tem  mais  espessura  as  paredes  S.  e  N., 
porque  de  uma  contra  a  outra  se  erguem  os 
differentes.  lanços  de  escadas. 

O  convento  e  a  porta  da  entrada  paraelle 
e  para  a  escadaria  olham  para  N. 

Abre  a  escadaria  por  2  lanços  parallelos, 
distanles  um  do  outro  5",24,  e  que  se  pro- 
longam de  N.  3  S.,  tocando  apenas  o  1.°  de- 
grau no  lageado  do  solo— e  o  ultimo  no  1." 
patamar,  que  também  não  assenta  em  coisa 
alguma.  Apenas  toca  nas  paredes  e  do  meio 
d'elle  parte  o  3.°  lanço  que  vae  em  direcção 
opposta  aos  2  primeiros,  ou  de  S.  a  N.,  e  to- 
ca no  2.°  patamar  que  está  ao  nível  do  2.» 
pavimento  e  dá  servidão  para  elle  Das 
duas  extremidades  d'este  2  °  patamar  par- 
tem para  S.  outros  2  lanços  (4.»  e  S  °)  lam- 
bem parallelos,  que  tocam  no  3.»  patamar,  e 
do  meio  d'esle  parte  para  N.  o  6.»  lanço,  que 
toca  no  4.*'  patamar  ao  nivel  do  3.°  e  ultimo 
pavimento  e  que  dá  servidão  para  elle. 

A  isto  se  reduz  a  escadaria.  Agora  mais 
alguns  detalhes  : 

Os  2  primeiros  lanços  parallelos  (referi- 
mo-nos  a  quem  sobe)  contam  16  degraus 
cada  um; — teem  de  comprimento  cada  lanço 
5°',79;— cada  degrau,  sem  o  revestimento  ou 


*  O  1°  pavimento  está  ao  rez  de  chaussée, 
com  tecto  d'abobada,  e  por  isso  escapou  ao 
grande,  incêndio,  como  já  dissemos  supra, 
na  deseripção.  d'este  edificio. 


VIS 


VIS  1655 


cornija,  1",62;— com  a  cornija  l^jQO;— lar- 
gura de  cada  degrau  O^jSS;— altura  O^jiSS. 

Todos  os  lanços  teem  pelo  lado  inferior 
um  revestimento  da  mesma  pedra,  formando 
um  cordão  de  arco  de  aduelas  muito  subtis, 
com  face  lisa  e  em  recta,  do  lado  inferior 
que  olha  para  o  vão.  As  peças  ou  aduelas 
do  dicto  revestimento  variam  em  largura  e 
as  d'aquelle8  2  primeiros  lanços  teem  de 
comprimento  l^jTO. 

Em  lodos  os  lanços  a  recta  obliqua  do  seu 
revestimento  inferior  forma  um  angulo  obtu- 
so com  a  linha  horisontal  de  cada  um  dos 
patamares,  cujas  extremidades  se  tocam, 
sendo  a  pedra  do  fecho  coramura  aos  diffe- 
reutes  lanços  e  aos  diíTerentes  patamares, 
tanto  a  do  revestimento  inferior  como  a  dos 
degraus,  ou  do  lado  superior,  pelo  que  as 
dietas  pedras  teem  dois  cortes  que  formam  o 
vértice  do  angulo;— um  corte  é  obliquo  e 
correspondente  á  linha  dos  difíerenles  lan- 
ços;—outro  corte  é  horisontal  e  correspon- 
dente à  linha  inferior  e  superior  dos  pata- 
mares. 

Também  todos  os  lanços  e  patamares  teem 
na  face  inferior  um  outro  revestimento  de 
pedra  transversal,  com  uma  moldura  ou  cor- 
nija sobre  que  assenta  a  balaustrada. 

Todos  os  patamares  teem  superfície  plana, 
tanto  do  lado  inferior  como  superior;— to- 
mam todo  o  vão  entre  as  paredes  E.  e  O.— 
e  são  divididos  em  3  secções,  corresponden- 
tes aos  3  lanços  ascendentes  e  descendentes 
que  n'elles  locam,  e  nota-se  que  as  pedras 
que  os  formam  teem  cortes  differentes.  As 
2  secções  do  1."  patamar,  correspondentes 
aos  2  lanços  de  escadas  qu«  recebem,  são 
formadas  (cada  secção)  por  3  pedras  ou  adue- 
las a  completarem  o  cordão  do  arco  das  abo- 
badas que  muito  subtilmente  sustentam  as 
escadas  dos  dictos  lanços; — a  central  ou  sec- 
ção intermédia  do  1."  patamar  indica  uma 
abobada  plana,  formada  por  3  pedras  ou 
aduelas  em  sentido  transversal,  cujas  extre- 
midades se  firmam  nas  2  secções  lateraes. 

Por  este  engenhoso  processo  se  sustentam 
e  equilibram  sobre  o  vão  todos  os  patama- 
res da  escadaria— sem  assentarem  em  coisa 
alguma'^  I. 


I  0  1.°  patamar  que  assenta  no  vão  {como 
todos  os  outros)  tem  de  largura  l^.SO— e  de 
comprimento  total  6"",91. 

O  1."  lanço  central  tem  de  comprimento 
5°,14  e  15  degraus;— comprimento  d'este3, 
afóra  a  cornija,  1",60;— com  a  cornija  2",i6; 
largura  dos  degraus  O^SGS;— altura  O^.IS; 
—comprimento  das  aduelas  inferiores  l'°,87. 

Largura  do  2."  patamar,  em  que  toca  e  se 
firma  este  lanço,  l^.ôQ;— comprimento  7'°,27. 

Este  patamar  é  como  o  1.»— liso  e  plano 
tanto  do  lado  superior  como  inferior  e  divi- 
dido em  3  secções  também,  formado  por  pe- 
dras, cujos  cones  são  análogos  às  d'aquelle. 

D'esle  2."  patamar  sobsm  para  o  3.»  a  S. 
outros  dois  lanços  parallelos  como  os  dois 
primeiros,  encostados  também  ás  paredes 
E.  e  O.,  mas  sem  se  firmarem  n'ellas.  Tem 
de  comprimento  cada  um  d'estes  2  ianços 
5'",03  e  12  degraus;— comprimento  d'estes, 
afóra  a  cornija,  1"',58;— com  a  cornija  1",88; 
—altura  0'°,175;— largura  0"',365;— compri- 
mento das  aduelas  inferiores  1",78. 

O  3.»  patamar  tem  de  largura  l^eo  e  de 
comprimento  total  7°',2,  dividido  exactamen- 
te como  o  1."  patamar  vão  em  3  secções  com 
os  mesmos  cortes  nas  pedras  que  formam  as 
dietas  secções. 

Do  meio  d'este  3.°  patamar  sobe  para  o 
4.°  e  ultimo  a  N.  outro  lanço  sobre  o  vão  e 
sobre  o  i.°  lanço  central  perpendicularmente 
inferior,  até  bater  no  4.°  e  ultimo  patamar, 
que  está  ao  nivel  do  3.»  e  ultimo  pavimento 
e  que  dá  servidão  para  elle. 

Este  6."  e  ultimo  lanço  tem  de  compri- 
mento 4'",66  e  12  degraus;  comprimento 
d'e8tes,  afóra  a  cornija,  l'^,60;— com  a  cor- 
nija 2'°,16:— largura  de  cada  um  0"',40; — al- 
tura 0™,16;— comprimento  das  aduelas  infe- 
riores l'",87. 

Este  ultimo  patamar  tem  de  largura  l^^fiO 
—e  de  comprimento  total  7'",27. 

As  aduelas  do  revestimento  inferior  de 
cada  um  dos  lanços  são  como  aduelas  pla- 
nas que  teem  0'",36  de  espessura,  largura 
arbitraria — e  córtes  mais  ou  menos  oblíquos 
segundo  as  exigências  dos  raios  de  que  es- 
tas linhas  são  prolongamento  ou  antes— see- 


1656  VIS 


VIS 


ção.  Sobre  este  revestimento  assenlam  os  de- 
graus e  a  cornija— e  sobre  esta  a  balaustra- 
da que  reveste  a  escadaria  toda  e  os  pata- 
mares e  fecha  nas  paredes  laleraes  do  ultimo, 
tendo  a  dieta  balaustrada  0'",85  d'altura. 

As  pedras  transver.aaes,  que  formam  a 
cornija  e  revestem  do  lado  exterior  os  dif- 
ferentes  lanços,  teem  d'altura  0",29— e  de 
largura  na  face  superior  0°',30. 

O  6.°  e  ultimo  lanço  ceairal,  que  dà  ac- 
cesso  ao  ultimo  pavimento,  é  de  todos  os  lan- 
ços o  de  mais  suave  ascenso  e  que  menor 
inclinação -tem.  mas  por  isso  mesmo  maior 
pressão  faz  nas  paredes  S.  e  N.  e  tremeu  ha 
annos.  Perdeu  a  recta  e  abrirara-se  algumas 
fendas  nas  aduelas  do  revestimento.  Todos 
receiaram  que  desabasse  e  levasse  comsigo 
o  lanço  central  inferior. 

Consultaram-se  differenies  engenheiros  e 
mestres  d'obras,  mas  lodos  titubiaram,  não 
se  atrevendo  a  desmanchal-o  com  receio  de 
que  não  podessem  reconstruil-o. 

A  ruina  era  imminente  e,  para  d'alguma 
fórma  a  conjurarem,  resolveram  substituir 
a  balaustrada  de  pedra  por  outra  de  ferro 
fundido,  que  foi  feita  na  fundição  de  Massa- 
rellos,  no  Porto,  mas  não  chegou  a  eollocar- 
se,  por  ser  também  muito  pesada  e  porque 
erraram  as  medidas. 

Parte  da  dieta  balaustrada  de  ferro  ainda 
pôde  ver-se  na  egreja  d'este  Seminário  for- 
mando teia  e  dividiudo-a  longitudinalmente 
em  3  secções  cu  cochias,  sendo  mais  larga 
a  do  centro,  soalhada  e  destinada  para  mu- 
lheres, e  as  outras  duas  para  homens,— e 
pozeram  em  toda  a  escadaria  uma  balaus- 
trada de  madeira  pintada,  flngiodo  pedra. 
A  escadaria  íicou  aliviada  d'um  grande  peso» 
mas  continuou  gemendo;  pôl-a  porem  no  são 
6  restaurou-a  com  toda  a  perícia  um  pedrei- 
ro ou  mestre  d'obras  ainda  moço  e  com  bas- 
tante pratica,  mas  sem  curso  algum  d'eslu 
Ú09-^Serafim  Lourenço  Simões,  natural  da 
aldeia  de  Sanguinhèdo  das  Maçãs,  freguezia 
de  Lordosa,  concelho  de  Viseu,  onde  reside 
e  vive  ainda  em  idade  vigorosa. 

O  intellígenle  moço,  depois  de  estudar  bem 
a  escadaria,  montou  estadas, — desmanchou 
o  dicto  lanço,— substituiu  duas  aduelas  por 
outras  mais  firmes  e  com  mais  alguma  es- 


pessura para  retesarem  o  arco — e  o  dicto 
lanço  ficou  firme  e  firme  lá  se  conserva?!... 

Si  licet  magna  componere  parvis,  fez  o  que 
os  engenheiros  trepidavam  em  fazer, — qual 
outro  portuguez  Affonso  Domingues,  mestre 
d'obras  e  cego  que  fez  a  abobada  plana  da 
Batalha,  emendando  a  mão  ao  grande  archi- 
tecto  flamengo. 

V.  Batalha. 

O  mesmo  Serafim  L.  Simões  fez  outras 
obras  n'este  Seminário,  entre  ellas  o  accres- 
centamento  da  torre,  as  varandas  e  a  cúpula» 
e  restaurou  a  capeila  mór  da  egreja,  etc. 

Ahi  lhe  fica  o  nome  consignado,  sentindo 
não  podermos  consignar  aqui  também  o  no- 
me do  architecto  constructor  das  escadas. 

Seria  o  tal  Antonio  Mendes,  dos  lados  de 
Lamego,  que  deu  a  planta  para  a  egreja 
actual  e  a  construiu? 

Aproveitando  o  ensejo,  lambem  consigna- 
remos aqui  o  nome  do  mestre  que  dirigiu 
as  obras  de  carpinteiro  no  3.»  andar  do  cor- 
redor do  sul  e  as  da  sacristia, — e  que  fez  a 
balaustrada  actual  da  escadaria  e  o  forro  do 
torreão  em  forma  cónica.  É  lambem  um  ar- 
tista intelligenle,  natural  da  freguezia  de  Ra- 
nhados, d'este  concelho;— chama-se  José  An- 
tonio Peres, — reside  em  Viseu  e  desde  a  ida- 
de de  16  annos  succedeu  ao  seu  lio  e  mes- 
tre Francisco  Lopes  Peres. 

O  grande  terreiro  do  Seminário,  hoje  Lar- 
go Alves  Martins antigamente  era  mais  pe- 
queno, mais  estreito.  Na  sua  extremidade  S. 
apenas  comprehendia  a  frente  da  egreja  do 
Seminário,  a  porta  d'enlrada  d'e3te  e  um  pe- 
queno espaço  da  fronteria  até  o  vão  que  no 
1.»  pavimento  separa  a  2."  da  3,»  janella. 
D'ali  partia  para  N.  perpendicularmente  um 
muro  que  vedava  a  cerca  e  limitava  o  ter- 
reiro, mas,  approximadamente  em  1868,  foi 
demolido  aquelle  muro  e  o  terreiro  avançou 
até  à  extremidade  leste  da  fronteria  do  Se- 
minário. A  cerca  perdeu  bastante,  mas  o  Se- 
minário, o  terreiro  e  o  publico  lucraram. 

É  actualmente  vice-reitor  d'este  semina- 


*  Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  tó- 
pico Largos  e  Praças. 


VIS 


VJS  1657 


rio  e  director  espiritual  dos  alutnnos  o  rev. 
Joaquim  Paes  de  Sobral,  presbytero  de  mui- 
ta illustração  e  bons  coàlumes,  natural  da 
Povoa  de  Ludanes,  freguezia  de  Seuhorim, 
concelho  de  Nellas.  Eslava  regendo  a  cadei- 
ra de  lheologia  moral  desde  1861  e  desde 
1885,  data  em  que  foi  nomeado  vice  reitor 
aecumula  as  2  commissões,  pois  é  parocho 
de  Fragosella,  onde  se  collou  em  1882  e  lem 
um  coadjutor  a  substituil-o. 

Foi  também  ja  s.  ex.»  n'esle  Seminário 
professor  de  cantochào,  computo  ecelesias- 
tico,  latim  e  latinidade,  regendo  as  dietas 
cadeiras  com  toda  a  proíicieucia — e  o  Semi- 
nário deve  importantes  melhoramentos  à  sua 
zelosa  e  circumspecta  administração. 

Por  morte  do  cónego  e  calendarista  da 
diocese— Ignacio  de  Figueiredo  Magalhães — 
foi  em  1884  o  sr.  Sobral  encarregado  de  o 
substituir,  e  na  orgauisaçãu  do  calendário 
para  uso  do  clero  visiense  teve  occasiào  de 
mostrar  uma  das  suas  muitas  aptidões,  as- 
sombrando a  todos  com  os  seus  vastos  co- 
nhecimentos cumo  rubriciáia  e  compuiista. 

Repartindo  o  tempo  no  confessionário,  no 
acompanhamento  dos  seminaristas  em  todos 
08  exercícios  espiriluaes  e  no  desempenho 
dos  seus . multíplices  cargos^  s.  ex.*  gasta  a 
vida  em  um  afan  constante,  quasi  prodígio 
so,  sem  que  o  trabalho  perturbe  a  lucidez 
do  seu  espirito,  o  seu  adorável  bom  humor 
e  a  sua  encantadora  affabílidade. 

A  s.  ex.»  agradecemos  penhorado  os  in- 
teressantíssimos apontamentos  que  por  in- 
termédio do  sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Men- 
donça nos  enviou  para  a  descripção  d'este 
Seminário  e  da  sua  bella  escadaria,  aponta- 
mentos que  deviam  dar-lhe  um  trabalho  in- 
sano I... 

Conventos 

Era  Viseu  houve  quatro:— o  de  S.  Fran- 
cisco d^Orgens  e  o  de  Santo  Antonio,  ambos 
de  religiosos  capuchos, — o  dos  congregados 
— e  o  das  freiras  benedictinas  do  Bom  Jesus, 
único  existente  ainda.  No  tópico  relativo  á 
freguezia  d'Orgens  (V.)  já  se  fallou  do  1.» — 
e  no  tópico  relativo  ao  Seminário  falláraos 
do  3."~ Agora  fallemos  do  2."  ou  do 


I  Convento  de  Santo  Antonio 

I 

j  Os  frades  capuchos  à'Orgens  foram  sem- 
pre um  modelo  de  reformação  e  humildade, 
dedicação  e  virtude,  pelo  que  os  povos  das 
terras  circumvisinhas  e  da  cidade  de  Viseu, 
— homens  e  mulheres,  pobres  e  ricos,  velhos 
e  eriançaH,— todos  sem  distincção  os  adora- 
vam. Elles  eram  os  melhores  irmãos,  os  me- 
lhores mestres  e  os  melhores  amigos  de  to- 
dos,— a  bonança,  a  paz  «  santelmo  nas  gran- 
des crises,— a  sombra  e  a  voz  de  Deus  ao 
lado  dos  moribundos,  pelo  que  todo  o  anno 
e  a  toda  a  hora,  de  dia  e  de  noite,  muitas 
vezes  debaixo  de  sol  ardentíssimo,  outras 
pisando  neve  e  arrostando  com  os  venda- 
vaes,  elles,  a  pedido  dos  fieis,  caminhavam 
pressurosos  para  Viseu  no  exercício  do  seu 
santo  ministério,  já  para  confessarem  e  con- 
fortarem os  doentes,  já  para  assistirem  aos 
moribundos  e  agonisantes;  distava  porem  o 
convento  mais  de  3  kilometros  pelo  que  os 
visienses,  condoídos  dos  pobres  frades  e  de- 
sejando tel-os  mai8  perto,  resolveram  le- 
val-os  para  Viseu. 

De  bom  grado  annuiram  os  capuchos, 
raesfíio  purqae,  vivendo  de  esmolas  e  sendo 
os  visienses  os  seus  prioeipaes  bemfeitores, 
poupavam-se  ao  incommodo  da  carreal-as 
para  Orgens,  mas  surgiram  difliculdades  e 
foi  morosa  a  transferen^-ia.  Empenhou-se  em 
realísal-a  o  bispo  D.  João  Manoel que  pre- 
sava  os  capuchos  como  seus  filhos  e  tanto 
que  no  velho  Seminário,  contíguo  ao  seu 
paço  episcopal,  tinha  sempre  duas  casas  re- 
servadas para  elles  e  no  seu  próprio  paço 
uma  enfermaria  onde  os  traetava,  quando 
doentes;— e  mandava-lhes  ao  convento  as -es- 
molas, o  que  praticavam  também  muitos  vi- 
sienses. 

Em  1613  o  dicto  prelado  e  a  camará  de  Vi- 
seu requereram  a  Filippe  III  de  Hespanha  a 
transferencia,  a  qual  o  rei  concedeu  por  al- 


1  O  seu  pontificado  prolongou  se  de  1610 
à  1625. 
Veja-se  o  nosso  catalogo. 


1658  VIS 


VIS 


vara  de  30  d'agosto  do  mesmo  anno.  N'elle  i 
ordenava  ao  corregedor  de  Viseu  que  pro-  j 
cedesse  à  mudança  dos  capuchos  para  a  ci- 
dade;— que  o  novo  convento  se  Intilulasse 
de  S.  Francisco,  por  haver  sido  da  observân- 
cia o  de  Orgens;— que  este  ficasse  total- 
mente deserto; — que  a  egreja,  quando  não 
fosse  demolida,  se  entregasse  a  um  ermitão 
ou  clérigo,  para  velar  pnr  elia— e  finalmente 
que  do  producto  da  cerca  se  desse  metade 
a  quem  a  fabricasse  e  a  outra  metade  se  dis- 
tribuísse em  esmolas.  Não  se  effectuou  po- 
rem então  a  transff-reneia,  por  não  terem 
ainda  os  capuchos  convento  na  cidade  e  por- 
que 08  povos  d*Orgf'nâ  ficaram  magoadissi- 
mos.  Com  as  lagrimas  nos  olhos,  tanto  ro- 
garam ri  pediram  ao  prelado  a  conservação 
dos  capuchos,  que  o  prelado  afrouxou  no 
seu  empenho  e  com  eile  affrouxaram  tam- 
bém 08  visienses;  entretanto  não  desistiram 
e  foram  procurando  local  para  o  novo  con- 
vento. Alguém  lembrou  o  chão  de  S.  Marti- 
nho; outros  lembraram  o  terreiro  de  Santa 
Cristina;  outros  queriam  se  fizesse  em  Ra- 
nhados, na  quinta  de  Santo  Antonio  do  Pe 
reiro,  que  muito  generosamente  offereceu  o 
cónego  Antonio  Leilão,  mas  recusaram-na, 
por  ser  distante,  e  decorreram  20  annos  sem 
tomarem  resolução  definitiva. 

Em  1633  já  residiam  alguns  dos  dictos 
frades  com  muito  poucos  commodos  junto 
da  egreja  de  S.  Miguel  do  Fetal,— diz  o  sábio 
cónego  Berardo  nas  suas  Noticias  de  Viseu^ 
sem  esclarecer  melhor  este  ponto;  F.  Ma- 
nuel na  sua  interessante  Memoria  ms.,  pag. 
137  a  138,  accrescenta  que  viviam  nos  pas- 
saes  e  antiga  residência  de  S.  Miguel  do  Fe- 
tal, hoje  quinta  dos  Cardosos;— Fr.  Manuel 
da  Esperança  na  Historia  Seraphica,  tomo 
2.°,  falia  muito  largamente  do  convento  d'Or- 
gens,  mas  do  de  Santo  Antonio  apenas  faz 
leve  menção  a  fl.  542,  v.  in-fine.  Valeu-nos 
o  padre  Leonardo  de  Sousa,  pois  no  seu  in- 
teressantíssimo Catalogo,  fl.  48,  v.  e  49,  diz 
que  os  frades  d'Orgens  fundaram  em  Viseu 
a  sua  primeira  casa  nos  subúrbios  da.cida- 


1  Liberal  n."  14  de  20  de  junho  de  1857- 


I  de.  I  Para  isto — accrescenta  elle—forão  ajun- 
j  tando  varias  esmollas  dos  moradores,  com 
que  comprarão  hua  quinta  (hoje — 1767— de 
Manuel  de  Mesquita  Cardoso)  com  suas  ca- 
sas :  tudo  quasi  contíguo  à  Igreja  de  S.  Mi- 
guel, chamado  do  Fetal,  pelo  muito  qne  B'a- 
quelle  tempo  havia  ainda  no  mesmo  sitio. 
Erão  todas  estas  propriedades  de  hum  Da- 
vid Alvares,  pedreiro  e  mestre  d'obras,  e  as 
compraram  por  tresentos  mil  réis.  Logo  em 
hua  das  taes  casas,  situadas  dentro  da  mes- 
ma quinta,  erigirão  capella,  onde  se  disse  a 
primeira  missa  em  hua  segunda  feira,  20  de 
junho  do  dicto  anno  de  1633,  pondo-lhe  a 
invocação  de  casa  de  Santo  Antonio. 

«N'este  sitio  e  capella  se  disse  a  primeira 
missa  pelo  Rev."»  Padre  provincial  da  sua 
mesma  província,  que  ainda  era  de  Santo 
Antonio,  e  que  passados  70  annos  (em  1703) 
se  intitulou  da  Conceição.  Chamava-se  o  tal 
religioso  Fr.  Manuel  do  Santa  Catharina,  na- 
tural do  Brazil,  e  pregou  o  Padre  guardião 
que  então  era  do  convento  de  Orgens— Fr. 
Manuel  da  Purificação,  natural  de  Bretiande, 
bispado  de  Lamego. 

t  Assistiu  a  esta  funcção  de  gosto  para  os 
vizienses,  pella  commodidade  que  conside- 
ravão  na  administração  dos  sacramentos,  e 
para  os  taes  religiosos  de  utilidade  pelo  so- 
litário do  sitio,  e  abundância  de  hortas,  in- 
numeravel  povo,  que  nunca  falta  em  seme- 
lhantes oecasiões.» 

A  fl.  55,  56  e  57,  volvendo  a  fallar  d'e8te 
convento,  diz  mais  o  seguinte : 

•  Não  satisfeitos  os  religiosos  de  Santo  An- 
tonio, residentes  no  seu  hospieio  de  S.  Mi- 
guel desde  o  anno  de  1633,  por  alguns  in- 
convenientes que  experimentaram  no  sítio, 
determinarão  buscar  outro  para  sua  firme 
presistencia.  Havia  fallecido  (em  1634)  o  rev. 
chantre  Gaspar  de  Campos  e  Abreu,  mora- 
dor que  fôra  em  outra  quinta  situada,  e  fron- 
teira ao  terreiro  de  Maçorim,  dos  maiores 
que  tem  a  mesma  cidade,  e  como  por  sua 
morte  lhe  ficasse  hua  filha  menor  por  nome 
Theresa,  a  quem  tocou  por  legitima  a  mesma 
propriedade  com  todas  as  suas  pertenças, 
fizerão  as  possíveis  diligencias  para  a  con- 
!  seguir. 


VIS 


VIS  1659 


«Muito  agradava  aos  mesmos  religiosos  o 
sitio  e  a  comprarão,  com  o  consentimento 
do  curador  da  menor,  por  dom  mil  e  qui- 
nhentos cruzados.  Para  effeito  desta  compra 
venderão  a  quinta  em  que  eslavão,  com  li- 
cença da  Sé  Apostólica. . .  e  com  o  producto 
de  mais  algumas  esmolas  dos  principaes  mo- 
radores de  Viseu,  fizerão  termo  de  deposito 
na  mão  de  Manuel  de  Mesquita  Ferrão,  sen- 
do corregedor  da  comarca  Manuel  de  Sousa 
de  Meneses,  e  escrivão  da  correição  Antonio 
d'Alvellos  e  Abreu. 

«Disposto  assim  o  novo  sitio,  que  consta- 
va de  hua  morada  de  casas  com  suas  hortas 
e  mala  d'arvores  silvestres,  artificiosamente 
plantadas,  ainda  não  linhão  tomado  pos- 
se por  falta  da  licença  d'el-rel,  que  de  Cas- 
tella  com  impaciência  esperavão.  Chegou  fi- 
nalmente de  Hespanha  decreto  assignado  por 
D.  Filippe  III  de  Portugal,  expedido  a  25  de 
janeiro  de  163o. 

«...Tomarão  posse  aos  29  do  mez  de 
março  do  dicto  anno  e  logo  mandarão  abrir 
os  alicerces  para  hua  egreja  de  141  palmos 
de  comprido  e  35  de  largo,  com  corredores 
e  officinas  para  14  religiosos,  prezentemente 
(refere-se  ao  anno  de  1767)  mais  de  30,  que 
a  cidade  se  obrigou  a  sustentar,  com  a  clau- 
zula  de  pregarem,  confessarem  e  assistirem 
aos  moribundos.  Assim  consta  de  vários  do- 
cumentos do  cartório  do  tabellião  João  de 
Barros  e  outros. 

«Aos  6  de  maio  se  lançou  a  l  *  pedra  com 
grande  solemnídade  e  assistência  do  cabido, 
senado,  nobresa,  e  povo  de  hum  e  outro 
sexo. 

«Tanto  era  o  desejo  que  os  mesmos  reli- 
giosos tinhão  de  assistir,  e  morar  na  cidade 
que,  para  se  adiantar  a  obra  com  a  sua  pre- 
sença, determinarão  viesse  o  Sanlissimo  do 
convento  de  Orgens  com  a  maior  solemní- 
dade possível.  Concorreo  a  este  acto  innu- 
meravel  povo...  prezidindo  aos  taes  reli- 
giosos o  seo  provincial  Fr.  Francisco  de  S. 
Miguel  e  o  Padre  Guardião  Fr.  Manoel  da 
Purificação.  Collocado  o  Senhor  eui  hum 
oratório  feito  nas  casas  da  mesma  quinta, 
n'ella  ficou  por  regente  com  alguns  religio- 
sos o  venerável  Fr.  João  de  Villa  Real,  eon- 


I  fessor  que  foi  da  rainha  D.  Luiza,  mulher 
j  d'el-rei  D  João  IV. 

I  «Continuarão  as  obras,  e  em  brevíssimo 
tempo  se  concluirão,  pello  que  concorrendo 
para  o  tal  convento  por  obediência  do  pro- 
vincial vários  religiosos  de  Lisboa,  a  quem 
ainda  se  achava  sugeita  a  provimia  da  Con- 
ceição, ti  verão  por  seo  primeiro  guardião  da 
dieta  casa  vizense  Fr.  João  da  Natividade, 
pregador.» 

A  transcripção  é  longa,  mas  interessante 
para  a  historia  d'este  convento  e  quizemos 
salvar,  ao  menos  em  parte,  o  qae  ainda  resta 
do  Catalogo  do  Padre  Sousa. 

Em  1718  era  guardião  d*este  convento  Fr. 
Jorge  d'Assumpção,  denominado  cflj9ííí?o,  por 
que  longos  annos  viveu  captivo  na  Africa, 
soffrendo  com  resignação  evangélica  as  maio- 
res torturas,  privações  e  affrontas.  Foi.muíto 
estimado  pelo  bispo  visiense  D.  Jeronymo 
Soares,  que  se  comprasia  em  palestrar  com 
o  dicto  guardiãc  e  em  ouvir  a  teirica  histo- 
ria dos  christãos  captivos,  pelo  que  se  de- 
clarou protector  d'elle9,  contribuindo  com 
largas  esmolas  para  o  resgate  d'aquel!es  in- 
felizes, e  foi  também  um  insigne  bemfeitor 
d'este  convento,  bem  como  D.  Ricardo  Rus- 
sel. 

Veja-se  no  nosso  catalogo  a  biographia 
d'esies  dois  beneméritos  prelados  visien- 
ses. 

D.  Ricardo  mandou  fazer  n'este  convento 
a  enfermaria,  e  na  mata  um  grande  terreiro 
circular,  com  assentos  de  pedra  em  volta, 
onde  costumava  no  verão  passar  as  tardes, 
rindo  e  palestrando  com  os  religiosos  e  com 
os  noviços,  dirigindo  a  estes  graças  ínnocen- 
tes  e  dictos  joco-serios  para  os  divertir  e/a- 
zer  rir,  dislribuindo  lhes  ao  mesmo  tempo 
pela  sua  própria  mão  grande  quantidade  de 
doces,  que  para  o  mesmo  fim  levava  em  cai- 
xas no  vão  da  sua  carruagem,  fomo  diz  o 
padre  Sousa. 

Estavam  todos  então  por  certo  bem  mais 
coDtenles  e  tranquillos  do  que  em  164i> 
quando  se  deu  o  facto  seguinte: 

'     «No  dia  12  de  junho  de  1641,  diz  Berar- 


1660  VIS 


VIS 


do  1  mudarão  os  religiosos  para  o  novo  con-  j 
vento  e  celebrarão  a  primeira  missa  na  sua  . 
egreja. 

iPor  este  tempo  ardia  Portugal  em  gue  rra 
contra  Casiella,  o  povo  estava  armado,  e  os 
telegraphos  grosseiros  que  davãq  signal  da 
entrada  do  inimigo  erão  simples  fachos  ou 
fogueiras  eolloeadas  n'uma  serie  de  posiçiíes 
até  ás  raias  deHespanha.  No  dia  14  d'agosto 
d'aqaélle  anuo  aconleceo  incendiarem-se  os 
fachos;  o  povo  correo  ás  fronteiras,  porem 
chegando  ao  logar  de  Cavernães,  souberão 
que  foi  rebate  falso. 

«No  ensejo  de  voltarem  para  suas  casas, 
hum  certo  serralheiro  João  Gomes  Pardello, 
que  era  mester  da  camará  n'aquelle  anno, 
homem  audaz  e  agitador,  concebeo  o  pro- 
jecto de  acabar  com  hum  certo  Luiz  Ferrão, 
seu  inimigo  figadal,  que  andava  homisiado, 
e  corria  por  certo  ter-se  acoutado  no  con- 
vento de  Santo  Antonio  de  Maçotim. 

•  Com  este  intuito  Pardello  harengou 
áquellas  turbas,  excilou-as,  e  assegurou- 
Ihes,  que  os  traidores  esta  vão  escondidos  na 
cidade  de  Viseu.  Unem-se-lhe  então  mais  de 
<]uatro  mil  pessoas,  que  capitaneadas  por  elle 
vem  acommeiter  o  convento  de  Maçorim, 
Entrão  pela  clausura,  arrombão,  deiurbão, 
e  destroem  quanto  se  lhes  oppòe.  Não  vale 
aos  religiosos  o  prestigio  da  veneração  que 
gosavão,  e  aquelles  que  ha  pouco  beijavão  o 
burel  grosseiro  dos  seus  hábitos,  lhe  cospem 
agora  e  o  puxão  de  despeito  e  ira. 

«Já  se  dispunhão  para  incendiar  o  con- 
vento, quando  os  religiosos  tomarão  o  expe- 
diente de  ir  tirar  o  Sagrado  Viatico,  e  apre- 
sentarem-se  com  elle  ao  povo  amotinado. 
Aquietarão-se  então  os  ânimos  pouco  a  pou- 
co, e  como  alguém  dissesse  que  ali  não  ha- 
via traidores,  forão-se  retirando  confusos  e 
quasi  envergonhados.  Tal  hé  o  caracter  da 
gentalha  vil  e  ignorante I. . .» 

Foi  este  convento  casa  de  noviciado  dos 
capuchos  franciscanos  da  provinda  da  Con- 
ceição, depois  que  em  1703  esta  província  se 
desmembrou  da  de  Santo  Antonio,— em  1834 


1  V.  no  Liberal  o  mesmo  numero  citado 
supra. 


foi  extincto,  como  todas  as  aossas  ordens  re- 
ligiosas;—passado  pouco  tempo  a  egreja  foi 
profanada  e  todo  o  convento  foi  reduzido  a 
quartel  militar  do  regimento  de  infanteria 
n.°  14,  ainda  hoje  aqui  estacionado. 

F.  Manuel  diz  que  estes  religiosos  viveram 
28  aunos  na  sua  casa  de  S.  Miguel  do  Fetal, 
mas  n'este  ponto  claudicou,  pois,  como  já 
dissemos,  installaram-se  na  quinta  de  S.  Mi- 
guel do  Fetal  em  1633;— veoderam-na  em 
1634  a  1635;— em  1641  ja  estavam  definiti- 
vamente installados  em  Maçorim,  havendo - 
se  transferido  para  ali  annos  antes, — talvez 
em  1635,  para  activarem  a  construeção  do 
novo  convento.  Logo  apenas  estiveram  em 
S.  Miguel  2  a  8  annos  e  não  28  annos. 

F.  Manuel  suppõe  que  elles  mudaram  para 
S.  Miguel  do  Fetal  quando  tentaram  pela  1.» 
vez  transferir-se  para  Viseu  no  anno  de  1613, 
mas  o  padre  Sousa  diz  que  deixaram  pas- 
sar mais  de  20  annos  sem  que  se  effectuusse 
o  intentado.  Refere-se  á  mudança  proviso 
ria  para  S.  Miguel  em  1633  e  para  o  orató- 
rio de  Maçorim  em  1635— e  á  mudança  de- 
finitiva para  o  convento  de  Maçorim  em 
1641. 

Note-se  que  o  convento  d'Orgens  nunca 
ficou  totalmente  deserto,  como  no  seu  alvará 
ordenou  Filippe  III  de  Hespanha.  Pelo  con- 
trario conservou  sempre  religiosos  capuchos 
em  forma  de  communidade  mais  ou  menos 
numerosa  até  1834,  data  da  extineção  dos 
conventos. 

Coincidência 

Em  1635  desabou  uma  das  torres  e  com 
ella  a  fronteria  da  cathedral— e  no  mesmo 
anno  se  inaugurou  a  construeção  d'e8te  con- 
vento franciscano  de  Santo  Antonio  de  Ma- 
çorim, pelo  que  o  dr.  Manuel  Botelho  Ribei- 
ro nos  seus  Diálogos  {Códice  de  Girabolhos 
pag.  477  a  480)  dedicou  a  esta  coincidência 
um  longo  romance,  do  qual  extractaremos 
apenas  os  versos  seguintes : 


«Só  porque  sólo  en  el  tiempo 
Que  nuestra  iglezia  há  caido. 
Restaura  la  perdicion, 
Y  nos  dá  eonsuelo  y  brio. 


VIS 


Beza  el  pied,  lôva  a  tu  Santo, 
Viseo,  por  tal  beneflcio, 
Que  te  viene  a  soeeorrer, 
Ja  razos  tus  edifícios. 


Gente  devota,  alegraos. 
Que  ya  Antonio  y  Francisco 
Tiene  applacado  a  DiÓ3, 
E  revogado  el  castigo. 


;  Convento  do  Bom  Jesus 

de  freiras  benedictinas 

Demora  no  largo  das  Freiras,  pelo  qual  se 
entra  para  a  egreja  e  portaria. 
A  sua  historia  em  resumo  é  a  seguinte:  ^ 
Pelos  annos  de  1560  dois  nobres  visien- 
ses—o licenciado  Belchior  Lourenço  e  sua 
1."  mulher  Mana  de  Queiroz  Castello  Bran- 
co,—ião  tendo  filhos,  resolveram  fundar  um 
convento  de  freiras  benedictinas  e  para  esse 
fim  a  dieta  senhora  no  seu  testamento  com 
data  de  17  d'abril  de  1569  doou  todos  os 
s€us  bens  ao  bispo  D.  Jorge  d'Athaide,  com 
a  condicção  de  ser  admittida  no  projectado 
convento  uma  sua  sobrinha  e,  se  o  convento 
se  não  fizesse,  deixava  a  testadora  todos  os 
seus  bens  em  morgado  e  vinculados  á  Ca- 
pella de  S.  Luiz,  por  ella  mandada  fazer,— 
morgado  de  que  seria  primeiro  administra- 
dor Constantino  de  Castello  Branco,  seu  so- 
brinho. 2 

D.  Jorge  d'Athaide,  cujo  pontificado  se 
prolongou  de  1568  até  1578,  deu  principio 
e  grande  impulso  ás  obras,  mas  nào  as  con- 


1  Benedictina  Lusit:  por  Fr.  Leão  de  S. 
Thomaz,  tomo  2.»  pag.  396  a  íOO;— Noticias 
de  Vizeu  pelo  cónego  José  d'01iveira  Berar- 
do, no  Liberal  n."  14,  de  20  de  junho  de  1857; 
—Diálogos  do  dr.  Botelho,  pag.  430  e  431  no 
Códice  de  Girabolhos;— Catalogo  do  padre 
Leonardo  de  Sousa,  tomo  3.»  íl.  23— e  Me- 
moria de  Francisco  Manuel  Correia,  pag. 
86  e  87. 

2  Vejam-se  os  auctores  citados,  os  quaes 
todos  seguem  a  Benedictina  Lusit.  menos  o 
dr,  Botelho,  cuja  lição  differe  muito  n'este 
ponto. 

VOLUME  XI 


VIS  1661 

cluiu.  Em  1579  até  1585  foi  bispo  de  Viseu, 
e  bispo  aliás  benemérito,  D.  Miguel  de  Cas- 
tro, mas  durante  os  6  annos  do  seu  pontifi- 
cado não  se  importou  com  o  dicto  convento. 
Sueeedeu-lhe  em  1586  o  bispo  D.  Nuno  de 
Noronha,  que  logo  se  entendeu  com  os  her- 
deiros do  licenciado  Belchior  Lourenço  e  de 
sua  2."  mulher— e  activou  tanto  as  obras  que 
em  menos  de  5  aonos  ultimou  o  mosteiro, 
— dotou-o  cora  o  rendimento  da  egreja  de 
S,  Cypriajio—e  n'elle  installou  com  grande 
pompa  as  primeiras  religiosas,  vindas  do 
convento,  também  benedictino,  de  Ferreira 
d' Aves,  depois  de  obter  permissão  do  papa  e 
do  rei. 

Estando  tudo  disposto  para  a  abertura  do 
novo  convento,  partiu  D.  Nuno  para  Ferreira 
d'Aves  no  dia  26  de  setembro  de  1592,  tendo 
feito  saber  á  nobresa  da  cidade  que  no  dia 
27  (domingo)  havia  de  entrar  n'ella  com  as 
religiosas,  como  effectivamente  entrou  pelas 
4  horas  da  tarde,  acompanhado  por  toda  a 
nobresa,  pelo  cabido  e  por  muitos  cidadãos 
de  Viseu,  que  foram  esperar  o  bispo  e  as 
religiosas  a  uma  legoa  de  distancia. 

Eram  ellas  as  seguintes:— Leonor  de  Tá- 
vora das  Chagas,  senhora  respeitabilissima, 
destinada  para  abadessa  e  pertencia  á  nobre 
familiaTavoras;— Jeroííí/ma  Cabral  da  Cruz, 
dos  Cabraes  de  Belmonte,  prioresa;—Vio- 
lanta  do  Espirito  Santo,  irmã  da  abbadessa, 
e  Magdalena  da  Ressurreição,  porteiras;— 
Joanna  Mendes  da  Assumpção,  sacristã;— 
Filippa  Correia  da  Annunciação,  mestra  de 
noviças,  cantora- mór  e  tulheira. 

Poisaram  as  religiosas  nas  melhores  casas 
dft  Viseu  que  d'antemão  estavam  despejadas 
e  preparadas  para  as  receberem;— ali  des- 
cançaram  até  que  no  dia  29,  terça  feira,  dia 
de  S.  Miguel  o  Anjo,  foi  logo  de  manhã  D.  Nu- 
no cumprimentai -as  e  em  seguida  as  acom- 
panhou com  immenso  concurso  de  povo  até 
à  Sé,  onde  o  prelado  em  seguida  cantou 
missa  solemne,  pregando  o  afamado  orador 
João  de  Lucena,  jesuita. 

Terminada  a  festa  organisou-se  uma  so- 
lemne procissão  com  todas  as  bandeiras  e 
cruzes,  cabido  e  mais  cleresia  da  cidade  e 
seu  termo;— n'ella  se  incorporaram  as  reli- 

105 


1662  VIS 


VIS 


giosas  com  os  seus  hábitos  e  cogulas;— em 
seguida  o  prelado  tomou  nas  mãos  a  sagra-, 
da  custodia  com  o  Sanlissimo;— a  cantora- 
mór  Filippa  da  Aanunciação  levantou  o  Te 
Deum  laudamus,  que  foram  proseguindo  os 
cantores  e  o  clero;— poz- se  em  marcha  a 
procissão  6,  depois  de  dar  uma  grande  volta 
pela  cidade,  entrou  na  egreja  do  convento. 
O  prelado  coUoeou  o  Santíssimo  no  sacrário; 
— depois  levou  as  religiosas  até  o  côro  do 
convento,— ali  mandou  sentar  a  abbadessa  e 
lhe  deu  posse — e  em  seguida  retirou-se  para 
o  seu  palácio  da  Sé.  De  tarde  volveu  ao  con- 
vento e  com  toda  a  solemnidade  e  extraor- 
dinária concorrência  de  povo  lançou  o  ha- 
bito a  8  noviças,  sendo  a  i.»  JD.  Pautn  de  No- 
ronha, sua  sobrinha,  que  posteriormente  foi 
abbadessa  repetidas  vezes.  Pregou  também 
por  essa  occasião  o  mesmo  padre  João  de 
Lucena,  compungindo  até  as  lagrimas  o  pró- 
prio bispo. 

Assim  começou  este  mosteiro,  que  hoje 
(1887)  conta  cerca  de  300  annos.  N'elle  se 
devem  ter  passado  factos  importantes,  cuja 
memoria  se  perdeu.  Oecorrem-nos  apenas  os 
seguintes : 

iEm  19  de  novembro  de  1737  sahirão  as 
freiras  do  convento  da  cidade  de  Vizeu  em 
acto  de  communidade  com  a  cruz  levantada, 
ao  terreiro  a  esburralharem  e  desfazerem 
huma  porta  da  parede  do  quintal  das  casas 
de  Balthazar  Pinto  da  Motta,  escrivão  das  Si- 
sas d'esta  cidade;  a  cujo  acto  concorrerão 
todas  as  justiças  para  as  aceommodarem, 
porem  ellas  não  se  recolherão  sem  ficar  a  di- 
eta porta  de  todo  tapada,  e  sem  signal  do 
que  foi.» 

É  isto  o  que  textualmente  diz  Berardo  nas 
suas  Noticias  de  Viseu  (logar  citado).  O  mes- 
mo sábio  cónego  diz  também  que,  por  moti- 
vos d\elle  ignorados,  as  justiças  de  Viseu  pro- 
hibiram  a  certas  pessoas  todo  o  tracto,  com- 
municação  e  correspondência  com  as  reli- 
giosas d'este  mosteiro,  e  em  seguida  aponta 
uma  provisão,  da  qual  se  infere  que  no  mela- 
do do  ultimo  século  home  grandes  desgostos 
que  envolveram  uma  religiosa  d'este  con- 
vento e  dois  dos  primeiros  fidalgos  de  Viseu, 
pae  e  filho I. . .  | 


.    A  meDcionada  provisão  ó  a  seguinte : 

•D.  José  por  graça  de  Deus  rei  de  Portu- 
gal e  dos  Algarves,  etc. 

«Faço  saber  a  vós  corregedor  da  comarca 
de  Vizeu,  que  Manuel  Cerdoso  de  Loureiro, 
capitão  mór  d'essa  cidade,  e  seu  filho  do 
mesmo  nome  me  representarão  por  sua  pe- 
tição, que  recorrendo  ao  Dezembargo  do  Pa- 
ço para  que  lhes  levantasse  a  prohibição  de 
poderem  entrar  n'essa  cidade  que  por  ordem 
Minha  se  lhes  havia  posto,  em  resultado  da 
Alçada  que  estivera  n'essa  mesma  cidade; 
e  por  haverem  cessado  os  fundamentos  da 
dieta  prohibição  e  estar  satisfeita  a  parte,  e 
o  supplicante  pai  ter  cumprido  o  degredo  (?) 
em  que  fòra  condemnado,  e  se  lhe  deferira 
que  recorressem  a  Mim  immediatamente, 
como  constava  da  petição  que  juntarão,  na 
qual  também  se  referia  e  justificava  que  os 
supplicantes  tinbão  sete  filhas  e  netas  don- 
zellas,  que  estavão  em  grande  desamparo,  e 
estava  destruida  a  sua  casa  por  andarem 
mais  de  dez  annos  auzentes  d'ella,  e  pelas 
grandes  despezas  que  lhes  fizera  a  dieta  Al- 
çada; e  que  o  supplicante  pai  padecia  quei- 
xas gravíssimas  que  só  poderiam  ter  remé- 
dio nos  ares  da  sua  pátria,  pedindo — elle 
que  lhe  fizesse  mercê  conceder  provisão  pa- 
ra que  os  supplicantes  se  podessem  recolher 
à  dieta  cidade,  . . .  Hei  por  bem  que  os  sup- 
plicantes se  possão  recolher  a  essa  cidade  e 
estar  n'ella  ...com  a  declaração  porem  que 
não  poderão  ir  ao  Convento  das  lieligiosas 
de  S.  Bento  dessa  cidade,  em  quanto  se  não 
morigerar  o  génio  da  Religiosa,  filha  de  D, 
Josefa  1 . . . 

«El  rei  Nosso  Senhor  o  mandou  e  Anto- 
nio Alves  Pimenta  a  fez  em  Lisboa  a  13  de 
maio  de  1751  annos. . . » 

A  egreja  d'este  convento  era  muito  pe- 
quena, pelo  que  as  freiras  em  1628  lhe  ac- 
creseentaram  31  palmos,— e  no  mesmo  an- 
no,  em  23  de  fevereiro,  foi  tanta  a  chuva  em 
Viseu  que  parecia  um  novo  diluvio,— inun- 
dou a  egreja  d'este  convento  e  obrigou  as 
freiras  a  mudarem  o  Santíssimo  para  o  altar 
da  enfermaria. 

Também  nos  fins  do  século  xvii  ou  prin- 


VIS 


VIS  1663 


cipios  do  século  xviii,  sendo  pequeno  o  mos- 
teiro e  achando  se  bastante  arruinado,  o 
santo  bispo  D.  Jeronymo  Soares  n'elle  fez 
um  grande  corredor  fronteiro  á  egreja  e  re- 
formou varias  oílicinas. 

Veja-se  no  nosso  Catalogo  os  tópicos  rela- 
tivos a  D.  Nuno  de  Noronha,  D.  Fr.  João  de 
de  Portugal,  D.  Jeronymo  Soares  e  D.  Julio 
Francisco  d' Oliveira. 

Este  ultimo  prelado  na  sua  primeira  vi- 
sita da  diocese  também  visitou  este  conven- 
to, gastando  com  a  visita  nada  menos  de  17 
dias— e  com  a  da  Sé  15  dias !  Foi  muito  ri- 
goroso e  minucioso  na  sua  primeira  visita 
da  diocese;— processou  e  prendeu  muitos  pa- 
dres, incluindo  alguns  parochos  coitados,  e 
outros  tiveram  de  homisiar-sel...— mas 
com  o  seu  rigorismo  e  prepotências  indis- 
poz-se  com  toda  a  cidade,— recebeu  as  maio- 
res desconsideraçces,— chorou  lagrimas  de 
sangue,-'íet?e  de  pedir  de  joelhos  na  Sé  pu- 
blicamente perdão  a  todos  em  um  dia  de  festa 
dupplex  de  í.»  classe,  no  dia  6  de  janeiro  de 
1746,— Q  em  seguida  soltou  todos  os  padres 
que  estavam  presos. 

Na  visita  das  egrejas  demorava-se  quasi 
sempre  até  alta  noite.  Finalisou  tão  tarde, 
por  exemplo,  a  de  Villar  Secco,  no  concelho 
de  Nellas,  que  dirigindo-se  em  seguida  para 
a  residência  do  abbade  de  Santar,  distante 
cerca  de  4  kilometros,  chegou  ali  ás  duas 
horas  depois  da  meia  noite  ?  I . . . 

Terminaremos  dizendo  que  d'este  conven- 
to apenas  resta  hoje  uma  freira  professa,  com 
o  titulo  de  abbadessa,— D.  Maria  Delfina,  fi- 
lha natural  do  fallecido  conselheiro  José  Ma- 
ria Leite,  da  Villa  da  Aguieira,  tio  materno 
de  João  de  Saccadura  Bote  Cortereal  Pache- 
co, da  mesma  villa  da  Aguieira,  que  falleceu 
ha  pouco  em  Lisboa.  Esta  senhora  está  de- 
crépita e  o  convento  prestes  a  extinguir-se^ 
pelo  que  o  prelado  diocesano  pediu  ao  go- 
verno para  ali  se  estabelecer  uma  casa  de 
educação  religiosa  para  meninas  pobres  e 
porcionistas,  mas  parece  ter  encontrado  dif- 
ficuldades  esta  pretenção. 

Ordens  S." 

Ha  em  Viseu  duas  Ordens  Terceiras,— a 


de  S.  Francisco  d' Assis  e  a  de  Nossa  Senho  - 
ra  do  Carmo.  Paliaremos  d'ellas  conjancta- 
mente,  porque  a  2.»  ó  ramificação  da  1.» — 
e  vamos  resumir  quanto  possível,  para  não 
fatigarmos  os  leitores. 

A  Ordem  3.*  de  S.  Francisco  foi  inslallada 
primitivamente  na  cathedral  em  1557  e  ali 
funccionou  39  annos,  ou  até  1596,  data  em 
que  passou  para  a  egreja  da  Misericórdia. 
Em  1636  achava-se  em  decadência,  mas  um 
Fr.  Lourenço  d' Évora  excitou  a  devoção  dos 
visienses  e  no  dia  11  de  fevereiro  d'aquelle 
anno  se  elegeram  mesarios  da  dieta  ordem 
no  côro  do  convento  franciscano  de  Santo 
Antonio  de  Maçorim,— ou  no  oratório  que  ali 
tiveram  os  capuchos  durante  a  construcção 
do  convento,— construcção  que  principiou> 
como  já  dissemos,  era  1635. 

Restaurada  a  dieta  ordem  3.",  continuou  a 
exercer  as  suas  funcções  em  uma  capellinha 
e  casa  que  os  bispos  lhe  mandaram  edificar 
sob  a  enfermaria  do  mencionado  convento, 
até  que  em  1729  se  levantou  grande  dissen- 
ção  entre  os  frades  e  os  seus  irmãos  3.»'. 
Depois  de  grandes  sensaborias,  os  religiosos 
taparam  a  porta  da  casa  dos  3.""  que  lhes 
dava  entrada  pelo  adro,— entregaram -lhes  as 
imagens  e  alfaias— e  despediram-nos. 

Os  3."  despeitados  dirigiram-se  ao  cabido, 
que  então  governava  a  diocese,  e  com  au- 
ctorisação  d'elle  foram  estabelecer-sená  Ca- 
pella de  Santa  Christina,  onde  se  conserva- 
ram cerca  de  4  annos  sempre  em  pleitos  com 
os  capuchos  e  fazendo  esforços  para  obterem 
um  padre  commissario  dos  franciscanos  ob- 
servantes, o  que  não  poderam  conseguir, 
pelo  que  muitos  dos  irmãos  se  despediram 
da  ordem,  mas  outros  mais  dóceis  volveram 
com  as  imagens  e  alfaias  para  o  convento  de 
Santo  Antonio  e  se  conservaram  submissos 
aos  capuchos. 

Não  se  deram  por  vencidos  os  dissidentes 
e,  animados  com  o  apparecimento  do  livro 
Thesouro  Cnrmelitano,  vendo  que  os  Irmãos 
3."'  do  Carmo  obtiveram  um  pasmoso  nume- 
ro de  indulgesncias,  tractaram  logo  de  pedir 
ao  provincial  dos  carmelitas  calçados  um 
commissario  para  instituírem  uma  Ordem 
3.»  do  Carmo  na  mencionada  capella  de  San- 


le64  VIS 


VIS 


ta  Christina,  que  para  semelhante  eEfeito  já 
o  cabido  sede  vacante  lhes  havia  doado. 


Em  21  de  maio  de  1733  chegou  a  Viseu 
o  Padre  mestre  Fr.  João  de  S.  Thiago,  car- 
melita, commissario  da  mesma  Ordem  em 
Lisboa,  e  logo  no  dia  24  do  dicto  mez  lan- 
çou na  capella  de  Santa  Christina  o  habito 
a  mais  de  120  pessoas  d'ambo3  os  sexos.  De 
tarde  fez  a  sua  missão  e  acto  continuo  foram 
eleitos  os  mesarios,  segundo  o  disposto  nos 
estatutos  geraes  da  Ordem.  Nos  dias  seguin- 
tes celebraram-se  grandes  festas  e  procis- 
sões em  acção  de  graças,  assistindo  muito 
povo  da  cidade  e  circumvisinhanças;— alis- 
taram-se  como  irmãos  cerca  de  1:900  pes- 
soas— e  o  padre  commissario  retirou-se mui- 
to satisfeito,  deixando  nomeado  substituto, 
em  harmonia  com  os  poderes  que  lhe  dera 
O  provincial. 

Resolveram  logo  os  confrades  fazer  um 
templo  mais  amplo  em  substituição  da  ca- 
pella de  Santa  Christina  e,  confiados  na  Pro- 
videncia, pois  não  tinham  ainda  os  fundos 
necessários  para  tal  empresa,  arremataram 
logo  as  obras  de  pedra  por  cinco  mil  crusa- 
dos.  Entretanto  foram  os  mesarios  pedir  de 
porta  em  porta,  confiados  na  Providencia, 
que  não  os  abandonou,  pois  em  dois  dias 
juntaram  oitocentos  mil  réis, — somma  impor- 
tante n'aquelle  tempo,— e  só  o  cabido  sede 
vacante  lhes  deu  mais  ires  mil  crusadosl. . . 
Receberam  ainda  outras  muitas  esmolas  e 
assim  tiveram  a  satisfação  de  verem  a  sua 
egreja  acabada  no  dia  13  de  junho  de  1738 
— egreja  que  nos  fins  do  ultimo  século  foi 
restaurada  e  ampliada  na  forma  que  hoje  se 
vê,  com  uma  elegante  fronteria  nova  e  duas 
torres. 

É  um  dos  templos  mais  vistosos  e  mais 
formosos  de  Viseu  e  muito  bem  situado. 

Ergue-se  á  entrada  do  espaçoso  e  lindo 
campo  de  Santa  Christina,  hoje  Largo  Alves 
Martins,— ão  lado  poente,  á  direita  de  quem 
vae  da  cidade  e,  como  já  dissemos  fallando 
da  monstruosa  circumscripção  parochial  de 
Viseu  e  da  urgente  necessidade  de  uma  no- 
va circumscripção,  a  dieta  egreja  de  Nossa 
Senhora  do  Carmo  está  a  todos  os  respeitos 


admiravelmente  situada  e  talhada  para  egre- 
ja matriz,  com  previa  acquiesceneia  da  res- 
pectiva Ordem. 

No  Epitome  Carmelitano  do  padre  Leo- 
nardo de  Sousa,  auctor  do  Catalogo  n>s.  por 
nós  tantas  vezes  citado,  se  encontram  amplas 
noticias  com  relação  á  ordem  e  á  egreja  de 
que  no  momento  nos  oecupamos. 

Veja-se  também  o  que  já  dissemos  nos  tó- 
picos Egrejas,  Largos  e  ruas  e  Edifícios  bra- 
zonados. 

Por  seu  turno  os  irmãos  3.°'  de  S.  Fran- 
cisco, vendo  com  emulação  o  progresso  dos 
seus  irmãos  dissidentes,  tractaram  de  fazer 
também  um  templo  em  nada  inferior  ao  do 
Carmo. 

Pelos  annos  de  1740  obtiveram  do  cabido 
sede  tacante  doação  da  formosa  capella  de 
Nossa  Senhora  da  Victoria,  com  intento  de 
amplial-a,  mas  depois  reconsideraram;  fize- 
ram a  egreja  e  casa  que  hoje  possuem  no 
Campo  de  Maçorim,  ou  Passeio  de  D.  Fernan- 
do, junto  do  extineto  convento  dos  capuchos 
de  Santo  Antonio,  hoje  quartel  militar,— e  a 
pequena  distancia  da  capella  da  Victoria, 
que  ainda  lhes  pertence. 

Lançou  cora  grande  pompa  a  primeira  pe- 
dra ao  novo  templo  o  bispo  D.  Julio  Fran- 
cisco d'01iveira  no  dia  9  d'abril  de  1746, 
mas  só  em  1763  se  concluiu.  O  mesmo  pre- 
lado deu  muitas  esmolas  para  a  construcção 
da  dieta  egreja  e  mandou  fazer  á  sua  custa 
o  adro  e  a  bella  escadaria,  onde  poz  as  suas 
armas,  como  em  todas  as  suas  obras. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  também 
o  que  já  dissemos  nos  tópicos  Edifícios  bra- 
sonados, Egrejas  e  Capellas. 

Terminaremos  dizendo  que  a  pag,  32  e  38 
do  esplendido  Álbum  Visiense  ^  podem  ver- 
se em  lytographia  a  egreja  da  Ordem  3.» 
de  S.  Francisco  e  a  de  Nossa  Senhora  do 
Carmo. 


*  No  tópico  Movimento  jornalistico  já  de- 
mos ampla  noticia  d'este  formoso  Álbum. 


VIS 


VIS  i665 


Irmandade  da  Misericórdia, 
— sua  antiguidade  e  seus  fundos, 
— a  egreja  e  suas  dependências, 

—o  Banco  e  o  Hospital  Novo, 
— o  Azylo  de  Inválidos  e  o  Cemitério 

Pela  sua  antiguidade  e  seus  fundos,  pelos 
ediflcios  e  estabelecimentos  que  representa 
e  pelos  serviços  que  presta  aos  pobres  e  ao 
publico,  a  irnoandade  da  Misericórdia  de  Vi- 
seu é  sem  contestação  hoje  a  primeira  d'esta 
província  e  uma  das  primeiras  do  nosso 
paiz. 

Não  sabemos  quando  foi  fundada  nem  o 
nome  do  seu  fundador,  mas  sabemos  que  é 
uma  das  mais  antigas  de  Portugal,  pois  ten- 
do sido  creada  a  i*  em  Lisboa  pela  rainha 
D.  Leonor,  mulher  de  D.  João  II,  em  1498, 
a  de  Viseu  foi  creada  poucos  annos  depois, 
como  provam  os  primeiros  estatutos  que 
ainda  guarda  no  seu  archivo  e  que  são  os 
mesmos  da  de  Lisboa,  approvados  e  manda- 
dos imprimir  por  el-rei  D.  Manuel  em  20  de 
janeiro  de  1516,  os  quaes  terminam  pelas 
seguintes  palavras  escriptas  pelo  próprio  rei^ 
Mandamos  que  este  compromisso  se  cumpra 
e  guarde  pela  Misericórdia  da  Cidade  de  Vi- 
seu assim  e  tão  inteiramente  como  nelle  se 
contem.  El  Rey. 

E  tem  appenso  um  alvará,  também  auto- 
grapho,  com  data  de  8  de  junho  de  1521,  fa- 
cultando á  Misericórdia  de  Viseu  a  nomeação 
de  4  pessoas  que  peçam  esmolas  para  ella. 
Data  pois  dos  princípios  do  século  xvi— e  no 
século  XVII  fez  novos  estatutos  que  foram 
concluídos  em  8  d'abril  de  1626— e  confir- 
mados por  Filippe  III  em  14  de  maio  do 
mesmo  anno. 

Durante  muito  tempo  viveu  com  poucos 
recursos.  Por  vezes  a  sustentação  dos  enfer- 
mos correu  por  conta  dos  beneméritos  me- 
sarios  e  dos  bispos  visit^nses^  que  foram  sem- 
pre 08  seus  primeiros  bemfeítores,  mas  hoje, 
1887,  graças  à  sua  boa  administração  e  à 
protecção  do  publico,  vive  desafogadamente. 

Os  seus  fundos  estão  orçados  em  mais  de 
SOO  contos  de  reis—e  não  se  faziam  talvez 
hoje  com  duzentos  contos  os  edificios  e  al- 
faias que  possue  ?  I . . . 


Tem  uma  egreja  esplendida  muitíssimo 
bem  tractada  e  admiravelmente  situada 
mesmo  em  frente  da  Sé,  a  N.  0.  do  espaçoso 
adro,  olhando  para  S.  E.,  no  centro  de  um 
vasto  edifício  que  forma  com  ella  um  todo 
elegante,  regular  e  vistosíssimo,  erguendo- 
se  nas  suas  extremidades  E.  e  O.  duas  bel- 
las  torres;— e  ao  longo  da  fachada  de  todo  o 
ediflcio  tem  um  lindo  adro  próprio  com 
guarnições  de  granito,  para  o  qual  se  sobe 
por  uma  elegante  e  ampla  escadaria  da  mes- 
ma pedra  em  forma  de  meia  laranja. 

No  Álbum  Visiense,  a  pag.  12,  se  encontra 
uma  formosa  litographía,  representando  com 
a  maior  fidelidade  a  fronteria  d'esta  egreja 
e  de  todo  o  edificio,  comprehendendo  as  tor- 
res. 

Não  se  confunda  o  Álbum 
Visiense  com  o  Almanach  de 
Viseu.  Esta  ultima  publicação 
é  contemporânea  da  primeira  i 
e  lambem  illustrada  com  litho- 
graphias  e  gravuras,  mas  mui- 
to menos  nitida  e  em  8.»,  em- 
quanto  que  a  primeira,  como 
já  dissemos  no  tópico  Movi- 
mento jornalistico,  é  uma  pu- 
blicação luxuosa,  toda  illustra- 
da com  bellas  lithographias  e 
em  folio. 

Na  parte  N.  do  grande  edifício,  á  esquer- 
da da  egreja,  estão  a  casa  das  sessões  e  ou- 
tras dependências  da  Misericórdia;— na  par- 
te opposta  funcciona  o  Banco  de  Viseu,  pois 
é  formado  em  grande  parte  com  o  dinheiro 
da  Santa  Casa,  como  já  dissemos  sob  o  ti- 
tulo Banco  CommerciaL 

Para  elle  deu  a  Misericórdia  4O:0OOWO 
de  réi?. 

Tanto  a  egreja  como  a  parte  restante  do 
edificio  e  as  torres  teem  sido  feitas,  restau- 
radas e  ampliadas  em  differentes  datas. 

As  duas  torres  e  o  frontispício  da  egreja 
datam  dos  fins  do  século  xvm  em  substitui- 


1  O  Almanach  é  de  1884— e  o  Álbum  é  de 
1884  a  1886. 


1666  VIS 


VIS 


ção  d'outras  torres  e  d'outra  fachada  muito 
mais  antiga;— a  eapeila  mór  e  os  ediffcios  la- 
teraes  são  dos  principios  d'este  século; — o 
corpo  da  egreja  foi  reedificado  em  1842;— 
o  belio  órgão  que  tem  pertenceu  aos  capu- 
chos de  Santo  Antonio  de  Maçorim  e  pouco 
depois  da  extincção  das  ordens  religiosas, 
em  1834,  sendo  profanada  a  egreja  dos  ca- 
puchos, foi  mudado  o  órgão  para  esta  da 
Misericórdia;— em  1875  se  fizeram  as  tribu- 
nas dos  dois  altares  lateraes;— em  1876  eri 
giu-sp  do  lado  da  epistola  na  capella  mór  a 
Capella  do  Sonhar  do  Calvário— e  em  187S  a 
1877  se  restaurou  a  parte  N.  do  edificio  da 
Misericórdia. 

Tem  na  fronteria  as  armas  reaes  portu- 
guezas  e  interiormente  3  altares,  tecto  de 
abobada  de  tijolo  e  o  bello  órgão,  etc. 

Hospitaes 

O  primeiro  hospital  da  Misericórdia  de  Vi- 
seu foi  o  das  Chagas,  instituído  em  1585,  se- 
gundo se  lô  nas  Noticias  de  Viseu  por  Be- 
rardo, í— ou  em  1565,  segundo  se  lô  na,  Me- 
moria de  Francisco  Manuel  Correia,— por 
Jeronymo  Bravo  e  sua  mulher  Isabel  d'Al- 
meida,  junto  da  egreja  de  S.  Martinho,  2  pa- 
ra n'elle  se  tractarem  os  doentes  que  não 
excedessem  3  mezes  de  curativo,— e  para 
esse  fim  vincularam  todos  os  seus  bens  em 
morgado,  impondo  aos  differentes  adminis- 
tradores d'este  a  obrigação  de  darem  per- 
manentemente 9  camas  e  as  alfaias  necessá- 
rias para  o  dicto  hospital.  A  sustentação  dos 
doentes  ficou  a  cargo  da  santa  casa,  bem 
como  a  admissão  d'elles,  etc.,— e  na  capella 
do  dicto  hospital  foram  sepultados  os  seus 
beneméritos  fundadores. 

Com  o  tempo  arruinou-se  e  pela  sua  pe- 
quenez tornou-se  impossível  para  o  movi- 
mento da  população  de  Viseu  e  suas  eir- 
cumvisinhanças,  pelo  que  o  bispo  D.  Julio  o 
reedificou  e  ampliou  á  sua  custa  em  1758  a 
1760. 


1  Liberal  n.»  13  de  17  de  junho  de  1857. 
'  V.  o  n.»  2  DO  toT^ico—Templos  extinctos. 


Berardo  nas  suas  Noticias  de  Viseu  {Libe- 
ral n.»  13  de  17  de  junho  de  1857)  diz  que 
o  bispo  D.  Julio  mandou  fazer  as  dietas 
obras  em  1769.  Foi  lapso  ou  erro  de  im- 
prensa, pois  D.  Julio  falleceu  era  1765.  De- 
via dizer  como  diz  F.  Manuel  na  sua  Memo- 
ria (pag.  107)— 1759,  ou  antes,  como  nós  di- 
zemos,—1758  a  1760,  pois  no  interessante 
Catalogo  ms.  do  padre  Sousa,  1  biographo  e 
contemporâneo  de  D.  Julio,  e  testemunha 
ocular  das  dietas  obras,  se  lé  textualmente 
o  seguinte  : 

«Não  se  esquecendo  o  ex."»  D.  Julio  Fran- 
cisco d^Oliveira,  da  grande  necessidade  que 
tinha  o  hospital  de  Vizeu,  de  reforma  gran- 
de no  seo  arteficio,  e  havendo  mandado  ex- 
pressar aos  irmãos  da  Mizericordia  no  anno 
de  1758  o  queria  reparar,  e  accrescentar, 
aceitarão  elles  com  grande  gosto  a  noticia, 
e  esmolla.  Era  então  provedor  o  rev.  Ihesou- 
reiro  mór  Luiz  Antonio  d'Almeida,  e  seo  es- 
crivão Manoel  de  Mesquita  Cardozo.  Logo 
determinarão  os  vogaes  manifestar  ao  pu- 
blico o  seu  agradecimento,  fazendo  cantar 
missa  solemne  na  sua  mesma  Igreja  

«Precederão  a  isto  na  véspera  laminarias; 
e  no  dia  de  tarde  touros,  mascaras,  e  varias 
danças.  Esta  obsequiosa  demonstração  de 
alegria  em  todos  os  vizienses,  fez  com  que  a 
obra  continuasse  (?)  com  mayor  calor  2  de 
sorte  que  no  mez  de  fevereiro  de  1760  se 
achavão  não  só  promptas  duas  enfermarias 
para  homens,  e  mulheres,  com  48  lugares; 
alem  dos  do  venéreo:  mas  juntamente  huma 
especial  casa  separada  com  Roda  para  crian- 
ças engeitadas.  fias  paredes  exteriores  do 
mesmo  hospital,  junto  á  sua  porta,  se  eollo- 
earão  para  memoria  porduravel  de  tão  insi- 
gne bemfeitor  duas  grandes  targes  com  as 
armas  do  dicto  prelado,  declarando  o  anno 
em  que  a  tal  obra  se  fizera— 1759. ' 


1  Tomo  3.»,  L.  3.»  cap.  11,  fl.  232,  v.  e  233. 

2  O  bispo  D.  Julio  gostava  muito  de  appa- 
rato  e  de  festas. 

P.  A  F. 

'    JuLius  Franciscus  de  Oliveira, 
Episcopus  Viziensis,  refecit, 

ET  AMPLIAVIT.  ANNO  1759. 

Leonardo  de  Sousa. 


VIS 


VIS  1667 


«No  sobredito  anno  e  no  mez  de  março, 
mandou  entregar  as  chaves  de  toda  aquella 
nova  estancia  aos  mesmos  irmãos.  Celebra- 
rão elles  da  mesma  sorte  esta  nova  posse, 
como  quando  íizerão  aeeeitação  da  offerta. 
Cantou  a  missa  o  rev.  cónego  João  Pereira; 
e  fez  o  panegírico  o  rev.  Manuel  da  Cunha, 
mestre  que  era  no  Collegio  da  classe  ter- 
ceira 2. 

«Não  poucos  nem  pequenos  forão  cs  gas- 
tos que  nisto  fez  s.  ex.%  porem  nunca  lhe  im- 
pedirão dar  estnollas  a  outros  necessitados. 
Até  o  memorado  anno  de  1760  (?)  não  faltou 
em  dar  esmoUa  publica,  e  geral  aos  sabba- 
do3  de  manhã  á  sua  porta.  Havia  dia  em  que 
se  juntavão  SOO  pessoas;  e  a  não  vir  a  ley  da 
Policia,  continuaria  na  mesma  ae(;ão  até  á 
sua  morte.  Porem  como  soceorria  as  faltas 
occultas  dos  moradores  vizenses  por  mãos 
do  seo  esmoller;  satisfazia  para  com  Deos, 
nesta  sua  grande  charidade.»  ' 

O  mesmo  bispo  D.  Julio  no  anno  de  1764, 
penúltimo  da  sua  existência,  deu  á  Miseri- 
córdia para  fundo  do  dicto  hospital  a  im- 
portante somma  de  dez  contos  de  réis  em  di- 
nheiro, que  por  certo  equivaliam  a  mais  de 
vinte  contos  da  nossa  moeda  actual  ? I. .. 


í  Aqui  ha  uma  emenda  no  texto  e  uma 
cota  que  diz  antecedente  anno. 

A  redacção  ó  confusa  n'este  ponto,  mas, 
pelo  que  se  lê  infra  e  sMpj-a,  julgamos  que  o 
padre  Sousa  se  referia  ao  anno  de  HQO. 

2  Do  exposto  se  vé  que  o  antigo  Seminá- 
rio de  Viseu  se  denominava  Collegio,  nome 
que  ainda  hoje  conserva  o  edifício  oude  func- 
cionava  e  que  lá  se  vê  junto  da  Sé,  à  esquer- 
da de  quem  entra,  como  já  dissemos  e  dire- 
mos ainda  no  tópico  do  Paço  Episcopal. 

Também  se  denominou  Collegio  o  antigo 
Seminário  de  Lamego. 

V.  Lamego  n'este  diccionario  e  no  supple- 
mento. 

3  O  marquez  de  Pombal  tanto  desconside- 
rou e  magoou  D.  Julio  que  o  matou  com  des- 
gostos,—e  em  1760,  vendo  a  generosidade 
com  que  elle  soceorria  os  pobres,  pelo  que 
todos  o  adoravam,  até  lhe  prohibiu  o  dar  es- 
molas publicas  ?  ! . . .  É  isto  o  que  diz  o  pa- 
dre Sousa  muito  a  medo,  por  estar  ainda  di- 
etando  a  lei  o  marquez  de  Pombal. 

V.  o  tópico  relativo  a  D.  Julio  F.  ã"  Oli- 
veira. 


Era  muito  esmoler  e  muito  generoso  I 
Também  já  em  1705  o  bispo  D.  Jeronymo 
Soares  havia  feito  importantes  obras  na  en- 
fermaria do  mesmo  hospital,  para  que  os  ho- 
mens estivessem  separados  das  mulheres,  e 
deu  também  á  Misericórdia  2:000íS000  réis, 
com  a  condição  de  que  seriara  postos  a  juro 
emquanlo  elle  vivesse  e  que  só  depois  da 
morte  d'elle  a  Misericórdia  poderia  dispor 
do  próprio  e  juros.  DMsto  se  lavrou  eseri- 
ptura  nas  notas  do  tabellião  Antonio  Coelho 
de  Gouveia,  a  13  de  maio  de  1705,  sendo  pro- 
vedor Francisco  de  Lemos  de  Nápoles,— es- 
crivão Fradique  Lopes  de  Sousa,— thesou- 
reiro  Antonio  Figueiredo  de  Moraes— e  pro- 
curador o  dr.  Francisco  Loureiro  da  Veiga. 

Se  bem  o  determinou  o  santo  prelado,  me- 
lhor o  cumpriram  os  beneméritos  irmãos, 
pelo  que  a  dieta  somma,  quando  o  prelado 
falleceu  em  18  de  janeiro  de  1720,  montava 
a  doze  mil  crusados  ou  a  4:800í?000  réis.i 

Igual  somma,  ou  4:800ig000réis  deu  tam- 
bém á  Misericórdia  era  1777  o  bispo  D.  Fran- 
cisco Mendo  Trigoso  para  alimento  dos  con- 
valescentes. 

Também  o  bispo  D.  Diniz  de  Mello  e  Cas- 
tro em  1639  estabeleceu  um  legado  impor- 
tante em  prédios  rústicos,  para  que  dos  seus 
rendimentos  a  Misericórdia  de  Viseu  desse 
annualmente  a  cada  uma  das  Misericórdias 
de  Pinhel,  Trancoso  e  Vouzella  a  quantia  de 
15Í1000  réis— e  ás  de  Aguiar  da  Beira,  Al- 
godres e  Penalva  81000  réis,  ficando  o  res- 
tante á  de  Viseu  para  sustento  de  amas  que 
criassem  os  filhos  de  mulheres  pobres  que 
não  tivessem  leite  e  para  repartir  as  sobras 
(havendo-as)  pelos  presos  doentes  e  por  pes- 
soas de  bem,  necessitadas. 

Alem  d'estas,  recebeu  a  santa  casa  outras 
muitas  esmolas  de  diíTerentes  bispos  e  de 
pessoas  particulares,  pelo  que  nos  fins  do 
ultimo  século,  dispondo  já  de  bastantes  re- 
cursos e  sendo  o  seu  hospital  muito  peque- 
no, resolveu  edificar  outro  mais  amplo.  É  o 
denominado 


1  Catalogo  do  padre  Sousa,  tomo  3.»  fl.  IIS, 
V.  e  116. 


1668  VIS 


VIS 


Hospital  Novo  i 

Lançou-lhe  com  grande  pompa  a  primeira 
pedra  o  bispo  D.  Francisco  Monteiro  Pereira 
d' Azevedo  no  dia  29  de  março  de  1793  e  sob 
a  mesma  pedra  se  eollocou  um  exemplar  de 
todas  as  moedas  porluguezas  cunhadas  até 
áquelle  tempo  no  reinado  de  D.  Maria  I,  a 
qual,  por  provisão  de  12  de  fevereiro  de  1799, 
obrigou  todos  os  concelhos  da  antiga  comar- 
ca de  Viseu  a  pagarem  um  real  de  contri- 
buição por  cada  quartilho  de  vinho  e  arrá- 
tel de  carne  em  favor  das  obras  do  dicto 
hospital,  mas  muitos  concelhos,  allegando  a 
distancia  d'elle8  á  séde  da  comarca,  não  qui- 
seram sugeitar-se  á  dieta  contribuição.  Al- 
guns foram  compellidos  judicialmente  e  ou- 
tros nada  pagaram  até  hoje,  pelo  que,  aberto 
o  novo  hospital,  a  Misericórdia  se  recusou  a 
acceitar  os  doentes  pobres  d'aquelle8  conce- 
lhos e  só  mediante  uma  avença  cora  as  res- 
pectivas camarás  os  aceeita,— -avença  que 
hoje  é  de  160  réis  diários  pelo  tractamento 
de  cada  doente  pobre  dos  dictos  concelhos- 

Ignora-se  quem  fez  a  planta  d'este  hospi- 
tal, mas  sabemos  que  o  mestre  pedreiro  Ja- 
cintho  de  Mattos,  de  Villar  de  Besteiros,  ar- 
rematou a  construcção  das  paredes  por  réis 
30:0001000— e  o  mestre  Manuel  Ribeiro,  de 
Viseu,  arrematou  as  obras  de  madeiramento 
e  ferragens  por  13;600i2000  réis. 

A  construcção  correu  lentamente  e  esteve 
alguns  annos  suspensa  por  falta  de  dinheiro 
e  por  causa  da  guerra  da  península  e  das 
guerras  civis  posteriores. 

Recebeu  os  primeiros  doentes  em  1842, 
estando  incompleto  ainda;  continuaram  po- 
rem as  obras  até  o  seu  final  acabamento,  se- 
guindo-se  depois  outras  indicadas  pela  ex- 
periência para  melhorar  o  serviço  clinico,  a 
fiscalisação  e  administração,  etc. 

Em  1842  fez-se  o  grande  portão  de  ferro 
âa  entrada  para  o  edifieio,  pelo  que  n'elle 
se  poz  aquella  data,— e  em  1876  fez-se  a 
bella  escadaria  semi-cireular  exterior,  na 


*  V.  o  n.o  13  no  tópico  Edifícios  públicos 
brasonados. 


entrada  para  o  grande  terreiro  em  fòrma  de 
parallelogrammo  e  que  toma  toda  a  frente 
do  edifieio,— terreiro  ajardinado  e  circuita- 
do por  pilares  de  pedra  e  formosa  gradaria 
de  ferro,  que  fecha  o  terreiro  por  3  lados, 
tendo  em  cada  uma  das  3  faces  um  portão 
de  ferro  também. 

Este  edifício  é  considerado  o  primeiro  de 
Viseu  e  pela  sua  vastidão,  magestade  e  so- 
lidez, pelo  aeeio  que  se  nota  n'elle  todo,  pela 
sua  vantajosa  situação  e  pelo  seu  bom  ser- 
viço clinico,  é  hoje  o  primeiro  hospital  d'esta 
província  e  um  dos  primeiros  do  nosso  paiz.  * 

Demora  a  S.  de  Viseu,  a  montante  do  ve- 
lho hospital  da  Misericórdia,  em  terreno  en- 
xuto, planOj  alegre  e  vistosíssimo,  a  peque- 
na distancia  da  cidade  e  no  ponto  mais  alto 
d'ftlla,  pelo  que  muito  prudentemente  a  santa 
casa  n'elle  eollocou  3  para-raios  para  o  de- 
fender das  faíscas  eléctricas,  sendo  para  la- 
mentar, como  já  dissemos,  que  os  prelados 
e  o  cabido  até  hoje  não  tenham  protegido  a 
Sé  também  com  para  raios. 

Do  Hospital  novo  se  descobre  um  vastís- 
simo horisonte  limitado  a  0.  e  N.  O.  pelas 
serras  da  Gralheira  e  Caramulo;— a  S.  O. 
pela  serra  do  Bussaco— e  a  S.  e  S.  E.  pela 
Serra  da  Estrella. 

D'ali  se  descobrem  também  muitas  po- 
voações, algumas  distantes  mais  de  SO  kilo- 
metros,  taes  são  Gouveia,  Folgosinho  e  Li- 
nhares na  pendente  N.  O.  da  Serra  da  Es- 
trella. 

A  pag.  4  do  Álbum  Visiense  fcollecção  do 
2.»  anno,  1886)  pode  ver  se  em  lithographía 
este  hospital.  Tem  2  pavimentos:— um  ao 
rez  de  chausseé,  com  o  grande  portão  de  en- 
trada, um  espaçoso  pateo  bem  lageado,  e  di- 
versas repartições,  avultando  entre  ellas  a 
pharmacia,  que  está  muito  bem  montada. — 
Oceupa  o  angulo  O.  d'e3te  pavimento;  —  é 
muito  espaçosa;— tem  muita  luz— e  pela  sua 


1  A  Misericórdia  de  Lamego  também  traz 
ali  em  construcção  no  momento  um  grande 
hospital  que,  depois  de  concluído,  talvez  sup- 
plante  este  de  Viseu  I. . . 

V.  Lamego  n"este  díccionorio  e  no  supple- 
mento* 


VIS 


VIS  1669 


vastidão,  exposição  e  aceio  envergonha  tal- 
vez todas  as  do  nosso  paiz,— exceptuando 
algumas  de  Lisboa.  Envergonha  mesmo  a  do 
grande  hospital  da  Misericórdia  do  Porto, 
sendo  a  dieta  Misericórdia  hoje  a  mais  rica 
da  Europa  ? !... 

O  2.°  pavimento  tem  na  sua  fronteria  9 
grandes  portas  rasgadas,  sendo  maior  a  do 
centro,  sobre  a  qual  se  ergue  o  frontão  já 
descripto  sob  o  n."  Í3  no  tópico  dos  Edifí- 
cios públicos  brasonados. 

Tem  este  hospital  4  enfermarias  com  os 
nomes  de  S.  João,  S.  Francisco,  Sant'Anna 
e  Senhora  das  Dores, — mais  duas  para  os 
irmãos  da  Misericórdia — alguns  quartos  para 
pensionistas,— compartimentos  para  aliena- 
dos e  para  presos  doentes,— casa  de  banhos» 
casa  d'autopsias,  casa  mortuária,  ete. 

O  movimento  dos  doentes  d'este  hospita' 
em  1885  foi  o  seguinte  : 


Existiam  em  1  de  janeiro   102 

Entraram  durante  o  anno   1:824 

Sairam   1:678 

Falleceram  »   129 

Ficaram  existindo  em  3i  de  dezem- 
bro  119 


Calcula-se  o  seu  movimento  annual  em 
1:900  doentes; — o  numero  d'obito3  em  6  por 
cento;— e  a  despeza  total  por  anno  em  réis 
13:500|i000,  comprehendendo  dietas  e  me- 
dicamentos, ordenado  dos  facultativos  e  en- 
fermeiros, etc. 

O  serviço  clinico  é  feito  por  6  facultativos, 
sendo  um  d'estes  operador. 

Cemitério 

A  pequena  distancia  do  hospital  e  contí- 
guo á  cerca  d'elle  está  o  Cemitério  Munici- 
pal de  Viseu,  para  o  qual  tem  serventia  pró- 
pria por  uma  porta  lateral. 

O  cemitério  foi  feito  em  terreno  da  quinta 
ou  cerca  do  Hospital  da  Misericórdia,  por 
transacção  entre  esta  e  a  camará,  consigna- 
da em  escriptura  publica  de  17  de  março  de 
1852, — e  foi  feito  em  seguida  a  expensas  das 
duas  corporações,  acabando  as  obras  em  2 


d'abril  de  1856.  O  seu  chão  é  alto,  plano  e 
muito  arejado,— tem  capella  própria  e  al- 
guns mauzoleus— e  está  decente. 

Na  capella  se  vé  o  .lindo  púlpito  de  por- 
phido  (mármore  da  Arrábida)  que  esteve  na 
Sé  e  depois  na  extincta  egreja  de  S.  Marti- 
nho, como  já  dissemos. 

V.  o  n.°  2  no  tópico  dos  Templos  extinctos 
— e  no  nosso  Catalogo  dos  bispos  visienses  o 
tópico  relativo  a  D.  João  de  Mello. 

Desde  1842,  data  em  que  os  doentes  se 
transferiram  para  o  novo  hospital,  a  Miseri- 
córdia cedeu  o  hospital  velho,  ou  das  Cha- 
gas de  Nosso  Senhor  Jesus  Chnsto,  para 
n'elle  se  traclarem  os  militares  doentes  e  de- 
pois o  vendeu  ao  governo,  em  1875,  por  réis 
2:201(^000,  comprehendendo  alem  da  casa 
um  pequeno  chão  contíguo,  onde  se  enter- 
ravam os  doentes  que  falleciam  n'aquellô 
hospital,— hoje  Hospital  militar  da  guarni- 
ção de  Viseu. 

Era  1842,  quando  se  transferiram  os  doen- 
tes para  o  novo  hospital  e  ficou  devoluto  o 
hospital  velho,  o  provedor  da  Misericórdia 
fez  abrir  a  sepultura  que  estava  na  capella 
do  dicto  hospital  velho  e  na  qual  jaziam  os 
seus  fundadores,  como  já  dissemos.  Ainda  lá 
encontrou  alguns  restos  mortaes, — ossos  dos 
braços  e  as  duas  caveiras; — conduziu  tudo 
com  a  maior  decência  para  a  egreja  da  Mi- 
sericórdia;—fez-lhes  ali  exéquias  solemnes 
no  dia  18  de  julho  do-  dicto  anno, — e  em  se- 
guida a  irmandade  com  a  sua  bandeira  acom- 
panhou aquellas  venerandas  ossadas  até  o 
novo  cemitério,  onde  foram  coUocadas  em 
nova  sepultura,  na  qual  se  gravou  uma  iu- 
scripção  para  perpetuar  a  memoria  dos  be- 
neméritos finados. 

Lamentamos  que  não  transferissem  tam- 
bém para  o  novo  cemitério  com  as  ossadas 
d'aquelles  piedosos  fundadores  apropria  se- 
pultura em  que  jaziam,  porque  era  muito 
decente  e  tinha  pelo  lado  interior  pintados 
differentes  emblemas  que  bem  revelavam  a 
piedade  dos  dois  esposos, — como  diz  F.  Ma- 
nuel Correia.  Alem  d'isso  era  um  monu- 
mento venerando  pela  sua  antiguidade  e  lá 
ficou  em  abandono I... 

Antes  da  construeção  d'este  cemitério  mu- 


1670  VIS 


VIS 


nicipal  os  enterramentos  da  cidade  de  Vi*  i 
seu  eram  feitos  nas  egrejas  e  o  primeiro  e 
mais  antigo  de  que  ha  memoria  em  Viseu 
eslava  junto  da  egreja  de  S,  Miguel  do  Fetal.  ^ 
Isto  se  prova  evidentemente  com  a  Vida  de 
S.  Theotonio,  escripta  por  um  seu  contem- 
porâneo e  diseipulo,  lambem  cónego  regu- 
lar e  prior  de  Santa  Cruz,  nos  fins  do  sé- 
culo xu  ou  prineipios  do  século  xiii, — docu- 
mento autographo  e  de  todo  o  ponto  aulhen- 
tico,  transeripto  no  Porlugaliae  Monimenta  2 
do  códice  n.°  52  da  Bibliotlieca  Municipal  do 
Porto. 

Aquelle  precioso  documento  é  latino,  mas 
em  vulgar  os  números  citados  dizem  entre 
outras  coisas  o  seguinte : 

tS.  Theolonio,  estando  èm  Viseu,  primei- 
ramente como  prior  e  depois  como  simples 
padre,  reprehendia  os  peccadores  sem  alten- 
ção  a  pessoas.  Assim  estando  um  dia  na  Sé 
pregando  e  aehando-se  presentes  a  rainha  D. 
Theresa  e  o  conde  D.  Fernando  Peres  de 
Trava,  com  o  qual  vivia  maritalmente,  sendo 
viuva,  estes  coraram  de  vergonha;— sairam 
pela  porta  fóra~e  não  se  atreveram  a  cas- 
tigal-o,  nem  mesmo  a  increpal-o. 

«Outro  dia,  em  um  sabbado,  estando  S. 
Theotonio  na  Sé  para  celebrar  missa  a  Nossa 
Senhora,  segundo  o  seu  costume,  a  rainha 
D.  Theresa,  chegando  á  poria  da  Sé  n'esse 
instante,  mandou-lhe  dizer  que  abreviasse 
a  missa.  Respondeu— que  outra  rainha,  a 
Rainha  do  ceu,  muito  mais  nobre  e  mais 
santa  lhe  mandava  celebrar  a  missa  com 
pausa  e  veneração — e  que  a  rainha  D.  The- 
resa podia  livremente  assistir  á  missa,  ou 
retirar-se. 

«Ficou  a  rainha  envergonhada  com  a  res- 
posta e  respeitando  cada  vez  mais  a  santi- 
dade de  D.  Theolonio,  pois,  terminada  a  mis- 
sa, chamouoao  seupalacio,— pediu-lhe  per- 
.dão  de  joelhos— e  prometteu  não  mais  fal- 
lar  tão  levianamente  das  coisas  santas. 


f 

1  V.  este  titulo  supra,  pag.  1565",  eol.  2.»  e 
seguintes. 

2  Tomo  ScriptoreSy  pag.  81,  col.  1.%  n.<" 
5,  6  e  7.  São  estes  os  números  que  vamos 
transcrever,  mas  o  documento  é  muito  mais 
longo. 


I  «Costumava  elle  celebrar  nas  sextas  feiras 
por  todos  os  fieis  defuntos,  na  capella  de  S. 
Miguel  (do  Fetal)  extra  muros,  no  cemitério 
da  cidade  de  Viseu  (?)  sendo  sempre  grande 
a  concorrência  dos  fieis; — no  fim  da  missa 
fazia  procissão  das  almas  pelo  cemitério— 
por  nllimo  distribuía  pelos  pobres  as  mui- 
tas e  diversas  oblatas  que  os  fieis  lhe  davam, 
segundo  o  costume  illius  regionis.» 

Do  exposto  se  vê  que  nos  prineipios  do 
século  XH  o  cemitério  de  Viseu  estava  con- 
tíguo à  egreja  de  S.  Miguel  do  Fetal. 
V.  o  tópico  relativo  ao  prior  S.  Theotonio. 

Azylo  de  Inválidos 

A  pequena  distancia  do  Hospital  Novo  e  na 
cerca  d'elle  tem  a  Misericórdia  lambem  um 
Azylo  de  Inválidos,  onde  alberga  e  sustenta 
16  infelizes,— 8  de  cada  sexo. 

Em  21  de  dezembro  de  1855  resolveu  a 
Misericórdia  fundar  um  Azylo  para  20  invá- 
lidos, mas  por  falia  de  meios  ainda  não  es- 
tava feita  a  casa  em  1869,  pelo  que  em  16 
de  maio  do  dicto  anno  a  Misericórdia  deli- 
berou receber,  como  recebeu,  os  primeiros 
12  inválidos  em  um  ediflcio  provisório  e  ali 
se  conservaram.  Finalmente,  em  agosto  de 
1882,  quando  vieram  a  Viseu  el-rei  o  sr.  D. 
Luiz  e  sua  esposa  a  rainha  D.  Maria  Pia,  por 
oecasião  das  festas  da  inauguração  solemne 
da  linha  férrea  da  Beira  Alta a  Misericór- 
dia lançou  a  primeira  pedra  ao  novo  edifl- 
cio do  Azylo,  que  ainda  está  muito  longe  da 
sua  conclusão. 

Apenas  lera  construída  a  frente,  achando- 
se  as  obras  suspensas  ha  muito. 

Demora  em  sitio  alto,  alegre  e  vistoso,  de- 
fronte do  hospital  e  distante  d'elle  cerca  da 
300  melros,  no  sitio  da  meia  laranja,  sobre 
a  estrada  nova  a  maeadam  da  Mealhada,  que 
lhe  passa  a  O.,  ficando  a  frente  para  N.  a  pe- 
gar com  a  estrada  nova,  que  vae  d'esta  meia 
laranja  para  o  cemitério  e  communica  a  da 
Mealhada  com  a  dislrictal,  que  vae  para  Nel- 
las2. 


1  Esta  linha  jà  estava  aberta  ao  transito. 

2  É  lamentável  que,  tendo  terreno  a  eseo- 


VIS 


VIS  1671 


Azylo  de  Infância  desvalida 

Demora  na  nova  estrada  que  do  Rocio  de 
Santo  Antonio  {Passeio  de  D.  Fernando)  con- 
duz á  Ribeira,  e  é  um  edifício  espaçoso,  im- 
ponente e  muito  regular. 

Foi  aberto  em  14  de  junho  de  1874  e  es- 
teve primeiramente  e  provisoriamente  na 
rua  Direita,  donde  passou  em  1875  para  a 
rua  da  Regueira  e  d'ali  para  o  seu  novo  e 
actual  edifício,  que  foi  principiado  em  1876 
e  concluído  em  14  d'agosto  de  1879. 

Hoje,  1887,  o  numero  de  azylados  é  de  SO, 
sendo  25  do  sexo  masculino,  e  25  do  femi- 
nino. Ainda  não  está  cheio  este  numero,  mas 
espera- se  preenchel-o  em  breve,  e  tem  ca- 
pacidade para  receber  100  creanças. 

Alem  da  casa  da  aula,  secretaria  e  quar- 
tos para  os  empregados,  tem  5  extensas  e 
bellas  camaratas,— 3  no  primeiro  pavimen- 
to para  meninos, — e  2  para  meninas,  no  se- 
gundo pavimento. 

O  seu  pessoal  estipendiado  é  o  seguinte  : 
1  professor,  1  professora,  1  directora,  1  pre- 
feito e  2  criados. 

Formam  o  seu  fundo  alguns  donativos  e 
um  subsidio  permanente  dado  pela  junta  ge- 
ral do  distrieto,  alem  do  produeto  eventual 
de  subscripções  e  espectáculos. 

Estiveram  alojadas  no  rez  de  chaussée  d'este 
ediQcio  a  repartição  de  fazenda,  a  recebedo- 
ria do  concelho  e  a  secretaria  da  camará 
municipal,  até  os  princípios  do  corrente  an- 
no  de  1887,  data  em  que  se  transferiram  pa- 
ra os  novos  paços  do  concelho. 

O  azylo  tem  aulas  de  instrucção  primaria 
para  os  dois  sexos  e  de  lavores  para  as  me- 
ninas. 

Este  Azylo  de  Infância  é  destinado  a  re- 
ceber as  creanças  desvalidas  dos  13  conce- 
lhos ao  sul  d'esle  dislricto,  porque  as  dos 
outros  13  concelhos  do  norte  são  recebidas 
no  Azylo  de  Lamego,  inaugurado  em  1868. 

Como  a  Junta  geral  d'e8te  distrieto  sub- 


Iher,  deixassem  este  edifício  quasi  sem  ter- 
reiro na  frente,  e  o  angulo  occidental  d'elle 
obtuso  para  facear  com  as  duas  estradas. 


I  sidiava  e  subsidia  ainda  hoje  aquelle  Azylo, 
resolveu  fundar  outro  em  Viseu,  para  o  que, 
por  iniciativa  do  governador  civil,  foram  em 
1873  creadas  n'aquelles  13  concelhos  cora- 
missões  encarregadas  de  promover  ecolligií 
donativos  e,  desde  que  se  inaugurou  em  14 
de  junho  de  1874,  foi  entregue  a  uma  direc- 
ção eleita  pelos  subscriptores  em  assembléa 
geral,  como  dispõem  os  seus  estatutos. 

O  subsidio  da  Junta  a  principio  foi  de 
SOOi^OOO  réis  por  anno,  mas  depois  foi  su- 
bindo e  hoje  monta  a  1:500^000  réis  an- 
nuaes.  Também  recebe  600i|1000  réis  por 
anno  de  rendimento  de  fundos  públicos  que 
já  tem  adquirido— e  500^^000  réis  de  sub- 
scripções particulares. 

Não  recebe  creanças  menores  de  sete  an- 
nos  e  a  principio  logo  que  chegassem  aos  14 
annos  eram  despedidas  e  entregues  às  suas 
famílias,  ou  collocadas  pela  direcção  na 
aprendisagem  de  qualquer  arte  ou  oflQcio; 
foram  porem  reformados  os  estatutos  no  sen- 
tido de  poderem  as  creanças  permanecer  no 
Azylo  até  a  idade  de  18  annos,  construindo- 
se  ofiQeinas  contíguas  ao  edifieio  para  n'ellas 
aprenderem  as  artes  e  offlcios  de  mais  prom- 
pta  applicação. 

Também  se  projecta  crear  no  Azylo  uma 
cadeira  de  desenho  e  um  gymnasio,  mas  lu- 
cta  com  falta  de  meios,  posto  que  até  hoje  a 
sua  administração  tem  sido  muito  económi- 
ca, muito  zelosa  e  digna  de  todo  o  louvor. 

O  Pelicano  da  Sé 

Uma  das  obras  d'arte  mais  antigas  e  mais 
interessantes  que  Viseu  possue  é  um  peli- 
cano de  bronze,  muito  bem  cinzelado,  que 
esteve  muito  tempo  decorando  uma  grimpa 
das  torres  da  Sé  e  que  hoje  se  vê  no  altar- 
mór  servindo  de  estante,  pois  para  estante 
foi  feito. 

No  Álbum  Visiense,  a  pag.  87,  se  encon- 
tram duas  lithographias  representando  o  tal 
pelicano  de  lado  e  de  frente,  desenhado  pelo 
sr.  José  d'Almeida  e  Silva,  illustrado  e  bene- 
mérito director  do  dicto  Álbum,  e  que  tam- 
bém dedicou  ao  celebre  pelicano  o  artigo  se- 
guinte : 


1672  VIS 


VIS. 


«Damos  hoje  ^  à  estampa  esta  obra  d'arte 
assaz  importante,  já  por  a  epocha  da  sua 
factura,  já  por  a  sua  bella  execução. 

«Estamos  convencidos  de  que,  para  al- 
guém, não  só  o  pelicano,  como  todas  as 
obras  d'arte  antigas  que  apresentamos  de 
vez  em  quando  no  Álbum,  são  coisas  de  nulla 
importância.  Sentindo  immenso  tal  pensar, 
não  desistimos  porem  d'estes  assumptos,  por- 
que são  importantes  e  úteis. 

«Ha  tres  annos,  um  grupo  de  illustres  sá- 
bios do  nosso  paiz  tentou  promover  uma 
Exposição  d' ar  te  ornamental,  o  que  brilhan- 
temente realisou  2, 

«Para  islo  espalhou-se  o  referido  grupo 
pelo  reino,  vindo  a  Viseu  o  mallogrado  dr- 
Simões  de  Carvalho,  que  levou  da  nossa  Sé 
para  a  dieta  Exposição  uma  biblia,  um  cá- 
lix, uma  capa  d'a8perges,  um  relicário  de 
bronze  e  o  pelicano  do  mesmo  metal,  que  foi 
desencantar  da  grimpa  do  campanário  do 
relógio,  onde  estava. ' 


1  Refere-se  ao  mez  de  março  de  188S. 

2  A  dieta  Exposição  foi  feita  a  expensas 
do  governo,  por  decreto  de  22  de  junho  de 
1881,  em  Lisboa,  no  amigo  palácio  do  mar- 
quez  de  Pombal,  hoje  Museu  de  Bellas  Artes. 

Foi  presidente  da  commissão  central  di- 
rectora S.  M.  el-rei  D.  Fernando,  que  nomeou 
duas  commissões  executivas,— uma  portu- 
gueza,  outra  hespanhola,  porque  a  exposi- 
ção devia  coraprehftnder  e  comprehendeu 
obras  d'arte  das  duas  nações. 

A  commissão  executiva  portugueza  era 
formada  pelos  cavalheiros  seguintes : 

— Delfim  Deodato  Guedes,— presidente. 

— Antonio  Thomaz  da  Fonseca. 

— Ignacio  de  Vilhena  Barbosa. 

— Augusto  Carlos  Teixeira  d'Aragao. 

— Francisco  Marques  de  Sousa  Viterbo. 

— José  Luiz  Monteiro. 

— Dr.  Augusto  Filippa  Simões,— secreta- 
rio. 

Tiveram  todos  um  trabalho  insano,  já  per- 
correndo as  nossas  províncias  (ao  dr.  Simões 
tocou  esta  da  Beira)  para  colligirem  os  di- 
versos artigos,  já  íractando  da  sua  installa- 
ção  e  catalogação,  etc. 

Foi  uma  Exposição  brilhantíssima !. . . 

V.  Lisboa  no  supplemento  a  este  dicciona- 
rio. 

'  Temos  sobre  a  nossa  mesa  de  estudo  os 
2  interessantes  volumes  do  Catalogo  da  Ex- 


«De  então  para  cá,  principiou  a  vida  feliz 
d'este  chamado  pelicano^  que  por  fim  de  con- 
tas nada  tem  de  palmipede,  mas  sim  tudo  de 
abutre,  podendo  se  chamar  muilo  á  vontade 
uma  águia. 

«Como  se  sabe,  os  entendedores  classifica- 
ram esta  águia  de  obra  d' arte,  dando-lhe  gm'- 
nhentos  annos  de  existência.  ^ 

«Concordaram  que  foi  feita  para  servir  de 
estante  e  que  ha  apenas  uma  outra  egual  na 
Bélgica.  Mandaram  lhe  pôr  umas  pernas  de 
bronze,  porque  as  primitivas  haviam  sido 
decepadas,  e  offereceram  por  ella  SOOi^OOO 
réis  ao  cabido  da  Sé  de  Vizeu,  o  qual— honra 
lhe  seja  feita— recusou  a  offerta,  para  assim 
conservar  objectos  de  valor.  Porem  alguns 
Romeus  da  archeologia  artística  enamora- 
ram-ae  da  águia — a  Julieta,— à  ponto  de  não 
lhe  permittirem  regressar  aos  penates  2, 


posição  e  d'elles  se  vê  que  a  cidade  de  Vi- 
seu foi  uma  das  que  melhor  se  apresentou 
na  dieta  Exposição. 

Da  própria  Sé  ali  figuraram  outros  arti- 
gos, entre  elles  a  grande  e  bella  custodia  da- 
da pelo  bispo  e  cardeal  D.  Miguel  da  Silva 
em  1533.  D'ella  pôde  ver-se  a  gravura  no 
tomo  das  estampas  sob  o  n.»  69 — e  no  tomo 
eom  o  texto,  sob  o  n."  63,  se  lê  o  seguinte  : 

"Custodia  de  prata  dourada.  Altura  O^.ôl. 
A  base,  de  forma  oblonga  e  com  fortes  chan- 
fros, é  ornada  de  ramagens.  Em  roda  tem  a 
seguinte  inscripçào  em  caracteres  romanos: 
Michael  Sylvivs  episeopvs  visens  D.  An. 
M.D.XXXÍII. 

«O  nó  é  formado  de  arcarias  gothieas.  O 
relicário  está  entre  duas  columnas  ornadas 
com  as  imagens  de  S.  Sebastião  e  S.  Braz  (?) 
Sobre  as  columnas  ergue-se  uma  cúpula  de 
rendilhados,  contendo  a  imagem  do  Salva- 
dor e  encimada  por  uma  urna,  cujo  remate 
falta.. 

Cederam  também  para  a  dieta  Exposição 
numerosos  e  valiosos  artigos  muitos  cava- 
lheiros de  Viseu,  nomeadamente  o  conde  de 
Prime  e  Bento  de  Queiroz. 

1  O  Catalogo  (tomo  com  o  texto,  pag.  30,  n." 
242)  diz  textualmente  o  seguinte.— «Estante 
de  côro,  de  bronze.  Altura  0'°,62.  Tem  a  for- 
ma de  pelicano  e  é  provavelmente  obra  fla- 
menga do  fim  do  século  xv.»  Não  lhe  deram 
pois  500  annos  d'existencia,  mas  383,  por- 
que a  exposição  teve  logar  em  Í882. 

2  EfTeciivamente  o  governo  tentou  adqui- 


VIS 


VIS  1673 


«D'aqui,  grave  questão  na  imprensa  do 
paiz,  dando-se  por  ãm  o  seu  a  seu  dono,  fi- 
cando os  pobres  amantes  sem  a  águia  e  sem 
as  pernas  que  lhe  mandaram  pôr  I 

«Depois  de  uma  ausência  de  um  anflo  che- 
gou a  águia  a  Viseu,  onde  foi  recebida  com 
todas  as  demonstrações  d'apreço,  indo  oceu- 
par  altivamente  o  centro  do  côro  alto  da  Sê, 
d'onde  passou  ha  pouco  tempo  para  o  altar 
mór,  no  qual  serve  actualmente  de  estante. 
A  águia  é  digna  da  apreciação  que  lhe  fize- 
ram. 

«Aos  que  julgarem  este  trabalho  artístico 
um  passarôllo  qualquer,  recommendamos 
que  o  examinem  de  perto  para  gosarem  não 
só  a  perfeição  das  camadas  de  pennas,  como 
também  o  ser  tudo  aquillo  aberto  a  buril,  e 
feito  no  século  xiv. 

«A.  Silva.» 

A  historia  do  tal  passarôllo  fez-me  recor- 
dar a  da  celebre  cabicanca,  terror  d'Aguiar 
da  Beira;  *  mas  parece  averiguado  que  a  tal 
cabicanca  era  uma  inoffensiva  e  pobre  ce- 
gonha, em  quanto  que  o  passarôllo  de  Viseu 
ainda  não  está  bem  definido. 

Tem  pernas  curtas  e  grossas,— garras  me- 
donhas— peito  proeminente, — pescoço  recur- 
vados—bico também  recurvado  e  tocando  o 
peito,  —  cauda  estendida,  —  asas  crespas  e 
abertas,  como  para  lucta  (não  estendidas) 
com  os  cotos  levantados  e  as  extremidades 
caidas  em  linha  vertical,  formando  a  estante, 
— e  na  extremidade  das  azas  tem  um  traves- 
são que  segura  os  livros. 

Com  a  historia  da  celebre 
cabicanca  e  do  tal  passarôllo, 
pelicano,  abutre  ou  águia,  es- 


ril-a  para  o  Museu  de  Bellas  Artes— e  lá  es- 
taria bem  melhor  do  que  na  grimpa  da  torre, 
onde  os  rev."  cónegos  a  tinham  e  teriam 
ainda  hoje,  se  de  lá  não  a  tirasse  o  fallecido 
dr.  Simões.  Foi  elle  quem  a  desencantou  e 
lhe  deu  a  celebridade  que  hoje  tem,  pois  os 
rev."»  cónegos  mal  a  conheciam  e  não  lhe  li- 
gavam importância  alguma  I . . . 
i  V.  tomo  1.°  pag.  38,  col.  2.» 


tou  prefazendo  os  meus  55  an- 
nos,  pois  já  soaram  as  12  ho- 
ras da  noite  de  13  de  novem- 
bro de  1887  e  eu  nasci  em  14 
de  novembro  de  1832,  como 
disse  o  meu  antecessor  nos  ar- 
tigos Corvaceira,  Miragaya  e 
Penajoia. 

Paços  do  concelho 

Os  antigos  paços  do  concelho  estavam  na 
travessa  do  Chão  do  Mestre,  a  montante  da 
velha  Praça  do  Commercio  ou  de  Luiz  de 
Camões;— suppõe-se  que  eram  muito  humil- 
des— e  foram  devorados  por  um  incêndio  no 
dia  8  d'agosto  de  1796.  A  camará  tentou  res- 
taural-os  e  chegou  a  dar  principio  ás  obras^ 
mas  não  as  concluiu. 

Desde  o  incêndio  estiveram  em  differentes 
edifícios;  —  durante  a  feira  de  S.  Matheus 
também  a  camará  funccionou  na  Casa  Mu- 
nicipal da  Ribeira,  como  já  dissemos  a  pag. 
1552;  1  nos  últimos  annos  occupou  os  baixos 
do  Azylo  da  Infância  desvalida,  como  disse- 
mos no  tópico  antecedente,— e  desde  os  prin- 
cipies de  1886  inslallou-se  nos  seus  novos 
paços  que  mandou  fazer  no  Rocio  de  Santo 
Antonio,  hoje  Passeio  de  D.  Fernando,  onde 
funccionam  também  desde  aquella  data  ou- 
tras repartições  publicas: — tribunal  judicial, 
administração  do  concelho,  escrivania  da  fa- 
zenda, commissariado  da  policia,  ete. 

É  um  edificio  muito  amplo  e  muito  bem 
situado;— o  primeiro  dos  edifícios  públicos 
modernos  de  Viseu,  depois  do  Hospital  No- 
vo da  Misericórdia. 

A  camará  deu  principio  ao.«  seus  novos 
paços  no  dia  24  de  setembro  de  1887  2  no 


1  Estiveram  também  por  mais  de  12  an- 
nos todas  as  repartições  da  camará,  sa  rua 
da  Calçada,  nas  casas  de  Nicolau  de  Men- 
donça, de  S.  Salvador,  e  d'ali  se  mudaram 
para  os  baixos  do  Azylo,  como  acima  indica- 
mos. 

2  No  mesmo  anno  foi  feita  (pela  3.»  vez  I) 
a  ponte  de  pau  na  Ribeira,  ao  fim  da  rua  de 
Viriato,— e  também  se  deu  principio  á  nova 
Praça  2  de  Maio  e  à  nova  rua  que  vae  da 
rua  Formosa  para  a  de  S.  Domingos  e  para 
a  Praça  Velha  ou  de  Luiz  de  Camões. 


1674  VIS 


VIS 


chão  que  occupavam  as  casas  e  quintal  do 
conde  de  Fornos  e  uma  pequena  parle  da 
quinta  de  Joaquim  Machado  da  Silveira,  a  O. 
do  Passeio  de  D.  Fernando,— passeio  que  fi- 
cou mais  espaçoso  com  aquelles  chãos  e  mais 
alindado  com  o  grande  edifício. 

Traçou  a  planta  o  distincto  engenheiro  vi- 
siense, José  de  Mattos  Cid— e  dirigiram  a 
construeção  primeiramente  o  engenheiro 
Fernando  Victor  Mendes  d'Almeida— e  era 
seguida  até  hoje  o  sr.  Antonio  Cazimiro  de 
Figueiredo,  coronel  d'engenheiros  e  director 
das  obras  publicas  d'este  districto. 

Tem  o  novo  palácio  municipal  2  pavimen- 
tos e  um  grande  numero  de  casas  para  as 
seguintes  repartições: — tribunal,  conserva- 
tória, contadoria  e  cartórios  do  1.»,  2.»,  3." 
6  .4."  oflBcios  da  comarca,- sala  de  sessões, 
secretaria,  recebedoria  e  cartório  da  cama- 
rá,—bibliotheca  municipal,!  administração 
e  recebedoria  do  concelho,  etc. 

Foi  orçada  a  construeção  em  43  contos  e 
n'esta  data  (novembro  de  1887)  ainda  con- 
tinuam as  obras. 

Cadeia  Civil 

Estava  no  de  chaussée  da  antiga  casa  da 
camará,  incendiada  em  1796  e,— não  sabe- 
mos bem  desde  quando,  talvez  desde  aquella 
data, — funcciona  em  uma  das  velhas  torres 
romanas,  que  foi  Aljube  ou  prisão  ecclesias- 
tica. 

É  uma  masmorra  immunda,  vergonha  de 
Viseu  e  do  nosso  paiz. 

Armas  de  Viseu 
e  a 

Lenda  de  D.  Ramiro 

É  este  um  dos  tópicos  mais  emmaranhados 
e  mais  impertinentes  na  historia  d'esta  ci- 
dade e  um  dos  que  mais  nos  incommodou, 
sem  podermos  liquidar  bem  a  questão. 


Tivemos  de  consultar  e  folhear  muitos  li- 
vros, principiando  pelo  Portugaliae  Monti- 
menta,  cujo  aspado  faz  tremerl  Consultámos 
também  a  Hist.  Geneal.  da  Casa  Real,  a  Mo- 
narchm  Lusitana,  os  Diálogos  de  Botelho,  os 
poemas  de  João  Vaz  e  de  D.  Bernarda  Fer- 
reira de  Lacerda,  o  romance  Miragaya  de 
Almeida  Garrett,  a  Chorographia  Port.  do 
Padre  Carvalho,  as  Cidades  e  Villas  do  sr. 
Vilhena  Barbosa,  etc,  etc.  Podíamos  escre- 
ver um  livro  sobre  o  assumpto,  mas  apenas 
diremos  o  seguinte : 

As  armas  actuaes  de  Viseu  são  as  armas 
reaes  portuguezas  das  quinas  e  7  oastellos, 
mas  outr'ora  teve  por  armas  «um  escudo  co- 
roado e  n'elle  um  castello  de  prata  em  cam- 
po azul,  banhado  por  um  rio;— de  um  lado 
do  casiello  a  figura  de  um  homem  com  tra- 
jos de  peregrino,  tocando  uma  buzina,  e  do 
outro  lado  um  pinheiro.  Achamol-o  ainda 
descripto  por  outro  modo,  consistindo  a  dif- 
ferença  em  estar  sobre  as  ameias  do  castello 
o  homem  que  toca  a  buzina  i. 

•  A  lenda,  que  deu  origem  a  este  brasão, 
cantou-a  Garrett  na  sua  lyra  d'ouro.  Posto 
que  se  fez  popular  essa  linda  poesia,  que  o 
nosso  grande  poeta  intitulou  Miragaia,  como 
poderá  ser  desconhecida  para  alguns  dos 
nossos  leitores,  vamos  referir  a  lenda  suc- 
cintamenie,  e  com  a  ingenuidade  com  que  a 
narra  a  tradição. 

•  D.  Ramiro  II,  rei  das  Astúrias  e  de  Leão, 
que  reinou  desde  o  anno  dó  931  até  o  de 
950,  n'uma  excursão  que  fez  de  Viseu,  onde 
então  residia,  por  terras  de  moiros,  viu  e 
enamorou-se  da  formosa  Zahara,  irmã  de 
Alboazar,  rei  moiro,  ou  alcaide  do  castello 
de  Gaia  sobre  o  rio  Douro. 

•Recolheu-se  D.  Ramiro  a  Vizeu  com  o 
coração  tão  captivo,  e  a  razão  tão  perdida, 
que  sem  respeito  aos  laços,  que  o  uniam  a 
sua  esposa  D.  Urraca,  ou,  como  outros  lhe 
chamavam,  D.  Gaia,  premeditou  e  executou 
o  rapto  de  Zahara. 

«Emquanto  o  esposo  inflei  se  esquecia  de 


1  A  Ribliothecd  ainda  se  acha  no  edifício 
do  Collegio,  antigo  Seminário,  como  logo  di- 
remos, quando  fatiarmos  d'ella. 


1  Cidades  e  villas  do  sr.  Vilhena  Barbosa, 
tomo  2.»  pag.  187. 


VIS 


VIS  i675 


Deus  e  do  mundo  nos  braços  da  moira  gen- 
til, n*um  palácio  á  beira  mar,  o  vingativo  ir- 
mão de  Zahara,  trocando  affronta  por  affron- 
ta,  veiu  de  cilada,  protegido  pela  escuridão 
de  uma  noite,  assaltar  e  roubar  nos  seus 
próprios  paços  a  rainha  D.  Gaia. 

•  A  injuria  vibra  n'alraa  de  Ramiro  o  ciú- 
me e  o  desejo  de  vingança. 

«O  ultrajado  monareha  vôa  á  cidade  de 
Vizeu,  escolhe  os  mais  valentes  d'entre  os 
seus  mais  agucrridus  soldados,  e  lá  vae  á 
sua  frente  caminho  do  Douro. 

«Chegando  à  vista  do  castello  d'Alboazar, 
deixa  a  sua  cohorte  occulta  n'um  pinhal,  e 
disfarçado  em  trajos  de  peregrino,  dirige-se 
ao  Castello,  e  por  meio  de  um  annel,  que  faz 
chegar  às  mãos  de  D.  Gaia,  lhe  annuncia  a 
sua  vinda. 

•  O  peregrino  é  introduzido  immediata- 
mente  á  presença  da  rainha,  que  fica  a  sòs 
com  elle.  Alboazar  linha  ido  para  a  caça.  D. 
Ramiro  atira  para  longe  de  si  as  vestes  e  as 
barbas,  que  o  desfiguravam,  e  corre  a  abra- 
çar a  esposa.  Esta  porem  repelle-o  indigna- 
da, e  lança-lhe  em  rosto  a  sua  traição. 

«No  meio  de  um  vivo  dialogo  de  descul- 
pas de  uma  parte,  e  de  recriminações  da  ou- 
tra, volta  da  caçada  Alboazar.  D.  Ramiro 
não  pôde  fugir.  Já  se  sentem  na  próxima 
sala  os  passos  do  moiro.  A  rainha,  parecen- 
do serenar-se,  occulta  o  marido  n'um  armá- 
rio, que  na  camará  havia.  *  Mas  apenas  en- 
trou Alboazar,  ou  fosse  vencida  d'amor  por 
elle,  ou  cheia  d'odio  para  com  o  esposo  pela 
fé  trahida,  abre  de  par  em  par  as  portas  do 
armário,  e  pede  vingança  ao  moiro  contra 
o  christão  traidor. 

•D'ahi  a  pouco  era  levado  el-rei  D.  Ra- 
miro a  justiçar  sobre  as  ameias  do  castello. 
Chegado  ao  logar  da  execução  pediu  o  infe- 
liz, que  lhe  fosse  permittido  antes  de  mor- 
rer despedir-se  dos  sons  aceordes  da  sua 
buzina.  Sendo-lhe  concedida  esta  derradeira 
graça,  D.  Ramiro  empunha  o  instrumento, 
e  toca  por  tres  vezes  com  todas  as  suas  for- 
ças. 


*  Quasi  todas  as  lições  divergem  n*este 
ponto. 

P.  A.  Ferreira. 


I  «Era  este  o  signal  ajustado  cora  os  seus 
I  soldados,  escondidos  no  próximo  pinhal, 
para  que,  ouvindo-o,  lhe  acudissem  apres- 
sadamente. Portanto  n'um  volver  d'olho8  foi 
o  Castello  cercado,  combatido,  tomado,  e  de- 
pois incendiado.  A  desprevenida  guarnição 
foi  passada  ao  fio  da  espada,  e  Alboazar  teve 
a  sorte  dos  valentes: — expirou  combatendo. 
E  D.  Gaia,  como  ao  passar  o  Douro  para  a 
margem  opposta,  se  lastimasse  e  mostrasse 
dôr,  vendo  abrazar-se  o  castello,  foi  victima 
também  do  ciúme  de  D.  Ramiro,  que  cego 
d'ira  a  fez  debruçar  sobre  o  bordo  do  bar- 
co, cortando  lhe  a  cabeça  de  um  golpe  d'es- 
pada. 

«A'  fortaleza  em  ruinas  ficou  o  povo  cha- 
mando o  castello  de  Gaia,  e  á  margem  do 
rio,  onde  aportou  o  barco  de  D.  Ramiro, 
deu-lhe  o  nome  de  Miragaia,  em  memoria 
d*aquelle  fatal  mirar  da  misera  rainha. 

•  Tal  é  a  lenda,  que  deu  origem  ao  brasão 
de  Vizeu,  em  honra  da  parle  que  os  seus  ha- 
bitantes tomaram  n'aquella  empresa,  — diz 
ainda  o  sr.  Vilhena  Barbosa.  O  castello  re- 
presenta o  d'AIboazar;--o  rio  que  tem  por 
baixo,  o  Douro;— o  peregrino  D.  Ramiro, — 
e  o  pinheiro  o  bosque  em  que  se  escondeu 
a  sua  gente. 

«Usou  a  camará  municipal  d'esle  brasão 
até  6  d*agosto  de  1796,  em  que  arderam  os 
paços  e  a  cadêa.  Sendo  necessário  fazer  um 
novo  estandarte,  e  novo  sinete,  resolveu  dei- 
xar o  antigo  brasão,  adoptando  o  escudo  das 
armas  reaes.  Não  sabemos  o  motivo  da  mu- 
dança; mas  suppomos  que  seria  por  se  jul- 
gar fabulosa  a  lenda.  Todavia,  se  foi  esta  a 
razão,  não  a  achamos  boa,  seja  a  lenda  fa- 
bula ou  historia.  Em  qualquer  caso  tinha  o 
primeiro  escudo  em  seu  favor  os  respeitos 
da  antiguidade,  e  a  vantagem  de  ter  a  cida- 
de um  brasão  propriamente  seu. 

«A  lenda  pôde  ser  fabulosa,  e,  sel-o-ha 
talvez  em  grande  parte,  mas  não  no  todo.  D. 
Ramiro  II  roubou  a  moira  Zahara,  irmã  ou 
filha  d'Alboazar,  a  qual  se  fez  christã,  to- 
mando no  baptismo  o  nome  de  Aríida,  ou 
Aríiga.  Repudiando  a  rainha  D.  Urraca,  ca- 
sou, «egundo  uns,  ou  viveu  amancebado,  se- 
gundo outros,  com  Zahara,  de  quem  teve  ura 


1676  VIS 


VIS 


filho,  chamado  D.  Alboazar  Ramires,  que  foi 
o  primeiro  fundador  do  mosteiro  de  Santo 
Thirso,  cinco  legoas  acima  da  cidade  do 
Porto.» 

Assim  contou  a  lenda  o  sr.  Ignacio  de  Vi  • 
lhena  Barbosa,  nosso  bom  amigo  e  mestre  e 
um  dos  mais  illustrados  e  mais  consciencio- 
sos escriptores  contemporâneos,  mas  de  mo- 
do bem  differente  a  contaram  o  meu  ante- 
cessor no  artigo  Ancora,  rio,  tomo  i."  pag. 
208,  col.  2.»,  1— Fr.  Bernardo  de  Brito  na 
Monarchia  Lusiiana—e  o  dr.  Botelho  nos 
seus  Diálogos.  Differem  também  muito  todos 
os  outros  auctores  que  se  occuparam  da  di- 
eta lenda,  nomeadamente  Bernarda  Ferreira 
de  Lacerda,  ^  João  Vaz,  seu  contemporâneo ' 
e  Almeida  Garrett,  o  que  não  admira,  por 
terem  a  seu  favor  a  liberdade  de  poetas.  No- 
te-se  porem  que  Bernarda  Ferreira  na  Hes- 
pana  Libertada  acompanhou  a  historia  mui- 
to de  perto— e  João  Vaz  na  introducção  ao 
seu  poema  dá  em  resumo  a  pretendida  his- 
toria ou  lenda  de  D.  Ramiro. 

Todas  as  lições  divergem  e  tanto  que  não 
nos  foi  possível  extremar  a  parte  histórica 
da  parte  fantástica  da  lenda. 

No  mesmo  Nobiliário  do  Conde  D.  Pedro 
ha  duas  lições  muito  differentes, — uma  no 
Livro  velho  das  Linhagens,  ou  na  Parte  U 


1  V.  também  os  artigos  Areosa,  Burgo  ve- 
lho, Cabriz.  Carreço,  Gaia,  Miragaya  e  Porto 
n'este  diccionario, — a  Monarch.  Lusit.  parte 
II,  cap.  21,— e  o  Dialogo  2.°  do  dr.  Botelho, 
cap.  1.» 

2  Esta  sabia  poetisa  nasceu  no  Porto  em 
159S  e  falleceuem  Lisboa,  onde  jaz,  em  1644 
ou  16iS. 

Do  seu  poema  Hespana  Libertada  foi  pu- 
blicada a  1."  parte  em  1618  e  a  2.»  em  1673. 

É  um  poema  lindíssimo  em  8.»  rima  e 
n'elle  se  encontra  a  lenda  de  D.  Ramiro  no 
canto  6."  da  parte 

3  Ignora-se  quando  nasceu  e  quando  fal- 
leceu.  Apenas  sabemos  que  era  natural  de 
Évora— e  suppomos  que  foi  contemporâneo 
de  D.  Bernarda  Ferreira  de  Lacerda,  porque 
segundo  se  lê  na  Bibi.  Lusit.  ai.»  edição  do 
poema  de  João  Vaz  é  de  1601.  Depois  foi 
reimpresso  em  1630  e  1641.  D'esta  ultima 
edição  é  a  copia  que  se  encontra  nos  Diálo- 
gos do  dr.  Botelho  {códice  de  Girabolhos). 


d'aquelle  antiquissimo  nobiliário  (edição  do 
Portugaliae  Monumenta)~o\itr2L  na  Parle  IV 
tit.  21.  Fr,  Bernardo  de  Brito  que,  segundo 
alguém  diz,  foi  o  primeiro  que  deu  curso  á 
lenda,  ^  seguiu  a  lição  do  Nobiliário,  mas  a 
da  Parte  IV,  por  ser  mais  poética  e  minu- 
ciosa do  que  a  da  Parte  II.  D'esta  nem  fez 
menção  I  E  acceitou  sem  escrúpulo  a  lenda^ 
tomando-a  como  facto  histórico,  digno  de 
todo  o  credito  ?  1 . . . 
Não  fantasiamos. 

No  argumento  do  citado  cap.  21  da  Parí^ 
//  da  Monarchia  Lusitana  diz  elle  textual- 
mente o  seguinte  : 

Do  successo  que  aconteceoa 
el  Rey  D.  Ramiro  com  Albo- 
azar Iben  Albucadan,  e  da 
certesa  (?)  que  ha  nesta 
matéria . . . 

Abre  depois  o  capitulo  dizendo  : 
«O  credito  e  authoridade  do  Cõde  Dom 
Pedro  2,  filho  dei  Rey  Dõ  Dinis,  me  fórça  a 
tratar  bua  matéria  deste  Rey  D.  Ramiro, 
que  na  opinião  de  algns  não  he  ávida  por 
mui  certa. . . »  —  mas  insurge-se  contra  os 
incrédulos,  dizendo  que  não  devemos  des- 
presar  as  verdades  (?)  antigas  envoltas  na 
simplicidade  d'aquelles  primeiros  tempos. . . 
— e  que  elle  não  podia  deixar  de  respeitar 
as  cousas  de  muitos  annos,  como  verdade  ir- 
refragavel  (?)  porque  nossos  antepassados, 
inda  que  fossem  pouco  polidos  no  que  escre- 
viam, erão  todavia  muy  escrupulosos,  e  fir- 
mes na  certesa  do  que  contavão  {?! . . .)  par- 


*  O  Diccionario  Bibliographico  de  Inno- 
cencio  dà  como  duvidosa  a  edição  de  1601 
do  poema  de  João  Vaz — e  tem  a  data  de 
1609  a  Parte  II  da  Monarchia  Lusitana  onde 
Fr.  Bernardo  de  Brito  contou  a  lenda  no 
cap.  21. 

2  Em  cota  marginal  cita  o  tit.  21  da  Par- 
te IV  sem  fazer  a  mini  ma  reforencia  à  lição 
da  Parte  II,  que  difíere  muitíssimo ! 

Fr.  Bernardo  de  Brito  era  um  sábio  de 
primeira  plana,  mas  nada  consciencioso  e 
muito  vaidoso.  Assombrou  todos  os  seus  con- 
temporâneos, mas  depois  veriQcou-se  ter  fa- 
bulado muito,  o  que  é  para  lamentar!... 


VIS 


VIS  1677 


ticularmente  o  Conde  D.  Pedro,  que  como  fi-  i 
lho  de  Rey,  e  pessoa  de  tãta  qualidade  não 
contaria  cousa  cõposta  de  sua  cabeça,  posto 
que  agora  nos  pareção  alguas  delias  duvido- 
SOS  de  crer. . . 


E  logo  principia  a  contar  a  lenda,  seguin- 
do a  lição  do  lal  til.  21  do  Nobiliário  e  ac- 
ceitando-a  toda  sem  escrúpulo,  incluindo  a 
pane  em  que  diz  que  o  sábio  astrólogo  ou 
feiticeiro  judeu  Aman  raptou  do  Castello  por 
mas  artes  cena  noite  a  tilha  ou  irmã  do  rei 
mouro  e  que  a  levara  a  D.  Ramiro  ?  1. . . 

Este  simples  tópico  basta  para  nos  con- 
vencermos da  verdade  irrefragavel  da  lenda 
e  do  são  critério  do  auclor  do  Nobiliário  e 
de  Fr.  Bernardo  de  Brito. 

Árcades  ambo  I . . . 

O  chrooista  mór  de  Cister  ainda  queria 
mais,  pois  lamenta  que  o  Nobiliário  não  es- 
pecifique os particutãres que  houve  namaleria 
du  rapto,  ou  as  artes  que  empregou  Aman 
para  tirar  do  castello  a  moura  sem  que  nin. 
guem  o  sentisse.  Condoeu-se  de  Fr.  Bernardo 
de  Brito  a  mimosa  poetisa  D.  Bernarda  Fer- 
reira, pois  no  seu  poema  descreve  com  vi- 
vas côrcs  e  muito  minuciosamente  o  pro- 
Ctíssu  e  artes  que  empregou  Aman  no  rapto 
da  gentil  moura. 

lambem  alguém  estranhou  que  Aiboazar, 
— vivendo  no  casiello  de  Gaia,  junto  da  fron- 
teira leouesa,  mettendo-se  de  permeio  ape- 
nas o  Uouro,  e  devendo  receiar  algum  in- 
sulto da  parte  de  D.  Ramiro  tão  enérgico, 
ião  valente  e  tão  mauzinho  que  havia  tirado 
o»  olhos  ao  seu  pruprio  irmão  mais  velho  e 
a  treá  sobrinhos,  por  lhe  disputarem  a  co- 
roa,—não  estivesse  devidamente  apercebido, 
jamais  depois  que  lhe  roubou  (?)  a  mulher 
e  a  levou  para  o  dicto  castello  de  Gaia. 

Foi  esia  lacuna  preen^^hida  por  João  Vaz 
nas  estancias  88,  89,  102,  103  e  104  do  seu 
puema. 

Também  Garrett  preencheu  outras  lacu- 
nas e  deu  novos  cambiantes  á  lenda  com  o 
seu  inspirado  estro,  evocando  a  tradição  e 
as  reminiscências  loeaes,  pois  nasceu  „em 

VOLUMB  XI 


1799  na  fregueria  de  Miragaya^— e  viveu 
alguns  annos  em  Gaya  2,  como  elle  próprio 
diz  na  introducção  ao  seu  lindo  romance 
Miragaia. 

Este  romance  foi  publicado  a  primeira  vez 
no  Jornal  das  Bellas  Artes,  Lisboa,  1845, 
tomo  1.»,— posteriormente  foi  vertido  em  in- 
glez;— depois  em  Iraneez  por  Zanule — e  em 
castelhano  por  Isidoro  Gil.  JNós  referimo  nos 
á  publicação  feita  no  Romanceiro,  3.*  edição, 
Lisboa  1853,  tomo  i."  pag.  199-264. 

JNa  introducção  diz  o  auctor  : 

«Este  romance  é  a  verdadeira  reconstruc- 
ção  d'um  monumento  antigo.  Algumas  co- 
plas são  textualmente  conservadas  da  tra- 
dição popular,  e  se  cantam  no  meio  da  his- 
toria rezada,  ainda  hoje  repelida  por  velhas 
e  barbeiros  do  logar.  O  conde  D.  Pedro  e  os 
chronistas  velhos  também  fabulam  cada  um 
a  seu  modo  {?)  sobre  a  legenda.  O  auctor,  ou 
mais  exactamente,  o  recopilador  (Almeida 
Garretij  seguiu  muito  pontualmente  a  nar- 
rativa oral  do  povo  e  sobre  tudo  quiz  ser 
fiel  ao  stylo,  modos  e  tom  de  contar  e  can- 
tar d'elle;  sem  o  quê,  é  sua  intima  persua- 
são que  se  não  pôde  restituir  a  perdida  na- 
cionalidade á  nossa  liiieratura. 


«Foi  uma  das  primeiras  coisas  d'e8te  gé- 
nero em  que  trabalhei,  ^  e  é  a  mais  antiga 
reminiscência  de  poesia  popular  que  me  fi- 
cou da  infância,  porque  eu  abri  os  olhos  à 
primeira  luz  da  rasão  nos  próprios  sitios  em 
que  se  passam  as  prineipaes  scenas  d'este 


1  Na  rua  do  Calvário,  u.°  15. 

V.  Miragaya,  tomo  5."  pag.  277,  col. 

2  E  nós  nascemos  em  1832  na  Penajoia, 
em  frente  das  Caldas  do  Molledo,  mas  lemos 
visitado  muitas  vezes  Gaia,  porque  vivemos 
tête  à  tête  em  Miragaya  desde  1864. 

V.  Corvaceira,  Penajoia  e  Miragaya,  tomo 
5.»  pag.  250,  col. 

'  iNo  mesmo  livro  se  encontram  mais  6  ro- 
mances do  mesmo  auctor  : 

— Adozinda; 

—Bernal— francez; 

—Noite  de  S.  João; 

—O  Anjo  e  a  Princeza; 

—O  chassim  d'el-rei  e 
I    —As  Pêgas  de  Cintra. 

106 


1678  VIS 


VIS 


romance.  Dos  5  aos  10  annos  de  idade  vivi 
com  meus  paes  n'uma  pequena  quinta,  cha- 
mada O  Castello,  que  tínhamos  áquem  Dou- 
ro e  que  se  diz  tirar  esse  nome  das  ruinas 
que  ali  jazem  do  Castello  mourisco. 

«Na  ermida  da  quinta  se  venerava  uma 
imagem  antiquíssima  de  Nossa  Senhora  com 
a  mesma  invocação  do  Castello,  e  com  sua 
legenda  popular  também,  segundo  o  costu- 
me'. 

•  Com  08  olhos  tapados  eu  iria  ainda  hofe^ 
achar  todos  esses  sitios  marcados  pela  tra- 
dição. Muitas  vezes  brinquei  na  fonte  do  rei 
Ramiro,  cuja  agua  é  deliciosa  com  effeito;  e 
tenho  idéa  de  me  haver  custado  caro,  outra 
vez,  o  imitar  com  uma  gaita  da  feira  de  S. 
Miguel,  08  toques  da  busina  de  S.  M.  Leo- 
nesa,  impoleirando-me,  como  elle,  n'um  res- 
to de  muralha  velha  do  caslello  d'el-rei  Al- 
boazar,  o  que  meu  pae  desapprovou  com  tão 
significante  energiay.^que  ainda  hoje  me  lem- 
bra também. 

«Assim  olho  para  esta  pobre  Miragaya 
(refere  se  á  poesia,  não  á  freguezia  de  Mi- 
ragaya) como  para  um  brinco  meu  de  crian- 
ça que  me  apparecesse  agora;  e  quero-lhe 
—que  mal  ha  n'isso  ?— quero-lhe  como  a 
tal 

«Lisboa  24  de  janeiro  de  1847.> 
Principia"  Gárrett  assim  : 

CANTIGA  PRIMEIRA 

Noite  escura  tão  formosa, 
Linda  noite  sem  luar, 


>  Hoje  (1887)  já  não  existem  a  quinta  nem 
a  Capella. 

A  qumta  foi  retalhada  e  a  capella  demo- 
lida!... 

P.  A.  Ferreira. 

2  Referia-se  ao  anno  de  1847  e  (triste 
coincidência  1 . . . )  hoje,  na  data  em  que  estou 
escrevendo  estas  linhas,— 9  de  dezembro  de 
1887,— está  passando  o  seu  luctuoso  anni- 
versario,  pois  o  chorado  poeta  falieceu  em 
Lisboa  no  dia  9  de  dezembro  de  1854.  Vivia 
eu  então  em  Coimbra,  frequentando  o  4." 
anno  theologico  I . . . 


As  tuas  estrellas  de  oiro 
Quem  as  poderá  contar  ? 

Quantas  folhas  ha  no  bosque. 
Areias  quantas  no  mar?. . . 
Em  quantas  lettras  se  escreve 
O  que  Deus  mandou  guardar. 


Bem  ledo  está  D.  Ramiro 
Com  sua  dama  a  folgar; 
Um  perro  bruxo  judio 
Foi  causa  de  elle  a  roubar. 


E  n'esta  adorável  cadencia  prosegne  o 
mavioso  poeta,  terminando  d'esta  fórma : 

CANTIGA  QUARTA 
{e  ultima) 

— «Sanetiago! . . .  Cerra,  cerra  í 
Sanctiago,  e  a  matar  I» 
Abertas  estão  as  portas 
Da  torre  de  par  em  par. 

Nem  atalaias  nos  muros. 
Nem  roídas  para  os  velar. . . 
Os  moiros  despercebidos 
Sentem-se  logo  apertar 

De  um  tropel  de  leonezes 
Já  portas  a  dentro  a  entrar ; 
Deixa  a  buzina  Ramiro 
Mão  à  espada  foi  lançar. 

E  de  um  só  golpe  fendente, 
Sem  mais  pôr  nem  mais  tirar, 
Parle  a  cabeça  até  os  peitos 
Ao  rei  moiro  Alboazar. . . 

Já  tudo  é  morto  ou  captivo. 
Já  o  Castello  está  a  queimar; 
Ás  galés  com  o  seu  despojo 
Se  foram  logo  a  imbarcar. 

—«Voga,  rema!  d'alem  Doiro 
Á  pressa,  á  pressa,  a  passar. 
Que  já  oiço  ali  na  praia 
Cavallos  a  relinchar. 


VIS 


VIS 


Bandeiras  são  de  Leão 
Que  lá  vejo  tremular. 
Voga,  voga,  que  alem  Doiro 
É  terra  nossa  I . .  A  remar  I 

D'aqui  é  moirama  cerrada 
Até  Coimbra  e  Thomar. 
Voga,  rema,  e  alem  Doiro  I 
D'aquera  não  ha  que  fiar.» 

A'  popa  vai  D.  Ramiro 
Da  sua  galé  real, 
Leva  a  rainha  á  direita, 
Como  quem  a  quer  honrar  : 

Ella,  muda,  os  olhos  baixos 
Leva  n'agua. . .  sem  olhar. 
E  como  quem  d*oulras  vistas 
Se  quer  só  desaflfrontar. 

Ou  Dom  Ramiro  fingia 
Ou  não  vem  n'isso  a  attentar  : 
Já  vão  a  meia  corrente. 
Sem  um  para  o  outro  fallar. 

Ainda  arde,  inda  fumega 
O  aleaçar  à'Alboazar; 
Gaia  alevantou  os  olhos, 
Triste  se  pôs  a  mirar; 

As  lagrimas,  uma  e  uma, 
Lhe  estavam  a  desfiar, 
Ao  longo,  longo  das  faces 
Correm . . .  sem  ella  as  chorar. 

Olhou  el-rei  para  Gaia, 
Não  se  pôde  mais  eallar : 
Cuidava  o  bom  do  marido 
Que  era  remorso  e  pezar, 

Do  mau  termo  atraiçoado 
Que  com  elle  fôra  usar 
Quando  o  intregou  ao  moiro 
Tam  só  para  se  vingar. 

Com  a  voz  internecida 

Assim  lhe  foi  a  fallar : 

— iQue  tens,  Gaia. . .  minha  Gaia? 

Ora  pois  I  não  mais  chorar. 


Que  o  feito  é  feito...»— «E  bem  feito!» 
Tornou-lhe  ella  a  soluçar, 
Rompendo  agora  n'un3  prantos 
Que  parecia  estalar : 

«É  bem  feito,  rei  Ramiro! 
Valente  acção  de  pasmar ! 
Á  lei  de  bom  caválieiro. 
Para  d'um  rei  se  contar! 

«Á  falsa  fé  o  mataste. . . 
Quem  a  vida  te  quiz  dar! 
  traição. . .  que  d'outro  modo 
Não  és  homem  para  tal. 

«Mataste  o  mais  bello  moiro, 
Mais  gentil,  mais  para  amar 
Que  entre  moiros  e  christãos 
NuDca  mais  não  terá  par. 

«Perguntas-me  porque  choro  1. . . 
Traidor  rei,  que  heide  eu  chorar? 
Que  o  não  lenho  nos  meus  braços, 
Que  a  teu  poder  vim  parar. 

•Perguntas-me  o  que  miro  ! 
Traidor  rei,  que  heide  eu  mirar? 
As  torres  d'aquelle  aleaçar. 
Que  ainda  esião  a  fumegar. 

tSe  eu  fui  alli  tam  ditosa. 
Se  alli  soube  o  que  era  amar. 
Se  alli  me  fica  alma  e  vida . . . 
Traidor  rei,  que  heide  eu  mirar  I» 

«Pois  mira,  Gaial*  E,  dizendo. 
Da  espada  foi  arrancar: 
*Mira,  Gaia,  que  esses  olhos 
Não  terão  mais  que  mirar.» 

Foi-lhe  a  cabeça  de  um  talho: 
E  com  o  pé,  sem  olhar. 
Borda  fóra  impuxa  o  corpo. . . 
O  Doiro  que  os  leve  ao  mar. 

Do  estranho  caso  inda  agora 
Memoria  está  a  durar : 
Gaia  é  o  nome  do  castello 
Que  ali  Gaia  fez  queimar ; 


1680  VIS 


VIS 


E  d'alem  Doiro,  essa  praia 
Onde  o  barco  ia  a  aproar 
Quando  bradou — «Mira,  Gatai» 
O  rei  que  a  vae  degollar, 

Ainda  hoje  está  dizendo 
Na  tradição  popular, 
Que  o  nome  tem*— jjf írag^am 
P'aquelle  fatal  mirar.» 

Desculpem-nos  a  transcripção,  Ella  ficou 
muito  extensa,  mas  é  o  tópico  mais  mimoso 
e  mais  interessante  d'este  tão  longo  artigo. 

São  também  lindíssimos  os  versos  de  D. 
Bernarda  Ferreira,  posto  que  os  escreveu  na 
língua  castelhana,  seguindo  a  moda  do  seu 
tempo.  Bem  quizeramos  transcrever  tam- 
bém alguns  para  que  os  leitores  notassem  o 
partido  que  ella  tirou  do  idioma  de  Cervan- 
tes e  da  8.»  rima;  não  devemos  porem  abu- 
sar da  paciência  dos  editores. 

Prosigamos. 

É  muito  interessante  a  lenda  de  D.  Rami- 
ro e  poucas  até  hoje  terão  sido  tão  bem  re- 
sadas  e  cantadas  em  prosa  e  verso,  mas  são 
já  tantas  as  lições  e  contradições  que  nin- 
guém sabe  onde  ficou  a  verdade  irrefraga- 
vel  da  historia  nem  da  lenda  I 

— Uqs  dizem  que  o  rei  mouro  era  um  rei 
muito  poderoso,  a  quem  obedeciam  outros 
reis;-~outros  dizem  que  era  um  simples  al- 
caide mór. 

— Uns  dizem  que  se  chamava  Alboazar 
Albucadam;—onlros  dão-lhe  o  nome  de  Al- 
mansor. 

—Uns  dizem  que  o  heroe  da  lenda  foi  D. 
Ramiro  I  de  Leão; — outros  querem  que  fosse 
D.  Ramiro  II. 

-  Uns  dão  á  mulher  de  D.  Ramiro,  rapta- 
da pelo  mouro,  o  nome  de  Gaia, — outros  o 
de  Aldora,  Aldara  ou  Alda—e  ainda  outros 
o  de  Urraca. 

—Uns  dizem  que  se  chamava  Perona  e 
era  francesa  a  criada  que  D.  Ramiro  encon- 
trou na  fonte,— outros  dão-lhe  o  nome  de 
Artida,  Artiga  ou  Ortiga,  e  dizem  que  era 
moura, — outros  dizem  que  Artida  ou  Artiga 
foi  o  nome  que  tomou  no  baptismo  a  mou- 
rinha  raptada. 


I     — Uns  dizem  que  D.  Ramiro  casou  com 
I  ella,— outros  dizem  que  nunca  passou  de 
concubina  d'elle. 

— Uns  dizem  que  D.  Ramiro  raptou  Zahara 
e  que  o  mouro  raptou  a  mulher  de  D.  Ra- 
miro, seduzindo-as  desfigurados  em  trovado- 
res,—outros  dizem  que  D.  Ramiro  empre- 
gou a  arte  magica  do  bruxo  Aman,— e  que 
o  mouro  raptou  a  mulher  de  D.  Ramiro  por 
surpresa  e  com  gente  armada,  estando  ella 
em  Minhor, — emquanto  que  outros  dizem 
que  ella  ao  tempo  estava  na  corte  de  Leão. 

— Todos  dizem  que  o  rei  mouro  a  estre- 
mecia e  lhe  deu  a  presidência  do  harém, 
mas  se  ella  fez  23  annos  depois  de  casar  com 
D.  Ramiro  e  se  este  na  perigosa  expedição 
para  a  libertar  levou  corasigo  só  gente  es- 
colhida e  valente,  sendo  remeiros  das  galés 
os  próprios  fidalgos, — e  se  levou  na  expedi- 
ção o  seu  filho  D.  Ordonho,  como  dizem  vá- 
rios auctores,— D.  Ordonho  já  devia  ter  pelo 
menos  20  annos  e  a  mãe  mais  de  40, — o  nec 
plus  ultra  da  bellesa  da  mulher.  Não  é  pois 
crivei  a  paixão  do  rei  mouro  e  a  preferen- 
cia que  este  lhe  deu  entre  as  jovens  do  ha- 
rém. 

—Uns  dizem  que  as  duas  expedições  de 
D.  Ramiro  a  Gaia  foram  ambas  feitas  pelo 
mar,  navegando  de  norte  a  sul, — outros  di- 
zem que  partira  de  Viseu  directamente  para 
Gaia  por  terra  de  mouros,  acompanhado 
pelos  seus  valentes  e  dedicados  visienses. 

Tentam  explicar  assim  o  facto  de  Viseu 
haver  tomado  por  armas  os  symbolos  da 
lenda. 

—Finalmente  uns  dizem  que  D.  Ramiro, 
quando  tomou  o  castello,  trucidou  logo  ali 
o  rei  mouro,  toda  a  familia  d'este  e  toda  a 
gente  de  Gaia,  levando  só  com  vida  a  mu- 
lher;—outros  dizem  que  levou  também  o  rei 
mouro;  —  que  o  matou  barbaramente  em 
Monte-Dor,  a  N.  de  Vianna — e  depois  a  rai- 
nha mais  alem  na  foz  do  Ancora,  nome  que 
tomou  desde  então  aquelle  rio,  pelo  facto  de 
a  lançar  n'elle  com  uma  mó  presa  ao  pesco- 
ço;— outros  dizem  e  provam  que  o  mencio- 
nado rio  já  então  se  denominava  Ancora;— 
outros  dizem  que  D.  Ramiro  degolou  a  mu- 
lher e  a  lançou  ao  Douro,  em  frente  do  Cas- 
tello de  Gaia  ainda  em  chammas  ff... 


VIS 

Vejam  que  salsada ! 

Tanlo  bruQiram  e  poliram  a  lenda  que  a 
desfiguraram,  como  lem  suceedido  a  muitas 
pinturas  com  as  restaurações. 

Entre  a  lenda  dos  romances  e  a  do  Nobi- 
liário do  Conde  D.  Pedro,  fonte  primitiva 
d'ella,  a  dilferença  é  muito  sensível.  Ha 
mesmo  grande  differença,  como  já  dissemos 
entre  a  lição  da  2.»  parte  do  Nobiliário  e  a 
da  parte  4.»  Referimo-nos  á  edição  do  Por- 
tugaliae  Monumenta,  a  mais  moderna  (1856) 
— mais  nitida  e  mais  auctorisada  de  todas, 
pois  foi  feita  pela  Academia  Rml  das  Scien- 
cias  debaixo  das  vistas  e  direcção  de  Ale- 
xandre Herculano,  sendo  vice-presidente  da 
mesma  Academia,  e  por  elle  prefaciada  com 
todo  o  esmero  e  com  a  severidade  e  compe- 
tência que  lhes  eram  próprias. 

Gomprehendeu  elle  sob  o  mesmo  titulo  de 
Livros  de  Linhagens  os  4  livros  assim  deno- 
minados e  anteriores  ao  see.  xvr. 

1°— O  chamado  Livro  Velho,  publicado  no 
tomo  1.°  das  Provas  da  Hist.  Geneal.  pag. 
145. 1 

2.  «— O  fragmento  proximamente  da  epo- 
cha  do  antecedente,  que  se  acha  impresso  no 
mesmo  volume  das  Provas  e  que  D.  Anto- 
nio Caetano  de  Sousa  incluiu  na  mesma  de- 
nominação de  Livro  Velho. 

3.  »— Um  fragmento  de  nobiliário  até  então 
inédito,  que  anda  junto  ao  ms.  do  Cancio- 
neiro do  Collegio  dos  Nobres,  na  Bibi.  Real. 

4.  »— O  Livro  das  Linhagens  attribuido  ao 
Conde  D.  Pedro,  livro  que  se  conserva  ms. 
na  Torre  do  Tombo,  Alexandre  Herculano 
tomou  aquelle  códice  para  texto  do  Nobiliá- 
rio do  Conde  D.  Pedro,  dizendo  que,  apesar 
das  duas  publicações  iá  feitas — uma  em  Ro- 
ma por  Lavanha  em  1640,— e  ouira  em  Ma- 
drid DO  anno  de  1646  por  M.  Faria  e  Sousa, 
que  o  traduziu  em  castelhano, — aquelle  có- 
dice em  rigor  deve  considerar  se  inédito, 
porque  Lavanha  o  alterou  todo: — suppri- 
miu,  transpoz  e  corrigiu.  Comparado  o  im- 


1  Este  livro  e  o  fragmento  subsequente  fo- 
ram tirados  á  parte  em  um  folio  de  76  pag. 
e  Índices,  em  1737. 


VIS  1681 

presso  com  o  manuscripto  são  duas  obras 
differmtes,  —  áiz  Herculano  prefaciando  a 
edição  do  Portug.  Monumenta— e  o  mesmo 
se  lê  na  Memoria  que  sobre  a  origem  prová- 
vel dos  Livros  de  Linhagens  publicou  nas 
Mem.  da  Academia  (2.»  classe)  T.  I.  P.  2  • 
pag.  35. 

Na  edição  de  Madrid  se  encontram  mui- 
tas annotações  e  eommentarios  de  Lavanha, 
do  Marquez  de  Moniebello,  de  Alvaro  Fer- 
reira de  Vera  e  do  próprio  editor  e  tradu- 
ctor  M.  Faria  e  Sousa,  —  e  no  eomraenta- 
rio  à  plana  3.*  {lenda  de  D.  Ramiro)  Sousa 
e  Vera  duvidam  da  lenda,  atiribuindo-a 
Sousa  a  Fr.  Bernardo  de  Brito  que  foi  o  pri- 
meiro que  a  trasladou  do  Nobiliário.  O  mes- 
mo Sousa  accreseeuta  que  o  Livro  das  Li- 
nhagens do  Conde  D.  Pedro  não  traz  esta 
nem  outras  historias  semelhantes;— Vera  diz 
que  a  verdade  a  tal  respeito  é  somente  o  que 
elle  nota  no  seu  commentario  á  plana  4 
e  que  tudo  o  mais  são  contos  como  os  da 
Dama  de  pé  de  cabra,  Capon,  ete.  mas  na 
muito  auctorisada  edição  do  Portugaliae 
Monumenta  lá  se  encontra  a  lenda  de  D.  Ra- 
miro como  Fr.  Bernàrao  de  Brito  a  cantou 
na  Monarchia  Lusitana,  —  sâlvâi  pequenas 
variantes. 

Alexandre  Herculano,  log.  eit.,  diz  que  os 
Livros  de  Linhagens  chegaram  alé  nós  mu- 
tilados, alterados  e  talvez  intencionalmente 
viciados,  mas  que,  aproveitando-se  com  cau- 
tela, a  historia  ainda  pode  tirar  d'elles  gran- 
de vantagem. 

—Que  «o  Livro  de  Linhagens,  chamado  do 
Conde  D.  Pedro,  é  o  livro,  não  de  um  homem, 
mas  sim  de  um  povo  e  de  uma  epocha,—nmA 
espécie  de  registro  aristocrático,  cuja  ori- 
gem se  vae  perder  nas  trevas  que  cercam  o 
berço  da  monarchia.» 

«O  Livro  de  Linhagens  não  é  mais  do  Con- 
de D.  Pedro  que  de  dez  ou  vinte  sujeitos  di- 
versos, de  cujos  nomes  se  duvida  e  que  eqa 
varias  epoehas  o  emendaram,  accrescenta- 
ram,  ou  diminuíram,  substituindo  muitas 
vezes  verdades  a  erros,  erros  a  verdades,  ou 
I  erros  a  erros,  mas  que  n'isso  mesmo  deixa- 
j  ram  vestígios  das  idéas  da  sua  epocha,  tor- 


1682  VIS 


VIS 


Dando  este  livro  (o  Nobiliário)  um  monu- 
mento, debaixo  de  certas  relações,  cada  vez 
mais  importante. 


«O  Livro  das  Linhagens,  se  atienderraos 
ao  modo  porque  chegou  até  bós,  labora  em 
grande  suspeição»— diz  ainda  Herculano,— 
por  ser  o  escrivão  do  Arehivo,  Gaspar  Al- 
vares Lousada,  quem  tirou  a  copia,  da  qual 
Affonso  de  Torres  extrabiu  a  que  depois 
veiu  a  servir  de  texto  nas  Provas  da  Hist. 
Genealógica 

Diz  mais:  «A  reputação  de  antiquário  que 
Lousada  desfruelou  entre  os  seus  contem- 
porâneos era  mentida.  Foram  justamente  as 
sms  invenções  embusteiras,  apparecendo  ma- 
ravilhosamente a  ponto  para  favorecer  as 
patranhas  históricas  então  da  moda,  que  lhe 
grangearam  essa  reputação  immerecida. 
Quaes  eram  na  verdade  os  conhecimentos 
históricos  do  consócio  dos  Britos,  dos  Higue- 
ras  e  de  outros  impostores  (?),  mais  de  um 
escriptor  mederno  o  tem  advertido  ^. 

« • . . .  Todas  as  invenções  desses  fabrican- 
tes de  burlas  movem  a  riso,  e  antes 

suscitam  compaixão  por  seus  auctores  do 
que  indignação  Nada,  porem,  se  en- 
contra no  Livro  Velho  que  traia  por  este 
lado  a  ignorância  atrevida  de  Lousada  em 

fabricar  textos  —Onde  a  imperícia  de 

Lousada  appareee  é  nos  erros  de  copia;  mas 
esses  mesmos  erros  estão  revelando  um  ori- 
ginal do  século  xiv,  que  elle  nem  sempre  sa- 
bia ler. . . 

tSousa,  entendendo  ás  avessas  o  prologo 
de  Lavanha  e  esquecendo-se  de  cotejar  as 
citações  á  margem  das  Planas  do  Nobiliário 
de  Roma  com  o  próprio  Livro  Velho  que  pu- 
blicou, não  fez  senão  eonfundir-se  a  si  e  aos 
seus  leitores,  desarrasoando  miseravelmen- 
te 2. .  .—Faria  e  Sousa,  cuja  auctoridade  se- 


*  Cita  M.  de  Figueiredo,  Dissert.  I  sobre 
El  Rei  D.  Rodrigo,  pag.  23,— J.  Aoast.  de 
Figueiredo,  N.  Malta.  P.  IL  p.  168,  n.»  59,— 
e  J.  P.  Ribeiro,  Mem.  do  R.  Arch.  f.  33  e 
segg.  etc. 

2  Hist.  Geneal.  T.  l.  p.  278. 

A.  Herculano.  \ 


ria  maior, ....  se  não  fosse  a  levesa  ordiná- 
ria dos  seus  juisos,  e  a  certesa  que  attribuia 
a  qualquer  cousa  que  se  lhe  antolhava. ...» 

Diz  mais — que  poucos  livros  serão  tão 
abundantes  de  grosseiros  erros  lypographi- 
cos  como  os  volumes  das  Provas  da  Hist. 
Genealógica.  E  nós  diremos  que  poucos  li- 
vros temos  folheado  tão  nitidamente  impres- 
sos e  tão  bem  revistos  como  o  Portugaliae 
Monumenta,  sendo  aliás  difflcilimas  a  sua 
composição  e  revi.-íão. 

Fecharemos  aqui  o  extracto  do  que  disse 
o  grande  historiador  e  grande  iconoclasta 
Alexandre  Herculano  relativamente  ao  No- 
biliário do  Conde  D.  Pedro,  mas  quem  pre- 
tender inieiar  se  melhor  no  assumpto  leia 
no  Portugaliae  Monumenta  toda  a  introdue- 
ção  ao  Livro  de  Linhagens, — a  edição  de  Ma- 
drid,—a  introducção  ao  tomo  1.»  das  Provas 
da  Hist.  Genealógica  pag.  141  a  144,— e  os 
n."  1,  2,  3  e  4  (pag.  XX  a  XXIV)  do  Appa- 
rato  ou  introducção  á  dieta  Hiit.  Genealó- 
gica tomo  1." 

A  lenda  de  D.  Ramiro  anda  tão  desfigu- 
rada que  não  sabemos  extremar  d'ella  a 
parte  histórica.  O  que  sabemos  é  que  sobre 
a  margem  esquerda  do  Douro  e  quasi  a  pru- 
mo sobre  elle,  em  frente  "de  Miragaya  e  do 
Porto  se  ergue  um  grande  morro  de  forma 
cónica,  ainda  hoje  denominado  Castello  de 
Gaia,  com  um  vistoso  plató,  onde  eni  tempos 
remotíssimos  pompeou  um  castro  ou  castello 
romano,  depois  castello  árabe,— e  por  ultimo 
ainda  em  nossos  dias,  durante  o  cerco  do 
Porto  (1832-1833)  ali  teve  D.  Miguel  uma 
medonha  bateria,  da  qual  fez  parte  a  peça 
Paulo  Cordeiro,  dada  pelo  capitalista  d'este 
nome  e  que  ao  tempo  era  a  peça  de  maior 
calibre  que  tinha  Portugal. 

O  dicto  morro  denomina-se  Castello  de 
Gaia,  mas  na  minha  humilde  opinião  e  na 
commum  dos  auctores  tomou  o  nome — não 
da  Gaia  da  lenda,  mas  do  castro  ronoano  da 
povoação  de  Cale,  indicada  no  Roteiro  d' An- 
tonino Pio. 

Suppomos  que  o  dicto  castro  romano  es- 
tava no  sitio  do  Castello  de  Gaia,  ao  sul  ou 
na  margem  esquerda  do  Douro,  e  que  a  po- 
voação de  Cale,  núcleo  do  Porto,  estava  no 


VIS 


VIS  1683 


sitio  hoje  denominado  Miragaya,  em  frente 
do  Castello,  ua  margem  N.  do  Douro  julgo 
porem  fóra  de  duvida  que  por  ali,  no  Cas- 
tello de  Gaia  e  suas  iramediações,  andou  e 
viveu  um  dos  reis  de  Leão  com  o  nome  de 
D.  Ramiro,  talvez  o  da  lenda,— porque  assim 
o  afifirma  ainda  hoje  a  tradição  e  porque  lá 
86  conserva  ainda  uma  rua  com  o  nome  de 
D.  Ramiro  e  n'ella  a  Fonte  de  D.  Ramiro  e 
uma  bella  quinta  com  arvoredo  secular  e  um 
palacete  com  uma  torre  muito  antiga,  deno- 
minados Paço  do  Rei  Ramiro  ou  quinta  de 
Campo  Bello,  que  pertenceram  ao  nobre  e  ri- 
co Alvaro  Leite,  do  Porto,  e  hoje  pertencem 
ao  sr.  dr.  Adriano  de  Paiva  Faria  Leite 
Brandão,  feito  conde  de  Campo  Bello  ainda 
e8t'anno  de  1887,  ali  residente  e  casado  com 
uma  das  sobrinhas  e  herdeiras  do  fallecido 
Alvaro  Leite. 

V.  Nicolau  (S.)  freguezia  do  Porto,  tomo 
6.»  pag.  86  a  96. 

Na  mencionada  rua  de  D.  Ramiro  acaba 
de  succeder  um  facto  importante  : 

Á  entrada  da  dieta  rua,  subindo,  á  direi- 
ta, estão  hoje  os  grandes  armazéns  de  vinho 
pertencentes  ao  sr.  João  Henrique  Andressen 
— e  no  dia  4  do  corrente  mez  de  dezembro 
de  1887 "um  medonho  incêndio  devorou  a 
tanoaria  e  deposito  de  madeiras,  dependên- 
cia dos  dictos  armazéns.  O  prejuiso  foi  ava- 
liado em  50  contos  de  réis,  mas  felizmente 
o  incêndio  poupou  os  armazéns  contíguos, 
que  teem  um  deposito  de  vinho  e  aguar- 
dente avaliado  em  300  contos  ?  1 . . . 

O  sr.  Andressen  contará  60  annos; — veiu 
do  norte  da  AUemanha  para  esta  cidade  co- 
mo grumete  ou  moço  de  um  barco  mercan- 
te;—ficou  no  Porto  como  caixeiro; — depois 
estabeleceu-se  como  negociante; — tem  sido 
muito  trabalhador,  muito  arrojado,  muito 
honrado  e  muito  feliz  nas  suas  emprezas, 
pelo  que  é  hoje  o  primeiro  armador  de  na- 
vios e  um  dos  primeiros  iodustriaes  e  nego- 
ciantes do  Porto.  Calcula-se  a  sua  fortuna 
em  dois  mil  coníos;— habita  palácios,^  monta 


1  V.  Miragaya,  tomo  5.°  pag.  242. 

2  Vive  em  um  formoso  palacete  na  rua  do 


bons  trens,  vive  como  um  príncipe  e  todos  o 
respeitam,  consideram  e  estimam,  porque 
deve  toda  a  sua  grande  fortuna  ao  seu  tra- 
balho e  ao  seu  cavalheirismo. 

Nos  seus  numerosos  e  vastos  armazéns, 
nas  suas  fabricas,  nos  seus  eseriptorios  e 
nos  seus  navios  sustenta  em  Portugal  e  na 
America  mais  de  mil  pessoas,— paga  gene- 
rosamente a  todos  quantos  o  servem  e  por 
isso  todos  o  amam  e  servem  com  dedicação. 

O  grande  incêndio  durou  3  dias,  apesar 
da  proraptidão  dos  soccorros  e  da  visinhança 
do  Douro;  acudiram  todas  as  bombas  de 
Villa  Nova  de  Gaia  e  do  Porto  e  durante  os 
3  dias  trabalhou  também  constantemente 
uma  bomba  a  vapor  pertencente  aos  gran- 
des armazéns  do  sr.  Audressen;  a  tanoaria?^ 
ardeu  toda  e  ficaram  sem  trabalho  150  ho- 
mens que  n'ella  se  empregavam,  *  mas  o  sr. 
Andressen  (honra  lhe  seja!)  não  despediu  ■ 
um  único  ?  l. .. 

Alem  de  negociar  fortemente  em  vinho  do 
Douro,  é  o  primeiro  negociante  de  eereaes 
que  hoje  tem  o  Porto.  Manda-os  vir  da  Ame- 
rica directamente  e  em  barcos  sews;— depois 
vende-os  em  grão  ou  queima-os  e  transfor- 
ma-os  em  álcool,  para  o  que  tem  junto  da 
Furada,  na  margem  esquerda  do  Douro, 
uma  grande  fabrica  própria,— hoje  a  pri- 
meira de  Portugal,  no  seu  género,— muito 
espaçosa,  muito  bem  montada  e  admiravel- 
mente situada.  Apura  milhares  de  pipas  de 
álcool  por  anno,  pelo  que  o  sr.  Andressen  ó 
também  hoje  na  praça  do  Porto  o  primeiro 
fabricante  e  o  primeiro  negociante  d'aguar' 
dente?  1...'^ 


Barão  de  Nova  Cintra,— lem  o  seu  e.scripto- 
rio  na  rua  dos  ingleses,- os  seus  armazéns 
de  vinho  em  Villa  Nova  de  Gaya— e  a  sua 
grande  fabrica  de  queimar  pão  na  Furada, 
mas  tudo  ligado  por  uma  rede  telephoniea. 

1  Note-se  que  tinha  machinas  a  vapor  e  o 
maehinismo  mais  completo  e  aperfeiçoado 
que  hoje  demandam  as  grandes  tanoarias. 

Era  immenso  também  o  deposito  de  ma- 

2  Também  adquiriu  na  AUemanha  uma 
grande  matta  de  madeira  {carvalho  do  nor- 
te) para  aduela,— e  no  Pará  uma  zona  ira- 
mensa  de  arvoredo  virgem,  onde  explora 
em  grande  escala  a  industria  da  borracha. 


1684  VIS 


VIS 


Se  03  "negócios  continuarem  a  sorrir-lhe, 
como  teem  sorrido  até  hoje,  pôde  fazer  uma 
fortuna  collossal. 

Desculpem-nos  a  digressão  e  voltemos  a 
Viseu. 

É  innegavel  que  Viseu  teve  outr'ora  por  ar- 
mas as  que  ficam  indicadas  no  principio  d'e9- 
te  tópico  e  que  eram  allusivas  á  lenda  de  D. 
Ramiro.  Todos  concordam  n'este  ponto  6  0  dr. 
Botelho  nos  seus  Diálogos  escriptos  em  1630 
a  1636,  depois  de  contar  a  lenda  como  facto 
histórico  (?!...)  seguindo  de  par  e  passo  a 
Monarchia  Lusitana  de  Fr.  Bernardo  de 
Brito,  seu  contemporâneo,  diz:  ^  —  «deste 
successo  tomou  occasiào  esta  cidade  para  pôr 
era  suas  bandeiras  as  Armas  que  hoje  (1630- 
1636)  tem,  em  que  se  perpetua  a  memoria 
desta  historia  {?).  pelo  muito  amor  que  ti- 
nha a  este  Rei;  e  elle  por  levar  disso  grande 
gosto,  lhas  confirmou  (?),  por  lhe  ser  muito 
affeiçoado,  assim  por  ser  a  primeira  que  go- 
vernou, como  por  estar  nella,  quando  lhe  de- 
rão  a  nova  de  reinar,  causa  porque  estimou 
sempre  seus  cidadãos,  e  se  sérvio  de  seus 
cavalleiros. . . » 

Em  seguida  descreve  as  armas  como  as 
descreveu  o  sr.  Ignacio  de  Vilhena  Barbosa. 

O  mesmo  dr.  Botelho  diz  que  D.  Ramiro, 
quando  seu  irmão  D.  AíTonso  IV  o  chamou 
para  ceder-lhe  a  coroa,  estava  em  Viseu  e 
abreviou  a  sua  partida,  levando  eomsigo  a 
melhor,  e  mais  escolhida  gente  d'armas,  que 
trazia  na  fronteira, — com  muita  parte  dos 
moradores  d'esta  cidade  (Viseu),  que  como 
mais  bellicosQS  estimava,  e  como  leaes  sem- 
pre em  todos  os  feitos  o  seguirão,  e  acompa- 
nharão. » 

Note-se  que  estas  ultimas  linhas  em  itálico 
foram  aecrescentadas  pelo  dr.  Botelho  ao  que 
disse  Fr.  Bernardo  de  Brito  na  Monarchia 
Lusitana,  Parte  II,  eap.  18,  fl.  334,  v.  eol. 
2."  in- médio. 

Também  são  de  Botelho  os  encarecimen- 
tos do  grande  amor  que  D.  Ramiro  votou 
sempre  a  Viseu,  em  virtude  do  qual  (?)  esta 
cidade  tomou  as  dietas  armas  e  D.  Bamiro 


*  Dialogo  2.;  cap.  !.• 


lh'as  confirmou  (?)  como  disse  na  transcri- 
pção  supra. 

Botelho  era  muito  illuslrado,  mas  poeta, 
propenso  a  fantasiar  e  fazer  versos,— e  o 
muito  amor  que  o  prendia  á  sua  terra  na- 
tal (virtude  que  eu  muito  louvo)  por  vezes 
o  trahiu  e  o  levou  a  acceitar  lendas  como 
factos.  Assim  acceitou,  por  exemplo,  as  len- 
das de  1).  Ramiro  e  D.  Rodrigo,  e  domina- 
do pelos  preconceitos  da  sua  epoeha,  se- 
guindo o  exemplo  de  Fr.  Bernardo  de  Brito 
e  d'outros  contemporâneos  seus  nem  sem- 
pre a  verdade  foi  o  seu  norte  e  não  hesitoti 
em  pôr  nos  seus  Diálogos  alguns  trechos  de 
fantasia  como  historia,  taes  foram  os  que 
apontámos,  para  melhor  ageitar  a  Vjgeu  a 
lenda  e  melhor  explicar  a  rasão  das  dietas 
armas.  Em  todo  o  caso  teem  muito  mereci- 
mento 09  seus  Diálogos  ainda  hoje—e  mais 
merecimento  teriam  na  sua  epocha.  Elles 
parecem  um  romance;  estão  muito  bem  es- 
criptos e  cheios  de  versos  em  portuguez  e 
castelhano  á  moda  d'aquelle  tempo  e,  se  en- 
tão fossem  publicados,  dar-lhe-hiam  muita 
honra  e  seriam  uma  das  obras  mais  interes- 
santes do  século  xvir. 

Podem  mesmo  considerar-se  um  nobiliá- 
rio, pois  n'elles  mostra  que  possuia  vastos 
conhecimentos  genealógicos,  mas  acceitou 
sem  escrúpulo  tudo  o  que  lisongeava  a  sua 
tão  querida  terra  natal.  N*este  ponto  como 
em  outros  Berardo  foi  muito  mais  severo, 
pois  nas  suas  Noticias  Históricas  de  Viseu,* 
fallando  das  dietas  armas,  também  faz  men- 
ção da  lenda,  mas  a  titulo  de  inventario  e 
como  lenda ! . . . 

Principia  a  narração  por  estes  termos:— 
Alguns  dos  nossos  romancistas  (este  he  o  epi^ 
theto  que  merecem,  diz  elle)  contam. . .  etc, 
terminada  a  lenda,  tracta  logo  de  varrer  a 
sua  testada  dizendo : 

«Eis  aqui  como  são  as  Historias  da  idade 
media,  sem  outros  fundamentos  nem  provas, 
mais  do  que  fabulas  populares,  e  contos  gra- 


1  V.  o  que  d'elles  disse  Alexandre  Hercu- 
lano, supra. 

2  V.  Liberal  (i.»  anno)  n.»  2  de  9  de  maio 
de  1857. 


VIS 


VIS  1685 


tos  á  imaginação;  matéria  digna  de  exerci- 
tar a  penna  dos  nossos  Romancistas.» 

Depois  diz  que  do  Tombo  da  Camara,  pag. 
13,  consta  que  ella  usou  as  dietas  armas  pin- 
tadas no  seu  estandarte,  o  qual  suppoe  ter 
desapparecido  com  o  incendi©  que  devorou 
os  paços  do  concelho  visiense  no  dia  8  de 
agosto  de  1796.  *  Desde  esse  tempo — diz  elle 
— adoptou  o  escudo  real,  talvez  porque  al- 
guns da  governança,  duvidando  da  origem 
fabulosa  das  primeiras  armas,  persuadiram 
a  que  se  fizesse  esta  mudança.»  Todos  con- 
cordam n'este  ponto,  mas,  salvo  o  respeito 
devido  à  memoria  do  sábio  cónego  e  de 
Francisco  Manuel  Correia,  e  aos  laureados 
nomes  do  sr.  Ignacio  de  Vilhena  Barbosa  e 
do  auctor  do  interessante  Diccionario  choro- 
graphico  . .  Portugal  e  Possessões,  publicado 
em  Viseu  no  anno  de  18S4,— discordamos. 

O  senado  visiense  já  em  1743  ou  53  an- 
nós  antes  do  incêndio  que  devorou  os  paços 
do  concelho,  usava  das  armas  reaes  no  seu 
pendão,  pois  o  padre  Leonardo  de  Sousa, 
auctor  do  Epitome  Carmelitano  ^  e  do  inte- 
ressantíssimo Catalogo  (ms.)  dos  Prelados 
de  Viseu,  tantas  vezes  por  nós  citado,  quan- 
do f aliou  do  bispo  D.  Julio  Francisco  d' Oli- 
veira, descrevendo  muito  minuciosamente  e 
como  testemunha  ocular  as  grandes  festas 
que  em  Viseu  se  fizeram  por  occasião  da 
entrada  solemne  d'aquelle  prelado,  diz:— 
•  Como  o  Excellentissimo  D.  Julio  Francisco 
de  Oliveira  tivesse  devoção  de  fazer  a  sua 
entrada  publica  e  solemne  na  cidade  de  Vi- 


1  Tenho  sobre  a  minha  mesa  de  estudo  um 
exemplar  do  dicto  Epitome,  formato  de  8.» 
com  311  pag.  numeradas  e  24  folhas  sem 
numeração,  comprehendendo  o  rosto,  dedi- 
catória, prologo,  licenças  e  index,— Lísôoa 
Occidental,  Anno  1739.  Com  todas  as  licen- 
ças necessárias;  mas  infelizmente  nem  Inno- 
cencio  Francisco  da  Silva  no  seu  Dicciona- 
rio Bibliographico,—ne,m  o  sr.  Brito  Aranha 
na  continuação  do  mesmo  diccionario,  men- 
cionaram como  eseriptor  o  padre  Leonardo 
de  Sousa., 

Em  Viseu  ha  muitos  exemplares  d'aqufille 
Epitome  e  eu  farei  distribuir  alguns  pelas 
nossas  principaes  bibliothecas  para  salvar 
do  olvido  a  memoria  do  auctor. 


zeu  no  dia  vinte  e  cinco  de  março  do  mes- 
mo anno  de  1743,  indicou  logo. . .  etc.»  i 

Depois  vae  descrevendo  as  pomposas  fes- 
tas e  a  fl.  166  diz:— iCootiouava  a  procis- 
são na  fórma  seguinte:  Adiante  de  todos 
hião  03  criados  de  pé  de  sua  Exeellencia, 
aos  quaes  seguião  os  Alcaides  da  cidade  a 
Cavallo,  logo  o  Estandarte  lieal  da  Camara, 
o  qual  he  de  damasco  bronco  com  as  Armas 
reaes  bordadas  de  ouro  e  matizes.  Este  le- 
vava André  Antonio  Pacheco  Beltrão,  mor- 
gado de  Ca^ísurrães,  vereador  mais  velho  do 
anno  antecedente,  vestido  ricamente,  e  a  Ca- 
vallo, com  jaezes  de  custo,  e  primor,  preee- 
dendo-lhe  hum  volante  e  hum  page,  e  às 
suas  estribeiras  duas  alias  de  escravos  seos»^ 

Do  exposto  se  vê  que;a  muito  antes  do  in- 
cêndio, ou  de  1796,  as  armas  da  cidade  de 
Viseu  eram  as  aetuaes;  mas  desde  quando 
usou  ella  das  antigas  ? 

Tem-se  fabulado  lambem  muito  sobre  este 
ponto,  porque  não  ha  documento  positivo 
que  dirima  a  questão  e,  sendo  Viseu  cidade 
tão  antiga  e  tão  cheia  de  edificios  brasona- 
dos, não  ha  memoria  de  edifício  algum  com 
tal  brasão  I  Apenas  se  encontra  no  angulo 
oriental  da  fronteria  do  Hospital  Novo,  fa- 
zendo pendant  com  o  brasão  actual  que  se 
vê  do  lado  opposto,  mas  todo  aquelle  edifí- 
cio é  muito  moderno,  como  já  dissemos  no 
tópico  relativo  a  Misericórdia. 

Alguns  romancistas  dizem  que  as  armas 
velhas  de  Viseu  lhe  foram  dadas  pelo  pró- 
prio D.  Ramiro  II;— outros  dizem  que  este 


1  Tomo  3.»  do  dicto  Catalogo  ms.  Liv.  3.» 
cap.  4.°,  fl.  160  mihi 

Aproveitando  este  ensejo  diremos  que  já 
appareceram  os  dois  primeiros  volumes  do 
dicto  Catalogo!  Estão  mss.  e  completos;— 
pertencem  ao  sr.  conde  de  Prime— o  pro- 
pòe-se  publicar  todo  o  Catalogo  o  rev.  sr. 
Joaquim  Paes  de  Sobral,  digno  vice-reitor  do 
Seminário  visiense. 

Deus  o  queira  I . . . 

2  No  supplemento  a  este  diccionario  da- 
remos um  extracto  da  longa  biographia  de 
D.  Julio,  escripta  pelo  padre  Leonardo  de 
Sousa,  comprehendendo  este  e  outros  tópi- 
cos interessantissimos. 


1686  VIS 


VIS 


só  as  confirmou,  —  e  o  padre  Carvalho  diz 
que  lh'as  deu  o  bispo  de  SaiainaDea  (?)  D. 
Sebastião,  no  tempo  de  D.  Ramiro  I,  pelos 
annos  de  842  a  850,  quando  o  dicio  prelado 
restaurou  (?)  Viseu,  depois  que  o  mencio- 
nado rei  tomou  pela  2.«  vez  esta  cidade  aos 
mouros,  deixando  a  completamente  des 
truida. 

É  isto  o  que  se  dt  prebende  da  Ckor.  Port. 
tomo  2.»  pag.  179,  mas  não  podemos  accei 
tar  esta  opinião,  porque  todos  os  outros  au- 
ctores  que  nos  cercam  attribuem  a  lenda  a 
D.Ramiro  II,  cujo  reinado  se  conta  de  931 
a  9oO,  emquanto  que  o  de  D.  Ramiro  I  se 
prolongou  de  8i2  a  830,  ficando  entre  os 
2  reinados  a  bagatella  de  100  annos?!... 

O  padre  Carvalho  cila  o  Nobiliário  do 
Conde  D.  Pedro,  mas  com  certesa  não  o  viu, 
pois  o  Nobiliário  claramente  aponta  D.  Ra- 
miro II  como  "heroe  da  lenda  que  deu  ori- 
gem ás  antigas  armas  de  Viseu— e  que  em 
bons  trabalhos  me  metteu  ? !. . . 

Fecharemos  este  tópico  dizendo  que  Ale- 
xandre Herculano  fallou  de  D.  Ramiro  II  na 
Historia  de  Portugal  tomo  1.°  pag.  96  e  97, 
— e  fallou  também  de  Cale  ou  Gaia  na  pri- 
meira nota  do  mesmo  vol.  pag.  445,  mas  da 
lenda  não  disse  palavra. 

Teve  mais  juiso  do  que  nós  I . . . 

Foraes 

Nem  o  dr.  Botelho  nos  seus  volumosos 
Diálogos,  nem  Berardo,  nem  F.  Manuel  nas 
suas  interessantes  Memorias  mss., — nem  o 
Padre  Carvalho  na  Chorogr.  Portugueza  se 
occupam  dos  foraes  de  Viseu  I  Avelino  de 
Almeida  falia  d'elles  muito  resumidamente 
e  com  pouca  exactidão;— o  sr.  J.  Maria  Ba- 
ptista na  Chorogr.  Moderna  seguiu  Almeida 
e  não  adianta  mais;  o  sr.  Vilhena  Barbosa 
nas  Cidades  e  Vitlas  apenas  faz  menção  de 
dois:  o  da  rainha  D.  Thereza  e  o  de  seu  Q- 
Iho  D.  Alfonso  Henriques;  Franklin  na  sua 
Memoria  sobre  os  nossos  foraes  apenas  cita 
o  de  D.  Manuel  com  data  de  1513  e  outro  de 
ii87,  confirmado  em  1217,  mas  não  os  leu 
e  citou  mal,  como  logo  provaremos.  i 

O  sr.  Oliveira  Mascarenhas  no  seu  Novis-  i 
simo  Diccionario  Chorographico  de  Portugal  e 


;  Possessões,  escripto  e  publicado  em  Viseu  em 
I  1884,  dedicou  a  Viseu  um  longo  artigo,  mas 
!  fallando  dos  seus  foraes  apenas  diz  o  se- 
I  guinte  : 

«Teve  a  cidade  de  Vizeu  tres  foraes,  como 
se  vê  dos  rnais  authorisados  antiquários.  O 
1.»  foi-lhe  conferido  por  D.  Theresa  em  1123; 
o  2.»  por  D.  Alfonso  Henriques,  e  o  3."  (con- 
firmação do  2  o)  por  D.  Sancho  I,  em  1187. 

«Não  obstante  o  silencio  dos  escriptores 
antigos,  é  muito  de  crer  que  D.  Manoel  se 
não  houvesse  esquecido  de  conferir  foral  no- 
vo a  Vizeu,  como  conferiu  á  maioria  das  ter- 
I  ras  do  paiz.  Mas  isto  não  passa  de  presum- 
I  pção.  Se  os  documentos  respectivos  não  ti- 
vessem ardido  por  occasião  do  incêndio  que 
reduziu  a  cinzas  os  antigos  paços  d'e3te  con- 
celho, decerto  teríamos  agora  aclarado  esta 
questão.» 

Do  exposto  se  vê  que  este  tópico  não  ó 
simples,  mas  prouvéra  a  Deus  que  não  ti- 
véssemos maiores  diíSculdades  a  vencer.  Al- 
gum trabalho  nos  deu,  mas  alguma  coisa 
adiantámos — e  quem  vier  depois  de.nós  que 
diga  o  resto. 

Vamos  á  questão  : 

Viseu  teve  os  4  foraes  seguintes  : 

1.0 — Dado  pela  rainha  D.  Theresa  no  anno 
de  1123 — aão  em  1125,  como  por  lapso  dis- 
seram o  sr.  Vilhena  Barbosa  e  o  sr.  Oliveira 
Mascarenhas. 

2.0— Dado  por  el-rei  D.  Affonso  Henriques 
ou  D.  Affonso  I,— não  sabemos  quando, — 
mas  não  pode  duvidar-se  d'este  foral,  por- 
que se  vê  mencionado  expressamente  e  tran- 
scriplo  na  confirmação  de  D.  Sancho  1 1  com 
data  de  1187.  Foi  também  confirmado  por 
D.  Affonso  II  em  Coimbra  no  mez  de  outu- 
bro de  1217 — e  d'elle  faz  expressa  menção 
também  o  foral  de  D.  Manuel. 

3.°— Dado  pelo  bispo  /».  Pedro  Gonçalves 
e  pelo  cabido  ao  couto  da  Sé  no  anno  de 
1251. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  que 


1  Este  rei  simplesmente  confirmou  a  Viseu 
aquelle  foral,  transcrevendo-o.  Não  lhe  deu 
novo  foral,  como  se  lô  na  Memoria  de  Fran- 
klin. 


VIS 


VIS  1687 


8ob  o  a.»  31  dissemos  d'e8le  bispo  no  nosso 
Catalogo  dos  Ijispos  visienses. 

4.»— Dado  por  D.  Manuel  e  datado  de  Lis-  | 
boa  a  45  de  dezembro  de  1513.  | 

Lív.  de  Foraes  Novos  da  Beira,  tl.  118,  v.  \ 
col.  1.»,  como  diz  Franklin,  pelo  que  estra- 
nhamos que  o  sr.  Ignacio  de  Vilhena  Bar- 
bosa, nosso  bí-m  amigo  e  mestre,  o  não  men- 
cionasse, levando  o  sr.  Oliveira  Mascarenhas 
a  pôr  em  duvida  este  foral;  não  pôde  porém 
duvidar-se  d'elle,  porque  por  fortuna  temos 
sobre  a  nossa  mesa  de  estudo  o  próprio 
exemplar  que  se  guardou  muitos  annos  no 
archivo  da  camará  municipal  de  Viseu, 
exemplar  ainda  hoje  nitido,  luxuosamente 
encadernado  e  muito  bem  conservado.  Não  | 
sabemos  quando  nem  porque  motivo  (talvez  j 
por  oeeasião  da  guerra  peninsular)  foi  ter  a 
Lisboa;  ha  annos  appareceu  aqui  no  Porto 
um  negociante  de  livros  velhos  offereeen- 
do-o  com  outros  foraes  aos  amadores  e  com- 
prou-o  por  22iíl500  réis  o  sr.  Antonio  d' Al- 
meida Campos  e  Silva,  natural  de  Viseu,  mas 
residente  aqui  no  Porto,  dono  de  uma  pre- 
ciosa livraria,  o  qual  muito  generosamente 
se  dignou  emprtíStar-m'o,  bem  como  outros 
ms.  como  já  dissemos  a  pag.  1591.  D'elle  da- 
remos logo  um  extracto. 

Também  temos  sobre  a  nossa  banca  de 
estudo  os  dois  grossos  volumes  do  Portuga- 
liae  JíowMmewío,— publicação  luxuosa,  inle- 
ressantissima,  correctíssima  e  auctorisadis- 
sima,  feita  pela  nossa  benemérita  Academia 
Real  das  Sciencias. 

Comprehendem  estes  2  volumes  (são  os 
únicos  publicados  até  hoje)  muitos  docu- 
mentos que  jasiam  sepultados  na  Torre  do 
Tombo  e  que  são  uma  mina  d'ouro  para  os 
antiquários. 

No  tomo  Leges  et  consuetudines  entre  ou- 
tros documentos  preciosos  se  encontram  na 
sua  íntegra  muitos  foraes  dos  séculos  xi  a 
xui,  de  pag.  335  a  738,  entre  elles  o  1.»  e  o 
dados  a  Viseu,  pelo  que  também  os  ex- 
trai taremos. 

O  i é  copia  fiel  do  autographo  que  existiu 
no  archivo  capitular  da  Sé  de  Viseu  e  que 
hoje  se  guarda  na  Torre  do  Tombo,— segun- 
do se  lê  no  Portugaliae  Monumenta— Leges 


et  consuetudines,— çai§.  360  e  361,  e  princi- 
pia por  estes  termos : 
«In  nomioe  pairis  et  filii  et  spirilus  sancti. 

Ego  regina  tarisia  ildefonsi  regis  filia  » 

Em  vulgar:—  ^  «Em  nome  do  Padre e  do 
Filho  e  do  Espirito  Santo.  Eu  a  rainha  D. 
Theresa,  filha  do  rei  D.  Affonso  (Vi  de  Leão) 
vendo  e  conhecendo  a  dedicação  e  bons  ser- 
viços dos  vizienses,  muito  voluntariamente 
lhes  concedo  e  corroboro  por  escriptura  pu- 
blica os  bons  foros  e  bons  costumes  que  en- 
tre elles  sempre  vigoraram. 

«Primeiramente  concedo  aos  cidadãos  ea- 
valleiros  que,  fallecendo  algum  e  deixando 
filhos  menores,  estes  possuam  a  herança 
paterna  pacificamente  até  que  cheguem  á 
idade  de  poderem  tomar  também  armas. . . 
e.  se  não  deixar  filhos,  a  viuva  possuirá  a 
herança  da  mesma  fórma,  em  quanto  se  con- 
servar no  estado  de  viuvez  e  se  conduzir 
bem. 

«O  cavalleiro  decrépito  possuirá  lambem 
pacificamente  os  seus  bens. 

«Nas  terras  que  possuirdes  nos  arrabal- 
des de  Viseu  não  terá  ingerência  alguma  o 
meu  vigário  (delegado  ou  representante). 

«Os  clérigos  visienses  gosarão  os  mesmos 
fóros  dos  cavalheiros. 

«Se  houver  pendências  entre  vós  e  vós  as 
poderdes  resolver,  não  intervirá  o  meu  vi- 
gário, mas  este  acudirá  ao  vosso  chama- 
mento, quando  vos  approuver  ehamal-o,  e 
vos  fará  justiça  segundo  as  leis. 

«Se  morrer  o  cavallo  de  aigura  eavalhiro 
viziense,  não  será  este  obrigado  a  comprar 
outro  dentro  de  um  anno,  mas,  passado  um 
anno,  se  ainda  não  tiver  cavallo,  será  tido 
como  peão  e  pagará  ;M(;aíía  como  elles. 

«Os  peões  que  vierem  de  novo  povoar  Vi- 
seu pagarão  a  jugada  nova. 

•  Os  mercadores  (negociantes)  paguem  o 
censo  e  ninguém  os  affronte. 

«Este  foral  vos  concedo  na  era  de  1161 
(anno  1123).» 

A  rainha  não  indica  o  local  onde  ao  tempo 
demorava,  pelo  que  suppomos  ser  Viseu. 


1  Não  o  daremos  na  sua  integra,  mas  só 
em  extracto,  para  não  abusarmos  da  paciên- 
cia dos  leitores  e  dos  editores. 


1688  VIS 


VIS 


2."— Dado  por  D.  Affonso  Henriques, 
Para  evitarmos  repetições,  leia-sa  o  que 
já  dissemos  d'e8te  foral  supra. 

Perdeu-se,  como  se  perderam  outros  fo- 
raes  do  mesmo  rei,  talvez  porque  aiuda  não 
vigorava,  como  depois  vigorou,  a  praxe  de 
se  extrahirem  de  todos  os  foraes  3  exempla- 
res,—um  para  o  archivo  do  concelho  a  que 
pertencia;— outro  para  o  senhor  da  terra — 
6  outro  para  o  Archivo  Nacional  ou  Torre 
do  Tombo;  salvou  se  porem  este  foral  de  Vi- 
seu porque  foi  copiado  ou  transcripto  na 
confirmação  de  D.  Sancho  I  em  H87,  pelo 
que  tem  sido  denominado  também  foral  de 
D.  Sancho  /,  de  íiS7.— Assim  o  denomina 
o  próprio  Portugaliae  Monumenta,  que  o  dá 
na  sua  integra  *  sob  esta  epigraphe: 

Viséo 
Viseu 
1187 

Forale  Viseense  alterum. . . » 

Em  vulgar:  lOutro  foral  de  Viseu  se  guar- 
da na  Torre  do  Tombo  no  Livro  de  Foraes 

amigos  de  Santa  Cruz — e  no  Livro  

de  D.  Affonso  IL  Ali  se  encontra  também  ou- 
tro exemplar  dos  princípios  do  século  xiv. 
Tomamos  para  texto  o  primeiro  exemplar, 
apontando  as  variantes  que  se  notam  nos  ou- 
tros. » 

Em  seguida  transcreve  íidelissimamente 
o  dicto  foral,  que  principia  n'estes  termos: 

•  In  dei  nomine.  Ego  Sancius  » 

Em  vulgar:  2  tEm  nome  de  Deus.  Eu  D. 
Sancho  (I). . .  filho  do  grande  rei  D.  Affon- 
so (I)  e  da  rainha  D.  Mafalda,. ..  dou  a  to- 
dos os  habitantes  da  cidade  de  Viseu  o  pró- 
prio foral  que  lhes  deu  meu  pae  e  que  é  o  se- 
guinte:. . . . 


^  Liv.  cit. — Leges  et  Consuetudines,  pag. 
460  a  462. 

2  Bem  quizeramos  dar  copia  fiel  também 
d'este  foral,  mas,  como  ó  muito  extenso, 
d'elle  daremos  apenas  um  extracto,  omittin- 
do  as  variantes. 


«Se  algum  estranho  entrar  no  termo  da 
cidade  de  Viseu  armado  e  com  tres  homens 
ou  mais,  pague  6:000  modios  

«Os  cavalleiros,  clérigos  e  peões  não  po- 
derão ser  presos  e,  se  eommetterem  algum 
crime  serão  simplesmente  citados  para  vi- 
rem ao  concelho  e  ahi  serão  julgados  pelo 
juiz  e  por  homens  bons. 

•Aos  cidadãos  de  Viseu  ninguém,  nem  o 
próprio  senhor  da  terra  lhes  poderá  tomar 
violentamente  o  seu  cavallo. 


•  Todo  o  cavalleiro  de  Viseu  poderá  ven- 
der livremente  as  suas  terras  a  outro  caval- 
leiro, sem  pagar  pela  venda  imposição  al- 
guma, e  se  algum  cavalleiro  visiense  perder 
o  seu  Cavallo,  ser-lhe-ha  guardado  o  foro  de 
cavalleiro  durante  2  aonos,  embora  não  com- 
pre outro  cavallo,  mas  passados  os  2  aonos 
será  tido  como  peão,  em  quanto  não  possuir 
outro  cavallo. 


«Se  algum  cavalleiro  visiense  cair  em  po- 
bresa  ou  ficar  a  mulher  d'elle  viuva  e  não 
poderem  ter  cavallo,  ser-lhes-ha  guardado 
o  fôro  de  cavalleiro,  como  se  tivessem  ca- 
vallo. 

«O  peão  que  vender  os  seus  bens  a  outro 
peão  pagará  a  decima  parte  (?)  ao  senhor  da 
terra;  mas,  vendendo  só  parte  dos  seus  bens 
por  necessidade  urgente,  não  pagará  coisa 
alguma. 


«Todo  o  cidadão  de  Viseu  que  agredir  ou- 
tro com  armas  pagará  60  soldos-  o  que  ma- 
tar alguém  na  cidade  pagará  500  soldos,  e 
se  o  matar  fóra  da  cidade,  pagará  300  sol- 
dos. 

«O  que  desflorar  donzella  pagará  300 sol- 
dos—e,  se  a  mulher  desflorada  não  apresen- 
tar dentro  de  9  dias  a  sua  queixa  e  provas 
em  juiso,  o  desflorador  não  pagará  coisa  al- 
guma. 


«As  medidas  da  cidade  de  Viseu  serão  as 
mesmas  de  Coimbra. 


«Do  vinho  e  do  linho  pagarão  a  sexta 
parle  {uma  hagatellal. . .)— da prot>a  de  pau 


VIS 


VIS  1689 


pagarão  5  soldos  e  da  prova  de  lança  15 
soldos  1. 


«Se  algum  tributário  cair  em  pobresa,  | 
tanto  homem  como  viuva,  e  arrendar  os  seus 
bens. . .  o  governo  receberá  metade  dai  ren- 
da e  a  outra  metade  o  senhor  dos  bens  ar- 
renuados  ?!  

tOs  cónegos  (clérigos  da  Sé)  gosarão  to- 
dos os  privilégios  e  honras  dos  cavalleiros 
visienses. 


tDado  em  Santarém  no  mez  de  janeiro  da 
era  de  1225,— anno  1187  

Segue-se  no  mesmo  Portugaliae  Monu- 
menta  a  confirmação  de  D.  Affonso  II, — 
Coimbra,  no  raez  d  oulubro  do  anno  1217» 
—confirmação  muito  summaria,  como  cos- 
tumam ser  todas.  A  de  D.  Sancho  I  foi  uma 
excepção  para  supprir  e  talvez  modificar  em 
algum  tópico  o  foral  de  D.  Affonso  Henri- 
ques?!..  . 

Foral  de  D.  Manuel 

Já  que  por  fortuna  temos  este  foral  sobre 
a  nossa  banca  de  estudo,  daremos  também 


1  Usava-se  n'aquelle  tempo  e  desde  tem 
pos  muito  anteriores,  uma  espécie  de  duel- 
los  a  pau  ou  lança,  a  pé  e  a  cava  lio,  como 
prova  da  culpabilidade  ou  innocencia  dos 
litigantes,  com  certas  formalidades  legaes  e 
assistência  das  auctoridades,  pelo  que  estas 
recebiam  do  que  ficava  vencido  certa  som- 
ma. 

Por  este  bárbaro  processo  de  julgamento 
muitos  indivíduos,  estando  aliás  innocentes, 
eram  publicamente  e  barbaramente  espan- 
cados, feridos  e  por  vezes  mortos;— e  ainda 
pagavam  as  custas!. . . 

A  justiça  estava  sempre  do  lado  do  mais 
forte  e  mais  destro  no  jogo  das  armas — e 
mais  bárbaro  e  mais  estúpido  era  ainda  o 
julgamento  denominado  juiso  de  Deus  pelas 
provas  do  ferro  caldo  e  d'agua  ou  azeite  fer- 
vendo. 

Em  Leça  do  Balio  conservou-se  muito 
tempo  um  ferro  de  arado  que  servia  para  as 
taes  provas,  mas  o  meu  antecessor  ali  não 
as  descreve- nem  sei  onde  as  descreveu! 

O  Portugaliae  Monumenta  descreve-as  nos 
artigos  Costumes  e  foros  de  varias  terras  do 
Cima-Côa. 


uma  leve  noticia  d'elle  e  do»  caracteres 
d'esle  exemplar  que,  segundo  suppomos,  era 
o  do  archivo  da  camará  municipal  de  Viseu. 
Está  luxuosamente  encadernado  em  grossas 
taboas  de  madeira  forradas  de  couro;— tem 
nos  4  ângulos  das  2  faces  exteriores  8  esphe- 
ras  armillares  (uma  em  cada  angulo)  todas 
de  metal  amarello  com  bastante  espessura  e 
abertas  a  buril,  bem  como  2  escudos  do  mes- 
mo metal  que  se  vêem  no  centro  das  duas 
faces  exteriores  da  capa,  tendo  cada  um 
d'elles  as  armas  reaes  das  quinas, — 7  Cas- 
tellon—e  eorôa. 

É  eseripto  em  gotbico;  está,  como  já  dis- 
semos, muito  bem  conservado;  comprehen- 
de  ao  lodo  20  folhas  de  pergaminho,  folio, 
—16  com  o  texto,— mais  2  no  principio  com 
o  Índice- e  2  no  fira  com  os  registros,— e 
tem  15  titulos  que  abrem  todos  por  lettras 
de  fantasia,  umas  de  tinta  vermelha  e  outras 
de  tinta  azul,  alternadas. 

O  rosto  é  illuminado  e  dividido  em  3  sec- 
ções: —na  1."  (a  superior)  tem  no  centro  um 
escudo  coroado  e  n'elle  as  armas  reaes  das 
quinas  e  9  (?)  castellos;— aos  lados  2  esphe- 
ras  armilares  e  em  cada  uma  d'ellas  bem  vi- 
zivel  a  data  —1508—  posto  que  o  foral  é  da- 
tado de  1513  e  sem  contestação  lhe  pertence 
o  rosto  descripto,  pois  o  texto  do  foral  prin- 
cipia em  uma  pequena  tarja  quadrada  que 
se  vê  a  meio  do  rosto  e  continua  no  verso 
da  mesma  folha. 

Por  baixo  do  escudo  e  das  duas  espheras 
tem  uma  tarja  estreita  e  horisontal  a  toda  a 
largura  do  rosto  com  esta  legenda  em  gran- 
des lettras 

DOM  MANVEL 

e  logo  continua  na  tarja  quadrada,  imme- 
diatamente  inferior  em  caracteres  como  os 
do  texto  restante,  dizendo  : 


■  A  tarja  quadrada  tem  o  fundo  branco, 
mas  está  no  meio  d'outra3  duas  tarjas:— 
uma  com  um  ramo  de  cravos  e  uma  coruja 
de  capello  era  cores  próprias  sob  fundo  es- 
carlate;— outra  com  um  ramo  de  botões  de 
rosa,  uma  borboleta  e  uma  pequeua  flor; 
tudo  em  cores  próprias  também,  sob  fundo 
azul. 


1690  VIS 


VIS 


«per  graça  de  ds.  Rey  de  porlugal  e  dos 
algarves.  da  quem  e  dalém  maar  em  africa. 
Snor  de  Guinee  e  da  Conquista  e  navega- 
çam  e  comercio  de  ethiopia.  Arábia.  Pérsia 
e  da  índia,  etc.  Á  quaotos  esta  nossa  carta» 
— e  no  verso  da  folha  continua  dizendo: — 
«de  foral  virem,  dado  à  cidade  de  viseu.  fa- 
zemos saber  que  per  bem  das  dilligencias. 
Isames  e  Inquirições  que  em  nossos  regnos 
e  senhorios  mandamos  fazer. . .  acordamos 
visto  ho  foral  da  dita  cidade  dado  per  ElRey 
dom  affõm.  anrriquez.  confirmado  per  El- 
Rey dom  Sancho  seu  filho,  ^  que  as  rendas 
e  dirtos  (direitos)  se  devem  na  dita  cidade 
pagar  e  recadar  na  maneyra  e  forma  se- 
guinte : 

•  Posto  que  pollo  dito  foral  fossem  impos- 
tos dirtos  e  foros  de  pam  na  dita  cidade  e 
assy  de  vinho  e  linho  e  doutras  cousas,  nam 
se  fará  delias  aqui  neste  foral  menção,  por 
quanto  foram  apartadas  per  outros  foraes  e 
dadas  a  outras  pessoas,  segundo  em  seus 
particulares  tombos  e  foraes  sera  determi- 
nado.—e  aqui  sooraéte  neste  foral  seram  de- 
crarados  os  dirtos  pessoaes  que  andam  apar- 
tados com  a  alcaydaria  e  moordomado  da 
dita  cidade,  e  alguns  outros  que  assy  se  pa- 
gam a  nos  fora  dos  foraaes  dos  ditos  Re- 
guengos e  moordomados,  os  quaes  aqui 
primeyramente  mãdamos  decrarar.  s.  {a  sa- 
6ír)— paga-se  em  cada  huu  ano  a  nos  por 
dirto  Real  pollo  procurador  da  dita  çidade 
por  ho  pmeyro  ãu  de  raayo  quatro  mil  e 
setecentos  e  vinte  e  cinquo  Rs,  a  que  chama 
Cavallo  de  mayo.  e  que  o  dito  procurador  ha 
da  recadar  de  çertos  lugares  fora  do  termo 
da  dita.  çidade,  os  quaes  sam  a  isto  danti- 
gamente  obrigados  com  alguas  aldeãs  do 
dito  termo. . .  os  quaes  entregarão  aas  pes- 
soas que  delles  for  feita  ínree. . . » 

Em  seguida  diz  que  os  visienses  pagariam 
também  o  direito  denominado  Fogueiras  de 
S.  Miguel  e  que  já  estava  declarado  nos  li- 
vros e  tombos  dos  direitos  reaes  do  almo- 


1  Do  exposto  se  vê  que  D.  Sancho  I  não 
deu  foral  próprio  a  Viseu,  mas  simplesmente 
confirmou  em  1187  o  de  D.  Affonso  Henri- 
ques. 


xarifado  de  Viseu  quem  tinha  de  pagar 
aquelies  direitos,  a  importância  d'elles  e  a 
forma  do  pagamento,  o  que  tudo  se  cum- 
priria sem  innovação  alguma. 

Na  parte  restante  este  foral  pouco  diverge 
do  padrão  dos  foraes  novos  d'el-rei  D.  Ma- 
nuel; apenas  no  titulo  5.°  diz  que  a  cidade 
de  Viseu  nunca  seria  dada  a  pessoa  alguma 
em  senhorio,  o  que  ouir'ora  foi  privilegio 
importante  I 

V.  Pinhel  e  Portalegre. 

Termina  assim  : — tDado  em  a  nossa  mui- 
to nobre  e  sempre  leal  çidade  de  lixboa 
quinze  dias  de  dezêbro  de  quinhetos  e  treze. 
Fernam  de  pyna  p  mandado  spiçial  de  sua 
alteza  o  fiz  fazer  sooscrvy  e  comçertey  em 
quize  folhas  e  mea. 

«El  Rey» 

São  estes  os  foraes  que  os  nossos  reis  de- 
ram  a  Viseu.  Bem  quiséramos  extractar 
também  o  foral  do  bispo  D.  Pedro  Gonçal- 
veSy  mas  não  no-s  foi  possível  lobrigal-o. 

Passemos  a  outro  tópico. 

A  Cava  de  Viriato 

Poucas  cidades  do  nosso  paiz  podem  glo- 
riar-se  de  ter  tantas  e  tão  bellas  monogra- 
phias  como  Viseu.  Da  Cava,  por  exemplo, 
faliam  e  faliam  muito  bem  o  dr.  Manuel  Bo- 
telho Ribeiro  nos  seus  Diálogos;  '—José  de 
Oliveira  Berardo  nas  suas  Noticias  históri- 
cas de  Viseu,  publicadas  no  Liberal,  n.°  1  de 
6  de  maio  de  1857,  e  na  Memoria  ms.  que 
em  1838  offereceu  á  camará  municipal  vi- 
siense e  que  se  guarda  no  archivo  da  mes- 
ma camará;  ^  —  o  incansável  investigador 
Francisco  Manuel  Correia  na  sua  intereR- 
sante  Memoria  também  ms.,  tantas  vezes  já 
citada,— e  Fr.  Bernardo  de  Brito  na  Monar- 
chia  Lusitana  (parte  1.'  cap.  4.»  pag  281- 


1  Dialogo  I,  capítulos  9.",  10."  11."  e  12.", 
pag  54-74  no  códice  de  Girabolhos. 

2  Ao  nosso  bom  amigo  e  cyreneu,  o  ex."» 
sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça,  deve- 
mos o  favor  da  copia  que  temos  sobre  a  nos- 
sa banca  de  estudo. 


VIS 


VIS  1691 


285)  ao  qaal  n'e8te  ponto  seguiram  muito  de 
perto  (?!...)  o  dr.  Botelho  e  Berardo. 

Também  fallaram  d'ella,  embora  mais  li- 
geiramente, o  sr.  Vilhena  Barbosa  nas  Cida- 
des e  Villas—o  sr.  Oliveira  Mascarenhas  no 
Portugal  e  Possessões,— AxeWno  d'Almeida 
no  seu  Diccionario,  copiando  o  que  disse  Be- 
rardo,—o  sr.  J.  M.  Baptista  na  Chorographia 
Moderna,  extraetando  o  que  disse  Avelino  de 
Almeida,— e  também  já  o  meu  antecessor 
fallou  d'ella  no  pequeno  artigo  Cava,  remei- 
lendo  o  leitor  para  o  artigo  Viseu  e  para  as 
Memorias  de  Berardo.  Cumprê-nos  pois  dar 
noticia  um  pouco  mais  ampla  de  tão  curioso 
monumento,  aproveitando  principalmente  as 
duas  Memorias  do  sábio  cónego  e  princi- 
piando pela  que  foi  publicada  no  Liberal  em 
1857,  da  qual  n'este  ponto  '  é  um  extracto 
a  de  1838,  pois  Berardo  já  tinha  escripto 
aquella  em  1830. 

tO  monumento  mais  considerável,  que 
encontramos  na  cidade  de  Vizeu,  he  o  deno 
minado  Cava  de  Viriato:  espécie  de  fortifi- 
cação, cujos  muros  de  terra,  hoje  quasi  gas- 
tos pela  incúria,  ignorância  e  rapacidade 
humana,  contando  talvez  20  séculos  de  exis- 
tência, tem  servido  de  base  á  tradição  po- 
pular sobre  as  recordações  gloriosas  que  va- 
mos a  referir.  ^ 

•Derrotado  o  exercito  do  pretor  romano 
Cláudio  Ucimano  pelo  famoso  Viriato  junto 
do  Campo  d'Ourique,  para  desviar  de  si  o 
peso  das  armas  com  huma  diversão  favorá- 
vel, reeorreo  aquelle  pretor  a  Caio  Nigidio, 
o  qual  entrando  logo  pelas  terras  da  pro- 
vinda da  Beira,  depois  de  talar  os  agros  e 
incendiar  povoações,  veio  fortifiear-se  em 
hum  campo  raso,  que  hoje  vemos  junto  da 
cidade  de  Vizeu.  Logo  qUe  Viriato  disto 
houve  noticia,  acudio  immediatamente  a  es- 


í  N'este  e  rCoutros  pontos,  mas  compre- 
hende  também  algum  trabalho  novo  sobre 
assumptos  diíferentes,  um  mappa  geogra- 
phieo  do  concelho  de  Viseu,  diversos  map- 
pas  estatísticos  do  concelho  e  do  bispado, 
etc,  etc. 

2  Berardo,  Memoria  í»,  publicada  no  Libe- 
ral em  1857. 


te  ponto,  e  como  não  podesse  escallar  os  mu- 
ros de  terra,  poz-lhes  cerco  até  obrigar  Ni- 
gidio,  pela  fome  e  estratagema,  a  render-se 
ou  pelejar.  Com  eflFeito  o  pretor  sahio  a  cam- 
po, mas  em  poucas  horas  foi  derrotado,  per- 
dendo as  águias,  e  quasi  todo  o  exercito. 

•  Isto  se  passava,  como  dizem,  ^  pelos  an- 
nos  de  146  antes  da  era  vulgar,  e  se  dermos 
attenção  ao  amor  do  maravilhoso,  e  ao  gosto 
dHS  estultas  etymologlas,  alguém  pretende 
que  duas  povoações  visinhas  da  Cava  de  Vi- 
riato attestão  ainda  hoje  por  seus  nomes  a 
grandeza  daquella  batalha.  Ahravezes  dizem 
ser  corrupção  da  palavra  braveza,  que  de- 
nota o  furor  com  que  combaterão  os  lusi- 
tanos; e  Aguieira  era  o  lugar  onde  estavão 
as  águias  romanas  no  pretório  do  arraial. 
Também  a  povoação  próxima,  hoje  deno- 
minada Esculca,  querem  alguns  derivai  a  de 
escuta;  porque  ali  se  demorara  o  exercito 
luzitano  como  em  escuta  e  observação. 

«Louvem  e  agradeçáo  os  nossos  conter- 
râneos estas  sonhadas  invenções  áquelles  his- 
toriadores, que  se  prazem  em  os  divertir  ou 
estimular  de  zelo  patriótico;  mas  eu  quizera 
que  huma  critica  mais  judiciosa  tivesse  pre- 
sidido ás  suas  lucubrações,  e  que  não  tives- 
sem corrido  tanto  á  larga  pelo  campo  das 
falsas  conjecturas.  2 

«Com  effeito  a  tradição  d'estas  façanhas 
se  teria  extinguido  depois  de  tantos  séculos, 
e  a  não  ser  o  monumento,  cujos  restos  ain- 
da hoje  subsistem,  por  ventura  nem  aquella 
Victoria  alcançada,  nem  mesmo  a  estada  e 
marchas  dos  exércitos  por  estes  sitios  serião 
para  acreditar.  Debalde  Floriano  dei  Campo 
e  Fr.  Bernardo  de  Brito  adduzirião  as  lapi- 


1  Refere-se  á  Monarchia  Lusitana  de  Fr. 
Bernardo  de  Brito  e  aos  Diálogos  do  dr.  Bo- 
telho, que  Berardo  compulsou,  mas  nunca 
citou,  pelo  que  alguém  o  censura. 

2  Refere-se  ao  dr.  Botelho  que,  sendo  aliás 
muito  illustrado,  era  da  escola  de  Fr.  Ber- 
nardo de  Brito  e  mais  crendeiro  ainda  do 
que  elle.  Dominado  pelo  amor  pátrio,  estava 
sempre  a  compor  versos  e  lendas  em  honra 
de  Viseu, — em  quanto  que  Berardo  era  da 
escola  de  Alexandre  Herculano,— »nw?ío  se- 

i  vero  nos  seus  escriptos  e  muito  avesso  a  len- 
i  das  e  fabulas. 


1692  VIS 


VIS 


des  de  sua  invenção  encontradas  junto  a  Vi-  | 
seu,  1  e  o  testemunho  de  Gallio  Favônio.  A 
critica  desmentio  o  gosto  particular  destes 
historiadores,  como  se  pôde  ver  no  insus- 
peito André  de  Rezende. 

•  É  certo  que  o  tempo  não  nos  deixou  che- 
gar os  pormenores  dos  combates  entre  Vi- 
riato e  Caio  Nigidio;  nenhum  synchrono  nos 
refere  o  logar  onde  aqueile  destroçàra  este, 
nem  é  crivei  que  a  mencionada  Cava,  cons- 
tando de  um  espaçoso  octogno  regular,  ^  de- 
fendido por  um  fosso  cheio  d'agoa,  fosse  a 
obra  de  poucos  dias. 

tDe  todos  os  auctores  latinos  que  hoje 
possuímos,  e  que  escreverão  das  guerras  de 
Viriato,  nenhum  faz  menção  do  pretor  Caio 
Nogidio,  à  excepção  da  obra  intitulada:  De 
Viris  illustribus  Urbis  Romanae,  que  se  ex- 
prime d'este  modo:  «Viriato,  portuguez  de 
nação,  primeiramente  pobre  mercenário,  e 
depois  caçador  por  passatempo,  e  ladrão  por 
audácia,,  fez-se  ultimamente  capitão,  toman- 
do á  sua  conta  a  guerra  contra  os  romanos, 
cujos  generaes,  Cláudio  Unimauo  e  Caio  Ni- 
gidio, derrotou, 

•  De  passagem  observaremos  em  primeiro 
iogar  que  os  romanos,  sendo  os  oppressores 
dos  povos  por  excellencia,  erão  muito  libe- 
raes  em  dar  o  epiíheto  de  salteadores  a  to- 
dos os  que  se  lhes  oppuuhão,  e  defendião  o 
que  era  seu.  Em  segundo  logar  notaremos 
que  a  citada  obra,  ainda  que  encontrada  nos 
códices  antigos,  tem  sido  variamente  attri- 
buida  a  Suetonio,  a  Plinio  o  Moço,  e  a  Cor- 


^  Logo  as  daremos  a  titulo  de  inventario. 

2  Aqui  também  Berardo  claudicou,  se- 
guindo o  testemunho  de  Botelho,  pois  ella 
ainda  hoje  tem  11  faces,  não  8,  como  adiante 
se  verá,  quando  a  descrevermos. 

^  O  texto  latino  é—Virialus,  genere  Lusi- 
íaniís. ..— como  Berardo  o  deu  na  outra 
Memoria,  onde  accrescenta  o  seguinte;  •  No- 
tamos que  Rezende  atiribue  esta  obra  a  Pli- 
nio, talvez  porque  no  seu  tempo  fosse  a  opi- 
nião seguida;  entretanto  podemos  reputal-a 
apócrifa,  quando  os  melhores  críticos  a  re- 
jeitão;  e  sabendo-se  que  o  erudito  Walchio 
na  Historia  Critica  da  Lingua  Latina  nem 
menção  fez  de  tal  hvro  I » 


nelio  Nepoíe,  ou  para  melhor  dizer,  não  se 
lhe  sabe  autor;  o  que  na  verdade  j  a  he  huma 
grande  lezão  na  sua  legitimidade. 

tO  que  hoje  prudentemente  podemos  con- 
jecturar, com  mais  probabilidade,  he  que  a 
Cava  de  Viriato  fôra  huma  daquellas  cons- 
trucções,  que  os  romanos  denominavào  Cas- 
tra Hiberna,  e  as  edihcavão  para  muito  tem- 
po, collocando  nellas  hospitaes,  armazães, 
e  outras  fabricas  de  guerra.  Alguns  anti- 
quários as  denominarão  Campos  de  Cezar; 
porque  este  general  levaniára  muitos  nas 
Gallias,  e  a  «eu  exemplo  outros  capitães  ro- 
manos fizerão  o  mesmo  nas  províncias,  que 
ándavão  conquistando.  Aílirma  se  que  a 
França  tem  hum  grande  numero  destes  Cam- 
pos, alguns  dos  quaes  assentão  sobre  pontos 
elevados,  e  se  apoião  ora  em  nos,  ura  em 
Valles  profundos,  que  lhes  servião  de  defe- 
sa. Outros  levantados  em  lugares  chãos  erão 
defendidos  por  entríncheiramenios  de  atter- 
ros  de  muitos  pés  d'altura,  terminando  em 
cavallete,  e  circuitados  d'um  fosso  profundo, 
onde  introduzião  as  agoas,  que  a  natureza 
do  terreno  lhes  ministrava.  Praticavão  lhes 
também  as  sabidas  necessárias  para  as  com- 
municações  exteriores.  O  estado  dos  muros 
e  configuração  dos  trabalhos  tem  servido  de 
base  para  caracterisar  estes  campos,  e  reco- 
nhecer a  sua  época;  porem  ha  nisto  pouca 
segurança,  e  não  se  tem  podido  passar  das 
conjecturas. 

«Os  fados  porque  tem  passado  o  nosso  mo- 
numento da  Cava,  tem-lhe  sido  pouco  fa- 
voráveis. D'antigas  Memorias  sabemos  que 
em  18  de  abril  de  1461  o  cabido  da  Sé  de 
Vizeu  tomára  posse  da  Cava  de  Viriato  em 
terras  que  até  áquelle  tempo  erão  de  Re- 
guengo. Achava-se  então  com  portas  que  se 
abrião  e  fechavão,  como  fosse  necessário, 
e  dentro  havia  huma  capella  do  titulo  de  S. 
Jorge... ^ 

«Huma  ordem  regia  do  anno  de  1728  man- 


1  Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  que 
dissemos  d'esta  capella  no  tópico  Feiras  e 
mercados,  pag.  155i,  col.  2,*— e  no  tópico 
Templos  exlinctos,  n.°  10,  pag.  1564. 


VIS 


VIS  1693 


dou  que  a  Cava  de  Viriato  fosse  medida  e 
apègada.  Aehou-se  que  ainda  então  os  mu- 
ros, ou  aterros,  tinhão  trez  lanças  d'allura 
com  40  palmos  de  largura  no  cimo.  He  pro- 
vável que  na  sua  origem  rematassem  em  ca- 
vallete,  pelo  que  já  advertimos. 

«Segundo  o  auctor  do  Elucidário  a  lança 
era  huma  medida  agraria,  que  constava  de 
25  palmos  craveiros. 

«Os  muros  derão  em  circuito  3:065  pas- 
sos andantes,  apresentando  quatro  grandes 
aberturas,  que  tiverão  cantaria  com  portas; 
obra  dos  mesmos  romanos.  Existia  somente 
o  vão  dos  portaes,  porque  a  pedra,  como  re- 
fere Fr.  Manoel  da  Esperança,  fôra  tirada 
para  a  edificação  do  convento  de  S.  Fran- 
cisco d'Orgens;  o  que  alguns  aíDrmão  ler 
sido  por  provizão  de  D.  Affonso  V.  Entre  ■ 
tanto  podemos  assegurar  que  no  cartório 
daquelle  extincio  convento  não  existia  este 
documento.  * 

«A  camará  municipal,  em  junho  de  1818, 
a  instancias  do  general  da  provincia,  Anto- 
nio Marcellino  Victoria,  mandou  levantar 
marcos  pelo  circuito  interno  e  externo  dos 
muros  da  Cava;  porem  esta  providencia  bal- 
dou-se,  porque  já  dantes  os  lados  orientaes, 
equados  ao  solo,  se  aehavão  alienados  em 
aforamento;  e  os  restantes  continuarão,  sem 
embargo,  a  ser  acommettidos  pelas  cercea- 
duras  e  escavações  dos  possuidores  das  gle- 
bas contíguas.  Finalmente  este  monumento 
venerável  parece  que  se  vai  despedindo  da 
geração  actual,  e  a  seguinte  por  certo  que 
não  tardará  a  derrear-lhe  o  dorso  por  essas 
planícies.  Saudemol-o  poisi . . .  já  que  os  ho- 
mens da  governança  não  querem  intender 


1  Francisco  Manuel  Correia,  fallando  tam- 
bém da  Cava  na  sua  interessante  Memoria, 
cap.  2.°  pag.  Q,\áa:—(tHe  certo  que  do  ar- 
chivo  do  Cabido  de  Vizeu  coneta  que  por 
Provizão  de  D.  Affonso  V  de  1460  fôra  dada 
por  esmolla  para  as  obras  do  convento  dos 
frades  de  S.  Francisco  d'Orgens  toda  a  pe- 
dra que  fosse  necessária  e  se  encontrasse  na 
Cidade  de  Vaca,  que  se  havia  principiado 
dentro  da  Cava.  Isto  prova  (diz  F.  Manoel) 
que  naquelle  tempo  amda,  em  1460,  os  ha- 
bitantes da  cidade  de  Vizeu  davão  à  Cava 
de  Viriato  o  nome  de  Cidade  de  Vaca.» 

VOLUMB  XI 


nestas  areheologias,  e  os  cohiçozos  visinhos 
vão  cavando  para  sí.'j 

E  tal  não  disse  da  Cava  n'esta  Memoria 
o  sábio  cónego.  Na  outra  diz  quasi  o  mes- 
mo. Apenas  acerescentou  :  « . .  .do  fosso  de 
agoa  que  cercava  os  muros  resta  ainda  hum 
pequeno  lanço  do  lado  oceidental,  a  que  dão 
o  nome  de  poço  da  Cava. .  .t—e  termina 
d'esta  fórma : 

«Algum  dia  o  viajante  instruído  interro- 
gará o  colono  pela  soberba  construcção,  que 
talvez  aplanada  elle  calca  aos  pés,  e  huma 
estúpida  resposta  será  o  premio  da  sua  cu- 
riosidade I 

tMortalia  facta  peribunt.* 

Brito,  invocando  a  auetoridade  de  Lay- 
mundo  {com  bom  santo  se  apegoul)  depois 
de  descrever  a  grande  victoria  alcançada  por 
Viriato  contra  Nigidio  (?)  diz  que  na  sua 
opinião  a  cidade  de  Viseu  ainda  não  existia 
quando  se  deu  a  batalha  (anno  146  antes  de 
Ch.)  na  Cava  ou  junto  da  Cava,  porque  ali 
apparecerara  duas  lapides  nas  quaes  se  faz 
menção  dos  lancienses,  povos  do  Cima-Côa, 
e  dos  habitantes  de  Lamego  ou  Laconimur- 
gi,  mas  não  dos  visienses. 

As  taes  lapides  (apocriphas)  são  as  seguin- 
tes : 

L.  JEmiL.  L.  F.  CONFECT,  wl- 
NERE.  HOST.  SVB,  NlOmiO.  COS. 

CONT.  ViRIATVM.  LATRONEM. 
Lanciens.  QVOR.  BEMP.  TVTA- 
RAT.  BASIM.  CVM.  VRNA  ET  STA- 

TVAM.  IN.  LOCO.  PVBL.  EREX. 
HONORIS.  LIBERAL.  QVE.  EBGO.  ' 

«Os  Lãcienses  puzerão  em  lugar  publico 
hua  Base  com  sua  estatua,  &  hum  vaso  com 
as  cinzas  de  Lucio  Emilio,  filho  de  Lucio, 
que  morreo  na  batalha  de  Negidio,  contra  o 
salteador  Viriato,  ferido  por  hum  enemigo. 


1  Seguimos  a  lição  do  Portugaliae  inseri- 
ptiones  romanae  (pag.  160  n "  35i)  por  ser 
mais  correcta  do  que  a  da  Monarch.  Lusit. 
loc.  cit.—e  é  a  unica  inscripção  romana  que 
se  encontra  no  Portugaliae  inscriptiones  com 
relação  a  Viseu  ?  I . . . 

107 


1694  VIS 


VIS 


&  foi-lhe  posta  pelo  honrar,  &  mostrar  com 
elle  magnificência,  por  lhe  sempre  ter  em- 
parado  sua  Republica.» 

— Traducção  do  próprio  Fr.  Bernardo  de 
Brito. 

Esta  inscripção  e  o  tal  monumento  com  es- 
tatua revelam  uma  polidez  imprópria  dos 
lusitanos  in  illo  tempere,  pois  todos  concor- 
dam em  que  estavam  ainda  muito  rudes^ 
quasi  selvagens,  e  tanto  que  não  tinham  ca- 
sas nem  fortificações  de  pedra. 

Também  mal  se  coaduna  com  o  génio  fe- 
roz d'elles  e  com  o  odio  encarniçado  que 
votavam  aos  romanos  o  irem  levantar-lhes 
um  monumento. 

É  também  incrível  que  os  lusitanos  m  ?7/o 
tempore  fallassem  tao  correctamente  o  latim; 
— que  dessem  o  titulo  de  salteador  ao  seu 
grande  capitão  Viriato — e  que  este  consen- 
tisse tal  affroota. 

2.» 

L.  Capetu.  Cap.  f.  cent.  legionis  mar. 

TIAE  ET.  M.  LUCEJU.  C.  MILIT.  SUB.  NiGI  : 
DIO.  CONS.  IN.  BEL.  ViRIAT.  OCCUS.  ORD.  LA 

CON.  DIE  POST.  PUG.  IN  CASTRIS.  SEPEL. 

AMORIS  ET  BENEFIF.  CAUSA  S.  S.  P.  L.  * 

Em  vulgar:  «A  gente  do  governo,  &  regi- 
mento de  Laconimurgi,  ou  Lamego  (diz  Fr. 
Bernardo  de  Briio)  por  causa  de  amor,  & 
gratificação,  sepultarão  a  Lucio  Capeto,  fi- 
lho de  Capeto,  Centurio  da  Legião  Mareia, 
&  a  Marco  Lucio,  Tribuno  dos  soldados,  aqui 
nos  próprios  reaes  ao  terceiro  dia  depois  da 
peleja,  &  forão  mortos  na  guerra  feita  con- 
tra Viriato,  debaixo  da  bandeira  do  Cousul 
Megido  (sie).> 

D'esta  inscripção  se  vê  que  os  lusitanos 
lamecenses  não  eram  menos  polidos  nem  fo- 
ram menos  generosos  do  que  os  lancienses 
para  com  os  romanos,  seus  implacáveis  ini- 
migos?!..  . 

Nem  hoje  em  pleno  século  xix,  no  século 
das  luzes,  se  apontam  exemplos  de  tanta  po- 


1  Monarch.  Lusit.  loc.  cit. 
O  Portugaliae  inscriptiones  não  deu  esta 
inscripção,  que  julgamos  muilo  incorrecta. 


lidez  e  tanta  generosidade,  mesmo  nas  guer- 
ras entre  as  nações  mais  cultas. 
Prosigamos. 

Fr.  Bernardo  de  Brito  diz  também— que 
Viriato,  depois  da  derrota  de  Cláudio  Uni- 
mano,  marchou  em  defesa  da  Beira,  onde 
teria  (N.  B.)  seus  parentes,— e  que  Kigidio, 
apenas  soube  da  approximação  de  Viriato, 
se  começou  de  fortificar  em  hum  campo  des- 
coberto, segurando  o  seu  exercito  em  grandes 
vatlos  de  terra  que  ainda  hoje  durão  perto  de 
Vizeu ... 

Diz  mais:— que  no  seu  tempo  os  habitan- 
tes de  Viseu  e  os  lavradores  que  viviam  em 
redor  da  Cava  contavam  d'ella  mil  patra- 
nhas, dizendo  que  se  abriram  aquelles  vai- 
los  para  fundarem  dentro  a  cidade  e  que  no 
romper  d'elles  era  o  trabalho  tãa  excessiva 
que  morria  muita  gente  e  os  boes,  que  tira^ 
vão  a  terra,  chegavão  a  ourinar  sangue  vivo; 
mas  que  na  opinião  d'elle  a  Cava  não  foi  na 
sua  origem  mais  do  que  o  real  de  Nigidio, 
ou  acampamento  fortificado  pelo  dicto  pre- 
tor. 

A  isto  se  reduz  o  que  diz  Fr.  Bernardo  de 
Brito,  e  foi  o  bastante  para  que  Botelho,  ce- 
go pela  paixão  que  o  prendia  á  sua  terra 
natal  e  guiado  pela  sua  fantasia  de  poeta, 
paraphraseando  a  Brito  dissesse  o  que  se  lê 
no  seu  Dialogo  l.",  cap.  9-12. 

Principia  por  calumniar  a  Brito,  aflfir- 
mando  que  elle  dissera  que  Viriato  tinha 
seus  parentes  na  Beira.  Elle  disse  teria,  o 
que  faz  muita  diíTerença,  dando  a  entender 
que  era,  como  effectivamente  é,  muito  in- 
certa a  pátria  de  Viriato.  Disputam  essa 
honra  muitas  povoações  das  abas  da  Serra 
da  Estrella,  taes  são  Gouveia,  Ceia,  Linha- 
res, Vallesim,  Povoa  Velha  e  Folgosinho. 
Esta  ultima  até  aponta  ainda  hoje  (1888)  al- 
guns pobres  seus  visinhos  como  descenden- 
tes e  legítimos  representantes  de  Viriato, 
mas  a  pequena  povoação  da  Povoa  Velha,  a 
montante  e  pouco  distante  da  villa  de  Ceia 
não  consente  que  outra  qualquer  lhe  roube 
a  gloria  de  ter  dado  o  berço  ao  grande  ca- 
pitão lusitano.  1  Nada  porem  respeitou  o  dr. 


1  V.  Povoa  Velha,  Eburobriga  e  Alfeizirão^ 


VIS 


VIS  1695 


Botelho,  pois  não  hesitou  em  affirmar  que 
Viriato  era  natural  da  antiga  cidade  de  Vi- 
seu—e isto  80  pelo  facto  de  elle  correr  a 
defendel-a  ?  I . . . 

«Na  pressa,  com  que  a  soccorreu  declarou 
ser  sua  pátria,  f 

Diz  mais— que  o  nome  da  dieta  cidade  era 
Vaca,  depois  Cava, e  peio  fado  (?)  de 
irem  também  defendel-a  ou  fortalecer-se 
nella  os  habitantes  de  Riba- Côa  e  Lamego 
(refere-se  ás  inseripções  supra)  o  mesmo 
Botelho  eonclue  que  a  dieta  cidade  era  mui- 
to importante  e  que  os  lusitanos  naqu£lie 
tempo  não  podião  ter  cidade  mais  forte.  2 — 
Nem  08  visienses  mais  apaixonado  historia- 
dor e  mais  inspirado  cantor,  pois  alem  de 
sustentar  com  muitas  conjecturas  que  a  di- 
eta Cava  não  foi  acampamento  de  NIgidio, 
mas  cidade  e  cidade  famosa,  sitiada  por  elle 
e  fundada  muito  antes  que  os  romanos  so- 
nhassem vir  á  Hespanha,  termina  a  sua  ar- 
dente apologia  em  verso  castelhano,  á  moda 
d'aquelle  tempo  (1630  a  1636)  cantando  a 
Cava  e  a  cidade  de  Viseu  em  ura  bello  ro- 
mance de  25  quadras. 

Principia  assim  : 

Pela  progenia  de  Tubal, 
I       Nieto  dei  gran  Patriarcha, 
I  '    Que  ha  sido  el  primero  bombre 
I       Que  vino  a  poblar  Espana 

1        La  segunda  poblacion, ' 

I        Que  de  aquestos  fue  fundada, 

Era  uma  ciudad  aquien 

Los  antigos  llaman  Vacca. 


onde  já  se  fallou  dos  dois  Viriatos,  insignes 
capitães  nossos. 

1  Este  ponto  é  muito  controverso.  V.  o  to- 
I  pico — Fundação  e  antiguidade  de  Viseu. 

2  Segundo  dizem  vários  historiadores,  a 
cidade  mais  forte  e  mais  populosa  de  Por- 
tugal e  da  peninsula  foi  Laconimurgi,  a  ve- 
lha Lamego,  na  opinião  do  próprio  dr.  Bo- 

j  telho,  de  Fr.  Bernardo  de  Brito  e  d'outros 
I  antiquários. 

V.  Lamego,  Laconimurgi,  Bobadella,  Quei- 
mada e  Queimadelía. 

5  Caramba? !. .. 

Ex  digito  gigas. 


No  eran  sus  muros  fuertes, 
De  piedra  tosca,  ó  lavrada. 
Mas  de  tierra,  adobo,  y  ramos 

Y  de  un  fosso  Ueno  de  agoa. 

Y  de  la  misma  matéria 
Era  la  mas  grave  casa. 
Las  coberturas  de  feno. 

Que  se  entraguen  en  la  llaraa. 

Fue  pátria  de  Viriato, 
A  quien  ia  embidia  romana 
Para  le  eclipsar  el  nombre 
El  sepulcro,  y  tierra  calla. 

Porque  junto  de  su  cierca 
A  Nigidio  desbarata. 
Que  era  um  Pretor  romano, 
Contra  ella  incita  la  rabia. 

Depues  que  le  ha  dado  muerte 
La  infame  tracion  Cepiana, 
Degaron  esta  ciudad 
Yerma,  assolada,  y  sin  casa. 

Aquesta  Uamou  Estrabon 
Por  la  miesma  causa  Vácua, 

Y  nós  li  llamamos  oy 

Por  su  vallo,  y  fosso  Cava. 


O  dr.  Botelho  rivalisava  com  o  illustre  fi- 
lho de  Beja,  seu  contemporâneo,  —  Christo- 
vam  Rabello  de  Macedo,  também  fidalgo  dis- 
tineto  e  distiocto  escriptor.  Nem  o  Diccio- 
nario  Bibliographico  de  Innocencio,  nem  o 
sr.  Brito  Aranha,  seu  iliustrado  continuador, 
mencionam  Christovam  Rabello  de  Macedo, 
mas  é  certo  que  em  1625  escreveu  em  fórma 
de  Diálogos  também  uma  interessante  rela- 
ção da  jornada  que  fizeram  de  Beja  a  Roma 
4  fidalgos  (o  auctor  era  um  d'elles)  para  ga- 
nharem as  indulgências  do  jubileu  do  Anna 
Santo,— t  Diálogos  que  tractão  da  Historia, 
Antiguidades,  e  de  algumas  Famílias  da  sem- 
pre nobre  Cidade  de  Beja.» 

São  também  como  os  de  Botelho,  uma  es- 
pécie de  Nobiliário;— n^eUea  brilha  também 


1696  VIS 


VIS 


com  muila  luz  o  amor  da  lerra  natal;— são 
igualmente  escriptos  em  portuguez  e  lam- 
bem inlermeados  de  versos  em  portuguez  e 
castelhano. 

Nós  já  fizemos  publicar  no  Bejense  aquel- 
les  Diálogos  em  folhetins,  desde  o  n.°  896  de 
2  d'abril  de  1878  até  o  n."  1:007  de  17  de 
abril  de  1880,  sob  o  titulo  de  Peregrinos  de 
Beja,  para  salvarmos  um  eodiee  que  possuía- 
mos já  sem  as  primeiras  folhas,— códice  que 
depois  offerecemos,  com  uma  eollecção  do 
Bejense,  á  Bibliolheca  Municipal  do  Porto,  a 
qual  já  possuia  2  códices  com  os  mesmos 
Diálogos  e  hoje  possue  3.  São  os  códices  230 
231  e  231 — A— do  seu  ultimo  catalogo,  pu- 
blicado em  188tí. 

Ha  pois  muila  analogia  entre  os  Diálogos 
de  Christovam  Rabello  de  Macedo— eos  Diá- 
logos do  dr.  Manuel  Botelho  Ribeiro;  mas 
n'estes,  como  obra  oíTereeida  a  um  bispo^ 
predominam  a  gravidade  e  seriedade; — n'a- 
quelles  o  humorismo.  Parece  que  foram  es- 
criptos para  nunca  verem  a  luz  da  publici- 
dade e  por  isso  estão  inlermeados  d'anecdo- 
tas,  algumas  muito  livres!. . .  Também  n'el- 
les  se  apontam  bastantes  senões  de  famílias 
nobres. 

V.  Beja  no  supplemento. 

Desculpem-nos  a  digressão  e  prosigamos. 

A  Cava  na  actualidade 

Não  sabemos  quando  nem  por  quem  foi 
feita  a  Cava—e  muito  provavelmente  foi  um 
dos  Campos  de  Cesar  ou  Castra  Hiberna  dos 
romanos,  fundada  por  estes  e  não  pelos  an- 
tigos habitantes  da  Lusitânia,  pois  era  uma 
fortificação  muito  importante,  muito  luxuosa 
para  aqueiles  tempos. 

Ella  hoje  apenas  lem  muros— grandes 
marachões— de  terra,  mas  já  teve  portas, 
seteiras  e  revestimento  parcial  ou  total  de 
boa  pedra.  D'ali  foi  muila  para  o  convento 
d'Orgenã,  em  virtude  do  alvará  de  D.  Alfon- 
so V,  apontado  supra,  com  data  dé  1460, 
mas  ainda  em  1630  a  1636  o  dr.  Botelho  des- 
crevendo-a  dizia  como  testemunha  ocular  o 
seguinte  :  «A  opinião  de  ser  real  de  Nigidio 
fica  bem  refutada  com  a  vista  d'este  edificio, 
que  alem  de  ser  huma  cousa  tão  grande,  e 


forte,  neste  mesmo  muro  de  pedra  (onde  já 
entramos)  que  não  foi  feito  ao  acaso,  nem 
para  huma  defensa  momentânea  

•  Este  pedaço  de  muro  tão  forte  e  arga- 
maçado...  estas  3  seteiras,  portas,  e  vasão 
das  agoas  desta  cidade  em  circuito,  são  tão 
bem  feitas  e  lavradas  » 

Tinha  pois  sólidos  muros,  portas,  seteiras 
e  grandes  fossos  ainda  no  meado  do  século 
XVII.  Passados  100  annos  (em  1728)  os  mu- 
ros já  não  tinham  pedra,  mas  ainda  em  ai-, 
guns  pontos  tinham  d'altura  tres  lanças  ou 
75  palmos  craveiros, — mais  de  16  metros! 

Com  o  decorrer  do  tempo  tem  soffrido 
muito  e  já  não  é  a  sombra  do  que  foi.  Per- 
deu todo,  absolutamente  todo  o  seu  revesti- 
mento de  pedra;  dos  largos  fossos  que  a  cir- 
cuitavam apenas  resta  um  pequeno  lanço; 
os  seus  muros  são  hoje  apenas  marachões 
de  terra,  mas  ainda  assim  marachões  gran- 
diosos, imponentes,  que  despertam  a  atien- 
ção  e  a  admiração  dos  forasteiros,  como  já 
nos  suecedeu,  quando  nos  abeirámos  d'elles 
em  1862. 

Passando  nós  por  Viseu,  fomos  passeando 
muito  despreoccupados  até  o  Campo  da  Fei- 
ra. Vendo  um  extenso  e  alto  muro  de  terra 
com  algumas  arvores  e  sendas  a  modo  de 
passeio  publico,  subimos  ao  alto  d'elle  e  não 
nos  arrependemos,  porque  d'âli  se  gosa  ura 
lindo  panorama.  A  sopé,  ou  a  S.  O.,  o  vaslo 
Campo  da  Feira,  banhado  pelo  Pavia,  que 
serpeia  lá  no  fundo;  na  outra  margem  (es- 
querda) do  Pavia  o  bairro  da  Ribeira;  no 
alto  ou  no  viso  da  encosta  o  bairro  da  Sói 
coroado  pelos  vistosos  edifícios  da  CatheA 
dral,  do  Collegio  e  da  Misericórdia;  a  E.  es 
S.  E.  os  vastos  campos  dos  arrabaldes  dei 
Viseu;  a  N.  e  N.  O.  uma  grande  planície  cul-' 
tivada  e  algumas  habitações  ruraes  de  longej 
em  longe.  j 

Estando  eu  então  completamente  despre-j 
venido  e  não  podendo  comprehender  a  si- 
gnificação d'aquelle  monte  enorme  e  artifi- 
cial de  terra,  inquiri  um  transeunte. 

— É  a  Cava  de  Viriato  I— respondeu  elle 
immediatamente  e  com  certa  empbase. 

Fíxei-a  então  um  pouco  melhor,  mas  não 
a  percorri  nem  a  medi,  porque  estava  longe 
de  suspeitar  que  tivesse  de  descrevel-a,  e, 


VIS 


VIS  1697 


desejando  aceentuar  bera  o  que  na  actuali- 
dade (janeiro  de  1888)  ainda  resta  de  tão 
venerando  monumento,  pedi  ao  sr.  dr.  Ni- 
colau Pereira  de  Mendonça,  meu  bom  amigo 
e  principal  Cyreneu  n'e8te  artigo,  que  me 
valesse.  Annuiu  s.  ex.»  de  bom  grado  e,  ape- 
sar dos  seus  longos  annos  e  dos  seus  pade- 
cimentos, lá  foi  no  dia  12  de  janeiro  de  1888 
com  um  seu  feitor,  um  afilhado  e  o  sr.  Fran- 
cisco Cardoso  Pereira,  outro  venerando  an- 
cião e  dislincto  amador  e  investigador  das 
coisas  de  Viseu.  Percorreu-a  e  mediu-a  toda, 
gastando  4  Vz  horas  com  o  trabalho  de  cam- 
po e  depois  no  seu  gabinete  organisou  e  de- 
senhou uma  bonita  planta  na  escala  de  1 
para  5:000,  ou  de  ura  railllraetro  para  5  me- 
tros,—planta  que  se  dignou  enviar-me  e  que 
tenho  presente,  sentindo  não  podermos  dal-a 
em  gravura,  porque  adiantava  muito  mais 
do  que  tudo  o  que  nós  possamos  dizer. 

A  Cava  não  é  octogona,  como  disseram 
Botelho,  F.  Manuel  e  Berardo.  É  um  poly- 
gono  irregular  de  11  faces,  ainda  hoje  bem 
visíveis,  mas  parece  que  outr'ora  teve  13, 
pois  2  fazem  uma  insignifieantissima  curva. 

Demora  em  planície  funda  a  N.  de  Viseu, 
a  montante  e  a  N.  N.  O.  do  Campo  da  Feira, 
na  margem  direita  do  Pavia. 

Quem  for  a  Viseu  e  quizer  ver  a  Cava  tem 
de  atravessar  o  Pavia  na  ponte  de  pedra  que 
estcá  no  largo  da  Ribeira  e  que  liga  o  bairro 
d'este  nome  com  o  grande  Campo  da  Feira, 
hoje  Campo  de  Viriato. 

Na  dieta  ponte  passa  a  nova  estrada  dis- 
trictal  a  maeadam  para  S.  Pedro  do  Sul,  es- 
trada que  a  partir  da  ponte  tem  ura  vistoso 
lanço  de  3  kilometros  era  recta,  quasi  todo 
bordado  de  arvores  pyramidaes,  atraves- 
sando o  Campo  da  Feira  de  S.  E.  a  N.  O.  e 
deixando  á  direita  a  Cava,  approximada- 
mente  a  30  melros  de  distancia »  depois  de 
percorridos  550  metros  alem  da  ponte. 

E  se,  deixando  a  dieta  estrada,  partirmos 
da  ponte  em  recta  para  N.  E.,  deixaremos  á 


1  Referimo  nos  ao  angulo  mais  próximo, 
formado  pelos  lanços  1."  e  2.°  da  Cava,  na 
planta  do  sr.  dr.  Nicolau  de  Mendonça,  base 
da  nossa  descripção. 


esquerda,  approximadamente  a  150  metros 
da  ponte,  a  capellinha  de  Nossa  Senhora  da 
Conceição,  onde  se  festeja  o  apostolo  S.  Ma- 
theus por  occasião  da  feira;— um  pouco  mais 
acima  deixaremos  á  direita  o  velho  quartel 
militar— e  a  montante  d'e8te,  approximada- 
mente a  300  metros  da  ponte,  encontrare- 
mos o  11."  lanço  da  Cava— o  mais  próximo 
da  ponte,— formando  angulo  recto  com  a  li- 
nha indicada,  pois  o  dicto  lanço,  que  está 
contíguo  ao  quartel,  prolonga-se  de  E.  a  0. 
e  forma  a  extremidade  S.  da  Cava  e  por  as- 
sira  dizer— a  base  do  grande  polygono. 

Sigamos  agora  para  a  nossa  esquerda  e 
vamos  percorrendo  e  descrevendo  toda  a  cir- 
cumferencia  da  Cava. 

O  lanço  immediato  (l.»  da  planta)  é  o  mais 
vistoso,  mais  alto,  mais  saliente  e  o  que  nós 
percorremos  em  1862. 

Ainda  hoje  está  todo  arborísado  com  al- 
gumas arvores  antigas  e  outras  modernas,  e 
tem  2  passeios:— um  junto  da  base  do  gran- 
de talude  6  da  horla  dos  soldados,  com  alguns 
assentos  de  pedra;  outro  no  alto  do  talude 
É  o  lanço  mais  bem  tractado  e  mais  bem 
conservado,  mas  já  esteve  muito  mais  alin- 
dado,  porque  antes  da  exiineção  das  ordens 
religiosas  e  de  se  arvorar  era  quartel  o  con- 
vento de  Santo  Antonio  de  Maçorim,  o  regi- 
raento  da  guarnição  de  Viseu  (então  infan- 
teria  n."  17)  oceupava  o  quartel  contíguo  á 
Cava  e  a  offieialidade  transforraou  o  dielo 
lanço  em  uma  formosa  alameda,  jardim  e 
passeio  publico. 

Datam  d'aquelle  tempo  as  arvores  mais 
antigas  que  ainda  hoje  lá  se  vêem,  mas  já 
desapparecerara  as  flores,  as  trepadeiras  e 
um  lindo  caramanchão,  etc. 

O  dicto  lanço  trajou  galas  e  foi  o  rendez- 
vous  de  Viseu,  mas  com  aquelles  embellesa- 
mentos  e  raovimentos  de  terra  perdeu  bas- 
tante altura.  Dos  16  metros  que  tinha  em 
1728,  hoje  a  sua  altura  máxima,  a  prumo, 
do  lado  exterior  ou  sobre  a  horta  dos  solda- 
dos, 1  está  reduzida  a  lO-^.SOO;  e  a  do  lado 


i  Denomina-se  horta  dos  soldados  a  parte 
,  do  antigo  fôsso  arrazado  ha  muitos  annos, 


1698  VIS 


VIS 


opposto  a  5  metros,  medidos  também  a  pru- 
mo. 

Na  base  tem  de  largura  Sl-^.ôO; — no  alto 
do  cavallete  G"',00  ;  —  comprimento  total 
216^00 

Caminhando  para  a  nossa  direita,  o  lanço 
iramediato  (2.»  da  planta)  tem  de  compri- 
mento 240°',00— e  na  sua  extremidade  N. 
está  o  vão  de  uma  das  4  antigas  portas. 

O  dicto  vão  tem  de  largura  IS^.OO. 

O  3."  lanço  tem  de  comprimento  244°',00, 
caminhando  para  N. 

Encostado  a  este  lanço  ainda  hoje  se  vê, 
do  lado  exterior,  um  fragmento  dos  antigos 
fossos.  Denomina-se  Poço  da  Cava,  espécie 
de  lago  com  lâ^.eO  de  largura  e  147  melros 
de  comprimento,  cuja  agua  não  secca  nem 
trasborda,  por  ser  mais  alto  o  terreno  cir- 
cumvisinho.  Apenas  na  estiagem  tiram  al- 
gnma  para  rega  com  uns  engenhos  muito 
simples,  denominados  picanços.  Assim  regam 
alguns  chãos  da  quinta  contigua  que  foi  do 
fallecido  negociante  Castello  Branco,  cuja 
casa  defronta  nas  traseiras  com  o  lago  e  tem 
uma  linda  varanda  quasi  sobre  elle. 

O  Padre  Leonardo  de  Sousa  no  1.»  tomo 
do  seu  Catalogo  tambemjallou  d'este  poço  e 
disse  que  criava  peixes,  mas  que  ninguém 
os  pescava  nem  comia,  receando  serem  no- 
civos á  saúde,  por  estar  a  agoa  sempre  en- 
charcada. 1 

O  dielo  poço  tem  de  superfície  cerca  de 
1:850  metros  quadrados;  ó  de  suppor  que 
tenha  nascentes  próprias  que  o  alimentam 
6  que  muito  provavelmente  alimentavam  os 
fossos  aquáticos  que  oulr'ora  circuitavam  a 
Caí'a  toda.  Também  ó  de  suppor  que  os  di- 
ctos  fossos  recebessem  as  aguas  pluviaes  da 


contíguo  ao  quartel  e  que  acompanha  o  1." 
lanço  até  o  meio  d'elle;  e  talvez  "para  o  lado 
do  terreiro  da  feira  tenha  mais  largura  do 
qae  o  antigo  fôsso. 

1  Hoje  cria  bastante  peixe  e  até  enguias 
saborosas,  que  são  muito  perseguidas  pelos 
pescadores. 

Este  lago,  quando  está  cheio  no  inverno, 
tem  4  melros  de  profundidade;  na  grande 
estiagem  vê-se  o  fundo,  mas  enião  reco- 
lhem-se  os  peixes  a  um  poço  mais  fundo 
^ue  flea  a  E.  do  lago. 


Cava  e  dos  terrenos  adjacentes — e  talvez  as 
do  Pavia,  captadas  em  allura  própria,  a 
grande  distancia. 

O  4.»  lanço,  immediato  a  este,  tem  de  com- 
primento 257  metros  e  quasi  a  meio  a  aber- 
tura de  uma  das  4  antigas  portas,  cujo  vão 
tem  de  largura  10  metros. 

O  5.»  lanço  pela  ordem  seguida  tem  de 
comprimento  240  metros  e  forma  com  o  4.» 
lanço  o  angulo  e  a  extremidade  N.  da  Cava- 

O  6.0  lanço  tem  de  comprimento  254  me- 
tros 6  a  64  metro?,  contados  do  norte,  tem  o 
vão  d'ouira  antiga  poria  com  10  metros  de 
largura. 

O  7.»  lanço  tem  de  comprimento  180  me- 
tros—e na  sua  extrí^mulade  S.  está  um  pon- 
tão sobre  o  ribeiro,  que  vem  da  aldeia  de  S- 
Thiago,  e  vae  regar  a  quinta  das  Mestras  e 
a  do  Coval,  que  tit-ain  defronte  d'este  lanço. 

É  também  muito  provável  que  outr'ora  as 
aguas  d'este  ribeiro  alimentassem  parte  dos 
fossos,  pois  elle  tóca  no  sitio  do  pontão  no 
muro  de  terra  d'este  lanço. 

O  8.»  lanço  tem  de  comprimento  140  me- 
tros e  o  9."  145. 

Estes  2  lanços  já  estão  quasi  destruídos  e 
nivelados  com  o  solo. 

O  10."  tem  de  comprimento  185  metros  e 
na  sua  extremidade  S.  0.  estava  uma  das 
antigas  portas,  cujo  vão  tem  hoje  de  aber- 
tura 20  metros,  porque  ha  ali  uma  espécie 
de  terreiro  que  dá  serventia  para  differen- 
tes  casas  e  quintas  já  feitas  dentro  da  Cava. 

Este  lanço  corre  atravez  de  bom  terreno 
povoado  de  vinha  e  olival. 

O  11.°  (a  N.  do  quartel)  tem  de  compri- 
mento 200  metros  e  ó  este  o  ultimo  lanço  do 
polygono  e  da  planta. 

Todos  aquelles  11  lanços  se  tocana  e  for- 
mam 11  ângulos  de  130  graus,  o  mais  fe- 
chado, e  de  155  o  mais  aberto,  mas  a  maio- 
ria d'elles  é  de  140  graus. 

A  circumferencia  do  polygono,  contada 
pela  extensão  total  dos  11  lanços,  é  de  2:303 
metros;— a  Cava  tem  de  superfície  approxi- 
madamente  300:000  metros  quadrados— e 
dentro,  não  no  centro,  mas  na  proximidade 
dos  muros,  se  vêem  hoje  diversas  casas  de 


VIS 


VIS  1699 


quintas  e  habitações  ruraes,  formando  de 
longe  em  longe  pequenos  grupos.  ^ 

Berardo  e  Botelho  disseram  que  os  muros 
da  Cava  foram  feitos  sobre  pedras,  mas  clau- 
dicaram n'este  ponto,  porque  o  sr.  dr.  Nico- 
lau diz  que  não  encontrou  pedra  alguma 
apparelhada  ou  tosca  na  base  dos  muros, 
nem  mesmo  nos  lanços  que  estão  quasi  des- 
feitos e  nivelados  com  o  solo.  Apenas  encon- 
trou ainda  muitos  dos  grandes  marcos  de 
pedra,  mandados  pôr  como  balisas  pela  ca- 
mará ao  loQgo  dos  muros,  tanto  do  lado  in- 
terior como  do  exterior,  quando  emprasou 
aquelles  chãos. 

Também  das  arvores  antigas  apenas  lá  se 
encontram  hoje  3  plátanos  monstruosos  que, 
segundo  consta,  foram  plantados  nos  princí- 
pios d'este  século  pelo  general  inglez  An- 
dressen. 

Desappareceram  também  já  do  antigo  fos- 
so do  lanço  n."  1,  hoje  Horta  dos  Soldados, 
duas  ou  tres  grandes  arvores  lindissimas,— 
Acers  negundo  (acers  com  folha  d-i  freixo) — 
que  lá  se  viam  no  meado  d'este  século.  To- 
das as  arvores  que  hoje  ensombram  o  dicto 
lanço,  tanio  antigas  como  novas,  não  teem 
merecimento  algum,  exceptuando  alguma 
Robínia  pseudo- Acácia,  a  que  o  povo  chama 
EsTpinhosa. 

A  isto  se  reduz  a  pobre  Cava,  este  monu- 
mento venerando  que  já  conta  mais  de  vinte 
séculos,  pois  com  certeza  é  anterior  ao  nas- 
cimento de  Christo. 

O  1.0  dos  lanços  mencionados  supra  olha 
para  S.  O.;  o  2.»  para  O.  S.  O.;  o  3."  para 
O.  N.  0.;  o  4.»  para  N.  N.  O.;  o  5."  para  N 
N..  E.;  o  6.»  para  N.  E.;  o  7.»  para  E  ;  08.° 
para  E.  S.  E.;  o  9.»  para  S.  E.;  o  10.»  para 
S.  S.  E.— e  o  11."  para  S.  S.  O. 


1  Também  ali  se  montou  recentemente 
uma  fabrica  de  vidros.  Foram  seus  fundado- 
res José  Antonio  Antunes  dos  Santos,  José 
dos  Santos  Cunha  e  João  Rodrigues  de  Fi- 
gueiredo. 

Começou  a  funccionar  no  dia  7  de  maio 
de  1888  8  por  emquanto  apenas  produz  te- 
lhas, redomas  e  vidraça  lisa. 


Monumentos  'pre  históricos 
nos  arrabaldes  de  Viseu 

No  tópico  antecedente  falíamos  da  Cava 
de  Fírmíí),.monuraento  venerando  e  muito 
antigo,  pois  conta  talvez  2:000  annos,  mas 
agora  vamos  fallar  d'outros  monumentos 
muito  mais  antigos,  que  se  encontram  em 
volta  de  Viseu.  São  as  Orcas  apontadas  pelo 
dr.  Botelho  {Dialogo  i."  cap.  13)  como  aras 
gentílicas,  que  estavam,  e  não  sabemos  se 
estão  ainda  hoje,  entre  Mondão  e  Cavernães, 
dizeado  que  outras  muitas  se  encontravam 
{e  encontram)  na  Beira,  com  pedras  de  es- 
tranha grandeza. 

O  auetor  não  as  descreve  e  nada  mais  diz 
a  tal  respeito,  mas  evidentemente  as  taes  or- 
cas são  o  que  os  estrangeiros  denominam 
dolmens  e  que  nós  denominamos  antas,  or- 
cas 1  6  orcas,— monumentos  megalithicos  e 
pre-historicos  da  idade  de  pedra,  formados 
por  grandes  penedos  toscos  postos  a  prumo 
ou  inclinados  para  o  centro  e  cobertos  por  ou- 
tro grande  penedo  também  tosco  e  em  forma 
de  mesa,— tudo  apparentemenie  sem  appa- 
relho  algum,  como  se  usava  no  tempo  ante- 
rior às  idades  do  bronze  e  do  ferro,  tempo 
que  não  pôde  precisar-se,  mas  que  remonta 
milhares  d'annos  talvez  para  alem  do  nasci- 
mento de  Christo  e  da  fundação  da  Cava. 

Em  todas  as  seiencias  ha  mysterios  e  é 
mais— muíío  mais— o  que  se  igoora,  do  que 
aquillo  que  se  sabe  ou  presume  saber-se, 
mas  poucas  seiencias  estão  ainda  tão  atra. 
zadas  como  a  archeologia  pre-historica,  ou 
paleonthologia,  e  a  antropologia,  nomeada- 
mente no  nosso  paiz,  tão  pequeno  e  tão  falto 
de  incentivos  e  de  recursos  de  certa  ordem, 
mas  que  ofíerece  um  vasto  campo  aos  an- 
thropologos  e  archeologos. 

Das  antas,  ou  arcas,  ou  orcas  ou  dolmens 


i  Orcas.  Este  nome  que  o  dr.  Botelho  deu 
às  antas,  não  se  encontra  em  diccíonario  al- 
gum da  lingua  portugueza,  nem  mesmo  no 
Elucidário  de  Viterbo,  raasé  o  nome  vulgar 
por  que  o  povo  das  comarcas  de  Vizeu  e  de 
Gouveia  designa  estes  monumentos. 


1700  VIS 


VIS 


apenas  estão  reconhecidos  alguns  exempla- 
res. Fr.  Affonso  da  Madre  de  Deus  Guerreiro 
na  sessão  de  1  d'abril  de  1734,  da  nossa 
Academia  Real  de  Historia  Portugueza,  apre- 
zentou  diversas  Memorias  e  entre  ellas  uma 
relação  de  315  antas,  mas  infelizmente  nen- 
huma d'aquellas  Memorias  foi  publicada,  ^ 
— nem  o  Dicc.  Bibi  de  Innocencio,  nem  o 
seu  continuador  Brito  Aranha  mencionam 
como  escriptor  tal  Académico  1 . . . 

O  Mappa  pre-historico  exposto  no  Museu 
da  Secção  Geológica,— mâppí  que  o  sr.  Oli- 
veira Martins  resume  nos  seus  Elementos  de 
Anthropologia,  2.»  edição— aponta  179  antas, 
numero  que  tem  augmentado  com  as  explo- 
rações posteriores,  nomeadamente  com  as  do 
sr.  dr.  Martins  Sarmento,  como  pôde  ver- se 
no  seu  Relatório  da  Expedição  Scintifica  á 
Serra  da  Estrella  em  188i,  e  nos  seus  estu- 
dos publicados  no  Pero  Gallego  e  no  Tiro- 
cínio. Também  o  sr.  Leite  Vasconcellos  no 
seu  folheto  Uma  excursão  ao  Soajo  (Barcel- 
los,  1882)  menciona  mais  6  antas  descober- 
tas no  Alto-Minho,  e  outras  muitas  se  apon- 
tam em  differentes  artigos  d'este  dieciona- 
rio;  mas  quantas  não  jazem  ainda  completa- 
mente ignoradas, — e  não  só  antas,  mas  ou- 
tros muitos  monumentos  megalithicos  da  fa- 
mília dolmenica,  taes  como  antellas,  anti- 
nhas^  mamoas,  carns,  menhirs,  cromleks, 
alinhamentos  e  pedras  baloiçantes  f 

Antellas  e  antinhas  são  monumentos  da 
configuração  dos  dolmens  ou  antas,  mas  um 
pouco  mais  pequenos  e  ordinariamente  sem 
mesa  e  sem  galeria  lateral,  como  teem  ou  ti- 
veram as  antas.  2 

Mamoas  ou  mamôas  ou  mamunhas  e  tam- 
bém madorras  ou  arcas  ^  são  monumentos 


1  Veja-se  o  tomo  15."  das  Memorias  da 
Academia  Real  de  Historia  Portugveza,  rela- 
tivo ao  anno  de  1734. 

2  As  galerias  lateraes  são  um  dos  cara- 
cteres das  antas,  como  diz  o  sr.  dr.  Martins 
Sarmento  no  Pero  Gallego,  n."  15^  pag.  5. 

3  Na  Beira  o  povo  denomina  também  or- 
cas os  dolmens  ou  antas,  como  os  denomi- 
nou o  dr.  Botelho  nos  seus  Diálogos  em  1630 
a  1636,  e  como  se  lê  no  artigo  Canas  de  Se- 
nhorim, notando-se  que  por  erro  typogra- 


funerariospre-historijos,  formados  por  gran- 
des montes  de  terra  de  forma  cónica  ou  py- 
ramidal  sobre  arcas  de  pedra  tosca,  onde 
encerravam  os  cadáveres,  ou  sobre  as  antel- 
las e  antinhas  e  talvez  sobre  as  próprias  an- 
tas. 

V.  Mamoa  n'este  diccionario. 

Carns  ou  cerrados  dos  mouros,  segundo 
se  suppõe,  eram  templos  gentílicos  sem 
tecto. 

V.  Carn. 

Menhirs  eram  umà  espécie  de  eolumnas 
ou  pyramides  formadas  por  grandes  mono- 
lithos  postos  a  prumo  sobre  penedos  ou  fir- 
mes e  enterrados  no  solo,— e  constavam  de 
um  só  monolitho  ou  grande  penedo  tosco, — 
ou  de  dois  e  mais  penedos  sobrepostos  e  en- 
castellados  uns  sobre  os  outros.  ^ 

Talvez  sejam  menhirs  os  4  penhascos  de 
Moreira  de  Rei,  concelho  de  Trancoso,  apon- 
tados por  nós  no  artigo  Viariz,  formando 
duas  meias  luas  com  as  pontas  voltadas  para 
o  firmamento, — e  talvez  seja  também  men- 
hir  outro  penhasco  em  forma  de  torre,  for- 


phico  ali  se  encontra  o  cas  em  vez  de  or- 
cas. 

Também  o  povo  chama  Pedra  d' Orca  ou 
Penedo  dos  Mouros  uma  anta  que  se  encon- 
tra no  concelho  de  Gouveia,  entre  Rio  Torto 
e  Arcozello,  como  diz  o  sr.  dr.  Martins  Sar- 
mento no  seu  Relatório,  pag.  21;  mas  tam- 
bém na  Beira  os  dolmens  se  denominaram  e 
denominam  antas,  como  estão  dizendo  a  fre- 
guezia  de  Antas  de  Penalva  do  Castello,  nas 
margens  do  rio  Dão,  ao  nascente  de  Viseu, 
— e  a  de  Antas  de  Penedono. 

Orco,  segundo  se  lê  no  supplemento  aa 
Vocabulário  de  D.  Raphael  Bluleau,  era  um 
rio  da  Thessalia  que  sahia  da  lagoa  Stigia  e 
levava  aguas  tão  gordas,  quetomavanà  asu- 
perfleie  do  rio  Penêo,  em  que  se  meitiam,  e 
andavão  de  cima  como  azeite.  D'aqui  pro- 
vei u  ser  o  Orco  chamado  rio  do  inferno  e 
dar-se  também  o  nome  de  Orco  a  Plutão, 
deus  do  inferno,  e  ao  próprio  inferno.  Pelo 
mesmo  motivo  também  os  gregos  deram  aos 
sepulcros  o  nome  de  orcos  —  e  dos  gregos 
aeeeitarara  os  beirões  a  denominação  de  or- 
cos, depois  orcas  e  arcas,  dada  aos  dolmen& 
ou  antas  e  mamoas,  medonhos  sepulcros 
dos  celtas  ou  pre  celtas. 

1  V.  Introducção  á  Archeologia  da  Penín- 
sula Ibérica  pelo  dr.  Augusto  Filippe  Si- 
mões, (Lisboa,  1878)  pag.  76  e  segg. 


VIS 


VIS  i70i 


mado  por  differentes  penedos,  e  que  se  en- 
contra a  pequena  distancia  de  Moreira  de 
Rei,  quasi  ao  fundo  do  ramal  a  macadam 
(lado  esquerdo  de  quem  desce)  de  Trancoso 
ã  nova  estrada  real  de  Celorico  ao  Pocinho. 

V.  Viariz  e  Moreira  de  Rei  n'esie  diccio- 
nario  e  no  supplemento. 

Cromleks  são  grandes  penedos,  espécie  de 
menhirs,  em  forma  de  circulo,  i 

Alinhamentos  são  fileiras  de  menhirs. 

Pedras-baloiçantes  são  rochedos  enormes 
assentes  sobre  outros  rochedos  e  oseillando 
com  um  certo  impulso.  2 

Quantos  d'este3  venerandos  monumentos 
existiriam  outr'ora  no  nosso  paiz  e  terão  si- 
do despedaçados,  sem  que  hoje  reste  d'elles 
vestígio  algum? 

Todas  as  explorações  areheologicas  do 
nosso  paiz  teem  sido  espontâneas,  feitas  pe- 
los amadores  e  forasteiros  á  custa  d'elles. 
Apenas  a  Expedição  Scientifica  á  Serra  da 
Estrella  em  1881,  promovida  pela  Sociedade 
de  Geogrophia  de  Lisboa,  foi  subsidiada  pelo 
governo,  que  fez  uma  parte  das  despezas, 
correndo  a  outra  parte  por  conta  dos  expe- 
dicionários que,  alem  d'isso,  tiveram  um 
trabalho  insano, — primeiramente  no  campo, 
desde  a  cumiada  até  às  faldas  da  grande  ser- 
ra,— e  depois  no  gabinete,  para  organisarem 
os  seus  relatórios,— tudo  isto  sem  vencimento 
algum,  pelo  que  os  seus  trabalhos  ficaram 
muito  incompletos.  Foram  apenas  uma  ten- 
tativa, um  preludio  para  trabalhos  ulterio- 
res. Isto  mesmo  confessa  o  sr.  dr.  Martins 
Sarmento  no  seu  Relatório  da  secção  de  Ar- 
cheologia,  da  qual  foram  presidente  e  vogaes 
o  sr.  Joaquim  de  Vasconeellos,  do  Porto,  e  o 
sr.  Gabriel  Pereira,  distineto  archeologo  de 
Évora, 

No  dicto  relatório  o  sr.  Sarmento  aponta 
e  dá  em  gravura  uma  anta,  denominada  do 


1  Filippe  Simões,  log.  cit. 

2  Obra  citada,  pag.  76  e  SI— Compt  ren- 
du  do  Congresso  Anthropologico  de  Lisboa, 
pag.  419,— e  Villa  Nova  de  Tazem  n'este 
diccionario,  tomo  XI,  pag.  887,  eo!.  S.»  in 
fine,  onde  se  descreve  muito  minuciosamen- 
te o  penedo  oseillanie  de  Pero  Moleiro. 


Fontao,  sita  em  Paranhos,  freguezia  do  con- 
celho de  Ceia;  outra  sita  no  Monte  AljãOy 
concelho  de  Gouveia,  e  oulra  em  Carvalhal 
das  Gouveias,  concelho  de  Pinhel,  mas  diz 
que  só  em  Paranhos,  na  area  de  pouco  mais 
de  um  kilometro,  reconheceu  mais  5  antas  e 
colheu  informações  d'outras  muitas  em  fre- 
guezias  círeumvisinhas,  o  que  o  leva  a  crer 
que  na  Beira  encontraria  grande  numero 
d'ellas,  se  tivesse  tempo  de  as  procurar. 

A  mesma  onomástica  revela  a  existência 
de  muitos  d'aquelles  monumentos  no  nosso 
paiz,  grande  numero  das  quaes  já  desappa- 
receu. 

O  sr.  Leite  Vasconeellos  no  seu  pequeni- 
no, mas  interessante  folheio— Por/w^aí  Pre- 
histórico  aponta  a  aldeia  denominada  Pe- 
ravana  (pedra  que  abana)  como  indicando 
a  existência  de  um  penedo  baloiçaníe,  — 
e  nós  apontaremos  mais  algumas  povoaçõe  s 
— villas,  parochias,  aldeias,  quintas,  herda- 
des e  sítios,  cujos  nomes  estão  convidando 
03  exploradores  d'estes  monumentos. 

D  esses  nomes  oceorrem-nos  os  Heguintes: 
—Altares,  aldeia;  Anta,  freguezia  do  conce- 
lho de  Sabrosa;  Anta,  freguezia,  e  Anta  ser- 
ra do  concelho  da  Feira;  Antas,  freguezia  do 
concelho  de  Esposende;  Antas  freguezia  do 
concelho  de  Villa  Nova  de  Famalicão;  Antas 
freguezia  do  concelho  de  Penedono;  Antas 
ou  Antas  d;  Penalva,  freguezia  do  concelho 
de  Penalva  do  Castello  n'este  districto  e  não 
longe  da  cidade  de  Viseu,  o  Monte  das  An- 
tas, no  Porto. 

Temos  mais  no  nosso  paiz  10  aldeias,  3 
cdsaes,  3  herdades  e  2  quintas  com  o  nome 
de  Antas;  os  casaes  de  Antas  de  Cima, 
Antas  do  Meio  e  Antas  de  Baixo,  e  2  fregue- 
zias  com  o  nome  de  Arca,  modificação  de 
orca  ou  de  ara  e  que  revelam  a  existência 
de  dolmens  ou  antas  n'aquelles  sítios.  Na 
freguezia  de  Arcà,  a  O.  e  não  longe  de  Vi- 
seu, no  concelho  de  Oliveira  de  Frades,  ain- 


1  Pode  eonsiderar-se  um  compendio  da 
Prehistoria  Portugueza.  É  o  n.°  106  da  col- 
lecção  CoTàzú—Bibliotheca  do  Povo—e  custa 
apenas  50  réis,  como  todos  os  outros  folhe- 
tos da  dieta  eoUecção. 


1702  VIS 


VIS 


•da  lá  se  vê  um  dolmen  junto  da  egreja  ma- 
triz. 

Temos  também  8  aldeias,  2  freguezias,  2 
herdades  e  2  qui  tas  com  o  nome  de  Arcas; 
1  freguezia,  16  aldeias,  3  quintas,  1  casal  e 
um  sitio  com  o  nome  de  Arco,  talvez  modi- 
ficação de  orca  ou  arca\  1  villa,  S  freguezias, 
9  aldeias,  4  quintas,  3  herdades  e  2  easaes 
com  o  nome  de  Arcos  e  Arcos  da  Anadia  e 
Arcos  de  Val  de  Vez,  villas  e  sédes  de  con- 
celhos. 

É  mais  provável  que  estes 
nomes  de  Arco  e  Arcos— on  to- 
dos ou  alguns  d'elles— prove- 
nham da»  taes  orcas  ou  arcas 
e  não  de  arcos  monmientaes, 
como  alguém  diz,  pois  não  ha 
memoria  de  semelhantes  arcos 
e  deviam  ser  mais  de  501...  ^ 

Temos  também  no  nosso  paiz  Doires  (tal- 
vez corrupção  de  dolmens)  casal  esilio;  Do- 


1  Ha  também  na  Bibpira  de  Rio  Torto, 
freguezia  do  concelho  de  Gouveia,  uma  pon- 
te denominada  dos  Domes,  que  talvez  fosse 
feita  pelos  mesmos  coostructores  dos  dol- 
mens, pois  é  formada  por  3  grandes  pene- 
dos toscos  e  demora  não  longe  dos  dolmens 
do  Monte  AIjão  e  de  Paranhos  e  do  que 
existe  na  mesma  freguezia  de  Rio  Torto, 
mencionados  no  Relatório  do  sr.  dr.  Martins 
Sarmento.  Também  a  pequena  dij-lancia  da 
Ponte  dos  Domes  (ou  dolmens)  está  o  penedo 
baloiçante  ou  penedo  bolediço,  na  phrase  do 
povo,  mencionado  por  nós  no  artigo  Villa 
Nova  de  Tazem. 

A  dicia  Ponte  dos  Domes  ainda  hoje  dá 
passagem  sobre  a  ribeira  de  Rio  Torto,  mas 
unicamente  a  pedestres.  Não  podem  passar 
por  ella  carros,  nem  bois,  nem  cavalgadu- 
ras.—e  dista  cerca  dé  5  kilometros  da  Pon- 
te Palhez  e  da  margem  esquerda  do  Mon- 
dego—e 2  kiloraetros  da  estrada  nova  a  ma- 
«adam  de  Mangualde  a  Gouveia,  quando 
atravessa  o  Monte  Aljão,  a  montante  da 
Ponte  Palhez.  * 

Chamamos  a  attenção  dos 
archeologos  para  a  dicia  Ponte 
dos  Domes,  que  até  hoje  não 
foi  reconhecida  nem  devida- 
mente estudada.  O  pouco  que 
dizemos  d'ella  colhemol-o  de 
informações,  pois  nunca  a  vi- 
sitamos. 


nini  (lalvez  corrupção,  de  dolmin)  freguezia; 
Donim,  aldeia,  e  Donim  ou  Domin,  pequeno 
rio  do  Alemlejo;  1  quinta  e  11  aldeias  com 
o  nome  de  Madorra,  também  syoonymo  de 
anta,  dolmen  ou  mamôa;  3  aldeias  com  o 
nome  de  Madorna,  talvez  modificação  de 
Madorra;  2  aldeias  e  um  casal  com  o  nome 
de  Madorno;  l  casa  nobre  com  o  nome  dQ 
Maçorra,  talvez  modificação  de  Madorra  lam- 
bem; Mamarrosa  talvez  corrupção  de  mama 
rasa,  freguezia  do  concelho  de  Oliveira  do 
Bairro;  11  aldeias  com  o  nome  de  Mamoa  ou 
Mamôa;  Meimoa  e  Meimão,  aldeias,— e  Mei- 
moa (ba  n'ella  3  anlas  ou  mamôas ')  ribeira 
confluente  do  Zêzere. 

Montilhão,  nome  também  dado  ás  wiamoas 
ou  maíwdíis,— aldeia  e  sitio;  2  aldeias  e  1  her- 
dade com  o  nome  de  Montão,— e  1  aldeia 
com  o  nome  de  Montingrão;  Montinho  das 
Antas,  casal;  Montinho  dag  Covas  e  Monti- 
nho do  Mouro,  herdades;  3  aldeias  e  1  quinta 
com  o  nome  de  Montouro—e  1  aldeia  como 
nome  de  Montorro;  Monte  das  Arcas,  Monte 
das  Gigantas  e  Monte  das  Pedras  Altas,  casaes 
e  sítios;  Pedra  d'Era  ou  Pedra  dAra,—Pe- 
do  Altar — e  Pedra  dAnta,  aldeias;  2  casaes 
com  o  nome  de  Pedra  Alçada;  \  aldeia  cora 
o  nome  de  Pedras  Alçadas  ^;  1  casal  e  um 
sitio  com  o  nome  de  Pedras  Altas,  Pedras 
Juntas,  sitio;  Pedras  Mouras,  casal;  3  quin- 
tas, 1  sitio  e  1  poço  do  Douro  com  o  nome 
de  Pedra  Caldeira;  Pedra  Cavalleira  e  Pe- 
dra Cavada,  aldeias;  Pedra  Empinada,  sitio; 
Pedra  Encavallada,  sitio  e  casal;  Perafita 
(petra  fixa)  freguezia,— e  Perafita  ou  Para- 
fita,  nome  de  4  aldeias;  Peradança,  ou  Pa- 
radança  (lnUez  pedra  que  dança  ou  oscilla) 
aldeia, — e  Peravana  ou  Peravanas  Cim.eira, 
— e  Peravana  ou  Peravanas  Fundeira,  po- 
voações da  freguezia  de  Carvoeiro,  concelho 
de  Mação. 

Podíamos  indicar  todas  as  freguezias  e 


1  Relatório  do  sr.  dr.  Martins  Sarmento, 
pag.  23. 

2  O  sitio  por  onde  entra  em  Viseu  a  es- 
trada nova  da  Mealhada  n."  ...  também  se 
chama  Pedra  Alçada,  talvez  por  ali  haver  em 
tempos  remotos  alguma  Anta,  Orca,  ou  Dol- 
men. 


VIS 


VIS  1703 


concelhos  a  que  pertencem  as  aldeias,  her- 
dades, casaes,  quintas  e  silios  mencionados 
supra,  mas,  como  este  tópico  e  este  artigo 
vão  já  muito  longos,  quem  necessitar  d'a- 
quellas  indicações  veja  a  Cliorographia  Mo- 
derna, principiando  pelo  indice,  tomo  6." 

Para  aligeirarmos  também  este  tópico  ve- 
ja-se  o  mencionado  folheto  Portugal  Pre- 
histórico  do  sr.  Leite  Vasconeeilos;  nas  Me- 
morias da  Academia  R.  de  Hist.  Portugueza 
a  Memoria  sobre  as  antas,  apresentada  na 
conferencia  de  30  de  julho  de  1733  pelo  aca- 
démico Martinho  de  Mendonça  e  Pina— e  no 
tomo  relativo  ao  anno  de  1734  a  noticiadas 
Memorias  que  apresentou  na  conferencia  de 
1  d'abrll  do  dieto  anno  Fr.  Alfonso  da  Ma- 
dre de  Deus  Guerreiro,  com  uma  lista  de  315 
antas,  mas  infelizmente  nenhuma  d'estas 
Memorias  foi  publicada. 

Vejam -se  também  os  Relatórios  de  Ethno- 
graphia  e  Archeologia  da  Expedição  Scienti- 
fica  á  Serra  da  Estrella  1881,  i— Os  Dol- 
mens  de  Sá  Villela  (Lisboa,  IS7G);— Descri- 
pção  d'alguns  dolmens  ou  antas  por  Pereira 
da  Costa;  a  Introditcção  á  Archeologia  da  Pe- 
ninsula  Ibérica  pelo  dr.  Augusto  Filippe  Si- 
mões; a  Noticia  d'alguns  dolmens  dos  arre- 
dores d'Évora  pelo  sr.  Gabriel  Pereira;  o 
Compte  rendu  do  Congresso  Anthropologico 
de  Lisboa,  em  1880— e  os  trabalhos  dos  srs. 
Carlos  Ribeiro  e  Joaquim  Possidonio  Narci- 
so da  Silva,  benemérito  patriarcha  da  nossa 
archeologia,  fundador  e  presidente  da  Real 
Associação  dos  architectos  civis  e  archeolo- 
gos  portuguezes  e  nosso  bom  amigo  e  mes- 
tre. 

Veja-se  também  n'este  diccionario  o  que 
já  disse  dos  nossos  monumentos  pre-histo- 


1  Alem  d'aquelles  2  Relatórios  estão  pu- 
blicados mais  3,— os  das  secções  de  Medi- 
cina, Botânica  e  Meteorologia,  —  eollecçáo 
rara  e  muito  estimada  I 

NÒ3  também  tivemos  a  honra  de  acompa- 
nhar a  dieta  Expedição,  —  não  como  vogal 
d'ella,  mas  como  representante  dos  jornaes 
Districto  da  Guarda  e  Commercio  Portuguez, 
— 6  este  ultimo  publicou  no  mez  d'agosto  do 
dicto  anno  uma  serie  de  cartas  nossas,  en- 
viadas do  acampamento  da  expedição. 


ricos  nos  artigos  Ancora,  freguezia;  Anta, 
Antanhol,  Antas  de  Penalva,  Antas  de  Pene- 
dono, Arca,  freguezia  do  concelho  d'01iveira 
de  Frades;  Canas  de  Senhorim  i,  Cam,  Cas- 
tello de  Paiva,  onde  se  faz  menção  de  um 
dolmen  com  pilares  de  pedra  apparelhada, 
talvez  com  a  mesma  pedra  (quartzo  ou  silex)i 
Castro,  monte  da  freguezia  de  Romariz.  on- 
de se  mencionam  difTerentes  carns;  Ltltas» 
onde  se  dá  uma  leve  noticia  d'esles  e  d'ou- 
tros  muitos  povos  que  em  tempos  anterio- 
res á  conquista  romana  oecuparam  o  chão 
que  hoje  se  denomina  Portugal;  Couto  de 
Cucujães,  Cristello  (o  1.°,  tomo  2  °,  pi?.  149  , 
col.  1.»);  Cruto,  serra  da  freguezia  de  Fer- 
medo,  concelho  da  Feira.  Ali  se  apontara  7 
ou  8  mamoas,  1  dolmen  e  varias  inscripções 
abertas  na  rocha  em  caracteres  desconheci- 
dos. 

Esta  noticia  deve  ser  de  to- 
do o  ponto  authentiea,  porque 
o  meu  antecessor  viveu  mui- 
tos annos  em  Fermedo. 

Dolmen,  longo  artigo  sobre  pre-historia; 
Donim,  freguezia,  e  Domin,  pequeno  rio  do 
Alemtejo  e  Algarve;  Escarii,  Fermedo,  Fieis 
de  Deus,  Gontinhães,  Mamoa,  Milheirós  de 
Poiares,  Molledo,  Pedreira,  monte;  Penedo 
d^Alfarella,  Polvoreira,  Raiva,  freguezia; 
Real,  também  freguezia,  tomo  8.»  pag.  62- 
col.  2.»;  Romariz,  Serradello,  aldeia;  Vianna 
do  Castello,  Viariz,  onde  se  mencionam  os 
penedos  cornudos,  talvez  menfiirs,  pois  não 
longe  d'elles  ha  um  dolmen.  Também  ali  se 
faz  referencia  a  Moreira  de  Rei,  importante 
estação  archeologica  e  talvez  pre-histori- 
cafl... 

Villa  Nova  de  Tazem,  onde  se  aponta  um 
dolmen,  ura  penedo  baloiçante  e  muitas  se- 
pulturas abertas  na  rocha;  Villa  Ruiva,  a 
priraeira,  onde  se  indicara  também  muitas 
sepudturas  abertas  na  rocha;  Villarinho  da 
Castanheira,  onde  se  apontam  3  dolmens — e 
Ville,  onde  se  aponta  1  dolmen. 


1  N'este  artigo,  tomo  2.»  pag  78,  col.  2.», 
leia-se  orcas  em  vez  de  o  cas,—e  primícias 
em  vez  de  dizimas. 


1704  VIS 


VIS 


Leiam- se  com  preferencia  os  artigos  Carn, 
Celtas,  Dolmen  e  Mamoa—e  note-se  que  o 
meu  antecessor,  seguindo  a  opinião  d'outros 
arciíeologos,  diz  que  antas  são  penedos  enor- 
mes collocados  sobre  outros  mais  pequenos, 
emquanto  que  hoje  a  maioria  dos  areheolo- 
gos  portuguezes  considera  anta  como  syno- 
nimo  de  dolmen. 

Também  os  dolmens  eram  na  opinião  d'el- 
le,  aras  gentílicas,  emquanto  que  o  sr.  dr. 
Martins  Sarmento  e  outros  archeoiogos  sus- 
tentam que  todos  os  dolmens  foram  mamoas, 
monumentos  funerários. 

É  possivel  que  os  dolmens  servissem  tam- 
bém por  vezes  de  túmulos  em  algum  tempo> 
mas  não  creio  que  este  fosse  o  seu  primeiro 
destino,  pois,  tendo  de  ser  cobertos  de  terra» 
dispensavam  a  grande  mesa,  cuja  eolloca- 
ção  n'aquelle  tempo — e  mesmo  ainda  hoje — 
havia  de  ser  muito  difficil  e  muito  incommo- 
dal  Inelino-me  antes  a  crer  que  os  monu- 
mentos funerários  pre-historicos  eram  os  de- 
nominados mamoas,  muito  differentes  dos 
dolmens  ou  antas  e  feitos  como  disse  o  meu 
benemérito  antecessor  no  artigo  Dolmen,  to- 
mo 2.°  pag.  476,  col.  1.»— e  que  a  sua  gran- 
desa  variava  segundo  a  importância  das  pes- 
soas, cujos  cadáveres  se  guardavam  nas  di- 
etas mamoas. 

Também  geralmente  se  diz  que  os  monu- 
mentos pre-historicos,  da  familia  dolmeaiea, 
não  tinham  apparelho  algum;  mas  na  mmha 
humilde  opinião  muitos  dVlIes  tiveram  ap- 
parelho feito— não  com  instrumentos  de  fer- 
ro ou  de  bronze,  porque  ainda  se  não  conhe- 
ciam estes  metaes, — mas  com  a  própria  pe- 
dra. 

Foram  apparelhados  os  dolmens,  cujos  es- 
teios eram  formados  por  mooolithos  sobre- 
postos, muito  bem  assentes  e  ajustados  uns 
sobre  os  outros.  V.  Castello  de  Paiva. 

Foram  também  apparelhados  os  que  ti- 
nham aberturas  circulares  ou  quadradas  nos 
esteios  1— e  finalmente  os  do  typo  dos  túmu- 
los de  Equilaz  e  Antequera. 


1  Portugal  Pre-historico  do  sr.  Leite  Vas-  I 
coDcellos,  pag.  49.  I 


V.  Introducção  á  Archeolvgia  por  Filippe 
Simões,  pag.  85-94,  flg.  56-62. 

Também  tiveram  apparelho  os  menhirSy 
formados  por  differentes  penedos  sobrepos- 
tos e  por  vezes  tão  bem  ajuntados  uns  aos 
outros  que  parecem  obra  natural  e  não  ar- 
tificial,—e  com  certesa  foram  também  appa- 
relhados e  muito  desbastados  os  penedos  ba- 
loiçantes  até  ficarem  oscillando,  pois  era  na- 
turalmente impossível  que  de  um  jacto  e  sem 
ulterior  modificação  collocassem  tantos  e  tão 
enormes  penedos  em  tão  perfeito  equilí- 
brio ! . . . 

E  com  a  própria  peãrà— quartzo  ou  silex 
— podiam  trabalhar,  apparelhar  e  desbastar 
pedra  mais  moUe,  v.  g.  o  calcareo,  o  schísio 
e  o  granito,  pois  quem  visitar,  como  nós  te- 
mos visitado,  as  margens  do  Douro  na  estia- 
gem, desde  o  atlântico  até  à  Hespanha,  ali 
verá,  como  nós  temos  visto,  cavidades  muito 
caprichosas,  lindíssimas,  feitas  em  granito 
porphyroide  pela  acção  das  areias  e  de  ou- 
tras pedras  redoraoiohando  com  o  impulso 
da  agua  no  inverno, — cavidades  por  vezes 
tão  fundas  que  pôde  n'ellas  esconder-se  um 
homem  I  Encontram-se  principalmente  nas 
margens  dos  grandes  póços,  onde  no  verão 
a  agua  é  serena  como  leite,  mas  no  inverno 
tem  uma  corrente  fortíssima,  formando  gran- 
des dornas  ou  sorvedouros,  medonhos  redo- 
moinhos  que  por  vezes  mettem  instantanea- 
mente a  pique  os  maiores  barcos  rabellos,  de 
70  a  80  pipas. 

Formam-se  aquelles  redomoinhos  por  se- 
rem 08  dictos  póços  muito  fundos.  Mesmo  na 
estiagem  n'elles  se  encontram  sítios  com  20 
a  30  metros  d'altura  e  no  inverno  a  agua 
sobe  por  vezes  mais  10  a  20  metros,  o  que 
dá  40  a  50  melros  d'altura,  sendo  as  mar- 
gens dos  dictós  poços  relativamente  aperta- 
das e  todas  eriçadas  de  medonha  penedia 
cheia  de  anfractuosídades. 

Aquelles  po^os,  tão  plácidos  no  verão  e  tão 
medonhos  e  perigosos  no  inverno,  são  úni- 
cos em  Portugal  e  muito  dignos  de  ver-se^ 
— mas  ninguém  os  verá  sem  assombro  nem 
os  transporá  no  inverno  sem  tremer  e  mudar 


VIS 


VIS  1705 


de  côrl  Alguns  teem  de  eomprimenlo  4  a  5  i 
kilometros  —  e  são  ao  todo  8  os  dictos  po- 
ços. 

Vamós  raencional-os  pela  ordem  em  que 
se  eneoDiram,  subindo  do  Porto,  ou  da  Foz 
do  DourOj  até  á  Barca  d' Alva : 

i.^—Poço  da  Cárdia,  entre  o  ponto  da 
Retorta,  a  jusante,  e  o  Ponto  Novo  a  mon- 
tante i. 

2.0 — Poço  da  Parede,  entre  o  ponto  da  Es- 
carnida, a  jusante,  e  o  da  Rapa,  a  mon- 
tante. 

3.0— Poço  de  Riboura,  entre  a  ponto  de 
Canedo,  a  jusante,  e  o  de  Ripança  a  mon- 
tante. 

í.o—Poço  de  Barqueiros,  entre  o  ponto  de 
Loureiro,  a  jusante,  e  o  do  Piar  a  montante. 

Todos  estes  demoram  a  ju- 
sante da  Regoa— e  os  seguin- 
tes a  montante. 

^.o—Poço  da  Pedra  Caldeira,  entre  o  pow- 
1o  de  Bagauste,  a  jusante,  e  o  dos  Canaes  de 
Covellinhas,  a  montante. 

Q.o—Poço  de  Tua,  entre  o  ponto  de  Malve- 
dos,  a  jusante,  e  o  do  celebre  Cachão  da  Val- 
leira,  2  a  montante. 

7.0 — pqçq  Saião,  entre  o  ponto  do  Salguei- 
ral, a  jusante,  e  o  das  Azenhas  do  Sabor,  a 
montante. 

8." — Pocm Ao,  entre  o  ponto  d'este  nome, 
a  jusante,  e  o  de  Pridas  ou  Peredo  a  mon- 
tante. 

Desculpem-nos  a  digressão 
porque  é  muito  interessante 
para  a  historia  do  rio  Douro 
— e  em  parte  nenhuma  se  en- 
contra a  lista  dos  seus  poços 
nem  a  descripção  d'elles. 

Prosigamos. 


1  V.  Douro,  rio.  Pontos  do  Douro  e  Villa 
Secca  d' Armamar,  tomo  XI,  pag.  1059,  col. 
1.»  e  segg. 

2  V.  Villa  Secca  d' Armamar,  loc.  cit. 


Outro  phenomeno,  também  único  em  Por- 
tugal, se  encontra  nas  margens  do  Douro  e 
prova  evidentemente  que  a  pedra  mais  dura 
se  pôde  trabalhar  e  apparelhar  com  a  mes- 
ma pedra. 

Pefiro-me  aos  grandes  cortes  que  ali  se 
vêem  a  cada  passo,  feitos  em  granito  por- 
phyroide  com  o  linho  das  cordas  ou  sirgas 
da  alagem  dos  barcos  rabellos. 

Como  são  muito  tortuosas  e  muito  eriça- 
das de  penedia  as  margens  do  Douro— e  co- 
mo os  barcos  rabellos  ordinariamente  são 
arrastados— guindados— com  sirgas,  tiradas 
por  juntas  de  bois,  as  sirgas  vão  sempre  ba- 
tendo e  tocando  nas  pedras— e  n'algumas 
em  que  batem  com  mais  força  e  se  demoram 
mais  tempo,  teem  feito  córtes  com  a  largura 
do  diâmetro  das  sirgas  e  por  vezes  com  O^â 
de  profundidade  e  1  metro  de  comprimen- 
to?!... 

Mal  se  acredita  que  taes  córtes  fossem  fei- 
tos com  linho,  mas  é  facto.  Ora,  se  o  linho  (?) 
córta  o  granito  mais  duro,  mais  fácil  seria 
cortal-o,  apparelhal  o  ou  desbastal-o  com  o 
silex  ou  quartzo— e  assim  o  cortaram  ou  ap- 
parelharam  e  desbastaram  por  certo  os  con- 
structores  dos  dolmens,  dos  menhirs  e  dos 
penedos  baloiçantes,  —  apparelho  que  hoje 
mal  se  nota,  por  ser  menos  visivel  de  que  o 
feito  com  o  bronze  ou  ferro  —  e  porque  a 
acção  do  tempo  durante  tantos  séculos,-— 
milhares  d'annos— apagou  os  vestígios  d'a- 
quelle  rudimentar  apparelho. 

Em  conclusão  diremos  que  as  orcas,  ou 
arcas,  ou  dolmens  ou  antas  e  as  mamoas  e 
penedos  baloiçantes  que  se  eucontram  em 
volta  de  Viseu,  são  monumentos  pre-histo- 
ricos,  muito  mais  antigos  que  a  Cava  de  Vi- 
riato, e  provam  evidentemente  que  estes 
chãos  foram  povoados  talvez  milhares  d'on- 
nos  antes  do  nascimento  de  Christo. 

Alguns  aúclores  comprehendera  também 
entre  os  monumentos  prehistoricos  as  sepul- 
turas abertas  na  rocha. 

Elias  são  muito  antigas  e  não  se  sabe  a 
que  povo  pertenceram,  mas  na  minha  hu- 
milde opinião  com  certeza  datam  do  tempo 
em  que  já  era  conhecido  o  ferro,  pois  a  sua 
uniformidade  e  a  perfeição  dos  cortes  reve- 
lam que  foram  cavadas  a  pico. 


1706  VIS 


VIS 


A  fortaleza  romana  e  os, muros  e  portas 
da  cidade 

Todos  concordam  em  que  os  romanos, 
alem  de  fazerem  a  Cava,  fortificaram  lam- 
bem o  alto  viso  da  Sé. 

Não  se  sabe  quando  foi  feita  a  dieta  for- 
talesa,  mas  suppòe-se  qjje  é  posterior  á 
Cava  e  que  a  mandou  fazer  o  cônsul  Décio 
Judo  Bruto,  quando  pelos  aunos  616  da  fun- 
dação de  Roma  e  139  antes  do  nascimento 
de  Christo  foi  enviado  à  Hespanha  com  tanta 
felicidade  que  triumphou  dos  lusitanos  e  ca- 
lai cos. 

Da  dieta  fortalesa  hoje  apenas  lá  se  vêem 
03  restos  de  duas  torres  e  um  lanço  de  mu- 
ralha intermédio  na  fachada  S.  O,,  mas  na 
opinião  de  Francisco  Manuel  Correia  a  di. 
cta  fortalesa  foi  quadrado  e  tinha  mais  3 
faces  a  N.  E.— N.  O.— e  S.  E.,  comprehen- 
dendo  todo  o  plató  da  cathedral  com  outras 
2  torres  nos  ângulos  N.  e  E.  corresponden- 
tes ás  torres  supra  mencionadas  que,  se- 
gundo dizem  Brito  e  Botelho,  foram  feitas 
por  Flaco  e  Frontonio,  adduzindo,  como 
prova,  uma  inscripção  que  o  dr.  Botelho 
ainda  vira  em  uma  das  torres. 

O  letreiro  que  está  na  torre  da  menagem  ^ 
(refere-se  à  que  foi  aljube  e  é  hoje  cadeia) 
diz  assim : 

Frontoni  Pelli 
Flacvi  frater 
C. 

Parece  que  em  vulgar  àh:— Frontonio 
Pellion,  irmãa  de  Flaco,  fez  esta  torre,  ou 
fortalesa. 

Logo  o  constructor  ou  director  da  obra 
foi  ura  só  e  não  dois,  como  dizem  Botelho  e 
quejandos. 

Ha  muito  que  desappareceu  tal  inscripção, 
bem  como  a  figura  de  uma  águia  que,  se- 
gundo dizem,  se  via  gravada  na  outra  torre, 
como  emblema  romano,  sendo  para  lamen- 
tar, diz  Argole,  que  não  se  saiba  se  a  dieta 
águia  tinha  como  a  da  bandeira  romana —  | 
duas  cabeças. 


1  Botelho,  Dialogo  1.»  cap.  13. 


Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  que 
d'esta  fortaleza  e  das  mencionadas  torres  já 
dissemos  no  tópico  da  Cathedral,  pag.  1S71 
e  segg.;— no  tópico  dos  Bispos  de  Viseu,  a 
biogfaphia  de  D.  João  Homem,  pag.  1605  e 
a  do  bispo  D.  João  Gomes  d' Abreu,  pag. 
1608, — e  no  supplemento  a  este  diccionario 
e  ao  artigo  Viseu  a  biographia  de  D.  Julio 
Francisco  d' Oliveira,  que  mandou  restaurar 
a  torre  de  menagem. 

Suppõe-se  que  os  muros  da  fortaleza  ro- 
mana da  Sé  foram  os  primeiros  de  Viseu, 
depois  que  esta  cidade  se  localisou  onde 
hoje  está;  mas  nós  cremos  piamente  que 
muito  antes  dos  romanos  fortificaram  a  seu 
modo  aquelle  ponto,  elle  foi  habitado  e  forti- 
cado  d'algum  modo  pelos  diíferentes  povos 
que  habitaram  o  nosso  paiz  e  a  Beira,  mi- 
lhares d'annos  antes  da  conquista  romana, 
por  ser  um  pincaro  escarpado,  muito  defen- 
sável para  aquelles  tempos  e  muito  bem  ta- 
lhado pela  natureza  para  ponto  de  refugio. 
Suppomos  até  que  elle  foi  habitado  e  occu- 
pado  nos  tempos  pre-historicos  pelos  celtas 
ou  pte-celtas,  ou  pelos  construclores  das  or- 
cas ou  antas  que  abundaram  e  ainda  hoje 
abundam  em  volta  de  Viseu,  como  já  disse- 
mos quando  fallámos  dos  Monumentos  pre- 
historicos  e  como  diremos  adiante,  quando 
fallarmos  da  Fundação  e  antiguidade  de  Vi- 
seu. 

Em  todo  o  caso  são  aquelles  muros  roma- 
nos os  primeiros  de  que  ha  noticia  na  his- 
toria d'esta  cidaoe,  e  por  que  alternativas 
não  passariam  elles  até  á  occupação  árabe, 
ou  durante  os  nove  séculos  que  decorreram 
desde  que  foram  construídos  até  que  os 
mouros  tomaram  Viseu  no  sec,  vui? 

•  Parece  que  estes  não  destruirão  as  suas 
torres  e  muros,— diz  Berardo, — pois  sabe- 
mos que  dentro  delles  mais  de  uma  vez  se 
defenderão  dos  reis  das  Astúrias  e  de  Leão, 
que  alternadamente  a  tomarão  e  perderão.» 

É  mesmo  possível  e  até  provável  que  os 
mouros  restaurassem  os  dictos  muros,  como 
restauraram  os  de  Lamego  e  outros  muitos, 
mas  nada  consta  de  positivo  a  tal  respeito. 

Suppõe-se  que  depois  de  tomada  a  cidade 
de  Viseu  aos  mouros  em  10S8  por  D.  Fer- 


VIS 


VIS  1707 


nando  Magno  de  Leão,  a  cidade  ficou  des- 
mantelada e  sem  muros,  pelo  que  os  seus 
habitantes  volveram  para  a  Cava  de  Viriato 
e  ali  se  demoraram  muito  tempo  até  que 
regressaram  para  Viseu,  ficando  a  dieta  Ca- 
va desde  então  com  o  nome  de  cidade  Vaca 
ou  cidade  velha,  como  diz  Berardo  nas  suas 
memorias  publicadas  no  Liberal. 

tConsta  d'alguma3  eseripturas  que  no 
tempo  do  sr.  D.  Affonso  Henriques  ainda  se 
devisavão  vestígios  da  cerca,  que  antiga- 
mente  cingira  a  cidade  de  Vizeu,  porem  mais 
de  quatro  séculos  haviam  decorrido  e  esta  se 
achava  de  todo  aberta,  e  exposta  ás  inva- 
sões do  inimigo,— como  diz  o  mesmo  sábio 
cónego. 

Do  exposto  se  vê,  que  antes  do  reinado  de 
D.  Afi"onso  Henriques  a  cidade  de  Viseu  foi 
cercada  de  muros,  muros  que  não  eram  os 
da  fortalesa  romana,  pois  esta  se  limitava  ao 
planalto  da  Sé;  mas  não  se  sabe  quem  fez 
tal  cerca. 

Em  1385  um  bando  de  hespanhoes  fugi- 
tivos da  batalha  d'Aljubarrota  e  commanda- 
dos  por  João  Annes  de  Barbuda,  tomaram, 
saquearam  e  incendiaram  Viseu,  passando 
á  espada  os  seus  habitantes.  Apenas  esca- 
param alguns  dentro  das  torre?  romanas. 

Estavam  pois  aindA  desmantelados  is  mu- 
ros de  Viseu,  pelo  que  D.  João  I  pensou  em 
restaural-os  e  dar-lhes  maior  extensão  do 
que  tinham  os  anteriores,  para  abrigarem  e 
defenderem  não  só  a  cidadella,  mas  também 
algumas  ruas  circumjaeentes. 

«Por  alguns  capimlos  especiaes  das  cor- 
tes de  Lamego  do  anno  de  1412,  desembar- 
gados para  a  cidade  de  Vizeu,  sabemos  que 
naquelle  anno  se  trabalhava  com  muita  di 
ligencia  na  construcção  dos  muros,  concor- 
rendo para  esta  obra  não  sò  os  moradores 
do  termo,  mas  ainda  todos  os  que  habitavam 
em  distancia  de  duas  léguas  da  cidade.  Po- 
rem tendo  D.  João  I  feito  as  pases  com  Cas- 
tália, parece  que  esta  obra,  apenas  sabida 
dos  alicerces,  sobrestivera>— diz  o  mesmo 
sábio  cónego. 

D'outros  capítulos  desembargados  para 
Viseu  em  5  de  janeiro  de  1440  e  que  tinham 
sido  apresentados  nas  cortes  de  Lisboa  de 


1439,  consta  que  ao  tempo  a  cidade  de  Vi- 
seu era  devassa  e  sem  cerca;  e  não  tinha 
outro  muro  senão  a  Deus  e  ^  mercê  d'El  Rei; 
e  portanto  havia  o  conselho  determinado  ta- 
par alguas  ruas  menos  necessárias,  e  pôr 
nas  outras  portas,  ou  grades  firmes  e  segu- 
ras, para  que  succedendo  alguma  revolução 
entre  estes  reinos  e  Casiella,  e  podessem  de- 
fender dos  corredores  das  terras,  pedindo 
em  conclusão  que  sua  Mercê  fosse:  Mandar 
que  sem  distincção  de  pessoas  eeeiesiasticas 
ou  seculares,  todos  concorressem  pelos  cor- 
pos ou  pelos  bens.» 

Finalmente  por  outros  capítulos  desem- 
bargados nas  cortes  da  cidade  da  Guarda 
em  1465,  se  vê  que  ao  tempo  ainda  os  mou- 
ros de  Viseu  estavam  longe  da  sua  conclu- 
são—te que  esta  cidade  já  duas  ou  tres  ve- 
zes linha  sido  queimada  pelos  corredores  de 
Cantella,  e  agora  se  temia  d'outro  semelhan- 
te trabalho  e  que  assim  pediam  a  El  Rei  que 
lhe  mandasse  acabar  a  cerca,  de  que  tanto 
precisavam.» 

»Com  eíTeito  d'uma  inseripção,  que  (refe- 
re-se  ao  anno  de  1857)  mal  se  divisa  eseripta 
em  caracteres  allemães  minúsculos,  junto  da 
Porta  do  Soar,  consta  que  D.  Affonso  V  man- 
dára  cingir  de  muros  esta  cidade,  e  que  a 
obra  se  concluirá  no  anno  de  1472.  Mais 
tarde,  crescendo  a  povoação,  estenderam-se 
as  ruas  para  fóra  dos  muros,  a  ponto  de  que 
hoje  (1857)  conta  por  aqui  quasi  tantos  fo- 
gos, como  os  que  outr^ora  contivera  dentro. 

tOs  fracos  vestígios  que  hoje  (1830  ou 
1857)  divizamos  d'e8ses  muros,  nos  revelão 
que  forão  feitos  á  pressa,  e  d' uma  ligeira  al- 
venaria; e  das  6  portas,  ou  entradas  que  ti- 
verão,  apenas  feoje  permanecem  trez.»  É  isto 
o  que  diz  Berardo  nas  suas  Memorias,  refe- 
rindo-se  a  1830,  data  em  que  as  escreveu, 
ou  a  1857  data  em  que  as  publicou  no  Libe- 
ral; mas  o  dr.  Botelho  diz  o  seguinte:  *  «Os 
muros,  que  hoje  tem  (Viseu)  forão  feitos  em 
tempo  d'El  Rei  D.  Affonso  V,  e  ainda  não 
se  acabarão,  nem  chegou  a  ler  amêas,  e  o  &m- 


I  1  Dialogo  4.°,  cap.  31.°  pag.  363  no  Co- 
i  dice  de  Girabolhos. 


1708  VIS 


VIS 


bito  d'elles  he  muitos  anãos  do  que  foi  an* 
tigamenle,  quando  se  tomou  aos  mouros; 
«omprehendião  a  Rua  da  Regueira,  como  se 
collige  da  doação  d'El  Rei  D.  Fernando,  que 
já  vimos  confirmada  pelo  conde  D.  Henri- 
que. > 

Do  exposto  se  vê  que  post  tot  taníosque 
labores  os  dictos  muros  concluidos  em  1472 
foram  obra  de  empreitada  muito  mal  acaba- 
da I  Nem  chegaram  a  ter  ameias  e  ficaram 
mais  reduzidos  do  que  os  muros  velhos  do 
tempo  dos  mouros. 

Também  Berardo  diz  que  tiveram  6  por- 
tas, mas  o  sr.  Oliveira  Mascarenhas  no  Por- 
lugal  e  Possessões  indica  as  sete  portas  se- 
guintes : 

i  .'—A  de  Cimo  de  Villa,  denominada  de 
S.  José. 

Sobre  esta  porta  (do  lado  exterior)  estava 
uma  imagem  d'aquelle  santo,  com  uma  ins- 
cripção  latina,  mandada  gravar  em  1666  por 
D.  João  IV,  referindo-se  ao  juramento  que 
fizera  de  defender  a  Immaeulada  Conceição 
da  Virgem,  padroeira  do  reino.  Do  lado  in- 
terior da  mesma  porta  estava  uma  imagem 
da  Senhora  da  Conceição. 

2.* — Do  Soar  ou  de  S.  Francisco,  pois  do 
lado  interior  da  mesma  porta  se  vé  a  ima- 
gem de  S.  Francisco  de  Borja  e  do  lado  ex- 
terior a  de  Santo  Antonio. 

3/ — De  Nossa  Senhora  das  Angustias,  cuja 
imagem  se  via  sobre  a  mesma  porta. 

Demorava  ao  fundo  da  calçada  da  Ribeira. 

4.  * — Porta  dos  Cavalleiros,  á  entrada  da 
rua  d'esle  nome  e  contigua  ao  palacete  do 
Arco. 

5.  '— Porta  de  S.  Sebastião,  por  ter  um  ni- 
cho com  a  imagem  do  martyr. 

Demorava  no  Terreiro  das  Freiras. 

6.  *— Porta  de  S.  Miguel,  com  a  imagem  do 
Archanjo. 

Demorava  na  rua  da  Regueira  e  sobre  es- 
ta porta  ainda  no  tempo  do  dr.  Botelho 
(1630  a  1636)  se  lia  uma  inseripção  muito 
honrosa  para  esta  cidade,  commemorando  o 
nome  de  um  esforçado  cavalleiro  visiense — 
Fernão  Lope^qne  na  tomada  de  Arzila,  a 
24  d'agosto  de  1471,  commandou  300  caval- 
leiros seus  visinhos,  portando-se  com  tal 


bravura  que  ahi  mesmo  no  campo  da  bata* 
lha  ehrei  D.  Aífonso  V  por  suas  próprias 
mãos  o  armou  cavalleiro. 
A  dieta  inseripção  era  a  seguinte  : 

No  TEMPO  d'El  Rey  D.  Affonso 
Quinto  se  achou  na  tomada 
d'Abzila  Fernão  Lopes  desta 

cidade  com  300  CAVALEIROS 
E  LA  FOI  armado  CAVALEIRO 

Por  mão  do  dito  Rey  com 
outros  mais  * 

No  século  passado,  ao  demolir-se  esta 
porta  para  a  construcção  de  casas,  desap- 
pareceu  a  lapide,  que  tinha  esta  inseripção, 
e  que  agora  por  diligencias  do  nosso  bom 
amigo  e  Cyreneu  n'este  artigo,  o  sr.  dr.  Nico- 
lau de  Mendonça,  foi  encontrada  no  quintal 
da  casa  do  sr.  commendador  Ladislau  Pe- 
reira de  Chaves  Manuel,  contigua  a  esta 
porta. 

Também  ali  achou  n'uma  loja  duas  lapi- 
des, com  o  voto  de  D.  João  IV  à  Senhora 
da  Conceição,  voto  que  estava  por  cima 
d'e8ta  porta,  assim  como  de  maistres: — a  de 
S.  José— do  Suar— e  a  dos  («ivalleiros,  con- 
servando-se  hoje  só  as  duas  ultimas. 

A  inseripção  d'esta  lapide  é  em  allemão 
minúsculo;  levou-a  o  sr.  dr.  Nicolau  para  a 
sua  quinta  de  S.  Salvador  para  ali  a  decifrar, 
o  que  não  pôde,  por  ter  muitos  breves,  e 
lettras  muito  gastas,  mas  reconhecem-se 
bem  algumas  palavras  da  interpretação  de 
Botelho,  que  já  no  seu  tempo  a  não  soube 
ler  toda,  porque  a  lapide  tem  8  linhas  de  es- 
criptura,  todas  cheias,  e  Botelho  dá  à  inseri- 
pção só  6  linhas  e  uma  palavra,  o  que  não 
admira,  pois  elle  confessa,  que  por  o  mesmo 
motivo  não  poderá  já  ler  a  outra  inseripção 
contemporânea  de  1474  sobre  a  construcção 
dos  muros,  que  está  ainda  hoje  sobre  a  porta 
do  Suar.  E  ali  está  depositada  esta  tão  hon- 
rosa lapide  para  os  visienses  com  os  seus 
416  annos  (I)  até  que  a  camará  se  resolva  a 
recolhel-a  nos  paços  do  concelho,  onde  se 


1  Dialogo  5.»,  cap.  6.°,  pag.  407  do  Códice 
de  Girabolhos. 


VIS 


VIS  1709 


«onserve  com  resguardo  até  que  appareça 
um  Paleologo  mais  perito,  que  possa  deei- 
fral-a  ioda,  pelo  que  fazemos  voios. 

7.» — Porta  de  Santa  Catharina,  onde  es- 
tava ura  nicho  com  a  imagem  do  Crucifica- 
do, o  qual  ainda  hoje  ali  existe  ao  lado  do  j 
arco  demolido,  na  casa  contigua,  que  tinha 
janeila  para  fóra  da  porta,  casa  que  pertence 
ao  sr.  Heitor  de  Lemos  e  Sousa,  de  quem  se 
tratará  adiante  no  tópico  das  Familias  no- 
itres  de  Viseu. 

Ainda  hoje  se  aeeende  todas  as  noites  por 
dentro  da  casa  uma  alampada,  e  chama  o 
povo  a  esta  imagem  Senhor  dos  Esquecidos. 

Das  dietas  7  portas  já  existiam  só  3  no 
tempo  de  B-^rardo.  Hoje  existem  apenas  2, 
a  do  Suar  e  a  dos  Cavalleiros.  No  emtanto, 
«reio  que  a  3.*  e  7.*  eram  só  o  que  chama- 
vam postigos,  não  só  porque  os  arcos  eram 
mais  pequenos,  mas  davam  entrada  para  ruas 
mais  estreitas  e  menos  concorridas ;  tanto 
^mm,  que  nos  nossos  dias,  antes  de  ?e  de- 
molir a  3.»  porta,  davam  à  imagem  que  ali 
•estava  o  nome  vulgar  de  Senhor  do  |Pos- 
tigo. 

Alcaides  móres 

Como  Viseu  foi  cidade  murada  desde  o 
tempo  dos  romanos,  parece  que  devia  ter 
uma  longa  serie  d'alcaides  mores,  mas  nem 
o  dr.  Botelho  nos  sem  Diálogos,  nem  Berar- 
do ou  F.  Manoel  nas  suas  Memorias,  nem  o 
sr.  Oliveira  Mascarenhas  no  Portugal  e  Pos- 
sessões, nem  o  sr.  Vilhena  Barbosa  nas  suas 
Cidades  e  Villas  faliam  dos  Alcaides  mores 
de  Viseu. 

Apenas  o  sr.  Oliveira  Mascarenhas  muito 
succíntamente  diz  que  esta  alcaidaria  andou 
na  família  dos  Silveiras,  ramo  da  dos  cdii' 
des  de  Sarzedas,  referindo-se  à  Chorogra- 
phia  do  Padre  Carvalho,  o  qual  disse  que  no 
seu  tempo  (1708)  era  alcaide  mor  de  Viseu 
D.  Luiz  Balthasar  da  Silveira,  cuja  ascen- 
dência pôde  ver-se  na  mesma  Chorographia, 
tomo  2.',  tratado  5," 

No  emtanto  a  Hist.  Geneal.  da  C.  R.  tra- 
tando deste  D.  Luiz,  e  seu  filho,  e  successor 
D.  Braz  Balthasar  da  Silveira,  nomeando 
os  grandes  postos  militares  que  occupavam, 

VOIUMK  XI 


os  serviços  e  as  muitas  commendas  que  dis- 
fructaram,  não  os  faz  alcaides  mores  de  Vi- 
seu I  É  verdade  porem  que  a  l.*  Rezenha 
das  Familias  Titulares.,  obra  de  muito  credi- 
to 1  também  faz  alcaide  mor  de  Viseu  o  seu 
bisneto  e  successor  na  casa,  D.  Braz  José 
Balthasar  da  Silveira,  e  este  era  avô  paterno 
do  9."  marquez  das  Minas,  ainda  hoje  vivo. 

Achamos  só  outros  alcaides  mores  de  Vi- 
seu n'um  ramo  dos  antigos  condes  de  Li- 
nhares. 

O  primeiro  foi  D.  Antonio  de  Menezes, 
neto  dos  primeiros  condes  de  Linhares,  o 
qual  morreu  com  D.  Sebastião  em  Africa. 
Foi  feito  alcaide  mor  de  Viseu  pela  in- 
fanta D.  Maria,  filha  d'el-rei  D.  Maouel  e  de 
D.  Leonor,  sua  terceira  mulher.  Esta  infanta 
foi  senhora  de  Viseu  por  doação  d'el-rei  seu 
pae,  como  diz  a  Hist.  Geneal.  da  Casa  Real. 

A  este  succedeu  seu  filho  D.  Pedro  de  Me- 
nezes, e  foi  como  seu  pae  alcaide  mór  de 
Viseu,  ao  qual  succedeu  na  casa,  e  até  na 
alcaidaria  mor  de  Viseu,  sua  filha  D.  Ignaeia 
de  Menezes  e  Vasconcellos,  a  qual,  casando 
cora  seu  primo  4."  conde  de  Linhares,  D.  Mi- 
guel de  Noronha,  lhe  levou  esta  alcaidaria 
mor  em  dote.  Foi  o  S.»  alcaide  mor  de  Vi- 
seu n'esla  familia,  e  tanto  que,  ficando  em 
Hespanha  no  tempo  da  aeelamação  de  D. 
João  IV,  foi  lá  feito  Duque  de  Linhares  e 
Viseu.  Tudo  isto  consta  da  Hist.  Geneal.  da 
Casa  Real,  tomo  3  •  pag.  459,  e  tomo  5." 
pag.  211,  212,  266  e  267. 

De  sorte  que  provavelmente  só  depois  de  ir 
para  Hespanha  o  4."  conde  de  Linhares  e  3.*" 
alcaide  mor  de  Viseu  n'e3ta  familia,  é  que 
se  fez  nova  doação  d'esta  alcadaria  aos  Sil- 
veiras, senhores  de  S.  Cosmado,  hoje  repre- 
sentados por  varonia  pelo  9.«  marquez  das 
Minas. 

Fundação  e  antiguidade  de  Viseu 

Rodrigo  Mendes  da  Silva  na  Poblacion  ge- 
neral de  Espana  diz  que  a  cidade  de  Viseu 
foi  fundada  pelos  turdulos,  500  annos  antes 
do  nascimento  de  Cbristo;  mas  nós  díre* 


1  Appendice,  Verbo  Sarzedas. 

108 


1710  VIS 


VIS 


mos  que  se  ignora  quando  e  por  quem  foi 
fundada. 

É  certo  ser  muito  antiga,  pois  já  no  tem- 
po dos  suevos  (anno  de  Ch.  572)  foi  reco- 
nhecida como  cidade  episcopal,  anterior  á 
occupação  d'elles,  pelo  que  já  devia  existir 
de  longa  data. 

Vejâ-se  o  nosso  catalogo  chronologico  dos 
bispos  de  Viseu,  no  qual  demos  principio  á 
serie  dos  seus  prelados  no  século  vi  (anno 
572);  mas  o  padre  Leonardo  de  Sousa  no  seu 
esplendido  catalogo  em  via  de  publicação  ^ 
vae  mais  longe. 

Dá  começo  á  dieta  serie  no  anno  270,  pelo 
que  na  opinião  do  padre  Sousa  já  no  sécu- 
lo III  Viseu  era  cidade  episcopal;  mas  desde 
quando  seria  cidade  na  accepção  hodierna, 
ou  simples  povoação,  ou  aggregado  de  po- 
voações ?  Sob  uma  d'esta8  ultimas  três  for- 
mas já  existia  com  toda  a  certesa  no  tempo 
dos  romanos,  como  provam  as  muitas  moe- 
das e  lapides  com  inscripções  encontradas 
em  Viseu,  algumas  das  quaes  nós  já  mencio- 
namos supra,  e  o  dr.  Botelho  aponta  mais  as 
seguintes : 

Ijstilifan 
Cadifan  XX 
ET  Cicero 

I,  SORORI 

C. 

Diz  que  esta  ínscripção  estava  ao  lado  da 
egreja  de  S.  Miguel  (do  Fetal)  da  parte  de 
fóra,  a  um  canto  que  faz  a  sacristia,  opposto 
ao  poente— e  accreseenta; 

«N'este  letreiro  se  faz  menção  de  pessoa 
da  família  dos  Ciceros,  e  de  Julia,  sua  irmã, 
d'onde  se  argue  a  grande  antiguidade  d'esta 
cidade  de  Viseu,  pois  já  no  tempo  em  que 


^  Depois  de  escrevermos  o  nosso  resumi- 
do catalogo  (V.  pag.  1589  e  segg.)  appare- 
ceram  em  Viseu,  na  livraria  do  í<r.  conde  de 
Prime,  os  dois  primeiros  tomos  do  catalogo 
do  padre  Sousa.  Gompletou-se,  pois,  e  sabe- 
mos que  o  muito  rev.  sr.  vice-reitor  actual 
do  seminário  se  propòe  dal-o  ao  prélo,  o 
que  muito  estimaremos,  pois  fleará  Viseu 
possuindo  um  exeellente  catalogo  dos  seus 
bispos,  muito  superior  ao  nosso  e  ao  do  aca- 
démico João  Coldt.  I 


florescia  a  familia  dos  Ciceros  havia  n'ella 
cidadãos  d'este  nome.  Nem  ha  que  espan- 
tar vir  a  estas  partes  pessoa  d'esta  geração, 
que  como  Cicero  esteve  n'ellas  (segundo  se 
crê)  ou  quando  foi  cônsul  poria  nella,  ou 
mandaria  por  capitão  e  governador  algum 
parente  seu. . .  signal  que  era  praça  esta  ci- 
dade e  de  muita  importância,  pois  taes  pes- 
soas se  mandavam  para  fronteiros  d'ella. ..  i* 

«Outro  letreiro  (diz  o  mesmo  auctor)  está 
na  rua  da  Regueira  ás  quatro  quinas  junto 
com  a  terra,  mas  a  pedra  quebrada  pelo 
meio,  e  aquella  ametade  tem  estas  letras : 

H.  S. 

LVCAN. 

F.  sui  Po. 
ET  Cama.  L. 

«Falta  ametade  da  pedra  e  por  conse- 
guinte ametade  do  letreiro,— diz  ainda  Bo- 
telho, loc.  cit. — Do  que  d'estas  palavras  se 
entende  he  o  seguinte:  Aqui  jaz  Lucano,  fi- 
lho de  Lucano,  e  Polia,  a  qual  sepultura  lhe 
fez  Cama,  Liberto,— om  que  seu  fllho  Polia, 
e  Cama,  Liberto,  lhe  fizerão  aquella  sepul- 
tura. 

•  Se  não  lêramos  que  Lucano  fora  morto 
em  Roma  por  mandado  de  Nero,  que  lhe 
mandou  romper  as  vêas,  poderamos  cuidar 
que  fora  sepultado  n'esta  cidade,  por  fazer, 
segundo  parece,  menção  de  ?òlla,  sua  mu- 
lher. Bem  podia  ser  algum  filho  dentre  am- 
bos; porque,  como  os  paes  de  Lueano  forão 
naturaes  de  Cordova,  chamados  Annio  Mel- 
la, irmão  de  Séneca  (mestre  de  Nero)  filho 
de  Annio  Séneca,  e  sua  mãe  Caia  Acilia,  fi- 
lha de  Acilio  Lucano,  orador,  he  mais  pro- 
vável que  se  tornaria  o  filho  para  a  pátria 
de  seus  avós,  depois  da  morte  do  pai,  com 
o  qualiviria  sua  mãi,  por  fugirem  da  fúria 
de  Nero,  ou  por  desterro,  ou  teria  algum 
cargo  nella. 

•De  qualquer  modo  os  nomeados  são  pes- 
soas da  familia  de  Lucano,  e  sua  mulher 
Polia  Argentaria,  que  foi  mui  douta,  e  era 


1  Dialogo  1."  cap.  17. 


VIS 


VIS  1711 


quem  coUoeou  Stacio  toda  a  virtude  que  á 
mulher  se  pôde  attribuir,  mui  amada  de  seu 
marido,  e  que  o  ajudou  a  emendar  os  tres  li- 
vros da  sua  Farsalica  Historia,  e  depois  da 
morte  d'elle  emendou  ella  os  outros  7. 

«Outro  letreiro  se  achou  ha  poucos  dias  * 
em  os  alicerces  que  se  abrirão  para  a  Igreja 
do  Mosteiro  de  Jesus  da  ordem  de  S.  Bento 
desta  cidade,  com  as  letras  mui  gastadas,  e 
a  pedra  partida  pelo  meio,  que  as  juntei 
para  as  ler,  e  estava  em  huns  alicerces  de 
hum  muro  antigo  de  mais  de  20  palmos  de 
largo  (?)  e  diziafo  letreiro  deste  modo: 

D.  M.  S. 

Reino  patrie.  I. 

RVFÍNAE  MATRE  RfINA 
S.  R.  RiAREIVS  El  RENA 

F.  C. 

•  Outra  pedra  quebrada  eslava  na  rua  da 
Regueira,  na  frontaria  das  casas  de  hum  có- 
nego, que  ao  reformalas  a  tirou,  mas  que- 
brada, e  com  estas  letras: 

Floro  (?)  cvm 
Pacatíanvm 
Aper.  ex  testamen... 

 2 

l 

«Outras  pedras  achei,  mas  tão  quebradas, 
e  feitas  em  pedaços,  que  não  pude  trasladar 
delias  cousa  que  fizesse  sentido,  e  por  isso 
as  deixo.  Muitas  outras  devia  de  haver,  mas 
a  pouca  curiosidade  dos  antigos,  e  o  ser  esta 
cidade  destruída  muitas  vezes  em  tempo  dos 
godos,  mouros  e  christãos,  foi  causa  de  se 
extinguir  de  todo  a  memoria  dos  romauos. 


1  Botelho,  loc.  cit. 

Note-se  que  elle  escreveu  os  seus  Dialo- 
gas era  1630  a  1636. 

2  Na  mesma  rua  da  Regueira  (hoje  é  rua 
de  D.  Luiz)  em  março  de  1887,  quando  se 
proced  a  á  demolição  de  uma  parede  inte- 
rior da  casa  do  dr.  José  Barbosa  de  Carva- 
lho, encontrou-se  um  cippo  funerário  roma- 
no de  granito  com  O^QO  de  altura,  0'",46 
de  largo,  e  0'",30  de  espessura  media.  Cons- 


«Tambem  nos  arredores  se  tem  achado  mui- 
tos letreiros,  de  que  jà  referi  alguns,  e  por 
remate  relatarei  huns  versos,  que  se  acha- 
rão em  hum  monte  junto  do  lugar  de  Lar- 
dosa,  onde  devia  de  haver  algum  templo  da 
gentilidade,  segundo  a  fé  de  hum  Prom- 
ptuario  de  letreiros,  e  dizem  assim  : 

Caprigini  quicumque  subis  sacraria  Fauni 


1 


«Quer  dizer:— Todos  os  que  subis,  ouen- 


tava  de  uma  figura  de  mulher,  infelizmente 
mutilada  na  parte  superior,— e  na  inferior 
tinha  a  inscripção  seguinte : 

Esae.  VmiATis 

NORVM.  XXX 
ONCINVS.  BeB 
MATRI.  F.  C. 

Lição  completa : 

Caesae,  Viriati  servas,  annorum  XXX, 
Loncinus  Reburrus  matri  faciendum'curavit. 

Em  vulgar:  «Monumento  elevado  a  Cesa, 
serva  de  Viriato,  fallecida  na  idade  de  trinta 
annos.  Longino  (?)  Reburro  mandou  fazel-o 
em  honra  de  sua  mãe.» 

Vejam-se  os  desenhos  do  mencionado  cip- 
po 6  03  artigos  correspondentes  publicados 
pelo  sr.  B.  de  Toro  no  Commercio  de  Vtzeu, 
n."  80  e  81  de  1887,  — e  pelo  sr.  Antonio 
Cardoso  Borges  de  Figueiredo  na  sua  inte- 
ressante Revista  Ârcheologica  e  Histórica, 
voL  1.°,  n.°  6,  pag.  81  e  segg. 

0  sr.  Borges  de  Figueiredo  termina  por 
estas  palavras: 

«A  descoberta,  em  Vizeu,  de  uma  inscri- 
pção com  o  nome  de  Viriato  áewe.  para  mui- 
tas pessoas  ser  uma  confirmação  de  antigas 
lendas.  Quem  assim  o  acreditar,  advirta  que 
houve  muitos  Viriatos;  e  que  ainda  não  está 
em  definitivo  assente  que  o  antigo  Hermínio 
corresponda  á  montanha  chamada  Serra  da 
Estrella.^ 

Com  vista  aos  crédulos  se- 
quases  de  Fr.  Bernardo  de 
Brito  e  do  dr.  Manuel  Botelho 
Ribeiro. 

1  Ao  todo  são  8  versos  em  latim,  dos  quaes 
damos  apenas  o  primeiro,  para  não  fatigar- 
mos os  leitores. 


1712  VIS 


VIS 


traes  neslas  casas  sagradas  do  Deus  Fauno, 
que  tem  pés  de  cabra,  lede  estas  palavras 
entalhadas  com  hua  mão  no  estilo  romano: 
aqui  jaço  eu  Euphorbião,  e  comigo  repousa 
Merchata.  Esta  foi  minha  irma,  minha  mãi, 
e  rainha  esposa.  Imaginais  que  isto  são  cou- 
sas fingidas?  Admirais-vos?  Cuidais  que  he 
isto  hum  animado  monstro  Sphinge?  São 
cousas  mais  verdadeiras,  que  a  Iripeça  Pi- 
Ihia.  A  mim  me  gerou  hum  pai  em  hua  fi- 
lha, com  a  qual  eu  casei,  e  assim  se  segue 
que  foi  minha  irmã,  minha  mulher,  e  mi- 
nha mãi.» 

Diálogos  de  Botelho,  loc.  cit. 

Por  ultimo  faz  rt^ferencia  a  outra  pedra 
que  appareceu  junto  da  povoação  de  Caver- 
nães,  freguezia  d'esle  concelho,  tendo  escul- 
pida uma  cabeça  de  touro,  como  as  encon- 
tradas em  Beja,  pelo  que  o  dr.  Botelho, 
apoiado  em  Duarte  Nunes  de  Leão,  i  sus- 
tenta que  Viseu  foi  colónia  romana,  porque 
o  emblema  das  povoações  romanas  que  ti- 
nham o  privilegio  de  colónias  era  a  cabeça 
de  um  touro,  por  ser  o  boi  principal  instru- 
mento da  lavoura.  2 

Prosigamos. 

Do  exposto  se  concluo  evidentemente  que 
Viseu  foi  cidade  e  cidade  muito  importante 
no  tempo  dos  romanos.  Prova-o  também  a 
fortalesa  romana  que  existiu  no  chão  onde 
hoje  vemos  a  Sé  e  as  suas  dependências, — 
fortalesa  de  que  já  fizemos  menção  em  tó- 
pico especial  e  quando  fallámos  da  Sé. 

Também  Viseu  com  cerlesa  já  existia  como 
cidade  ou  simples  povoação,  quando  Viriato 


1  Descripção  de  Portugal,  eap.  8.» 

2  A  península  foi  primeiramente  dividida 
pelos  romanos  em  2  províncias,— depois  em 
3— e  por  ultimo  em  5.  Subdividiam-se  as 
primeiras  em  districtos  ou  conventos,  onde 
residiam  as  auctoridades  administrativas, 
judieiaes  e  militares,— e  os  districtos  em  co- 
lónias, que  eram  as  povoações  mais  impor- 
tantes depois  dos  conventos.  Seguiam-se- 
Ihes  08  municípios;  depois  d'estes  as  povoa- 
ções confederadas;  depois  as  immunes  e  es- 
tipendiarias,—e  por  ultimo  as  contributos. 

Hist  de  Port.  de  Herculano,  tomo  I,  nasr. 

a/.  ..  '4K  »  r  D 


no  anno  146  ou  148  antes  da  nossa  era,  ^  ou 
durante  a  conquista  romana,  derrotou  junto 
da  Cava  o  pretor  Gaio  Negidio. 

Para  evitarmos  repetições  veja-se  o  tópico 
relativo  á  Cava.  Apenas  accresceniareraos  o 
que  diz  Rodrigo  Mendes  da  Silva,  loc.  cit. 
—que  Viseu  já  n'aquelle  tempo  era  cidade 
florentissima,  com  o  nome  de  Vico  Aquário, 
mas  isto  é  muito  duvidoso,  como  adiante 
provaremos. 

Também  é  certo  que  o  chão  da  cidade— 
ou  pelo  menos  do  concelho  de  Viseu— foi 
occupado  e  habitado  nos  tempos  pre-histo- 
ricos,— milhares  d'aonos  talvez  antes  do  nas- 
cimento de  Christo,  como  provam  evidente- 
mente  os  monumentos  megalithicos  d'aquel- 
la  época,  hoje  denominados  orcas,  arcas  e 
antas,  que  se  encontram  no  concelho  e  em 
volta  do  concelho  de  Viseu,  taes  são  as  or- 
cas de  Mondão  a  N.  ou  N.  E.,  e  as  de  Can- 
nas  de  Senhorim  a  S.;  as  antas  de  Penalva 
a  E.— e  o  dolmen  ou  anta  da  freguezia  do 
Arca,  no  concelho  de  Oliveira  de  Frjides,  a 
0.,— alem  doutros  muitos  monumentos  con- 
géneres que  ainda  hoje  St  encontram  dissi- 
minados  pela  Beira. 

Citaremos  aqui  os  2  penedos  batoiçantes 
apontados  pelo  sr.  Borges  de  Figueiredo  na 
sua  Revista  Archeologica  {q.°  1,  janeiro  de 
1888)  dos  quaes  se  encontra  um  na  quinta 
de  Carragozella,  freguezia  d'Espanz,  conce- 
lho de  Tábua,— e  outro  na  quinta  da  Torre 
do  sr.  visconde  de  Taveiro,  freguezia  de 
Lourosa,  a  5  kilometros  de  Viseu,  já  des- 
cripto  no  Conimbricense,  n.»  3910,  em  1883. 

Diz  o  sr.  Borges  de  Figueiredo  que  em 
Portugal  não  conhece  outros  penedos  batoi- 
çantes, mas  DÓS  conhecemos  mais  o  de  Pero 
Moleiro,  já  descripto  n'este  diccionario^  uo 
artigo  Villa  Nova  de  Tazem,  tomo  XI,  pag- 
887,  col.  2.«  in  fine. 

Também  sabemos  que  existiu  outro  na 
freguezia  d' Abragão,  concelho  de  Penafiel, 
no  quintal  das  casas  do  sr.  Valverde  de  Vas- 
conceitos,  mas  foi  despedaçado  ha  poucos  an- 
nos. 


*  Ha  2:034  a  2:036  annos,  pois  estamos 
em  1888. 


VIS 

V.  Abragão  do  supplemento  a  este  diecio- 
nario. 

Também  nos  dizem  ser  oicillante  um  pe- 
nedo que  eslà  na  freguezia  de  Forno  Te- 
lheiro, a  pouco  mais  de  2  kilomeiros  da 
egreja  matriz,  para  S.,  no  concelho  de  Celo- 
rico da  Beira,  não  longe  da  estação  d'aqaella 
Villa. 

Assenta  sobre  um  grande  penedo  nativo, 
no  qual  e  n'outros  penedos  próximos  se 
vêem  muitas  sepulturas  (talvez  mais  de  20) 
cavadas  a  pico  e  denominadas  peló  povo 
sepulturas  dos  mouros. 

Também  o  povo  denomina  penedo  de  S. 
Gens  o  tal  pretendido  penedo  oscillante,  que 
tem  um  formato  caprichoso;  de  comprimento 
máximo  9".50;  de  eircumferencia  no  centro 
5m  20— e  200  metros  cúbicos  de  pedra,  ap- 
proximadamente. 

Elie  está  firme,  mas  o  povo  assevera  que 
o  sente  oscillar  quem  sobe  ao  cimo  d'elle. 

Visto  do  lado  do  nascente  parece  uma  tu- 
lipa!... 

Aquelles  monumentos  são  attribuidos  aos 
celtas  ou  pre-celtas,  contemporâneos  dos  ibe- 
ros; uns  e  outros  vieram  da  Asia  para  a  pe- 
nínsula ibérica  em  tempos  a  que  não  pôde 
assignar-se  data,  mas  tão  remotos  que  o 
nosso  primeiro  historiador  diz  serem  muito 
próximos  da  infância  do  género  (huma- 
no ^  I ...  i 

Os  celtas  já  encontraram  na  península  os 
iberos  e,  depois  de  varias  luetas  uns  com  os 
outros,  congraçaram-se  e  formaram  um  só 
povo  com  a  denominação  de  celtiberos.  Oc- 
cuparam  estes  a  península  muitos  annos, 
muitos  séculos;  depois  vieram  da  Palestina 
(de  Canaan  a  terra  da  Promissão)  os  fení- 
cios, e  tanto  se  demoraram  na  península  e 
tão  grande  prestigio  gosarara  n'ella,  que  a 


VIS 


1713 


i  «Essas  primeiras  imigrações  da  Asia, 
iberos,  celtas,  ou  o  que  quiserem,  demasiado 
visinhas  da  infância  do  género  humano  para 
serem  numerosas,  atravessando  a  Europa 
sem  nenhuns  meios  artificiaes  de  transi- 
to,... » 

Hist.  de  Port.  tomo  I,  pag.  30. 


península  tomou  d'elle8  o  nome  de  Hespa 
nha,  bem  como  a  Lusitânia,  o  Tejo,  o  Gua- 
diana, ete. 

Depois  áOB  fenicios  vieram  os  gregos;  de 
pois  dos  gregos  vieram  os  cartagineses,  que 
também  onginariamecte  eram  fenícios;  de- 
pois dos  cartagineses  vieram  os  romanos; 
e  depois  dos  romanos  vieram  diíTerentes  po- 
vos bárbaros  do  norte,  sendo  os  godos  os 
últimos  d'estes,  aos  godos  succederam  os 
mouros  e  aos  mouros  outra  vez  os  godos  ou 
chrislãos. 

Os  fenícios,  segundo  diz  o  padre  Antonio 
Pereira  de  Figueiredo  nas  suas  Dissertações 
publicadas  no  tomo  9.»  da  Academia  Real 
das  Sciencias,  emigraram  para  a  Hespanha 
e  para  outras  regiões,  quando  foram  expul- 
sos da  Palestina  por  Jo8ué~1400  annos  ou 
talvez  mais  (diz  elle)  antes  do  nascimento  de 
Chrislo!  E  desde  quando  já  viveriam  na  pe- 
nínsula 08  celtas  e  os  iberos  ou  pre-celtas, 
cujos  nomes  se  ignorara  e  que,  segundo  sh 
suppõe,  foram  os  eonslructores  dos  monu- 
mentos megalíthicos  pre-hislorícos^. 

Não  podemos  responder  precisamente,  mas 
com  certesa  esses  povos  oceuparam  grande 
parte  da  Europa,  toda  a  peninsula  ibérica  e 
o  chão  que  hoje  se  denomina  Portugal,  in- 
cluindo o  território  de  Viseu.  Pode  muito 
bem,  pois,  dizer-se  que  Viseu  data  daquel- 
les  remotíssimos  tempos  pre-historicos,  mui- 
to anteriores  à  oceupação  dos  godos,  roma- 
nos, cartagineses,  gregos  e  fenícios. 

Também  pode  afoitamente  dizer- se  que  os 
gregos  habitaram  o  território  de  Viseu  e  de 
grande  parte  da  Beira,  como  prova  a  deno- 
minação de  orcas,  ainda  hoje  dada  na  Beira 
aos  dolmens,  pois  é  sabido  que  os  gregos 
denominavam  orcos  os  monumentos  funerá- 
rios, e  como  taes  são  geralmente  considera- 
dos os  dolmens. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  tópi- 
co supra,  relativo  aos  monumentos  pre-his- 
toricos,—e  os  artigos  Celtas,  Gravios  e  Lu- 
sitânia, eseriptos  pelo  meu  benemérito  an- 
tecessor e  cuja  responsabilidade  é  toda  d'elle. 


Nós  aceeitamos  a  continua- 
ção d'este  diceionario  depois. 


Í714  VIS 


VIS 


de  principiado  o  artigo  Vian- 
na  do  Castello. 
Suum  cuiquel. . . 

Nomes  dados  a  Viseu  e  sua  eiymologia 

Os  auetores  gregos  e  romanos  Iraclaram 
muito  perfunetoriamenle  da  parte  oeciden- 
tal  da  península  ibérica,  por  ser  n'aquelle 
tempo  a  parte  mais  remota  do  mundo  co- 
Dheeido,  e  o  silencio  ou  laconismo  d'aquel- 
les  geograplios  com  relação  a  Viseu  levou  a 
imaginação  de  vários  auetores  modernos  a 
darem  a  esta  cidade  differentes  nomes,  por  ' 
não  saberem  com  certesa  qual  foi  o  seu  no- 
me primitivo.  Uns  dizem  que  se  chamou  j 
Lancia,  outros  Verurium,  outros  Vico  Aquá- 
rio, outros  Visontium,  outros  Visonium  e 
outros  finalmente  Vacca;  mas  não  funda- 
raenlam  bem  as  suas  opiniões,  pelo  que  não 
podemos  subscrever  nenhuma  d'ellas. 

Segundo  diz  o  sábio  cónego  Berardo  (Li- 
beral n."  1  de  6  de  maio  de  1857)  Lancia, 
que  Pto4omeu  colloca  entre  Salamanca  e  o 
rio  Douro,  distava  muito  de  Viseu;  Veru- 
rium, segundo  o  mesmo  auetor,  approxima- 
va-se  mais  da  situação  de  Viseu,  mas  hoje 
os  homens  doutos  reputam  aquelle  geogra- 
pho  como  pouco  auctorisado. 

No  roteiro  de  Antonino  Pio  encontrou-se 
o  nome  de  Vico  Aquário,  mas  no  caminho 
de  Astorga  para  Saragoça,  muito  longe  de 
Viseu. 

O  dr.  Botelho  nos  seus  Diálogos  cita  a 
opinião  dos  que  pretendem  que  Viseu  foi  a 
cidade  de  Visoncio,  más  refuta  essa  opinião 
dizendo  que  Ptolomeu  situa  Visoncio  nos 
Pelendones  da  província Tarraconense,  mui- 
to longe  da  nossa  cidade  de  Viseu, 

Berardo,  na  sua  interessante  memoria  la- 
tina, ainda  ms., — Ecclesiae  Visonensis  Epi- 
tome  ad  usum  auditorii  Seminarii  Episcopa- 
lis  ejusdem  Ecclesiae,  Visonio,  1855,— traduz 
Viseu  por  Visonium,  mas  não  sabemos  em 
que  se  fundou. 

Esta  memoria  é  completamente  desconhe- 
cida em  Viseu,  mas  não  póde  duvidar-se  de 
que  é  do  sábio  cónego  Berardo,  porque  nós 
â  possuímos  autographa,  escripta  por  elle 


próprio.  Foi -nos  oíTerecida  com  oulr(js  rass. 
pelo  nosso  bom  amigo  e  coUega  o  rev.  sr. 
Fortunato  Casimiro  da  Silveira  e  Gama, 
natural  da  cidade  da  Figueira,  educado  em 
Viseu  e  actualmente  abbade  de  Quinchães, 
em  Fafe. 

Parece  que  o  auetor,  sendo  mestre  de  la- 
tim no  Seminário  visiense,  propoz-se  fazer 
ali  também  prelecções  sobre  a  historia  e  an- 
tiguidades de  Viseu  e  que  para  isso  escre- 
veu aquella  memoria,  espécie  de  compendio. 
Está  em  boa  caligraphia,  sem  emendas,  bor- 
rões nem  entre  linhas;— comprehende  6  ca- 
pítulos e  90  pag. — e  fórma  um  pequeno  li- 
vro em  8."  ms.,  encadernado  e  bem  traeta- 
I  do.  Segue-se  no  mesmo  livro  outra  memo- 
ria de  Berardo,  também  autographa  e  iné- 
dita:— Noticias  sobre  a  vida  e  obras  do  pin- 
tor Grão  Vasco  de  Vizeu,  Ribafeita,  27  de 
outubro  de  1849  (era  então  ali  abbade  o  au- 
etor)—e  fecha  o  livrinho  uma  Dissertação, 
também  ms.  e  inédita,  sobre  a  verdadeira 
intelligencia  da  palavra  Delicio,  que  se  en- 
contra na  XX  Fabula  de  Fedro,  Liv.  3.°,  es- 
cripta por  Manuel  Bernardes  Dias,  professor 
de  graramatiea  e  lingua  latina  no  Seminário 
visiense,  em  resposta  a  outra  do  mestre  ré- 
gio de  Viseu  sobre  o  mesmo  assumpto.  É 
uma  Dissertação  curiosa,  muito  bem  escri- 
pta e  muito  interessante,  mas  não  menos  in- 
teressantes são  as  duas  memorias  de  Berar- 
do, das  quaes  a  segueda,  a  pedido  nosso,  foi 
recentemente  publicada  no  jornal  visiense  o 
Viriato,  n.o  3:350  de  21  de  janeiro  de  1888, 
e  no  Districto  de  Vizeu,  n.»  857  e  seguintes, 
de  25  e  29  de  janeiro,  1  e  5  de  fevereiro  de 
1888. 

No  tópico  relativo  a  Grão  Vasco  volvere- 
mos a  fallar  da  dieta  memoria  e  talvez  que  a 
transcrevamos  na  sua  integra. 

«O  nome  de  Vacca  que  alguns  deram  a 
Vizeu  fundados  em  tradições  falliveis,  e  se- 
melhanças mal  concebidas— diz  o  mesmo  sá- 
bio cónego  Berardo  * — tem  comliido  alguma 
especialidade,  por  estar  próxima  ao  rio  Vou- 
ga, que  Ptolomeu  nomeou  Vaccum,  e  Es- 


1  Liberal,  loc.  cit. 


VIS 


VIS  1715 


trabão  Voem;  porem  he  huma  applicação 
gratuita,  porque  estes  geographos  fallão  do 
rio,  e  nenhum  menciona  povoação  assim 
chamada  por  estes  siiios.  O  testemunho  de 
Santo  Izidoro  de  Sevilha  quasi  que  vem  des- 
truir de  todo  esta  conjectura,  quando  uos 
aflfirma  que  Vacca  fôra  huma  cidade  situada 
perto  dos  Pirineos,  d'onde  veio  o  nome  aos 
povos  Vacceos  da  antiga  provincia  Tarraco- 
nense.  Vacca  oppidum  fuitjmta  Pyreneum, 
a  quo  sunt  cognominali  VacceL 
Etimologiae,  Lib.  9,  cap.  2.» 
E'  isto  o  que  diz  Berardo,  mas  o  dr.  Bo- 
telho 1  dá  largas  à  sua  fantasia,  esforçando- 
se  por  mostrar,  1.»  que  Viseu  foi  a  cidade  de 
Vacca;  2.»  que  a  cidade  de  Vacca  esteve 
dentro  da  Cava;  3.«  que  o  nome  de  Cava  é 
corrupção  de  Vacca;  4.°  que  o  rio  Vouga  to- 
mou o  nome  da  pretendida  cidade  de  Vacca, 
— e  insurge-se  contra  Gaspar  Barreiros  por 
afflrmar  (diz  Botelho)  que  o  rio  Vouga  tomou 
o  nome  da  cidade  de  Vacca,  mas  que  esta 
demorava  junto  da  villa  de  Vouga.  * 

Botelho  também  diz  que  passados  2  annos 
depois  que  Viriato,  o  grande  capitão  lusi- 
tano, foi  assassinado  por  ordem  de  Scipião, 
sendo  este  chamado  a  Roma,  lhe  succedêra 
no  governo  Décio  Jnnio  Bruto;— que  foi  este 
quem  mandou  edificar  a  fortalesa  romana  da 
Sé,  Ducleo  da  cidade  actual;— que  lhe  poz 
(?)  o  nome  de  Viso,  por  estar  no  alto  ou  viso 
da  encosta  fronteira  e  sobranceira  á  cidade 
de  Vacca,  hoje  Cava,  da  qual  a  nova  forta- 
lesâ  fleou  sendo  como  aviso  ou  atalaia — e 
que  d'aqui  proveiu  o  nome  de  Viseu  à  nova 
cidade,  a  cidade  actual,— e  o  velho  annexim 
Viseu,  aviso  teu,  ou  aviso  é  teu. « E  tão  bem 
soube  ella  guardar  seu  nome,  que  nem  em 
tempos  de  Godos,  ou  Mouros  o  deixou  per- 
der; e  com  haver  corrupção  em  todos,  só 
elle  não  mudou,  inda  que  se  lhe  accrescen- 


1  Diologo  1°  cap.  10—16,  pag.  59-92 
{?!...)  no  Códice  de  Girabolhos. 

2  V.  Vouga,  rio  e  viila,  e  Vácua  na  inte- 
ressante publicação  Oppida  Reslituta  do  sr. 
Antonio  Cardoso  Borges  de  Figueiredo. 


lou  um  E,  denotando  que  Viseu  he  e  sem- 
pre será  / . . . » * 

Ditosa  pátria  que  tal  filho  teve. 

Esta  etymologia  honra  o  estro  de  Botelho. 
Está  bem  pmtada  e  seduz;  mas  eu  quisera 
que  elie  para  auctorisar  os  seus  versos  citas- 
se algum  geographo  romano  que  desse  o 
nome  de  Viseu  k  cidade  em  questão,  pois 
mais  natural  parece  que  de  viso  se  formasse 
antes  o  nome  de  Visontium  ou  Visoncio^ 
dado  por  Ptolomeu  a  uma  cidade  romana  da 
península,— OQ  o  de  Visonium  ou  Visonio, 
dado  a  Viseu  por  Berardo;  e  bem  podia  ser 
que  de  Visoncio  ou  Visonio  se  formasse  com 
o  tempo  Viseu. 

Tudo  isto  é  questão  lanae  caprinae,  mas, 
como  alguém  lhe  dá  importância,  seja-nos 
licito  offerecer  aos  amadores  da  especiali- 
dade um  thema  novo  para  novas  disserta- 
ções : 

É  innegavel  que  muitas  povoações  do  nos- 
so paiz  e  da  península  tomaram  o  nome  de 
personagens  romanos,  suevos,  godos  e  moi- 
ros. Podíamos  citar  grande  numero  d'es8as 
povoações,  porque  já  temos  organisada  uma 
lista  d'ellas,  mas,  como  este  artigo  vae  já 
muito  longo  e  este  diccionario  quasi  no  fim, 
no  supplemento  as  indicaremos,  se  Deus  nos 
der  vida  e  saúde  e  o  diccionario  ainda  esti- 
ver a  nosso  cargo.  Aqui  apenas  diremos  que 
em  muitos  documentos  dos  mais  antigos  que 
chegaram  até  nós,— documentos  aulhentieos 
dos  séculos  x  e  xi,  repetidas  vezes  se  encon- 
tra Visoi,  como  nome  próprio  d' homem,  entre 
as  assignaturas  das  testemunhas  que  firmam 
aquelles  documentos. 

Não  fantasiamos,  como  pode  ver-se  no 
Portugaliae  Monumenta  Histórica,  tit.  Di- 
plomata et  Chartae,  onde  se  encontram  na 
sua  integra  todos  os  documentos  que  vamos 
citar,  taes  são  o  documento  n."  16  do  anno 
908,  a  pag.  11;  o  documento  n.«  103  do  an- 


1  Jnalogo  1."  cap.  13  in-fine. 

Finis  coronal  opus  I . . . 

A  pátria  do  dr.  Botelho  não  pôde  ter  a 
sorte  que  tiveram  Tróia,  Thebas,  Cartago, 
Babilónia,  Sagunto,  etc. 


1716  VIS 

no  972,  a  pag.  67;  o  documento  n.'  108  do 
anno  973,  a  pag.  68;  o  documento  n."  163 
do  anoo  991,  a  pag.  lOi; »  o  documento  n.» 
165  do  anno  992,  a  pag.  102,2— e  o  docu- 
mento n."  342  do  anno  1045,  a  pag.  211. 

Do  exposto  se  vê  claramente  que  Visoi  ou 
Vizoy  era  nome  próprio  d'homem  e  nome 
ainda  muito  vulgar  nos  séculos  x  e  xr,  o  que 
leva  a  crer  que  este  nome  foi  usado  nos  sé- 
culos anteriores,  talvez  durante  a  occupação 
dos  suevos,  godos  e  mouros.  Ê  pois  muito 
possível  que  Viseu  tomasse  o  nome  d'algum 
personagem  assim  deDominado,  como  d'ou- 
tros  personagens  romanos,  suevos,  godos  e 
mouros  tomaram  o  nome  outras  muitas  po- 
voações de  Portugal  e  da  península. 

Claudile  jam  rivos  pueri;  sat  prata  bibe- 
runt. 

Também  o  concilio  de  Lugo,  celebrado  na 
era  de  607,  deu  ao  bispado  do  Porto  25  fre- 
guezias,  sendo  uma  d'ellas  denominada  Vi- 
sea,  mas  difíerente  de  Viseu. 

V.  Memorias  d'Argoíe,  tomo  2."  pag.  698, 
804  a  807. 

Local  de  Viseu 

Ignora-se  onde  esteve  esta  cidade  até  à 
fundação  da  Cava  de  Viriato  pelos  annos 
146' antes  do  nascimento  de  Christo,  posto 
que  Viseu,  como  dissemos  no  tópico  antece- 
dente, já  então  contava  muitos  séculos,— 
milhares  d'annos  talvez,— como  cidade,  ou 
simples  povoação,  ou  aggregado  de  povoa- 
ções. 

As  noticias  mais  remotas  do  local  que  oe- 
cupou  referem-se  á  Cara  e  diz-se  que  d'ali 
se  transferira  para  o  local  hodierno,  depois 
que  Décio  Junio  Bruto  mandou  fortificar  o 
bairro  da  Sé;  mas  não  nos  satisfaz  esta  opi- 
nião. 

Suppomos  que  o  bairro  da  Sé  foi  habitado 
muito  antes  da  construcção  da  Cava,  por- 
que o  chão  da  Cava  era  fundo,  abafado,  pla- 
no, alagadiço,  insalubre,  nada  defensável  an- 


í  N'este  documento  assignam  Vizoi  As- 
trulfizi,  filho  de  Astrulfo,—e  Fredenando  Vi- 
zoizi—Fermnáo,  filho  de  Vizoi. 

2  Weste  documento  assigna  Vizoy. 


VIS 

I  tes  d'aquellas  obras  de  defesa,  e  por  conse- 
I  quencia  impróprio  para  ura  grande  povoa- 
do, emquanto  que  o  bairro  da  Sé  foi  sempra 
alto,  arejado,  enchuto,  vistoso  e  muito  de- 
fensável, mesmo  para  aquelles  tempos.  Alem 
d'isso,  .«abemos  que  os  lusitanos,  celtas  e  cel- 
tiberos habitavam  de  preferencia  as  encos- 
tas e  os  siiios  altos  e  n'elles  costumavam  eri- 
gir templos  e  fazer  castros,  como  depois  fi- 
zeram os  romanos,  pois  é  crença  geral  que- 
muitos  castros  romanos,  de  que  ainda  hoja 
se  vêem  claros  vestígios  em  muitos  curutos 
de  Portugal  e  da  península,  haviam  sido  an- 
teriormente oecupados,  habitados  e  d'algum 
modo  fortificados. 

Vejam-se  os  tópicos  relativos  á  Cava  de 
Viriato  e  á  Fundação  e  antiguidade  de  Vi- 
seu, bem  como  o  tópico  infra. 

Veja-se  também  o  que  disse.  Antonio  do 
Carmo  Velho  de  Barbosa  na  sua  Memoria 
relativa  ao  Mosteiro  de  Leça,  pag.  75  e  segg., 
onde  falia  do  castro  de  GuifÕes,  que  suppòe 
ter  sido  ara  céltica,  antes  de  ser,  se  é  que 
foi,  castro  romano.  Também  caracterisa  co- 
mo celta  ou  pre  celta,  a  ponte  actual  de  Gui- 
fÕes, mas  nós  já  a  visitámos  e  podemos  af- 
fiançar  que  é  muito  posterior  aos  celtas  e 
mesmo  aos  romanos  e  árabes. 

V.  GuifÕes  n'este  diccíonario  e  no  supple* 
mento,  oode  tencionamos  ampliar  conside- 
ravelmente aquelle  artigo. 

Respeitamos  muilo  o  sábio  académico  Ve- 
lho de  Barbosa,  mas  aliquando  dormitai  Ho- 
merus 

Captiveiro  e  conquistas  de  Viseu 

Esta  península  e  o  nosso  paiz  foram  desda 
os  tempos  mais  remotos  theatro  constante  de 
luctas  e  guerras  medonhas,  já  entre  os  ibe- 
ros e  os  povos  anteriores  (não  sabemos  quaes 
foram  esses  povos  ou  os  aborígenes,  primei- 
ros habitantes  da  península)— já  entre  08. 
celtas  e  os  iberos  até  que  se  congraçaram  e 
tomaram  o  nome  commum  de  celtiberos 


1  Note-se  que  os  celtas  comprehendiam 
nada  menos  de  80  povos  differenles,  como  já 
dissemos,  appoiados  em  Herculano. 


VIS 


VIS  1717 


Vieram  depois  as  guerras  entre  estes  e  os  I 
fenícios;  depois  novas  guerras  entre  aquel- 
les  tres  povos  e  os  gregos;  seguiram-se  ou- 
tras entre  estes  quatro  povos  e  os  cartagi- 
neses, até  que  estes  se  assenhoriaram  da  pe- 
Dinsula. 

Vieram  depois  as  guerras  entre  os  roma- 
nos e  os  habitantes  da  peninsula  que  eram 
in  iho  tempore  uma  amalgama  de  iberos, 
celtas,  fenícios,  gregos  e  cartagineses.  Foi 
uma  tremenda  lucta  que  durou  nada  menos 
de  dois  séculos,  no  fim  dos  quaes  os  roma 
nos  Acaram  senhores  da  península  e  a  oc- 
cuparam  muito  tempo,  elevando-a  ao  mai? 
alto  grau  d'esplendor  e  civílisação  que  até 
ali  tinha  attingido. 

Vieram  depois  no  anno  405  os  siliogos, 
suevos,  alanos  e  vândalos,  bárbaros  do  norte, 
que  assolaram  completamente  a  península  e 
fizeram  recuar  a  civílisação  romana,  eclí- 
psando-a  por  muitos  séculos,  cerca  de  1:000 
annos — pois  talvez  que  a  península  só  no  fim 
da  idade  media,  ou  nos  princípios  do  século 
XVI,  attingisse  o  grau  de  esplendor  e  civíli- 
sação a  que  os  romanos  a  tinham  eleva- 
do?!... E  em  quanto  a  viação  publica  foi 
maior,  muito  maior  ainda  o  eclipse,  porque 
só  depois  do  meiado  d'este  século  xix,  ou 
passados  1:450  annos,  a  viação  de  Portu- 
gal e  da  península  pôde  equiparar-se[á  via- 
ção romana  I . . . 

Foram  muito  sanguinolentas  e  muito  pro- 
longadas as  guerras  já  entre  aquelles  povos 
bárbaros  e  os  romanos,  já  entre  os  bárbaros 
uns  com  os  outro;*,  até  que  prevaleceram  os 
godos  no  domínio  da  península  e  esta  respi- 
rou algum  tempo;  mas  no  século  viu  com  a 
invasão  dos  mouros  volveu  outro  período  de 
guerras  assoladoras,  já  enire  os  mouros  e  os 
ehristãos,  já  entre  os  mouros  uns  com  os  ou- 
tros, já  entre  os  ehristãos  também,  pois  ao 
reino  das  Astúrias  ou  de  Leão,  o  primeiro 
que  se  formou  entre  os  ehristãos  da  penin- 
sula depois  da  invasão  árabe,  aeeresceram 
os  reinos  de  Aragão,  Castella,  Navarra,  Gal- 
lisâ,  Portugal  e  Valencia,  e  só  depois  de  gran- 
des luctas  se  fundiram  todos  em  um  só,  com 
o  nome  de  Hespanha,  conservando  única- 
mente  Portugal  a  sua  autonomia  desde  os 


princípios  do  século  xii  (1139)  até  hoje,  o 
que  parece  favor  da  Providencia,  pois  com- 
prehendendo  Portugal  desde  o  seu  começo 
uma  pequena  parte  da  península,  sustentou 
sempre  guerra  viva— primeiramente  contra 
o  potentado  de  Leão  e  contra  n  dos  mussui- 
manos,  não  inferior  ao  de  Leão— e,  depois 
de  expulsos  os  mouros,  fleou  por  assim  di- 
zer em  guerra  aberta  com  toda  a  Hespanha 
até  1668,  sendo  a  Hespanha  4  a  6  vezes  su- 
perior a  Portugal  em  população  e  territó- 
rio e  empenhando  na  lueta  contra  nós  os 
seus  melhores  generaes  e  grandes  exérci- 
tos !  Ainda  posteriormente  quíz  renovar  a 
guerra,  mas  desistiu,  lembrando-se  das  li- 
ções da  historia  e  das  batalhas  d' Aljubar- 
rota, Linhas  d'Elvas,  Ameixial,  Castello  Ro» 
drigo,  Montes  Claros,  ele.  etc. 

Parece  que  a  Providencia  (repito)  tem  si- 
do até  hoje  por  nós,  pois  humanamente  mal 
se  explica  o  facto  de  estarmos  ainda  hoje  in- 
dependentes e  de  havermos  levado  a  nossa 
bandeira  até  os  confins  da  Asia— e  de  ha- 
vermos creado  na  America  do  sul  um  gran- 
de império,— o  império  do  Brazíl,  hoje  inde- 
pendente {graças  ao  senhor  D.  Pedro  iF.  -  >) 
mas  que  ainda  falia  o  porlúguez,  como  pro- 
va do  longo  domínio  de  Portugal  sobre 
aquelle  vasto  império. 

Do  exposto  se  vê  que  a  peninsula  e  Por- 
tugal teem  sido  eon^taote  theatro  de  guer- 
ras— e  as  mais  sanguinolentas  de  todas  fo- 
ram as  dos  bárbaros  do  norte,  destruição  das 
Hespanhas. 

Foram  muito  sanguinolentas  as  dos  mou- 
ros, mas  ao  menos  os  mouros  eram  bastante 
civilísados,— muito  mais  tolerantes  e  mais 
civitisados  do  que  os  godos  ou  ehrisiãos  que 
encontraram  na  península  e,  se  os  mouro» 
n'ella  se  conservassem  e  os  deixassem  viver 
pacificamente,  a  nossa  religião  soffria,  mas 
a  península  talvez  lucrasse  e  adiantasse  em 
civílisação, — no  commercio,  na  agricultura, 
nas  artes  e  mesmo  nas  lettras,—màh  do  que 
adiantou  nos  séculos  ímmediatos  á  expulsão 
d'elle8l. . . 

Ao  norte  do  nosso  paiz  poucos  vestígios 
deixaram  da  sua  occupção,  porque  esta  foi 
transitória  e  muito  atribulada,  mas  ao  sul, 


1718  VIS 


VIS 


principalmente  na  Andalusia,  onde  se  demo- 
raram mais  tempo  e  viveram  mais  tranquil- 
los,  edifiearara  sumptuosos  templos,  castel- 
los  e  palácios,  deram  grande  impulso  às  ar- 
tes e  sciencias  e  melhoraram  consideravel- 
mente a  agricultura,  fazendo  canaes  de  irri- 
gação, etc. 

Mesmo  ao  norte  do  nosso  paiz  ainda  no 
século  XVI,  quando  D.  Manuel  impolitiea- 
mente  e  barbaramente  os  expulsou  de  en- 
volta com  os  judeus,  elles  eram  os  nossos 
melhores  e  por  assim  dizer  únicos  artistaS' 
pelo  que  muitas  das  nossas  fabricas  e  oíBei- 
nas  sotTreram  com  a  expulsão  d'elles. 

É  pois  um  preconceito,  uma  flagrante  in 
justiça,  um  erro  crasso  dizer-se  que  a  civi- 
lisação  d'elles  era  embrionária,  como  teem 
dicto  vários  escriptores  nossos. 

Foram  muito  illustrados  e  muito  amantes 
das  leitras  alguns  dos  reis  de  Cordova,  prin- 
cipalmente o  grande  mathematico  Mohamed, 
fallecido  no  anno  de  886, — Abderrahman,  o 
poderoso  emir-al  muminim, — e  seu  filho  e 
sueeessor  El-Hakem.  Este  ultimo  falleceu  no 
anno  da  976  e  deixou  uma  bibliotheea  de 
quatrocentos  mil  volumes,  ajuntada  porelle, 
— como  diz  Alexandre  Herculano,  Hist.  de 
Port.  tomo  I,  pag.  79. 

Talvez  que  ainda  hoje, — em  pleno  século 
XIX,  por  exceiiencia  o  século  das  luzes, — não 
haja  em  toda  a  península  bibliotheea  mais 
numerosa  e,  attendendo  á  baratesa  actual  dos 
livros  e  á  carestia  d'elles  in  illo  tempore,  com 
ceriesa  custou  mais  e  muito  mais  a  biblio- 
theea do  mouro  El-Hakem,  do  que  a  melhor 
bibliotheea  actual  da  península — e  talvez  da 
Europa?  I. . . 

Portugal  e  a  península  soffreram  muito 
cóm  a  invasão  dos  mouros  e  com  as  guer- 
ras continuas  até  á  expulsão  d'elles,  mas  sof- 
freram mais  e  muito  mais  com  a  invasão  dos 
bárbaros  do  norte  e  com  as  guerras  que  se 
seguiram  até  que  os  godos  firmaram  o  seu 
império  na  península. 

«A  irrupção  dos  bárbaros— diz  Hercula- 
no    foi  assignalada  por  todo  o  género  de 


1  Hist.  de  Port.  tomo  I,  pag.  28* 


devastações.  Morreu  gente  innumeravel  no 
primeiro  ímpeto  antes  que  os  ferozes  con- 
quistadores escolhessem  as  províncias  em 
que  se  haviam  de  fixar.  Á  guerra  associa- 
I  ram-se  a  peste  e  a  fome.  Chegou  o  povo  á 
miséria  horrível  de  devorar  carne  humana, 
e  as  mães  cevarem -se  nos  cadáveres  dos  fi- 
lhos. As  bestas  feras  saiam  dos  bosques,  e 
affeitas  á  carniça  dos  mortos,  avançavam  a 
tragar  os  vivos.  Então  os  bárbaros  dividiram 
entre  si  este  paiz  convertido  quasi  n'wm  er- 
mo... 

«Mas  o  povo  que  devia  substituir  esta  pri- 
meira alluviãoi  e  estabelecer  o  seu  domi- 


!  1  Os  vândalos  e  suevos  tinham  occupado 
'  o  que  hoje  chamamos  Castella  Velha  e  a 
Gallisa;  os  alanos  a  província  lusitana  e  a 
cariaginense;  e  os  siJingos,  tribu  vândala, 
parte  da  Betica,  hoje  Andaluzia;  mas,  pouco 
depois  da  invasão  dos  godos,  Walia,  rei  d'es- 
tes  e  sueeessor  de  Attahulfo,  atacou  os  ala- 
nos da  Lusitânia  e  os  silingos  da  Betica  e, 
depois  de  uma  lucta  cruel  de  tres  annos, 
obrigou  os  que  sobreviveram  à  destruição 
da  sua  raça,  a  bu:*earera  na  Gallisa  o  am- 
paro dos  suevos.  Walia  fez  paz  com  o  impe- 
rador romano  Honorio,  pelo  que  os  godos, 
n'estas  guerras,  eram  considerados  auxilia- 
res do  império. 

Incorporados  os  alanos  e  silingos  com  03 
suevos,  estes,  posto  que  independentes  de 
facto,  reconheceram  a  supremacia  de  Roma, 
e  08  godos  contentaram-se  com  o  domínio  do 
sul  das  Gallias. 

A  paz  era  todavia  impossível.  Os  vândalos 
começaram  logo  uma  como  guerra  civil  com 
os  suevos,  que  os  desbarataram,  e  elles, 
obrigados  a  deixar  a  Gallisa,  precipitaram- 
se  dè  novo  sobre  a  Betica. 

D'ali,  passados  tempos,  transportaram-se 
para  a  Africa,  restando  apenas  na  Hespanha 
os  suevos,  a  que  se  haviam  incorporado  os 
diminutos  restos  dos  alanos,  exterminados 
por  Walia.  Logo  que  os  vândalos  deixaram 
a  Europa,  os  suevos  começaram  a  dilatar  o 
seu  império  sobre  a  Lusitânia  e  Betica  até 
que,  depois  de  continuas  guerras  com  os  ro- 
manos e  com  os  godos,  que  vieram  substi- 
tuir os  romanos  no  domínio  da  Hespanha, 
chegaram  por  fim  a  íncorporar-se  na  monar- 
chia  goihica,  em  tempo  de  Leowígildo,  e 
assim  se  conservaram  até  o  anno  714,  data 
da  invasão  dos  mouros. 

V.  Herculano,  loc.  cit.;  n'este  diccionarío 
Godos  e  Suevos,— e  n'este  art.  Viseu  os  tópicos 
S.  Miguel  do  Fetal  e— Tumulo  de  D.  Rodri- 
go, pag.  156S  e  segg. 


VIS 


VIS  1719 


Dio  de  tres  séculos,  não  tardou  a  transpor  os 
Pyrenéus.  Os  wisigodos,  capitaneados  por 
Attaulfo,  invadiram  a  Peninsula.  Por  alguns 
annos  durou  a  guerra  d'e9tes  eom  os  pri- 
meiros invasores;  guerra  d' extermínio,  qual 
devia  ser  entre  gente  feroz,  e  de  que  ainda 
forçosamente  foi  vietima  uma  parle  d'esses 
rareados  restos  da  antiga  população. . . 

«A  população  h'spano-romanadesappare- 
cêra,  em  grande  parte,  debaixo  das  espadas 
implacáveis  dos  bárbaros  .... 

t. ..  os  habitantes  da  Peninsula,  debaixo 
do  nome  de  godos,  constituíam  uma  só  na- 
ção quando  a  conquista  árabe  veiu  confun- 
dir ainda  mais,  se  é  possível,  esta  mistura 
inextricável  de  homens  de  muitas  e  diver- 
sas origens.» 

Portugal  soffreu  muito  com  a  invasão  e 
oecupação  dos  bárbaros,  mas  qual  seria  a 
sorte  da  cidade,  da  diocese  e  do  districto  de 
Viseu,  durante  aquelle  periodo  tão  calami- 
toso? 

Nada  sabemos  da  parte  que  lhes  tocou 
mas  com  certesa  soffreram  lambem  muito, 
çois  dos  fragmentos  que  nos  restam  das 
actas  do  concilio  de  Lugo,  celebrado  no  an- 
flo  560  por  ordem  de  Theodomiro,  rei  suevo, 
o  bispado  de  Viseu  n'aquella  data  eompre- 
hendia  approximadamente  o  mesmo  territó- 
rio actual,^  mas  estava  quasi  deserto.  Ape- 
nas coniAvsi  nove  freguezias  11. . .  Adiante 
asmencioQaremos  e  explanaremos  este  ponto 
no  tópico  relativo  ao  Bispado  de  Viseu. 

Depois  da  invasão  dos  mouros  em  1714  2 
jájemos  algumas  notieias^mais  d*esta  cida- 
de e  das  hecatombes  de  que  foi  viciimarpois 
foi  tomada  e  retomada  pelos  christãos  e  pe- 
los mouros  muitas  vezes.  Occorrem-nos  as 
«eguintes : 

Pelos  mouros,  não  sabemos  quando. 

Por  D.  Affonso  I,  o  catholico,  das  As- 
túrias, no  anno  734,  segundo  se  lé  na  Chor. 


1  Era  ainda  mais  extenso  talvez,  pois  com 
prehendia  o  território  que  em  1770  passou 
para  o  bispado  de  Pinhel. 

2  Referimo-nos  sempre  ao  anno  do  nasci- 
mento  de  Christo,  quando  nas  datas  não  po- 
sermos  o  termo  era. 


Port.  tomo  II,  pag.  178,  mas  foi  um  dos  mui- 
tos lapsos  do  padre  Carvalho,  pois  aquelle 
rei  governou  de  739  a  753 1 .  .  ^ 

3.  *— Por  Abderraman,  rei  de  Cordova,  no 
anno  757,— diz  o  mesmo  padre  Carvalho  loc. 
cit. 

4.  »— Por  D.  Fruela  I,  rei  das  Astúrias,  suc- 
cessor  de  D,  Affonso  I. 

Ignoramos  a  daia  d'esta  conquista,  mas 
devia  ser  em  753  a  766,  pois  foi  este  o  pe- 
riodo do  governo  de  D.  Fruela  2. 

5.  »— Por  Mauregato  (filho  bastardo  de  D. 
Affonso  I  o  catholico)  em  783  a  789,  com  o 
auxilio  do  rei  de  Cordova,  a  quem  promet- 
teu  o  fôro  das  100  donzellas,— diz  Carvalho 
e  acerescenta  que  Mauregato  possuiu  Viseu 
8  annos,  mas  não  pode  ser,  porque  Maure- 
gato reinou  apeaas  7  annos,  de  783  a  789. 

V.  Carvalho,  loc.  cit. — e  n'este  diecionario 
J  0. artigo  Figueiredo  das  Donas, 
I  6.»— Pelos  mouros,  não  sabemos  quando. 
!  7.*— Por  Carlos  Magno,  vindo  á  Hespanha 
em  auxilio  de  D.  Bernardo  I  de  Leão,  que 
1  reinou  de  789  a  791. 
I    Carvalho,  loc.  cit. 

8.  »— Pelos  mouroSj  em  cujo  dominio  este- 
ve até  o  anno  de  803, — diz  Carvalho. 

9.  »— Em  803  por  D.  Affonso  II,  o  casto,  de 
«  Leão. 

í    10.«— Em  811  por  Aliathan,  rei  de  Cor- 
i  dova,  ficando  no  dominio  dos  mouros  atê  o 
\  anno  de  842,-— segundo  diz  Carvalho, 
í    11.»— Em  842  por  D.  Ramiro  I  de  Leão, 
que  a  tomou  deixando  tributário  o  mouro 
Iben-Rages,  governador  d'ella,  mas  pouco  de- 
pois, constando-lhe  que  o  dicto  mouro  se 
bandeara  com  outros  alcaides  mouros  con- 
tra os  christãos,  D.  Ramiro  voltou  sobre  Vi- 
seu, desbaratou  o  dicto  mouro  e  destruiu 
completamente  a  cidade,  ficando  só  em  pé  a 
fortalesa  romana  com  as  2  torres,  mas  o  bis- 
po de  Salamanca  Sebastiano,  depois  de  obter 
licença  de  D.  Ramiro,  mandou  reedificar  Vi- 
seu e  lhe  deu  por  armas  o  castello  de  Gaya 


í  O  padre  Antonio  P.  de  Fig.  no  seu  inte- 
ressante livriuho  Compendio  das  Datas,  pro- 
longa este  reinado  até  o  anno  757. 

^  P.  de  Figueiredo,  loc.  cit.  prolongou  este 
reinado  até  o  anuo  768. 


1720  VIS 


VIS 


com  o  rio  Douro,  ...  em  memoria  do  facto, 
(?)  que  ali  se  passou  com  D.  Ramiro. 

Em  resumo  é  isto  o  que  diz  Carvalho, 
mas  não  podemos  acceitar  na  integra  tal 
asserto,  porque  o  D.  Ramiro  da  lenda  foi 
D.  Ramiro  II,  que  governou  de  93 i  a  950. 

Vejam-se  os  tópicos  supra— S.  Miguel  do 
Fetal  e—Tnmulo  de  D.  Rodrigo— pag.  1565 
e  segg. 

11.  »— Por  Abdela,  rei  de  Cordova,  que  a 
tomou  não  sabemos  quando,  e  a  teve  ape- 
nas 39  dias. 

Carvalho,  loc.  cit. 

12.  »—  Por  D.  Affonso  III,  o  magno,  de  Leão, 
que  a  tomou  ao  dicto  mouro  não  sabemos 
quando,  mas  devia  ser  pelos  annos  de  862  a 
910,  reinado  do  dicto  D.  Affonso. 

13.  '— Por  Almançor,  rei  de  Cordova,  no 
tempo  de  D.  Bermudo  II  de  Leão— 982  a 
999. 

Este  Almançor  destruiu  Viseu  também 
completamente,  poupando  apenas  as  2  torres 
romanas;  mais  tarde  porem  os  mesmos  mou- 
ros reedificaram  a  cidade  e  a  possuíram  até 
o  anno  de  1058,— segundo  diz  Carvalho,  loc- 
cit. 

Em  1027  D,  Affonso  V  de  Leão,  depois  de 
haver  tomado  aos  mouros  diff^rentes  terra?, 
passou  o  Douro  e,  discorrendo  pelo  norte  do 
Algarve,  poz  cerco  a  Viseu,  que  provavel- 
mente ficára  em  poder  dos  mussulmanos  des- 
de o  tempo  de  El-Mansur, — diz  Alexandre 
Herculano;  ^  mas,  durante  o  assedio,  a  mor- 
te o  salteou  no  vigor  da  idade.  «Era  no  es- 
tio; intensa  a  calma.  Despidas  as  armas,  e 
trajando  apenas  uma  túnica  de  linho,  o  rei 
discorria  era  volta  dos  muros  inimigos:  um 
virote  partiu  das  ameias,  e  ferindo  o  mortal- 
mente o  derribou  do  cavallo.  Levado  à  sua 
tenda,  Affonso  V  expirou  brevemente,  con- 
tando pouco  mais  de  30  annos,  e  quasi  ou- 
tros tantos  de  reinado.  »2 

Governou  de  1000  a  1027. 

14.  *- Por  D.  Fernando  I,  o  magno,  de  Cas- 
tella,  no  anno  de  1058,  como  dizem  o  padre 
Carvalho,  o  Chronicon  Lusitano  e  o  sábio 


1  Hist.  de  Port.  tomo  I,  pag.  159. 

2  Alex.  Herc.  loc.  cit. 


cónego  Berardo,— ou  no  anno  de  1038,  como 
dizem  o  sr.  Ignacio  deJVilhena  Barbosa,  na* 
Cidades  e  Villas,  o  sr.  Oliveira  Mascarenhas 
no  Portugal  e  Possessões,  e  Rodrigo  Mendes 
da  Silva  na  Poblacion  General  de  Espana, — 
ou  no  anno  de  1057,  como  diz  Alexandre 
Herculano    Eis  as  suas  próprias  palavras: 

«Atravessando  o  Douro  pelo  lado  de  Sa- 
mora freffre-sfi  a  D  Fernando  \,  o  magno) 
e  encaminhando-se  para  o  occidente,  entrou 
pela  nossa  moderna  (?)  província  da  Beira, 
cujos  casfellos  tanta vezes  tinham  sido  já 
tomados  e  perdidos  por  christãos  e  sarrace- 
nos. O  de  Seia  (Sena)  foi  o  primeiro  que  elle 
tomou,  talando  os  seus  arredores  e  redu- 
zindo outros  castellos  menos  importantes. 
Desde  então  a  guerra  continuou  por  todas 
as  primaveras  seguintes,  sujeitando  succes- 
sivamente  (1057,  sic)  Viseu,  Lamego,  Tarou- 
ca e  outros  logares  fortes.  • 

Escusado  é  dizer  que  seguimos  a  opinião 
de  Herculano. 

Tomou  pnis  D  Fernando  Magno  de  Cas- 
tella  a  cidade  de  Viseu  aos  mouros  no  anno 
de  1057 — a  28  de  junho,  como  dizem  os  srs. 
Vilhena  Barbosa.  Oliveira  Mascarenhas  e 
Rodrigo  Mendes  da  Silva, — ou  a  25  de  julho, 
como  diz  Berardo.  2  Desde  então  não  mais 
voltou  ao  poder  dos  mouros,  mais  ainda  re- 
cebeu outro  baptismo  de  sangue. 

15*— Em  1385  3  por  um  troço  de  caste- 
lhanos, quando  retiravam  d'A1inbarrof3  com- 
pletamente destroçados  nelo  nosso  D.  .Toão  1. 

Elles,  passando  por  Viseu  e  estando  aci- 
dado então  aberta,  sem  muros  e  mal  guar- 
necida, tomaram  na.  saquearam  na.  ineen- 
diaram-na  e  passaram  ao  fio  da  espada  os 
seus  habitantes,  mas,  tomando  o  caminho  de 
Hespanha  carregados  de  despojos,  tudo  per- 
deram e  muitos  d'ell<^s  a  própria  vida  não 
longe  de  Viseu, — entre  Valverde  e  Tranco- 
so, no  dia  25  de  abril  de  1385. 

Para  evitarmos  repetições,  vide  Aljubar- 


1  H>sf.  de  Port.  tomo  I  pag.  165. 

2  Liberal  n  "  2  de  9  de  maio  de  1857. 
'  O  padre  Carvalho  diz  em  1317!. . . 

Foi  muito  infeliz  no  artigo  Viseu  e  nós  te- 
mos remorsos  de  o  havermos  acompanhado 
tão  de  perlo  n'este  tópico!. . . 


VIS 


VIS  1721 


rota  e  Trancoso.  Vejam-se  lambem  os  Diá- 
logos de  Mariz,  pag,  172,  cuja  lição  é  muito 
differente !. . . 

Este  tópico  é  muito  emma- 
raiahado,  muito  diíTicíi.  N'elle 
comcertesalropecei  muitas  ve- 
zes, mas  jà  antes  de  mim  »ro- 
peçaram  outros — e  outros  hão 
de  tropeçar  de  futuro  I .  . 

Solatium  est  miseris. . . 

Corte  e  cortei 

Viseu  foi  temporariamente  corte  d'alguns 
reis  de  Leão.  SuppÕe-se  que  residiram  no 
paço  da  furtalesa  romana,  onde  hoje  se  vê 
o  claustro,  mandado  fazer  por  D.  Miguel  da  ] 
Silva  no  chão  do  dicto  paço,  que  D.  João  III 
para  esse  fim  lhe  concedeu. 

Também  ali  residiu  algum  tempo  a  nossa 
rainha  D.  Theresa,  mãe  de  D.  AíToqso  Hen- 
riques,—e  em  Viseu  mais  tarde  residiram 
(uão  sabemos  ondej  temporariamente  alguns  i 
reis,  como  D.  João  í,  pois  nenhum  monogra-  ! 
phista  de  Viseu  nos  diz  o  sitio  d'esta  habita-  { 
ção  real,  nem  onde  se  convocaram  as  cor-  j 
les,  mas  é  provável  que  fosse  nos  antigos  pa- 
ços reaes  em  que  residiram  a  râiaha  D.  The- 
resa e  talvez  os  reis  de  Leão,  que  eram  den- 
tro da  fortaleza  romana,  ^  onde  havia  um 
grande  espaço,  que  é  hoje  occupado  pelos 
altos  e  baixos  do  claustro  novo  e  pelas  ca- 
pellas  contíguas  á  sala  capitular  e  reparti- 
ções próximas  do  cabido.  Aquelle  chão  com- 
prehendia  todo  o  grande  espaço  voltado  ao 
poente  desde  a  torre  Romana  do  Norte  (hoje 
cadeia  civil)  até  à  Torre  do  Sul,  ainda  hoje 
oecupada  com  arrumações  do  cabido. 

Não  merece  altenção  alguma  a  opinião  de 
Berardo  e  seus  copiadores,,  que  dizem  a  di- 
nastia de  Aviz  tivera  os  seus  paços  na  Rua 
da  Cadeia,  onde  a  tradição  diz  nascera  D. 
Duarte,  que  era  uma  casa  pequena  no  meio 
d'umã  rua  estreita,  sem  largo  na  frente  ou 
trazeiras,  que  Botelho  diz  ser  a  casa  do  Al- 


'  Viseu  não  teve  cerca  de  muros  até  os 
fios  do  século  xiv. 


moxarife;  pois  Berardo  não  adduz  outro  fun- 
damento alem  de  um  miserável  erro  de  he- 
ráldica e  genealogia,  em  que  o  sábio  cónego 
era  hospede,  como  jà  dissemos. 

Para  evitarmos  repetições  veja-se  o  tópi- 
co supra,  relativo  à  Sé,  pag.  1574,  col.  2.«; 
1551,  n.»  7,  col.  2.*  também;— 1562  col.  1.», 
n."  5— e  o  tópico  iofra  Duques  e  senhores  de 
Viseu. 

Também  n'esta  cidade  se  reuniram  ou- 
ir'ora  algumas  das  grandes  assembléás  con- 
vocadas pelos  nossos  reis  e  denominadas 
cortes.  Eram  constituídas  pçlos  procurado- 
res das  nossas  diíTerentes  cidades  e  de  al- 
gumas villas.  e  nas  dietas  cortes  os  procu- 
radores visienses  occupavam  o  7.°  logar  no 
2."  banco.  O  1.»  assento  pertencia  aos  de 
Lisboa,  o  2  °  aos  d'Evora,  o  3.»  aos  do  Por- 
to, o  4.»  aos  de  Coimbra,  o  5."  aos  de  San- 
tarém e  o  6.°  aos  de  Braga.  Era  pois  Viseu 
a  7.»  povoação  mais  importante  do  nosso 
paiz  in  illo  tempore  e  n'ella  se  celebraram 
cortes  em  1419  e  1391,  sob  a  presidência  d'el- 
rei  D.  João  I. 

V.  Cortes,  onde  se  encontra  uma  lista  de 
todas  as  que  foram  celebradas  no  nosso  paiz, 
até  1834,  ou  até  á  queda  do  ancien  regime 
politico  1. 

Duques  e  senhores  de  Viseu 

Esta  cidade  foi  titulo  de  ducado  e  teve  os 
duques  seguintes : 

1.  »— O  infante  D.  Henrique,  filho  de  D. 
João  I. 

V.  Sagres. 

2.  °— O  infante  D.  Fernando,  filho  d'el-rei 
D.  Duarte,  por  morte  do  1.»  duque,  o  infante 
D.  Henrique,  seu  tio. 

B."— D.  João,  filho  do  2.»  duque,  o  infante 
D.  Fernando. 

4.'— D.  Diogo,  irmão  do  antecedente. 

Este  duque  D.  Diogo  foi  assassinado  em 
Setúbal  por  seu  primo  e  cunhado  el-rei  D. 
João  II,  que  extinguiu  também  aquelle  titu- 
lo, mas  deu  os  bens  do  ducado  e  o  titulo  de 


^  Ali  não  se  mencionaram  as  cortes  de  Vi- 
seu, de  1419;  mencionou -as  porem  o  sr.  Vi- 
lhena Barbosa  nas  Cidades  e.  Villas. 


1722  VIS 


VIS 


duque  de  Beja  a  D.  Manuel  (depois  rei)  ir- 
mão do  infeliz  D.  Diogo,  4."  e  ultimo  duque 
de  Viseu. 

Para  evitarmos  repetições,  vide  Setúbal, 
vol.  9.»  pag.  220,  col.  1.»  e  segg. 

Foram  senhores  de  Viseu  differentes  per- 
sonagens. Oeeorrera-nos  os  seguintes: 

O  conde  Hufo  Rufes  Belfaral  pelos 
annos  de  924,  no  tempo  de  D.  Fruella  II,  rei 
de  Leão,  e  de  D.  Affonso  IV,  seu  suecessor. 

Hufo  Hufes  era  conde  e  senhor  não  sò  de 
Viseu,  mas  das  terras  eircumvisinhas,  e  d'el- 
le  procedem  muitas  familias  nobres  de  Por- 
tugal e  de  Hespanha,  entre  ellas  os  Botelhas 
de  Mondim  da  Beira,  Lamego,  Villa  Real  e 
Viseu,  como  pode  ver-se  nos  Diálogos  do  dr. 
Manuel  Botelho,  i  mas  a  sua  representação 
está  nos  duques  de  Lafões. 

Ayres  Pires,  pelos  annos  de  1102  (era 
1140)  pois  como  senhor  de  Viseu  assigna 
uma  escriptura  de  doação  feita  n'aquella 
data  em  Guimarães  pelo  conde  D.  Henrique 
a  Eeha  Martins,  rei  mouro  de  Lamego. 

3.  »  O  infante  D.  Henrique,  L"  duque  de 
Viseu,  mencionado  supra. 

4.  »— O  infante  D.  Ff rnowdo,  2."  duque  de 
Viseu. 

ò.'—D.  João,  3."  duque. 

6.  °— Z).  Diogo,  4.»  e  ultimo  duque. 

7.  °— D.  Manuel  (depois  rei)  irmão  d'a- 
quelles  últimos  dois  duques. 

8.  "— ii  infanta  D.  Isabel. 

9.0  e  ultimo : — A  infanta  D.  Maria,  am- 
bas filhas  d'el-rei  D.  Manuel. 

Por  morte  da  infanta  D.  Maria  o  senhorio 
de  Viseu  passou  para  a  coroa  e  n'ella  se 
conservou  até  hoje. 

Procissão  das  forneiras 

«No  dia  14  d'agosto— diz  Berardo  ti- 
nha logar  uma  solemne  procissão,  assistida 
do  senado,  cabido  e  clerisia,  a  quem  prece- 
dia um  certo  numero  de  meninas  vestidas 
decentemente,  e  levando  cada  uma  na  mão  a 


1  Dialogo  3°,  cap.  14.° 

?  Liberal  n.»  3  de  15  de  maio  de  18S7. 


insígnia  de  uma  pá  muito  composta  e  enfei- 
tada. 

«Eraaproeissãovulgarmentechamada  das 
forneiras,  que  alludia  áquella  façanha  de 
Brites  d'Almeida,  de  Aljubarrota,  que  ma- 
tára  sete  castelhanos  depois  d'aquella  sem- 
pre memorável  batalha,  que  firmou  a  inde- 
pendência porluguezafe  a  coroa  no  senhdr 
D.  João  I. 

«Deixo  que  lhe  chamem  tradição  fabulo- 
sa (que  não  o  será  tanto  como  alguém  o 
pensa)  mas  ella  era  aeceite,  e  baseada  em 
recordações  gloriosas.  A  Vizeu  sobejavão  os 
motivos  de  seus  ódios  contra  Castella,  e  era 
esta  solemnidade  huma  commemoração,  e 
diremos  incentivo  da  independência  nacio- 
nal. A  dominação  dos  Filippes  de  Hespa- 
nha tinha  naturalnaente  reduzido  ao  silencio 
hum  acto  que  lhe  era  coniradiclorio,  mas  a 
Restauração  de  1640  o  fez  reviver,  e  ainda 
por  uma  determinação  regia : 

«D.  João  por  graça  de  Deus  Rei  de  Portu- 
gal...  etc.  Faço  saber  a  vós  corrigidor  da 
comarca  da  cidade  de  Vizeu,  que  porquanto 
se  costumava  fazer  nestes  reinos  procissão 
em  véspera  de  Santa  Maria  d'Agosto,  no  fa- 
zimenlo  de  graças  da  vicioria,  que  o  Senhor 
Rei  D.  João  primeiro  de  boa  memoria  alcan- 
çou no  campo  de  Aljubarrota  contra  El-Rei 
D.  João  primeiro  de  Castella,  e  convir  que 
se  continue  com  a  dita  procissão;  Hei  por 
bem  e  vos  Mando  ordeneis  que  assim  se  faça 
e  continue  a  dita  procissão,  assi  nessa  cida- 
de, como  nos  lugares  da  Comarca  delia,  on- 
de se  costumava  fazer;  o  que  assi  cumpri- 
reis Lisboa  a  quatorze  de  Junho  de 

mil  seiscentos  e  quarenta  e  hum  Ao 

corrigidor  da  Comarca  de  Vizeu.» 

Tão  patriótica  solemnidade  extinguiu  se 
e  de  todo  esqueceu  desde  1834— «por  in- 
cúria (talvez  culposa)  da  geração  actual,  que 
se  ufMa  muito  não  sei  de  que»— dizia  o 
mesmo  sábio  cónego,  apesar  de  ser jpronww- 
ciadamenle  liberal ? I. . . 

O  cramol 

«No  primeiro  dia  da  oitava  do  Pentecos- 
tes diz  o  mesmo  Berardo,  ibidem,  a  camará 
municipal  de  Vizeu,  acompanhada  de  muito 


VIS 


VIS  1723 


povo,  fazia  huma  espécie  de  procissão  à 
igreja  de  Nossa  Senhora  do  Castello  da  villa 
de  Mangualde,  recitando  preces  e  ladainhas, 
donde  lhe  veio  a  denonoinaQào  de  cramol  *. 

«Na  volta  desta  longínqua  romaria  ordi- 
nariamente havia  um  jantar  preparado  para 
as  pessoas  da  expedição,  e  seguia-se  hum 
espectáculo  de  louros  na  praça  da  cidade. 
Era  isto  huma  commemoríção  da  tomada 
do  Castello  do  mouro  Zwrara,  situado  na 
eminência,  onde  hoje  se  divisa  a  menciona- 
da igreja,  e  donde  também  veio  a  denomi- 
nação ás  terras  d'aquelle  concelho.  2  Dizia- 
se  que  antigamente  os  de  Vizeu,  combinados 
com  os  da  villa  de  Linhares,  se  propozerão 
6  arriscarão  a  tomar  e  demolir  aquelle  Cas- 
tello; o  que  tpdo  levarão  a  effeito. 

«Passarão  muitos  annos,  e  a  tibieza  foi-se 
apoderando  do  animo  dos  nossos  passados, 
de  maneira  que  a  festa  do  cramol  ficou  re- 
duzida a  huma  simplicíssima  procissão,  em 
que  sahião  da  cathedral  o  cabido  e  o  senado 
até  á  igreja  de  S.  Miguel  do  Fetal.  Isto  mes- 
mo de  todo  se  extinguiu  em  1834.» 

Com  a  tibiesa  das  crenças  extinguiram-se 
outras  muitas  procissões  semelhantes  que 
desde  tempo  immemorial  se  faziam  em  di- 
versos pontos  do  nosso  paiz  e  de  algumas 
já  nós  fizemos  menção  n'este  diccionario. 

V.  Nicolau  (S.)  do  Porto,  tomo  6.°  pag 
19j  col.  2.»— e  Villa  Real  de  Traz  os  Mon- 
tes, tomo  XI,  pag.  975;  mas  ainda  hoje,  em 
cumprimento  de  antigos  votos,  vão  muitos 
dos  taes  clamores  á  egreja  de  Nossa  Senho- 
ra de  Carquere,  em  Rezende,  á  capella  de  S. 
Domingos  da  Queimada,  em  frente  de  Lame- 
go, e  á  de  Açores  a  3  de  maio.  Vide  Açores 
n*este  diccionario  tomo  I  pag.  24;  Fontello, 
Carquere,  Queimada  e  Lamego  n'este  dic- 
cionario e  no  supplemento. 

V.  também  Villar,  aldeia,  tomo  XI,  pag. 
1175,  col.      in  fine  e  segg. 


Couto  da  Sé 

«O  que  se  chamava  Couto  da  Sé,  e  a  cu- 
jos moradores  o  bispo  D.  Pedro  Gonçalves  e 
o  seu  cabido  em  1251  derão  Carta  de  Fôro^ 
— diz  Berardo,  1 — existia  dentro  dos  primei- 
ros muros  de  Vizeu,  ou  Cidade  Velha.  A  sua 
demarcação  he  hoje  completamente  ignora- 
da; porém  ainda  não  o  era  no  século  xvi, 
quando  os  moradores  deste  couto  se  defen- 
dião  dos  encargos  do  concelho,  escorando-se 
nos  privilégios  que  dizião  ter.  Confirmamos 
isto  pelo  seguinte  documento  do  Livro  das 
Vereações  da  Camara,  que  sendo  também 
curioso  a  outros  respeitos  o  transcrevemos 
aqui : 

«Aos  einquo  dias  do  mez  de  Janeiro  de 
mil  e  quinhentos  e  trinta  e  quatro  annos,  na 
dita  cidade  foram  juntos  em  camará  os  se- 
guintes. Ho  licenciado  Vicente  corea  Juiz  de 
fora,  gonçalo  corea  vereador  duarte  da  fon- 
ceca  procurador.  Os  quaes  juntos  em  cama- 
rá diseram  que  era  verdade  que  lluis  fran- 
cisco  barbeiro  na  dita  cidade  e  morador  sai- 
rá este  anno  presente  por  tisoureiro  da  dita 
cidade,  ho  quall  lluis  francisco  viera  á  dita 
câmara  a  requerer  que  ho  não  constranges- 
sem a  servir  tal  officio,^  porquanto  elle  era 
escuso  do  tall  encarego  por  viver  nos  cou- 
tos do  senhor  bispo  da  dita  cidade,  por  cujo 
privilegio  dos  ditos  coutos  era  escuso  dos  en- 
caregos  do  concelho,  e  assim  por  ser  bar- 
beiro dos  frades  de  sam  francisco  d"orjee8, 
por  cuja  causa  elle  era  escuso  por  bem  do 
privilegio  dos  ditos  frades,  e  que  sobre  tu- 
do viera  há  dita  camará  ho  Licenceado  Fer- 
nam  Lourenço  promotor  e  procurador  do 
dito  senhor  bispo  da  dita  cidade,  e  da  sua 
parte  lhes  requerera  que  nam  constranges- 
sem ao  dito  lluis  francisco  que  servisse  de 
tisoureiro  contra  sua  vontade,  porquanto 
elle  vivia  dentro  nos  coutos  do  dito  senhor 
bispo  e  porque  era  escuso  por  bem  do  seu 


'  Cramol  é  modificação  popular  de  cia-  ,    ,  ^.^^^^^  ^  „  ,2      ,3     .^^^^  ^g^^^ 

P  A  Ferreira     I  ^^i^'-'^^  também  este  artigo,  pag.  1688,  coL 
'  2.^  in  fine. 

2  V.  Mangualde  n'este  diccionario  e  no  ■  ^  Assombra- nos  a  modéstia  do  barbei- 
supplemento.  rol. . . 


1724 


VIS 


privilegio  que  o  dito  senhor  bispo  liniia  dos 
ditos  coutos,  e  pela  antiga  pose  em  que  es- 
tava, de  nenhum  morador  dos  ditos  seus 
«outos  servir  em  ofícios  e  earegos  do  conce- 
lho senão  os  que  queriam  servir  por  sua 
vontade  e  não  por  constrangimento,  e  que 
avendo  elles  euformaçom  verdadeiramente 
de  como  o  dito  lluis  franeisco  vive  dentro 
nos  coutos  do  dito  senhor  bispo  que  tem 
■dentro  na  dita  cidade  e  por  eu  tabaliam  e 
«seripvam  dar  minha  fee  que  era  assim  ver- 
dade lio  dito  lluis  francitco  viver  nos  ditos 
coutos  do  diio  senhor  bispo,  e  »-lle  vir  re- 
querer que  o  escusasem  e  asi  o  procurador 
cio  dito  senhor  bispo  acima  nomeado,  e 
avendo  também  emformaçom  como  hos  mo-  j 
radores  dos  coutos  do  dito  senhor  bispo  sam  \ 
escusos  dos  encaregos  do  concelho  e  nam 
serviram  neiles,  s.  nos  ofícios  do  concelho 
se  nam  aquelles  moradores  dos  coutos  que 
por  sua  vontade  queriam  servir  e  doutra 
maneira  nam,  e  que  avendo  também  emfor- 
maçam  que  o  dito  lluis  franeisco  era  homem 
forte  de  condigam  e  que  era  muito  odioso  á 
dita  camará  por  sua  condigam,  por  tirarem 
desensoees  e  desasosegos  que  pollo  dito  caso 
podiam  vir  a  ocorer  autre  ha  dita  cidade  e 
o  dito  senhor  bispo,  allçm  de  muitos  gastos 
e  demandas  que  no  dito  cazo  podiam  vir  ao 
diante  ha  cidade,  i  e  porque  ho  dito  oãdo 
de  tisoureiro  nam  era  dos  quatro  da  borde- 
naçam,  aviam  por  bem  que  o  dito  lluis  fran- 
eisco nam  sirva  ho  dito  auno  de  tisoureiro 
€  o  asolveram  do  dito  carego  ho  dito  anno: 
E  porque  amrique  mendez  mercador  tisou- 
reiro que  foy  na  dita  cidade  ho  dito  anno 
passado  de  mill  e  quiahentos  e  trinta  e  trez 
annos,  que  presente  estava  dizer  que  queria 
servir  de  tisoureiro  da  dita  cidade  este  anno 
prezente  de  quinhentos  e  trinta  e  quatro  an- 
nos, ho  dito  Juiz  e  vereadores  e  procurador 
lhes  aprove  por  ho  dito  amrique  mendez 
querer  servir  ho  dito  cargo  ho  dito  anno  e 
por  elle  ser  mercador  e  homem  honrado  e 
de  boa  casta  de  christoos  novos  2,  e  outros 
da  sua  calidade  (?)  serem  já  almoteees  na 


1  V.  pag.  1586,  1603,  n.»  34;  1608,  n.»  49; 
1613,  n.°  60 ,— e  1624,  col.  2.» 

2  Isto  é — um  bom  judeu  I . . . 


VIS 

dita  cidade,  de  fazerem  ho  dito  amrique 
mendez  allmotaceell  na  dita  cidade  e  o  acres- 
centarem ha  dita  honra  dalraotaceell  por  asy 
ja  servir  ho  anno  passado  de  tisoureiro  que- 
rer também  ?ervir  este  presente  anno,  por- 
que asy  ho  aviam  por  bem  proveite  e  hon 
ra  (?)  da  dita  cidade. 

«E  Hogo  o  dito  Juiz  e  vereadores  deram 
juramento  sob  os  santos  evangelhos  ao  dito 
amrique  mendez  (?)  em  que  pooz  sua  raam 
e  lhe  mandaram  que  bem  e  verdadeiramente 
servise  este  presente  auno  na  dita  cidade  de 
tisoureiro  conforme  ao  regimento  e  horde- 
naçam  de  sua  alteza,  guardando  ao  dito  se- 
nhor seu  serviyo  e  às  parles  seu  direito,  e 
elle  asy  o  prometeo  de  fazer  e  asynaram  to- 
dos 

«Francisco  Dias  tabeiiam  e  escripvam  da 
camará  ho  escrepvi,  ao  quall  amrique  men- 
dez lhes  aprouve  de  o  asy  acrescentarem  ha 
dita  honra  dâlmoláceel  por  outros  christaoos 
novos  da  sua  callidade  servirem  ja  na  dita 
cidade  dallmotacees,  vereadores,  e  procurado- 
res, como  he  notório  poUos  Ilivros  da  cama- 
rá dos  annos  passados,  franeisco  dias  o  es- 
crepvi. Amrique  mendes...  Francisco  llo- 
pes.  Gonsallo  Corea.  lluis  de  lloureiro.  Duar- 
te da  fonceea.» 

A  transcripção  é  pesada,  mas  muito  inte- 
ressante para  a  historia  do  antigo  couto  da 
Sè  de  Viseu. 

Quinta  e  Paço  episcopal  de  Fontello 

Ignora-se  onde  residiram  os  bispos  de  Vi- 
seu até  o  tempo  do  prior  S.  Theotonio— 
IHl  a  1119,1  pois  sabemos  que  residiu  nos 
velhos  paços  reaes  da  fortalesa  romana,  on- 
de está  hoje  o  claustro,  como  dissemos  no 
tópico  relativo  a  Sé.  Depois  residiram  alter- 
nadamente no  paço  episcopal  dos  tres  esca- 
lões,— na  quinta  de  Santa  Eugenia — e  em 
Fontello.  N'este  ultimo  paço  residiram  elles 
em  períodos  mais  ou  menos  longos  até  18 
— -e  desde  então  até  hoje. 

V.  pag.  1632,  col.  2.*  in  fine. 


í  V.  pag.  1600,  col.  1.» 


VIS 


VIS  1725 


Da  quinta  de  Santa  Evgenia  e  do  paço 
dos  ires  escalões  ou  da  Sé  já  se  fallou  nos 
tópicos  relativos  à  Cathedral,  ao  CoUegio  e 
ao  Seminário;  agora  fallemos  da  quinla  e  do 
paço  episcopal  de  Fontello. 

Demoram  em  local  aprazível  no  arrabalde 
e  a  poucos  centos  de  metros  do  coração  de 
Viseu  para  nascente— e  pelo  seu  conjuncto 
formam  uma  bella  rezidencia  com  uma  es- 
plendida avenida  de  entrada,  como  não  tem 
paço  algum  episcopal  do  nosso  paiz. 

A  quinta  é  espaçosa  e  rendosa,  e  já  foi 
muito  luxuosa,  principalmente  no  tempo  do 
cardeal  D.  Miguel  da  Silva;  depois  decahiu, 
e  chegou  a  estar  em  grande  abandono  (bem 
como  o  próprio  paço  e  a  Sél .. .)  ainda  em 
nosso?  dias,  no  tempo  do  bispo  D.  Antonio 
Alves  Martins.  Hoje,—  graças  ao  digno  pre- 
lado actuai, — tudo  está  muito  limpo  e  bem 
tractado,  mas  a  quinta  apenas  conserva  do 
seu  antigo  esplendor  uma  bella  mata  com 
arvoredo  secular;- a  mageslosa  avenida  com 
um  soberbo  portão  mandado  fazer  pelo  bis- 
po D.  Gonçalo  Pinheiro  em  1563— e  ao  lon- 
go da  extensa  e  ampla  avenida  duas  alas  de 
frondoso  arvoredo,  talvez  da  mesma  data,, 
não  todo,  por  haverem  caido  com  o  peso  dos 
séculos  e  das  tempestades  differentes  arvo- 
res, que  foram  substituídas  por  outras,  sendo 
as  ultimas  plantadas  pelo  digno  prelado 
actual. Tem  elle  feito  obras  importantes  tam- 
bém no  próprio  paço  e  projecia  fazer  outras, 
mas  infelizmente  as  rendas  da  mitra  são  ho- 
je insignificantes  com  relação  ás  d'oulra3 

Deve-se  também  ao  actual  prelado  a  res. 
tauração  do  jardim,  dos  repuchos,  chafari- 
zes e  tanques. 

Para  evitarmos  repetições,  vide  Fontello 
n'este  diccionario,  tomo  3.»  pag.  210,— e 
n'esle  artigo  as  pag.  1600,  n.°  21;  1607,  coj. 
2.';  1611,  col.  2.»  também;  1616,  também 
col.  2.»;  1625,  col.  1.»;  1632,  col.  2.«— e  no 
supplemeuto  a  este  diccionario  e  a  este  ar- 
tigo a  longa  biographia  do  cardeal  D.  Miguel 
da  Silva. 

Vejam-se  também  os  tópicos  supra, — Edi- 


1  Ainda  em  1707  rendia  40:000  crusados 
ou  í6  contos  de  réis,  como  diz  Carvalho  na 
Chorogr.  Port.  tomo  2.»  pag.  182  mihi. 

VOLUME 


ficios  brasonados,  tí.°  9,  pag  1551;  Templos 
actuaes,  também  n."  9,  png.  1559— e  Movi- 
mento jornalístico,  pag.  16il,  col.  1.» 

A  quinta  tem  muita  agua  e  bons  chãos,  que 
produzem  vinho,  milho,  batatas,  hortaliça, 
hervagens,  ete. 

O  paço  é  um  edifieio  muito  irregular,  fei- 
to em  differentes  datas,  sem  imponência  nem 
bellesas  architectonieas,  mas  bastante  e.spa- 
çoso,  com  grandes  salas  e  uma  boa  capella  * 
contigua,  dedicada  a  Santa  Martha  e  deco- 
rada com  preciosas  pinturas  attribuidas  a 
Grão  Vasco, — pinturas  de  que  faremos  espe- 
cial menção  quando  fallarmos  d'aquelle 
grande  artista,  inveja  e  assombro  de  Portu- 
gal e  do  mundo  \ . . . 

Bacharéis  formados  filhos  de  Viseu 
ou  do  seu  concelho 

—D.  Gaudêncio  José  Pereira. 

Foi  cónego,  vigário  geral  e  governador 
d'est9  bispado, — depois  arcebispo  de  Myti- 
lene  e  vigário  geral  do  patriarchado  de  Lis- 
boa— e  é  hoje  governador  do  bispado  de  Por- 
talegre. 

V.  pag.  1589,  col.  1.»  supra. 

— O  rev.  Francisco  Pereira  Soromenho, 
abbade  de  S.  Miguel  do  Mato,  professor  de 
historia  ecciesiastica  no  Seminário  diocesa- 
no 8  natural  da  freguezia  de  Bodiosa. 

Ambos  os  bacharéis  supra  são  padres;  os 
que  se  seguem  são  leigos  ou  seculares,  e 
formados  em  direito: 

— Antonio  Francisco  Santar  do  Amaral, 
advogado. 

— Antonio  Joaquim  Lopes  da  Silva,  ixxiz  de 
direito  na  comarca  da  Fronteira. 


1  Deve-se  também  ao  actual  prelado  a  res- 
tauração d'esta  linda  capella  e  da  grande 
e  vistosa  varanda  do  nascente,  que  alcança 
quasi  todo  o  comprimento  do  Paço.  E  tam- 
bém obra  d'elle  a  formosa  varanda  do  sul, 
voltada  para  a  magestosa  e  antiga  matta,  que 
parece  um  pequeno  Bussaco,  e  por  onde  fez 

'  uma  commoda  communicação  para  os  jar- 

,  dins  e  quinta.  . 

109 


1726  VIS 


VIS 


— Camillo  Borges  de  Castro  Azevedo  e 
J)íl?//o,. 2.°  oíTicial  do  governo  civil  de  Vi- 
seu. 

— Frederico  d' Abreu  Gouveia,  chefe  da  3.» 
repartição  na  direcção  geral  de  instrucçào 
publica,  no  ministério  do  reino,  natural  de 
Gumiei,  freguezia  de  Ribafeita. 

— Francisco  Antonio  da  Silva  Mendes. 

Rezide  em  .  Lisboa. 

— Francisco  de  Mello  Lemos  e  Alvellos,  vis- 
conde do  Serrado. 

— Joaquim  José  d^Andrade  e  Silva,  advo- 
gado e  inspector  da  6.»  circumseripção  es- 
colar de  instrucção  primaria,  em  Viseu. 

— José  Barbosa  de  Carvalho,  advogado. 

— José  Bernardino  d' Abreu  Gouveia,  naíln- 
ral  da  freguezia  de  Riba  Feita,  concelho  de 
Viseu;  onde  foi  advogado.  Casou  no  Minho 
e  reside  em  Velinho,  concelho  ãt  Vianna. 

— José  Luciano  Pereira  Chaves  Sôusa 
Araujo,  proprietário.  Reside  na  sua  casa  da 
Carriça,  perto  de  Viseu. 

— José  de  Mello  Borges  de  Castro,  advo- 
gado. 

— José  Simoes  d' Oliveira  Martins,  idem. 

— Julio  de  Mello  Borges  de  Castro,  idem. 

— Julio  Pessanha  Vilhegas  do  Casal,  de- 
legado do  procurador  régio  em  Mangualde. 

Ladislau  Pereira  Chaves  de  Sousa  Araujo^ 
proprietário. 

— Manuel  Antonio  Barroso,  idem  e  con- 
servador em  Viseu. 

— Manuel  Paes  Pereira  de  Loureiro,  advo- 
gado. 

Todos  estes  bacharéis  são  filhos  da  cidade 
de  Viíeu;  os  seguintes  são  filhos  d'este  con- 
celho, mas  residem  em  Viseu  lambem: 

— Domingos  Bento  Alexandre  de  Figuei- 
redo Magalhães,  advoga  do  e  administrador 
do  concelho. 

— Heilor  de  Lemos  e  Sousa,  natural  de  villa 
Chã  de  Sá,  concelho  de  Vizeu,  proprietá- 
rio. 

~  Valeriano  de  Queiroz  Pinto  de  Alhaide 
e  Mello,  idem,  natural  de  Lourosa  da  Telha. 

É  também  natural  d'esi«  concelho  e  n'elle 
rezidente,  mas  na  parochia  de  Farminhão, 
o  seguinte  bacharel  formado  em  direito: 

— Francisco  de  Barros,  deputado  ás  cor- 
tes. 


Bacharéis  formados  em  medicina, 
filhos  de  Viseu 

— Alexandre  Correia  de  Lemos,  cirurgião 
ajudante  de  cavallaria  n.°  10,  estacionada  era 
Aveiro. 

— Antonio  Correia  de  Lemos,  clinico  em 
Viseu. 

—Eduardo  Augusto  David  e  Cunha,  idem. 

— Eduardo  Correia  d' Oliveira,  idem. 

— Luiz  Ferreira  de  Figueiredo,  idem. 

— Cesar  Paes  Martins,  clinico  em  Santar, 
concelho  de  Nellas,  e  clinico  do  hospital  ci- 
vil de  Viseu. 

É  também  natural  de  Viseu 

—  Silvério  Abranches  Coelho  de  Lemos  e 
Menezes,  capitão  d'engenheiros, bacharel  for- 
mado em  philosophia  e  bacharel  em  malhe- 
matica,  sub-inspector  da  2.»  divisão  mili- 
tar, etc. 

Rezidem  n'esta  cidade  e  n'este  concelho 
de  Viseu  outros  muitos  bacharéis  formados, 
que  não  mencionamos  aqui,  por  serem  filhos 
de  concelhos  estranhos. 

Fabrica  de  moagem 

O  sr.  Joaquim  Pereira  da  Silva  montou 
aqui  em  Viseu,  em  1866,  na  margem  direita 
do  Pavia,  uma  boa  fabrica  de  moagem  de 
cereaes,  movida  pela  agua  d'aquelle  rio  no 
inverno  e  por  uma  machina  a  vapor,  na  es- 
tiagem, mas,  como  não  tirasse  d'ella  vanta- 
gens, fechou-a  e  cessou  o  fabrico  em  1880; 
—  em  188i  foi  montar  outra  no  Monde- 
go, junto  de  Celorico  da  Reira,  para  onde 
levou  grande  parle  do  material  da  de  Viseu, 
exceptuando  a  machina  de  vapor,  que  ficou 
até  hoje  sem  applieaçãol. . . 

No  edifício  da  fabrica  de  Viseu  também 
havia  e  ha  ainda  hoje  um  lagar  d'azeite. 

Policia  civil 

Em  Viseu  ha  um  corpo  de  policia  civil, 
creado  em  9  de  janeiro  de  1877,  sendo  go- 
vernador civil  o  ít.  visconde  do  Serrado. 

È  composto  de  31  guardas,  5  cabos  de 


VIS 


VIS  1727 


secção,  2  chefes  de  esquadra,  1  escrivão  8 
1  commissario  de  policia. 

O  primeiro  commissario  foi  o  dr.  Antonio 
Xavier  Pereslrello,  que  serviu  até  21  de  se- 
tembro do  mesmo  anno,  data  em  que  foi 
exonerado  e  substituído  por  Antonio  Xavier 
Correia  Gomes,  que  tinha  sido  administra- 
dor d'este  concelho. 

Serviu  até  o  dia  26  de  janeiro  de  1886, 
data  em  que  foi  nomeado  inspector  do  sello. 

Em  27  de  janeiro  do  mesmo  anno  foi  no- 
meado coramissario  da  policia  civil  o  dr. 
José  Barbosa  de  Carvalho,  que  tinha  sido 
também  administrador  d'este  concelho. 

Serviu  aptiKii  até  o  dia  12  de  marido  d'a- 
quelle  anno  e  em  27  do  dicto  mez  foi  subs- 
tituído pelo  sr.  dr.  Julio  Pessanha  Vilhegas 
do  Casal,  que  em  31  de  maio  do  mesmo  an- 
no foi  nomeado  delegado  do  procurador  ré- 
gio, pelo  que  em  12  de  junho  foi  provido  no 
logar  de  commissario  da  policia  o  dr.  Pedro 
Ferreira  dos  Santos. 

Foi  este  nomeado  conservador  da  comarca 
de  Oliveira  do  Hospital  em  31  de  dezembro 
■do  mesmo  anno  e  desde  então  tem  exercido 
por  accumulação  as  funcções  de  commissa- 
rio da  policia  o  administrador  do  concelho. 

Este  corpo  de  policia  dá  um  destacamento 
de  8  guardas,  1  cabo  de  secção  e  1  chefe  de 
esquadra,  para  Lamego.  O  resto  do  corpo 
faz  serviço  em  Viseu. 

Um  dos  dois  chefes  de  esquadra,  e  muito 
digno,  é  o  sr.  Manuel  Augusto  d'Almeida^ 
que  nasceu  em  18S1  na  frcguezia  de  Carva- 
lhal Redondo,  concelho  de  Nellas.  Foi  mili- 
tar no  regimento  de  infanteria  14  desde  1873 
até  1876;  em  1877  assentou  praça  no  corpo 
da  policia;  em  1878  foi  promovido  a  cabo  de 
secção  e  era  1881  foi  promovido  a  chefe  de 
esquadra,  indo  destacado  para  Lamego,  on- 
de serviu  até  20  de  setembro  de  1882  tão 
distinetamente,  que  mereceu  uma  portaria 
■de  louvor  com  data  de  21  de  março  d'aquelle 
.anno. 

FAMÍLIAS  NOBRES  DE  VISEU 
Parte  I 
Na  actualidade 
Este  tópico  é  bastante  melindroso.  Fare- 


mos por  não  magoar  ninguém  e  para  evi- 
tarmos queixumes  seguiremos  a  ordem  al- 
phabetica. 

1.» 

Albuquerques  do  Amaral  Cardoso^  em  Vi- 
seu Morgados  do  Areo,  porque  o  seu  pala- 
cete demora  junto  do  arco  de  uma  das  an- 
tigas portas  da  cidade,  denominada  Porta 
dos  Cavalleiros,  na  extremidade  da  rua  d'este 
nome,  hoje  rua  Direita. 

Para  evitarmos  repetições  vejam-se  os  lo- 
i^icos$uçTA,  Edi ficios particulares,  pag.  15S0, 
n."  1 — e  Edifícios  brasonados  particulares, 
pag.  1553,  n.°  16. 

Esta  família  era  uma  das  mais  antigas, 
mais  opulentas  e  mais  consideradas  de  Vi- 
seu. O  seu  morgado  mais  antigo,  que  era  o  ^ 
dos  Coutos,  a  7  kílometros  da  cidade,  foi 
instituído  em  1401  por  Vasco  Paes  Cardoso, 
da  varonia  dos  verdadeiros  Cardosos,  senhor 
de  S.  Martinho  de  Mouros  e  chefe  d'esta  fa- 
mília, contemporâneo  d'el-rei  D.  João  I,  seu 
Vassallo  e  fidalgo  da  sua  casa,  alcaide  mor 
de  Trancoso,  senhor  de  Moreira  de  Rei,  do 
couto  de  Ervílhão  e  d'outras  terras,  bem 
como  dos  direitos  reaes  dos  Comíos,  por 
mercô  do  mesmo  rei  D.  João  I  e  do  seu  fi- 
lho o  infante  D.  Henrique,  1.»  duque  de  Vi- 
s  u,  de  quem  Vasco  Paes  Cardoso  foi  erea- 
do.  Em  memoria  dos  infantes,  filhos  de  D. 
João  I,  estarem  na  casa  d'elle  n'aquella  al- 
deia, quando  fizeram  a  composição  com  o 
seu  irmão  bastardo  conde  de  Barcellos,  de- 
pois duque  1."  de  Bragança,  D.  João  I  lhe 
coutou  aquellas  duas  aldeias,  depois  deno- 
minadas Couto  de  Baixo  e  Couto  de  Cimay 
doando-lhe  também  os  direitos  reaes  d'el- 
Ias. 

Tudo  isto  se  conservou  na  mesma  família 
até  à  menoridade  de  Gonçalo  Cardoso  de  Vi- 
Ihega",  6."  neto  de  Vasco  Paes  Cardoso,  sen- 
do então  dados  estes  direitos  aos  senhores 
à'Alva. 

Teve  esta  nobre  família  o  padroado  das 
2  egrejas  dos  Coutos,  que  também  perde- 
ram,—e  o  da  egreja  de  Argumil,  junto  da 
Guarda,  que  ainda  conservaram  até  1834; — 
e  íoram  também  senhores  do  Reguengo  de 


1728  VIS 


VIS 


Gerniinade,  em  Lafões,  da  honra  de  Lorges, 
do  morgado  de  Amaraes,  solar  dos  Amaraes, 
em  Pindo,— e  de  muitos  vínculos  em  Viseu, 
Tourais  (concelho  de  Ceia)  Celorico  da  Bei- 
ra, Covilhã,  Sernancelhe,  Tabosa,  Santa  Eu- 
femia, S.  Francisco  d'Orgens,  ete. 

Antonio  d'Albuquerque  do  Amaral  Cardo- 
so, ultimo  seBhor  e  representante  d'esta  ca- 
sa e  14."  neto  de  Vasco  Paes  Cardoso,  casou 
com  sua  prima  em  6.»  grau  D.  Emília  Barba 
Correia  Alardo  de  Lencastre  e  Barros,  filha 
única  e  herdeira  (?)  do  visconde  do  Ampa- 
ro, Rodrigo  Barba  Correia  Alardo  de  Len- 
castre e  Barros,  senhor  da  opulenta  casa 
dos  Barbas  de  Leiria,  e  teve  2  filhos. 

N'esta  riquíssima  e  nobilíssima  casa,  que 
foi  muitos  annos  a  1.»  de  Viseu,  ainda  em 
1882  se  hospedaram  SS.  MM.  el  rei  o  sr.  D. 
Luiz  I  e  a  rainha  a  sr.»  D.Maria  Pia,  quan- 
do foram  inaugurar  solemnemente  a  linha  da 
Beira  Alta,  mas  hoje. . .  toute  est  perdue I . . . 

2.» 

Almeidas,  da  Calçada,  hoje  Noronhas  Fa- 
ros ç  MeneZ''S. 

Esta  família,  posto  que  oriunda  de  Viseu 
pelo  lado  do  pae  da  actual  senhora -d'esta 
casa,  veiu  ha  poucos  annos  estabelecer-se 
aqui. 

Demora  esta  casa  ao  cimo  da  rua  da  Cal- 
çada: lera  a  frente  para  o  largo  do  Collegio 
e  foi  sempre  dos  Almeidas  Tavares  e  Abreu, 
senhores  do  morgado  de  S.  Miguel,  conhe- 
cidos em  Viseu  por  Morgados  da  Calçada, 
com  Capella  no  claustro  da  Sé. 

O  ultimo  senhor  d'esta  casa— Antonio  de 
Almeida  Tovar— morreu  ha  annos  sem  ge- 
ração, pelo  que  lhe  suceedeu  na  casa  e  mor- 
gado sua  sobrinha  D.  Margarida  de  Mene- 
zes Tovar,  da  villa  de  Mões,  junto  de  Castro 
d'Ayre,  filha  de  seu  irmão,  já  fallecido,  José 
de  Menezes,  o  qual  tinha  casado  em  Castro 
d'Ayre  com  uma  senhora,  herdeira  d'uma 
casa  n'esta  vílla,  e  d'outra  em  Mões. 

D.  Margarida  de  Menezes  casou  com  o  seu 
parente  D.  Henrique  d'Azevedo  Faro  e  No- 
ronha, da  casa  da  Soenga,  em  Rezende,  de  \ 
quem  teve  muitos  filhos,  um  dos  quaes— D. 
Francisco  de  Noronha  Lucena  e  Faro,  te-  I  j 


nente  de  engenheiros,  e  deputado  ás  cortes 
na  actualidade,  casou  em  1885  na  villa  de 
Taboaço  com  D.  Maria  do  Carmo  de  Macedo 
Pinto,  filha  de  Antonio  Thomaz  Ferreira  de 
Macedo  Pinto  e  de  D.  Guilhermina  Duarte  e 
Costa,  já  falleeidos,  —  senhora  primorosa- 
mente educada,  sobrinha  e  uma  das  herdei- 
ras da  opulenta  casa  Macedos  Pintos  de  Ta- 
boaço, hoje  uma  das  mais  ricas  do  Douro, 
muito  distinetamente  representada  pelo  di- 
gno par  do  reino,  dr.  José  Ferreira  de  Ma- 
cedo Pinto,  irmão  do  fallecido  visconde  de 
Macedo  Pinto.  ^ 

Na  dieta  casa  da  Calçada  vive  hoje  D. 
Francisco  de  Noronha  Lucena  e  Faro  com  a 
esposa  e  uma  filha,  D.  Guilhermina,  de  ten- 
ra idade. 

Veja-se  o  tópico  supra  —  Edifícios  braso- 
nados particulares,  pag.  1553,  n.°  18. 

3.» 

Alvellos  {Mello  Lemos  e)  hoje  viscondes  do 
Serrado. 

Esta  família  possue  por  herança  de  seus 
avós  um  dos  vínculos  mais  antigos  do  rei- 
no,—o  de  Alvellos,— \m{\{\x\Ao  peio  bispo  de 
Lamego  D.  Vasco  Martins  de  Alvellos,  na  al- 
deia d'este  nome,  onde  nascera,  junto  de  La- 
mego 2.  Aquella  instituição  tem  a  data  do 
anno  de  Ch.  1300;  é  escripta  em  latim  e 
ainda  hoje  se  conserva  o  original  em  poder 
do  seu  actual  representante,  o  sr.  visconde 
do  Serrado,  Francisco  de  Mello  Lemos  e  Al- 
vellos, que  descende  por  varonia  do  celebre 
cónego  Henrique  de  Lemos,  fundador  da  casa 
da  Prebenda,  de  quem  fallaremos  adiante.  O 
seu  appellido  Mello  vem  dos  senhores  da 
villa  de  Mello,  por  ter  casado  uma  filha  dos 
senhores  de  Mello  na  casa  da  Torre  da  rua 


1  É  avaliada  cm  mais  de  800  contos  de 
réis  1 . . . 

Para  evitarmos  repetições  vide  Miragaya, 
tomo  V,  pag.  269,  eol.  l.»;— Sendim,  tomo 
IX,  pag.  103; — Taboaço,  no  mesmo  vol.  pag. 
471,— e  Vicente  (S.)  sitio,  tomo  X,  pag.  516, 
col.  2 »  e  segg. 

2  Hist.  Eccl.  da  Cidade  e  bispado  de  Lamego 
por  D.  Joaquim  d'Azevedo,  pag.  46,  n.»  12 


VIS 


VIS  1729 


^ia  Cadeia,  em  Viseu,  cujos  donos  foram  de- 
pois também  senhores  da  quinta  de  Santo 
Estevam,  da  qual  uma  sr.'— D.  Anna  de 
lHello—c&son  cora  Theobaldo  de  Lemos  e 
Alvellos,  14.»  senhor  do  morgado  de  Alvel- 
los  e  5.0  avô,  por  varonia  legitima,  do  sr. 
visconde  do  Serrado^  bacharel  formado  em 
direito,  que  tem  sido  por  muitos  annos  go- 
vernador civil  de  Viseu  e  que  éSl.»  senhor 
do  morgado  d'Alvellos. 

Casou  cora  sua  prima  co-irraã  D.  Cacilda 
de  Castello  Branco,  natural  do  Porto,  e  tem 
muitos  filhos  e  netos. 

Vive  na  sua  esplendida  quinta  do  Serra- 
do, junto  de  Viseu,  em  um  forraoso  palacete 
cercado  de  bello  arvoredo  por  3  lados  com 
um  lindo  terreiro  na  frente,  separado  da  rua 
publica  por  um  magnifico  portão  de  ferro 
brasonado. 

V.  pag.  1350,  n."  6— e  1532,  n.°  1. 

4.» 

Cardosos,  de  S.  Miguel 

Esta  casa  é  hoje  possuída  pelos  filhos  de 
José  Cardoso  de  Sousa  Lemos  e  Menezes, 
ultimo  senhor  d'ella. 

Vive  esta  família  na  quinta  de  S.  Miguel, 
separada  de  Viseu  pelo  terreiro  de  S.  Mi- 
guel, onde  está  a  antiquíssima  egreja  de  .S. 
Miguel  do  Fetal  reedificada,  corao  já  disse- 
mos. 

V.  pag.  1552,  col.  2.'  n."  3;— 1558,  n.»  4; 
1559,  col.  2."  n.°  7;  1568,  col  2."  também,  e 
1658,  col.  1.»  e  2.» 

F.  Manuel,  profundo  e  consciencioso  in- 
vestigador das  antiguidades  de  Viseu,  disse 
que  esta  casa  e  quinta,  hoje  da  nobre  farai- 
lia  Cardosos,  foram  residência  dos  prelados 
e  cónegos  visienses,  quando  a  egreja  de  S, 
Miguel  do  Fetal  era  Sé, — e  que  nas  mesmas 
casas  e  quinta  residiram  os  frades  capuchos 
d'Orgens,  antes  de  se  ínstallarem  no  oxtincto 
convento  de  Maçorira,  raas  o  santo  homera 
foi  menos  exacto  n'este  ponto,  como  nós  já 
dissemos  e  provámos  no  tópico  relativo  á 
egreja  de  S.  Miguel,  pag.  1568,  col.  2.»— e 
quando  fallàmos  do  convento  de  Santo  An- 
tonio, pag.  1658. 

As  dietas  casas  e  quinta  eram  de  David 


Alvares,,  pedreiro  e  mestre  d'óbras,  a  quem 
os  frades  capuchos  as  compraram,  para  n'el- 
las  residirem,  corao  residiram  algum  tempo, 
exercendo  os  oíBcios  divinos— não  na  igreja 
de  S.  Miguel,  como  alguém  diz,  mas  em  ca- 
pella  própria  que  erigiram  nas  mesmas  ca- 
sas, como  diz  o  padre  Sousa. 

V.  loc:  cit.  pag.  1658,  col.  2.* 

Alguém  diz  também  que  nas  mesmas  ca- 
sas viveram  algum  tempo  os  congregados  do 
Oratório,  antes  de  se  estabelecerem  no  largo 
de  Santa  Chrislina,  mas  isto  é  também  me- 
nos exacto,  como  já  dissemos  supra,  pag. 
1651. 

Prosigamos. 

Esta  família,  como  diz  a  Memoria  de  Fran- 
cisco Manuel  Correia,  procede  de  José  Car- 
doso, rico  cidadão  de  Viseu,  que  no  século 
passado  obteve  por  emprazamento  a  mencio- 
nada quinta  que  foi  do  pedreiro  David  Al- 
vares e  posteriormente  dos  capuchos,  pelo 
que  ainda  se  vêem  nas  casas  muitos  vestí- 
gios de  terem  servido  de  convento. 

Casou  José  Cardoso  com  uma  senhora  da 
nobilíssima  casa  da  Trofa,  ^  e  assim  obteve 
para  os  seus  descendentes  os  títulos  e  ap- 
pellidos  dos  senhores  da  dieta  casa— Lemos 
e  Sousa,  aos  quaes  uniram  outros  com  dif- 
ferentes  allíanças  que  contrahiram  e  altos 
cargos  que  exerceram. 

Vive  hoje  na  mencionada  casa  e  quinta 
Bernardo  de  Lemos  de  Aguilar,  distincto  en- 
genheiro civil  e  fiscal  da  linha  da  Beira  Alta 
(filho  do  fallecido  conselheiro  do  supremo 
tribunal  de  justiça  Bernardo  de  Lemos  Tei- 
xeira d'Aguilar)  por  haver  casado  com  uma 
das  filhas  e  herdeiras  de  José  Cardoso  de 
Sousa  Lemos  e  Menezes,  ultimo  senhor  da 
mesma  quinta. 

Tem  suecessão,  assim  como  a  outra  irmã, 
filha  de  José  Cardoso,  casada  com  João  Ca- 
bral Soares  de  Albuquerque,  senhor  da  an- 
tiga casa  dos  Cabraes  de  Guimarães,  no  con- 
celho de  Tavares. 

5.» 

Chaves  (Pereira)  Manuel. 


^    i  V.  Trofa,  vol.  IX,  pâg.  749,  col.  2.« 


1730  VIS 


VIS 


Está  família  é  antiga,  muito  considerada 
e  estimada  em  Viseu  e  alliada  cora  outras 
muitas  familids  de  primeira  ordem  na  Bei- 
ra, taes  como  os  Soares  d'Alhergana,  de 
Oliveira  do  Conde, — Loureiros,  seniiores  da 
casa  e  solar  de  Lo\ire\vo,—Alhuquerques,  da 
casa  da  Insua,— Carraí/jos,  da  casa  do  Poço, 
em  Lamegc,— Sousas  de  Villa  Meã,  juoto 
de  Tarouca,  i  Leitões,  de  Lamego  e  do  Por- 
to, hoje  condes  de  Gouveia,— Mewáonfas  Fal- 
cões de  Girabolhos,  Guarda  e  S.  Salvador  de 
Viseu,  etc.  etc. 

É  hoje  senhor  e  muito  digno  represen- 
tante d'esta  casa  Ladislau  Pereira  Chaves 
Manuel  de  Sousa  e  Araujo  Borges,  bacharel 
formado  em  direito,  que  tem  sido  repeti- 
das vezes  provedor  da  Misericórdia  de  Vi 
seu,  cavalheiro  respeitabilissimo,  já  de  pro- 
vecta idade  e  com  suecessão,  commendador 
da  Ordem  de  Christo,  etc. 

Vive  na  sua  casa  da  rua  de  S.  Miguel, 
mas  tiveram  ouira  casa  nobre  no  Miradouro, 
junto  do  largo  do  Collegio,  casa  que  seu  pae 
vendeu  ao  negociante  José  d'Almeida  Cam- 
pos e  que  é  hoje  do  filho  d'e3te— Joaquim 
d'Almeida  Campos. 

V.  Edifícios  brasonados  particulares,  pag. 
1553,  n."  14  e  22. 2 

6.» 

Lemos  Nápoles,  ou  Nápoles  da  Prebenda. 
Loc.  cit.  n."  5. 

Esta  família  era  uma  das  mais  antigas  e 
mais  importantes  de  Viseu. 

Principiou  no  cónego  Henrique  de  Lemos, 
F.  C.  R.,  dr.  em  cânones  e  homem  de  tanto 
merecimento  que  el-rei  D.  João  III  o  no- 
meou visitador  do  convento  de  Santa  Cruz 
de  Coimbra. 

Era  filho  de  Fernando  de  Lemos,  também 


1  Foi  ultimo  representante  d'esta  nobilís- 
sima casa,  hoje  extincta,  Affonso  de  Sousa, 
fallecido  em  Lamego,  solteiro  e  sem  sueces- 
são. já  depois  do  meado  d'este  século. 

2  José  d'Almeida  Campos  viveu  com  gran- 
de fausto  no  Porto  e  ali  se  suicidou  estanno 
de  1888,  sendo  já  de  provecta  idade  e  dire- 
ctor do  Banco  União. 


F.  C.  R.  e  veiu  de  Portel,  do  Alemtejo,  onde 
rezidiam  seus  paes,  que  se  diziam  descen- 
dentes dos  verdadeiros  Lemos,  senhores  da 
Trofa. 

Este  cónego  teve  muitas  egrejas  e  bene- 
fícios, entre  elles  duas  prebendas,  e  deu  prin- 
cipio ao  palacete  denominado  da  Prebenda, 
por  ser  edificado  no  chão  de  uma  das  suas 
prebendas,  com  um  bello  quintal  que,  não 
sendo  muito  grande,  ainda  em  1860  só  em 
hortaliça  rendeu  600)^000  réis  I . .  . 

Também  mandou  fazer  á  sua  custa  o  so- 
berbo cruzeiro  do  largo  de  Santa  Chrislina, 
em  1563,  formado  por  um  monolitho  com 
mais  de  26  palmos  d'altura,  segundo  diz  Bo- 
telho, Dialogo  4.»  cap.  10. 

Vinculou  a  dieta  casa  e  quinta  da  Pre- 
benda, unindo-lhe  muitos  bens  em  Moure 
(na  freguezia  de  Abraveses)  edando-lhe  por 
cabeça  a  capella  que  ainda  hoje  se  vé  na  Sé, 
á  direita  de  quem  entra,  fundação  sua  como 
diz  a  inscripção  que  n'ella  está. 

Para  evitarmos  repetições,  vide  pag.  158, 
col.  2." 

Instituiu  aquelle  morgado  em  1551;  no- 
meou primeiro  administrador  d'elle  um  seu 
filho— Antonio  de  Lemos,  F.  C.  R.— e  conti- 
nuou o  dicto  morgado  por  varonia  legitima 
em  seus  descendentes  até  sua  bis  neta  D. 
Marianna  de  Lemos,  que  casou  com  o  seu 
parente  Bernardo  de  Nápoles  e  Lemos,  se- 
nhor da  casa  dos  Nápoles  de  Penacova,  cuja 
varonia  de  Nápoles  contiouou  também  até 
á  sua  bis-neta  D.  Maria  de  Bourbon  e  Nápo- 
les, herdeira  e  successora.  Casou  esta  com 
Luiz  Pereira  de  Mello  Soutomaior,  senhor  de 
Barbeita,  no  Alto-Minho,  alcaide  mórde  Ca- 
minha, moço  fidalgo  e  senhor  da  casa  de  S. 
Luiz  no  Porto,  junto  das  Fontainhas,  etc,  a 
qual  já  não  conserva  o  actual  senhor  d'eàta 
casa,  seu  neto  e  homonymo  Luiz  Pereira  de 
Mello  e  Nápoles,  solteiro,  e  já  de  50  annos; 
mas  tem  sobrinhos,  filhos  das  suas  duas  ir- 
mãs—D. Maria  dos  Prazeres,  já  fallecida, 
bem  como  o  marido,  que  era  filho  2.°  da  ca- 
sa dos  Albuquerques  do  Arco,— e  D.  Maria 
Izábel,  residente  na  Lagiosa,  concelho  de  Ce- 
lorico da  Beira,  viuva  de  seu  primo  Antonio 
Homem  da  Cunha  Corte  Real  de  Linhares. 

D'estes  Lemos  do  cónego  descendem  por 


VIS 


VIS  i731 


varonia  mais  duas  casas  notáveis  àa  Vi- 
seu —  a  dos  Lemos  Alvellos,  do  Serrado, 
mencionada  supra,— e  a  dos  Lemos  de  S. 
Gemil,  da  qual  vamos  oecupsr-nos. 

7.  » 

Lemos  de  S.  Gemil. 

Esta  família,  ramo  2.»  por  varonia  legiti- 
ma dos  Lemos  da  casa  da  Prebenda,  é  hoje 
representada  por  Heitor  de  Lemos  e  Sousa 
de  Pina  e  Aragão,  bacharel  formado  em  di- 
reito e  ainda  solteiro.  Rezide  em  uma  das  3 
casas  que  possue  em  Viseu  e  procede  por 
varonia  legitima  de  Antonio  de  Lemos  de 
Sousa  e  Távora,  seu  4."  avô,  filho 2.»  de  Theo- 
baldo  de  Lemos  e  Alvellos,  14.°  senhor  do 
morgado  de  Alvellos  (Vide  familia  3.*  su- 
pra) mas  da  sua  3.»  mulher  D.  Luísa  de  Tá- 
vora, natural  de  LisbOA,  filha  de  D.  Manuel 
de  Sousa  e  Távora,  motivo  porque  esta  fa- 
mília USOU  sempre  estes  appellidos  alé  hoje, 
—  menos  o  de  Tovora,  depois  da  extincQão 
dos  Tavoras  em  1759. 

Este  D.  Manuf-l  de  Sousa  Távora  era  ramo 
legitimo  e  varonia  dos  Sousas,  senhores  de 
Beringel,  cuja  primogenitura  foi  para  os 
marquezes  das  Minas;  e  procedem  também 
por  varonia  de  D.  Martim  AíTonso  Chichor- 
ro,  rico-homem  e  filho  natural  reconhecido 
d'el-rei  D.  AíTonso  HL  De  sorte  que  esta  fa- 
milia (exceptuando  apenas  a  geração  de  D. 
Luisa  de  Távora)  prouede  por  varonia  legi- 
tima d'el-rei  D.  AíTonso  Hl,  o  que  é  raro  nas 
famílias  da  província. 

8.  » 

Loureiros  de  Queiroz. 

Esta  familia  é  hoje  representada  pelo  vis- 
conde de  Loureiro,  filho  do  1.°  barão  de 
Prime— Luiz  de  Loureiro  de  Queiroz  Car- 
doso do  Couto  Leilão,  que  foi  senhor  da  an- 
tiga casa  de  Prime  a  uma  légua  de  Viseu, 
— e  do  importantíssimo  praso  de  Corgos,  á 
Nogueira,— e  do  morgado  de  Silvas,  em  Cas- 
tello Branco,  a  que  pertenciam  a  barca  de 
Montalvão  e  o  antiquíssimo  praso  de  Pero 
Soares,  junto  da  Guarda,  que  ainda  conserva 
uma  torre  dos  tempos  feudaes. 


Foi  também  senhor  das  casas  de  Abrave- 
ses, junto  de  Viseu,  e  do  antigo  morgado  das 
Briisseiras,  no  Alemtejo,  instituído  no  sé- 
culo XVI  pelo  dr.  Alvaro  Cardoso,  filho  2." 
dos  Costas  Cardosos  da  Porta  do  Prado,  em 
Trancoso,  etc. 

O  morgado  das  Brv.sseiras  andou  na  casa 
de  Prime  até  Rodrigo  de  Sousa  e  Mello  (no 
melado  do  ultimo  século)  o  qual  deixou  só 
uma  filha  bastarda,  que  continuou  a  admi- 
nistrai o,  e  depois  d'ella  seus  descendentes 
alé  seu  bisneto,  i."  barão  de  Prime,  Luiz  de 
Loureiro,  mas  logo  que  falleceu  Rodrigo  de 
Sousa  disputaram  aquelle  vinculo  à  sua  fi- 
lha bastarda  (bisavó  do  barão  de  Prime) 
Francisco  de  Abreu  Castello  Branco,  de  For- 
nos d'Algodres  (avô  paterno  do  1.°  conde  de 
Fornos)  e  outros  parentes.  Durou  esta  ma- 
crobia  demanda  tres  gerações  nas  duas  fa- 
mílias, ou  77  annos,  terminando  em  nossos 
dias  a  favor  do  1."  conde  de  Fornos,  juiz  do 
supremo  tribunal,  que  reivindicou  do  barão 
de  Prime  aquelle  morgado,  pelo  que  o  vis- 
conde de  Loureiro,  filho  do  1.»  barão  de  Pri- 
me, teve  de  dar  ao  conde  de  Fornos  mais  de 
20  contos,  só  de  rendimentos. 

Na  Beira  não  ha  memoria  d'outra  deman- 
da tão  longa  I. . . 

O  1.°  barão  de  Prime  casou  com  D.  Maria 
da  Gloria,  filha  única  e  herdeira  da  Antonio 
Teixeira  de  Carvalho  e  Sampaio,  moço  fi- 
dalgo, senhor  da  Casa  dos  Ernesfos  de  Cimo 
de  Villa,  em  Viseu,  —  da  grande  quinta  de 
Marzovellos  junto  de  Viseu— do  vinculo  de 
Villar  Secco,  em  Nellas,  e  do  antigo  praso  do 
Fojo  em  S.  Pedro  de  France,  que  compre- 
hendia  também  o  palacete  de  Cimo  de  Villa, 
em  Viseu,  onde  actualmente  vive  a  baro- 
nesa de  Prime,  hoje  condessa  do  mesmo  ti- 
tulo. 

Tiveram  um  filho  unieo 

—Luiz  de  Loureiro  Cardoso  de  Mesquita. 
Suecedeu  na  casa  a  seu  pae,  o  qual  deixou 
em  arras  a  sua  mãe  a  casa  de  Prime,  que 
ainda  possue,  apesar  de  haver  passado  a  se- 
gundas núpcias  i  e  de  baronesa  a  viscon- 
dessa e  condessa  de  Prime. 


1  Casou  em  segundas  núpcias  com  José 


1732  VIS 


VIS 


Este  Luiz  de  Loureiro  foi  feito  visconde 
de  Loureiro;— casou  com  D.  Antónia  da  Sil- 
va Mendes,  filha  do  grande  proprietário  João 
da  Silva  Mendes— e  teve  2  filhos: 

— Luiz  de  Loureiro  de  Queiroz,  casado  no 
Porto  com  bom  dote,  e 

— D.  Eugenia  de  Loureiro,  a  qual  casou 
com  seu  primo  2.°  José  Relvas,  de  quem  jo- 
go fallareraos,  filho  de  Carlos  Relvas,  grande 
proprietário  na  GoUegã,  e  de  sua  mulher  D. 
Margarida  Mendes,  prima  co-irmã  de  sua 
mãe  6  filha  dos  condes  de  Podentes. 

9.» 

Pessanlias,  da  rua  da  Cadeia. 

Esta  família  procede  d'uma  família  nobre 
de  Figueiró,  a  6  kilomelros  de  Viseu,  e  é 
hoje  representada  por  Eduardo  Pessanha  Vi- 
Ihegas  do  Casal,  residente  em  Viseu. 

Casou  com  D.  Joaquina  de  Faria  Couti- 
nho, de  Mondão,  e  tem  os  filhos  seguintes: 

i." — Vasco  Luiz  Pessanha  Villiegas.  Resi 
de  na  sua  casa  de  Figueiró,  que  herdou  de 
seu  tio-avô  José  Gaudêncio  Vilhegas  do  Ca- 
sal, e  casnu  com  sua  prima  co-irmã  D.  Car- ' 
lota  Saraiva  de  Sampaio,  filha  do  visconde 
da  Quinta  do  Ferro  (irmão  de  sua  mãe)  e  da 
viscondessa  D.  Maria  do  Carmo,  -enhora  da 
casa  e  quinta  do  Ferro,  junto  de  Trancoso  i. 

Tem  suceessão. 

Julio  Pessanha  Villiegas  do  Casal, 
que  foi  commissario  da  policia  civil  era  Vi- 
seu e  é  hoje  delegado  do  procurador  régio 
em  Mangualde. 

Francisco  Pessanha,  que  foi  alferes 
de  infanteria,  mas  deu  baixa  e  casou  com 
sua  prima  co-irmã  D.  Virgínia  Saraiva  de 
Sampaio,  irmã  de  sua  cunhada  supra  e  filha 
primogénita  dos  viscondes  da  Quinta  do 
Ferro,  junto  de  Trancoso. 

Rezidiramm  na  sua  casa  de  Villar  Maior, 
concelho  do  Sabugal  e  agora  rezidem  na  casa 
e  quinta  da  Prebenda,  que  arremataram  na 
praça  de  Viseu. 


Porfirio  Rebello,  de  Lisboa,  tenente  gradua- 
do de  infanteria,  do  qual  tem  4  filhos. 

1  V.  Villar  Torpim,  tomo  XI,  pag.  1287, 
col.  2."  J 


V.  Villar  Maior,  tomo  XI,  pag.  1242,  co- 
lumna  2." 

í.°—Ballhasar  Pessanha  Vilhegas  do  Ca- 
sal 

Casou  com  D.  Augusta,  filha  única  e  legi- 
timada de  Thomaz  Antonio  Bandeira  da  Ga- 
ma e  Mello,  filho  2."'  da  nobre  família  Ban- 
deiras^ da  Torre  Deita,  senhores  da  casa  de 
Fragoas,  solar  dos  Bandeiras,  e  chefes  d'esta 
família  em  Besteiros. 

Vive  com  o  sogro  na  sua  bella  rezidencia 
dos  Coutos  de  Cima,  a  8  kilomelros  de  Vi- 
seu, c.  g. 

10.* 

Queirozes  Pintos. 

Esta  família  não  era  oriunda  de  Viseu, 
mas  possuía  ali  a  antiga  quinta  do  Cruzei- 
ro, que  herdára  de  uma  senhora,  sua  avó, 
dos  appellidos  Serpe  e  Mello,  que  d'esta 
quinta  foi  casar  era  Favaios,  concelho  de 
Alijó,  em  Traz-os-MoDtes,  com  José  de  Quei- 
roz. 

O  representante  e  primogénito  d'esta  fa- 
mília—Bento Queiroz  Pinto  d'Alhaide  e  Mel- 
lo— era  filho  de  Miguel  Pinto  de  Queiroz 
Serpe  de  Mello,  de  S.  Nicolau,  moço  fidalgo, 
senhor  da  casa  dos  Queirozes  e  vinculo  de 
Santo  Antonio  era  Favaios,— da  de  S.  Nico- 
lau d'Alcangosta  no  Fundão,  —  do  grande 
praso  de  Lourosa  da  Telha  a  5  kilometros  de 
Viseu,— da  quinta  do  Cruzeiro,  em  Viseu,  e 
da  de  Covello  na  freguezia  de  France,  etc. — 
e  de  sua  mulher  e  prima  co-irmã  D.  Augus- 
ta Cândida  Pinto  Guedes,  da  nobilíssima  ca- 
sa do  Arco  em  Villa  Real  de  Traz  os  Mon- 
tes 

Casou  Bento  de  Queiroz  com  sua  prima 
2»  D.  Eduarda  Augusta  Pereira  Pinto  d'Al- 
meida  e|Vasconcellos,  da  nobre  casa  dosiíe- 
beiros  de  Sanla  Eulália  de  Ceia,  filha  2.»  do 
senhor  d'aquella  casa— Luiz  Ribeiro  d'AI- 
meída  e  Vasconcellos,  moço  fidalgo  com 
exercício,  cuja  irmã  D.  Augusta  casou  com 
Fernando  d'Almeida  Cardoso  de  Sequeira, 
fidalgo  muito  conhecido  em  Viseu,  senhor 


i  V.  Villa  Real,  tomo  XI,  pag.  996,  col. 
1.»  e  segg. 


VIS 


VIS  1733 


da  grande  e  antiga  casa  dos  Cardosos  de 
Lour  iro  e  Moreira  e  de  um  bom  palacete 
brasonado  no  meio  da  rua  Direita,  o  qual, 
não  tendo  successão,  depois  de  abolir  os  vín- 
culos e  de  vender  boa  parte  dos  seus  bens, 
deixou  aquelle  palacete,  a  quinta  de  Tonde- 
linha  e  outros  muitos  bens  à  sua  viuva— D. 
Maria  Augusta;— e  esta,  fallecendo  approxi- 
madamente  era  1874,  instituiu  por  univer- 
sal herdeira  a  dieta  sua  sobrinha  D.  Eduar- 
da, mulher  de  Bentu  de  Queiroz,  pelo  que 
em  seguida  foram  eslabelecer-se  em  Viseu 
no  referido  palacete,  onde  residem  ainda 
hoje  (1888). 

Tem  esta  família  uma  boa  casa  era  Santa 
Eulália,  concelho  de  Ceia,  da  legitima  de  D. 
Eduarda  e  da  de  suas  tias  paternas,  que 
lhe  deixaram  mais  duas  quintas  em  Cozelhas, 
junto  de  Coimbra,  e  uma  boa  casa  de  habita- 
ção junto  do  largo  do  Muzeu,  em  Coim- 
bra, casa  que  foi  fundada  pelo  celebre  vice- 
reitor  da  Universidade  José  Monteiro  da  Ro- 
cha, í  na  qual  as  dietas  senhoras  residiam  e 
falleceram. 


1  Foi  o  primeiro  mathematico  e  um  dos 
homens  mais  sábios  de  Portugal  no  seu  tem- 
po, pelo  que,  apesar  de  ser  padre  ejesnila, 
o  marquez  de  Pombal  se  acercou  d'elle  e  lhe 
dispensou  muitas  finesas,  dando-lhe  o  ca- 
pello  de  dr.  grátis,  e  sendo  seu  padrinho  na 
doutoração,  etc.  etc. 

Collaborou  activamente  na  reforma  da 
Universidade  em  1772.  Foi  elle  quem  orga- 
nisou  a  faculdade  de  malhemalica  e  creou  o 
observatório  astronómico;  foi  elle  também 
um  dos  3  primeiros  lentes  d'aquella  facul- 
dade,—o  primeiro  director  do  observatório 
e  o  primeiro  mestre  dos  nossos  príncipes 
(depois  reis)  D.  Pedro  IV  e  D.  Miguel,  etc. 

Diz-se  que  era  natural  da  villa  de  Cana- 
veses e  filho  de  paes  obscuros.  É  certo  que 
hoje  não  tem  ali  parente  algum,  mas  em 
compensação  ha  muitos  parentes  d'elle  ain- 
da na  Villa  de  Vallongo,  netos  e  bisnetos  de 
um  irmão  que  ali  casou. 

Também  nos  consta  que  outro  irmão  se 
estabeleceu  em  Braga  e  fez  muitas  das  anti- 
gas figuras  de  barro  que  se  vêem  nas  ca- 
pellas  do  Bom  Jesus 

O  dr.  José  Monteiro  da  Rocha  teve  uma 
quinta  junto  da  foz  doTedo,  no  Alio-Douro, 
e  outra  em  S.  José  de  Ribamar,  junto  de 


Bento  de  Queiroz  falleeeu  em  12  de  ja- 
neiro de  1886  deixando  de  sua  mulher  duas 
filhas  gémeas— D.  Augusta  e  D.  Marianna, 
das  quaes  a  primeira  vive  ainda  em  Viseu 
com  sua  mãe  e  irmã,  tendo  casado  com  seu 
tio  paterno,  o  dr.  Valeriano  Pinto  de  Quei- 
roz d'Athaide  e  Mello,  do  qual  tem  filhos 
ainda  na  infância. 

li.» 

Silvas  Mendes. 

Esta  família  procede  de  João  da  Silva 
Mendes,  negociante,  o  qual  ganhou  no  com- 
mercio  e  nas  rendas  da  mitra  grossos  cabe- 
daes  I  Foi  cavalleiro  da  O.  Ch.  e  casou  com 
a  sua  parente  D.  Eugenia  Cândida  da  Silva 
Mendes,  muito  rica  também. 

Compraram  a  grande  casa  que  tinham  em 
Viseu  os  barões  de  Mossamedes,  hoje  con- 
des da  Lapa,  comprehendendo  um  bom  pa- 
lacete na  rua  da  Regueira  com  uma  bella 
cerca  ou  quintal,  que  se  prolonga  desde  as 
4  quinas  d'aquella  rua  até  o  pórtico  da  ave- 
nida do  paço  episcopal  de  Fontello,  cerca 
toda  guarnecida  d'âlto  muro  e  este  de  uma 
formosa  parede  de  loureiros  antigos,  em  to- 
da a  circumferencia,  na  extensão  de  2  kilo- 
raetros,  approximadamente. 

Com  esta  sumptuosa  vivenda  compraram 
também  a  grande  quinta  de  CabanÕes,  que 
comprehende  as  duas  aldeias  de  Cabanões 
de  Cima  e  Cabanões  de  Baixo,  a  3  kílometros 
de  Viseu,  por  onde  passa  a  nova  estrada 
districtal  a  maeadam,  n."  44,  que  vae  para 
Nellas  e  Ceia,— quinta  que  rende  mais  de 
sessenta  moios  ou  de  3:600  alqueires  de  mi- 
lho?!... 

Constando  que  esta  sr.»  D.  Eugenia  coa- 
djuvou a  causa  liberal  com  importantes  som- 
mas  em  1826  a  1828,  foi  culpada  e  presa  no 
tempo  do  sr.  D.  Miguel,  pelo  que,  sendo  já 


Lisboa,  onde  falleeeu  em  11  de  dezembro  de 
1819. 

V.  Canaveses  e  Vallongo  no  supplemento 
a  este  diecionario,  onde  ampliaremos  consi- 
deravelmente esta  noticia  com  apontamen- 
tos inéditos  que  a  muito  custo  temos  colli- 
gido. 


1734  VIS 


VIS 


viuva,  foi  agraciada  em  1837  com  o  lilulo  de 
baronesa  da  Silva.  Do  seu  consorcio  com 
João  da  Silva  Mendes  teve  os  filhos  seguin- 
tes : 

i-'— -D.  Maria  Cândida  da  Fonseca  Men- 
des. 

Casou  cora  Francisco  Antonio  de  Campos, 
barão  de  Villa  Nova  de  Foscôà,  s.  g. 

V.  Villa  Nova  de  Foscôa,  tomo  XI,  pag. 
847,  eol.  2.»  e  segg. 

2.»— D.  Ritta  da  Silva  Mendes. 

Casou  com  Daniel  Nunes  Viseu,  também 
rico  proprietário  e  negociante  d'esta  cidade, 
e  teve 

—Henrique  Nunes  Viseu,  de  quem  falla- 
remos  adiante. 

3.0 — Francisco  Antonio  da  Silva  Mendes  da 
Fonseca. 

Succedeu  a  seu  pae  e  falleceu  em  vida  de 
sua  mãe  em  1831,  estando  emigrado  por 
motivos  politicos  em  Paris. 

Foi  cavalleiro  da  O.  Ch.  e  um  doscontra- 
etadores  dos  ta-baeos  e  das  reaes  saboarias, 
— e  casou  depois  da  guerra  da  península  com 
D.  Margarida  da  Costa  e  Almeida,  irmã  dos 
generaes  José  Maria  da  Costa  e  Silva  e  vis- 
conde de  Tavira,  todos  tres  filhos  do  infeliz 
coronel  Francisco  Bernardo  da  Costa  Al- 
meida, tenente  rei  da  praça  d'Almeida  quan- 
do esta  foi  sitiada  pelos  francezes  e  explosiu 
em  1810,  pelo  que  foi  injusta  e  barbara- 
mente fuzilado  por  influencia  de  Beresford, 
para  salvar  a  responsabilidade  do  seu  cunha- 
do, o  brigadeiro  inglez  Guilherme  Cox,  en- 
tão governador  da  mesma  praça,  o  qual,  de- 
pois de  ouvir  o  conselho  de  guerra,  capitu- 
lou e  entregou  a  praça  aos  francezes,  por 
não  poder  sustèntar-se  depois  da  medonha 
explosão  do  paiol,  que  fez  voar  o  Castello  e 
desmantelou  a  praça,  matando  muita  gente 
e  inulilisando  as  munições  de  guerra  e  de 
boeea,  etc.  ^ 


1  V.  Almeida  n'este  diceionario  e  no  sup- 
plemento; — Villar  Formoso,  tomo  XI,  pagina 
1216, — e  Vimeiro  da  Lourinhã  no  mesmo 
vol.  pag.  1442,  eol.  1.» 

Dos  logares  citados  se  vô  que  o  procedi- 
mento d'alguns  ofificiaes  inglezes  em  Portu- 
gal durante  a  guerra  da  península  foi  muito 


Francisco  Antonio  Mendes  tirou  brasão 
d'armas  de  Silvas  Mendes  por  alvará  de  13 
de  setembro  de  1818,  e  do  seu  casamento 
com  D.  Margarida  da  Costa  e  Almeida  teve 
os  filhos  seguintes: 

1.  °— João  da  Silva  Mendes  que  segue; 

2.  " — D.  Liberata,  de  quem  logo  fallaremos. 

3.  °— Francisco  Antonio  da  Silva  Mendes, 
bacharel  formado  em  direito,  governador  ci- 
vil de  Viseu,  deputado  ás  côrtes  em  di0"e- 
rentes  legislaturas,  etc. 

Comprou  no  Rocio  de  Santo  Antonio,  hoje 
Passeio  de  D.  Fernando,  uma  casa  que  foi 
do  cónego  Agostinho  Valente  e  Iraosfor- 
mou-a  em  um  lindo  palacete,  o  mais  regu- 
lar de  Viseu  talvez. 
!    Está  solteiro  e  vive  em  Lisboa,  costuman- 
j  do  vir  passar  em  Viseu  apenas  alguns  dias 
i  por  oecasião  da  feira  de  S.  Matheus. 
I    4." — Antes  de  casar  teve  também  D.  Eu- 
genia da  Silva  Mendes,  da  qual  fallaremos 
adiante. 

João  da  Silva  Mendes  (n."  1)  succedeu  em 
[  grande  parte  d'esta  casa  e,  não  tendo  um 
[  curso  superior  de  lettras,  foi  muito  illustra- 
do,  dislineto  escriptor  publico  e  orador  tam- 
I  bem  distincto. 

Em  defesa  do  infeliz  tenente-rei,  seu  avô, 
escreveu  e  publiéou  um  livro,  ^  no  qual  o 
vindica  bem  das  injurias  e  calumnias  com 
que  Beresford  pretendeu  macular  o  caracter 


censurável  e  muito  censurado;  mas,  como  os 
inglezes  todo  lo  mandavam  entre  nós  in  illo 
tempore^  nada  soíTrerara — e  até  o  marechal 
Beresford  não  hesitou  em  tirar  aleivosamente 
a  vida  a  ura  brioso  coronel  portuguez,  para 
salvar  Guilherme  Cox,  seu  pairicio  e  cwn/m- 
do?!... 

1  Memoria  Biographica  do  Coronel  Fran- 
cisco Bernardo  da  Costa  e  Almeida,  tenente 
da  praça  d' Almeida  em  1810,  por  João  da 
Silva  Mendes,  mandada  publicar  pela  viuva 
e  filha  do  author— revista  e  accrescentada 
por  Antonio  Ribeiro  da  Costa  e  Almeida, — 
Porto,  1883,  4.»  de  300  pag.  XXXllI  com  a 
dedicatória  e  uma  advertência. 

É  um  livro  muito  interessante  e  muito  di- 
gno de  ler-se. 


VIS 


VIS  1735 


de  Ião  honrado  como  illuslrado  e  brioso  mi- 
litar,—publicação  que  muito  bonra  o  auetor, 
a  sua  família  e  o  nosso  paiz,  pois  todo  o 
paiz  lamentou  injustiça  ião  atroz  e  tão  fla- 
grante, que  o  nosso  rei  D.  João  VI,  estando 
ainda  no  Brazil,  mandou  rever  o  processo  e 
rehabilitou  a  memoria  d'aquelle  desgraçado, 
despachando  e  adiantando  os  seus  dois  fi- 
lhos na  carreira  militar  a-lé  o  posto  de  ge- 
neraes,  em  que  faileceram  nos  nossos  dias 

Falleceu  João  da  Silva  Mendes  sendo  mui- 
to vigoroso  ainda,  pois  não  contava  talvez  50 


1  O  infeliz  tenente-rei  era  natural  de  Al- 
meida e  bacharel  formado  em  mathematiea, 
filho  de  José  Bernardo  da  Costa  e  de  D.  Ma- 
ria Victoria.  Casou  com  D.  Antónia  Josefa  e, 
alem  dos  filhos  meneiooados  supra,  teve  ou- 
tro de  nome  Pedro  Maria  da  Costa  e  Almei 
da,  também  natural  d'AimpÍda,  quô  fci  veri- 
ficador da  Alfandega  no  Porto  e  depois  es- 
crivão da  mesa  grande.  Casou  em  Viseu  com 
D.  Bita  Emilia  de  Vilhegas  e  teve  os  filhos 
seguintes : 

—D.  Maria  da  Luz  da  Costa  Fon«eca  e 

— D.  Antónia  Emilia  da  Cosia  Vasconcel- 
l09,  ambas  casadas  em  Baião. 

—D.  Margarida  Amália  da  Costa  Maya, 
hoje  viuva  do  dislint-tisslmo  advogado  e  pro- 
fessor do  lyeeu  do  Porio,  o  dr.  Delfim  Maria 
de  Oliveira  Maia,  c.  g.-e 

—Antonio  Bibeiro  da  Costa  e  Almeida, 
bacharel  formado  em  direito,  professor  tftm- 
bem  no  lyceu  do  Porto  e  actualmente  gover- 
nador civil  d'aqui:'lle  districio,  tendo  sido 
deputadó  ás  cortes  em  diíTerentes  legislatu- 
ras, etc. 

Nasi-eu  em  Viseu  no  dia  21  de  setembro 
de  1828  e  desde  1832  tem  vivido  no  Porto, 
onde  cason  com  D.  Maria  Emilia  Mendes 
Pacheco,  fallecida  em  1871,  da  qual  teve  7 
filhos,  sendo  vivos  actualmente  os  seguinte?: 
— D.  Margarida  Amélia  da  Costa  e  Almeida, 
Luiz  Augusto  da  Costa  e  Almeida,  Manuel 
Maria  da  Costa  e  Almeida,  medico  em  Be- 
zende,  Antonio  Bibeiro  da  Costa  e  Almeida 
Juuior,  bacharel  formado  em  direito,  e  João 
Maria  Bibeiro  da  Co^^la  e  Almeida. 

O  sr.  dr.  Antonio  Bibeiro  da  Costa  e  Al- 
meida, neto  paterno  do  infeliz  tenente  rei, 
foi  lambem  muitos  annos  vogal  do  conselho 
de  districto  do  Porto,  procurador  e  presi- 
dente da  junta  geral  do  mesmo  districto,  etc. 

É  um  cavalheiro  de  raro  merecimento, 
muito  modesto,  muito  illuslrado  e  distineto 
escriptor  publico. 


annos,  e  a  sua  morte  foi  muito  sentida  em 
Viseu,  onde  tinha  grande  prestigio. 

Havia  casado  em  S.  S-oão  d'Areias  com  sua 
prima  D.  Eugenia  da  Silva  Mendes,  filha 
única  e  herdeira  de  José  Cupertino  Marques 
da  Silva,  medico  e  bom  proprieiario,— e  dei- 
xou os  filhos  seguintes : 

1.  °—D.  Antónia  da  Silva  Mendes,  já  fal- 
lecida. 

Casou  com  o  visconde  de  Loureiro,  Luiz 
de  Loureiro  de  Queiroz  Cardoso,  ^  filho  do 
i.°  barão  de  prime,  dos  quaes  já  se  fallou 
supra,  e  teve  D-  Eugenia  de  Loureiro  da 
Silva  Mendes,  casada  com  seu  primo  2."  José 
Belvas,  filho  do  grande  proprietário  da  Gol- 
legã  e  distineto  pholographo  Carlos  Belvas, 
como  já  dissemos,— e  Luiz  de  Loureiro  Car- 
doso, casado  no  Porto. 

2.  °— D.  Maria  do  Ceu  da  Silva  Mendes, 
ainda  solteira  e  que  vive  com  sua  mãe  al- 
ternadamente èra  Viseu,  Lisboa  e  S.  João  de 
Artrias. 

Fui  uma  senhora  formosíssima  e  é  talvez 
a  primeira  pianista-  da  Beira,  tendo  sido 
admirada  mesmo  em  Lisboa!.,. 


D.  Eugenia  da  Silva  Mendes,  filha  natu- 
ral de  Francisco  Antonio  da  Silva  Mendes 
supra. 

Foi  creada  por  sua  avô  a  baronesa  da  Sil- 
va^ que  a  educou  primorosamente  e  lhe  deu 
um  grande  dote  em  dinheiro,  terras  e  jóias 
para  casar,  como  casou,  com  seu  primo  co- 
irmão Henrique  Nunes  Viseu,  filho  de  sua 
tia  D.  Bita,  como  já  dissemos  supra. 

Falleceu  contando  pouco  mais  de  30  aa- 
uns  e  deixou  um  i  única  filha — D.  Eugenia 
Nunes  de  Viseu,  que  foi  lambera  primorosa- 
mente edueada  e  passou  muitos  annos  via- 
jando por  toda  a  Europa  e  Lisboa  com  seu 
pae. 

Depois  da  morte  d'elle  succedeu  era  to- 
da a  casa  e  foi  agraciada  cora  o  titulo  de 
viscondessa  de  S.  Caetano  pela  sua  liberali- 


1  Era  senhor  defuma  grande  casa,  mas  in- 
felizmente toute  est  perdue ! . . . 


1736  VIS 


VIS 


dade  para  com  os  pobres  e  desvalidos,  pois 
sendo  ainda  solteira  e  dispoDdo  de  grandes 
rendimentos,  gasta  os  todos  em  soeeorrer  os 
mendigos,  os  presos  da  cadeia  de  Viseu,  as 
viuvas  e  orphãos  e  toda  a  sorte  de  desvali- 
dos 6  necessitados.  Repelidas  vezes  lhes  dá 
inclusivamente  banquetes,  a  que  preside, 
roupas  e  avultadas  esmolas,  causando  as- 
sombro n'este  século  de  egoisrao  tanta  cari- 
dade e  generosidade! 

Em  todo  o  districto  de  Viseu  ninguém 
despende  hoje  mais  com  os  pobres  e  desva- 
lidos do  que  a  viscondessa  de  S.  Caetano,  pelo 
que  o  seu  nome  é  bemdito  por  todos. 

Vive  só  e  ainda  solteira  na  sua  bella  quin- 
ta de  S.  Caetano,  freguezia  de  Ranhados,  a 
meio  kilometro  de  Viseu;  é  uma  senhora 
muito  illustrada  e  falia  correctamente  diver- 
sas linguas. 

Deus  lhe  prolongue  a  existência- largos 
annos.  ^ 

4.°— D.  Liberata  da  Silva  Mendes,  filha  le- 
gitima de  Francisco  Antonio  da  Silva  Men- 
des supra. 

Casou  cora  o  medico  Jeronymo  Dias  de 
Azevedo,  natural  de  Podentes,  freguézia  do 
concelho  de  Penella,^  o  qual  se  tornou  ce- 
lebre em  1828,  porque,  acabando  eniào  de 
frequentar  o  4.»  anno  medico  na  Universi- 
dade, entrou  na  revolução  liberal  que  se  fez 
DO  Porto  a  16  de  maio  do  mesmo  anno,  pelo 
que  foi  conderanado  por  sentença  de  9  de 
julho  de  Í829  a  dar  3  voltas  em  roda  da 
forca,  confiscação  de  todos  os  bens  e  degre- 


-  Prolongou-lha  apenas  alguns  dias,  pois 
falleceu  a  bondosa  senhora  nos  princípios  de 
junho  do  corrente  anno  de  1888. 

No  seu  testamento  deixou  toda  a  sua  casa 
em  Uíu-fracto  a  uma  senhora  de  Lisboa  e 
por  morte  da  dieta  senhora  á  Misericórdia  de 
Viseu  para  fundação  e  dotação  de  um  Azylo 
de  Mendicidade  cora  o  nome  de  Azylo  da 
Viscondessa  de  S.  Caetano. 

Tendo  gasto  cora  os  pobres  grande  parte 
das  suas  rendas,  ainda  por  ultimo  instituiu 
os  pobres  por  herdeiros  í. . . 

Deus  a  tenha  em  bom  logar. 

2  V.  Podentes,  vol.  7.°  pag.  113,  col.  2.» 


do  perpetuo  para  Benguella,  com  pena  de 
morte  se  voltasse  ao  reino.  ^ 

Depois  de  1834  e  da  installação  definitiva 
do  governo  liberal,  volveu  ao  reino;  foi  exer- 
cer a  clinica  em  Viseu,  onde  casou  com  esta 
senhora;  metteu  se  na  alta  politica;  foi  de- 
putado em  diflerentes  legislaturas  e  gover- 
nador civil  do  Porto  e  de  Viseu,  par  do  rei- 
no, visconde  e  conde  de  Podentes,  ele. 

Tirou  brasão  d'armas  de  Dias  e  Azevedos 
por  alvará  de  23  d'abril  de  1852  e  falleceu 
em  1886  na  sua  bella  residência  de  Condei- 
xa, que  formou  sobre  um  hospício  das  ex- 
tinctas  ordens  religiosas,  prestando  àquella 
villa  outros  muitos  serviços,  pelo  que  em 
j  abril  do  corrente  anno  (1888)  a  camará  de 
Condeixa  deu  a  um  largo  d'ella  o  nome  de 
Conde  de  Podentes. 

Deixou  uma  única  filha,  ainda  solteira — 
D.  Margarida  da  Silva  Mendes  que  falleceu 
nos  principies  do  corrente  anno  de  1888,  ten- 
do casado  na  GoUegã  com  o  rico  proprietá- 
rio Carlos  Relvas,  deixando,  entre  outros  fi- 
lhos, José  Relvas  que,  segundo  já  dissemos, 
casou  em  Viseu  com  sua  prima  2.»  D.  Eu- 
genia, filha  do  visconde  de  Loureiro,  e  tem 
successão. 

12.* 

Teixeiras  de  Carvalho  (Ernestos  de  Viseu) 
hoje  condes  de  Prime. 

Esta  família  procede  de  José  Teixeira  de 
Carvalho,  que  no  ultimo  quartel  do  see.  xviii 
era  cavalleiro  da  O.  Ch.,  sargento  mór  re- 
formado da  1.'  plana  da  corto  e  ajudante  de 
ordens  do  general  da  província  da  Beira. 
Ganhou  grandes  sommas  no  contracto  do  ta- 
baco, em  que  foi  sócio  do  barão  de  Quin- 
tella,  e  nos  fins  do  ultimo  século,  quando  se 
extinguiu  em  Viseu  a  familia  Cosias  Ho- 
mens Soutomaiores,  uma  das  mais  nobres  da 
provinda,  arrematou  ou  comprou  a  grande 
quinta  de  Marzovellos,  junto  de  Viseu,  e  o 
grande  praso  do  Fojo,  na  freguezia  de  Ca- 
vernães,  a  7  kilometros  da  mesma  cidade, 
—praso  tão  antigo,  que  o  dr.  Botelho  aponta 
uma  renovação  d'elle,  feita  no  sec.  xv  1. .. 


1  V.  Porto  no  mesmo  vol.  pag  133. 


VIS 


VIS  1737 


Também  comprou  a  residência  d'aquella 
familia  em  Viseu,  no  Cimo  de  Vtlla,  alto  da 
rua  Direita,— casa  que  depois  reformaram  e 
transformaram  no  belJo  palacete  que  é  hoje 
do  conde  de  Prime  e  no  qual  se  vê  o  brasão 
d'armas  de 

—José  Ernesto  Teixeira  de  Carvalho,  filho 
e  sueeessor  de  José  Teixeira  de  Carvalho. 
Tirou  o  fôro;  foi  cavalleiro  da  O.  Ch.  e  senhor 
de  um  vinculo  em  Villar  Secco,  antigo  con- 
celho de  Senhorim,  junto  de  Santar,  e  mor- 
reu em  1831,  tendo  casado  com  D.  Maria 
José  de  Sampaio,  irmã  do  visconde  de  Labo- 
rim,  da  qual,  entre  outros  filhos  que  morre- 
ram s.  g.,  teve 

—Antonio  Teixeira  de  Carvalho  e  Sam- 
paio, que^egue, 

— D.  Maria  Eduarda. 

Casou  com  Antão  Garcez  Pinto  de  Madu- 
reira, tenente  general  e  barão  da  Várzea  do 
Douro,  s.  g.,  e 

—Pedro  Carlos  Teixeira  de  Sampaio. 

Casou  cora  D.  Maria  Emilía  d'Albuquer- 
que  e  Bourbon,  filha  2.»  da  casa  do  Arco  em 
Viseu,  c.  g. 

António  Teixeira  de  Carvalho  e  Sampaio, 
supra,  F.  C.  R.,  succedeu  no  vinculo  de  Vil- 
lar Secco,  no3  prasos  de  Marzovellos  e  Fo- 
jo, e  na  casa  de  Viseu,  etc.  Casou  com  D. 
Maria  Thomasia  da  Rocha,  natural  do  Por- 
to, e  tiveram  uma  uoica  filha 

— D.  Maria  da  Gloria  Teixeira  de  Carva- 
lho. ! 

Casou  a  primeira  vez  com  Luiz  de  Lou-  I 
reiro  de  Queiroz  Cardoso  do  Couto  Leitão, 
comraendador  da  O.  Ch.,  administrador  ge- 
ral do  districto  de  Viseu  em  1837,  senhor 
das  casas  de  Prime,  Abravezes,  Viseu,  quin- 
ta de  Travassos,  casal  d'Alvellos  junto  de 
Viseu,  6  de  um  bom  edificio  brasonado  na 
rua  de  S.  Miguel,  em  Viseu,  1.»  barão  de 
Prime,  etc,  e  tiveram  um  filho  único 

—Luiz  de  Loureiro,  que  foi  feito  viscon- 
de de  Loureiro,  em  rasão  de  sua  mãe  e  pa- 
drasto continuarem  com  o  titulo  de  Prime, 
— e  casou  com  a  viscondessa  D.  Antónia  da 
Silva  Mendes,  filha  de  João  da  Silva  Mendes, 
como  já  dissemos  supra, 

A  baronesa  de  Prime  D.  Maria  da  Gloria 


casou  2."  vez  cora  José  Porflrio  Rebello,  co- 
mo já  dissemos  também  supra;  foram  feitos 
viscondes  e  depois  condes  de  Prime  e  tive* 
ram  os  filhos  seguintes: 

i°—José  Porfírio  Rebello,  ainda  solteiro  e 
empregado  na  alfandega. 

'í.'— Fernando  Rebello,  casado  e  emprega- 
do no  correio. 

3.°— Antonio  Rebello,  casado  e  também 
empregado  publico  na  repartição  de  fazenda. 

i.°—Luiz  Rebello,  ainda  solteiro. 

FAMÍLIAS  NOBRES  DE  VISEU 

Parte  II 
Exíincfas  ha  menos  de  um  século 
1.» 

Mellos  Castros  d' Abreu,  condes  de  Santa 
Eulália. 

Foi  esta  familia  extineta  pela  morte  do  1.° 
conde  de  Santa  Eulália  e  único.  Falleceu  sem 
testamento  e  sem  geração  legitima  d'elle  e  de 
seus  irmãos  no  dia  24  de  setembro  de  1886, 
representando  uma  das  famílias  mais  opu- 
lentas de  Viseu.  Calculava-se  esta  casa  em 
300  a  400  contos  de  réis,  comprehenden- 
do  muitas  propriedades,  lettras  e  dinheiro 
em  cofre  e  nos  bancos,  posto  que  já  o  irmão 
primogénito  do  conde  tinha  vendido  por  30 
contos  a  José  Joaquim  Pereira  dos  Santos, 
depois  (em  1851)  1.°  barão  de  Fornellos,  o 
paço  de  Fornellos,  em  Rezende,  *  antigo  so- 
lar da  familia  Teixeiras  Pinto,  da  qual  des- 
cendia a  avó  materna  do  conde. 

Esta  familia  tinha  muitos  bense  uma  an- 
tiga casa  de  residência  em  Viseu  e  talvez 
mais  de  80  moios,  ou  de  4:800  alqueires  de 
pão,  de  renda;  duas  casas  antiquíssimas  com 
muitos  prédios  e  grandes  rendas  em  Oli- 
veira de  Frades,  e  a  antiga  casa  de  Santa  Eu- 
lalia  dos  Coutos  no  concelho  de  Castendo, 


1  V.  Rezende,  tomo  VIII,  pag.  160,  col.  2.* 
— e  Villa  Verde,  quinta,  vol.  XI,  pag.  1101, 
col.  2.»  também. 

O  dieto  paço  e  suas  dependências  valiam 
mais  de  60  contos  de  réis    . . 


1738  VIS 


VIS 


procedente  dos  Figueiredos,  pois  descendiam  l 
por  varonia  de  Braz  de  Figueiredo  Castello  \ 
Branco,  chanceler  da  relação  do  Porto,  que  | 
viveu  nos  principios  do  sec.  xv  e  foi  senhor  j 
do  morgado  de  Gondomar^  morgado  que 
continuou  no  ramo  primogénito— firiYos,  de 
Coimbra. 

Braz  de  Figueiredo  era  um  dos  numero- 
sos descendentes  do  bispo  de  Viseu  D.  Gon- 
çalo de  Figueiredo,  o  anchinho,  patriarcha 
dos  Figueiredos  da  Beira,  i— e  pelos  Mellos 
o  conde  de  Santa  Eulália  descendia  dos  Mel- 
los de  Lnzinde,  ramo  legitimo  dos  senhores 
de  Mello. 

O  conde  de  Santa  Eulália,— Antonio  Au- 
gusto de  Mello  Castro  e  Abreu— nào  deixou 
sobrinhos  nem  parentes  próximos;  são  pois 
em  cardume  os  herdeiros  presumptivos  que 
pleiteiam  a  herança,  porque  deixou  muitos 
parentes  dentro  do  6."  grau  por  todas  as  li- 
nhas. 

Só  em  3."  e  4.°  grau  se  andam  habilitando 
7  parentes:— 3  irmãs  da  casa  de  Fataunços, 
em  Lafões;  2  senhoras  bastardas  da  mesma 
familia;  João  de  Mena  Falcão,  de  Pinhel,  e 
D.  Maria  Victoria,  de  Sebolido  no  Douro. 
Em  4.»  grau  canónico  deixou  vinle  e  tantos 
parentes;  em  õ.°  grau  deixou  40  a  50— e  em 
6."  grau  deixou  talvez  mais  de  80 1 . . . 

Como  a  fortuna  é  grandefervilham  também 
os  agiotas  e  larápios,  ou  compaphias  d'ollio 
vivo;  já  appareeeram  diversos  testamentos 
que  se  julgam  falsos,  um  pretendido  filho 
natural,  etc.  ete. 

Tarde  acabarão  as  demandas,  pelo  que  a 
justiça  é  uma  das  melhores  herdeiras,  e  lam- 
bera já  se  apontam  grandes  roubos  de  mo- 
bília, jóias,  leltras  e  títulos.  ^ 


»  V.  pag.  1603.  supra,  n.»  36. 

2  Dois  dos  pretendidos  herdeiros  são  da 
freguezia  da  Penajoia,  concelho  de  Lamego 
— Dionísio  Teixeira  de  Macedo  e  Castro,  ali 
residente,  e  seu  irmão  Joaquim  Teixeira  de 
Macedo  e  Castro,  residente  em  Setúbal. 

Das  companhias  d'olho  vivo  foi  uma  for- 
mada no  Porto,  mas  já  está  a  ferros  um  dos 
socios,~outro  prestou  fiança — e  outros  an- 
dam a  monte  I . . . 


2.  » 

Costas  Homens  Soutomaiores,  de  Viseu. 

Esta  familia  extinguiu-se  por  falta  de  suc- 
cessão  no  ultimo  quartel  do  século  xviii  e 
vivia  em  uma  casa  antiga  que  depois  foi 
restaurada  e  transformada  no  palacete  que 
é  hoje  dos  condes  de  Prime,  como  já  disse- 
mos, quando  fallámos  da  familia  n.°  12, — 
Teixeiras  de  Carvalho. 

Estes  Costas  Homens  foram  uma  das  famí- 
lias mais  nobres  e  mais  importantes  de  Vi- 
seu durante  alguns  séculos,  e  procediam  dos 
Costas  Homens^  padroeiros  da  Lagiusa,  bem 
como  o  celebre  cavalleiro  de  Comorhn  que, 
na  opinião  d'alguns  auetores,  foi  um  dos  12 
de  lDglaterra,-companheiros  do  lendário  Ma- 
griço na  romântica  empresa  cantada  por  Ca- 
mões. 

V.  Cêa,  tomo  2.'  pag.  223. 

3.  »  ^ 

Loureiros,  senhores  do  solar  de  Loureiro 
n'este  concelho,  a  7  kilometros  de  Viseu,  e 
que  também  tinham  casa  brasonada  na  rua 
do  Soar  de  Baixo. 

Passavam  por  ser  os  chefes  e  ramo  primo- 
génito dos  Loureiros  em  Portugal,  foram 
os  fundadores  e  dotadores  da  freguezia  de 
Silgueiros,  visioba  do  solar  de  Loureiro,  cu- 
jo morgado  foi  instituído  no  sec.  xni  ouxiv; 
— e  foram  também  até  1834  padroeiros  da 
dieta  egreja,  que  tinha  um  passal  magnifico, 
doado  pelos  fundadores.  João  Annes  de  Lou- 
reiro 8  sua  mulher  e  depois  seus  successo- 
res  em  1551  obtiveram  um  breve  do  papa 
Julio  III  para  annexarem  ao  vinculo  dos 
Loureiros  duas  terças  partes  dos  dizimos 
d'aquella  freguezia,  que  era  muito  grande, 
ficando  a  outra  terça  constituindo  a  côn- 
grua do  abbade. 

Esta  casa  D'outro3  tempos  valia  mais  de 
200  contos  e  foi  ultima  senhora  d'ella  D. 
Maria  Emilia  de  Loureiro,  prima  direita, 
herdeira  universal  e  viuva  de  Manuel  Cazi- 
miro  de  Loureiro,  que  era  o  senhor  d'esta 
casa  e  falleceu  c.  g.  Depois  aquella  senhora, 
tendo  mais  de  60  aúnos^  casou  em  seguidas 


VIS 


VIS  1739 


núpcias  com  o  seu  parente  Henrique  de  Le- 
mos, de  30  annos,  filho  2.»  dos  Lemos  de  S. 
Gemil  e  irmão  de  Heitor  de  Lemos,  senhor 
da  casa  (V.  Famílias  principaes  de  Viseu, 
n."  7)  ao  qual  Henrique  de  Lemos  a  dieta 
senhora  por  sua  morte  deixou  em  1883  tam- 
bém toda  a  casa  de  Loureiro. 

Ficou  pois  Henrique  de  Lemos  senhor  de 
uma  grande  fortuna,  mas  em  poucos  annos 
desbaratou-a  ioda  I 

O  celebre  e  antiquíssimo  solar  de  Lou- 
reiro com  suas  paredes  e  torres  ameiadas, 
e  bella  quinta  pegada  com  malta  etc,  foi 
tudo  arrematado  em  praça,  para  pagamento 
de  dividas  do  ultimo  senhor  dVlla,  por  insi- 
gnificante preço  por  um  negociante  de  vinhos 
em  Lisboa,  que  trouxe  fortuna  do  Brazil, 
chamado  Samos  Lima,  natural  de  Cazal  San- 
cho, fregue2ia  de  Santar,  concelho  de  Nel- 
las,  e  é  quem  hoje  possue  este  solar. 

Um  dos  homens  mais  notáveis  que  pro- 
dusiu  esta  familia  foi  o  Grão  Capitão  Luiz 
de  Loureiro,  morgado  e  senhor  de  Lourei- 
ro, F.  C.  R.,  do  conselho  d'el-rei  D.  João  111, 
governador  e  capitão  general  das  seguintes 
praças  fortes  d'Africa—  Çafim,  Santa  Cruz  do 
Cabo  de  Agner,  Marzagão,  Arzilla  e  Tangere 
e  adail  mór  do  reino,  heroe  de  grandes  faça- 
nhas bellicas  em  Africa  nos  reinados  de  D. 
Manuel  e  D.  João  HL  Militou  na  Africa  du- 
rante 43  annos  e  foi  morto  gloriosamente 
pelos  mouros,  depois  de  os  ter  vencido,  na 
noute  de  13  de  março  de  1553,  como  dizem  a 
Hist.  de  Tungere  do  conde  da  Ericeira,  e  a 
Historia  do  Grão  Capitão,  livro  3."  cap.  44, 
obra  hoje  raríssima,  publicada  em  Lisboa  no 
anno  de  1782  por  Lourenço  Anastácio  Me- 
xia Galvão.  Alem  de  um  filho— Luiz  Annes 
de  Loureiro— que  lambem  foi  morto  na 
Africa  pelos  mouros,  contando  apenas  14 
annos,  deixou  mais  duas  filhas,  as  quaes, 
uma  apoz  outra,  foram  ambas  senhoras  do 
Dobilissimo  solar  de  Loureiro.  Casou  a  1.» 
com  o  4."  senhor  de  Penafiel — Lopo  Peixoto 
de  Mello,— e  a  2.»  com  D.  Lopo  da  Cunha, 
senhor  de  Santar,— ambas  s.  g.  pelo  que 
passou  a  dita  casa  ao  ramo  immedialo  col- 
lateral  do  Grão  Capitão,  do  qual  descendem 
03  ultimes  senhores  d'ella. 


O  nobilíssimo  solar  de  Loureiro  estava 
dividido  em  duas  casas  pegadas,  cada  uma 
com  sua  capella  e  sua  torre  ameiada,  e  com 
brasões  e  vínculos  diílcrentes. 

Uma  das  mencionadas  torres  (a  mais  no- 
va) linha  esta  inscripção; 

Torre  solar  da  família  de  Loureiro, 
mandada  construir  por  seu  14.°  senhor 
João  d'Alkeida  de  Loureiro 

Representavam  duas  famílias  difi^erentes 
formadas  em  tempos  muito  remotos  por  dois 
irmãos  da  mesma  casa  de  Loureiro;  assim 
se  conservaram  com  vínculos  próprios  du- 
rante séculos,— e  vivendo  a  paredes  meias 
e  sendo  ambas  as  famílias  do  mesmo  sangue, 
com  o  tempo  malquistaram-se  de  fórma  que 
se  tornou  tradicional  o  odio  entre  ellas.  De- 
pois de  grandes  desgostos  congraçaram-se 
pelo  casamento  do  herdeiro  de  uma  com  a 
herdeira  da  outra,  i  apesar  da  grande  oppo- 
sição  dos  paes,  que  chegaram  a  tapar  as  ja- 
nellas  fronteiras,  apenas  notaram  a  recipro- 
ca aíTeição  dns  futuros  cônjuges,  seus  filhos. 

Esta  nobilíssima  casa  é  o  solar  da  familia 
Loureiros  em  Portugal,  pelo  que  sempre 
usou  do  appellido  Loureiro;  Loureiro  é  lam- 
bem o  nome  da  povoação  que  se  formou,  com 
o  decorrer  do  tempo,  em  volta  da  dieta  casa 
pelos  caseiros  d'ella,— e  na  grande  cerca  da 
casa  e  em  toda  a  povoação  de  Loureiro  bro- 
tam espontaneamente  por  toda  a  parte  os 
loureiros  I 


*  Ura  facto  muito  semelhante  se  deu  com 
uma  das  primeiras  famílias  do  Minho — a  fa- 
milia Bretiandos,  pois  no  seu  solar  de  Bre- 
tiandos  havia  duas  casas  também  pegadas, 
com  vínculos  próprios  e  d ifff rentes,  instituí- 
dos no  reinado  de  D.  Sebastião  por  ígnez 
Pinta,  senhora  da  dieta  casa,  —  um  morga- 
do para  o  filho  primogénito— e  outro  para 
o  filho  segundo.  Assim  se  conservaram  lam- 
bem as  duas  casas  divididas  até  que  nos  fins 
do  ultimo  século  se  juntaram  lambem  pelo 
casamento  do»  paes  do  1.°  conde  de  Bretian- 
dos, avós  do  3.*  e  actual  conde  d'este  titulo. 
V  Chorogr.  Port.  tomo  1.°,  pag.  208. 


1740  VIS 


VIS 


4.  » 

Almeidas  e  Vasconcellos  de  Mello  e  Ahreu, 
de  Santo  Estevam. 

Esta  familia  também  desappareceu  em 
nossos  dias,  approximadamente  em  1860, 
pela  morte  da  ultima  senhora  d'esta  casa— 
D.  Maria  Caudida  d'Almeida  Vasconcellos 
de  Mello  Abreu  e  Carvalho,  viuva  de  Luiz 
Augusto  de  Nápoles  e  Bourbon,  senhor  da 
casa  dos  Nápoles  da  Prebenda,  em  Viseu,  por 
ter  fallecido  s.  g. 

Depois  de  muitas  demandas  com  Antonio 
de  Mello  Caiado,  de  Trovões,  herdaram  esta 
casa  e  quinta  de  Santo  Estevam  D.  Maria 
Cândida  de  Lemos  Carvalho  e  Sousa,  viuva, 
(irmã  de  Marianno  de  Lemos,  da  Quinta  do 
Ribeiro,  i  e  avô  do  barão  do  Seixo)  e  sua  ir- 
mã D.  Maria  Ludovina  de  Lemos  Carvalho 
e  Sousa,  também  jà  viuva,  mãe  do  desem- 
bargador Bernardo  de  Lemos  Teixeira  de 
Aguilar,  as  quaes  venderam  a  quinta  de 
Santo  Estevam  e  mais  bens  d'esta  casa  aos 
drs.  Andrades,  de  Cimo  de  Villa,  em  Viseu. 
A  casa  da  Torre,  da  rua  da  Cadeia  (onde  l 
nasceu  el-rei  D.  Duarte  2)  que  pertencia 
também  por  successão  á  familia  de  Santo 
Estevam,  foi  vendida  ao  dr.  Francisco  Bar- 
roso, ex-deputado,  e  é  hoje  da  viuva  e  filhos. 

A  grande  Quinta  de  Santo  Estevam  per- 
tence hoje  a  Bernardo  d'Andrade,  filho,  e 
sobrinho  dos  compradores,  que  vive  no  Por- 
to, casado  com  uma  sobrinha  do  visconde 
de  Fragosella,  capitalista  brasileiro,  resi- 
dente também  no  Porto,  mas  filho  de  Ranha- 
dos, no  concelho  de  Viseu. 

Bernardo  d' Andrade  restaurou  a  dieta  ca- 
sa, fez-lhe  na  frente  um  bello  jardim  e  n'ella 
costuma  ir  passar  alguns  mezes  no  verão. 

5.  » 

Loureiros  Serpes  de  Sonsa  e  Mello,  da 
quinta  do  Cruzeiro  em  Viseu. 


1  V.  Paredes  da  Beira  e  Villa  Nova  de  Ou- 
rem. 

2  V.  Edifícios  brasonados  particulares  su- 
pra, pag.  1552,  col.  2.»  n.«  11. 


Esta  familia,  posto  que  não  extincta,  não 
vive,  ha  mais  de  um  século,  na  sua  quinta 
do  Cruzeiro,  que  demora  junto  do  portão  da 
grande  avenida' do  paço  episcopal  de  Fon- 
tello  e  tomou  o  nome  do  Cruzeiro,  por  ter 
sobre  o  portão  que  dá  entrada  para  o  pateo 
uma  linda  cruz  de  granito  arrendada 

Esta  familia  viveu  ali  séculos  eom  muito 
lustre,  sendo  uma  das  primeiras  de  Viseu.^ 
Os  seus  representantes  foram  senhores  do 
grande  praso  de  Lourosa  da  Telha,  a  5  ki- 
loraetros  d'e8ta  cidade,  e  da  grande  quinta 
do  Covello  na  freguezia  de  S.  Pedro  de  Fran- 
ce,  etc ;  depois,  por  falta  de  successão  no 
ramo  primogénito,  passou  esta  casa  toda  pa- 
ra o  ramo  2."  representado  nos  nossos  dias 
pelo  distinctissimo  e  honradissimo  cavalhei- 
ro Miguel  Piuto  de  Queiroz  Serpe  de  Mello, 
de  S.  Nicolau,  moço  fidalgo  com  exercício, 
senhor  da  casa  e  morgado  de  Santo  Antonio 
de  Favaios  e  d'esta  casa  do  Cruzeiro,  bem 
como  da  de  Lourosa  da  Telha^  da  quinta  do 
Covello  e  do  morgado  de  S.  Nicolau  em  Al- 
congosta,  no  Fundão,  etc. 

Por  causa  das  perseguições  politicas  dei- 
xou a  sua  casa  de  Favaios  em  1834  e  foi 
viver  na  de  Lourosa  da  Telha,  que  elevou  a 
grande  rendimento  com  enorme  plantação 
de  vinhedos,  e  ali  falleceu  ha  annos. 

Nas  partilhas  tocou  a  quinta  do  Cruzeiro  a 
um  dos  seus  filhos— o  dr.  Henrique  de  Quei- 
roz Pinto  d'Athaide  e  Mello,  o  qual  mandou 
reformar  a  bella  habitação  do  Cruzeiro,  mas 
nunca  ali  viveu.  Sendo  já  viuvo  e  s.  g., 
casou  segunda  vez  em  1887  com  D.  Maria 
José  de  Lemos  e  Azevedo,  da  quinta  da  Cruz, 
na  freguezia  de  Casteljões,  em  Besteiros,  fi- 
lha de  José  Maria  de  Lemos  de  Azevedo,  ir- 
mão de  Marianno  de  Lemos  mencionado  su- 
pra. 


1  Conhecemos  na  Beira  mais  3  cruzes  no 
mesmo  estylo:— uma  na  frente  da  egreja  de 
Sendim,  concelho  de  Taboaço,  —  outra  na 
frente  da  formosa  capella  ou  sanctuario  dos 
Martyres,  pertencente  a  nobre  familia  Aze- 
vedos,  hoje  muito  dignamente  representada 
por  Marianno  de  Lemos  d'Azevedo,  em  Pa- 
redes da  Beira,— e  outra  no  sanctuario  de 
Nosòa  Senhora  das  Fontes,  imlo  de  Pinhel, 
sendo  esta  ultima  a  mais  mimosa  de  todas 


VIS 


VIS  1741 


Henrique  de  Queiroz,  actual  possuidor  da 
quinta  do  Cruzeiro,  é  irmão  do  falleeido  Ben- 
to de  Queiroz  e  do  dr.  yaleriàno  Pinto  de 
Queiroz,  ambos  filiios  (mais  4  irmãos  e  2 
irmãs)  do  sobredito  cavaljieiro  Miguel  Pinto 
e  de  sua  mulher  D.  Augiista  Vaz  Pinto  de 
Athaide,  da  casa  do  Arcoae  Villa  Real,  co- 
mo já  dissemos  supra  m  tópico  das  famí- 
lias principaes  de  Viseu,  ú'  10. 

Casas  e  quintas  notáveis  m  Viseu  e  nos  seus 
arrabaldes,  mas  não  hmtadas  pelos  seus 
antigos  donos.  1 

....  j 

i 

.  Ortiz  de  Vilhegas,  em  V^eu. 

Esta  casa  em  estylo  maibelino  meio-go- 
thico  demora  no  largo  do  ollegio;  tem  na 
frente  4  janellas  gothieas  nklto  ornamenta- 
das com  columnas  ao  centij,  olhando  para 
o  Collegio,  antigo  Serainari({  A  parte  poste- 
rior olha  para  o  Campo  da^Feira,  Cava  de 
Viriato,  Abravezes,  ete.  donnando  um  vas- 
tíssimo e  lindíssimo  horisore. 

É  um  dos  mais  interessates  miradouros 
de  Viseu— e  Miradouro  se  djiominava  anti- 
gamente o  chão  em  que  foieita,  junto  dos 
velhos  muros,  pelo  abbade|e  Castellões  e 
chantre  de  Viseu  Fernando  )rtiz  de  Vilhe- 
gas, sobrinho  de  D.  Diogo  Qiz  de  Vilhegas 
bispo  visiense,  i  pelo  que  jàni  1630  a  1636 
o  dr.  Botelho  nos  seus  Diã^gos  lamentou 
que  o  dicto  chantre  fosse  fa^  ali  casa,  to- 
lhendo um  dos  mais  lindos  jisseios  de  Vi- 
seu ao  Miradouro  e  que  titia  mais  bellas 
vistas.  E  o  escândalo  subiule  ponto,  de- 
pois que  a  familia  Chaves,  nncionada  su- 
pra sob  o  n,°  6,  fez  também  oirano  mesmo 
sitio,  ao  lado  da  dos  Vilhegas 

Esta  casa  pertenceu  aos  seiores  de  Mol- 
leio?,  porque,  como  diz  àHisÇeneal.  da  C. 
B.,  tomo  12,  fl.  23,  o  chantre indador  teve 
uma  filha  única,  D.  Leonor  Ok,  a  qual  ca- 
sou com  o  senhor  de  Molleloao  qual  des- 


1  V.  o  nosso  catalogo  supr 
col.  1.%  n."  52. 

VOLUME  XI 


pag.  1609, 


cendem  os  actuaes,  e  já  n'este  século  foi  a 
dieta  casa  comprada  por  um  cónego,  de  al- 
cunha o  bonito,  da  familia  Bandeiras  da  Ga- 
ma, de  Torre  Deita,  que  lhe  poz  o  seu  bra- 
são de  Mellos  sobre  o  arco  do  portão  de  en- 
trada. 

As  armas  dos  Ortiz  de  Vilhegas,  postas 
pelo  fundador,  lá  se  vêem  também  ainda  em 
um  escudete  sobre  a  cornija,  e  são  perfeita- 
mente iguaes  ao  brasão  qm  D.  Diogo  Ortiz 
collocou  na  riquíssima  abobada  da  Sé,  como 
já  dissemos  supra. 

V.  pag.  1577,  col.  1.»  e  segg. 


Casa  dos  Lopes  de  Sousa  e  Lemos,  de  San- 
tar. 

N'este  palacete,  hoje  Grémio  Visiense,  ain- 
da nos  séculos  xvii  e  xviii  viveram  muitos 
avós  de  D.  Ruy  Lopes  de  Sousa  Alvim  e  Le- 
mos, de  Santar,  dos  quaes  adiante,  no  tópico 
dos  Visienses  illustres,  mencionaremos  um, 
que  foi  quem  acelamou  em  Viseu  el-rei  D. 
João  IV,— e  ainda  hoje  na  Sé  se  vêem  for- 
mosas campas  de  mármore  com  inscripções 
e  o  brasão  dos  Lopes  de  Sousa,  da  dieta  ca- 
sa, senhores  e  padroeiros  das  abbadias  de 
Bordonhos  e  Várzea  em  Lafões,  etc. 

O  dicto  palacete  foi  queimado  pelos  fraa- 
cezes  e  assim  se  conservou  em  ruinas  até 
que,  já  depois  do  raeiado  d'este  século,  o  sr. 
D.  Ruy  Lopes  o  restaurou  luxuosamente. 
Faltavam-lhe  apenas  algumas  decorações  de 
pintura,  quando  n'elle  se  manifestou  em 
certa  madrugada  ura  incêndio  que  em  pouco 
mais  de  uma  hora  o  reduziu  todo  a  cinzas  1 
Ficou  tão  magoado  o  sr.  D.  Ruy  que  vendeu 
logo  o  dicto  palacete  com  o  quintal  a  uma 
das  sociedades  recreativas  de  Viseu,  a  qual 
n'elle  funcciona  com  o  titulo  de  Grémio  Vi- 
siense, depois  de  restaurado. 

Ê  um  edifiL'10  muito  regular  com  seu 
frontão  e  uma  bella  varanda  envidraçada  so- 
bre a  rua  Formosa,  em  sitio  alio  e  alegre, 
com  a  frente  voltada  para  o  Passeio  de  D. 
Fernando  e  dominando-o  todo. 

Era  brasonado,  mas  o  sr.  D.  Ruy  Lopes, 
quando  o  vendeu,  lirou»lhe  o  brasão. 

V.  Santar. 

110  * 


1742 


VIS 


VIS 


3.» 


Casa  antiga  com  janellas  gothicas  de  co- 
lumna  ao  centro. 

Demora  esta  casa  a  meio  da  rua  Direita; 
as  suasjinellas  são  muito  ornamentadas  em 
puro  esiylo  gothico  e  n'este  género  ^%  pri- 
meiras de  Viseu.  Semelham-se  às  da  casa 
dos  Vilhegas,  ao  Miradouro,  descriptas  já 
n'este  tópico  sob  o  n.°  1;  são  porem  mais 
ornamentadas  e  mais  antigas  talvez;— mais 
antigas  mesmo  talvez  do  que  o  janellão  go- 
thico da  celebre  casa  da  Torre,  na  rua  da 
Cadeia. 

A  casa  de  que  no  momento  nos  occupa- 
mo.-(  nunca  foi  habitada  em  nossos  dias,  e 
até  já  está  descoberta.  Pertence  a  Joaquim  ; 
Soares  da  Silveira,  genro  do  dr.  Francisco  ! 
Barroso,  proprietário  que  foi  da  casa  da  \ 
Torre.  Devia  pertencer  outr'ora  a  família  I 
muito  importante,  mas  ignoramos  qual 
fosse. 

4.» 

Casa  dos  Paes. 

Defronta  com  a  rua  da  Ribeira  ou  estrada 
real  n.°  7,  e  olha  para  a  rua  da  Calçada. 

Foi  feita  por  um  tal  sr.  Paes,  de  familia 
obscura  e  pobre,  cujo  chefe  no  seu  regresso 
de  uma  peregrinação  á  Terra  Santa  foi  es- 
tabelecer-se  em  Viseu  e,  inculcando  se  ao 
povo  como  homem  de  grande  piedade,  o  po- 
vo o  seguia,  attendia  e  respeitava  quasi  como 
santo,  pelo  que,  abrindo  peditório  geral  para 
a  fundação  de  um  hospício  ou  casa  de  edu- 
cação para  meninos  pobres,  todos  de  bom 
grado  o  auxiliaram  com  dinheiro,  madeiras, 
serviço  pessoal,  etc,  e  assim  fundou  a  gran- 
de casa  de  que  nos  oecupamos  e  que  é  muito 
ampla  e  foi  bera  acabada  1  Tem  um  bom 
claustro  com  varandas  em  volta,  assentes 
sobre  columnas;  balaustrada  de  pedra  muito 
bem  lavrada;  bons  portaes  eom  apilarados  e 
janellas  com  um  colarinho  circular  por  ci- 
ma, etc,  mas,  depois  de  concluir  o  edifício, 
raeiteu-se  n'elle  com  a  familia  e  n'elle  viveu  e 
morreu  sem  dar- lhe  outro  destino!  Parece 
porem  que  Deus  o  castigou,  pois  todos  lhe 
voltaram  as  costas;  viveu  como  excommun- 


gado  o  resto  dos  seus  dias;  morreu  pobrís- 
simo;— e  pobríssimos  viveram  e  morreram 
todos  03  seus  filhos  e  filhas,  cobertos  de  an- 
drajos e  de  vergonha  e  entregues  a  toda  a 
casta  de  vícios!. .. 


5.' 


O  palacete  dos  morgados  de  Santa  Chris- 
tina. 

Foi  de  Manuel  Nicolau  Cardoso  d'Abreu 
Magalhães^  que  en  1834,  abandonando  a  sua 
bella  residência  le  Gavinhas,  freguezia  de 
Oliveira  do  Hosptal,  para  fugir  aos  insultos 
dos  Brandões  deVIidões,  que  ao  tempo  eram 
o  açoute  e  terro  da  Beira,  fazendo  pendant 
com  08  Marçaesâe  Foscôa,  açoute  e  terror 
do  Alto  Douro.*  foi  viver  na  sua  casa  da 
Povoa  d'Arenos,  concelho  do  Carregal,  on- 
de falleceu  haannos,  deixando  a  casa  de 
Santa  Christin  e  mais  morgados  á  sua  fi- 
lha primogenit  D.  Maria  Augusta  de  Mello 
e  Mendonça  d'.breu  Magalhães.  Casou  esta 
senhora  em  sçundas  núpcias  eom  Manuel 
de  Mendonça  hleão  da  Cunha  e  Távora,  se- 
nhor da  casa  d  Girabolhos  e,  fallecendo  s.  g. 
em  1881,  deixu  o  usofructo  de  toda  a  sua 
casa  a  este  seiíndo  marido,  que  falleceu  em 
fevereiro  de  i8ò,  passando  a  dieta  casa  a 
uma  sobrinh  da  testadora, — D.  Ignez  de 
Abreu,  filha  o  2."  conde  de  Fornos  d'Aigo- 
dres,  casada  )m  Gelásio  Valério  de  Maga- 
lhães, nalursda  Ovoa,  concelho  de  Santa 
Combadão,  ode  reside,  pelo  que  esta  casa 
continua  arndada  a  differentes  inquilinos, 
como  tem  arado  desde  a  invasão  franceza. 

É  um  dosnelhores  e  mais  regulares  pa- 
lacetes de  Veu,  com  seu  frontão  e  n'elle  as 
armas  dos  ardosos,  Mesquitas  e  Abreus. 


1  V.  Mids,  Oliveira  do  Hospital,  Taboa, 
Várzea  daandosa.  Várzea  da  Mervje,  Vi- 
de, íreguez  do  concelho  de  Geia,  Villa  No- 
va de  Foèa,  tomo  XI,  pag.  842,  col.  2.% 
ProvezendXovao  7.»  pag.  709,  col.  1 ',  e  Lá 
Vendetta  c  O  saldo  de  contas,  por  Arsênio 
Chatenay,ieudonymo  de  Antonio  da  Cunha 
nascido  eiLourosa  e  residente  em  Várzea 
de  Trcvõecomo  dissemos  loc.  cit.  no  tomo 
X,  pag.  2. 


I 


VIS 


VIS  1743 


Tem  a  frente  principal  sobre  o  terreiro  de 
Santa  Christina  e  uma  boa  frontaria  também 
sobre  a  rua  da  Regueira,  hoje  rua  de  D. 
Luiz  I. 

6.» 

O  palacete  de  Francisco  Antonio  da  Silva 
Mendes. 

Demora  ao  cimo  do  Largo  de  Santo  Anto- 
nio, hoje  Passeio  de  D.  Fernando  ;— é  uma 
das  casas  mais  luxuosas  e  mais  elegantes  de 
Viseu— e  tem  um  bello  frontão  com  as  ar- 
mas dos  Silvas  Mendes,  i  mas  hoje  está  de- 
voluta, porque  o  seu  proprietário  Francisco 
Antonio  da  Silva  Mendes  (irmão  do  mallo- 
grado  João  da  Silva  Mendes,  de  quem  já  fal- 
íamos e  outra  vez  fallaremos  ainda  no  tó- 
pico dos  Visienses  illustres,  bacharel  formado 
em  direito,  governador  civií  que  já  foi  e  de- 
putado em  difíerentes  legislaturas,  depois  de 
exercer  estes  cargos  fixou  a  sua  residência 
em  Lisboa,  onde  vive  solteiro,  vindo  apenas 
alguns  annos  a  Viseu  por  oceasião  da  Feira 
franca. 

A  Judiaria 

Foi  tão  inconstante  e  atribulada  a  oecu- 
pação  de  Viseu  pelos  mouros  desde  o  se- 
cuio  viK  até  o  berço  da  nossa  monarchia 
(veja-se  o  tópico  supra — Captiveiro  e  con- 
quistas de  Viseu)  que  não  se  encontram  mo- 
numentos alguns  d'elles  n'esta  cidade,  nem 
nos  seus  arrabaldes,  alem  dos  nomes  d'al- 
gumas  povoações,  taes  como  Barbeita,  cam- 
po da  casa,— a  Algeriz,  corrupção  de  Alderiz, 
Jogar  das  debulhas  ou  eiras,  como  diz  Fr- 
João  dc  Sousa  nos  seus  Vestígios  da  lingua 
arábica. 

Também  nos  arrabaldes  de  Viseu  se  en- 
coniram  ainda  hoje  sepulturas  cavadas  na 
rocha,  vulgarmente  attribuidas  aos  judeus, 
mas  não  podemos  subscrever  esta  opinião, 
porque,  conco  diz  Berardo,  2  «os  doutos  ain- 
lia  não  diáserão  couza  satisfatória  de  semi- 
Ihantes  sepulturas,  e  neste  cazo  a  confissão 


1  Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  tó- 
pico das  Famílias  principaes  de  Wiseu,  n.° 
II. 

2  Liberal,  n.°  1  de  6  de  maio  de.  1857. 


da  nossa  ignorância  he  o  partido  mais  se» 
guro,  que  podemos  seguir.» 

O  mesmo  Berardo  aponta  5  das  taes  se- 
pulturas junto  do  logar  de  Alderiz  e  outras 
a  pequena  distancia  o  que  na  opinião  de 
alguém  prova  que  existiu  ali  um  cemitério 
de  judeus. 

Ê  porem  innegavel  que  em  Viseu  houve 
uma  Judiaria  ou  bairro  onde  os  judeus,  de- 
pois da  oeeupação  christã,  viviam  separa- 
dos, como  viveram  em  outras  muitas  povoa- 
ções do  nosso  paiz  2;  mas  onde  estava  a  Ju- 
diária  de  Viseu? 

— No  local  hoje  denominado  Cimo  de  Vil- 
la, como  diz  terminantemente  Berardo  nas 
suas  Memorias,  citando  o  velho  tombo  do 
Hospital  de  S.  Lazaro. 

Teve  pois  Viseu  uma  Judiaria  e  Judiaria 
populosa  e  tão  importante,  que  foi  séde  da 
uma  das  7  ouvidorias  judaicas  outr'ora  con- 
cedidas pelos  nossos  reis  aos  judeus,  como 
se  lê  algures,  3— e  em  1534,  como  já  dissemos 
no  tópico  relativo  ao  Couto  da  Sé,  os  judeus 
visienses  occupavam  os  primeiros  legares  da 
cidade.  Elles  foram  vereadores  e  procura- 
dores do  concelho,  almotaeés  e  thesoureiros 
da  camará,  ete.  Assim  foi  nomeado  thesou- 
reiro  n'aqueile  anno  Henrique  Mendes,  ju- 
deu e  negociante, — e  muito  mais  tarde  ain- 
da existiam  e  se  apontavam  entre  as  fami- 


1  Sepulturas  do  mesmo  género  abundam 
em  todo  o  nosso  paiz.  Na  freguezia  de  Forno 
Telheiro,  concelho  de  Celorico  da  Beira,  ha 
um  estendal  de  mais  de  20  em  volta  do  pre- 
tendido penedo  baloiçante  de  S.  Gens,  e  em 
Moreira  de  Rei,  concelho  de  Trancoso,  já  nós 
vimos  mais  de  501. . . 

2  V.  Miragaya,  freguezia  do  Porto,  vol.  V, 
pag.  296  e  322;  Victoria,  freguezia  também 
do  Porto,  vol.  X,  pag.  616  c  641— e  a  Me- 
moria  sobre  os  judeus,  por  Joaquim  José  Fer- 
reira Gordo,  nas  Memorias  da  Academia 
Real  das  Scieneias,  tomo  8  • 

3  O  ouvidor  da  Beira  Alta  residia  em  Vi- 
seu; o  da  Beira  Baixa  na  Covilhã;  o  d'En- 
tre  Douro  e  Minho,  no  Porto;  o  de  Traz-os- 
Montes  em  Moncorvo;  o  da  Estremadura  em 
Santarém;  o  do  Alemlejo  em  Évora— e  o  do 
Algarve  em  Faro. 

Monarch.  Lusil.  parte  6.»  pag.  16,  col.  1.» 
— e  Memoria  de  Ferreira  Gordo,  pag.  16 
também. 


1744 


VIS 


lias  prineipaes  de  Viseu  algumas  de  origem 
hebraica. 

O  sr.  Francisco  Pereira  Cardoso,  curioso 
investigador  e  analysia  das  antiguidades  de 
Viseu,  diz  que  tem  rasões  fundadas  para 
crer  que  a  synagoga  d'elles  existiu  na  rm 
Nova,  quasi  defronte  da  sua  habitação,  em 
Viseu. 

CONCELHO  DE  VISEU 

Cir  cumscripção  actual 

Este  concelho  até  1836  teve  uma  circum- 
seripção  muito  differente.  Logo  diremos  qual 
era;  mas,  em  virtude  do  decreto  de  6  de  no- 
vembro d'aquelle  anno,  confina  ao  norte  e 
noroeste  com  o  rio  Vouga.  Apenas  tem  a 
freguezia  de  Calde  na  margem  direita  d'este 
rio.  A  N.  E.  confina  com  o  concelho  de  Sa- 
iam; a  E.  com  os  rios  Satam  e  Dão;  a  S.  com 
o  concelho  de  Tondella  —  e  a  O.  com  o  de 
Vouzelia. 

Comprehende  as  31  freguezias  seguintes; 
—  Abraveses,  Barreiros,  Boa  Aldeia,  Bo- 
diosa,  Calde^  Campo,  Cavernães,  Cepões^ 
Couto  de  Baixo,  Couto  de  Cima,  Fail,  Far- 
minhão,  Fragozella,  Franee,  Lordosa,  Lou- 
rosa, Mondão,  Orgens,  Povolide,  Ranhados, 
Ribafeita,  Rio  de  Loba,  Salvador,  Santos 
Evos,  S.  Cypriano,  Silgueiros,  Torre  Deita, 
Vil  de  Souto,  Villa  Cliã  de  Sá,  Viseu — orien- 
tal—e Viseu— Occidental. 

Administrativa,  civil  e  judicialmente  con- 
ta as  32  freguezias  supra,  mas  ecelesiastica- 
mente  conta  apenas  27,  porque  as  fregue- 
zias de  Rio  de  Loba,  Ranhados  e  S.  Salva- 
dor são  annexas  e  parte  integrante  da  fre- 
guezia Occidental  da  Sé  de  Viseu, — eas  fre- 
guezias de  Abraveses  e  Orgens  são  annexas 
e  parte  integrante  da  freguezia  Oriental  da 
Sé. 

Para  evitarmos  repetições,  vide  pag.  1528, 
col.  i."  e  segg.  supra, — e  para  evitarmos 
confusões  seguiremos  a  enumeração  oííi- 
cial  dos  censos  de  1864  e  1878 — e  do  Mappa 
das  Dioceses  relativo  à  circumscripção  dio- 
cesana de  1882. 

Conta  pois  actualmente  o  concelho  de  Vi- 
seu : 


VIS 

Superfície  em  hectares   30:972 

Freguezias   31 

Fogos  1   11:409 

Almas   30:135 

Prédios  inscriptos  na  matriz   86:767 

Contribuições 

No  ultimo  anno  (1887)  pagou  este  conce- 
lho as  seguintes: 


Predial   19:1 

Industrial   6:i94i^693 

Decima  de  juros   4:084^816 

Sumptuária  

Districtal   2: 

Camarária  ,   39:644^985 

Verba  de  sello   l:205i^461 

Real  d'agua   14:335)^564 

Total   87;946í^249 

Producções 

No  mesmo  anno  de  1887  as  producções 
prineipaes  d'este  concelho  foram  as  seguin- 
tes, —  segundo  a  nota  offlcial  que  noa  foi 
dada: 

Litros 

Trigo   1.136:855 

Milho   4.444:300 

Centeio   2.225:800 

Cevada   1.000.000 

Feijão  ,   369:994 

Batatas   6.299:700 

Castanhas  ^   — 

Azeite   25:414 

Vinho  branco   9.966:634 

»    tmto   9.744:802 


1  Referimo-nos  á  população  indicada  no 
censo  de  1878,  mas  hoje,  1888,  a  população 
deve  ser  muito  superior. 

2  Produz  lambem  muitas,  mas  não  pode- 
mos obter  nota  d'ellas. 


VIS 


VIS  1745 


Movimento  da  sua  estação  telegrapho-postal 
em  1885^ 

Sellos  e  outras  formulas  de  fran- 
quia  l:52oi^805 

Premio  de  emissão  de  vales —  386^850 

Cartas  porteadas   24^600 

Cobrança  de  recibos,  leltras,  ete.  6|!800 

Telegrammas  que  foram  pagos.  i:008|i625 

Total   2:952^680 

Rios  e  ribeiras  principàes  que  banham 
este  concelho 

i.°—Rio  Vouga. 

Nasce  no  Chafariz  da  Lapa,  concelho  de 
Sernancelhe;  banha  o  concelho  de  Viseu 
desde  a  povoação  de  Macieira,  freguezia  de 
CepÒes,  até  á  de  Ribafeita,  e  depois  de  re- 
ceber o  Agueda  e  outros  tributários,  des- 
agua na  ria  d'Aveiro. 

V.  Vouga,  rio. 

±'—Rio  Dão. 

Separa  o  concelho  de  Viseu  do  de  Man- 
gualde;—o  de  Nellas  do  de  Ceia— e  o  do 
Carregal  do  de  Taboa,  e  morre  no  Mondego, 
no  sitio  de  Foz-Dão. 

V.  Dão,  rio,  n'este  diecionario. 

S.^—Satam. 

Nasce  na  freguezia  das  Romãs,  concelho 
de  Satam;  banha  e  limita  parte  d'e8te'de  Vi- 
seu a  leste— e  desagua  no  Dão,  no  sitio  de- 
nominado Moinho  do  Inferno  (?)  junto  da 
ponte  de  Fagilde. 

V.  Satam. 

4.» — Rio  Pavia. 

Nasce  na  serra  da  Mina,  freguezia  d'Abra- 
vezes;  banha  a  cidade  de  Viseu  a  N,  O.— e 
desagua  no  rio  Dão,  a  2  léguas  de  Viseu. 

Também  se  denominou,  e  não  sabemos  se 
ainda  hoje  se  denomina,  Ribeiro  das  Mestras 
ou  das  feiticeiras,  porque  outr'ora  o  povo 
julgava  encontrar  n'elle  a  cada  passo  bru- 
xas e  feiticeiras  banhando-se,  e  n'elle  costu- 
mavam ir  banhar-se  os  doentes  na  noite  de 
S.  João,  esperando  ser  curados  pelas  taes 


1  Não  podemos  obter  nota  posterior. 


mestras,  contra  o  que  se  insurge  o  dr.  Bote- 
lho, dedicando  a  tão  momentoso  assumpto  os 
capítulos  5.»  e  6.°  do  seu  Dialogo  í.°,  desde 
pag.  38  até  pag,  47  ?  ! . . . 

É  este  o  celebrado  Pavia  dos  poemas  de 
Thomaz  Ribeiro. 

b."— Ribeira  de  Trouce,  Trousse,  Trouxe, 
Trosse  ou  Trouço ! . , . 

Nasce  nas  jameiras  de  Moure,  freguezia  do 
Campo;  atravessa  a  estrada  real  n."  7,  de  Vi- 
seu a  S.  Pedro  do  Sul,  e  morre  no  Vouga, 
um  pouco  a  jusante  da  foz  do  rio  Sul. 

Até  aqui  os  meus  apontamentos,  mas  na 
Memoria  (amda  ms.)  que  Berardo,  sendo 
administrador  d'este  concelho,  offereceu  à 
camará  em  1838,  eneontra-se  um  i¥appa  das 
ribeiras  do  concelho  de  Viseu  com  designação 
dos'  engenhos  movidos  pelas  agoas,  e  ali  se 
mencionam  as  ribeiras  seguintes  : 

Na  freguezia  de  Barreiros  a  ribeira  de 
Brufe  com  2  moinhos  e  2  rodas  de  moer  pão, 
e  4  moinhos  d'âzeite. 

Na  freguezia  de  Cepões  as  ribeiras  de  Sei- 
xal, Covello,  Parozillos  e  Sovaco,  tendo  esta 
ultima  32  moinhos  de  pão  com  39  rodas. 

Na  freguezia  de  Lordosa  as  ribeiras  de 
Lavaodim,  Regadinha,  Ribeirinha  e  Celorico, 
tendo  esta  ultima  28  moinhos  com  45  rodas 
e  2  pisões. 

Na  freguezia  de  Cavernães  o  ribeiro  das 
Lameiras  com  11  moinhos  de  pão,  11  rodas, 

1  moinho  d'azeite  e  1  pisão. 

Na  freguezia  de  France  as  ribeiras  de 
Carvalhal,  Balisgne  e  Lamaçaes,  lend))  esta 
uliima  15  moinhos  de  pão  com  20  rodas  e 

2  moinhos  de  azeite. 

Na  freguezia  de  Ribafeita  as  ribeiras  de 
Porto-Viseu,  Porto  de  Lobo,  Redouça,  Lata, 
Amoreira,  Bouça  e  Manta,  tendo  esta  ultima 
17  moinhos  de  pão  com  36  rodas,  3  moinhos 
d'azeite  e  3  pisões. 

Na  freguezia  de  Radiosa  as  ribeiras  de 
Pontão,  Sumato,  Sabugueiro,  Vella,  Carre- 
gal e  Vescudâ,  tendo  esta  ultima  27  moinhos 
de  pão  com  34  rodas,  1  moinho  d'azeite  e  1 
pisão. 

Na  freguezia  do  Campo  a  ribeira  de  Pon- 
tão, com  10  moinhos  de  cereaes  e  10  rodas. 
Na  freguezia  de  Mondão  as  ribeiras  de 


1746  VIS 


VIS 


Mide  e  Mondão,  tendo  esia  ultima  11  moi- 
nhos de  cerêaes  com  li  rodas. 

Na  freguezia  de  Santos  Evos  as  ribeiras 
de  Remende,  Santos  Evos  e  Pinheiro,  tendo 
esta  ultima  25  moinhos  de  pão  com  27  ro- 
das, 1  moinho  d'azeite  e  1  pisão. 

Na  freguezia  Oriental  (?)  da  cidade  de  Vi- 
seu o  Pavia  com  2  moinhos  de  pão,  4  rodas, 
mais  2  moinhos  d'azeite. 

Na  freguezia  de  S.  Salvador  o  Pavia  com 
23  moinhos  de  pão  e  41  rodas. 

Na  freguezia  de  Ranhados  a  ribeira  d'e8te 
nome  com  1  moinho  de  pão,  e  1  roda,  mais 
1  moinho  d'azeite. 

Na  freguezia  de  Fragozella  a  ribeira  d'esle 
nome  com  2  moinhos  de  pão  e  7  rodas, 
mais  um  moinho  de  azeite. 

Na  freguezia  de  Lourosa  a  ribeira  de  lei- 
vas com  8  moinhos  de  pão  e  11  rodas,  mais 
1  moinho  d'azeite. 

Na  freguezia  de  Villa  Chã  de  Sá  a  ribeira 
de  Sás  com  12  moinhos  de  pão  e  14  rodas, 
mais  2  moinhos  d'azeite  e  1  pisão. 

Na  freguezia  de  Fail  o  ribeiro  da  Or- 
tigueira  com  13  moinhos  de  cereaes  e 
19  rodas,  mais  2  moinhos  d'azeite  e  1  pi- 
são. 

Na  freguezia  de  Silgueiros  a  ribeira  do 
Pereiro  com  19  moinhos  de  pão  e  36  rodas, 
mais  4  moinhos  d'aze)te. 

Na  freguezia  de  S.  Cypriano  a  ribeira 
à'este  nome  com  4  moinhos  de  pão  e  4  ro- 
das, mais  1  moinho  d'azeite. 

Na  freguezia  da  Torre  Deita  as  ribeiras  da 
Fonte,  Várzea,  Torre  e  Sanchinha,  tendo  es- 
ta ultima  24  moinhos  de  cereaes  com  24  ro- 
das, 1  moinho  d'azeite  e  1  pisão. 

Na  freguezia  dos  Coutos  de  Baixo  as  ribei- 
ras de  Regadia,  Sabugueiro  e  Novaes,  tendo 
esta  ultima  7  moinhos  de  pão  com  7  rodas 
e  3  moinhos  d'azeite. 

Na  freguezia  dos  Coutos  de  Cima  as  ribei- 
ras de  Adão  e  da  Presa,  tendo  esta  ultima 
19  moinhos  de  cereaes  com  19  rodas  e  1 
moinho  de  azeite  movido  por  bois. 

Na  freguezia  de  Calde  a  ribeira  de  Ca- 
brum  com  12  moinhos  de  cereaes  e  16  ro- 
das, mais  1  pisão  e  1  moinho  d'azeite  mo- 
vido por  bois. 
Na  freguezia  de  Rio  de  Loba  a  ribeira  dos 


Monteiros  e  a  do  Paulo,  tendo  esta  ultima 
7  moinhos  de  pão  com  7  rodas. 

Na  freguezia  de  Abraveses  as  ribeiras  de 
Longorela  e  de  Mide,  tendo  esta  ultima  13 
moinhos  de  pão  com  15  rodas. 

Na  freguezia  á'Orgens  a  ribeira  do  Cazei- 
ro  com  9  moinhos  de  pão  e  11  rodas,  mais 
1  moinho  d'azeite. 

Contava  pois  este  concelho  em  1838  nada 
menos  de  356  moinhos  de  pão,  com  a  baga- 
tella  de  473  rodas,  mais  34  moinhos  d'azei' 
te  e  12  pisões. 

Do  exposto  se  vé  que  este  concelho  abun- 
da em  agua  perenne  de  veia  nativa.  Tem  tal- 
vez mais  agua  do  que  metade  da  província 
do  Alemtejo.  e  por  isso  em  1887  foi  orçada 
em  4.444:300  litros  a  sua  produeção  só  em 
milho. 

Antiga  circumscripção  do  concelho  de  Viseu 

Este  concelho,  depois  do  decreto  de  6  de 
novembro  de  1836,  ficou  muito  regular.  Tem 
por  centro  a  cidade,  e  extende-se  para  todos 
03  quadrantes  ale  á  distanciado  12  a  15 ki- 
lometros  d'ella,  approximadamente;  mas  an- 
tes d'aquelle  decreto  a  sua  circumscripção 
era  uma  monstruosidade.  A  N.  passava  para 
a  margem  direita  do  Vouga  e  estendia  se 
até  á  distancia  de  25  a  30  kilometros  de  Vi- 
seu,— e  para  S.  comprehendia  terras  a  dis- 
tancia de  20  a  25  kilometros,  tendo  encra- 
vados dentro  d'elle  nada  menos  de  4  conce- 
lhos autónomos  cora  justiças  próprias,  taes 
eram  os  Coutos  de  Santa  Eulália  e  os  con- 
celhos de  Povolide,  Ranhados  e  Barreiros, 
estando  estes  dois  últimos  encostados  aos 
muros  de  Viseu  e  dentro  da  circumscripção 
ecclesiaslica  da  freguezia  occidental  da  Sé? 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  n'este 
diceionario  os  artigos  Povolide,  Couto  de 
Baixo  e  Couto  de  Cima—e  n'este  artigo  Vi- 
seu as  pag.  1532,  eol.  2.%— e  1533,  col.  2.» 
também,  e  segg.  com  as  suas  respectivas 
notas. 

Em  1834  comprehendia,  como  diz  Berar- 
do, [32  freguezias,  que  n'essa  data  conta- 
vam 7:660  fogos  e  34:735  habitantes;  mas 
não  entravam  no  numero  d'ellas  as  5  fregue- 
zias seguintes : 


VIS 


VIS  1747 


1.  *—Bôa  Aldeia,  que  foi  do  extineto  con- 
celho de  S.  Miguel  do  Outeiro,  comarca  de 
Tondella;  depois  passou  para  o  concelho  e 
comarca  de  Tondella— e  ultimamente  para 
o  concelho  e  comarca  de  Viseu —já  depois 
de  1864. 

2.  »— Cowío  de  Baixo. 

3.  ^— Couto  de  Cima. 

Estas  2  freguezias  até  1836  eonstituiam  os 
Coutos  de  Santa  Eulália,  espécie  de  conce- 
lho com  justiças  próprias. 

4.  * — Povolide. 

Foi  concelho  próprio  até  à  mesma  data, 
— 6  de  novembro  de  1836. 

5.  *— S.  Salvador. 

Esta  freguezia,  como  ja  dissemos^  era  ee- 
clesiastieamente  uma  das  annexas  da  fre- 
guezia Occidental  da  Sé,  mas  civil,  adminis- 
trativa e  judicialmente  pertencia  ao  extineto 
concelho  do  Barreiro,  cuja  séde  estava  em 
Vil  de  Moinhos,  aldeia  da  freguezia  de  S. 
Salvador. 

Em  compensação  este  concelho  de  Viseu 
n'aquella  data  (1834)  comprehendia  nas  suas 
32  parochias  as  6  seguintes,  que  posterior- 
mente perdeu: 
— Ferreiroz. 

2." — Lageosa. 

Estas  2  freguezias  passaram  para  o  con- 
celho de  Tondella,  ao  qual  hoje  pertencem; 
mas  a  de  Ferreiroz  ainda  em  1864  perten- 
cia ao  concelho  de  Viseu. 

S.»~Queiriga,  na  margem  direita  do  Vou- 
ga- 

Passou  para  o  concelho  de  Fragoas,  mas 
ecclesiasiicamente  ainda  hoje  pertence  ao 
bispado  de  Viseu,  emquanto  que  todas  as 
outras  freguezias  do  concelho  de  Fragoas 
pertencem  ao  bispado  de  Lamego. 

4.  ^ — Papisios. 

5.  » — Sobral  de  Papisi^^s. 

Estas  2  freguezias  foram  do  extineto  con- 
celho de  Besteiros,  mas  passaram  para  o  do 
Carregal  e  a  elle  pertencem  hoje  ainda. 

6.  a_A  freguezia  de  Cota.  Em  1834  era 
d'este  concelho  de  Viseu;  depois  pelo  decreto 
de  6  de  novembro  de  1836  passou  para  o  de 
Mões;  extineto  o  concelho  de  Mões  pelo  de- 
creto de  24  de  outubro  de  1855,  passou  no- 


vamente para  o  de  Viseu,  posto  que  demora 
na  margem  direita  do  Vouga,  como  a  de 
Calde,  sua  limitrophe,  e  hoje  (1888)  perten- 
ce ao  concelho  de  Castro  d'Ayre. 

Também  a  de  Farminhão,  que  era  1834 
era  d'e3te  concelho  de  Viseu,  pelo  decreto  de 
6  de  novembro  de  1836  passou  para  o  con- 
celho de  S.  Miguel  do  Outeiro,  comarca  de 
Tondella;  mas,  extineto  o  concelho  do  Ou- 
teiro pelo  decreto  de  24  d'outubro  de  1835, 
voltou  para  o  concelho  e  comarca  de  Vi- 
seu. 

Breve  noticia  das  condições  climatéricas 
e  geológicas  d'este  concelho 

Demora  no  centro  da  província  da  Beira 
Alta,  e  o  seu  clima  é  temperado  e  muito 
saudável,  pois  comprehende  um  extenso 
tracto  de  terra  em  que  predomina  o  granito; 
é  muito  abundante  de  exeellente  agua  potá- 
vel e  de  rega— e  não  tem  pântanos  nem  ar- 
rosaes  nem  outros  quaesquer  focos  de  infec- 
ção. 

Recebe  as  suas  modificações  meteorológi- 
cas de  duas  montanhas  priocipaes:— o  Cara- 
mulo {Mons  Alcoba)  que  o  circumda  a  O.  e 
o.,— e  a  Serra  da  Estrella  {Mons  Hermi- 
niusl)  que  se  prolonga  de  E.  a  0.  e  defronta 
com  este  concelho  a  S. 

Aqui,  como  em  Portugal  todo,  os  ventos 
mais  persistentes  são  o  nordeste,  que  predo- 
mina nas  estações  mais  quentes,— e  o  su- 
doeste, que  conduz  as  chuvas,  principal- 
mente no  inverno.  Este  ultimo,  soprando  do 
mar  Oceano,  traz  comsigo  vapores  que,  to- 
pando na  serra  do  Caramulo,  mais  se  res- 
friam, araontoam-se  e  eobrem  na  de  uma 
névoa  densa.  Contiouando  o  vento  no  seu 
curso,  as  nuvens  dirigem-se  para  a  Serra  da 
Estrella,  onde  se  fixam,  e  o  ar  tolda-se  de 
grossas  nuvens  que,  approximando-se  da 
terra,  se  transformam  em  chuva  mais  ou  me- 
nos copiosa. 

Pelo  contrario  o  vento  nordeste,  soprando 
das  regiões  septentrionaes,  vem  seeeo; 
absorve  08  vapores  e  expulsa  as  nuvens? 
conduzindo  o  bom  tempo  e  os  dias  claros. 

Os  ventos  de  menos  duração,  ou  seeun- 
1  darios,  são  dos  rumos  noroeste  e  sudeste, 


1748  VIS 


VIS 


ambos  frios  e  prejudiciiies,  principalmente 
á  agricultura,  pois  o  primeiro  tem  atraves- 
sado as  serranias  nevadas  da  Gallisa— e  o 
segundo  as  da  serra  da  Gata,  em  Hespanha. 

Do  exposto  se  vê  que  a  serra  do  Cara- 
mulo tem  a  principal  influencia  meteoroló- 
gica n'esta  parte  da  Beira. 

O  chão  adjacente  á  cidade  é  mais  ou  me- 
nos montanhoso;  a  parte  mais  plana  d'este 
concelho  tem  approximadamente  10  kilo- 
metros;  demora  a  N.  E.  da  cidade— e  pro- 
ionga-se  até  o  rio  Vouga. 

A  sua  constituição  geológica  égranilicae 
abunda  em  rochas  de  extrema  duresa,  que 
parecem  ter-se  levantado  debaixo  dos  anti- 
gos terrenos  estratificados,  i  A  sua  quebra- 
dura é  rspida,  escabrosa;  a  tenacidade  é 
grande,  e  alteram-se  diffieultosamente,  pelo 
que  fornecem  material  esplendido  para  con- 
strucfões  de  toda  a  ordem. 

V.  pag.  1544,  col.  2.»  m  /?ne. 

O  solo  ou  terra  arável,  espécie  de  capa 
movei,  mais  ou  menos  grossa,  é  por  aqui  ge- 
ralmente silicioso  e  contem  bastante  argila 
saturada  de  oxido  de  ferro.  Naturalmente 
desagregado  e  solto,  presta-se  ao  amanho» 
porque  peia  sua  nimia  divisibilidade  se  dei- 
xa esierroar,  mas  também  demanda  muitas 
regas  no  verão,  porque  as  aguas  pluviaes  em 
pouco  tempo  se  evaporam. 

As  superfícies  humosas  em  que  predomi- 
na a  terra  vegetal,  são  em  numero  redusido 
— e  peia  sua  composição  silieiosa  demandam 
muita  agua  de  rega  na  estiagem  para  pro- 
duzirem bom  fructo. 

As  fontes  ou  nascentes,  que  são  o  resul- 
tado das  chuvas  infiltradas  na  terra  até  en- 
contrarem terreno  impermeável,  rebentam 
aqui  ordinariamente  de  bacias  pouco  espa- 
çosas e  pouco  profundas,  pelo  que  se  esgo- 
tam em  pouco  tempo.  As  mais  abundantes 
defecam  no  fim  do  estio  e  são  poucas  as  que 
podem  dizer-se  perennes.  Formando  pois  as 
chuvas  o  deposito  da  agua  para  a  despesa 
do  anno,  a  fertilidade  d'este  está  na  propor- 
ção directa  das  chuvas. 


^  Berardo,  Liberal  de  16  de  maio  de  1857.  ' 


O  clima,  como  já  dissemos,  é  muito  sau- 
dável, porque  a  agua  potável  é  magnifica  e 
fácil  a  evaporação  de  uma  terra  solta  que 
não  conserva  muito  tempo  o  deposito  dos 
miasmas,— e  alguns  d'esies  são  afastados  pe- 
los ventos  predominantes,  que  sopram  feliz- 
mente sem  trazerem  d'outra  parte  germens 
de  corrupção. 

As  epidemias  são  raras,  pouco  duradou- 
ras e  relativamente  benignas;  comtudo  a 
temperatura  apresenta  graduações  oppostas 
muito  sensíveis,  que  explicam  talvez  a  causa 
de  certas  doenças. 

O  thermometro  Reaumour  costuma  aqui 
no  verão  subir  a  26"— e  descer  no  inverno 
a  1°  abaixo  de  zero— e  por  vezes  em  24  ho- 
ras baixa  ou  sobe  2  a  3  graus. 

Casas,  quintas  e  familias  ma^s  notáveis 
nos  arrabaldes  e  no  concelho  de  Viseu 

i.*— Quinta  de  S.  Salvador. 

Demora  esta  quinta  a  2  kilometros  de  Vi- 
seu para  o  poente,  na  estrada  municipal  a 
macadam  de  Viseu  a  Farminhão  e  Bestei- 
ros—e é  hoje  uma  das  melhores  quintas 
d'este  concelho. 

Tem  boa  casa  de  habitação,  recentemente 
restaurada,  e  uma  linda  capella,  também  res- 
taurada, com  o  titulo  de  Nossa  Senhora  da 
Conceição  de  Lourdes,  altar  privilegiado  in 
pcrpeíuum  por  concessão  do  papa  Leão  XIII 
com  data  de  17  de  agosto  de  1886,  e  Santís- 
simo permanente,  um  bello  quadro  antigo 
representando  a  Coroação  de  Nossa  Senhora 
— e  4  jubileus  annuaes  com  muita.s  inJul- 
gencias,  nos  dias  de  S.  José,  Assumpção,  Na- 
tividade e  Conceição  de  Nossa  Senhora. 

Esta  quinta  é  atravessada  e  banhada  pelo 
Pavia  de  nascente  a  poente,  que  n'ella  tem 
4  grandes  levadas.  Produz  bastante  vinho  do 
melhor  de  Viseu,  por  estarem  os  seus  vi- 
nhedos em  nivel  muito  inferior  á  cidade  e 
voltados  directamente  para  o  sul.  Também 
produz  bastante  fructa  e  hortaliças,  mas  as 
suas  produeções  principaes  são  milho,  fei- 
jões e  herva  joia.  Como  recebe  com  as  en- 
xurradas os  detritos  das  ruas  de  Viseu,  é 
tal  a  sua  fertilidade,  que  no  inverno,  de  ou- 
tubro a  maio,  costuma  dar  5  a  6  camas  de 


VIS 


VIS  1749 


herva,  pelo  que  os  seus  caseiros  (são  32 !) 
criam  muito  gado  bovino.  Também  cultivam 
muita  hortaliça,  que  levam  quotidianamente 
á  praça  de  Viseu. 

Pertence  hoje  esta  rica  propriedade  ao 
nosso  bom  amigo  e  eyreneu,  o  sr.  dr.  Nico- 
lau Pereira  de  Mendonça,  que  n'ella  vive  ha 
annos  com  sua  esposa,  a  sr.»  D.  Maria  da 
Piedade  Lemos  e  Azevedo,  i  verificando-se  o 
dielado:— as  propriedades  medram  com  a 
sombra  dos  donos,  pois  melhorou  muito  e  su- 
biu consideravelmente  de  preço  e  de  rendi- 
mento, depois  que  ss.  ex."  vivem  n'ella. 

A  principio  denorainou-se  quinta  dos  Ma- 
chados, porque  assim  se  appellidavam  3  ir- 
mãos cónegos  que  juntaram  por  compra  a 
maior  parte  dos  prédios  que  a  constituem. 
Depois  denominou-se  quinta  da  Cruz,  por- 
que suceedeu  n'ella  um  sobrinho  dos  dictos 
cónegos,  senhor  da  opulenta  casa  e  quinta 
da  Cruz,  freguezia  de  Castellões,  conce- 
lho de  Besteiros.  O  ultimo  senhor  d'aquella 
casa  e  quinta  casou  com  D.  Maria  da  Pieda- 
de d'Azevedo,  da  casa  dos  Santos  Maríyres 
de  Paredes  da  Beira;  não  tendo  filhos,  abo- 
liu os  vínculos,  e  deixou  a  maior  parte  dos 
seus  bens  à  viuva,  incluindo  esta  quinta  de 
S.  Salvador,  que  a  viuva  deu  a  sua  sobrinha 
e  afilhada  também,  D.  Maria  da  Piedade, 
creada  por  ella  e  hoje  casada  com  o  sr.  dr. 
Nicolau  de  Mendonça. 

Este,  alem  de  restaurar  a  casa  de  resi- 
dência e  a  Capella,  já  comprou  e  lhe  addic- 
cionou  varias  propriedades  no  valor  de  8 
contos  e  murou  a  maior  parte  d'ella— e  a 
lia  de  sua  esposa  também  havia  comprado  e 
unido  à  mesma  quinta  outras  propriedades 
no  valor  de  7  contos  de  réis. 

Do  casamento  do  sr.  dr.  Nicolau  de  Men- 
donça com  a  sr  *  D.  Maria  da  Piedade  e  Le- 


1  V.  pag.  1535,  col.  2.*  m  fíne,  supra,— Pa- 
redes da  Beira  e  Pinhanços. 

O  sr.  dr.  iNicolau  poisue  outra  bella  quinta 
em  Fareginhas,  concelho  de  Castro  d'Ayre, 
6  mais  propriedades  n'outro8  concelhos,  mas 
só  n'eáte  de  Viseu  paga  250i^000  réis  de  con- 
tribuições. 


mos  existe  somente  uma  filha,  e  universal 
herdeira: 

D.  Maria  da  Piedade  de  Mendonça  e  Le- 
mos. 

Nasceu  era  2  de  julho  de  1855  e  casou  em 
9  de  fevereiro  de  1881  com  o  dr.  Bento  Tei- 
xeira de  Figueiredo  Amaral,  da  freguezia  de 
Matheus,  ^  do  qual  tem  2  filhos; 

—Jose  Paulo,  que  nasceu  em  12  de  no- 
vembro de  1886,  e 

— Nicolau,  que  nasceu  em  Matheus  em  3 
de  março  de  1888. 

O  sr.  dr.  Nicolau  de  Mendonça  e  sua  es- 
posa também  tiveram  um  filho,  Agostinho 
Antonio  de  Mendonça  Falcão,  muito  intelli- 
gente,  e  muito  illustrado.  Frequentou  o  cur- 
so superior  d'agrieuUura  de  Grignon,  em 
França,  junto  de  Versailles,  sendo  premiado 
todos  03  annos.  Depois  serviu  nas  nossas 
possessões  da  Africa  mais  de  umanno,  e  re- 
gressando por  Paris  já  com  o  fermento  das 
febres  billiosas,  ali  falleeeu  em  6  de  abril  de 
1883. 

Deixou  ms.  uma  interessante  Memoria  em 
franeez  —  Rapport  Météorologique  sobre  o 
nosso  districto  de  Coimbra,  com  uma  pe- 
quena, mas  lindíssima  carta  topographica  do 
mesmo  districto,  desenhada  a  cores  por  elle 


2."— Quinta  e  casa  de  Marzovellôs. 

Demoram  também  na  freguezia  de  S.  Sal- 
vador e  pertencem  aos  condes  de  Prime, 
como  já  dissemos  supra,  pag.  1536,  col.  1.» 
e  no  tópico  das  familias  principaes  de  Viseu, 
n.»  12. 

Esta  quinta  é  maior  do  que  a  de  S.  Salva- 
dor, mas  talvez  não  renda  mais,  porque  o  seu 
terreno  é  inferior  em  qualidade  e  exposição 
e  mais  frio. 

Tem  bella  casa  de  habitação,  com  muitos 
commodos;  um  bonito  lago,  jardim,  mata 
frondosa  antiga  e  uma  soberba  avenida  bem 
arborisada. 

Foi  lambem  esta  quinta  feita  por  um  co- 


i  V.  Villa  Real  de  Traz-os-Montes,  vol.  XI, 
pag.  1031,  in  fine. 


1750  VIS 


VIS 


nego,  pelo  que  se  chamou  antes  a  Quinta  do 
Thesoureiro  mór. 

3.  » — Quinta  de  Tondelinha. 

Demora  na  freguezia  d'Orgens,  a  O.  de  Vi- 
seu, e  em  sitio  alto  com  vistas  esplendidas, 
boa  casa  de  habitação,  grandes  vinhedos, 
extensos  campos,  que  produzem  muito  milho 
6  rauita  hortaliça,  ete. 

Esta  quinta  foi  também  fundada  por  um 
cónego  da  familia  de  Fernando  d'Almeida, 
de  Viseu,  de  quem  a  herdaram  nos  nossos 
dias  os  Queirozes. 

V.  pag.  1542,  col.  2.»  e  o  tópico  das  fami- 
lias  principaes  de  Viseu,  n.»  10. 

4.  " — Quinta  da  Medronhosa,  na  freguezia 
de  S.  Salvador,  a  3  kilometros  de  Viseu  para 
o  poente.  V.  pag.  1536,  col.  1."  supra. 

Esta  quinta  foi  pertença  do  antigo  vinculo 
do  Outeiro  de  Real,  junto  de  S.  Miguel  do 
Outeiro, — vinculo  de  que  foi  ultimo  admi- 
nistrador Antonio  de  Lemos  de  Carvalho 
Sousa  e  Alvim  (senhor  da  quinta  do  Ribeiro, 
concelho  de  Caria)  o  qual  a  emprasou  a  seu 
irmão  Duarte  de  Lemos  Carvalho  e  Sousa; 
este,  pouco  antes  de  fallecer,  a  vendeu  a  um 
lavrador  da  Povoa  da  Medronhosa,  a  quem 
foi  tirada  pelos  credores,  sendo  arrematada 
em  praça  publica  pelo  tenente  coronel  de  en- 
genheiros Miguel  de  Sousa  de  Figueiredo, 
sub-chefe  do  estado  maior  da  2.»  divisão  mi- 
litar, e  irmão  do  coronel  de  engenheiros  An- 
tonio Cazimiro  de  Figueiredo,  que  foi  mui- 
tos annos  director  das  Obras  Publicas  d'este 
districto,  e  que  está  hoje  em  Lisboa  addido 
á  direcção  geral  das  Obras  Publicas. 

Arrematou-a  por  13  a  14  contos,  mas  tem 
n'ella  despendido  muito  dinheiro  com  diffe- 
rentes  melhoramentos  nas  terras,  nas  casas 
e  na  capella,  pois  encontrou  tudo  em  míse- 
ro estado  1 

5.  *— Casa  de  Figueiró,  na  freguezia  de  S. 
Cypriano,  cerca  de  5  kilometros  a  O.  de  Vi- 
seu, na  estrada  municipal  n.»  12. 

Esta  casa  pertencia  ao  dr.  José  Gaudên- 
cio de  Vilhegas,  que  a  deixou  em  testa- 
mento ao  seu  sobrinho  e  neto  Vasco  Luiz 
Pessanha  do  Casal,  seu  actual  pôssuidor  e 
n'ella  residente.  Restaurou-a  com  muito  gos- 
to e  é  hoje  uma  das  melhores  casas  d'este 
concelho.  i 


O  sr.  Vasco  Luiz  Pessanha  casou  com  sua 
prima  co-irmã  D.  Carlota  Saraiva  Quevedo 
de  Sampaio,  filha  2.»  dos  viscondes  da  Quin- 
ta do  Ferro,  c.  g. 

V.  Villar  Torpim. 

6.  »— Casa  dos  Bandeiras,  nos  Coutos  de 
Cima,  a  7  kilometros  de  Viseu  para  O. 

Pertence  a  Thomaz  Antonio  Bandeira  da 
Gama  e  Mello,  irmão  mais  novo  do  fallecido 
Gonçalo  Pires  Bandeira,  de  quem  já  se  fal- 
lou  supra,  sob  o  n.'  1,  no  tópico  das  casas 
e  quintas  mais  notáveis  de  Viseu  e  seus  ar- 
rabaldes, não  habitadas  pelos  seus  antigos 
donos 

Thomaz  Antonio  Bandeira  vive  na  dieta 
casa,  que  lhe  tocou  em  legitima— e  tem  uma 
filha  única  natural,  mas  reconhecida,  e  sua 
universal  herdeira,  D.  Maria  Augusta,  ca- 
sada com  Balthasar  Pessanha  de  Vilhegas, 
irmão  germano  de  Va?co  Luiz  Pessanha, 
ambos  filhos  de  Eduardo  Pessanha. 

V.  Familias  principaes  de  Viseu,  n.^  9. 

7.  » — Casa  de  Lourosa  da  Telha,  que  foi  de 
Miguel  Pinto  de  Queiroz. 

V.  Familias  principaes  de  Viseu,  n.°  10. 

Pertence  hoje  esta  casa  a  duas  filhas  de 
Miguel  P.  de  Queiroz,— D.  Emilia  e  D.  Hen- 
riqueta, que  ali  residem,  estando  a  segunda 
casada  com  José  Gil  Alcoforado  da  Costa 
Velloso,  filho  2.»  da  casa  e  quinta  da  Sar- 
nada,  junto  de  Vouzella,  s.  g.,  o  qual  é  um 
agricultor  intelligentissimo,  irmão  do  dr.  An- 
tonio Maria  Alcoforado,  casado  com  D.  Ma- 
ria Isabel  Ayres  de  Gouveia,  irmã  do  sr.  D. 
Antonio  Ayres  de  Gouveia,  bispo  de  Bisai- 
da,  commissario  geral  da  bulia  da  Santa 
Crusada,  ete. 

V.  Vouzella. 

Tem  a  dieta  casa  uma  adega  soberba,  e 
uma  boa  quinta  pegada,  que  produz  muito 
vinho  do  melhor  do  Dão,  pois  demora  na 
margem  direita  d'este  rio  e  está  voltada  ao 
sul,  na  freguezia  de  Lourosa  da  Telha,  a  5 
kilometros  de  Viseu. 

8.  '— Casa  dos  Coelhos  do  Quintal,  na  mes- 


1  No  Álbum  Visiense  pôde  ver- se  o  re- 
trato e  a  biographia  de  Gonçalo  Pires  Ban- 
,  deira,  fallecido  em  1885  na  sua  nobre  casa 
'  da  Torre  Deita. 


VIS 


VIS  1751 


ma  freguezia  e  povoação  de  Lourosa  da  Te- 
lha. 

Pertence  hoje  a  D.  Amélia  do  Quintal» 
viuva  e  s.  g.  de  Henrique  de  Mello  de  Le- 
mos e  Alvellos^  filho  primogénito  e  sueees- 
sor  do  visconde  do  Serrado. 

Era  a  dieta  senhora  filha  legitima  de  Luiz 
do  Quintal,  filho  2."  d'esta  casa,  jà  fallecido, 
e  suecedera  n'ella  por  morte  de  duas  tias 
paternas  que  ainda  são  usufructuarias,  por 
eseriptura  dotal  do  seu  tio  paterno  José  Ma- 
ria do  Quintal,  ultimo  senhor  d'e8ta  casa,  o 
qual  morreu  s.  g. 

Pertence  a  esta  casa  uma  soberba  e  an- 
tiga quinta  nas  margens  do  Dão,  chamada 
quinta  dos  Frades,  que  produz  talvez  o  me- 
lhor vinho  do  Dão.  É  também  mimosa  de 
fructa,  incluindo  laranjas,  mas  está  muito 
mal  tractada  e  muito  depreciada. 

Com  melhor  grangeio  e  melhor  trata- 
mento valeria  hoje  mais  de  30  contos  de 
réis. 

Pertence  também  a  esta  casa  outra  muito 
antiga,  chamada  do  Quintal,  na  freguezia  de 
Casiellões,  em  Besteiros,  cora  uma  boa  cerca 
de  mimosa  terra,  que  produz  laranja  finis- 
sima,  da  melhor  de  Besteiros,  rival  da  de 
S.  Mamede  de  Riba-Tua,  que  é  absoluta- 
mente a  melhor  de  Portugal. 

Possue  também  esta  familia  um  bom  ca- 
sal na  povoação  da  Folgosa,  freguezia  de  S- 
Thiago,  concelho  de  Ceia,  e  foi  senhor  d'elle 
bem  como  dos  de  Lourosa  e  Quintal  o  3.» 
avô  (por  varonia)  da  dieta  senhora  D.  Amé- 
lia,— Gonçalo  Coelho  d' Almeida  e  Castro  do 
Quintal,  homem  de  grande  illustração  e  o 
primeiro  genealógico  da  Beira  no  seu  tem- 
po. Deixou  muitos  volumes  de  genealogias, 
admirados  por  pessoas  competentes,  mas  to- 
dos mss.,  pelo  que  no  Dicc.  Bibi.  de  lono- 
ceneio  nem  sequer  se  aponta  o  dicto  Gon 
çalo  Coelho  d'Almeida  como  escripior ? I ...i 


1  Este  eseriptor  teve  vastos  conhecimen- 
tos de  chronologia  e  historia  portugueza, 
especialmente  de  genealogias  d'esta  provín- 
cia, sobre  o  que  escreveu  com  muita  critica. 
Nasceu  em  Lourosa  e  floresceu  nos  primei- 
ros dois  quartéis  do  século  passado.  Não 
consta  que  imprimisse  obra  alguma;  os 


9.  » — Casa  e  quinta  do  visconde  de  Taveira, 
na  mesma  freguezia  e  povoação  de  Lourosa, 

Depois  do  fallecimento  de  sua  esposa,  o 
visconde  de  Taveiro — José  de  Mello  Pais  do 
Amaral— fixou  residência  na  mencionada 
quinta  e  transformou  em  luxuosa  habita- 
ção de  muito  gosto  uma  casa  ordinária  que 
ali  tinha. 

Este  José  de  Mello  Pais  do  Amaral  (filho 
d'outro  do  mesmo  nome)  1.»  visconde  de 
Taveiro,  junto  de  Coimbra,  onde  casou  com 
a  viscondessa  de  Taveiro,  sobrinha  e  repre- 
sentante do  cardeal  e  arcebispo  de  Braga,^ 
D.  Pedro  Paulo  de  Figueiredo  da  Cunha  e 
Mello,  nasceu  na  freguezia  de  Santar,  onde 
tinha  um  formoso  palacete — e  uma  boa  casa 
na  Corga,  concelho  de  Castendo,  ele. 

Do  seu  consorcio  com  a  viscondessa  de 
Taveiro  teve  um  filho: 

— José  Pedro  de  Mello,  2,"  visconde  de 
Taveiro, 

Este  casou  com  a  filha  e  herdeira  do 
grande  proprietário  e  capitalista  conde  de 
Magalhães,  s.  g, — e  já  possue  o  palacete  de 
Santar,  mas  vive  em  Lisboa,  onde  é  empre- 
gado publico,  í 

V,  Taveiro,  freguezia  do  concelho  de 
Coimbra,  vol.  IX,  pag.  499,  col,  2.» 

10,  »— Casa  de  Rebordinho,  na  mesma  fre- 
guezia de  Lourosa, 

Pertenceu  a  José  Paulo  Pereira  de  Car- 
valho, coronel  das  milícias  de  Viseu  e  mem- 
bro da  commissão  de  guerra,  que  em  Viseu 
condemnou  á  morte  por  crimes  políticos  em 
1832  a  1833  bastantes  liberaes. 

Fallecendo  solteiro  e  sem  successão,  dei- 
xou a  dieta  casa  a  sua  sobrinha  D,  Cazimira 
Mascarenhas  Bandeira  ou  antes  a  seu  pae, 
que  era  senhor  da  excellente  casa  dos  Mas- 
carenhas de  Villar,  em  Besteiros,  A  dieta 


ms.  param  em  poder  dos  seus  descendentes 
e  creio  que  alguns  na  casa  dos  Lemos  Sou- 
sas  e  Alvins  de  Santar;  outros,  seguodo 
consta,  deseneaminharem-se  com  os  emprés- 
timos, pois  sabemos  que  deixou  muitos  vo- 
lumes de  genealogias. 

1  V,  Reriz,  tomo  VIII  pag,  152,  coL^" 
— e  Resende  no  mesmo  vol,  pag.  161,  col.  1." 
in  fine  também. 


1752  VIS 


VIS 


senhora  reside  com  seus  filhos  era  Ois  do 
Bairro,  pois  casou  com  Antonio  Calheiros  de 
Noronha  e  Pitta,  natural  da  dieta  parochia 
e  já  fallecido,  irmão  germano  de  Francisco 
Xavier  Calheiros  de  Noronha.  Vide  tomo  X, 
pag.  347,  col.  2.» 

11.  * — Casa  dos  Bandeiras,  na  povoação  de 
Oliveira  do  Barreiro,  freguezia  de  Lourosa 
lambem. 

Pertence  a  José  Maria  Bandeira  Monteiro 
Subagua,  ramo  2."  por  varonia  dos  Bandei- 
ras de  Fragoas,  e  natural  da  quinta  da  Gran- 
ja, em  Rezende,  onde  tem  boas  casas,  e  em 
Bretiande,  junto  de  Lamego.  ^ 

Casou  com  uma  nobilíssima  senhora,  pro- 
cedente, por  seu  pae,  da  nobre  família  e  ca- 
sa de  Loureiro  2— e  por  gua  mãe  descende 
dos  Abreus  Castello  Branco,  de  Fornos  de 
Algodres,  hoje  condes  de  Fornos.  Chama-se 
a  dieta  senhora-^1).  Maria  da  Purificação 
Abreu  e  Loureiro  Castello  Branco  e  é  dona 
d'esta  casa  de  Oliveira,  bem  como  de  outra 
bella  residência  em  Parada  d-i  (jonta,  con- 
celho de  Tondella,  onde  Thomaz  Ribeiro, 
inspirado  auctor  do  D.  Jayme,  colloca  o  so- 
lar do  heroe  do  seu  poema. 

José  Maria  Bandeira  tem  os  filhos  seguin- 
tes : 

— D.  Joaquina. 

— D.  Maria  Emilio.. 

—D.  Maria  Amélia. 

— Adriano  d' Abreu  e 

— D.  Maria  Antónia,  todos  ainda  solteiros 
n'esta  data— 1888. 

12.  *— Caso  de  Villela,  na  mesma  fregue- 
zia de  Lourosa. 

Pertence  hoje  esta  casa  a  José  de  Sousa 
Tudelia  de  Menezes  e  Castilho,  conductor  de 


^  Na  mencionada  quinta  do  visconde  de 
Tâveiro  em  Lourosa  da  Telha  ha  um  penedo 
baloiçante,  como  já  dissemos  supra.  Ha  tam- 
bém outro  na  freguezia  de  Espariz,  conce 
lho  de  Tábua,  outro  na  freguezia  de  Forno 
Telheiro,  concelho  de  Celorico, — e  outro  em 
Villa  Nova  de  Tazem,  concelho  de  Gouveia, 
todos  na  Beira. 

V.  Villa  Nova  de  Tazem,  tomo  XI,  pag. 
887,  col.  2.»  e  seg. 

2  V.  o  tópico  das  familias  extinctas,  su- 
pra, n.*  3. 


1.*  classe,  filho  d'outro  José  de  Sousa  Tu. 
delia  de  Menezes  e  neto  de  Rodrigo  de  Sou- 
sa Tudelia  de  Castilho,  que  foi  senhor  doesta 
casa,  valente  militar  e  coronel  das  milícias 
de  Viseu. 

Serviu  com  muita  distineção  no  cerco  do 
Porto  em  1832  a  1833,  no  exercito  realista, 
8  foi  ferido  em  um  ataque  ao  convento  da 
Serra,  fieando-lhe  a  bala  dentro  do  corpo,  a 
qual  o  matou  à'ahi  a  10  annosl. . . 

Este  bravo  militar  prestou  relevantes  ser- 
viços a  Viseu,  pois  salvou  a  cidade  do  sa- 
que, e  excessos  da  guerrilha  do  celebre  juiz 
de  fóra  de  Taboaço,  em  1828. 

José  de  Sousa  está  ainda  solteiro. 

13.  *— Casa  de  Villa  Chã  de  Sá,  a  5  kilo- 
metros  de  Viseu  para  S.  O. 

Pertence  aos  Lemos  de  S.  Gemil  e  Viseu, 
dos  quaes  se  fez  menção  no  tópico  das  fami- 
lias principaes,  n.°  7,  supra;— é  represen- 
tante d'esta  nobilíssima  casa  o  dr.  Heitor  de 
Lemos  e  Sousa,  ainda  solteiro,  residente  em 
Viseu  ~  e  vivem  na  casa  de  Villa  Chã  sua 
mãe,  com  um  filho  e  uma  filha,  irmãos  do 
dicto  cavalheiro. 

14.  ^— Casa  da  família  Barros  Campos  e 
Coelhos,  de  Farminhão. 

Demora  a  5  kílometros  de  Viseu  para  O. 
e  pertence  a  Francisco  de  Barros  Coelho  e 
Campos,  bacharel  formado  em  direito,  que 
tem  sido  deputado  ás  cortes  em  differentes 
legislaturas  e  já  foi  lambem  governador  ci- 
vil de  Viseu,  eíc. 

Teve  um  irmão — Luiz  de  Campos— que 
foi  capitão  de  cavallaría,  deputado  em  diffe- 
rentes legislaturas  e  depois  par  do  reino, 
homem  de  muito  talento,  poeta  insigne  e  bom 
orador. 

Falleeea  em  Lisboa,  casado,  mas  sem  fi- 
lhos,— e  vivem  ainda  mais  dois  irmãos: — 
Antonio  de  Campos,— coronel  de  cavallaría, 
— e  João  de  Barros  e  Campos,  capitão  da 
mesma  arma,  ambos  casados  com  suas  so- 
brinhas, filhas  do  seu  irmão  primogénito 
Francisco  de  Barros,  e  ambas  s.  g. 

Ib.^—A  Casa  de  Prime,  na  freguezia  de 
Fragczellas,  da  qual  Prime  é  uma  pequena 
aldeia,  7  kílometros  ao  sul  de  Viseu,  pela 
estrada  real  n.»  43,  de  Viseu  a  Celorico. 

É  nm  vasto,  elegante  e  magestoso  edificio. 


VIS 


VIS  1753 


posto  que  ainda  incompleto; — levanta-se  em  J 
um  espaçoso  terreiro  quadrilongo  e  rectan-  I 
guiar,  fechado  por  grandes  portões  de  ferro, 
— e  prende  com  uma  grande  quinta. 

Esta  respeitável  vivenda  pertenceu  á  no- 
bre e  opulenta  familia  Sonsas  Silvas  e  Oli- 
veira. Casou  com  um  dos  senhores  d'esta 
casa  D.  Maria  de  Sousa  de  Macedo,  irmã 
germana  do  celebre  Antonio  de  Sousa  de 
Macedo,  distineto  eseriptor  publico,  auctor 
da  Eva  e  Ave  e  das  Flores  d'Hespanha  e  Ex- 
cellencias  de  Portugal,  nosso  embaixador  aos 
Estados  Geraes  em  1651,  secretario  d'estado 
do  infeliz  D.  AlTonso  VI  em  1663,  commen- 
dador  de  Souzellas  na  O.  de  Christo  e  de 
Penella  na  0.  d'Aviz,  alcaide  mór  de  Freixo 
de  Numão,  etc,  pae  do  1.°  barão  da  Ilha 
Grande  de  Joanne,  no  Pará,  do  qual  descen- 
dem os  actuaes  condes  de  Mesquitella,  ar- 
meiros  mores,  hoje  duques  de  Albuquer- 
que. 

A  esta  casa  de  Prime  pertenceu  também 
o  celebre  e  antigo  morgado  das  Brusseiras, 
no  Alemtejo,  por  suecessão  de  uma  íilha  B. 
que  casou  n'esta  casa  de  Prime  e  se  intru- 
sou  n'elle,  o  que  deu  origem  à  macrobia  de- 
manda que  durou  noventa  annos,  como  já 
dissemos  no  tópico  das  famílias  principaes 
de  Viseu,  n.»  8. 

Possuia  lambem  esta  casa  o  grande  praso 
de  Corgos,  á  Nogueira,  que  rendia  4:000  al- 
queires de  pão,  etc,  mas  hoje,  pela  falência 
do  visconde  de  Loureiro,  toda  esta  enorme 
casa  foi  a  pique  e  retalhada  pelos  credo- 
res?!... 

Sic  tranzit  gloria  mundi. 

V.  Prime,  tomo  VII,  pag.  673,  col.  2.'— e 
o  tópico  supra,  já  citado. 

A  COMARCA 

Viseu  é  lambem  séde  de  comarca  judicial 
de  i."  classe,  formada  unicamente  pelo  con- 
celho do  seu  nome  com  1  juiz  de  direito,  1 
delegado  do  procurador  regio,-4  escrivães, 
4  offleiaes  de  diligencias,  1  contador  e  1  con- 
servador. 

Na  antiga  magistratura,  ou  até  1833,  era 
lambem  séde  de  comarca  (provedoria  e  cor- 
regedoria) mas  comarca  muito  mais  ampla. 


pois  alem  do  concelho  actual  de  Viseu  com- 
prehendia  n'este  districto  os  concelhos  do 
Carregal,  Castro  d'Ayre  (não  todo)  Man- 
gualde, Mortágua,  Nellas,  Oliveira  de  Fra- 
des, Penalva  do  Castello,  Santa  Comba-Dão, 
S.  João  d' Areias,  S.  Pedro  do  Sul  (não  to- 
do) e  Saltam. 

No  districto  da  Guarda  os  concelhos  de 
Aguiar  da  Beira,  Fornos  d' Algodres,  Pinhel 
e  Trancoso,  que  eram  da  provedoria  de  Vi- 
seu, mas  da  corregedoria  de  Pinhel. 

No  districto  de  Coimbra  os  concelhos  de 
Taboa  e  Oliveira  do  Hospital,  que  eram  da 
corregedoria  de  Viseu,  mas  da  provedoria 
da  Guarda. 

Finalmente  no  districto  d' Aveiro  o  conce- 
lho de  Sever  do  Vouga,  que  era  da  corre- 
gedoria de  Viseu,  mas  da  provedoria  d'Es- 
gueira. 

Comprehendia  lambem  coutos,  exemplos, 
villds  e  concelhos  de  donatários  e  senhorios 
particulares,  onde  era  muito  reslricta  e  quasi 
nuUa  a  intervenção  do  corregedor  e  prove- 
dor; mas  todos  esses  privilégios  e  exera- 
pções  caducaram  e  foram  extinclos  em  1834. 

Era  muito  extensa  a  antiga  comarca  de 
Viseu,  pois  da  extremidade  S.  E.  do  conce- 
lho de  Santa  Comba-Dão  á  extremidade  leste 
do  concelho  de  Pinhel,  por  Viseu,  havia  uma 
distancia  de  140  kilometros  approximada- 
mente,  mas  Unhamos  comarcas  ainda  muito 
maiores,  tal  era  a  de  Lamego.  Na  linha  O. 
E.  prolongava-se  desde  Arouca  até  á  Barca 
d'Alva,  na  extensão  de  140  kilometros  de 
caminho  horroroso,— e  da  Barea  d'Alva  ia 
para  o  sul  até  Alfaiates,  na  extensão  de  80 
a  90  kilometros.  Alem  d'isso  comprehendia 
em  Traz-os-Montes  os  concelhos  da  Regoa^ 
Mezãofrio,  Penaguião,  Villa  Real,  Sabrosa  e 
'Alijó 

Eram  assim  as  antigas  comarcas,  o  que 
obrigava  o  povo  a  grande  incommodo  e  gran- 
de despesa  para  ir  à  séde  traelar  os  seus  ne- 
gócios, pelo  que  os  corregedores  eostumayam 


1  V.  Villa  Real  de  Traz-os-Montes,  vol. 
XI,  pag.  931;— FíV/ar  Maior,  no  mesmo  vol. 
pag.  1243, — e  Alvarenga  e  Lamego  no  sup- 
I  plemento  a  este  diceionario. 


1754  VIS 


VIS 


percorrer  a  comarca  toda  para  favorecerem 
os  povos,  mas  não  sabemos  se  isso  era  favor 
ou  castigo,  porque  as  aposentadorias  eram 
uma  verdadeira  praga,  uma  contribuição  pe- 
sadissima,  contra  a  qual  os  povos  muitas 
vezes  clamaram  e  gritaram,  obrigando  os 
nossos  reis  a  providenciar  sobre  o  assum- 
pto. E  alem  da  praga  da  aposentadoria,  mui- 
tos corregedores— sa/ras  honrosas  excepções 
—eram  uns  grandes  comilões  I. . . 

Toca  a  mover  a  mra— diziam  elles — quan- 
do queriam  encher  o  estômago  e  as  algibei- 
ras. 

V.  Villa  Marim,  tomo  XI,  pag.  783,  coi. 
1.^  e  segg. 

Os  antigos  corregedores  não  deixaram 
saudades,  mesmo  porque  hoje  a  nossa  ma- 
gistratura (honra  lhe  seja  I)  é  uma  das  nos- 
sas corporações  mais  illustradas,  mais  inde- 
pendentes e  mais  dignas  a  todos  os  respei- 
tos,—desde  os  simples  delegados  alè  o  su- 
premo tribunal  de  justiça. 

Houve  tempo  em  que  a  relação  do  Porto 
—já  depois  da  creação  da  nova  magistra- 
tura, foi  uma  nota  discordante,  ima  espe- 
lunca de  Caco,  mas  hoje  é  um  tribunal  di- 
gníssimo ! 

DISTRICTO  DE  VISEU 

Este  distrlcto  fórma  por  si  só  a  província 
da  Beira  Alta  e  é  a  todos  os  respeitos  um 
dos  districtos  mais  importantes  do  nosso 
paiz. 

O  censo  de  1878  deu-lhe  a  população  se- 
guinte: 


Concelhos 

Fogos 

Almas 

2:936 

11:491 

Carregal   

2:856 

12:834 

4:747 

19:784 

1:582 

6:321 

5:802 

24:532 

4:846 

21:478 

Moimenta  da  Beira.. . . 

2:937 

11:361 

25:706 

107:801 

Concelhos 

Fogos 

Almas 

25 

706 

107:801 

1 

638 

6:442 

2 

065 

9:181 

3 

113 

13:126 

Oliveira  de  Frades  

1 

953 

9:385 

Penalva  do  Castello. . . 

3 

010 

12:908 

1 

752 

6:561 

4 

912 

18:721 

1 

793 

7:9.29 

1 

186 

4:921 

S.  .Toão  da  Pesqueira, . 

3 

773 

15:638 

S.  Pedro  do  Sul  

í, 
% 

377 

21:014 

2 

958 

12:767 

3 

052 

12:573 

6 

043 

2 

289 

8:649 

1 

669 

6:602 

6 

890 

29:542 

11 

409 

50:135 

3 

372 

13:909 

92:960 

391:256 

Contava  pois  este  dislricto  em  1878 

Concelhos   26 

Freguezias   362 

Fogos   92:960 

Almas   391:256 

O  recenseamento  de  1864  deu-lhe  a  popu- 
lação seguinte: 

Concelhos   26 

Freguezias   362 

Fogos....   87:157 

Almas   368:960 

Note-se  porem  que  estas  cifras  estão  lon- 
ge da  expressão  da  vferdade,  porque  ficaram 
muito  defeituosos  aquelles  dois  censos. 

Note-se  também  que  hoje  a  população 
d'este  distrieto  deve  ser  muito  superior  à  de 
1878,  porque  nos  últimos  10  annos  (1878- 
1888)  não  tivemos  guerras  nem  grandes  epi- 
demias no  nosso  paiz. 

A  baixa  mais  considerável  que  a  nossa  po- 
pulação soíTreu  foi  a  proveniente  da  emigra- 
ção, e  bem  quizeramos  dar  uma  nota  d'este 


VIS 


VIS  1755 


mas  íDfelizmeDte  não  nos  foi  possível  obtel-a. 
É  ce.-to  porém  que  a  emigração  para  o  Bra- 
zil  tem  sido  e  continua  a  ser  muilo  conside- 
rável n'e8te  e  n'ouiro8  distrietos, — emigra- 
ção toda  espontânea,  determinada  pela  mira 
em  riquezas  fabulosas,  que  muitas  vezes  não 
passam  d'um  sonho,  e  pelo  horror  que  o 
nosso  povo  hoje  vota  ao  serviço  militar, 
posto  que  desde  1847  gosamos  as  delicias  da 
paz  oetaviana. 

Também  nos  concelhos  phylloxerados,  no- 
meadamente nos  da  Pesqueira,  Taboaço  e 
Armamar,  muitas  pessoas  e  muitas  familias 
teem  emigrado  nos  últimos  annos  por  falta 
de  meios. 

No  ultimo  anno  (1887)  contava  este  dis- 
tricto  de  Viseu  728:148  prédios  inseriptos 
na  matriz,  mas  este  numero  deve  ser  muito 
maior,  porque  as  nossas  matrizes  actual- 
mente são  muito  defeituosas,  já  pela  sua  im- 
perfeita organisação,  já  pela  nefasta  influen- 
cia da  politica,  o  que  determinou  o  governo 
a  proceder,  como  está  procedendo,  á  revi- 
são das  matrizes  em  todo  o  reino. 

Comprehende  também  este  districto  uma 
superfície  de  497:848  hectares — e  terrenos 
variadíssimos  em  clima,  altitude,  exposição 
e  constituição  geológica,  pelo  que  são  variá- 
dissimas  também  as  suas  producções. 

Confina  ao  norte  cora  o  Douro  e  com  os 
distrietos  de  Bragança,  Villa  Real  e  Porto, 
alem-Douro;  ao  sul  (S.  E.)  com  o  Mondego 
e  com  os  distrietos  da  Guarda  e  de  Coim- 
bra alem- Mondego;  a  leste  outra  vez  com  o 
districto  da  Guarda— e  a  oeste  outra  vez  com 
o  districto  de  Coimbra  e  com  o  d'Aveiro. 

Tem  de  comprimento  máximo  cerca  de 
140  kilometros  desde  os  confins  do  concelho 
de  Mortágua,  a  S.  O.  até  os  confins  do  con- 
celho da  Pesqueira,  a  N.  E.— e  de  largura 
minima  cerca  de  40  kilometros  desde  a  ex- 
tremidade do  concelho  de  Sernancelhe  a  E. 
— até  03  confins  do  concelho  de  Castro  d'Ay- 
re  a  0. 

Ê  ura  dos  nossos  distrietos  mais  monta- 
nhosos e  mais  accidentados,  e  cortado  por 
grande  numero  de  rios,  taes  são  o  Douro,  o 
Mondego,  o  Vouga,  o  Paiva,  o  Dão,  o  Torto, 
o  Távora,  o  Tedo,  o  Varosa  e  outros  muitos 
Tios  secundários. 


Tem  profundas  ravinas  e  chãos  muito  ar- 
dentes nas  margens  d'aquelles,  rios  prin- 
cipalmente na  do  Douro,  nos  concelhos 
de  Lamego,  Armamar,  Taboaço  e  Pesqueira, 
onde  no  verão  tremem  sezões  os  gatos  as 
gallinhas  e  os  cães  1  ?. . . 

Isto  é  facto. 

São  também  muito  ardentes  as  margens 
do  Dão  e  do  Mondego,  mas  em  compensa- 
ção tem  terrenos  muito  altos,  montanhosos 
e  frios,  onde  a  neve  se  demora  no  inverno 
e  attinge  sempre  grande  altura,  ^  taes  são  as 
serras  do  Caramulo,  S.  Macário  e  Gralhei- 
ra,  as  mais  altas  do  districto, — e  as  de  Mon- 
te do  Muro,  Lapa^  Mezio,  Poio,  Sendim,  Pe- 
nedono, Paredes  da  Beira,  S.  Domingos. 
Avòes,  Penude,  Vouzella,  Castro  d'Ayre,  etc. 

Todas  estas  montanhas  são  graníticas  e 
granítico  é  todo  o  chão  d'este  districto,  ex- 
ceptuando o  valle  do  Dão  e  parte  doa  do 
Mondego  e  Sattam,  bem  como  a  margem  do 
Douro,  desde  o  concelho  de  Lamego  até  à 
Pesqueira.  Todo  este  terreno  é  schistoso  e 
muito  ardente,  pelo  que  produz  o  melhor  vi- 
nho do  districto.  O  do  valle  do  Dão  é  excel- 
lente  para  mesa;  o  da  margem  do  Alto-Dou- 
ro,  principalmente  o  dos  concelhos  d'Arma- 
t  mar,  Taboaço  e  Pesqueira  é  o  afamado  Port 
Wine,  o  melhor  vinho  do  mundo !  Só  tem 
rival— e  rival  superior — no  vinho  da  outra 
margem  (direita)  do  Alto-Douro,  nos  con- 
celhos d'Alijó  e  Sabrosa. 

Produz  também  este  districto  muito  vinho 
nos  outros  concelhos,  mas  vinho  de  mesa 
muito  inferior  áquelle,  2  e  algum  de  enfor- 
cado, rascante  como  o  do  Minho,  tal  é  o  dos 
concelhos  de  Sinfães,  Rezende,  Castro  d'Ay- 
re.  Oliveira  de  Frades  e  Vouzella,  na  parte 
alta  dos  dictos  concelhos. 

Da  seguinte  nota,  que  é  official  e  me  foi 
dada  muito  generosamente  pelo  governo  ci- 
vil d'esie  districto,  pode  vôr-se  o  vinho  que 
elle  produziu  no  ultimo  anno. 


1  Ella  poisa  também  por  vezes— raras  pí- 
zes—^m  toda  a  margera  do  Douro,  mas  ali 
o  desgêlo  opera-se  rapidamente. 

2  O  concelho  de  Lamego  também  proJuz 
excellente  vinho  d'embarque. 


1756  VIS  VIS 

Nota  da  producção  do  vinho  do  districto  de  Viseu  no  anno  de  1887 


CoDcelhos 

Vinho  tinto 
Litros 

Vinho  branco 
Litros 

Total  cm  litros 

618:300 

190:700 

809:200 

1.257:450 

79:815 

1.337:265 

579:900 

400 

580:300 

497:518 

39:785 

537:303 

14:900 

333 

15:233 

353:700 

4:615 

358:315 

6.975:590 

533:990 

7.509:580 

1.612:745 

3:870 

1.616:615 

399:670 

399:670 

771:240 

212 

771:452 

369:800 

19:000 

388:800 

3  802-963 

32:980 

3.925:945 

598:400 

643:400 

1.241:800 

386  900 

713-300 

1.100:200 

1.915:9iO 

1.689:745 

3.605:685 

199:990 

395:918 

595:908 

719:890 

834:893 

1.554:783 

412-940 

675970 

1.088:910 

538:200 

549:700 

1.087:900 

537:000 

434:850 

976:850 

656:890 

588:570 

1.245:460 

295:780 

213:200 

508:980 

54:480 

39:000 

93:480 

916:845 

813:471 

1.730:316 

9.744:802 

9.966:634 

19.711:436 

629:645 

622:916 

1.252:561 

34.951:680 

19.092:267 

54.043:947 

1 

Esta  nota  não  será  a  completa  expressão 
da  verdade,  mas  deve  approximar-se  d'ella, 
— e  advirta-se  que  os  concelhos  d'Armamar, 
Taboaço  e  Pesqueira  não  produzem  hoje  tal- 
vez a  decima  parte  do  vinho  que  produziam 
outr'ora,  porque  estão  todos  phylloxerados 
e  teem  os  seus  melhores  vinhedos  já  incul- 
tos I . . . 

O  de  Lamego  também  está  todo  phylloxe- 
rado,  mas  por  ter  chãos  mais  fundos,  mais 
fortes  e  mais  frescos,  hoje  todos  muito  bem 
grangeados,  muito  bem  adubados  e  tracta- 
dos  com  o  sulfureto  de  earbone,  que  é  o  me- 


lhor insecticida  contra  a  maldicta  phylloxe- 
ra^  ainda  produz  talvez  metade  do  vinho  que 
outr'ora  produzia. 

Para  evitarmos  repetições,  vejam-se  os  ar- 
tigos Villa  Real  de  Traz-os- Montes,  tomo 
XI,  pag.  1012,  col.  2."  e  segg.;—Villarinlio 
de  Cotas  no  mesmo  volume,  pag.  1344  e 
segg.; — Villarinho  dos  Freires,  pag.  1354  e 
segg.; — Villarinho  de  S.  Romão,  pag.  1373, 
col.  2.*  e  segg.; — e  Vimeiro  da  Lourinhã,  no 
mesmo  volume  também,  pag.  1437,  col.  2.* 
e  segg. 

No  valle  do  Dão  tambena  já  se  manifestou 


VIS 


VIS  1757 


a  phylloxera,  mas  em  pequena  escala  e  os 
seus  vinhedos  ainda  produzem  regular- 
mente. 

Produz  também  este  distrieto  muito  azei- 
te, como  se  vê  do  mappa  seguinte: 

Nota  da  producção  do  azeite 
do  distrieto  de  Viseu  no  anno  de  1887 


Concelhos 


Armamar  

Carregal,  

Castro  Daire  

Santa  Comba-Dão  . . 

Fraguas  

S,  João  d' Areias — 

Lamego  

Mangualde  

Moimenta  da  Beira. . 

Mondim  

Mortágua  

Nelias  

Oliveira  de  Frades. , 

S.  Pedro  do  Sul  

Penalva  do  Castello. 

Penedono   

S.  João  da  Pesqueira 

Rezende  

Sattam  

Sernancelhe  

Sinfães  

Taboaço  

Tarou'*a  

Tondella  

Viseu  

Vouzella  

Total... . 


Litros 


37:423 
26:400 
17:723 
3í4i2 

13:713 
23:600 
537:605 
17:999 
17:435 

4:000 
13:228 
985 

4:005 
25:780 

9:499 
187:995 
19:000 

5:400 

4:915 
39:312 
45:585 

4:417 

9:792 
25:414 
39:005 


1.138:658 


Este  mappa  é  também  offlcial,  porque  me 
foi  igualmente  dado  pelo  ex.""  sr.  governa- 
dor civil  d'este  distrieto,  por  intermédio  do 
sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça  Falcão 
meu  bom  amigo  e  cyreneu. 

O  azeite  dos  concelhos  d'Armamar,  Ta- 
boaço e  Pesqueira  é  delicioso;  talvez  o  me- 
lhor do  distrieto;  mas  a  sua  producção  é 
muito  incerta,  por  serem  muito  ardentes 
aquelles  chãos  e  estarem  os  seus  olivedos 
carregados  de  ferrugem  ha  muitos  annos. 

No  concelho  de  Taboaço,  por  exemplo,  a 
casa  dos  irmãos  Macedos  Pintos  tem  colhido 
alguns  annos  22  pipas  a'azeite  de  553  litros 

VOLUME  XI 


cada  uma,  mas  em  outros  annos  não  colhe 
6  pipas. 

Também  a  grande  quinta  da  Aveleira,  na 
freguezia  de  Távora,  pertencente  ao*mesmo 
concelho,  tem  produzido  8  pipas  d'azeite  al- 
guns annos — e  em  outros  não  dá  uma!... 

Em  todo  o  nosso  paiz  e  n'e3te  distrieto, 
nomeadamente  no  Alto-Douro,  estão  muito 
doentes  não  só  as  videiras  e  as  oliveiras, 
mas  todas  as  outras  arvores:  larangeiras, 
cerdeiras,  pereiras,  macieiras,  castaahei- 
ros,  etc.  ete. 

A  opulenta  casa  Macedos  Pintos,  mencio- 
nada supra,  tem  na  villa  de  Taboaço  grande 
quantidade  e  variedade  d'arvores  fructife- 
ras,  em  que  alguns  annos  apurou  mais  de 
um  conto  de  réis,  mas  nos  ulliqoos  annos  a 
escacez  foi  extrema  I 

Também  na  freguezia  de  Távora,  perten- 
cente ao  dito  concelho,  e  que  era.  depois  da 
freguezia  da  Penajoia,  a  que  produzia  mais 
e  melhores  cerejas  em  todo  o  nosso  paiz,  as 
cerdeiras  morreram  quasi  todas.  Replantam- 
nas  e  morrem  igualmente!  O  mesmo  suceede 
também  ali  com  as  outras  arvores  fruetife- 
ras  que  povoavam  aquella  mimosíssima  pa- 
rochia,  inveja  de  todo  o  Alio-Douro,  pois 
d'elle  Lamego  até  muito  alem  da  raia  de  Hes- 
panha  era  a  parochia  que  produzia  mais  e 
melhor  íructa. 

Escusado  é  dizer  que  também  ali,  como 
em  todo  este  distrieto  e  em  todo  o  nosso 
paiz,— em  Coimbra,  em  Setúbal  e  mesmo  no 
Algarve.— estão  muito  doentes  e  agonisan- 
tes  os  pomares  de  larangeiraa;  eomtudo  este 
distrieto  ainda  produz  muita  fructa  variadís- 
sima, inclusivamente  laranjas.  São  delicio- 
sas e  afamadas  as  do  valle  de  Besteiros  e  as 
da  margem  do  Alto  Douro,  e  n'este  as  de  S. 
Mamede  de  Riba-Tua,  que  são  as  melhores 
de  Portugal. 

Nos  concelhos  de  Lamego,  Mondim  da 
Beira  e  Tarouca  ha  também  grande  quanti- 
dade e  variedade  de  peras  e  maçãs  delicio- 
sas. 

Também  este  distrieto  produz  muita  cas- 
tanha, muita  batata  e  muitos  cereaes— tri- 
go, milho,  centeio,  cevada  e  feijões,— como 
se  vé  do  mappa  seguinte  : 

111 


1758 


VIS 


VIS 


2  2  r- c/3 'Tl  c/3  n  o  ►> 

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jii'«óiÁ..^ti4»í»o>íSOíO'<iooooo5>^hA05  0*00  CO    eo  -^i  05  o 

>— CC)«^ObS^O--í0íO:D»»-OO0>»A^^0l-^100C;!O0t00C0O 

aí)f='Ci5asiP-otoooo5i?'005U5i«iP'05000  0íOOO 


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00  Õ5»«COOOí>tS'-<lbobSb3ÍJ~Í>ShSÍP-"^'>OÓjêOi 

tp-     — coiioooioooosajN^Obscooscoi^Cí»— coit^cico— 

o      bScOOiODOsOOíDasCilf— Ol^fOJCD^Oíl^if^O-P-OcCt^CJtOO 

bo^1-vjcÒa50jt"í|i-b50H»0^'C005COCOi-i"hSCOOI 

OOICO— -o  —  OOOOOOtOw-OOCO^OH^-Ohi-OOCrtO 

tp-ooootífí^c^ooocjíocuatoooojooíooíoooo 


00 

oo 


Não  ha  elementos  para  a  estatística 


ir  H 

3  Sí 


VIS 


VIS  1759 


Este  mappa  tem  o  mesmo  caracter  o/^- 
€ial  dos  mappas  anteriores,  porque  me  foi 
também  dado  pelo  muito  digno  governador 
civil  d'este  districto,  por  intermédio  do  sr. 
dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça,  meu  bom 
amigo  e  eyreneu.  Recebam  pois  um  e  outro 
o  testemunho  da  minha  cordeal  gratidão. 

É  notável  n'e8te  districto  a  freguezia  da 
Penajoia—minhà  terra  natal,— pertencente 
ao  concelho  de  Lamego  e  denominada  terra 
das  cerejas,  porque  alem  de  ser  a  freguezia 
rural  mais  vasta  e  mais  populosa  d'aquelle 
concelho  e  uma  das  mais  vastas  e  mais  po- 
pulosas d'este  districto,  ^  é  a  que  produz 
maior  quantidade  de  cerejas  e  mais  têmpo- 
ras em  lodo  o  nosso  paiz. 

Também  produz  muitas  laranjas,  peras, 
maçãs,  damascos,  figos,  pecegos  e  outra 
muita  fructa  variadíssima,  da  melhor  do 
Douro,  e  muito  azeite,  cereaes,  castanhas  e 
vinho,  pois  é  desde  tempos  remotos  o  vinho 
a  sua  principal  producção. 

Já  em  1332  ella  produzia  1:600  almudes 
d'azeite,  7:000  alqueires  de  pão,  20:000  al- 
mudes de  vinho  e  25:000  alqueires  de  cas- 
tanhas,—segundo  se  lé  na  Descripção  do 
terreno  em  volta  de  Lamego  duas  legoas, 
'  pelo  cónego  tercenario  Ruy  Fernandes  2 
Ainda  em  l8i0  ella  produziu  1884  pipas  de 
vinho  de  553  litros  cada  uma, — e  nunca  es- 
teve Ião  bem  cultivada  como  hoje. 

Do  exposto  se  vê  que  a  tal  Penájoia,  terra 
das  cerejas,  alguma  coisa  produz  mais  do 
que  cerejas !. . . 

V.  Corvaceira  e  Peaajoia  n'este  diceiona- 
rio  e  no  supplemento. 

Produz  também  este  districto  muita  baga 
de  sabugueiro,  principalmente  nos  concelhos 
de  Lamego,  Armamar  e  Taboaço.  Também 
não  pude  obter  nota  estatística  d'esta  produc- 
ção, mas  tem  bastante  importância,  porque 
sô  aquelles  3  concelhos  devera  produzir  cer- 


1  Tem  cerca  de  6  kilometros  de  leste  a 
oeste  e  conta  approximadamente  750  fogos 
e  3:200  habitantes. 

2  Inéditos  da  Hist.  de  Port.,  tomo  V,  pag. 
549. 

0 


ca  de  20:000  rasas  de  baga,  baga  excellente 
para  tinturaria  e  para  dar  côr  ao  vinho  tanto 
nacional  como  estrangeiro,  pelo  que  se  ex- 
porta em  grande  quantidade  pela  Regoa  e 
pelo  Porto,  pois  só  no  Douro  se  cultiva  cm 
grande  escala  nos  terrenos  mais  mimosos, 
mais  fundos,  mais  frescos  e  regadios.  Em 
terreno  delgado  e  ardente  ninguém  plante 
sabugueiros,  porque  serão  sempre  rachiti- 
cos,  emquanto  que  nos  chãos  fortes  e  fres- 
cos, adubados  e  regadios,  crescem  espanto- 
samente, rapidamente,  chegando  a  medir  no 
tronco  mais  de  um  metro  de  circumferen»» 
cia  e  a  produzir  por  anno  3  a  4  rasas  de  15 
litros  cada  uma,  vendendo-se  a  rasa  por 
4:^000  réis  alguns  annos. 

Só  a  vil  la  e  freguezia  de  Taboaço  já  tem 
apurado  mais  de  quinze  contos  de  réis  em  ba- 
ga por  anno — e  todo  o  concelho  de  Taboaço 
mais  de  vinte  contos!. . .  Só  a  opulenta  fa- 
mília Macedos  Pintos  no  ultimo  anno  apurou 
cerca  de  1:500^000  réis  em  baga. 

Também  produz  muita  bagan'aquelle  con- 
celho a  freguezia  de  Távora.  Sabemos  que  o 
parocho  em  um  dos  últimos  annos  apurou 
na  baga  do  passal  mais  de  900^000  réis  1  e 
ha  n'aquella  freguezia  um  proprietário  que 
espera  colher  mais  de  1:500  rasas  por  an- 
no. É  o  meu  bom  amigo  Adriano  d'Azevedo 
Mesquita  Pimentel,  de  Riodades,  dono  da 
grande  quinta  da  Aveleira,  que  foi  dos  mar- 
quezes  de  Távora  desde  que  os  seus  ascen- 
dentes a  conquistaram  aos  mouros,  bem  co- 
\  mo  toda  aquella  freguezia  e  as  freguezias 
circumvisinhas.  Trucidados  os  dietos  mar- 
quezes  em  1759  (V.  Chão  Salgado)  passou  a 
mencionada  quinta  para  J.  Antonio  Salter  de 


í  O  passal  de  Távora  tinha  campos  ferti- 
lissimos  e  mimosíssimos,  foram  porem  pos- 
tos em  hasta  publica  pela  lei  da  desamorti- 
sação  e  arrematou-os  já  e«t'anno  de  1888 
um  filho  d'aque!la  parochia  e  juiz  de  di- 
reito—dr.  Manoel  de  Barros  Nobre,  a  quem 
hoje  pertencem. 

V.  Távora  n'esle  diccioaario  eno  supple- 
mento. 

O  preço  da  baga  é  muito  incerto. 

Por  vezes  no  mesmo  anno  baixa  de  4iíl000 
ré\3  a  2^000  réis.  Actualmente  regula  por 
y500  réis. 


1760  VIS 


VIS 


Mendonça;  no  meado  d'e8te  século  com- 
prou-a  o  doutor  e  depois  desembargador  da 
relação  do  Porto  Joaquim  Machado  Ferreira 
Brandão:  d'e8te  passou  para  um  dos  seus 
herdeiros  e  cunhado  Sebastião  Pinto  Morei- 
ra, do  Porto,  a  quem  a  comprou  em  1887  o 
dono  actual. 

É  o  maior  prédio  d  aquelle  concelho  e  ura 
dos  maiores  d'este  dislricto.  Tem  chãos  mui- 
to ardentes,  próprios  só  para  vinha  e  olival, 
mas  tem  outros  muito  mimosos,  muito  fer; 
teis  e  regadios  e  passa  pelo  meio  da  grande 
quinta  o  rio  Távora, 

Também  produzem  muita  baga  de  sabu- 
gueiro as  frpguezias  de  Penajoia,  Cambres, 
Sande  e  Valdigem,no  concelho  de  Lamego. 

Produz  também  hoje  este  districlo  algum 
tabaco  n'aquelles  3  concelhos,  principal- 
mente na  freguezia  da  Ervedosa,  concelho  da 
Pesqueira,  e,  se  este  ramo  de  cultura  der  o 
resultado  que  se  espera  (ainda  está  em  ea- 
saios)  altingirà  grande  importância. 

O  nosso  governo,  a  instancias  de  alguns 
lavradores  do  Douro,  nomeadamente  do  sr. 
barão  das  Lages,  permittiu  como  ensaio  a 
cultura  da  nieoceana  em  10:000  hectares 
dos  terrenos  phylloxerados  d'aquella  região 
— e  os  ensaios  já  feitos  são  promettedores  I 
É  de  óptima  qualidade  o  tabaco  e  desenvol- 
ve-se  admiravelmente  mesmo  nas  terras 
mais  seccas  do  Alto-Douro.  Na  Er^dosa, 
por  exemplo,  attingem  um  metro  e  m^ais  de 
comprimento  as  folhas  da  tal  nieoceana. 

Para  evitarmos  repetições,  vejam-se  os 
artigos  Villa  Real  de  Traz-os-Montes,  tomo 
XI,  pag.  1012,  col.  2.«  e  segg.,— FÍj/ZannAo 
de  Cotas  e  Villarinho  de  S.  Romão. 

Também  este  districto  de  Viseu  outrora 
produziu  muito  sumagre  t,ios  terrenos  arden- 
tíssimos da  margem  do  Alto  Douro,  perten- 
centes aos  concelhos  de  Lamego,  Armamar, 
Taboaço  e  Pesqueira,  mas,  depois  que  ali  se 
desenvolveu  e  generalisou  a  cullura  da  vi- 
nha, os  sumagraes  desappareceram. 

Nós  herdámos  dos  mouros  aquella  indus- 
tria, como  se  vê  de  antigos  documentos,  no- 
meadamente do  velho  tombo  do  passal  de 
Távora,  concelho  de  Taboaço,— tombo  que 


se  refere  aos  princípios  da  nossa  monarchia 
e  onde  se  descrevem  muitos  sumagraes  K 
Também  ainda  nos  princípios  do  século  xvi, 
como  se  vê  da  Descripção  do  terreno  em 
volta  de  Lamego  duas  legoas,  escripta  pelo 
cónego  tercenario  Ruy  Fernandes  em  1532,  * 
se  faz  menção  do  sumagre,  como  producção 
importante  n'aquelle  concelho.  A  pag.  552, 
por  exemplo,  diz  o  auctor  que  só  a  quinta 
de  Mosteiro,  *  que  então  era  dos  frades  de 
S.  João  de  Tarouca^  produzia  S06>  arrobas  de 
sumagre  por  anno,— alem  de  15  a  16  mil 
almudes  de  vinho,  2:500  almudes  d'azeite  em 
anno  de  safra;  1:000  alqueires  de  pão,  600 
alqueires  de  castanhas,  300  alqueires  de  le- 
gumes, 300  cargas  de  cerejas  e  500  cargas 
d'outras  fruetas. 

Era  e  é  uma  quinta  soberba  1 

V.  Cambres  n'este  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 

Do  exposto  se  vê  que  foi  muito  antiga  e 
de  certa  importância  no  Alto-Douro  a  indus- 
tria do  cultivo  e  preparação  do  sumagre 
para  eortumes  e  tinturaria,  mas  hoje  aquella 
industria  apenas  se  exerce  em  Villa  Nova  de 
Foscôa,  também  no  Alto-Douro,  mas  já  no 
districto  da  Guarda. 

V.  Villa  Nova  de  Foscôa,  tomo  XI,  pag. 
840,  col.  1.»  e  segg. 

Também  n'este  districto  é  importante  a 
ereação  de  gado  de  differentes  espécies.  Em 
1870  (Dão  nos  foi  possível  obter  nota  pos- 
terior? ! . . . )  segundo  se  lê  no  Recenseamento 
geral  dos  gados,  publicado  em  1873,  contava 


1  Em  1861  a  1863  ainda  existia  no  archi- 
vo  parochial  da  mencionada  freguezia  uma 
copia  d'aquelle  lombo,  copia  que  nós  vimos 
e  lemos  muitas  vezes,  quando  éramos  ali 
parocho. 

2  Inéditos  da  Hist.  Port.  tomo  5.°  pag.  546 
a  612. 

*  Pertence  á  freguezia  de  Cambres  e  foi 
do  convento  de  S.  João  de  Tarouca  até  1834; 
depois  passou  para  o  padre  José  Mendes,  de 
Cambres,  e  d'este  para  os  Fragateiros,  ne- 
gociantes do  Porto,  aos  quaes  ainda  hoje 
pertence,  bem  como  outras  quintas  comvisi- 
nhas,  entre  ellas  a  do  Cobouco,  em  frente  da 
Regoa,  quinta  que  foi  dos  viscondes  de  Bal- 
semão. 


VIS 


VIS  1761 


eale  districto  de  Viseu  a  população  pecuária 
seguinte  : 


Muar   i'.610  cabeças 

Cavallar  '..     3:440  » 

Asinino   4:074  » 

Bovino   29:131  > 

Caprino   59:788  . 

Suino   61:366  » 

Lanigero   258:668  .  . 

Total   418.097  » 


Produz  também  este  districto  bastante  lã, 
toda  ordinária  (a  melhor  lã  de  Portugal  é  a 
do  Alemtejo);— manteiga  de  puro  leite  de 
vacca,  muito  soffrivel,  embora  preparada 
estupidamente  por  systemas  rotineiros  anti- 
quíssimos,—  e  bastante  queijo.  O  melhor 
d'este  districto  é  o  dos  concelhos  de  Fornos 
de  Algodres,  Mangualde,  Tondella  e  Nellas, 
também  preparado  de  um  modo  muito  ru- 
dimentar, rnas  ainda  assim  vende-se  no 
Porto  e  em  Coimbra  como  queijo  da  Serra 
da  Estrella,  que  é  o  melhor  de  Portugal, 
embora  o  dos  mencionados  concelhos  seja 
muito  inferior  áquelle,  pois  apenas  vê  de 
longe  a  dieta  serra. 

Contribuições 

No  ultimo  anno  (1887)  todo  este  districto 
de  Viseu  pagou  as  contribuições  seguintes  • 

Sumptuária   4:720íg587 

Verba  do  sello   8:438;í;447' 

Districtal   17: 151 W 

Decima  de  juros   25:405^327 

Industrial   40:542^135 

Reald'agua   58.553^883 

Predial   156:763(^690 

Municipal   223:392^718 

•   Total   534:968^677 

Não  nos  foi  possível  obter  a  cifra  das 
contribuições  parochiaes,— cifra  hoje  impor- 
tante, porque  as  juntas  de  parochia  teem  a 
seu  cargo  muitas  despezas. 


Ainda  o  districto 

Merecem  especial  menção  n'este  districto 
os  bois  denominados  paivotos,  por  serem 
criados  nas  margens  do  Paiva  e  no  concelho 
de  S.  Pedro  do  Sul. 

São  vermelhos^  de  -côr  e  medianos  de  ar- 
mação e  de  corpo,  mas  bem  proporcionados, 
elegante?,  muito  leaes  e  muitissimo  valen- 
tes t  Que  o  diga  quem  já  os  visse  como  nós 
milhares  de  vezes  temos  visto  alando  ou 
guindando  os  barces  do  Douro  com  sirgas 
por  caminho  de  cabras.  Mesmo  nos  pontos 
e  no  inverno  só  duas  juntas  de  bois  guindam 
contra  a  corrente  os  maiores  barcos  do  Dou- 
ro carregados.  Os  pobres  bois  vão  compri- 
midos como  um  caracol;  por  vezes  estala 
uma  das  sirgas,  mas  a  outra  junta  não  cede 
e,  tendo  chão  onde  Qrmar-se,  sustenta  eila 
sósinha  o  barco,  não  estalando  a  sirga. 

A  alagem  dos  barcos  rabellos  é  muitíssi- 
mo violenta  e  perigosa,  e  n'ella  só  se  em- 
pregam os  taes  boisinhos.  Os  mirandezes  e 
barrosões  são  muito  valentes,  mas  não  se 
prestam  a  semelhante  serviço,  por  serem 
mais  corpulentos  e  não  poderem  mover-se  e 
trabalhar  nos  taes  caminhos  das  sirgas,  que 
são  uns  despenhadeiros  perigosíssimos,  al- 
candorados sobre  o  Douro. 

Os  bois  da  Figueira  são  ainda  mais  pe- 
quenos do  que  os  paivotos,  mais  dóceis,  e 
trabalham  muito  bem  na  lavoura  e  na  con- 
ducção  de  pipas,  mas,  se  os  mettessem  na 
alagem  dos  barcos  rabellos,  dez  juntas  não 
fariam  o  serviço  de  duas  dos  taes  paivotos 
— e  por  vezes  iriam  todos  de  mergulho  ter 
ao  Douro ! . . . 

Também  é  deliciosa  a  carne  dos  taes  boi- 
sinhos, principalmente  das  vitellas  do  antigo 
concelho  de  Lafões,  hoje  representado  pelos 
de  S.  Pedro  do  Sul  e  Vouzella. 

Também  é  deliciosa  a  carne  de  porco 
n'este  districto,  principalmente  no  concelho 
de  Lamego  e  nos  limilrophes,  onde  a  ceva 
é  feita  quasi  exclusivamente  com  castanhas. 

Desde  tempo  immemorial  gosam  de  justa 
fama  os  presuntos  de  Lamego. 

Também  ali,  como  em  toda  esta  província 


1762  VIS 


VIS 


e  na  de  Traz-os-Montes,  são  deliciosos  os  lei- 
tões, assados  sobre  brasas  vivas,  com  re- 
cheio. Na  antiga  eosinha  portugueza  poucos 
pratos  haverá  tão  saborosos. 

Também  n'este  districto  ha  peixe  delicio- 
so:—no  Douro  lampreias,  sáveis  e  mugens; 
nos  rios  do  interior,  nomeadamente  no  Pai- 
va, trutas,  bogas  e  ciroses. 

Ha  também  n'este  districto  muita  caça 
miúda: — lebres,  coelhos  e  perdises.  A  caça 
grossa  desappareceu  com  a  cultura  das  bre- 
nhas. Apenas  no  inverno  se  encontram  al- 
guns lobos  na  falda  das  serranias,  mas  tão 
pacatos  e  attenciosos  que  ordinariamente 
não  agridem  ninguém— e,  apenas  se  opera 
o  desgêlo,  sobem  para  as  montanhas  e  por  lá 
se  conservam  quasi  todo  o  anno. 

Quinta  regional  e  Eschola  agrícola 

Este  districto  teve  uma  Quinta  regional, 
montada  primeiramente  em  um  prédio  de 
renda  no  local  do  Viso,  arrabaldes  de  Viseu, 
e  depois  em  um  prédio  próprio  que  ajunta 
geral  comprou  por  14:000^000  de  réis  em 
1884  a  José  Antonio  da  Silva,  junto  da  Car- 
reira dos  Carvalhos,  e  que  ficou  sendo  pro- 
priedade do  districto. 

Não  tinha  offlcinas  algumas.  Apenas  ali  se 
ensaiava  a  cultura  própria  da  localidade, 
ereação  e  engorda  de  gados,  ete.  para  o  que 
tinha  2  postos  hypieos  com  2  cavallos,  2 
touros  e  1  jumento. 

O  seu  pessoal  permanente  reduzia-se  a 
um  feitor,  4  criados  e  numero  incerto  de 
jornaleiros,  sob  a  inspecção  e  direcção  do 
agrónomo  districtal  e  do  intendente  de  pe- 
cuária. 

A  despeza  regulava  por  2:200^000  réis 
por  anno— e  também  tinha  um  observatório 
meteorológico,  mas  no  uUimo  anno  a  men- 
cionada quinta  foi  transformada  pelo  gover- 
no em  Escola  agrícola,  d'accordo  com  a 
junta  geral. 

Minas 

Ha  n'este  districto,  nomeadamente  no  con- 
celho de  Viseu,  muitos  jasigos  de  differen- 
tes  minérios,  quasi  todos  por  explorar  ainda. 


Para  não  fatigarmos  os  leitores,  menciona- 
remos apenas  os  jazigos  do  concelho  de  Vi- 
seu, indicando  as  freguezias,  aldeias  e  sí- 
tios onde  demoram: 

Abravezes: — No  monte  de  Santa  Luzia,  li- 
mite de  Paschoal;  manganez. 

Barreiros:— Cot gdi  e  Lameiras  do  Val,  li- 
mite da  Matta;  Santa  Forna  e  Gervasinha,. 
limite  de  Brufe:  barro  para  telha  e  para 
» louça  fina. 

Boa  Aldêa:— Forno  da  telha,  estanho;  Ou- 
teiro de  Santo  André,  estanho;  Feiteira  e 
Valles,  baldio;  estanho  e  wolfram. 

Bodiosa:—lnsms;  vinha  do  Alqueve  e  Ca- 
brão, limite  de  Bodiosa  a  Nova:  estanho  e 
prata; 'Matta  do  Pinhal,  limite  de  Aval:  es- 
tanho. 

Ca/de;— Cruzinha  do  Villar  e  Valle  de 
Lobo,  limite  de  Povoa  de  Lourenço  Paes:  es- 
tanho. 

Cawrnães:— Barroqueiras,  Corgas e  Lapa, 
limite  de  Passos:  galena  de  chumbo,  chum- 
bo e  prata. 

Couto  de  Baííco:- Tapada  do  Carqueijo, 
aos  Cantarinhos,  limite  de  Villa  Nova;  chum- 
bo e  estanho;  Valle  Gordo,  maninho,  limite 
de  S.  Cosmado;  chumbo;  Outeiro  da  Vinha 
do  Mouro,  limite  da  Portella:  chumbo  e  es- 
tanho; Outeiro  da  Covella,  limite  do  Couto 
de  Baixo;  idem,  idem. 

Couto  de  Cma:— Felgueira,  pinhal,  esta- 
nho; Galypo;  chumbo. 

Fragosella: — Monte  de  Cima  :  feldspatho 
ou  kaolino. 

Lordosa;— Ramalhal,  limite  de  Passo;  Ou. 
teiro  da  Portella,  limite  Galiifonge;  Salguei- 
rinho  á  pedra  Pousadoira  e  Carregal,  Ri- 
beiro da  Gorga,  maninho;  Castro,  maninho 
municipal:  chumbo,  cobre,  estanho  &  prata. 

Orienía/;— Quintal  da  casa  do  Arco:  car- 
vão de  pedra. 

Povolíde:— Monie  da  Cerca,  limite  de  Cres- 
tello;  cobre;  Esfolhada,  limite  de  Nesprido: 
estanho  e  ferro. 

Ribafeita:— Terras  do  Outeiro,  limite  de 
Lustoza;  Gayo,  limite  de  Ribafeita;  Fecha, 
maninho  municipal,  limite  de  Seganhos : 
chumbo  e  estanho. 

Rio  de  Loba: — Viso;  chumbo  e  prata. 

S.  Cypriano:  —  Marialva,  á  Valia  do 


VIS 


VIS  1763 


Mendes,  limite  de  Ferrocinto:  pyrite  cú- 
prico. 

S.  Salvador:— Em  Paradinlia,  próximo  da 
Quinta  de  Antonio  de  Albuquerque  de  Ama- 
ral Cardoso:  estanho. 

Torredeita:— Nâlle  Escuro,  limite  de  Rou- 
tar;  Souto,  Villa  de  Um  Santo,  limite  de 
Cotta;  Outeiro  da  Cabeça  da  Roza,  limite  de 
Villa  Chã  do  Monte;  Castanheiro,  limite  de 
Routar;  Pinhal  da  Tapada  do  Carqueijal, 
Maninho  de  Villa  Chã  do  Monte:  chumbo; 
estanho,  cobre  e  prata. 

No  meado  do  século  xvii  ainda  n'este  con- 
celho se  exploravam  minas  de  estanho,  por 
que  o  dr.  Manuel  Botelho  Ribeiro  diz  textual- 
mente o  seguinte :  ^ 

tPois  dos  metaes  que  direis  do  estanho, 
que  nella  (na  cidade  ou  no  concelho  de  Vi- 
seu) se  tira,  em  quantidade  muito,  e  em 
bondade  finíssimo,  de  que  El  Rei  tira  muito 
proveito,  e  renda  ?  O  barro  de  MoUelos  bem 
lavrado  he  o  mais  cheiroso  e  fresco  que  se 
pode  achar,  assi  para  beber,  como  para  todo 
o  serviço.» 

Não  diz  o  local  onde  n'aquelle  tempo 
(1630-1636)  se  exploravam  as  taes  minas  de 
estanho. 

Em  MoUelos  ainda  hoje  se  fabrica  muita 
louça  e  muito  estimada,  que  exportam  para 
Lamego,  Aveiro,  Coimbra  e  Porto. 

É  conhecida  por  louça  de  MoUelos  ou  lou- 
ça preta,  porque  o  dicto  barro,  depois  de 
cosido,  toma  côr  bastante  escura. 

Esta  louça  é  muito  leve,— dà  bom  sabor 
ã  agua— e  não  estala  com  o  fogo,  pelo  que 
é  preferida  para  certas,  frigideiras,  alguida- 
res, cassarolas  etc. 

Também  fazem  da  dieta  louça  canecas 
muito  caprichosas  para  agua,  sendo  algumas 
rendadas  e  de  segredo,  com  asas  e  bordos 
vãos  por  dentro.  Note-se  porem  que  a  fre- 
guezia  de  MoUelos  não  pertence  ao  concelho 
de  Viseu,  mas  ao  de  Tondella.  » 

Ha  também  n'este  districto  muitos  jasigos 


1  Dialogo  1°,  eap.  7.»  pag.  50  no  códice  de 
Girabolbos. 


de  ferro,  todos  por  explorar,  .taes  são  os  do 
Castello  dos  Mouros  e  do  Espigão  da  Serra 
na  freguezia  da  Penajoia,  concelho  de  La- 
mego,—e  ha  também  3  minas  de  chumbo 
argenlifero  em  exploração,— uma  em  Vár- 
zea de  Trovões,  concelho  da  Pesqueira,— 
outra  em  Adorigo,  concelho  de  Taboaço,— e 
outra  em  Abragão,  freguezia  de  Santa  Leo- 
eadia,  no  mesmo  concelho. 

Também  na  Foz  do  Távora,  freguesia  de 
Valença  do  Douro,  concelho  da  Pesqueira, 
ha  outra  mina  de  chumbo  argenlifero,  que 
em  1860  a  1874  foi  explorada  por  Ladislau 
Zarzechi,  distincto  cavalheiro  e  engenheiro 
de  minas,  filho  da  Polónia  e  que  viveu  mui- 
tos annos  como  emigrado  em  Portugal,  até 
que  falleceu  approximadamente  em  1880  no 
Alemtejo,  estando  empregado  nas  celebres 
Minas  de  S.  Domingos. 

Também  elle  registrou  e  principiou  a  ex- 
plorar outras  minas  de  chumbo  argentifero 
na  margem  esquerda  do  Tedo  e  do  Távora, 
e  na  povoação  de  Donello,  freguezia  de  Co- 
vas do  Douro,  mas  teve  de  suspender  a  la- 
vra de  todas  por  falta  de  capital  I . . . 

V.  Cavas  do  Douro,  tomo  2.»  pag.  428 
col.  1."  in  principio;  Monte  Coxo,  tomo  5.» 
pag.  472,  col.  2.';— Távora,  rio,  vol.  9."  pag. 
515,  col.  1.*,— e  Várzea  de  Trovões,  tomo 
10."  pag.  239,  col.  1.* 

Linho 

Desde  tempos  muito  remotos  se  colheu  e 
fabricou  n'este  distrijto  grande  quantidade 
de  linho. 

Já  em  1630  a  1636  o  dr.  Botelho  {Dialogo 
1.»  cap.  7.»)  fallaodo  da  cidade  de  Viseu, 
disse  textualmente  o  seguinte: 

»De  panos,  especial  de  linho,  concorrem 
a  ella  tantos  ao  mercado  que  se  faz  todas  as 
primeiras  terças  feiras  dos  mezes,  que  pro- 
vê muita  parte  de  Castella,  e  Alemtejo,  para 
onde  levão  mercadores,  que  a  ella  vem  só  a 
isso.»  E  cem  annos  antes  (em  1532)  na  sua 
interessante  Descripção  do  terreno  em  roda 
de  Lamego  duas  legoas  disse  Ruy  Fernan- 
des : 

titem  outro  sy  ha  por  soma  no  dito  com - 
I  passo,  de  linho,  a  saber;  pano  de  linho,  qufr 


1764  VIS 


VIS 


se  faz  nestas  duas  legoas,  de  dízimo  (só  de 
dizimol)  dezoito  mil  varas,  de  maneira,  que 
se  colhem  no  dito  compasso,  e  se  fiam  cento 
e  oitenta  mil  varas,  . .  .entre  o  qual  he  pano 
de  linho,  e  estopa,  e  trez  (?),  e  haa  estopa 
que  se  vende  a  12,  14,  15  réis  até  20,  e  o 
pano  de  linho  de  15  até  cento,  e  cento  e 
vinte  a  vara,  e  vende^  se  este  pano  a  merca- 
dores, 6  vay  pera  castella  muita  soma,  e  pera 
lixboa,  e  pera  alemtejo,  e  pera  o  algarve,  e 
pera  as  ilhas,  e  outro  se  gasta  na  terra,  e  fi- 
tas em  peças.  ^ 


 atée  agora  (1532)  se  comia  n'esta  ci- 
dade (Lamego)  oitocentos  mil  réis  de  lonas, 
que  se  faziam  pera  el  rei  nosso  senhor,  que 
saya  das  sisas  do  dito  compasso,  e  se  repar- 
tia por  fiadeiras,  e  tascadeiras,  e  dobadeiras 
todo  pollo  meudo,  que  he  regateiras,  e  pas- 
sadeiras, aiá  08  presos  nisto  ganhavam  de 
comer  em  debar,  e  almocreves  em  carretos, 
e  homens  pobres  que  não  tinham  oflieios 
aprenderam  a  tecelões  das  ditas  lonas,  com 
que  atée  agora  se  mantinha  2. 


«Item  ha  outro  trato  delrrei  nosso  senhor 
de  bordates,  que  se  soiam  a  trazer  de  frança, 
e  agora  se  fazem  na  dita  cidade  ("Lamego)  e 
cercohito,  que  he  muito  bom  pera  a  dita  ter- 
ra; porque  na  dita  cidade  he  cercohito  ha- 
verá duas  mil  tecedeiras  de  panno  de  linho, 
e  de  estopa,  as  quaes  tecem  aqui  os  ditos  bor- 
dates; e  está  aqui  na  casa  da  dita  feitoria 
hum  fermoso  bronhidor  dos  bordates,  e  pre- 
sas monstruosas  pera  vêr  andar,  e  assi  ha 
2  pisões, ...  em  o  qual  se  fazem  também  ba- 
caxiis,  e  fuslões . . .  •  3 

Do  exposto  se  vé  que  no  meádo  do  sé- 
culo XVI  a  industria  da  tecelagem  do  linho 
e  da  estopa  foi  muito  importante  n'este  dis- 
tricto,  nomeadamente  em  Lamego;  onde  ha- 
via uma  fabrica  real  de  lonas,  talvez  para 
velas  dos  naiVios,— bordates,  bacaxiis  ou  bo- 


1  Inéditos  de  Hist.  Port.  tomo  5."  pag.  555 

2  Ibid.  pag.  558. 

3  Ibid.  pag.  589. 


1  caxins  ^  (tela  encerada)  e  fustões, — fabrica  de 
que  hoje  não  ha  outra  memoria,  alem  da 
que  deixou  o  mencionado  Ruy  Fernandes, 
que  ao  tempo  era  tratador  ou  director  da 
dieta  fabrica. 

Não  sabemos  o  que  eram  os  taes  bordates 
de  linho,  que  costumavam  vir  de  França. 
Talvez  fossem  toalhas,  guardanapos  e  cober- 
tas ou  colchas  bordadas  no  tear,  pois  ainda 
hoje  em  volta  de  Lamego  e  n'oulros  pontos 
do  nosso  paiz,  nomeadamente  em  Amala- 
guez,  freguezia  do  concelho  de  Coimbra,  se 
tecem  guardanapos,  toalhas  e  colchas  de  li- 
nho, ou  de  linho  e  algodão,  com  ornatos 
muito  caprichosos,  tudo  feito  á  mão  em  tea- 
res de  systema  antiquíssimo. 

Também  na  província  de  Traz-os  Montes, 
nomeadamente  na  freguezia  de  Urros,  se  fa- 
zem colchas  muito  bonitas  de  linho,  lã  e 
barbilho  (seda  grossa)  ,  de  cores  e  desenhos 
variados. 

O  algodão  tem  affroniado  muito  a  indus- 
tria do  linho,  principalmente  nas  grandes 
cidades,  mas  n'este  districto  e  nos  outros  a 
N.  do  nosso  paiz  ainda  o  linho  è  muito  esti- 
mado e  cultivado  em  grande  escala.  Usa-se 
com  preferencia  ao  algodão  para  camisas, 
ceroulas  e  roupa  de  cama.  É  mesmo  um  tim- 
bre nas  casas  abastadas  terem  dúzias  e  dú- 
zias de  lençoes  e  rolos  (teias  inteiras)  de  li- 
nho. 

Seda 

Também  outr'ora  produziu  muita  seda 
este  districto. 

Em  1532  só  no  terreno  em  volta  de  La- 
mego duas  léguas  se  colheram  50:000  on- 
ças. 

«Item  se  colhe  no  dito  compasso  de  dizi- 
mo, a  saber:  de  sêda  cinquo  mil  onça»,  assi 
que  se  colhe  cincoenta  mil  onças.  A  qual 
seda  se  gasta  parte  dela  em  esta  cidade  (La- 
mego) e  tarouca,  em  veludos,  çatiis  (setins) 
tafetás  e  toucaria;  e  a  mais  vae  pera  fora.  2» 

Produzia  pois  este  districto  no  meado  do. 


^  Bocaxim.  Telia  engommada,  para  entre- 
lar  vestidos,  mais  forte  e  basta,  que  a  Olan- 
dilba.  Diecionario  de  Moraes,  G.«  edição. 

2  Ruy  Fernandes,  loc.  cit.  pag.  555. 


VIS 


VIS  1765 


século  XVI  muiia  seda  e  tinha  em  Lamego  e 
Tarouca  fabricas  de  veludo,  selim,  tafetá  e 
toucaria —fabricas  de  que  não  ha  memoria, 
pois  ha  muito  que  a  industria  da  seda  de- 
cahiu  entre  nós;  mas  ainda  em  vários  pon- 
tos d'este  districto,  nomeadamente  nas  fre- 
guezias  de  Samodães  e  Penajoia,  concelho  de 
Lamego,  e  na  de  Távora,  concelho  de  Ta- 
boaço,  se  vêem  amoreiras  seculares,  raages- 
tosas  I 

Também  no  meado  d  este  século  os  fran-. 
cezes,  hespanhoes  e  italianos  vieram  a  Por- 
tugal comprar  casulo  para  semente  e  deixa- 
ram muito  dinheiro  n'este  districto  e  no  de 
Bragança.  Foi  o  ultimo  impulío  que  teve 
entre  nós  a  creaçâo  do  sirgo,  mas  rapida- 
mente amorteceu. 

V,  Rua,  tomo  8.°  pag.  253,  col.  2.»  e  segg. 

Madeira 

Houve  também  n'e8te  districto  grande 
abundância  de  excellente  madeira  de  casta- 
nho para  canstrucções  de  toda  a  ordem, 
principalmente  nos  concelhos  de  Sinfães, 
Rezende,  Lamego,  Tarouca,  Mondim,  Arma- 
mar e  Taboaço. 

Era  trivialissimo  ver  castanheiros  mages- 
tosos  e  casas  com  madeira  toda  de  castanho; 
—soalhos,  forros,  janellas,  portas,  traves,  ar- 
mação e  mobília,  inclusivamente  grandes 
arcas,  com  taboas  enormes,  formando  uma 
só  taboa  cada  face;  e  os  forros  eram  por  ve- 
zes obras  d'arte  de  grande  custo,  ainda  hoje 
muito  estimados;  mas  ha  muito  que  os  cas- 
tanheiros adoeceram  e  outros  foram  arran- 
cados para  novas  culturas,  pelo  que  a  ma- 
deira de  castanho  rareou  muito  e  já  não  se 
encontra  sã  como  outr'ora. 

Para  se  formar  ideia  do  que  foram  os  cas- 
tanheiros d'este  districto  no  meado  do  sé- 
culo XVI,  leia-se  o  que  diz  Ruy  Fernandes, 
loc.  cit.  pag.  6H,  fallando  do  terreno  em  | 
volta  de  Lamego  :  j 

«Ha  mais  n'este  cereohito  madeira  de  cas-  \ 
tanho  a  mais  formosa  que  ha  em  todo  o 
Reino,  e  a  maior  parte  déla  se  carrega  para 
lixboa,  e  para  outras  partes:  ha  tavoado  que 
he  mais  formoso,  que  bórdo,  e  vai  hua  dú- 
zia de  tavoado  de  doze  palmos  em  compri-  l 


do,  e  dous  em  largo,  150  e  160  réis;  ha  mui- 
tos e  mui  formosos  mastos  decastinheiro  de 
15,  16  e  17  braças  (?!..•)  que  estãm  onde 
se  podem  carregar  no  Douro  pera  o  Porto, 
e  dahi  pera  outras  partes,  e  os  que  estam 
mais  ao  sertão  se  faz  delles  madeira,  e  ha 
muito  tavoado,  de  quatro^  cinquo  palmos  em 
largo.* 

Eram  também  de  castanho  todos  os  toneis 
do  Douro,  inclusivamente  os  maiores,  de  40 
a  60  pipas,  i  Os  da  nossa  província  da  Es- 
tremadura são  quasi  todos  de  pinho.  Apenas 
alguns  teem  tampos  de  castanho  importados 
do  Zêzere  e  do  Porto,  ou  do  Douro,  porque 
a  Estremadura  não  tem  soutos  de  castanhei- 
ros. 

Fecharemos  este  tópico  transcrevendo  o 
que  Ruy  Fernandes  loc.  cit.  pag.  553  e  554, 
fallando  do  terreno  em  volta  de  Lamego, 
disse  em  1532  da  producção  das 

Castanhas 

•Item  coma  a  castanha  (refere -se  ao  cir- 
cuito das  2  léguas  em  volta  d'aquella  cida» 
de)  de  dízimos  47:660  alqueires,  de  maneira 
que  somão  as  que  se  colhem  na  terra  476:600 
alqueires  I  A  qual  castanha  muita  delia  se 
enterra,  e  se  vende  na  eoresma,  e  outras  se- 
cam, e  a  picão,  que  chamão  castanha  pi- 
cada. Desta  castanha  picada  se  faz  grande 
carregação  pollo  douro  pera  lixboa,  e  pera  o 
algarve,  e  pera  as  Ilhas;  e  quando  o  anno  he 
esterle,  os  homes  pobres  moem  a  dita  cas- 
tanha, e  fazem  delia  pão,  e  he  muito  fartum 
e  muito  doce,  que  chamam  falacha;  2  e  de 
outra  castanha  verde  caseada  cevam  muitos  e 
mui  formosos  porcos  das  mais  saborosas  car- 
nes, que  ha  em  todo  o  Regno.  O  preço  desta 
castanha  verde  em  anno  de  bonança  a  tres 
e  a  quatro  centos  réis  o  alqueire  da  rebor- 


1  No  Douro  nunca  houve  toneis  de  maior 
lotação,  mas  hoje  na  cidade  da  Figueira  uma 
companhia  francesa  tem  toneis  de  lUO  a  200 
pipas,  cada  um,  todos  de  pinho,  e  em  Bar- 
celona ha  toneis  de  500  pipas?!  •  •  • 

2  Ainda  hoje  (1888)  ali  se  usam  as  taes 
falachas,  não  como  alimento  ordinário,  mas 
por  mimo. 


1766  VIS 


VIS 


dam  ^  e  dã  longal  a  5  e  a  6  polia  medida 
grande  desta  terra;  e  a  da  picada  a  20,  e  a 
25,  e  a  30  o  alqueire.  E  no  tempo  delia  to- 
dollos  caminhos  e  estradas  sam  cobertas,  e 
polias  nom  poderem  apanhar  trazem  os  por- 
cos pollos  soutos,  que  as  comam;  e  todollos 
caminhantes,  e  pessoas  que  passam  fazem 
magustos,  sem  lhe  ser  defesso;  e  ha  casti- 
nheiros  muitos  que  dão  60  alqueires  de  cas- 
tanha, e  ha  destes  muitos;  e  ha  castinheiro 
que  debaixo  delle  se  colheram  300  homes  á 
sombra.* 

Ainda  hoje  mesmo  em  Lamego,  junto  do 
santuário  de  Nossa  Senhora  dos  Remédios, 
ha  um  castanheiro  que  tem  de  eireumferen- 
cia  no  tronco  mais  de  nove  metros;  mas  em 
Traz-os-Montes  ha  troncos  de  castanheiro 
com  12  metros  de  circumferencial. . . 

V.  Vinhaes,  tomo  XI,  pag.  1492,  col.  2.* 
in-fine. 

AINDA  O  DISTRICTO 

Viação  romana 

É  certo  que  os  romanos  habitaram  du-. 
rante  séculos  este  districto  e  n'elle  tiveram 
cidades  e  povoações  importantes,  taes  foram 
Viseu,  Caria,  Lamego  ou  a  velha  Lama  ou 
Lameca,  Lamas  do  Molíedo,  Murqueira,  junto 
de  Gastando,  e  Bobadella  2  a  S.  e  não  longe 
de  Viseu,  mas  já  no  coneellio  de  Oliveira  do 
Hospital,  districto  de  Coimbra.  Deviam  pois 
ter  também  estradas  n'este  districto  de  Vi- 
seu para  o  movimento  dos  seus  exércitos  e 
serviço  d'aquellas  e  d'outras  povoações»  mas, 
tendo-se  encontrado  muitos  cippos  e  muitas 
lapides  com  inscripções  romanas,  até  hoje 
(1888)  ainda  não  se  encontrou 'bem  registou 


1  Aqui  provavelmente  houve  erro  de  co- 
pia. Suppomos  que  no  original  estaria — 3  a 
4  réis  o  alqueire,— salvo  í^e  a  tal  medida 
grande  de  Lamego  in  illo  tem.pore  fosse  co  ■ 
mo  é  hoje  ainda  a  do  sal  na  Regoa,— uma 
enormidade  I 

2  Vejam-se  n'este  diccionario  os  artigos 
correspondentes. 

Referi  mo-nos  aos  nomes  actuaes,  porque 
se  ignoram  os  que  tiveram  as  mencionadas 
povoações  no  tempo  dos  romanos. 


(que  eu  saiba)  um  único  marco  railliar  n'este 
districto  e  n'esta  província— nem  vestígio 
algum  authentico  das  estradas  do  povo-rei. 
Apenas  o  meu  antecessor  quando  fallou  de 
Caria  (tomo  II  pag.  109)  apontou  duas  lapi- 
des a  modo  de  marcos  milliares,  mas  muito 
difíerentes  dos  que  se  vêem  reunidos  no 
Campo  das  Carvalheiras  em  Braga. 

Também  elle  e  Viterbo  loc.  cit.  suppose- 
ram— e  nós  igualmente  suppomos— que  por 
ali  passou  alguma  estrada  romana,  ^  mas  é 
sensível  a  falta  ãe  padrões  ou  marcos  millia- 
res, o  que  nos  leva  a  crer  que  os  romanos 
não  tinham  n'este  districto  e  n'esta  provín- 
cia estradas  de  1.*  ordem,  mas  somente  de 
2.%  3.»,  4.»  e  5.»,  algumas  das  quaes  nem  eram 
calçadas  de  pedra,  como  já  dissemos  no  ar- 
tigo Villa  Real  de  Traz-os-Montes,  loc.  cif. 

Com  relação  ás  estradas  romanas  d'este 
districto  é  muito  interessante  o  que  disse 
Botelho  em  1630  {Dirlqgo  1."  eap.  16)  to- 
mando por  thema  uma  celebre  inscripção 
que  se  encontra  na  aldeia  de  Lamas,  fregue- 
zia  do  Molledo,  hoje  concelho  de  Castro  d'Ay- 
i  re,  entre  os  rios  Vouga  e  Paiva,  cerca  de  22 
kilometros  a  N.  de  Viseu. 

É  uma  inscripção  verdadeiramente  eni- 
gmática e  que  até  hoje  ninguém  decifrou 
1  satisfatoriamente,  posto  que  Botelho  a  co- 
!  piou  e  estudou;— foi  também  estudada  pelo 
!  distinetissimo  antiquário  Fr.  Joaquim  de 
;  Santa  Rosa  de  Viterbo,  que  não  se  atreveu 
f  a  dizer  d'ella  coisa  alguma, — e  pelo  sábio 
cónego  J.  d'01iveira  Berardo,  que  lhe  dedi- 
cou uma  Memoria  especial.  ^ 

Também  o  meu  antecessor  no  artigo  Mol- 
ledo, tomo  V,  pag.  372,  col.  2.»,  mencionou  a 
tal  inscripção,  limitando-se  a  dizer  que  era 


1  V.  Villa  Jusã,  tomo  XI,  pag.  768;  Villa 
Marim  no  mesmo  vol.  pag.  782,  col.  2.»;  Villa 
Pouca  d' Aguiar,  no  mesmo  vol.  pag.  903, 
col.  l.«  e  903,  col.  2.»,— e  Villa  Real  no  mes- 
mo volume  também,  pag.  1018. 

2  Memoria  sobre  algumas  inscripções  en- 
contradas no  districto  de  Viseu,  Lisboa,  1857, 
foi.  de  12  pag. 

Também  foi  publicada  nas  Memorias  da 
Acad.  R.  das  Sciencias,  Nova  serie,  tomo  2." 
parte  2.» 


VIS 


VIS  i767 


dedicada  a  Prosérpina  Servatrix  e  a  outras 
divindades ! . . . 

Botelho  apenas  viu  n'ella  a  indicação  de 
muitas  estradas  e  muitos  municipios  roma- 
nos—e Berardo  não  viu  n'ella  indicação  de 
divindades  nem  de  municipios  nem  de  estra- 
das romanas,  mas  somente  os  limites  da  pa- 
rochia  e  diocese  de  Caliabria  1 . . . 

Isto  é  realmente  curioso. 

Vejamos  primeiramente  o  que  disse  Bote- 
lho. ^, 

Estranha  que  Ptolomeu  faça  menção  de 
Laconimurgi  {que  he  Lamego— áiz  elle)  a  8 
léguas  de  Viseu  para  o  norte,  e  não  men- 
cione «outros  lugares,  e  municipios  romanos 
de  que  não  teve  noticia,  e  nós  a  temos  (?)  de 
hum  letreiro  que  está  em  hum  penedo  no  lu- 
gar de  Lamas,  freguezia  de  Molledo,  conee. 
lho  (então)  de  Mões,  que  diz  assi : 

rvfinv  et 
Tiro  scrip 

SERVNT. 

ViE  Aminico.  Ri 

DENTI. 

Anco.  m. 
Lamatico 
C.  RO.  V.  C.  EA.  I.  Maga 
Reaicoi.  Petravio.  Li. 
ado  m.  porcomjo.  v.  e.  a.  i. 
Calelobrico  I. 

«Quer  dizer— continua  Botelho:— iÍM/íno, 
e  Tiro  escreverão  isto:  daqui  se  seguem  cami- 
nhos para  os  municipios  Amonico,  Riduenti^ 
AncOy  e  Lamatico.  De  fronte  daqui  tomão  os 
Romanos  este  caminho  para  Anco  (que  he 
Villa  Cova)  e  para  Lamego,  que  adeante-  se 
segue  no  cume  da  Maga.  Também  se  segue  ca- 
minho para  os  municipios  Petravio,  Liado, 
e  Porcomio,  e  este  tomão  os  Romanos  adeante 
no  cume  caleobrico. » 

Botelho  era  bastante  illustrado  e  versado 
em  antiguidades  e  epigraphia,  mas,  se  os 
leitores  compararem  esta  lição  com  a  de  Be- 
rardo infra,  verão  que  um  dos  dois  (ou  tal- 
vez ambos I.. .)  foi  muito  infeliz  n'e8te  ponto. 

Continua  Botelho:  «Este  (cume  ealiobrico) 
he  o  outeiro  de  S.  Lourenço,  e  deixando  á 


mão  esquerda  o  caminho  de  Villa  Cova  a 
velha,  e  de  Lamego. 

«Todos  estes  lagares  (os  que  elle  viu)  na 
celebre  inscripção  supra)  são  municipios  ro' 
manos,  e  não  achamos  em  A.  algum  fazer 
menção  d'elle8.  O  mesmo  esquecimento  tive- 
rão  com  a  nossa  cidade  de  Viseu.' Também 
ha  fama,  que  havia  antigamente  huma  ponte 
junto  ao  monte,  onde  está  a  Igreja  de  Pinho, 
onde  estava  a  villa  povoada  dos  Romanos, 
de  que  atraz  falíamos,  que  devia  chamar-se 
Touco  Andani,  como  diz  o  letreiro  já  referi- 
do (?);  do  qual  lugar,  e  dos  mais  da  ribeira 
do  Vouga,  onde  os  Romanos  tinhão  (?)  pre- 
sídios, como  era  Oscella,  e  outros,  devia  ha- 
ver estradas  para  se  communicarem,  e  pas- 
sarem os  exércitos,  quando  era  necessário; 
e  no  lugar  de  Lomba  se  veem  inda  os  vestí- 
gios de  huma  estrada  que  devia  ir  d'alguma 
destas  partes,  e  passando  pelo  alto  do  monte 
de  S.  Magaio  ou  S.  Macário,  desce  para  o  rio 
Paiva  por  huma  ladeira,  e  costa  mui  Íngre- 
me, mas  com  tantas  voltas,  que  sem  traba- 
lho se  podia  por  ella  caminhar,  como  por 
hum  plano,  e  passando  o  rio,  encaminhava 
para  a  villa  d'Alvarenga,  e  para  as  partes  do 
Douro,  livre  de  maiores  subidas,  e  descidas, 
de  neves  e  frios  das  altas  serras,  que  em 
ambas  as  partes  d'esta  estrada  flcão,  como 
são  de  huma  parte  o  S.  Magaio  com  sua  ro- 
cha, e  da  outra  o  Monte  do  Muro,  alem  do 
Paiva,  cujo  mais  alto  cume  se  chama  hoje 
Parnaval,  quasi  igual  naquella  parte  na  al- 
tura do  monte  Narval  ou  Navaso,  que  he  o 
S.  Magaio.  e  sua  rocha,  dos  quáes  faz  men- 
ção o  dr.  Brito,!  quando  diz  por  authorida- 
de  de  Santo  Isidoro,  que  quiz  passar  Gun- 
derico,  rei  dos  Vândalos,  quando  Hermene- 
rico,  rei  dos  Suevos,  acudio  a  lhe  tomar  o 
passo,  e  lhe  resistio  tão  valorosamente,  que 
o  vândalo  desistio  da  empresa,  posto  que 
elle,  nem  Morales  atinarão  qual  esie  monte, 
e  passo  fosse. 

«Outra  estrada  principal  (?)  dos  exércitos 
romanos  sobia  da  ponte,  e  ribeira  do  Vou- 


i  Monarch.  Lusit.  parte  2.*  L.  Q."  eap.  5.» 
fl.  156. 


1768  VIS 


VIS 


ga,  e  carregando  á  mão  direita  (?)  até  Pin- 
dello  e  Lamas,  onde  está  o  letreiro,  passan- 
do até  Lamego.  Diz  o  Chantre  da  Sé  de  Coim- 
bra D.  Jorge  de  Castro,  que  foi  abbade  de 
Moens,  pessoa  mui  grave,  que  todos  estes 
passos,  e  letreiros  vio,  que  Anco  era  Covello 
ou  Villa  Cova  a  Velha,  i  At^monico,  Moens; 
Lamaíico,  Lamego,— se  assim  he;  e  que  o 
lettreiro  não  entende  o  mesmo  lugar  de  La- 
mas. 

iTâmbem  aqui  errou  Cláudio  Ptolomeu  na 
sua  Geographia  ^,  pois  fez  de  Luconimurgi  e 
de  Lamas  2  cidades  differentes,  sendo  huma 
só  (?)  que  teve  estes  nomes  em  diversos  tem- 
pos, como  se  collige  do  Bispo  Gerundense 
(L.  1.»)  quando  lamenta  a  destruição  de  La- 
macem,  que  he  Lamego,  chamada  Laconi- 
murgi,  como  consta  da  Monarch.  Lusit.  Par- 
L.  2."  capitulo  7.°— e  Parte  2.*  L.  S.»  ca- 
pitulo 11. 

«O  lugar  de  Lamas  certo  he  que  foi  po- 
voação dos  romanos,  como  se  vê  das  sepul- 
turas, que  ali  deixarão,  e  tinha  muro,  e  seu 
nome  ainda  hoje  se  conserva  em  hum  letreiro 
que  está  em  hum  curral  de  gado,  que  diz 
assi,  achado  no  mesmo  lugar  de  Lamas: 

Gaaia 
Pi  SIRI  F. 
An.  XXV 
H.  S.  E.  S.  T.  T.  L. 

«Quer  diser:  Gaia,  fez  este  sepulchro  a 
Pisires,  que  morreu  no  anno  25  de  sua  ida- 
de: seja-te  a  terra  leve.  ^ 

«No  mesmo  logar  de  Lamas  em  huma  pe- 
dra, que  serve  de  torsa  de  huma  casa,  está 
outro  letreiro  romano,  que  diz  assi;  mas  com 
letras  gastadas: 


^  Esta  Villa  Cova  será  Villa  Cova  a  Coe- 
lheira ? 

V.  tomo  XI,  pag.  708,  col.  2 »  e  segg. 

2  L.  2."  Hispan.  Lus.,  sit.  cap.  5.» 

^  Salvo  o  respeito  devido  á  memoria  do 
dr.  Botelho,  a  inscripção  supra  diz:  Gaia,  fi- 
lha de  Pisires,  falleceu  aos  25  annos  de  ida- 
de e  foi  aqui  sepultada.  A  terra  te  seja  leve. 


C  MA  I.  .  . 
AlNO . . . 

ginmie: 

ANN  III 

Long. 

EIAC 

Amali 

MATER 
E.  C.  1 

«Quer  dizer:  Este  sepulcro  he  consagrado 
aos  Deoses  do  inferno.  A  alma  de  Noginmia, 
que  falleeeo  no  anno  3.»  de  sua  idade,  esteja 
longe  de  males;  sua  mãi  lhe  fez  este  sepul- 
cro. 2 

«Por  toda  esta  freguezia  de  Moens  se  aehão 
letreiros  romanos^  como  foi  no  logar  de  Villa 
Boa^  andando,  lavrando,  onde  se  achou  huma 
pedra,  que  depois  se  trouxe  para  a  baranda 
das  casas  da  Igreja,  onde  hoje  (1630)  está, 
e  diz  assi: 

D.  M.  S. 

Trofimen 
a  ann  xvii 

Vrsvs  et 
sibi.  et  vx 

sori  f.  c. 

•  Quer  diser:  Sepulcro  consagrado  aos  Deo- 
ses do  inferno.  Urso  procurou,  que  se  fizesse 
para  Trofimen,  que  morreo  no  anno  17  de 
sua  idade,  e  para  si  lambem,  e  para  sua  mo- 
Iher.  ^ 


1  Botelho  leu  assim: 

CONSCERATUM  MANIBUS.INEERIS 

Anima  Noginmiae 
Anno  iii 
Longe 

JACEAT 
A  MALIS. 

Mater 
EJUS  condidit. 

2  Pareee-nos  que  a  dieta  inscripção  foi 
mal  copiada  e  mal  tradusida. 

2  Também  não  julgo  muito  correctas  a  li- 
ção p  traducção  d'esta  lapide. 


VIS 


VIS  1769 


«Por  estes  indícios  devia  ser  este  lugar 
de  Lamas  a  cidade  Lama,  de  que  trata  Pto- 
lomeo,  e  assim  fica  desculpado;  e  não  se  deve 
crer  que  o  dissesse  por  Lamego,  que  havia 
sido  destruído,  e  assolado  em  tempo  de  Tra- 
jano,  tendo  passado  pouco  mais  de  30  annos 
até  o  tempo  que  este  geographo  escreveu;  e 
aquella  cidade  foi  mudada  daquelle  sitio,  em 
que  até  aquelle  tempo  estivera;  e  que  segun- 
do sente  Brito,  foi  onde  agora  se  chama  S. 
Domingos  da  Queimada,  mudando  com  o  lu- 
gar o  nome  de  Laconimurgi  em  Lameca,  e  a 
assentarão  onde  agora  está  Lamego,  que  em 
tão  breve  tempo  não  devia  ser  lugar  de  tanta 
conta,  que  já  Ptolomeo  fizesse  menção  d'elle 
e  mais  escrever  Laconimurgi,  que  tão  pouco 
havia  fora  destruída,  e  se  ella  inda  perma- 
necia, não  podia  faliar  doutra.  Talvez  enga- 
nado das  informações,  faz  de  huma  duas; 
pelo  que  me  venho  a  persuadir,  que  a  La- 
ma, de  que  trata  Ptolomeo  he  o  logar  dos 
letreiros  '.  ^. , 


•  O  monte  que  o  letreiro  chama  cume  Ma- 
garico  (?)  he  o  outeiro  de  Maga,  que  está 
defronte,  e  á  vista  do  lugar  de  Lamas,  em 
cuja  altura  ha  vestígios,  e  sígnaes  de  muros 
de  pedra  tosca  cora  sua  barbacãa,  onde  es- 
tava (?)  presidio  romano,  por  onde  podião 
passar  os  exércitos  seguramente,  ajudados 
do  soccorro  daquelle  forte. 

«Outro  havia  mais  notável,  que  estava 
adiante  no  mais  alto  monte  desta  serra,  e 
chama-se  hoje  S.  Lourenço,  porque  esteve 
no  meio  delle  a  ermida  deste  santo  que  se 
mudou  depois  para  o  lugar  de  Casais  do 
Monte,  que  está  perto.  Este  outeiro  foi  mu- 
rado em  redor  com  pedra  tosca  de  15  pai. 
mos  de  largo  a  lugares,  cheio  ainda  (1630  a 
1636)  e  arrasado  de  terra.  Tinha  barbacãa, 
e  o  Castello  mais  alto  em  huma  rocha,  don- 
de se  descobrem  muitos  lugares  mui  distan- 
tes, ou  sígnaes  onde  elles  esta  vão. 

Tem  esta  cerca  de  nascente  a  poente  hum 
tiro  de  espingarda  \  mas  do  norte  a  sul  he 


1  Refere-se  aos  arcabuses  d'aquelle  tempo 
que  eram  muito  pesados,  muito  imperfeitos 
6  de  pequeno  alcance,  emquanto  que  as  es- 
pingardas d'hoje  (1888)  são  obras  d'arte  lin- 


mais  estreita,  e  ao  redor  deste  monte  passa- 
vão  3  estradas,  como  inda  hoje,  pouco  mais 
frequentadas,  que  da  gente  da  terra.  Huma 
he  esta,  que  he  a  de  Lamas,  e  sobindo  por 
Maga,  atravessando  o  chão  da  serra,  e  pelo 
pé  deste  monte  de  S.  Lourenço  passava  em 
Covello,  e  rio  Paiva,  e  sahía  a  Villa  Cova  a 
velha  (a  Coelheira?)  que  também  devia  ter 
prezidio,  e  proseguíndo  adiante  descia  ao 
valle  de  Tarouca,  e  d'ahi  a  Lamego. 

«A  2.»  estrada  sahia  d'esia  nossa  cidade 
de  Viseu,  e  passando  o  Vouga  abaixo  adon- 
de  agora  (1630).  está  a  ponte  de  Cota,  hia 
ter  ao  logar  do  ZonJio,  e  d'ahi  perto  do  mon- 
te de  S.  Lourenço  se  hía  metter  em  Covello, 
na  estrada  sobredita  para  Lamego. 

«A  3.»  estrada  se  toma  ao  pé  da  dieta  ser- 
ra, e  rodeando  hia  em  sima  ao  outeiro  sobre 
a  mão  esquerda  até  Fonte  Fria;  toma  ao 
Zonho,  e  dahi  aos  mais  lugares  de  Cotta,  e 
aos  outros,  de  que  o  letreiro  faz  menção  (?) 

«Este  outeiro  de  S.  Lourenço  chama  o  le- 
treiro Calelobrico;  devia  pois  aquella  serra 
chamar-se  Calelobria  do  lugar,  em  que  co- 
meça, que  por  corrupção  do  tempo  se  cha- 
ma Calde. 

«Esta  he  a  mais  certa,  e  verdadeira  infor- 
mação, que  vos  posso  dar  destas  antigalhas, 
cuja  luz  a  devemos  ao  mencionado  letreiro  » 

E  tal  não  disse. 

Vejamos  agora  o  reverso  da  medalha,  ou 
o  que  do  mesmo  letreiro  disse  Berardo,  e  ao 
que  ficam  reduzidas  as  mais  certas  e  verda- 
!  deiras  informações  de  Botelho. 

•  Junto  ao  logar  de  Lamas  de  Moledo,  no 
actual  (hoje,  1888,  extineto)  concelho  de 
Mões,  do  distrieto  administrativo  e  bispado 
de  Viseu,  i  quasi  em  distancia  de  4  legoas 
ao  nordeste  d'esta  cidade,  existe  uma  notá- 
vel inseripção  encontrada,  haverá  50  annos, 
ou  para  melhor  dizer  conhecida  desde  aquel- 
le tempa  pelos  homens  intelligentes,  e  pos- 


dissimas  e  variadíssimas;— alcançam  2  a  3 
kílometros— e  dão  20  a  30  tiros  por  minu- 
to?!... 

1  Berardo,  Memoria  cit.  Lisboa,  1857. 


1770  VIS 


VIS 


suidores  d'algun3  conhecimentos  archeolo- 
gicos*. 

«É  uma  extensa  lapide  de  granito  com- 
mum  do  paiz,  já  algum  tanto  fendida  pelo 
meio,  comprehendendo  na  sua  area  35  pal- 
mos craveiros  d'altura  sobre  33  de  largura. 
A  face  d'esta  lapide,  que  está  virada  para  o 
norte,  contem  11  letreiros  desiguaes,  tendo 
as  regras,  ou  columnas,  colloeadas  vertical- 
mente (^)  e  começando  a  mais  pequena  d'el- 
las  pela  parte  do  poente. 

«Cumpre  aqui  prevenir,  pelo  que  adiante 
teremos  de  ponderar,  que  em  distancia  a 
menos  de  legoa  correm  alguns  ribeiros,  que 
formam  um  pequeno  rio  denominado  Coura^ 
influente  da  margem  direita  do  rio  Vouga, 
08  quaes  podem  ter  servido  para  demarca- 
ção de  distrietos.2  Eis  ahi  uma  copia  fieláa. 
inscripção:  ^ 

Rfnet 

TROSCRP 
SFF.NT. 

Veamnicori 

DOENTI 

Ançom 
Lamaticom 
Crovgeaimaça 
Reaicoi.  petrnioit 
Adom.  porcomiovea? 
. . .  Callobricoi. 

«Com  effeito  o  primeiro  aspecto  desta  ins- 
cripção, apresentando  caracteres  romanos, 
siglas  quasi  desconhecidas,  nomes  completa- 
mente bárbaros,  e  mais  que  tudo  a  direcção 
vertical  das  regras,  impressiona  o  leitor  cu- 
rioso de  tal  maneira,  que  lhe  suscita  logo  a 


1  Estranhamos  que  Berardo  era  nenhuma 
das  suas  obras  cite  e  mencione  os  Diálogos 
do  dr.  Botelho,  que  devia  ler  e  conhecer— e 
por  certo  que  leu  e  conheceu. 

2  Logo  fallaremos  a  este  respeito. 

P.  A.  F. 

^  Não  a  podemos  dar  como  se  encontra  na 
Memoria,  porque  foi  reproduzida  em  gra- 
vura e  tem  siglas  que  só  em  gravura  podem 
reproduzir-se,  mas  daremos  os  caracteres 
-que  mais  se  ápproximam  da  gravura. 

P.  A.  F. 


idéa  de  uma  invenção  caprichosa  e  enigmá- 
tica, por  ventura  imitativa  da  fabulosa  an- 
tiga Sphinge  de  Thebas,  para  que  algum  no- 
vo Édipo  a  ousasse  interpretar.  Varias  pes- 
soas instruídas  nas  antiguidades,  a  quem  se 
apresentaram  copias  d'e3tes  letreiros,  movi- 
das da  curiosidade  partiram  de  longe  ao  pró- 
prio logar  para  os  observarem  por  si  e  eli- 
minarem qualquer  impostura,  que  podesse 
existir  a  este  respeito.  Uma  d'ellas  foi  o  nos- 
so celebre  antiquário  Fr.  Joaquim  de  S.  Rosa 
de  Viterbo,  porem  de  todas  foram  baldíidos 
os  trabalhos  e  exames;  porque  sinceramente 
confessaram  não  somente  a  impossibilidade 
que  experimentavam  na  interpretação,  mas 
até  mesmo  não  ousaram  expressar  alguma 
opinião  provável  a  similhanie  respeito.  ^  En- 
tretanto ainda  que  hoje  seja  summamente 
diíficil  apresentar  uma  interpretação  satisfa- 
tória desta  inscripção,  não  deixaremos  com- 
tudo  de  expender  as  nossas  simples  conje- 
cturas (o  que  sempre  foi  permitlido)  mais 
cotfi  o  intuito  de  excitarmos  a  curiosidade 
dos  arehíologos  sobre  esta  espécie  de  eni- 
gma, do  que  persuadidos  de  o  termos  des- 
coberto. 

«A  columna  terminada  ao  Nascente  pôde 
servir  de  ponto  de  partida  para  entrarmos 
neste  intrincado  labyrintho.  Sem  a  menor 
hesitação  podemos  ler  Caelobricoi,  e  referir 
este  vocábulo  (provavelmente  em  genitivo)  á 
antiga  cidade  de  Calábria,  que  no  dominio 
dos  godos  fôra  séde  d"um  bispado,  composto 
principalmente  d'uraa  paroehia  da  diocese 
de  Viseu,  como  se  deprehende  das  actas  do 
concilio  de  Lugo,  que  estão  nos  códices  de 
Braga,  cujos  fragmentos,  ainda  que  interpo- 
lados, tem  comtudo  muita  auetoridade  entre 
os  melhores  críticos.» 

Dá  em  seguida  algumas  noticias  de  Calia- 
bria,  citando  o  Elucidário  de  Viterbo  e  a 
Hespanha  Sagrada,  de  Flores,  mas  n'este  dic- 
cionario  já  se  disse  mais  e  muito  mais  nos 
artigos  Caliabrin,  Pinhel^  tomo  7.»  pag.  66, 

I  ■ 

í  Porque  não  diria*  Berardo  que  o  dr.  Bo- 
telho já  no  2.«  quartel  do  penúltimo  século 
emittiu  a  sua  opinião  sobre  o  assumpto? 

P.  A.  F. 


VIS 


VIS  1771 


— e  Senhora  do  Campo,  vol.  9."  pag.  113  e 
segg.  1 

Veja-se  também  n'e3te  artigo  o  tópico  in- 
fra, relativo  ao  Bispado  de  Viseu. 

«Em  vista  do  que  deixamos  copiado  so- 
mos de  parecer  que  a  lapide,  de  que  esta- 
mos tratando,  fôra  allí  collocada  provavel- 
mente pelo  meado  do  século  vii — diz  Berar- 
do na  sua  Memoria— parsi  demarcar  os  limi- 
tes do  território  do  bispado  de  Caliabria, 
desannexado  do  de  Viseu.  As  seguintes 
observações  auxiliam  a  nossa  conjectura. 

«Primeiramente  apparecem  alguns  cara- 
cteres de  lettras  usadas  n'aquelles  tempos 
barbares. . . 

«Em  segundo  logar  o  que  se  pôde  ler,  sem 
forçar  muito  as  appareneias,  são  alguns  no- 
mes d' antigas  povoações  ou  parochias,  de  que 
ainda  hoje  nos  bispados  de  Viseu  e  Pinhel 
existem  os  vestígios  com  as  denominações 
forçosamente  convertidas  pelo  tempo, 

•  É  portanto  possível,  e  até  provável,  que 
Ançom,,  corresponda  hoje  à  parochia  das  An- 
tas, ou  á  de  Algodres. .  .—Lamahcon  será 
com  toda  a  probabilidade  a  parochia  de  La- 
mas de  Moledo,  onde  a  lapide  está  coUosada. 
Estas  povoações  ainda  hoje  pertencem*á  dio- 
cese de  Nhtxx.—  Crongeai  Maça  podem  bem 
ser  Gouveas  e  Maçai;— Reainoi  Petrnioit,  Po- 
voa d'El  Rei  e  S.  Pedro,  parochias  dos  actuaes 
arcipreslados  de  Trancoso  e  Pinhel;  e  ulti- 
mamente Adom— Porco  Miovea  as  parochias 
hoje  denominadas  Adem  e  Porto  d'Ovelha\ 
do  arciprestado  de  Castello  Mendo.  Todos  es- 
tes logares  pertencem  hoje  (1857) -ao  bispa- 
do de  Pinhel,  que  foi  separado  do  de  Viseu 
em  1770. 


1  N'este  uUimo  artigo,  loc.  cit.  pag.  1!3, 
col.  1.»— em  vez  de. . .  foram  colligidas  pelo 
esclarecido  cavalheiro,  o  sr.  padre  José  Cae- 
tano Preto  Pacheco,  prior  de  Escalhão,  leia-se 
. .  .pelo  rtiv.  Luiz  José  Ferreira  de  Carvalho, 
prior  de  Escalhão,  bispado  de  Pinhel,  e  pu- 
blicadas ...pelo  sr.  ãr.  José  Caetano  Preto 
Pacheco,  dislioeio  advogado  e  publicista. 

2  Adem  ou  Ade  pertence  ao  concelho  de 
Almeida — e  Porto  d' Ovelha  ao  do  Sabugal. 

Também  temos  Adão  e  Porco,  freguezias, 
no  concelho  da  Guarda. 

P.  A.  F. 


•Similhanlemente  continuando  a  conside- 
rar esta  lapide  como  enigmática,  filha  do 
capricho  e  barbaridade  do  tempo,  aventure- 
mo-nos  a  interpretar  a  1.»  e  2.*  columna,  co- 
meçando do  poente,  por  uma  espécie  de  te- 
nesis  (inaudita  na  boa  latinidade,  mas  muito 
possível  nos  séculos  baixos  e  bárbaros)  onde 
vemos  as  preposições— iíí9—e—7n— segui- 
das da  conjuncção  copulaliva— e/— ,  para 
prender  a  á  syllaba— /ro— ,  ea  2.»  àsyl- 
laba— scn>— ,  querendo  assim  áizer:— Re- 
tro inscriptae. 

«Passando  á  3.»  columna  somos  levados  a 
interpretar  a  sigla— s/)'ní— por — sunt  frori' 
tatae. 

«Na  4.*  columna  interpretaremos  Veamni 
Cori  pelo  pequeno  rio  de  Coura,  que  acima 
indicamos,  ficando  amni  em  genitivo  bárbaro 
com  significação  diminutiva,  por  força  da 
partícula— ije 

«Na  S.»  columna  o  vocábulo  Jioenti,  pro- 
vavelmente lambem  em  genitivo,  poderá  si- 
gnificar um  limite  de  logar,  monte  ou  rio, 
talvez  opposto  ao  de  Coura;  mas  que  hoje  é 
inteiramente  desconhecido. . . 

«A  sigla  da  ultima  columna  ao  nascente 
poderá  significar  ecclesiae. 

«Por  estas  conjecturas,  ficamos  habilita- 
dos para  a  seguinte  interpretação:— Ueíro 
inscriptae  sunt  frontatae  Veamni  Cori,  Doen- 
ti,  Ançom,  Lamaticom,  Crougeai,  Maça,  Reai- 
coi,  Petrnioit,  Adom,  Porco  Miovea,  Ecclesiae 
Caelobricoi.~As  igrejas  de  Caliabria  {tal  e 
tal,  etc.)  atraz  inscriptas,  são  demarcadas 
pelo  rio  Coura  e  Doenti. 

«Para  ajudar  as  conjecturas  d'e3ta  nossa 
interpretação  cumpre  saber  qual  foi  a  sorte 
do  bispado  de  Caliabria,  para  onde  passou 
a  jurisdicção  ecclesiasiiiia  do  seu  território 
e  sob  quem  está  presentemente.  Ouçamos  a 
Henrique  Flores  no  tomo  14."  da  Espana 
Sagrada,  etc.»— diz  Berardo  e  transcreve  em 
seguida  um  longo  trecho  de  Flores,  que  nós 


1  Note -se  que  Berardo  era  professor  de  la- 
tim. 

Veja-se  o  lopico  Visienses  illustres. 


1772  VIS 

omiltimos,  porque  adiantam  mais  os  artigos  j 
citados  supra  e  jà  publicados  n'este  dieeio- 
nario. 

cEm  complemento  de  tudo  isto  temos  de 
accreseentar,  que  dilatando-se  a  diocese  de 
Viseu  até  o  rio  Agueda  antes  da  ereação  do 
bispado  de  Caliabria,  fora  o  seu  território  di- 
minuido  pelo  d'esta  ultima  até  áquella  parte 
do  actual  arciprestado  de  Mões,  onde  se  acha 
collocada  a  Inscripção  

«Também  está  averiguado  por  doeumen 
tos  dos  archivos  eeclesiasticos,  que  desde  o 
principio  da  monarchia  os  bispos  de  Viseu 
começaram  a  exercer  a  sua  jurisdicção  so- 
bre o  primitivo  território  assignado  em  Lu- 
go, exceptuando  as  terras  de  Cma  Côa,qne 
pertenceram  a  Castella,  até  que  el-rei  D.  Di- 
niz as  vindicou  pelas  capitulações  de  Alcan- 
hizes  em  12  de  setembro  de  1297  

•  Finalmente  o  mesmo  rei  D.  Diniz  fez  de- 
pois doações  de  certas  Igrejas  de  Cima-Côa 
á  Sé  de  Lamego  e  de  Viseu,  do  que  faz  men- 
ção o  Elucidário;  e  a  diocese  d'eãta  ultima 
ficou  demarcada  como  antigamente  até  o  rio 
Agueda,  para  onde  se  estende  o  arcipresta- 
do de  Castello  Mendo,  que  com  o  de  Tranco- 
so e  Pinhel  pasíou  em  1770  a  organisar  quasi 
todo  o  actual  bispado  desta  ultima  cidade. 
Não  sabemos  do  documento  (a  não  ser  o  tle 
conquista)  pelo  qual  osbippos  de  Cidade  Ro- 
drigo cederam  da  jurisdicção  das  terras  de 
Cima-Côa,  de  que  estavam  de  posse;  porem 
de  feito  assim  aconteceu,  segundo  consta  do 
arehivo  da  camará  ecelesiastiea  de  Viseu.» 

Assim  fechou  Berardo  este  tópico  da  sua 
Memoria,  mas  quem  quizer  saber  como  e 
quando  obtivemos  a  temporalidade  e  depois 
a  espiritualidade  das  terras  do  Cima-Côa  leia 
os  3  artigos  d'este  diccionario  indicados  su- 
pra, nomeadamente  o  artigo  Senhora  do 
Campo. 

Do  exposto  se  vê  que  Berardo  e  Botelho 
interpretaram  de  modo  completamente  di- 
verso a  tal  inscripção— e  nenhum  dos  dois 
nos  satisfaz.. 

Botelho  só  viu  n'ella  estradas  e  municí- 
pios romanos,— estradas  e  municípios  que 
nem  Berardo  nem  Viterbo  sonharam !  Por 
seu  turno  para  Berardo  aquelles  gregotins 


VIS 

indicara  os  limites  da  antiga  diocese  de  Ca' 
liabria,  mas,— salvo  o  respeito  devido  á  me- 
moria do  sábio  cónego,— não  podemos  accei  - 
tar  semelhante  lição. 

Sendo  erecto  o  bispado  da  Caliabria  para 
commodidade  dos  povos  que  demoravam  in 
illo  tempore  entre  as  dioceses  de  Lamego, 
Viseu,  Guarda  (então  Egitania,  ou  Idanha  a 
velha)  Braga,  Coria  e  Salamanca,— e  estando 
a  cidade  de  Caliabria  junto  do  Douro  e  da 
confluência  da  ribeira  d'Aguiar  com  o  Dou- 
ro, distando  approximadamente  70  kilome- 
tros  de  Lamego,  90  de  Viseu,  100  de  Sala- 
manca, 120  de  Coria,  140  de  Idanha  a  velha 
e  150  de  Braga,  podiam  dar  ã  nova  erecta 
uma  area  bastante  espaçosa,  sem  affronta- 
rem  nenhuma  das  dioceses  limitrophes,  co- 
mo afl^rontavam  as  de  Lamego  e  Viseu,  le-. 
vando-a  até  à  povoação  de  Lamas  do  Moledo 
que  está  entre  Viseu  e  Lamego  e  dista  das 
duas  cidades  apenas  20  a  2i  kilometros  I. .. 

Não  é  pois  crivei  que  levassem  para  O.  e 
O.  S.  O.  o  termo  da  nova  erecta  até  ás  por- 
tas de  Viseu  e  de  Lamego,  tendo  tanto  es- 
paço a  dar-lhe  para  leste,  sul,  sudoeste,  nor- 
te e  noroeste. 

Também  mal  pôde  crer-se  que  dessem 
como  termo  á  nova  erecta,  do  lado  O.  o  in- 
significante rio  Coura  descoberto  por  Berar- 
do junto  de  Viseu,  quando  tinham  outros 
rios  muito  mais  importantes  e  mais  bem  ta- 
lhados para  limite  da  nova  diocese  d'aquelle 
lado,  taes  eram  o  Côa,  o  Távora  e  o  Tedo. 

Prosigamos. 

Viação  antiga 

Deixando  nas  sombras  do  mysterio  a  via- 
ção romana  d'este  districto^  indiquemos  a 
que  vigorou  desde  a  invasão  dos  bárbaros 
do  norte,  ou  desde  o  século  v,  até  o  melado 
do  século  XIX,  i  pois  com  a  invasão  dos  bar- 


1  Pode  talvez  dizer-se  que  a  destruição  do 
império  romano  do  oceidente  fez  recuar  a 
civilisação  de  Portugal  e  da  península  até  o 
fim  da  idade  media— e  que  o  pelouro  da  via- 
ção sò  depois  do  meado  do  sei'ulo  actual 
attmgiú  o  grau  d'esplendor  a  que  subira  no 
tempo  dos  romanos.  Teve  pois  a  viação  en- 


VIS 


VIS  1773 


baros  pouco  tempo  devia  darar  a  esplendi- 
da viação  romana  e  não  consta  que  elles, 
nem  os  mussulmanos,  nem  posteriormente 
os  chrislãos  a  restaurassem. 

A  moderna  viação  é  superior  á  dos  roma- 
nos, mas  entre  nós  foi  iniciada  no  melado 
d'e8te  século.  ^ 

Até  então  só  ha  memoria  de  barrancos  e 
precipicios  com  o  nome  de  estradas— e  n'este 
districto  de  Viseu  as  prineipaes  eram  as  se- 
guintes, segundo  se  lé  no  Roteiro  de  João 
Baptista  de  Castro. 

De  Viseu  a  Coimbra 
{estrada  de  Lisboa) 

Legoag 


De  Viseu  a  Fail   1 

De  Fail  a  Sabugosa   I 

De  Sabugosa  a  Tondella   1 

De  Tondella  a  S.  Joaoninho   1 

De  S.  Joannioho  a  Casai  de  Maria   1 

De  Casal  de  Maria  ao  Criz   1 

Do  Criz  ao  Barril   1 

Do  Barril  a  Freirigo   1 

De  Freirigo  a  Sanlo  AdIodío  do  Cân- 
taro   1 

De  Santo  Antonio  do  Cântaro  a  Ga- 

Ihano   1 

De  Galhano  ao  Botão   1 

Do  Boião  a  Eiras   1 

D'Eiras  a  Coimbra    l 

Total   "I3 


Outro  caminho  seguia  por  Tondella,  Santa 
Comba-Dào,  Murtagua,  Bussaco,  Mealhada  e 
Coimbra.  Foi  esie  o  que  se  macadamisou 
depois  de  1850  e  que  teve  carreiras  de  dill- 
gt^nfias. 


tre  DÓS  um  eclipse  que  durou  1:300  annos, 
approximadamente?!. . . 

Só  a  esplendida  mala  posta  que  se  mon- 
tou entre  Lisboa  e  o  Porto  em  1854  a  1860 
pôde  comparar-ae  ás  carreiras  de  coches  que 
os  romanos  tinham  nas  suas  estradas  de  1.* 
classe. 

í  V.  n'este  diceionario  os  artigos  Estradas 
romanas,  tomo  III,  pag.  73  a  77,— e  Vias 
férreas  tomo  X,  pag.  467  a  502. 

VOLUME  XI 


De  Viseu  para  Aveiro 

Legoas 

Cruz  Alta   1 

S.  Miguel  do  Outeiro   1 

Portel  la   1 

Monte  Teso   1 

Urgueira   1 

Cabeça  de  Cão   1 

Ferreiros   1 

Arrancada   1 

Palhaça   1 

Eixo   1 

Aveiro.  •     1 

Total   11 

Também  havia  outro  caminho  por  Vou- 
zella,  Santiaguinho,  Ponte  Fóra,  Bemfeitas, 
Talhadas,  Ferreiros,  Arrancada,  Palhaça  e 
Aveiro. 

De  Viseu  a  Villa  Real  de  Traz-os -Montes 

Legoas 

Campo   i 

Ponte  do  Almargem   1 

Rio  de  Mel   1 

Mamoiros   1 

Castro  d'Ayre   1 

Senhora  da  Ouvida   1 

Bigorne   i 

Povoa   1 

Lamego   1 

Regoa   1 

Villa  Real  _3 

Total   13 

Hoje  só  o  percurso  entre  Lamego  e  "Villa 
Real  pela  nova  estrada  é  de  43  kilome- 
tros  I . . . 

De  Viseu  para  a  Guarda 

Legoas 


Tagilde  •   i 

Quintella   4 

Chans   1 

Fornos  d' Algodres   1 

Total   4 


112 


I 


i774  VIS 


VIS 


Transporte   4 

Figueiró  da  Granja   1 

Celorico   1 

Lagiosa   1 

Porlo  da  Carne   1 

Cabadonde   1 

Guarda    1 

Total  ,..  <0 

Hoje  este  percurso  variou 
muito.  É  mais  longo  mas  mui- 
to mais  rápido  e  mais  commo 
do,  porque  é  feito  em  grande 
parte  pela  linha  férrea  da 
Beira. 

De  Viseu  ás  terras  da  sua  correição 

Legoas 

Alva   3 

Azere   5 

Azurara  da  Beira   2 

Banho   3 

Bareriro   1 

Besteiros   3 

Bobadella     7 

Canas  de  Sabugosa   2 

Canas  de  Senhorim   3 

Candosa   5 

Coja   8 

Carrellos   4 

Inôas   6 

Ferreira  d'Aves   4 

Folhadal   31/2 

Foz  de  Piodão   9 

Gafanhão   4 

Guardão   4 

Gulfar   4 

Lafoens   3 

Lagares   o 

Mangualde   2V2 

Mões   3 

Mortágua   7 

Mouraz   31/2 

Nogueira   7 

Oliveira  do  Conde   5 

Oliveira  de  Frades   4 

Oliveira  do  Hospital   6 

O  voa   6 

i*enalva  d'Alva   8 


Penalva  do  Castello   3 

Pinheiro  d'Azere   2  Vz 

Povolide   2  Va 

Ranhados   1 

Reriz   5 

Sabugosa   2 

S.  João  d'Areias   5 

S.  João  do  Monte  ;   S 

Sandomil   7 

Santa  Comba-Dão   5 

S.  P«^dro  do  Sul   3 

Senhorim   2 

Silvares   5 

Sinde   5 

TaboaC   6 

Tavares   31/2 

Trapa   4 

Treixedo   4 

Villa  Cova  de  Sub  Avô   8 

Villa  do  Sul   4 

Vouzella   3 


De  Lamego  a  Coimbra 


Povoa   

Bigiirne  

Ca«lro  d'Ayre  

Alva  

Coberlinha  '  

S.  Pedro  do  Sul  

Vouzella  

Saniiaguinho  , 

Ponte  Fóra  

Talhadas   

Ferreiros  

Sardão  

Agueda   

Avelans  do  Caminho. 

Mealhada  

Coimbra  


Legoas 


Tu  tal. 


_4 
21 


*  Esla  legoa  d' Alva  a  Coberlinha  era  im- 
meiíía.  i\ós  a  p<  rcor remos  muitas  vezes  a 
Cavallo  e  uma  vpz  a  pé,  no  anno  de  1834, 
chegando  ao  termo  d'clla  ja  de  noite  e  cho- 
rando II... 

V.  Villa  Maior,  tomo  XI,  pag.  774,  col.  2.* 
e  segg. 


VIS 


VIS  1775 


Era  este  o  caminho  ordinário  entre  La- 
mego e  Coimbra  e  o  único  indicado  no  Ro- 
teiro de  J.  B.  de  Castro,  mas  nós  algumas 
vezes  seguimos  pelo  Porto  embarcados  ou  em 
sella;  —  outra  vez  fomos  por  Viseu  — e  ou- 
tr'ora  também  se  fez  a  viagem  pela  Gralhei - 
ra,  Portas  do  Monte  do  Muro,  Arouca,  Al- 
bergaria Velha  e  Sardào. 

Calamitosos  tempos  I . . . 

De  Lamego  para  Moimenta  da  Beira 

Legoas 


Ferreirim   1 

Granja  Nova   1 

Sarzedo   1 

Moimenta   i 

Total   4 


De  Lamego  para  o  Porto 

Legoas 

Saoliaguinho  ^   1 

Mezãufrio   1 

Teixeira   1 

Carrasqueira   1 

GestaçÒ   l 

Canaveses   1 

Arrifana   2 

Fonte  Sagrada   1 

Baltar   1 

Ponte  Ferreira   1 

Vallongo   1 

Venda  Nova   1 

Porto   _1 

Total   14 

Este  itinerário  soffreu  lambem  grande 
modificação  depois  que  a  Companhia  dos 
Vinhos  levou  a  estrada  do  Porto  para  a  Re- 


1  Esta  povoação  demora  no  alio  da  fre- 
guezia  da  Penajoia; — a  estrada  seguia  até  ali 
pela  serra  d'Avões — e  depois  passava  o  Dou- 
ro na  barca  do  Molledo  ou  do  Por  Deus,  mas 
desde  que  a  antiga  Companhia  dos  Vinhos 
fez  a  estrada  desde  a  Rede  até  á  Regoa,  os 
viajantes  deixaram  a  serra  d'Avões  e  se- 
guiam pela  Regoa  ou  peia  barca  do  Carva- 
lho, que  chegou  a  render  livres  para  a  cama- 
rá de  Lamego  1:200!?1000  réis  por  aono?l . . . 


goa  por  Penafiel,  Amarante,  Quinlella  e  Me- 

zãofrio,  desviando  a  de  Canavezes  e  da  Tei- 
xeira. 

De  Viseu  a  Moncorvo 

Legoas 

Cavernães   1 

Pedrosa   I 

Fontainhas   1 

Lamas   1 

Segões   1 

Granja  de  Paiva   1 

Moimenta  da  Beira   1 

Fontearcada   1 

Chozendo   1 

Penedono   1 

Banhados   i 

Cedovim   1 

Sebadelhe   1 

Freixo  de  Numão   1 

Barca  do  Pocinho   1 

Moncorvo   _1 

Total   16 

De  Viseu  a  S.  João  da  Pesqueira 

Legoas 

Cavernães     1 

Moimenta  da  Beira   6 

Guedieiros   1 

Paredes  da  Beira   1 

Trovòf^s   1 

Pesqueira   1 


Total   11 

De  Viseu  para  Almeida  por  Trancoso 
e  Pinhel 

Legoas 

Púvolide   IV2 


Roriz   1 

Esmolfe   1 

Sezures   1 

Forninhos   1 

Penaverde   1 

Casaes  do  Monte   1 

Venda  do  Cego   1 

Trancoso   1 

Povoa  d'El-Rei   1 

Total   10  Vg, 


177G  VIS 


VJS 


Transporte  10  V2 


Valbom   1 

Pinhel   1 

Pt-reiro   1 

Valverde   1 

Almeida   1 

Total   15^ 


De  todas  a»  antigas  estradas  d'este  disiri- 
cto  a  melhor  e  mais  luxuosa  e  de  roais  mo- 
vimento era  a  de  Lamego  á  Regoa.  Tinha  8 
a  9  metros  de  largura,  bellos  muros  desup- 
porte  e  resguardo,  valetas  de  granito,  etc. 
Foi  uma  das  primeiras  que  em  Portugal  se 
macadamisou  pelos  annos  de  1850— e  logo 
se  facultou  ao  transito  publico  para  diligen- 
cias e  trens,  mas  infelizmente  havia  sido  tra- 
çada para  liteiras  e  tinha  declives  de  10  a 
12  por  cento  e  mais,  pelo  que  foi  substitui 
da  por  outra  que  segue  o  valle  do  rio  Va- 
ro?a  e  tem  de  percurso  12  kilometros,  em 
quanto  que  a  estrada  velha  media  6  kilome- 
tros apenas. 

As  outras  estradas  d'este  districto— salvas 
raríssimas  excepções— eram  uma  sequencia 
de  barrancos  de  tal  ordem  que  nem  para  li- 
teiras se  prestavam  todas.  Era  mister  con- 
certal-as  ou  reparal-as  quando  por  ellas  ti- 
nha de  fazer  tranzito  alguma  pessoa  real, 
mas  esses  reparos  eram  sempre  tão  ligeiros 
que  a  breve  trecho  desappareciam.  Tão  las- 
timosa era  a  viação  antiga,  que  muitos  dos 
nossos  prelados  por  commiseração  manda- 
vam concertar  os  caminhos  pelos  povos  con- 
finantes,— outras  vezes  à  custa  dos  próprios 
bispos,  alguns  dos  quaes  até  mandaram  fa- 
zer pontes  de  preço.  Assim  mandou  o  bene- 
mérito bispo  de  Lamego  D.  Manuel  de  Vas- 
concellos  Pereira,  natural  de  Castro  d'Ayre, 
fazer  a  ponte  d'AlvareDga,  sobre  o  Paiva, 
mas  não  pôde  concluil  a,  porque  a  morte  o 
surprehendeu. 

V.  Villa  Real  de  Traz-os-Monles,  tomo  XI, 
pag.  931. 

As  liteiras  tiradas  por  grandes  machos 
carregados  de  campainhas  foram  o  trans- 
porte mais  luxuoso  até  o  meado  d'este  sé- 
culo. Nós  ainda  vimos  muitas,  mas  n'esie 
districto  de  Viseu  nunca  se  viram  tantas  em 
columna  cerrada  como  em  1710,  quando  o 


bispo  D.  Jeronymo  Soares  fez  regressar  a 
Pinhel  as  freiras  do  convento  de  S.  Luiz, 

Veja-se  n'este  artigo  Vtseu  as  pag.  1S86, 
col.  2.*  e  segg.— e  1628,  col.  2.'  também  e 
segg. 

Fecharemos  este  tópico  dizendo  que  as  la- 
goas da  nossa  antiga  viação  não  tinham  cra- 
veira própria.  Eram  talhadas  a  arbítrio  e 
muito  mais  extensas  que  as  d'hoje. 

Na  viação  actual  as  legoas  teem  5  kilome- 
tros, emquanto  que  as  antigas  correspon- 
diam a  10  kilometros  aproximadamente. 

Viação  actual 

Desde  o  tempo  dos  romanos  nunca  se  li- 
gou à  viação  publica  tanta  importância  co- 
mo hoje  Todos  hoje  reconhecem  que  as  boas 
estradas  e  a  facilidade  de  transporte  e  de 
coramunieaçòes  são  o  primeiro  factor  da 
vida  e  prosperidade  dos  povos  e  pode  ava- 
liar-se  a  prosperidade  e  civilisação  das  di- 
versas nações  pela  sua  rede  de  estradas  e 
pelos  meios  de  transporte  e  communicação 
de  que  dispõem. 

Nós  acordámos  só  no  meiado  d'este  século, 
mas  com  os  limitados  recursos  de  que  dis- 
pomos bastante  adiantámos  n'este  pelouro 
em  36  annos — ou  desde  1852  até  hoje,  pois 
já  temos  uma  boa  rede  de  estradas  a  maca- 
dam— reaes,  districtaes  e  municipaes,— bas- 
tantes linhas  férreas  a  vapore  linhas  ameri- 
canas e  telegraphieas  em  todo  o  nosso  paiz, 
como  pôde  ver-se  no  artigo  Vias  Férreas, 
tomo  X,  pag.  467,  col.  2.»  e  seguintes. 

Agora  fallaremos  da  viação  actual  d'este 
districto  de  Viseu,  que  n'este  ponto  cede  aos 
nossos  districtos  de  Lisboa,  Porto  e  Braga, 
mas  leva  muita  vantagem  a  quasi  todos  os 
outros,  como  os  leitores  vão  ver. 

Seguiremos  n*esta  exposição  a  ordem  oflQ- 
cial,  indicando  primeiramente  as  estradas 
reaes,  depois  as  districtaes  e  municipaes  e 
por  ultimo  as  linhas  férreas. 

I 

Estradas  reaes 

{.'—Estrada  real  n.°  7,  de  Viseu  a  Villa 
Real  de  Traz-o£-Montes. 


VIS 

Parte  de  Viseu  e  segue  n'e8te  distrieto  até 
á  margem  direita  do  Douro  (ponte  da  Re- 
goa)  pelas  povoações  de  Moazellos,  Vendas 
de  Travanca,  S.  Pedro  do  Sul,  Ladreda,  Fi- 
gueiredo d'Alva,  Castro  d'Ayre,  Colo  de  Pi- 
to, Mezio,  Bigorne,  Magueja,  Ordens, Lame- 
go, Souto  Covo  e  Quintiâo. 

Tem  de  percurso  total  94:265,5  metros— 
e,  passado  o  rio  Douro,  communica  no  dís 
trieto  de  Villa  Real  com  a  estação  da  Regoa, 
na  linha  férrea  do  Douro. 

'i.*— Estrada  real,  n."  8,  da  Mealhada,  na 
linha  férrea  do  norte,  a  Viseu. 

Comprehende  no  distrieto  de  Viseu  a  par- 
te d'esta  estrada  desde  o  cume  da  serra  do 
Bussaco  até  Viseu,  com  o  percurso  de 
64:470,6  metros,  e  toca  nas  povoações  se- 
guintes: Moura,  Valle  d' Açores,  Mortágua, 
Barril,  Breda,  Santa  Comba-Dão,  Vendas  de 
Villa  Pouca,  Adiça,  Tondella,  cercanias  de 
Sabugosa,  Fail,  Villa  Chã  de  Sá  (cercanias) 
e  Repeses  (idem). 

Communica  com  a  linha  da  Beira  Alta  na 
estação  de  Mortágua  directamente— e  indi- 
rectamente com  a  mesma  linha  na  estação 
de  Santa  Comba-Dão,  pela  estrada  real  n.° 
50,  de  Santa  Comba-Dão  á  venda  do  Sebo. 

2.»— Estrada  real,  n."  84,  de  Peaafiel  á 
Barca  d'Alva. 

Pertence  ao  distrieto  de  Viseu  a  parte 
d'esta  (ístrada  desde  a  ponte  da  Regoa  sobre 
o  Douro  até  á  villa  de  S.  João  da  Pesqueira 
(ainda  não  passou  d'ali  a  construcção);  este 
lanço  tem  de  percurso  40;460,4,—e  loca  nas 
povoações  seguintes:  Bagauste  (em  frente  do 
apeadeiro  d'este  nome  na  linha  férrea  do 
Douro) — Folgosa  (em  frente  da  estação  de 
Covelmhas)  Tedo,  Espinho  (em  frente  da  es- 
tação do  Ferrão,  para  a  qual  está  a  concurso 
a  construcção  de  uma  ponte  sobre  o  Douro) 
— Basteiras,  cerca  de  1:400  metros  a  jusante 
da  estação  do  Pinhão  (até  aqui  este  lanço  de 
estrada  acompanha  a  margem  esquerda  do 
Douro) — Casaes,  na  margem  direita  do  rio 
Torto,— Ervedosa  e  Pesqueira. 

í.^— Estrada  real,  n."  41,  de  Aveiro  a  S. 
l>edro  do  Sul. 


VIS  1777 

A  parte  d'esta  estrada  que  toca  ao  distri- 
eto de  Viseu  começa  na  avenida  direita  do 
pontão  de  Espendello-e  termina  em  S,  Pedro 
do  Sul,  onde  entronca  na  estrada  real  n.»  7, 
já  descripta,  tendo  passado  pelas  povoações 
de  Ribeiradio,  Oliveira  de  Frades,  Vouzella, 
Banho  e  Sub -Estrada. 

O  seu  percurso  no  distrieto  de  Viseu  é  de 
33:206,5  metros;  corre  pela  margem  esquer- 
da do  Vouga  desde  o  pontão  de  Espendeilo 
até  o  Banho,  onde  em  uma  bella  ponte  de 
granito  e  moderna  passa  para  a  direita  do 
Vouga  e  segue  pela  dieta  margem  até  S. 
Pedro  do  Sul. 

5.  *— Estrada  real,  n."  42,  de  Viseu  ao 
Porto. 

É  commum  com  a  estrada  real  n.°  7  de 
Viseu  a  Villa  Real,  entre  Viseu  e  a  villa  de 
S.  Pedro  do  Sul,  na  extensão  de  22:272,0 
metros,  e  cora  a  estrada  real  n."  41  de  Avei- 
ro a  S.  Pedro  do  Sul,  entre  o  bairro  da  Ponte 
e  a  Praça  da  mesma  villa,  na  extensão  de 
616,0  metros.  D'este  ponto  segue  para  Santa 
Cruz  da  Trapa  na  extensão  de  9:412,6  me- 
tros, onde  termina  a  parte  construída.  É 
portanto  o  seu  percurso  entre  Viseu  e  Santa 
Cruz  da  Trapa— 32:300,6  metros. 

6.  »— Estrada  Real  n."  43,  de  Viseu  a  Ce- 
lorico da  Beira. 

Pertence  a  este  distrieto  a  parte  que  de- 
mora entre  Viseu  e  o  ribeiro  da  Canharda, 
na  extensão  de  37:944,2  metros— e  toca  nas 
povoações  de  Povoa  de  Sobrinhos,  Prime, 
Fagilde,  S.  Cosmado,  Mangualde,  Freixiosa, 
Tragos,  Matados,  Chans  (cercanias)  e  Villa 
Cova  de  Tavares. 

Communica  indirectamente  com  a  linha 
da  Beira  Alta  em  Mangualde  (estação  d'este 
nome  ou  dos  Cubos)  pela  estrada  districtal 
n  "  53  da  Covilhã  a  Mangualde  por  Valhe- 
Ihas,  Manteigas,  Serra  da  Estrella,  Gouveia, 
Monte  Aljão,  Ponte  Palhez,  sobre  o  Monde- 
go, e  Mangualde. 

7.  '— Estrada  real,  n"  44,  áe  Lamego  a 

Trancoso. 

Tem  de  percurso  n'e3te  distrieto  desde 
1  Lamego  até  o  pontão  das  Quebradas,  sobre. 


1778  VIS 


VIS 


o  Távora,  52:054,3  metros— e  toca  nas  po- 
voações de  Britiande,  Granja  Nova,  Paçô, 
Leomil,  Moimenta  da  Beira,  Rua,  Adebarros, 
Penso,  Villa  da  Ponte  (cercanias)  e  Ponte  do 
Abbade. 

S.^— Estrada  real,  n.»  45,  de  Aveiro  a 
Tondella. 

Está  construída  n'este  distrieto  entre  o 
Guardâo  e  Tondella,  onde  entronca  na  es- 
trada real  n.»  8  da  Mealhada  a  Viseu;  a  parte 
construída  tem  de  extensão  16:628,8  metros 
e  toca  nas  povoações  do  Campo  de  Bestei- 
ros e  Mollelos. 

9-'— Estrada  reaí,  n."  46,  de  Tondella  à 
Covilhã. 

Apenas  tem  construída  no  distrieto  de  Vi- 
seu a  parte  que  demora  entre  a  povoação  da 
Cancella,  na  estrada  real  n.»  48  da  Figueira 
a  Mangualde,  e  a  ponte  de  Taboa,  sobre  o 
Mondego,  na  extensão  de  5:502,0  metros. 

Passa  pela  villa  de  S.  João  d'Areias. 

10.  "— Estrada  real,  n.»  48,  da  Figueira  a 
Mangualde. 

A  parte  comprehendida  no  distrieto  de 
Viseu  demora  entre  Foz-Dão  e  Mangualde, 
e  comprehende  49.952,4  metros,  incluindo 
743,0  metros  communs  com  a  estrada  real 
n.*  43  de  Viseu  a  Celorico.  Toca  nas  povoa- 
ções de  Venda  do  Sêbo,  Rojão  Grande,  Can- 
cella, Guarita,  Casa  Nova,  Carregai,  Fiães, 
Canas  de  Senhorim,  Nellas,  Pinheirinho  e 
Mangualde. 

Partem  d'esta  estrada  2  ramaes: — um  para 
os  Banhos  da  Felgueira  na  extensão  de 
5:404,1  metros;— outro  para  a  estação  de 
Nellas,  na  linha  da  Beira  Alta,  com  a  exten- 
são de  215,0  metros. 

11.  '— Estrada  real,  n.''50,  de  Santa  Com- 
ba-Dão  à  Venda  do  Sebo. 

Tem  de  extensão  4:386,9  metros,  incluin- 
do a  parte  commum  com  a  estrada  real  n." 
48  da.  Figueira  a  Mangualde,  na  extensão  de 
980,6  metros,  desde  o  Bojão  Grande  até  à 
Venda  do  Sebo. 

Entronca  na  referida  estrada  n.°  48  junto 
do  Rojão  Grande,— o  seu  percurso  até  este 


ponto  é  de  3:406,2  metros,— e  communica 
com  a  linha  da  Beira  Alta  na  estação  de 
Santa  Comba-Dão. 

II 

Estradas  disírictaes 

{.'—Estrada  districtai  n."  87,  de  Lamego 
a  Entre  os  Rio.s  (Douro  e  Tâmega.) 

Parte  de  Lamego,  da  Praça  do  Commer- 
cio,  e  segue  para  O.  alravez  dos  coneelhos 
de  Rezende,  SInfães  e  Castello  de  Paiva  até 
á  ponte  de  Entre  os  Rios,  sobre  o  Douro, 
mas  até  hoje  (1888;  tem  apenas  construído 
um  lanço  desde  Lamego  até  à  Penajoia,  na 
extensão  de  8:858,6  metros,  atravez  das  fre- 
guezias  de  Almacavo,  Ferreiros,  Samedães 
e  Penajoia,  não  passando  ainda  do  meio  d'es- 
ta  ultima. 

'2.*— Estrada  districtai  n."  40,  de  Viseu 
por  Côta  á  estrada  de  Lamego  para  Moi- 
menta da  Beira,  a  Moimenta  da  Beira,  e  d'ali 
á  foz  do  Távora  ou  Espinho,  na  margem  es- 
querda do  Douro,  a  entroncar  na  estrada 
real  n."  34,  passando  pelas  freguezias  d'Ar- 
cozello,  Baldos,  Sendim,  Paradella,  Grangi- 
nha,  Távora  e  Taboaço. 

Está  construída  entre  Viseu  e  a  Portella 
de  Valle  de  Cavallos,  na  extensão  de  25:802,1 
metros; — entre  Moimenta  da  Beira  e  Baldos 
na  extensão  de  5,-924,  3  melros,— e  desde  a 
villa  de  Távora  até  o  Espinho  ou  foz  do  Tá- 
vora, na  extensão  de  12  kilomeiros. 

O  lanço  entre  Távora  e  Taboaço  é  lindís- 
simo e  quasi  plano,  mas  tem  um  kilomeiro, 
na  passagem  do  Ribeiro  Fradinho,  que  é  um 
arrojo  de  construeção  e  fez  titubiar  os  en- 
genheiros, porque  passa  atravez  de  um  me- 
donho estendal  de  rocha  nua  com  grande 
declive,  o  que  obrigou  a  fazer  grandes  cor- 
tes na  penedia  do  lado  superior  e  grandes 
muros  de  supporte  do  lado  inferior  ^ 

Está  em  construeção  outro  lanço  também 
bastante  difflcil  desde  Távora  até  o  alto  da 


1  Os  laes  muros  de  supporte  teem  lanços 
de  18  metros  d'aUura. 


VIS 


VIS  1779 


Granginha, »  na  extensão  de  4  kiloraelros, 
approximadamente. 

Deve-se  á  inflaeneia  dos  srs.  Macedos  Pin- 
tos, de  Taboaço,  2  esta  importante  estrada, 
bem  como  a  ponte  sobre  o  Douro  na  testa 
d'ella  e  a  prendel-a  com  a  estação  do  Fer- 
rão na  linha  do  Douro,— ponte  que  já  foi 
approvada  pelo  governo  e  posta  a  concurso 
por  portaria  de  6  do  mez  de  junho  do  cor- 
rente anno  de  1888. 

Os  srs.  Macedos  Pintos  teem  prestado  e  es- 
tão prestando  relevantes  serviços  a  Taboaço, 
como  o  sr.  visconde  de  Guedes  Teixeira  a 
Lamego,  o  sr.  José  Guilherme  Pacheco  à 
Villa  de  Paredes— e  o  sr.  Conde  de  Castello 
de  Paiva  ao  concelho  do  seu  titulo. 

Ditosa  pátria  que  taes  filhos  teve  / . . . 

3.*— Estrada  districtal,  n."  40  A,  de  Viseu 
ás  Rans. 

É  eommum  com  a  districtal  n."  40  entre 
Viseu  e  um  ponto  situado  alem  da  povoação 
de  Cavernães,  denominado  Penedo  de  Caver- 
nães,  na  extensão  de  10:429,6  metros.  Bi- 
furca n'este  ponto  dirigindo-se  ás  Rans  pela 
Villa  da  Egreja;— -e  passa  junto  das  povoa- 
ções de  Contigem  e  Avellosa  I 

L*— Estrada  districtal  n.'  41,  de  Man- 
gualde e  Viseu  à  estação  do  Freixo  na  linha 
do  Douro. 

Parte  de  Mangualde  um  ramo  que  está 
construído  entre  esta  villa  e  Castendo,  na 
extensão  de  11:994,6  metros. 

Toca  na  povoação  de  Santo  André. 

Outro  ramo  parte  de  Viseu;  é  eommum 
com  a  estrada  real  n.°  43  de  Viseu  a  Celo- 
rico atè  um  ponto  situado  entre  os  rios  Sa- 
íam e  Dão;  tem  9:390,0  metros  de  percurso, 
— bifurca  n'este  ponto  com  a  dieta  estrada 


1  Todo  o  lanço  (em  parle  já  construído) 
desde  Taboaço  até  o  alto  da  Granginha  tem 
de  extensão  8:062,6  metros  e  foi  orçado  em 
sessenta  e  um  contos  de  réis  ?  ! . . . 

2  V.  Miragaya,  tomo  V,  pag.  269,  col.  !.•; 
—Taboaço,  vuJ.  IX,  pag.  469,  col.  2."  e  segg.; 
—  Vicente  (S.)  tomo  X,  pag.  516,  col.  2.»  e 
segg.,— e  Távora,  freguezia  do  concelho  de 
Taboaço,  no  supplemento. 


real  n."  43 — e  está  construída  até  á  povoa- 
ção do  Ladario,  na  extensão  de  10:724,  2 
metros 

Q.'— Estrada  districtal  n.»  42,  de  Mangual- 
de por  Penalva  do  Castello  a  Trancoso. 

A  parte  construída  (de  Mangualde  a  Cas- 
tendo)  é  eommum  com  a  estrada  districtal 
n."  41,  ramo  que  parte  de  Mangualde  (n.»  4). 

Estrada  districtal  n  *  44,  de  Viseu 
por  Nellas,  a  Ceia. 

Á  parte  comprehendida  no  districto  de 
Viseu  começa  no  arrabalde  d'esta  cidade,  no 
sitio  das  Pedras  Alçadas,  e  termina  sobre  o 
Mondego,  na  Ponte  Nova. 

Passa  por  Cabanões,  Oliveira  do  Barreiro, 
Casal  Sancho,  Villar  Secco,  Algeraz  e  Nel- 
las. 

É  eommum  com  o  ramal  da  estrada  real 
n."  48  (da  Figueira  a  Mangualde)  á  estação 
de  Nellas,  na  linha  da  Beira  Alta,  em  213,0 
metros— e  tem  de  percurso  total  28:912,9 
metros. 

7.*— Estrada  districtal  n.°  52,  do  Carre- 
gal pelo  Ervedal  e  Paranhos  de  Geia  a  Gou- 
veia—e pelo  Ervedal  e  Oliveira  do  Hospital 
a  Galliees, 

É  eommum  com  a  estrada  real  n."  48  (da 
Figueira  a  Mangualde)  entre  o  Carregal  e 
um  ponto  denominado  Calvário,  na  exten- 
são de  3:749,1  metros;  bifurca  n'e9te  ponto 
com  a  referida  'estrada,  dirigindo-se  á  Ponte 
da  Atalhada  sobre  o  Mondego,  que  divide  o 
districto  de  Viseu  do  de  Coimbra,  e  passa 
por  Oliveira  do  Conde. 

A  sua  extensão  da  Ponte  da  Atalhada  ao 
Calvário  é  de  5:348,  4  melros— e  do  Carre- 
gal á  dieta  ponte  é  de  9:097,5  metros. 

S."— Estrada  districtal  n."  53,  da  Covilhã 
por  Valhelhas  a  Manteigas,  Serra  da  Estrella, 
Gouveia  e  Mangualde. 

A  secção  do  districto  de  Viseu  demora  en- 
tre a  Ponte  Palhez  (sobre  o  Mondego)  e  Man- 
gualde, onde  entronca  na  estrada  real  n.» 
43,  de  Viseu  a  Celorico;  toca  na  povoação 
de  Contenças—e  tem  o  dicto  lanço  11:728,2 
metros. 

) 


1780  VIS 


VIS 


A  isto  se  reduziam  em  30  de  junho  de 
1886  as  estradas  reaes  e  districiaes  de  todo 
o  districto  de  Viseu,  mas  devem  ter  adian- 
tado bastante,  porque  já  decorreram  2  an- 
DOS  até  hoje  (estamos  em  julho  de  1888)  e 
não  tom  havido  interrupção  nas  obras  pu- 
blicas. 

ni 

Estradas  municipaes  do  concelho  de  Viseu  i 

1.  ^—E.  M.  (estrada  municipal)  de  Lidas- 
se n.'  6,  de  Castro  d'Ayre  a  Viseu. 

Pertence  ao  concelho  de  Viseu  desde  a 
ponte  do  Álmargem  sobre  o  Vouga,  até  á 
estrada  real  n."  7,  de  Viseu  a  Villa  Real, 
na  qual  entronca  junto  de  Âbravezes. 

No  limite  de  Viseu  tem  de  percurso  total 
13:234,5  metros. 

2.  *— M.  de  1*  classe  n*  12,  de  Viseu  á 
Feira  do  Campo. 

É  commum  com  a  E.  R.  (estrada  real)  n.» 
7,  de  Viseu  a  Villa  Real,  até  o  sitio  da  Cruz 
da  Pedra,  na  extensão  de  355  metros;  está 
construída  até  Almas  de  Farzra,  na  ex- 
tensão de  13:475,0  metros — e  toca  nas  po- 
voações de  Vil  de  Moinhos,  Figueiró,  Mos- 
teirinho  e  Torre  Deita. 

Percurso  total  13:830,6  metros. 

3.  » — E.  M.  n."  14  A,  da  Baiuca  de  Olivei- 
ra do  Barreiro  á  E.  M.  do  côncelho  de  Ton- 
della,  da  Ponte  Pedrinha  a  S.  Gemil. 

A  secção  do  concelho  de  Viseu  parte  da 
E.  D.  (estrada  dislrietal)  n.»  44  de  Viseu  a 
Ceia,  junto  da  Baiuca  de  Oliveira  do  Barrei 
ro,  e  termina  no  Arieiro.  Toca  na  povoação 
de  Pindello  e  tem  de  percurso  7:668  metros. 

4.  "— fí.  M.  de  2.»  classe,  n."  1,  de  Vil  de 
Moinhos  ao  Real. 

É  eommum  com  a  E.  M.  n.«  12  (de  Viseu 
à  Feira  do  Campo)  entre  Vil  de  Moinhos  e 


1  Para  não  fatigarmos  os  leitores  e  os  edi- 
tores apenas  indicaremos  a  viação  munici- 
pal do  concelho  de  Viseu,  pois  a  de  todo  o 
díá/nc/o /tomaria  grande  espaço. 


j  Figueiró,  na  extensão  de  4:880,9  metros;— 
toca  nas  povoações  de  Figueiró  e  Farmi- 
nhão, — passa  junto  da  de  Ferrocinto— e  tem 
de  percurso  8:879,2  metros. 

5.*— -E.  M.  de  2.'  classe  n.  2,  do  Persegui* 
do  a  Orgens. 

Está  toda  construida^  mas  tem  de  percursa 
apenas  492,7  metros. 

%A—E.  M.  de  2*  classe  n.  8,  da  Fonte  da 
Cruz  á  Carvalha  dos  Enforcados 

Parte  da  E.  M.  de  1.»  classe  n.«  12  de  Vi- 
seu á  Feira  do  Campo,  no  sitio  da  Fonte  da 
Cruz;— vae  até  á  dieta  Carvalha  dos  Enfor- 
cados, no  Couto  de  Cima,— e  tem  de  per- 
curso 3:247,3  metros. 

7.  '—E.  U.  de  2.»  classe  n.»  11,  da  Bouça 
ás  Álpondras  da  Barca. 

Tem  apenas  construído  um  lanço  de  al- 
guns kilometros  a  partir  do  sitio  da  Bouça 
na  E.  R.  n.»  7,  de  Viseu  a  Villa  Real. 

8.  »— E.  M.  de  2.»  classe  w.»  25,  da  egreja 
de  Lordosâ  a  Villa  Corça. 

Em  junho  de  1886  estava  apenas  construí- 
do um  lanço  de  1:260,6  metros  atéMundão. 

9.  "— M.  de  2.*  classe  n."  28,  do  Cabeei- 


1  Oulr'ora  por  economia  enforcavam  tam- 
bém os  malfeitores  nas  arvores  mais  próxi- 
mas do  local  do  delicio  e  parece  que  alguns 
foram  justiçados  na  dieta  carvalha,  mesmo 
porque  em  Viseu  não  ha  memoria  de  forca 
permanente. 

Ha  também  defronte  do  palacete  do  sr.  dr. 
Nicolau  de  Mendonça,  nosso  bom  amigo  e 
Cyreneu  n'este  artigo,  e  próximo  a  Vil  de 
Moinhos,  um  monte  notável  pela  sua  forma 
arredondada  e  vegetação  luxuosa  que  o  re- 
veste, de  cujo  cimo  se  avista  a  cidade  a 
Leste  e  se  descobre  a  O.  todo  o  vale  cortado 
pelo  Pavia.  Parece  ter  sido  o  local  das  exe- 
cuções de  pena  ultima.  Ainda  hoje  conser- 
va o  nome  de  Oiteiro  ou  Cabeço  da  forca 
e — destaca-se  a  O.  da  cordilheira  que  forma 
margem  esquerda  do  Pavia. 

A  bellesa  da  paisagem  formava  contras- 
te com  o  lúgubre  mister  a  que  o  faziam 
servir. 


VIS 


VIS  1781 


nha  da  Orca,  i— por  Paço  de  Silgueiros  e 
Ponte  de  Parada  a  entroncar  na  estrada  real 
n.«  8,  da  Mealhada  a  Viseu. 

Pertence  ao  concelho  de  Viseu  a  parte  que 
denaora  entre  a  E.  M.  de  1.*  classe  n.'  14  A 
— e  a  ponte  de  Parada,— e  em  junho  de  1886 
tinha  apenas  construídos  1:384,5  metros. 

A  isto  se  reduziam  as  estradas  municipaes 
do  concelho  de  Viseu  era  junho  de  1886. 

Linhas  férreas  do  districto  de  Viseu 

1,  " — Linha  da  Beira  Alta. 

Corta  este  districto  na  direcção  E.  O.  e  na 
extensão  de  80  kiloraetros  approximada- 
mente,  desde  o  ribeiro  da  Canharda  a  E. 
(confluente  do  Mondego)  que  o  divide  do  dis- 
tricto da  Guarda,  até  à  serra  do  Bussaeo,  a 
O.,  que  o  divide  do  districto  de  Coimbra. 

Tem  no  districto  de  Viseu  as  estações  de 
Gouveia,  Mangualde,  Nellas,  Canas  de  Se- 
nhorim, Oliveirinha  (apeadeiro)  Carregal, 
Santa  Comba-Dão  e  Mortágua. 

Esta  linha  foi  aberta  ao  tranziío  aié  Vil- 
lar Formoso  em  1882  e  em  1885  até  Sala- 
manca. 

V.  Vias  Férreas,  tomo  X,  pag.  472,  col. 
2.»,  tit.  Linha  da  Beira  Alta. 

2.  " — Linha  férrea  do  Douro,  do  Porto  á 
Barca  d'Alva  e  Salamanca  também,  já  toda 
em  exploração  desde  8  de  dezembro  de  1887. 

Vae  pela  margem  direita  do  Douro  desde 
o  Porto  até  o  celebre  Cachão  da  Valleira  \ 
a  montante  do  qual  atravessa  o  Douro  em 
uma  grande  ponte  de  ferro  obliqua,  na  ex- 
tremidade E.  do  concelho  de  S.  João  da  Pes- 


1  A  onomástica  afflrma  a  existência  de 
uma  orca  (dolraen  ou  anta)  no  tal  cabeço, 
pois,  como  ja  dissemos  no  titulo  Monumen- 
tos prehistoricos,  em  volta  de  Viseu,  dão  aos 
dolmens  ou  anias  o  nome  de  orcas  e  arcas. 

2  V.  Pontos  principaes  do  Douro,  vol.  VII, 
pag.  199,  col.  2.»  n."  61;  Vias  Férreas,  tomo 
X,  pag,  488,  col.  1."  e  segg.— e  Villa  Secca 
d' Armamar,  tomo  XI,  pag.  1059,  col.  1."  e 
seguintes. 


queira,  districto  de  Viseu,— seguindo  depois 
pela  margem  esquerda  do  Douro  até  á  Barea 
d' Alva  e  d'ali  aié  Salamanca. 

Suppomos  que  a  extremidade  sul  da  dieta 
ponte  ainda  pertence  ao  concelho  da  Pes- 
queira, districto  de  Viseu,  mas  talvez  que 
pertença  ao  concelho  de  Foscôa,  districto  da 
Guarda. 

Dicant  paduani. 

3.'— Linha  férrea  de  Viseu  à  estação  de 
Santa  Comba-Dão  na  linha  da  Beira  Alta. 

É  um  ramal  de  40  kilometros  approxima- 
damente;  foi  approvado  e  adjudicado  a  uma 
empreza  constructora  em  1885,  mas  ainda 
hoje  (1888)  se  acha  em  construeção  e  por 
certo  não  se  abre  ?o  tranzito  antes  do  firo 
de  1889. 

Linhas  férreas  a  concurso 

O  sr.  ministro  das  obras  publicas  apre- 
sentou ás  cortes  no  dia  i."  do  corrente  mez 
de  junho  de  1888  unia  importante  proposta 
para  a  construeção  dos  caminhos  de  ferro 
ao  norte  do  Mondego.  Como  seja  bastante 
extensa,  não  a  daremos  na  integra,  mas  re- 
sumil-a-hemos  nos  seus  pontos  culminantes. 

As  linhas,  cuja  construeção  e  exploração 
o  governo  põe  a  concurso  são  as  seguintes: 
O  prolongamento  até  Bragança  do 
caminho  da  Foz  Tua  a  Mirandella.  A  actual 
companhia  nacional  de  caminhos  de  ferro 
terá  a  preferencia  em  igualdade  de  circum- 
staneias.  A  garantia  do  juro,  será  de  5,5  por 
cento  e  comportada  sobre  a  base  de  réis 
19:6921300  por  kilometro  com  o  custo  de 
construeção.  O  numero  dos  kilometros  para 
a  garantia  de  juro  não  poderá  exceder  74. 

2."— Caminho  de  ferro  de  via  reduzida  (1 
metro  entre  as  faces  interiores  dos  carris), 
que  partindo  de  Vidago  e  passando  pelas 
Pedras  Salgadas,  siga  por  Villa  Pouca  de 
Aguiar,  Villa  Real,  Regoa,  Lamego,  Villa  da 
Ponte,  Moimenta  da  Beira  e  Trancoso  a  en- 
troncar em  Villa  Franca  das  Naves  na  linha 
férrea  da  Beira  Alta. 

O  governo  garante  o  complemento  do  ren- 
dimento liquido  annual  de  5,5  em  relação  ao 
custo  de  cada  kilometro  que  se  construir, 


1782  VIS 


VIS 


comprehendendo  juro  e  capital.  O  preço  ki- 
lomelrico  da  linha  será  de  21  comos. 

3.  »— Duas  liohas  férreas,  adjudicadas  a 
uma  só  e  mesma  empreza,  de  via  reduzida, 
de  Chaves  a  entroncar  na  linha  férrea  do 
Douro,  seguindo  o  valle  do  Tâmega;  e  de 
Braga  a  entroncar  na  linha  do  valle  do  Tâ- 
mega, em  Cavez,  seguindo  por  Guimarães  e 
Fafe.  A  séde  da  empreza  será  era  Braga.  A 
garantia  do  juro  de  5,5  «obre  o  preço  kilo- 
flietrico  de  30  contos. 

4.  » — Linha  férrea  que  partindo  de  Man- 
gualde, na  linha  da  Beira  Alta,  vá  en- 
troncar na  estação  de  Recarei,  na  linha  fér- 
rea do  Douro,  passando  per  Viseu  e  S.  Pe- 
dro do  Sul.  O  máximo  de  extensão  kilome- 
trica  comportado  para  garantia  de  juro  será 
de  157  kilometros  e  o  preço  kilometrico  será 
de  30  contos. 


Do  exposto  se  vô  que  a  2.*  e  4.«  das  men- 
cionadas linhas  interessam  muito  particular- 
mente a  este  districto  de  Viseu— e  estamos 
convencidos  de  que  mais  tarde  ou  mais  cedo 
a  4."  linha  dará  para  Lamego  ura  ramal, 
partindo  de  S.  Pedro  do  Sul  por  Castro 
d'Ayre. 

Também  uma  empreza  construetora  já  pe- 
diu e  obteve  licença  para  fazer — sem  subsi- 
dio algum  do  governo — uma  linha  férrea  di- 
recta de  Coimbra  para  a  estação  de  Santa 
Comba-Dão  na  linha  da  Beira  Alta,  com  o 
que  muito  deve  lucrar  Viseu,  porque  a  no- 
va linha  é  para  assim  dizer — continuação  do 
ramal  de  Viseu  até  Coimbra  em  recta  e 
será  o  caminho  mais  curto  entre  Viseu, 
Coimbra  e  Lisboa. 

O  nosso  governo,  desejando  concluir  em 
praso  breve  todas  as  nossas  estradas  a  ma- 
cadam  já  principiadas,  abriu  subseripção 
publica  para  um  empréstimo  nacional  de 
3:500  contos  a  juro  de  4  p.  c.  em  abril  do 
corrente  anno  de  1888— e  rapidamente  foi 
coberta  a  dieta  somma  dúzias  de  vezes  1 

Nunca  Portugal  teve  o  seu  credito  mais 
firme  nem  obii-ve  dinheiro  mais  barato  e 
com  tanta  facilidaile- 

Também  no  iiieímo  mez  d'abril  o  nosso 
governo  poz  a  concurso  por  disirietos  em- 


preitadas geraes  para  a  conclusão  das  dietas 
estradas. 

Para  o  concurso  da  empreitada  geral  de 
estradas  no  districto  de  Viseu  appareeeram 
sete  concorrentes,  que  foram  os  srs.:  Rocha 
Souza  &  C.*,  por  192:000^000;  Formigai, 
por  196:000^000;  Semião  Amaral,  por 
197:000i^000;  Courinha,  por  205:000^000; 
João  Martins,  por  202:000^000;  Pereira  Sil- 
va, por  206:000(^000;  Rodrigo  de  Oliveira, 
por  212:000^000.  A  ba.«e  da  licitação  era  de 
221:000^000.  A  adjudicação  foi  feita  aos  srs. 
Rocha  Souza  &  C*  por  192:000iíl000,  dando 
o  abatimento  de  12^7  p.  c. 

Ao  sr.  Antonio  Casimiro  de  Figueiredo, 
dignissimo  coronel  de  engeuheiros,  e  que 
foi  durante  muitos  anoos  director  das  obras 
publicas  no  districto  de  Viseu,  agradeço  os 
apontamentos  qne  se  dignou  enviar-me  para 
este  tópico.  No  suppiemento  ao  artigo  Fer- 
reira d' Aves,  terra  natal  de  s.  ex.s  daremos 
a  sua  biographia;  entretanto  podever-se  no 
Álbum  Visiense,  bem  como  o  seu  retrato. 

Segurança  publica 

Hoje  n'este  districto,  bem  como  em  todo  o 
nosso  pai7,  nào  ha  uma  quadrilha  de  saltea- 
dores ou  de  malfeitores,  nem  grandes  crimi- 
nosos em  liberdade. 

As  quadrilhas  de  malfeitores  desappare- 
ceram  ha  muito  e  se  alguém  commette  ura 
ou  outro  crime,  é  perseguido  sem  tregoas 
pela  jusiiça,  e— graças  aos  telegraphos,  ao 
zelo  das  auctoridades  e  à  moralidade  do  po- 
vo—muito poucos  malfeitores  deixam  de  ser 
presos  sem  demora.  São  mesmo  raros  e  mui- 
to raros  hoje  entre  nós  os  grandes  crimes  e 
nunca  foi  tão  brando  o  nosso  código  penal, 
pois  d'elle  estão  banidas  ha  muito  a  pena  de 
morte,  as  penas  corpora^^s,  os  sequestros  e 
as  prisões  por  dividas. 

Pôde  cruzar- se  em  todas  as  direcções  o 
nosso  paiz  de  dia  e  de  noite  em  diligencia 
ou  nos  caminhos  de  ferro  e  mesmo  a  pé  ou 
a  Cavallo,  sem  escolta  e  sem  receio,  embora 
o  viajante  leve  comsigo  quaesquer  sommas- 
Mesmo  nas  aldeias  e  quintas  fecham-se  as 
portas  por  decência  e  mera  formalidade;  não 


VIS 


VIS  1783 


se  vê  uma  casa  tinica  hoje  com  as  portas 
chapeadas  de  ferro,  nem  com  torres  e  setei- 
ras para  defesa,  nem  com  eseondrijos  para 
guarda  de  joia«,  alfaias  e  dinheiro— e  por 
vezes  os  mais  ricos  proprietários  auzenlam- 
se,  deixando  as  casas  com  todas  as  suas 
jeias  entre  gues  a  um  restrieto  numero  de 
criados  valetudinários; — demoram-se  o  tem- 
po que  muito  bem  lhes  apraz — e  voltam  mui- 
to tranquiliús,  certos  de  que  as  encontram 
sem  lhes  faltar  coisa  alguma. 

Tambíím  hoje  nenhum  viajante  ou  nego- 
ciante se  lembra  de  fazer  as  suas  disposições 
testamentárias,  embora  se  afaste  para  gran- 
des distancias,  emquanto  que  outr'ora,— 
mesmo  ainda  no  2."  quartel  d'esie  século,— 
todos  por  prudência  faziam  testamento  e  tra- 
tavam de  adquirir  salvos-conductos,  quando 
tinham  de  viajar  e  negociar  mesmo  dentro 
do  nosso  paiz. 

Eu  ainda  conservo  o  diploma  de  oflicial 
do  Santo  Ofíido  que  meu  pae  obteve  como 
salvo-conducto  para  viajar  e  negociar  com 
mais  segurança  entro  o  Alto  Douro  (conce- 
lhos de  Taboaço,  Armamar  e  Lamego,  d'este 
districto  de  Viseu)  e  o  Porto,— e  ainda  as- 
sim fez  testamento  antes  de  sair  de  casa — e 
muitas  vezes  teve  a  vida  jogada  aos  da- 
dos!... i 

Também  sabemos  que  o  celebre  Chuço, 
lendário  salteador  de  Trancoso,  dava  senhas 
ou  passes  para  todo  o  nosso  paiz  e  para 
grande  parte  da  ílespanha,  2— e  ainda  em 
nossos  dias  o  grande  salteador/osé  do  Telha- 
do, deu  senhas  ou  passes  ás  pessoas  das  suas 
relações  que  tinham  de  viajar  no  Minho.^ 


1  Note-se  que  negociava  era  vinho  para  a 
praça  do  Porto  durante  o  cerco,  em  1832  a 
1833.  Ganhou  alguns  contos  de  réis,  mas  com 
immen?o  risco,  pois  por  vezes  atravessou 
embarcado  as  linhas  do  exercito  de  D.  Mi- 
guel debaixo  de  vivo  fogo  I . . . 

2  V.  Terranho,  vol.  IX,  pag.  551,  col.  2.», 
— e  Trancoso  no  mesmo  vol.  pag.  719,  col. 
1.»  e  segg. 

2  O  Ji-sé  do  Telhado,  de  nome  José  Teixei- 
ra, nasci^u  na  pequena  povoação  do  Telha- 
do, íregutízia  d^  S.  Salvador  de  Casiellòes  de 
Recezinhos,  no  extineto  coucelho  de  Santa 
Cruz,  hoje  concelho  e  cornarca  de  Penafiel; 
casou  na  freguezia  de  S.  Pedro  de  Cabide  de 


Nunca  se  viveu  com  tanta  tranquilidade, 
tanta  liberdade  e  tanta  segurança  e  n'este 
districto  desde  o  meado  d'esle  século,— gra- 
ças ao  novo  regimen  politico,  à  crescente  il- 
lustração  do  nosso  povo  e  á  longa  e  aben- 
çoada paz  que  temos  gosado  desde  1847,  da- 
ta da  convenção  de  Gramido,  que  poz  termo 
á  revolução  da  Junta  do  Porto,  ultima  guer- 
ra civil,  de  que  foi  iheatro  o  nosso  paiz  na 
primeira  metade  d'este  século,  i— não  fal- 
lando  na  guerra  peninsular,  que  tanto  nos 
incommodou  de  1807  a  1814,  ou  até  que  o 
nosso  exercito  regressou  de  França. 

V.  Almeida,  Bussaco,  Gojim,  Passos  da 
Serra,  Torres  Vedras,  Vimeiro  da  Lourinhã 
e  Villar  Formoso. 

Com  as  muitas  guarras  e  perturbações  po- 
liticas da  primeira  metade  d'esie  século 
Portugal  soffreu  muito  e  muito  soffreu 
também  este  districlo.  Elie  foi  atravessado  e 
talado  primeiramente  em  1808  pelo  general 
franeez  Loison,  em  marcha  de  Almeida  por 
Moimenta  da  Beira  e  Lamego  sobre  o  Porto, 
mas  fez  alto  em  Mesãofrio  e  retrocedeu  por 
Lamego  sobre  Viseu,  ^  ete  — eem  1810  pelo 
grande  exercito  de  Massena,  quando  mar- 
chava sobre  Lisboa. 

Soffreu  também  muito  este  districto  com 
os  movimentos,  recrutamentos,  aquartela- 
mentos  e  fornecimento  do  exercito  anglo- 
luso  em  1810,  quando  esperava  Massena  e 
se  preparava  para  o  bater,  como  bateu,  no 
I  Bussaco;  em  1811  quaodo  o  nosso  exercito 
t  perseguia  na  retirada  o  de  Massena;— em 
1812  quando  na  retirada  de  Burgos  o  exer- 
cito anglo  luso  atravessou  a  parte  leste  d'es- 
te  districto  e  hibernou  em  Lamego,  na  Re- 


Rei,  concelho  de  Louzada  e,  depois  de  ha- 
ver praticado  algumas  mortes  e  muitos  rou- 
bos no  seu  concelho  e  nos  limilrophes,  como 
chefe  de  uma  numerosa  e  perigosa  quadri* 
lha  de  salteadores,  no  3 "  quartel  (Teste  sé- 
culo, foi  degradado  para  a  Africa,  onde  fal- 
I  leeeu. 

I     V.  Castellões  de  Recezinhos  n'este  diecio- 

j  nario  e  no  supplemeuio. 

j     1  V.  Gramido  e  Porto,  vol.  7."  pag.  366, 

col.  2,«  e  segg. 
i    2  V.  Villa  Jusã,  tomo  XI  pag.  771,  col.  2.» 


1784  VIS 


VIS 


goa,  Amarante  e  PeDafiel,— eem  1813  quan- 
do volveu  á  campanha,  tornando  a  atraves- 
sar grande  parte  d'este  districto. 

Termmada  a  campanha  contra  os  france- 
zes  em  1814,  seguiram-se  as  guerras  civis 
que  «nsaoguentaram  Portugal,  este  districto 
e  a  própria  cidade  de  Viseu,  pois  em  La- 
mego teve  o  sr.  D.  Miguel  um  deposito  de 
400  a  500  presos  políticos,  que  soffreram  as 
maiores  torturas,  comprehendendo  pessoas 
de  todas  as  cathegorias  e  até  alguns  lentes 
da  Universidade, — e  em  Viseu  teve  uma  com- 
missão  mixta,  de  magistrados  civis  e  mili- 
tares, i|que  foi  o  terror  da  Beira  e  mandou 
fuzilar  25  pessoas.  Foram  as  seguintes: 

Primeira  sentença 
23  de  agosto  de  1832 

—Padre  Laureano  Pinto  de  Noronha,  na- 
tural da  quinta  da  Aveleda,  freguezia  de  S. 
Chrystovam  de  Nogueira,  concelho  de  Sin- 
fães. 

— Padre  Caetano  José  Pinheiro,  natural  da 
povoação  de  Villa  Chã,  freguezia  de  Nespe- 
reira, no  mesmo  concelho  de  Sinfães,  e 

—Padre  Antonio  Alberto  Pereira  Pinto 
Monte-Roio,  natural  da  povoação  de  Caseo- 
nha,  freguezia  de  S.  Thiago  de  Fiães,  no 
mesmo  concelho.  2 

Estes  três  infelizes,  sendo  considerados  li- 
beraes  e  tendo  por  isso  as  suas  casas  em 
sequestro,  resolveram  acolher-se  ao  Porto, 
onde  já  estava  o  sr.  D.  Pedro  IV  com  o  exer- 
cito liberal.  De  combinação  com  o  padre 
Joaquim  José  Pereira  dos  Santos,  frade  je- 
ronymo,  da  casa  de  Maças  em  Rezende,  e 


1  Era  presidida  pelo  tenente  general. . . 
governador  das  armas  da  província  e,  em 
virtude  dos  decretos  de  12  de  janeiro  de 
1829,  9  de  fevereiro  de  1831  e  23  de  março 
de  1832,  a  dieta  commissão  era  obrigada  a 
mandar  fuzilar  os  reus  dentro  de  24  horas, 
depois  de  proferida  a  sentença,  o  que  pon- 
tualmente cumpriu. 

2  A  dieta  casa  de  Caconha  foi  paçod'Egas 
Moniz^  aio  de  D.  AíTonso  Henriques,  e  sup- 
põe  se  que  o  nosso  primeiro  rei  ali  viveu 
também  algum  tempo,  quando  menino. 


com  outro,  cujo  nome  e  naturalidade  se 
ignora,  metteram-se  todos  5  em  um  barco 
no  caes  de  Mourilhe,  freguezia  de  S.  Chrys- 
tovam de  Nogueira,  no  dia  15  de  julho  de 
1832,  em  direcção  ao  Porto,  mas,  percorri- 
dos cerca  de  2  kilometros  somente,  ao  pas> 
sarem  defronte  da  praia  de  Vimieiro,^  bra- 
daram-lhes  os  guardas  miguelistas:  Aterra,, 
a  terral —  Queremos  ver  os  passaportesl . . . 

Como  não  obedecessem,  fizeram  fogo  so- 
bre o  barco,  pelo  que  todos  os  que  iam  den- 
tro d'elle  se  deitaram  sobre  o  lastro,  menos 
o  padre  Pereira  dos  Santos  que  fez  alguns 
tiros  sobre  os  guardas,  mas  teve  de  suspen- 
der o  fogo,  porque  foi  gravemente  ferido 
por  duas  balas;— uma  atravessou  lhe  o  cor- 
po; a  outra  alojou-se  n'elle. 

Caiu  banhado  em  sangue  entre  os  compa- 
nheiros—e o  barco,  prosegumdo  sem  go- 
verno, foi  naturalmente  dar  em  terra.  O  des- 
conhecido lançou-se  ao  Douro  e  n'elle  pere- 
ceu; os  três  saltaram  em  terra  e  fugiram, 
mas  foram  logo  presos  pelos  guardas,— e  o 
padre  Joaquim  J.  Pereira,  que  jazia  no  bar- 
co, foi  ainda  crivado  de  golpes  nas  pernas 
pelo  arraes  d'ouiro  barco. 

Conduzidos  em  seguida  á  presença  do  ea- 
pitão-mór  da  Ribeira  de  Tarouquella,  foram 
por  elle  gravemente  insultados  e  mandados 
para  a  cadeia  de  Cresconha  ou  Casconha, 
d'onde  no  dia  seguinte  foram  removidos  pa- 
ra o  Castello  de  Lamego,  distante  cerca  de 
60  kilometros,— e  a  pé,  apesar  das  maiores 
instancias  para  que  lhes  permittissem  ir  a 
Cavallo.  De  Lamego  seguiram  para  Viseu, 
onde  a  tal  commissão  os  fuzilou,  como  já 
dissemos. 

D.  Margarida,  irmã  do  padre  Monte-Roio, 
desejando  valer- lhe,  poz-se  a  caminho  de 
Viseu,  levando  valiosas  recommendações 
para  o  presidente  da  commissão;  commoveu 
até  as  lagrimas  ás  íilhãs  d'clle  e  as  bondo- 
sas senhoras  tanto  instaram  com  o  pae 
que  D.  Margarida  se  retirou  esperando  que 
as  vietimas  apenas  seriam  condemnadas  a 


1  V.  Vimieiro,  aldeia,  tomo  XI,  pag,  1444, 
eol.  1.*  e  segg. 


VIS 


VIS  1785 


degredo,  pelo  que  nas  fres  casas  de  Avele- 
da, Villa  Chà  6  Casconha  se  resolveu  que 
uma  irmã  de  cada  um  dos  3  infelizes  os 
acompanhasse  no  exilío^  e  as  3  senhoras  já 
estavam  promptas  para  marcharem,  quando 
receberam  a  triste  nova. 

D.  Margarida,  alem  das  reeommendaçòes^ 
levava  também  tres  mil  crusados  em  dinhei- 
ro, para  os  empregar  opportunamente,  o  que 
oão  fez,  por  não  ter  a  certesa  de  bom  êxito. 

O  padre  Joaquim  José  Pereira  dos  San- 
tos, irmão  de  José  Joaquim  Pereira  dos  San- 
tos, !.•  barão  de  Foroellos,— e  tio  de  Fer- 
nando Maria  Pereira  dos  Santos,  2."  e  actual 
barão  do  mesmo  titulo,  ^  depois  de  crivado 
de  balas  e  golpes,  foi  conduzido  em  um  bar- 
co para  Lamego  e  d'ali  transportado  para 
Viseu,  mas  não  teve  a  sorte  dos  companhei- 
ros por  estar  ainda  muito  doente  quando  fo- 
ram fuzilados.  Depois,  passados  alguns  me- 
zes,  fugiu  da  prisão  com  um  dos  Marçaes  de 
Foscôa  e  com  o  padre  Luiz  Manoel  Mouti- 
nho, que  morreu  sendo  prior  em  Mattosi- 
nhos. 

Depois  de  183i  voltou  ainda  ao  seu  con- 
vento e  a  elle  se  deve  a  salvação  da  preciosa 
bibliotheca  e  de  uma  biblia  de  grande  valor 
que  n'ella  havia. 

Âo  cabo  de  12  annos  a  buxa  de  um  dos 
tiros  e  um  bocado  do  colete  sairam-llie  en- 
voltos em  uma  membrana,— e  também,  pas- 
sad«s  aoDos,  ao  atravessar  o  Douro  entre 
Rezende  e  Mesãofrio,  encontrou  casualmente 
o  arraes  que  barbaramente  o  ferira  no  acto 
da  prisão  e,  podendo  vingar-se  d'elle  impu- 
nemente—honra lhe  seja— perdoou  lhel. . . 

Falleceu  em  1874,  sendo  conjugo  da  Sé  de 
Lisboa. 

Fecharemos  este  sombrio  tópico  dizendo 
que  os  3  infelizes  chegaram  a  Viseu  no  dia 
5  d'agosto  de  1832;  foram  eondemuados  no 
dia  22  e  fuzilados  no  dia  23  do  dicto  mez 


1  V.  Rezende,  tomo  VIII,  pag.  160,  col.  2., 
— e  Villa  Verde,  quinla^  tomo  11."  pag.  1100,  ! 
col.  2.»  e  segg.  i 


pelas  6  horas  da  tarde,  no  Campo  da  Feira, 
hoje  Campo  de  Viriato,  pelos  voluntários 
realistas  de  Trancoso,  assistindo  também 
uma  força  de  cavallaria,  e  foram  sepultados 
na  Capella  de  Nossa  Senhora  da  Conceição, 
que  demora  no  mesmo  campo.  ^ 

Segunda  sentença 

17,  ou  19  2  d^oulnhro  de  1832 

—Fr.  Simão  de  Vasconcellos,  monge  de  S. 
Bernardo,  natural  da  quinta  do  Outeiro,  fre- 
guezia  de  Cesár,  então  concelho  da  Villa  da 
Feira  e  hoje  de  Oliveira  d' Azeméis,  ali  rezi- 
dente  por  breve  apostólico. 

V.  Cezar. 

—Antonio  Joaquim,  da  cidade  do  Porto, 
forriel  do  batalhão  de  caçadores  n.»  12. 

-Joaquim  Gonçalves,  da  freguezia  de  Ca- 
saes,  então  concelho  de  Penafiel  e  hoje  da 
Lousada,  soldado  do  mesmo  batalhão. 

V.  Casaes,  tomo  II,  pag.  141,  col.  2.» 

— Francisco  José  Marques,  da  freguezia  de 
Sanfins,  concelho  da  Feira,  soldado  do  bata- 
lhão da  Serra,  organisado  no  PortJ, 

—José  d' Oliveira,  do  logar  de  S.  Gião,  fre- 
guezia do  Souto,  concelho  da  Feira,  casado, 
lavrador  e  soldado  do  batalhão  de  Villa  No- 
va, organisado  no  Porto. 

—Joaquim  José  da  Silva,  natural  do  Por- 
to, soldado  de  caçadores  n.»  2. 

—Luiz  Ferreira  da  Costa  SanfAnna,  da 
freguezia  de  Ranhados,  junto  de  Viseu,  mas 
residente  no  Porto,  e  ali  hortelão  dos  padres 
loyos,  de  6o  annos  de  idade. 

Segundo  se  lô  a  pag.  436  das  Memorias 
do  dr.  Sacco  já  citadas,  estes  infelizes  foram 
aprisionados  com  as  armas  na  mão  no  dia 
9  de  setembro  de  1832;— condusidos  em  se- 
guida para  Lamego  e  d'ali  para  Viseu,  onde 


1  V.  Memorias  do  tempo  passado  e  prezente 
para  lição  dos  vindouros  pelo  conselheiro, 
lente  da  Universidade  e  nosso  primeiro  cri- 
minalista, dr.  Antonio  Luiz  de  Sousa  Henri- 
ques Secco,  1880.  Coimbra,  4."  de  804  pag. 
afora  as  erratas  e  o  prologo,— pag.  432  a 
!  436-e  707  a  709. 

I    2  jijão  encontro  firmesa  n'esta  data. 


1786  VIS 


VIS 


chegaram  a  19  do  dicto  mez;— condemnados 
pela  commissão  mixta  a  16  ou  18  d'outubro,  \ 
foram  mellidos  no  oratório  em  uma  das  au- 
las do  Seminário  no  mesmo  dia  e  arcabusa- 
dos  no  seguinte  (17  ou  19)  no  terreiro  con- 
tíguo ao  Seminário,  hoje  Campo  de  Alves 
Martins,  por  uma  força  de  milícias  de  Bra- 
gança. 

Alguém  diz  que  foram  sepultados  na  Ca- 
pella de  S.  Martinho  e  em  um  pequeno  ce- 
mitério próximo;  mas  a  Chronica  Constitu- 
cional Giz  que  foram  sepultados  em  Codeços, 
ou  antes  em  um  fosso  onde  costumavam  Ian- 
çar-se  os  animaes  mortos. 

Dicant  paduani. 

Nos  fins  do  ultimo  século  viviam  na  sua 
casa  e  quinta  do  Outeiro,  freguezia  de  Ce- 
sár,  José  Bernardo  Pereira  de  Vaseoncellos 
e  sua  mulher  D.  Anna  Margarida  d'Almeida 
Cabral,  ricos  proprietários  no  concelho  de 
Oliveira  de  Azeméis  e  nos  de  Cambra  e 
Arouca. 

Tendo  5  Qlhos  e  4  filhas,  para  assegurar- 
Ihes  uma  posição  decente  coilocaram  alguns  \ 
dos  filhos  no  estado  ecelesiastico  e  outros  na 
vida  militar. 

Um  d'elle9,— Fr.  Simião  de  Vaseoncellos 
—nascido  em  28  de  setembro  de  1789,  foj 
para  a  ordem  de  Cister,  professando  no  con- 
vento d'Alcobaça;— e  seu  irmão  Jofé  Pereira 
de  Vaseoncellos  foi  para  a  ordem  benedi- 
ctina;  professou  no  convento  de  Befoios  de 
Basto  e  falleeeu  em  Lisboa,  sendo  pregador 
geral  da  congregação.  Joaquim  Maria  Pe- 
reira de  Vasconcello»  e  Frederico  Pinto  Pe- 
reira de  Vaseoncellos,  irmãos  também  de 
Fr.  Simão,  assentaram  ambos  praça  antes  de 
i808,  aquelle  na  arma  de  cavallaria  e  este  na 
de  infanteria;  foram  logo  reconhecidos  ca- 
detes e  serviram  na  guerra  peninsular. 

Joaquim  Maria,  sendo  capitão  de  cavalla- 
ria n.°  6  {Dragões  de  Chaves)  em  1823,  re- 
cusou adherir  á  revolução  que  o  general 
Silveira,  depois  marquez  de  Chaves,  fez  n'a- 
quelle  anno  em  Traz-os-Montes  contra  o  go- 
verno liberal,  pelo  que  o  dicto  capitão  foi 
desligado  do  serviço  e  deportado  para  Avei- 
ro, onde  falleeeu. 

Frederico  Pinto,  sendo  alferes  ajudante 


de  infanteria  n."  18,  quando  em  1819  casou, 
em  seguida  reformou-se  e  abandonou  a  car- 
reira militar.— Tanto  elle  como  o  irmão  Joa- 
quim eram  liberaes  convictos,  e  as  mesmas 
ideias  perderam. a  Fr.  Simão  de  Vaseoncel- 
los. 

Tinha  elle  um  caracter  muito  enérgico  e 
independente,  que  mal  se  ajustava  com  a 
vida  do  claustro,  pelo  que  pediu  e  obteve 
em  1816  a  secularisação,  allegando  a  cir- 
cumslancia  de  ter  4  irmãs  solteiras,  orphãs 
de  mãe,  que  necessitavam  do  seu  auxilio. 

Obtida  a  secularisação,  viveu  alternada- 
mente no  concelho  de  Oliveira  de  Azeméis  e 
no  de  Arouca,  nas  propriedades  do  seu  ir- 
mão Frederico,  a  quem  o  pae  doou  a  casa 
com  certas  condições. 

Desde  as  primeiras  manifestações  liberaes 
em  1820,  Fr.  Simão  abraçou  com  enthu- 
síasmo  as  novas  ideias  politicas,  procurando 
propagal-as  e  festejando-as  publicamente, 
pelo  que  entre  o  povo  era  apontado  como 
apóstata  e  pedreiro  livre— e  era  1828,  de- 
pois que  o  exercito  liberal  emigrou  para  a 
Gallisa  e  os  seus  correligionários  para  dif- 
ferentes  nações,  foi  Fr.  Simão  denunciado 
como  liberal  façanhudo. 
Não  se  fez  esperar  a  ordem  de  prisão 
j  contra  elle  e,  como  era  tido  por  muito  va- 
I  lente,  foi  enviada  a  Cesar  uma  grande  es- 
í  coita  de  milícias  para  o  prender;  estando 
'  porem  elle  prevenido  e  armado,  rompeu 
atravez  dos  milicianos  e  nenhum  se  atreveu 
a  seguil-o. 

Este  facto  exacerbou  os  perseguidores, 
pelo  que  em  seguida  marchou  do  Porto  so- 
bre Cesar  um  grande  destacamento  do  cor- 
po de  policia  com  ordem  de  o  colherem  ás 
mãos  vivo  ou  morto. 

Surprehendidu  peia  escolta  em  uma  ma- 
drugada na  qumia  du  Outeiro,  em  ('e^ar, 
tracliiu  de  fugir,  ma«,  sendo  pf r.^esiuido  a 
tiro?,  uma  bala  fi  aclurou-lhe  a  omoplata  es- 
querda, saindo  por  baix'^  da  clavícula.  O  fe- 
rimento era  ião  grave  que  foi  immediua- 
i  mente  confessado  e  sacramentado  e  em  se- 
guida levado  em  uma  maca  para  a  cadeia  da 
Villa  da  Feira.  Ali  esteve  em  tractaraento 
mais  de  um  anno  e  logrou  sobreviver,  mas 


ViS 


VIS  1787 


o  braço  esquerdo  ficou  leso  e  quasi  tolhido; 
ainda  assim  uma  ooite  arrombou  o  telhado 
da  cadeia  e  fugiu,  vivendo  em  seguida  ho- 
misiado  até  que,  entrando  no  Porto  o  duque 
de  Bragança  em  i832,  immediatamente  se 
lhe  apresentou,  sendo  muito  bem  recebido. 

Passado  pouco  tempo^  ou  por  deliberação 
espontânea  ou  por  ordem  superior,  reuniu 
alguns  soldados  de  confiança  bem  armados 
e  decididos  e  marchou  com  elles  para  Ce- 
sár,  atravessando  as  linhas  do  exercito  de 
D.  Miguel.  Marchou  logo  de  Oliveira  d'Âze- 
meis  um  forte  destacamento  de  milícias  em 
perseguição  d'elle.  Travaram  fogo,  mas  Fr. 
Simão  teve  de  fugir  com  os  seus  para  as 
montanhas  d' Arouca.  Ali  o  capitão  roór  com 
as  suas  ordenanças  tratou  de  lhe  dar  caça  e 
Fr.  Simão,  falto  de  munições  e  acabrunhado 
pelo  numerOj  foi  ferido  e  preso  com  alguns 
dos  seus  e  em  seguida  levado  para  a  villa 
d'Arouca  e  d'ali  para  Viseu,  onde  teve  a 
sorte  mencionada  supra. 

Calamitosos  tempos  t . . .  ^ 

Ter  ceira  sentença 


24  d^outvbro  de  1882 

— José  Francisco,  natural  de  S.  Martinho 
d'Argoncilhe,  concelho  da  Feira,  casado, 
proprietário  e  soldado  de  caçadores  n.»  5. 

Este  desgraçado  foi  preso  e  meltido  nas 
cadeias  de  Lamego,  d'onde  passou  para  a  de 
Viseu.  Chegou  ali  no  dia  19  de  setembro  e, 
por  haver  pertencido  á  geote  de  Fr.  Simão 
de  Vaseoncellos,  a  commissão  mixta  o  sen- 
tenciou à  morte  no  dia  23  d'outubro  e  no 
dia  seguiole  o  fuzilou  no  Campo  da  hibeira. 

Foi  sepultado  no  cemitério  do  hospital, 
junto  da  capella  de  S.  Martinho. 

Quarta  sentença 

30  d^outubro  de  1832 

— D.  Fernando  Gutierres  Ga^on,  natural 

de  Algeciras,  ca  Andalusia.  .  .       „        j  r--     •  j„  «  c„.,.„ 

'  — Antomo  Homem  de  Figueiredo  e  Sousa, 

  I  natural  da  Cruz  do  Souto,  freguezia  de  Fa- 

1  V.  AJemorins  do  dr.  Secoo,  pag.  709  a  \  '"'"^a  Podre,  concelho  de  Penacova. 
714.  i    —Antonio  Joaquim,  natural  da  aldeia  de 


— D.  Paschoal  Alpalhez^  natural  da  villa 
de  Sague,  na  Hespanha. 

— D.  Antonio  Ximenes,  natural  de  Tarra- 
gona. 

—D.  Eusébio  Paschoal,  da  villa  de  Naval- 
can. 

— Manuel  Sanches  Garcia,  natural  de  Sa- 
ragoça, capital  do  Aragão. 

— D.  Benito  José,  natural  da  freguezia  de 
Sonera,  arcebispado  de  S.  Thiago,  na  6al- 
lisa,  soldado  do  batalhão  da  Serra,  no 
Porto. 

Estes  6  hespanhoes  foram  também  apri- 
sionados nas  serras  d'Arouca;— d'ali  condu- 
zidos para  a  cadeia  de  Lamego— e  depois 
para  a  de  Viseu,  onde  deram  entrada  a  19 
de  setembro.  Por  terem  feito  parte  da  gente 
de  Fr.  Simão  de  Vaseoncellos,  a  commissão 
mixta  os  sentenciou  a  pena  ultima  no  dia  29 
d'outubro;  n'esse  mesmo  dia  entraram  para 
o  oratório  nos  claustros  do  Seminário  e  no 
dia  seguinte  foram  fuzilados  pelas  milícias 
de  Bragança  no  terreiro  de  Santa  Christinay 
onde  jazeram  os  cadáveres  ensanguentados 
iodo  o  diat 

Foram  sepultados  no  cemitério  do  hospi- 
tal da  Misericórdia. 

D'estes  6  infelizes  os  3  primeiros  haviam 
adoecido  na  cadeia,  pelo  que  os  transferiram 
para  o  hospital,  onde  lhes  foi  intimada  a 
sentença,  quando  os  mpposeram  bem  ou 
mal  curados,  e  era  si-guida  os  levaram  para 
o  oratório,  onde  já  estavam  os  companhei- 
ros; mas  tão  doentes  e  faltos  de  forças  se 
achavam  ainda  aquelles  3  infelizes  que,  ten- 
do sido  marcado  para  a  execução  o  largo  de 
Santo  Antonio,  hoje  Passeio  de  D.  Fernando, 
e  não  podendo  aqutlles  desgraçados  ter-se 
em  pé,  foram  fusilados  ásaida  do  oratório^ 
no  Campo  de  Santa  Christina. 

Quinta  sentença 

21  de  março  de  1833 


1788  VIS 


VIS 


Várzea  da  Candosa,  freguezia  de  Caodosa, 
concelho  de  Taboa.  * 

— Padre  Antonio  da  Maia,  natural  da 
Cruz  do  Souto,  freguezia  de  Farinha  Podre, 
paroeho  encommendado  da  freguezia  de  Co- 
vellos  d'Azere,  concelho  de  Taboa.  ^ 

—Francisco  Homem  da  Cunha,  filho  de 
Bernardo  Homem  e  irmão  de  Guilherme  Nu- 
nes, do  logar  e  freguezia  da  Cortiça,  hoje 
concelho  de  Arganil.  ^ 

— Francisco  de  Sande  Sarmewío,  solteiro, 
natural  da  povoação  de  Carvoeira,  fregue- 
zia 6  concelho  de  Penacova. 

— Felisberto  de  Sande,  irmão  do  antece- 
dente 6  natural  da  mesma  povoação  de  Car- 
voeira 

— Guilherme  Nunes  da  Silva,  filho  de  Ber- 
nardo Homem  e  irmão  de  Francisco  Homem 
da  Cunha,  mencionado  supra. 

—José  Maria  d'Oiiveira,  natural  da  povoa- 
ção da  Cortiça,  freguezia  de  Paradella  ^  con- 
celho d'Arganil. 

Estes  8  desgraçados  eram  todos  do  actual 
distrieto  de  Coimbra  e  foram  todos  fusila 
dos  em  Viseu  no  Rocio  de  SarUo  Antonio, 
hoje  Passeio  de  D.  Fernando,  a  21  de  março 
de  1833  por  sentença  da  commissão  mixta, 
com  data  do  dia  antecedente,  como  reus  da 
queima  da  pólvora  da  Murcella,  ou  de  S. 
Martinho  da  Cortiça. 

Esplanemos  este  facto,  porque  prende  com 
Viseu  e  é  muito  importante,  pois  deu  ori- 
gem a  8  mortes  e  a  muitas  prisões  e  cruéis 
perseguições,  que  se  prolongaram  por  muito 
tempo  e  cobriram  de  cinzas,  iueto  e  sangue 
uma  grande  parle  da  Beira. 

Desde  1828  até  1834  os  habitantes  de  Mi- 
dões  sofTrerara  muito  pelas  suas  ideias  poli- 


1  V.  Vnrzrn  da  Cariãf  sa,  tomo  X,  pag, 
214,  col.  2*  9lé  |)Hg.  2í8,  n  \  1.*,  onde  se 
encontra  a  medonlia  hi-toiia  dos  famigera- 
dos BrandÕBi 

2  V.  Covelhs,  tomo  2."  p^g.  430,  col.  2.» 

3  V.  Cortiça,  torno  2°  pag  402,  col 
e  Chorogr.  Mod.  tomo  3.°  pag.  178. 

^  Noie  se  que  algumas  casas  da  povoação 
da  Cortiça  pertencem  à  freatuezia  de  Para- 
della e  as  restantes  à  de  S.  Martinho  da  Cor- 
tiça. 


ticas.  Foram  ali  pronunciados  como  libe- 
raes  84  homens  e  11  mulheres  e,  para  sal- 
varem a  vida,  tiveram  de  homisiar-se  e  vi- 
ver foragidos  pelos  montes  e  por  differentes 
terras. 

Nos  primeiros  dias  do  mez  de  março  de 
1832  estanciavam  elles  por  acaso  junto  da 
povoação  da  Cortiça  (kilometro  42  na  estra- 
da de  Coimbra  a  Celorico  da  Beira)  um  pou- 
co a  montante  da  ponte  da  Murcella,  por  ser 
a  dieta  povoação  também  liberal. 

Aquelle  grupo  de  homisiados  comprehen- 
dia  03  seguintes: 

Antonio  Joaquim,  vulgo  o  Antonio  do  Ar- 
rabalde. 

Antonio  Rodrigues  Brandão,  de  Midões. 

Francisco  Rodrigues  Brandão,  irmão  do 
antecedente  e  pae  do  dr.  Antonio  Soares  de 
Albergaria. 

Manoel  Brandão,  o  Velho,  também  de  Mi- 
dões, pae  do  Irisiemenle  celebre  João  fimn- 
dão  e  tio  dos  dois  Brandões  supra. 

Francisco  de  Sande  Sarmento. 

Felisberto  de  Sande  Sarmento. 

Francisco  Soares  da  Costa  Freire,  de  Tra- 
vanca de  Lagos,  concelho  de  Oliveira  do 
Hospital. 

Joaquim  Antonio  Marques,  da  freguezia  de 
Lobão,  concelho  de  Tondella. 

José  Antunes,  da  Várzea  Negra,  freguezia 
da  povoa  de  Midões,  concelho  de  Tábua,  en- 
tão Midões. 

José  Maria  d' Oliveira,  vulgo  o  Panella  a 
ferver  ff). 

José  Soares  da  Fonseca  Magalhães,  o  Mor' 
gado  de  Midões,  irmão  do  estadista  Rodrigo 
da  Fonseca  Magalhães.  ^ 

Martinho  Alves,  do  Casal  de  Travancinha, 
concelho  de  Ceia. 

No  fim  da  tarde  do  dia  4  do  dicto  mez  re- 
ceberam elles  aviso  para  se  acautelarem, 


1  Do  exposto  se  vé  que  este  celebre  esta- 
dista, natural  de  Condeixa,  imha  parentes 
próximos  em  Midões,  pelo  que,  sendo  mi- 
nistro, dispensou  escandalosa  protecção  aos 
famigerados  Brandões,  terror  da  Beira. 

V.  Várzea  da  Candoza,  tomo  X,  pag.  214, 
col.  2."  e  segg.,  nomeadamente  a  pag.  220, 
col.     in  fine. 


VIS 


VIS  1789 


pois  havia  chegado  á  Ponte  da  Murcella,  um 
troço  de  40  voluntários  realistas  que  vinham 
de  Abrantes  eseoltando  um  comboio  de  20 
carros  com  pólvora,  e  por  isso  na  manhã  do 
dia  5  estacionavam  elles  em  uma  eira,  cha- 
mada a  Eira  do  Forno,  a  montante  e  no  alto 
da  povoação  da  Cortiça,  observando  a  estra- 
da; mas  Martinho  Alves  e  José  Maria  de  Oli- 
veira, negociantes  d'azeite,  desceram  à  po- 
voação por  causa  dos  seus  negócios. 

Ao  passar  na  aldeia  da  Cortiça  o  comboio 
que  se  dirigia  para  Viseu,  Almeida  ou  La- 
mego, um  dos  carreiros,  vendo  e  conhecen- 
do o  José  Maria  d'01iveira,  disse  para  os 
soldados  da  escolta:— a/í  estáum  malhado^. 
Tanto  bastou  para  que  a  escolta  se  precipi- 
tasse sobre  elle  e  sobre  o  Martinho  e,  gri- 
tando por  soceorro,  acudiram  logo  os  outros 
companheiros,  que  estavam  a  pequena  dis- 
tancia. Travou-se  lueta  e,  trocados  alguns 
tiros,  não  obstante  a  superioridade  numérica 
dos  voluntários  realistas,  foram  estes  todos 
aprisionados,  incluindo  o  commandante,  que 
era  um  sargento. 

Proseguindo  o  comboio,  escoltado  apenas 
por  2  liberaes,  quando  chegou  à  Venda  Ci- 
meira, sitio  denominado  também  Poços,  foi 
surprehendido  por  30  voluntários  que,  ha- 
vendo escoltado  outro  comboio  de  pólvora 
na  semana  anterior,  voltavam  para  Abran- 
tes e,  tendo  noticia  da  occorreneia,  dispu- 
nham-se  para  escoltar  e  defender  o  novo 
comboio. 

Um  homem  da  dieta  povoação  da  Venda 
Cimeira  foi  à  Cortiça  avisar  os  liberaes.  Mar- 
charam logo  estes  contra  a  nova  força  rea- 
lista; batendo  a  de  frente  e  de  flanco,,  pose- 
ram-na  em  debandada;  em  seguida  fizeram 
avançar  o  comboio  para  um  descampado  dis- 
tante cerca  de  400  metros  da  povoação;  des- 
carregaram toda  a  pólvora  dos  vinte  car- 
ros ..)— fizeram  um  rastilho  e  lança- 
ram-lhe  o  fogo,  sendo  lai  a  explosão  que 
tremeu  a  terra  até  grande  distanciai 


1  Os  realistas  denominavam  malhados  os 
constitucionaes— e  estes  por  seu  turno  de- 
nominavam corcundas  os  realistas. 

VOLUMB  XI 


Ficaram  os  liberaes  muito  contentes,  mas 
em  breve  mudaram  de  semblante,  porque 
rapidamente  chegaram  ao  dicto  local  as 
guerrilhas  d'Arganil  e  com  os  voluntários 
que  tinham  debandado  correram  em  perse- 
guição dos  liberaes.  Poseram-se  logo  estes 
em  faga  e,  perseguidos  de  perto  por  grande 
espaço,  tiveram  de  atravessar  o  Mondego  e 
refugiarem-se  nas  proximidades  de  Coim- 
bra, nos  Fornos,  Alearraque  e  quinta  da 
Zombaria,  onde  os  seus  correligionários  lhes 
deram  acoitamento;  mas,  julgando-se  ali 
pouco  seguros,  passados  poucos  dias  volve- 
ram para  as  proximidades  de  Midões,  o  que 
não  obstou  a  serem  logo  presos  junto  do  lo- 
cal do  conflicto  Francisco  de  Sande  e  José 
Maria  d'01iveira,  com  outros  muitos  que  por 
infelicidade  os  realistas  ali  encontraram  no 
momento. 

Foram  lambem  logo  presos  na  Cortiça 
Felisberto  de  Sande  e  Antonio  Joaquim,  o 
do  Arrabalde,  por  não  quererem  afastar-se 
das  suas  famílias. 

Para  activarem  a  perseguição  em  breve  se 
juntaram  aos  voluntários  realistas  d' Arga- 
nil as  ordenanças  de  Penacova,  L9U?ã  e  Pe- 
nella  e  alguma  infanteria  e  cavallaria  de 
Coimbra.  A  devastação  pelo  saque  e  pelo 
incêndio  pairou  sobre  as  aldeias  que  circun- 
dam a  serra  de  Sanguinheda  e  aos  maus 
tratos  seguiu-se  a  prisão  de  muitas  pessoas 
que  foram  enviadas  para  as  cadeias  d' Arga- 
nil, Mortágua  e  Coimbra  e  d'e8tas  para  a  de 
Viseu,  onde  a  commissão  mixta  condemnou 
á  morte  os  8  infelizes,  mencionados  supra, 
que  foram  fuzilados  pelas  milieias  de  San- 
tarém, sendo  o  cadáver  do  Padre  Antonio 
Maia  sepultado  na  capella  de  S.  Martinho  e 
03  restantes  no  cemitério  do  hospital  pró- 
ximo. 

O  delieto  da  queima  da  pólvora  foi  grave, 
mas  a  pena  foi  excessiva  e  alguns  dos  indi- 
víduos fuzilados  estavam  innoeentes,  taes 
foram  o  Padre  Maia  e  Antonio  Homem  de 
Figueiredo  e  Sousa,  pois  tinham  sido  envia- 
dos ao  local  do  conflicto  pelo  Padre  Antonio 
I  Franco  de  Miranda  e  Abreu,  prior  de  S. 
i  Martinho  da  Cortiça,  e  pelo  padre  Luciano 

ii3 


1790  VIS 


VIS 


José  Pereira  da  Maia,  vigário  de  Coja  (en- 
lào  homisiados  em  Paio  Velho,  junto  a  Fa- 
rinha Podre)  para  que  obviassem  á  destrui- 
ção da  pólvora.  Como  lá  foram  vistos,  jul-  ' 
garara-nos  cúmplices. 

Também  são  considerados  ainda  hoje  in- 
noeentes  Francisco  Homem  da  Cunha  e  seu 
irmão  Guilherme  Nunes  da  Silva,  pois  nào 
tomaram  parte  na  queima  da  pólvora. 

As  balas  da  descarga  vararam  e  mataram 
instantaneamente  aquelles  infelizes,  deixan- 
do incólume  o  Francisco  Homem  da  Cunha, 
mas  o  commandante  da  força  mandou  dar- 
lhe  um  tiro  em  um  ouvido ! . . . 

Foi  também  preso  José  Homem,  irmão 
d'aquelles  dois  desgraçados  e  teria  a  mesma 
sorte,  se  o  rev.  bacharel  Francisco  de  Le- 
mos da  Cunha,  seu  lio  paterno,  então  paro- 
cho  encommendádo  em  S.  Martinho  da  Cor- 
tiça, lhe  não  passasse,  como  passou  (dizem) 
uma  certidão  de  idade,  diminuindo-lhe  3 
mezes,  para  que  não  tocasse  os  17  annos  e 
assim  se  livrasse,  como  livrou  da  pena  ul- 
tima. 

O  pae  d'aquelles  infelizes— Bernardo  Ho- 
mem da  Cunha— desde  antes  d'aquelle  con- 
flicto  jazia  nas  cadeias  d'Almeida  e,  quando 
respirou  a  liberdade  em  1834,  depois  da 
convenção  d'Evora-Monte,  encontrou  as  ca- 
sas reduzidas  a  cinzas,  os  dois  filhos  e  um 
con-cunhado  (Antonio  Homem  de  Figueire- 
do) fuzilados— e  a  esposa  também  já  na  se- 
pultura!... 

Aquelles  8  infelizes  não  foram  as  únicas 
victimas  da  queima  da  pólvora,  pois  outras 
muitas  pessoas— (homens  e  mulheres)— fo- 
ram presas,  fallecendo  algumas  na  cadeia  e 
jazendo  outras  em  ferros  no  grande  deposito 
de  Lamego  até  á  convenção  d'Evora-Monte. 

A  isto  se  reduz  o  que  se  lê  nas  Memorias 
do  sr.  dr.  Antonio  Luiz  de  Sousa  Henriques 
Seeco,  pag.  438  a  447, 

Fecharemos  este  lúgubre  tópico  dizendo 
que  foram  ao  todo  2o  os  indivíduos  justiça- 
dos em  Viseu  pela  commissão  mixta  de  ne- 
fanda memoria  e  que  em  1836  foram  tras- 
ladados os  restos  mortaes  d'aquelles  infeli- 
zes para  um  mausoléu  nos  claustros  da  Sé 
com  grande  apparato,  em  seguida  a  pompo- 
sas exéquias  celebradas  na  mesma  Sé. 


A  convenção  d'Evora-Monie  (Í26  de  maio 
de  1834)  ou  a  queda  do  governo  realista  poz 
termo  aos  grandes  excessos  que  ainda  hoje 
conspurcam  a  memoria  d'âquelh  partido  e 
que  ajudaram  a  enterral-o;  mas  seguiram-se 
outros  muitos  excessos, — roubos,  incêndios^ 
ferimentos,  espancamentos  e  mortes,— pra- 
ticados pelos  liberaes  e  que  enlutaram  e 
aterraram  por  muito  tempo  o  nosso  paiz.  i 

Á  sombra  da  bandeira  azul  e  branca  se 
reuniram  em  seguida  á  convenção  muitos 
liberaes  in  nomine,  ou  anles  salteadores  que, 
a  pretexto  de  represálias  sobre  os  realistas, 
insultavam,  roubavam  e  matavam  quem  ti- 
nha alguma  coisa  de  seu. 

A  um  despotismo  succedeu  outro  despo- 
tismo. A  convenção  d'Evora-Monte  foi  es- 
candalosamente falseada — e  a  segurança  pu- 
blica foi  um  termo  vão  muito  tempo. 

Mesmo  no  Porto  e  em  volta  do  Porto  se 
formaram  quadrilhas  de  salteadores,  que  pra- 
ticaram grandes  excessos  em  seguida  à  con- 
venção, e  ainda  hoje  ali  se  apontam  como 
chefes  d'aquelles  bandos  de  communistas 
certos  senhores  que  haviam  militado  nas  fi- 
leiras de  D.  Pedro. 

Na  própria  cidade,  no  concelho  e  no  dis- 


1  Mercê  de  Deus,  não  me  cegam  as  pai- 
xões poliiicas — e  hei  de  dizer  a  verdade, 
como  me  cumpre, — dôa  a  quem  doer,  pois 
não  escrevo  para  os  liberaes  nem  para  os 
realistas,  mais  para  o  publico. 

Bem  quizera  não  magoar  pessoa  alguma, 
mas  n'este  tópico  ó  absolutamente  impossi- 
vel,'porque  devo  registrar  como  factos  im- 
portantes que  foram  os  excessos  praticados 
pelos  realistas  e  pelos  liberaes,  —  partidos 
oppostos,  intranzigentes,  que  ainda  hoje  só 
vêem  virtudes  nos  seus  e  culpas  e  defeitos 
nos  contrários,  em  qnanto  que  uns  e  outros 
delinquiram. 

Eu  bem  sei  que  censurando  os  realistas, 
estes  não  me  perdoam  e  exultam  os  libe- 
raes,—  e  censurando  os  liberaes,  estes  me 
detestam  e  exultam  os  realistas.  Alem  d'isso 
tenho  relações  em  um  e  outro  campo  e  devo 
attenções  e  finezas  a  liberaes  e  realistas,  mas 
não  posso  nem  devo  falsear  a  historia.  Des- 

,  culpem.  '- 

I    Amicus  Flato,  sed  magis  arnica  veritasí.. 


VIS 


VIS  1791 


triclo  de  Viseu  se  praticaram  muitos  exces- 
sos de  toda  a  ordem  também. 

Ao  9ul  d'este  distrieto  tornaram-se  triste- 
mente celebres  os  Brandões  de  Midões  e  o 
€aca  (Antonio  de  Sousa  Macário)— vergo- 
nha e  terror  da  Beiral 

V.  Várzea  da  Candoza  n'e8te  diccionario 
— e  as  Memorias  do  sr.  dr.  Henriques  Sec- 
-co,  pag.  181  a  226. 

A  N.  e  N.  E.  d'este  distrieto  flzeram  pen- 
dant  com  os  Brandões  de  Midões  os  celebres 
Marçaes  de  Foscôa,  desde  a  raia  da  Hespa- 
nha  até  Provezende  e  Rezende,  onde  saquea- 
ram duas  freguezias  inteiras  e  incendiaram 
13  casas  ?  I . . . 

V.  Provezende  e  Villa  Nova  de  Foscôa, 
tomo  XI,  pag.  843— e  na  collecção  do  Na- 
cional (n."  145  de  27  de  junho  de  1849)  os 
artigos  firmados  pelo  dr.  Antonio  Ferreira 
Ponfes,  então  administrador  do  concelho  de 
Moncorvo  e  correligionário  dos  Marçaes. 

Ali  se  encontra  uma  lista  com  os  nomes 
das  pessoas  assassinadas — e  outra  com  os 
nomes  das  pessoas  espancadas  e  feridas  por 
elles;— outra  lista  com  os  nomes  das  pes- 
soas que  ao  tempo  andavam  homisiadas  por 
causa  d'elles,— e  outra  lista  indicando  os 
roubos  principaes  por  elles  praticados. 

Todas  as  4  listas  estão  assignadas  pelo 
mencionado  dr.  Pontes  e  reconhecidas  por 
um  tabeJlião,  mas,  sendo  administrador  de 
Moncorvo,  teve  de  fugir  para  Lisboa,  aliás 
seria  victim^,  porque  os  Marçaes,  ainda  an- 
tes da  publicação  do  libello  accusatorio,  já 
Unham  ido  com  o  seu  batalhão  de  voluntá- 
rios ^  á  própria  villa  de  Moncorvo,  onde  elle 
era  administrador,  procural-o  para  o  mata- 
rem, pelo  facto  d'elle  (honra  lhe  sejal)  não 
lhes  entregar  os  habitantes  de  Foscôa  que 
andavam  homisiados  no  dicto  concelho. 

Os  Marçaes  eram  filhos  de  Villa  Nova  de 
Foscôa,  distrieto  da  Guarda,  mas  foram  tam- 
bém o  terror  e  açoute  dos  concelhos  da  Pes- 
queira, Taboaço,  Armamar,  Lamego,  Rezen- 


1  Era  uma  guerrilha  ou  antes  quadrilha 
de  300  a  400  malfeitores?! . . . 


de,  Tarouca  e  Mondim,  pertencentes  ao  dis- 
trieto de  Viseu. 

Também  praticou  muitos  excessos  á  som- 
bra da  bandeira  liberal  a  medonha  quadri- 
lha de  salteadores,  capitaneada  pelo  celebre 
Cavallaria  de  Santo  Adrião  e  pelos  dois  ir- 
mãos Vasques  da  Regoa,— quadrilha  que  se 
formou  em  seguida  á  convenção  d'Evora- 
Monte  e  que  assolou  os  concelhos  de  Arma- 
mar, Taboaço  e  Moimenta  da  Beira. 

Roubavam,  espancavam  e  matavam  im- 
punemente mesmo  de  dia  ?! . .  • 

De  dia— e  em  um  dia  de  /eíVfl,— assalta- 
ram na  villa  d'Armamar  o  palacete  do  ge- 
neral José  Cardoso— e  no  meio  da  feira  ali 
assassinaram  um  pobre  homem,  sem  que  as 
aucioridades  se  atrevessem  a  prendel-os,  por 
terem  sido  (os  taes  3  chefes)  militares  do  sr. 
D.  Pedro  IV  no  cerco  do  Porto. 

V.  Romão  (S.)  tomo  8.»  pag.  236,  col.  i."; 
—  Santo  Adrião  no  mesmo  vol.  pag.  296— e 
o  pequeno  livro  Maria  Coroada  (Porto,  1879) 
pag.  131  a  140. 

Foram  também  terror  e  açoute  d'este  dis- 
trieto no  concelho  de  Moimenta  da  Beira  os 
Andrades;  no  mesmo  concelho  e  no  de  Cer- 
nancelhe  o  Pires  da  Rua,  que  por  ultimo  foi 
enforcado,  como  já  dissemos  no  art,  Vide, 
aldeia,  tomo  X,  pag.  652,  col.  1.»;  nos  mes- 
mos concelhos  o  celebre  Espadagão  de  Cer- 
nancelhe,  natural  de  Tabosa  das  Amas;* 
nos  concelhos  de  Taboaço,  Armamar  e  Pes- 
queira os  Leaes  de  Longa  ^;  nos  concelhos 
d'Ar mamar  e  Taboaço  o  Traquina  da  Gran- 
ja do  Tedo;  ^  nos  de  Tarouca  e  Mondim  os 
Sás  da  Ucanha— e  finalmente  no  de  Lamego 
os  músicos  da  Penajoia. 

Tendo  aquella  populosa  freguezia  desde 
tempos  muito  remotos  um  mestre  régio  de 
latim  e  distando  de  Lamego  apenas  5  a  6  ki- 


1  V.  Valença  do  Douro,  tomo  X,  pag.  109, 
col.  2.» 

2  V.  Valença  do  Douro,  tomo  X,  pag.  108, 
col.  2.»  e  segg. 

3  V.  Valença  do  Douro,  tomo  X,  pag.  105, 
col.  2.»  e  segg. 

Veja-se  também  o  pequeno  livro  Maria 
Coroada. 


1792 


VIS 


lometros,  ali  estudavam  o  latim  e  em  Lame- 
go se  ordenavam  muitos  filhos  d'ella.  Pelos 
annos  de  1836  a  1838  os  taes  meninos  for- 
maram uma  philarmoniea,  espécie  de  banda 
marcial,  e  tanto  se  apaixonaram  por  ella,  que 
abandonaram  os  estudos  e  tractavam  só  de 
festas  e  folias,  mas,  como  nem  todos  dispu- 
nham de  meios  e  todos  gostavam  da  vida  ai- 
rada,  muniram-se  de  clavinas  e  transforma- 
ram-se  em  uma  medonha  quadrilha  de  sal- 
teadores. 

Roubaram  diíTerentes  casas  e  igrejas,— 
incluindo  a  da  $ua  própria  freguezid,—e  as- 
sassinaram diíferentes  pessoas. 

A  principio  ninguém  suppunha  que  elles 
fossem  salteadores,  porque  eram  todos  bem 
educados, —apresentavam-se  muito  bem,— 
tocavam  admiravelmente— e  alguns  perten- 
ciam a  boas  famílias,  mas  desmascararam- 
se  e  um  bello  dia  foram  quasi  todos  presos; 
muitos  falleceram  nas  cadeias  e  outros  na 
Africa. 

D'aquelle  lanço  de  rede  escaparam  ape- 
nas 3,  que  eu  muito  bem  conheci  I . . . 

O  ultimo  falleceu  em  1887,  deixando  uma 
.  fortuna  avaliada  em  50  a  60  contos  de  réis  (?) 
tendo  sido  muitos  annos  a  primeira  influen- 
cia eleitoral  do  circulo  de  Lamego,  vereador, 
procurador  â  junta  geral  doeste  districto—e 
commendador?! . . . 

Na  celebre  musica  tocava  clarinete  e  foi  o 
mais  feliz  da  malta,  sendo  m  illo  tempore 
talvez  o  mais  pobre  do  bando. 

Bispado  de  Viseu  i 

É  muito  antigo  este  bispado,  quer  date  do 
século  III,  como  diz  o  Padre  Sousa  (V.  pag. 
1S95,  col.  1."  e  1710,  col.  1.»  também)— quer 
date  do  see  vi,  como  nós  dissemos.  ^ 

Já  faltámos  dos  seus  bispos;  agora  falia 
remos  da  sua  circumscripção  antiga  e  mo 
derna. 


1  Para  evitarmos  repetições,  veja-se  n'e8te 
artigo  o  nosso  Catalogo  chronologico  dos  bis- 
pos visienses,  pag.  1589,  col.  2.^  a  1634  col 
1.»  e  segg. 

2  V.  pag.  1591,  col.  2.»  e  1598,  col.  1.* 


VIS 

o  documento  mais  antigo  qiie  temos  so- 
bre o  assumpto  é  o  concilio  de  Lugo,  cele- 
brado no  anno  de  569,  em  tempo  de  Theo- 
domiro,  rei  suevo,— concilio  de  que  apenas 
chegaram  até  nós  alguns  fragmentos,  lodos 
bastante  alterados  pelos  copistas,  i 

D'aquelles  fragmentos  um  traeta  da  divi- 
são dos  bispados  suevos,  eomprehendendo 
Coimbra,  Manha  (hoje  Guarda)  Lamego  e 
Viseu.  Existe  nraa  copia  do  dieto  fragmenta 
no  arehivo  da  Sé  de  Braga  e  outra  na  col- 
lecção  dos  Concilies  de  Hespanha  por  Loay- 
sa.  Ambos  os  códices  mencionam  os  bispa- 
dos que  pertenciam  em  569  ao  reino  dos 
suevos— e  as  parochias  que  os  constituíam. 
Tracta  também  do  mesmo  assumpto  o  livra 
de  Idacio,  que  Loaysa  e  Morales  dão  por  co- 
pia, mas  em  todos  os  4  códices  ha  divergên- 
cia, suppondo-se  mais  auetorisado  o  de  Bra- 
ga, que  pôde  ver-se  em  Argole,  loc.  cit.  pag. 
849  a  856. 

Ali  se  diz  que  o  bispado  de  Viseu  se  es- 
tendia De  Borga  usque  Sortam,  et  Bonella 
usque  Ventosum.  Não  sabemos  que  limites 
eram  aquelles,  mas  parece  que  deviam  ser 
mais  amplos  que  os  actuaes,  porque  ao  bis- 
pado de  Viseu  pertenciam  então  as  8  paro- 
chias seguintes:— Fwew,  Rodomiro  ou  Ro- 
promiro,  Submoncio,  Subverbeno,  Cosonia  ou 
Ousania,  Ovelione  ou  Ovelhione,  Totella  ou 
Toleta  (talvez  Tondella)  e  Cahabria,  que  de- 
pois no  tempo  dos  godos  foi  sede  episcopal 
e  se  estendia  até  o  Agueda  (confluente  do 
Douro)  que  hoje  forma  a  linha  de  divisão 
entre  Portugal  e  Hespanha,  desde  as  alturas 
d' Almeida  até  à  Barea  d'Alva. 

V.  Caliabria,  tomo  2.'  pag.  47,  in-fine;  Se- 
nhora do  Campo,  tomo  8.»  pag:  113  e  segg. 
— e  Pinhel,  tomo  6."  pag.  66. 

Berardo  e  Argote,  citando  o  fragmento  da 
concilio  de  Lugo,  existente  na  Só  de  Braga, 
dão  ao  bispado  de  Viseu  n'aquelle  tempo  as 
8  freguezias  supra,  mas  no  texto  do  dieta 
fragmento  transcripto  por  Argote,  alem  d'a- 
quellas  8  freguezias  meneiona-se  a  de  Cole- 


1  V.  Memorias  d' Argote,  tomo  2.°  pag.  6G0 
a  668;  689  a  698;  803  a  808-e  849  a  856. 


VIS 

la  I  Isto  nos  levou  a  dizer  que  eram  9  in  illo 
tmpore  as  freguezias  d'este  bispado,  i 
V.  pag.  1719,  col.  1.»  supra. 
O  bispado  de  Viseu  confinava,  como  hoje, 
ao  norte  com  o  de  Lamego;— ao  sul  com  o 
•Idauha  (Guarda);— aopoente  com  o  de  Coim- 
bra—e  ao  nascente  com  o  rio  Agueda.  De- 
pois, no  tempo  dos  godos,  sendo  arvorada 
em  diocese  a  freguezia  de  Caliabria,  perdeu 
a  leste  e  nordeste  ura  vasto  chã%  desde  o 
Agueda— não  sabemos  até  onde.  Berardo, 
como  dissemos  do  tópico  da  Viação  romana 
d'este  districto,  suppoz  que  o  bispado  de  Ca- 
liabria se  estendia  para  0.  até  Lamas  do 
Molledo,  entre  Castro  d'Ayre  e  Viseu,  mas 
nós  não  podemos  aeeeitar  a  opinião  do  sábio 
cónego  pelas  rasões  ali  expendidas. 

Com  a  invasão  dos  mouros  e  destruição 
de  Caliabria  foi  transferida  a  séde  do  seu  bis- 
pado para  Cidade  Rodrigo,  pelo  que  ficaram 
pertencendo  temporalmente  ao  reino  de  Leão 
e  espiritualmente  à  diocese  de  Cidade  Ro- 
drigo as  terras  que  outr'ora  obedeciam  a 
Caliabria  e  anteriormente  a  Viseu. 

Nos  fins  do  see.  xi  (anno  1095)  pelo  casa- 
mento do  conde  D.  Henrique,  pae  do  nosso 
primeiro  rei,  com  a  filha  de  D.  Affonso  VI 
de  Leão,  ficaram  pertencendo  temporalmen- 
te ao  condado  (depois  reino)  de  Portugal,  as 
terras  da  margem  esquerda  do  Côa— e  espi- 
ritualmente aos  bispados  de  Lamego  e  do 
Yigeu— terras  que  nas  proximidades  do  Côa 
talvez  tivessem  pertencido  ao  bispado  de  Ca- 
liabria. 

Depois,  no  tempo  do  nosso  rei  D.  Diniz, 
passou  para  a  coroa  portugueza  a  tempora- 
lidade do  Cima-Coa  ou  das  terras  que  desde 
a  margem  esquerda  do  Agueda  até  à  direita 
do  Côa  haviam  pertencido  a  Caliabria.  Fi- 
nalmente o  nosso  rei  D.  João  I  separou  tam- 
bém da  diocese  de  Cidade  Rodrigo  a  espi- 
ritualidade das  terras  do  Cima- Côa,  unin- 
4o  as  ao  bispado  de  Lamego  e  assim  se  con- 
servaram até  1770,  data  da  creação  do  bis- 
pado de  Pinhel,  que  ficou  comprehendendo 
as  dietas  povoações  e  as  dos  arcyprestados 


1  O  de  Braga  contava  então  30;  o  do  Porto 
23;  o  de  Lamego  6— e  o  de  Coimbra  7?!... 


VIS  1793 

de  Pinhel,  Trancoso  e  Castello  Mendo,  então 
pertencentes  ao  bispado  de  Viseu. 

Exlincto  o  bispado  de  Pinhel  em  1882, 
quasi  todas  as  paroehias  d'elle  passaram  pa- 
ra o  da  Guarda  e  as  restantes  para  o  de  La- 
mego, não  reivindicando  o  de  Viseu  paroehia 
alguma  das  que  em  1770  havia  dado  para  o 
de  Pinhel. 

O  bispado  de  Viseu  foi  ura  dos  que  me- 
nos ganhou  com  a  circumscripção  diocesana 
de  1882.  Apenas  recebeu  do  bispado  de 
Coimbra  as  4  paroehias  seguintes  -.—Santa 
Combadão,  villa  e  séde  do  concelho  do  seu 
nome,  Couto  do  Mosteiro,  S.  Joanninho  e  Vi- 
mieiro, todas  dl)  mesmo  concelho  de  Santa 
Combadão,— e  a  de  S.  Mamede  das  Talhadas 
DO  concelho  de  Sever  do  Vouga,  distrieto  e 
antigo  bispado  d'Aveiro,  extincto  pela  men- 
cionada circumscripção  e  dividido  pelas  dio- 
ceses do  Porto  e  de  Coimbra. 

Em  1838,  segundo  se  lé  na  memoria  que 
Berardo  oíTereeeu  á  camará  de  Viseu  n'a- 
quella  data,  este  bispado  comprehendia  203 
paroehias,  divididas  por  5  arcyprestados  e 
estes  por  16  distrietos  ecelesiasticos  da  forma 
seguinte : 

1.» 

Arcyprestado  do  Aro 

Subdividia-se  em  5  distrietos  ou  arcypres- 
tados menores: 

1.  »— com  13  freguezias; 

2.  " — com  11; 

3.  °— com  9; 

4.  »— com  outras  9; 

5.  » — com  11. 
Total : 

Freguezias,  53. 

Fogos  (n'aquella  data)  13:103'. 
2  o 

Arcyprestado  de  Besteiros 

Subdividia-se  em  3  menores : 

1.  »— com  10  freguezias; 

2.  " — com  11; 

3.  °— com  12. 


1794  VIS 


VIS 


Total : 

Freguezias,  33. 

Fogos  (n'aquella  data)  80:074. 

3.  » 

Arcyprestado  delLafões 

Subdividia-se  em  3  menores : 
i.» — com  15  freguezias; 
â.° — eom  outras  lo; 
3.*— com  14. 
Total  : 

Freguezias,  44. 

Fogos  (n'aqueila  data)  7:313. 

4.  » 

Arcyprestado  de  Mões 

Subdividia-se  em  2  menores: 
1.»— com  11  freguezias; 
2.0— eom  13. 
Total : 

Freguezias,  24. 

Fogos  (n'aquella  data)  3:901 

Arcyprestado  de  Pemverde 

Subdividia-se  em  3  menores: 

1.  ° — eom  17  freguezias; 

2.  » — eom  outras  17; 
3.0— eom  15. 
Total : 

Freguezias,  49. 

Fogos  (n'aquella  data)  6:029. 

Total  geral  em  1838 : 

Arcyprestados  maiores,  5 

Arcyprestados  menores,  16. 

Freguezias,  203. 

Fogos,  38:421. 

Circumsòripção  actual 

Hoje  (1888)  o  bispado  de  Viseu  compre- 
hende  a  população  seguinte :  * 

Freguezias   208 


Sendo  10  pertencentes  aa 
districto  d' Aveiro  (2  ao  conce- 
lho de  Macieira  de  Cambra  e 
8  ao  de  Sever  do  Vouga) ;— 26 
pertencentes  ao  districto  da 
Guarda  (13  ao  concelho  de 
Aguiar  da  Beira  e  outras  13  ao 
de  Fornos  d'AIgodres)— e  172 
pertencentes  ao  districto  de  Vi- 
,  seu:— 6  ao  concelho  do  Carre- 
gal; 8  ao  de  Castro  d'Ayre;  1 
ao  de  Fragoas;  18  ao  de  Man- 
gualde; 6  ao  de  Nellas;  12  ao 
de  Oliveira  de  Frades;  12  aa 
de  Penalva  do  Castello;  7  ao 
de  Santa  Comba-Dão;  3  ao  de 
S.  João  d'Areias;  20  ao  de  S. 
Pedro  do  Sul;  12  ao  de  Sal- 
tam; 23  ao  de  Tondella;  32  aa 
de  Viseu— e  12  ao  de  Vou- 
zella. 

Fogos   56:366 

Almas   246.232 

Vê-se  pois  que  desde  1838  até  1878,  data 
do  censo  a  que  nos  referimos,  como  já  dis- 
semos, o  bispado  de  Viseu  augmentou  em 

freguezias   5 

Em  fogos   17:945 

Em  almas  (a  4  por  fogo)   71:780 

Padres 

Em  virtude  da  exlincção  dos  dizimos,  do 
foro  ecclesiaslico  e  das  ordens  religiosas,  é 
hoje  muito  sensível  n'este  bispado  e  em  todos 
os  do  nosso  paiz  a  falta  de  clero. 

Os  nossos  governos  teem  sido  francos  em 
exigir  do  clero  muitas  habilitações.  Custa 
hoje  talvez  tanto  a  ordenação  como  em  1834 
uma  formatura. 

E'  louvável  a  illusrração  do  clero,  mas  ó 
altamente  revoltante  que  os  nossos  gover- 
nos não  curem  nem  tratem  de  garantir-lhe 
a  sua  independência. 


1  Referimo-nos  ao  censo  de  1878  e  ao 
Mappa  das  Dioceses  de  1882. 


VIS 


VIS  1795 


Para  o  serviço  publico  equiparam  os  pa- 
rochos  aos  outros  funeeionarios,  mas  não  os 
equiparam  nos  vencimentos. 

Emquanto  que  nas  nossas  alfandegas  e  em 
outras  repartições  publicas  nós  vemos  bata- 
lhões de  indivíduos,  muitos  d'elles  sem  exa- 
me de  instrucção  primaria,  (?)  ganhando 
500:000  réis  e  1  e  2  contos  de  réis  por  an- 
no,  cora  serviço  nominal  das  9  horas  às  3 
da  tarde,  flaneando  éscandalosameute,  — a 
maior  parte  dos  nossos  parochos  não  apura 
200:000  réis  por  anno  —  e  muitos  nem  ao 
menos  100:000  réis! 

Tiraram-lhes  os  dízimos  em  1834  e  pro- 
metteram-lhes  uma  dotação,  mas  até  hoje 
não  lh'a  deram.  O  nosso  clero  —  em  geral — 
é  pobre  e  muito  pobre,  pelo  que  os  padres 
hoje  rareiam  muito  em  todo  o  nosso  paiz  e 
tanto  que  muitos  parochos  teem  a  seu  car- 
go 2  freguezias  e  celebram  nos  domingos  e 
dias  santificados  2  missas,  com  auctorisação 
superior. 

Hoje  toda  a  cidade  de  Viseu  apenas  tem 
28  presbyteros;  as  5  freguezias  annexas  con- 
tam apenas  7  presbyteros  e  todo  o  bispado 
42o,  estando  muitos  d'elles  já  decrépitos  e 
completamente  inutilisados. 

O  seu  cabido,  outr'orâ  tão  numeroso,  pô- 
de dizer-se  extincto,  pois  conta  apenas  2  có- 
negos,— um  já  decrépito — e  outro  demen- 
te... 1  Não  escasseiam  porém  as  habilita- 
ções e  o  merecimento  nos  presbyteros  d'este 
bispado.  Entre  elles  occupa  um  logar  dis- 
tineto  o  muito  reverendo 

João  Rodrigues  Xavier 

Nasceu  em  11  de. dezembro  de  1850  na 
povoação  de  Paranho,  freguesia  de  Caparro- 
sa, concelho  de  Tondella,  n'este  bispado  de 
Viseu.  Tem  o  curso  iriennal  de  theologia;  or- 
denou-se  em  1877;  foi  parocho  encommen- 
dado  na  freguesia  de  S.  João  do  Monte,  no 
dito  concelho  de  Tondella;  em  1874  foi  no- 


1  V.  pag.  1588,  col.  2.»  m  fine.  O  meio  co- 
íie^o— Sebastião  Pereira  de  Figueiredo  Quei- 
roz—falleceu  em  janeiro  de  1888,  contando 
85  annos  de  idade. 


meado  prefeito  do  seminário  diocesano,  mis- 
são que  exerceu  distinctamente,  prestando 
relevantes  serviços  na  administração  dos  ca- 
pitães, bens  e  foros  da  casa,  pondo  em  or- 
dem a  cobrança  das  rendas,  etc. 

Em  setembro  de  1884  foi  nomeado  secre- 
tario e  capellão  de  s.  ex.»  reverendíssima, 
e  em  outubro  do  mesmo  anno  foi  nomeado 
thesoureiro  e  administrador  da  bulia  da  San- 
ta Cruzada  na  diocese,  missões  que  exerceu 
coDjunctamente  com  aquellas. 

Em  9  d'outubro  de  1885  toi  collado  vigá- 
rio na  freguezia  do  Barreiro,  mas  logo  se  fez 
substituir  por  um  encommendado  idoaeo, 
para  não  deixar  o  serviço  do  paço  episcopal 
visiense,  continuando  a  merecer  a  confian- 
ça do  seu  ex.""  prelado. 

É  um  presbytero  de  singular  merecimento 
e  de  exemplar  comportamento,  —  muito  il- 
lustrado,  muito  afável,  muito  piedoso  e  ge- 
ralmente bem  quisto. 

É  também  um  presbytero  de  muito  mere- 
cimento e  muito  piedoso  o  reverendo  Antonio 
Ferreira  d' Almeida,  digníssimo  secretario 
da  camará  ecclesiastica,  dono  e  fundador  da 
formosa  capella  de  Nossa  Senhora  e  dosan- 
tissimo  Coração  de  Jesus. 

V.  pag.  1560,  col.  2.»  n."  13. 

Provinda  da  Beira  Alta 

Viseu  é  também  capital  da  provinda  da 
Beira  Alta,  uma  das  8  em  que  desde  1834  se 
divide  o  nosso  paiz.  São  ellas:  —  Algarve, 
Alemtejo,  Estremadura,  Beira  Alta,  Beira 
Baixa,  Douro,  Minho  e  Traz  os  Montes. 

Desde  os  princípios  da  nossa  monarchia 
as  províncias  de  Portugal  eram  5:  — -  Alem- 
tejo, Beira,  Estremadura,  Minho  e  Traz  os 
Montes.  Em  1250  addieeionou-se-lhes  a  do 
Algarve  e  assim  permaneceram  em  numero 
de  6  até  que  em  1834  se  creou  a  província 
do  Douro,  comprehendendo  o  diítricto  do 
Porto,  que  era  da  província  do  Minho,-- e 
os  de  Aveiro  e  Coimbra,  que  pertenciam  a 
província  da  Beira,--e  dividiu-se  a  parte 
restante  d'e8ta  província  em  duas:— Beiro 
Alta  8  Beira  Baixa,  nomes  que  tomaram— 
não  da  differença  da  altitude,  pois  a  Beira 


1796  VIS 


VIS 


Baixa  comprehende  á  serra  da  Estrella,  que 
é  a  maior  e  mais  alta  do  dosso  paiz, 

Suppomos  que  deram  às  duas  províncias 
os  nomes  de  Beira  Alta  e  Beira  Baixa,  por 
comprehenderem— a  1.*  a  parte  norte— e  a 
2.*  a  parte  sul  da  antiga  província  da  Beira, 
posto  que  a  Beira  Baixa  também  toca  no 
Douro  ou  na  linha  que  anteriormente  limi- 
tava a  N.  (de  E.  a  O.)  a  província  da  Beira. 

A  Beira  Baixa  comprehende  os  districtos 
da  Guarda  e  Castello  Branco;— a  Beira  Alia 
comprehende  unicamente  o  districto  de  Vi- 
seu e  por  isso,  para  evitarmos  repetições, 
veja-seo  topko  snpTà— Districto  de  Viseu, — 
onde  se  encontram  indicados  os  limites,  a 
população,  o  clima,  as  producções,  rios, 
montanhas,  etc.  da  província  do  Beira  Alta- 

Vejam-se  também  os  artigos  Beira,  tomo 
2.',  pag.  357,  col.  2/;— e  Lusitânia,  tomo 
4.°  pag.  498,  col,  1.»  e  2.'— no  fira  do  artigo, 
— e  Douro,  (província)  tomo  2.",  pag.  481. 
in  fine. 

Viseu  é  também  séde  da  2.»  divisão  mili- 
tar, que  tem  n'e8ta  província  2  regimentos 
de  infanteria: — n."  14  na  cidade  de  Viseu  — 
e  n."  9  na  de  Lamego; — mais  infanteria  12 
na  Guarda,  21  na  Covilhã,  23  em  Coim" 
bra,  24  em  Penamacor,  e  íinalmente  caval- 
laria  8  em  Castello  Branco  e  cavallaria  10 
em  Aveiro. 

Etymologia  do  nome  d'esta  provinda 

É  muito  nebuloso  este  tópico  e  até  hoje 
ninguém  o  explicou  nem  nós  nos  atrevemos 
a  explical-o  satisfaturíamenle.  O  meu  ante- 
cessor apfoas  o  tocou  muito  de  leve  no  ci- 
tado artigo  Beira,  mas  d'elle  se  occuparam 
mais  detidamente  Fr.  Bernardo  de  Çríto, 
Argole  e  o  dr.  Botelho,  principalmente  este 
ultimo. 

O  1.°  na  sua  Geographia  antiga  da  Lusi- 
tânia diz  textualmente  o  seguinte:. 

tHe  tão  nomeada  em  Poriugal  a  comarca 
da  Beira,  e  ião  poueo  sabida  a  origem  do 
seu  nome,  que  mil  vezes  me  desvelley  pela 
saber,  e  só  em  Alladio,  e  nas  annolações  do 
Bispo  Pinheiro  achey  algum  rasto  do  que 
buscava,  porque  dizem  que  os  povos  Biro- 


nes,  que  Strabão  pòe  junto  aos  Celtiberos, 
entrarão  pella  Lusytania  em  tempo  de  im- 
perador Tibério,  e  povoarão  hua  parte  delia, 
donde  infere  o  Bispo,  que  a  província  em 
que  viverão  teve  o  nome  Beria,  e  depois 
Beira,  e  os  Berones  pello  discurso  do  tempo, 
víerão  com  piquena  corrupção  a  se  chamar 
Beirões.  Mas  esta  conjectura  não  tem  mais 
Authores  por  si,  dado  que  seja  muy  boa,  e 
eu  a  tenha  por  muy  vezinha  da  verdade: 
mas  por  agora  flque  esta  província  metlida 
era  mãos  dos  Turdulos  antigos,  té  que  na 
Segunda  Parte  d'esta  obra  acabemos  de  ave- 
riguar a  certeza. I  ^ 
Eal  não  disse! 

Argote  nas  suas  Memorias  de  Braga,  tomo 
1."  pag.  449  e  450,  dissertando  sobre  o  local 
da  cidade  de  Numancia,  diz; 

tO  segundo  argumento  de  que  se  valem 
os  que  pretendem  fosse  a  antiga  Numancia 
no  sitio  de  Numão^,  he,  que  aquella  famosa 
cidade  estava  entre  os  povos  chamados  Be- 
rones conforme  a  descreve  Ptolomeu  na  se- 
gunda Tábua  da  Europa,  capítulo  sexto, 
pag.  45.  Mas  esta  razão  está  tão  longe  de  fa- 
vorecer esta  opinião,  que  antes  a  destroe, 
porque  Ptoloraeo  alli  descreve  as  cidades  de 
huns  povos  chamados  Berones,  que  fieavão 
junto  aos  Autrigones,  que  erão,  ou  em  Bis- 
caya,  ou  alli  perto.  Nem  Ptolomeo  na  verda- 
de situa  Numancia  entre  os  taes  povos  Be- 
rones, mas  entre  os  Apevacos,  e  destes  diz 
que  fieavão  abaixo  dos  Pelendones.,  e  Bei'o- 
nes. . . — e  os  Pelendones  e  Berones  erão  po- 
vos que  fieavão  na  Hespanha  Tarraconense 
e  Cilerior;  e  junto  ao- nascimento  do  rio 
Douro  03  Pelendones,  diz  Plínio,  livro  4.° 
eap.  20;— os  Bellones  junto  aos  Cantabros, 
como  diz  Estrabo  no  livro  3.°  Nem  os  povos 
que  habitavão  a  nossa  província  da  Beira, 
se  chamavão  naquelle  (empo  Berones,  mas 
sim  Vettones,  ainda  que  Florião  do  Campo, 
1.  2."  cap.  10,  dá  a  entender  que  algumas 
vezes  os  chamavão  Berones.* 

Foi  isto  o  que  escreveu  Argote  em  1732; 


1  Monarch.  Lusit.  tomo  1.'  pag.  570,  col. 
I  2." 

I  2  V.  Numão  n'este  diccionario,  tomo  6.* 
1  pag.  178,  col.  l.«  e  segg. 


VIS 


VIS  1797 


vejamos  agora  o  que  era  1630  e  1631  (um 
século  ames)  havia  eseripto  o  dr.  Manoel 
Botelho  Ribeiro  visiense,  que  foi  quem  até 
hoje  tratou  melhor  a  questão : 

No  sevL  Dialogo  1.»  cap.  18,  pag.  97  a  101 
(codiee  de  Girabolhos)  —  depois  de  citar  a 
opinião  de  Fr.  Bernardo  de  Brito,  exposta 
supra:— que  esta  província  tomou  o  nome 
de  Beira,  depois  que  a  invadiram  os  Bero- 
nes,—áiz  que  ella  lomou  o  nome  dos  Veto- 
nes,  seus  antigos  habitantes,  pela  mudança 
do  Fem  B—e  do  Tem  B.—o  que  julga  na- 
turalíssimo, imaiormente  (diz  elle)  quando 
alettra  B  he  mais  familiar  na. nossa  lingoa, 
e  na  dos  mouros  que  o  V:  e  inda  hoje  (re- 
fere-se  ao  seu  tempo,  1630  a  1636)  entre  a 
gente  rústica  e  galega  nada  se  «pronuncia 
com  V.  Por  vós  dizem  bós;  por  varanda, 
baranda;  por  virote,  birote;  por  valle,  baile... 

»08  mouros,  em  cujo  tempo  se  corrompeo 
a  maior  parte  dos  vocábulos,  e  nomes  de 
Hespanha,  sempre  foram  mais  aff^eiçoados  á 
lettra  B,  pelo  que  tem  de  brutos  (?).  Por  pec- 
cado  dizem  becado,  por  vilão,  bilão,  etc.  Co- 
mo ehamarião  pois  aos  Vetones  senão  Be- 
nes?  E  se  se  chamavão  Vergones,  que  por  es- 
tes nomes  se  achão,  como  dirião,  senão  Ber- 
gonesi  E  tirando  o  g  que  nesle  nome  parece 
que  vai  puxado,  como  diriào,  senão  Berões 
e  Berones?  E  nós,  apurada  a  lingoa,  e  cor- 
rupto o  nome,  chamamos  lhe  Beirões,  ac- 
crescentando  hum  i. 

tHe  tão  familiar  a  lettra  b  em  os  beirões, 
que  até  os  meninos,  quando  começão  a  fal- 
lar,  e  pedir  agoa,  dizem  abua,  mudando  o 
g  em  b,—e  outros,  tiraodo  lhe  o  primeiro  a, 
dizem  bua,  mudando  og  emb.  Desta  manei- 
ra perdião  o  g  dos  Vergones  e  o  v  mudado 
em  b,  como  era  forçado  em  a  nossa  antiga 
lingoa,  6  na  dos  mouros,  ficava  Berones,  e 
dahi  Beroes  ou  Beirões,  como  hoje  se  cha- 
mão. 

«Não  vos  espante  esta  corrupção,  nem 
mudança  difficuUosa,  que  vos  darei  outros 
exemplos  de  nomes,  que  nem  semelhança 
tem  do  que  forão. 

«Quem  dirá  que  Gerabrica  se  mudou  em 
Alemquer;  Taladrica  em  Cacia,  no  rio  Vou- 


ga; Solaria  em  Alcácer  do  Sal;  Tubucia  em 
Abrantes;  Quatraleucos  em  Portalegre;  Men- 
deculia  em  Montalvão;  Landobry  emBerlen- 
gas. . .  Equa  Bona  em  Coina,  etc. 

«O  rio  Távora  primeiro  se  chamou  Tabra 
com  b.  Assim  era  fácil,  e  provável  que  os 
Vetones,  ou  Vergones  se  mudassem  em  Be- 
rones pelos  mouros,  ou  na  nossa  lingua  an- 
tiga, e  como  costumavão  sempre  abreviar, 
d'ahi  se  mudou  em  Berões,  e  depois  em 
Beirões. » 

Depois  diz  que  os  Vetones  eram  povos  da 
Lusitânia  que  comprehendiam  na  sua  juris- 
dição os  Vacceos,  os  Pesures  d' alem  da  Ser- 
ra da  Estrella,  Cidade  Rodrigo,  Salamanca 
e  muitas  outras  terras  e  povoações  até  o  rio 
Tejo,  citando  Plinio,  Strabão  e  Ptolomeu.  E 
á  observação  dos  que  dizem  que  os  mencio- 
nados autores  parece  collocarem  aquelles 
povos  na  Estremadura  e  Cima  Côa,  respon- 
de que  elles  situam  a  cidade  de  Lamego  en- 
tre os  Vetones;— qne  tão  longe  está  Lamego 
da  Estremadura  como  Viseu— e  que  os  an- 
tigos geographos  conheceram  mal  esta  pro- 
víncia, por  ser  montanhosa  e  pobre  e  pouco 
frequentada  des  romanos,  amigos  de  senho- 
rear poderosos  e  ricos,— *e  com  haver  nas  his- 
torias romanas  muita  menção  de  guerras 
com  os  lusitanos,  todas  se  achão  nas  partes 
do  Alemtejo,  porque  é  tgrra  chã,e  esta  nos- 
sa (da  Beira)  apparelhada  a  ciladas,  de  que 
usavão  os  lusitanos,  que  pelejavão  á  ligeira, 
e  os  romanos  a  pé  quedo,  carregados  de  fer- 
ro, fugião  delia.» 

Por  ultimo  á  observação  dos  que  estra- 
nham que  as  terras  apontadas  piMos  amigos 
geographos  como  centro  dos  Vetones  ou 
Vergones  não  conservassem  o  nome  de  B4- 
ra,  mas  sómente  esta  província,  responde— 
que  isso  não  admira,  porque  na  Beira,  por 
ser  montanhosa  e  pouco  aeeessivel,  tiveram 
menos  guerras  e  mais  demorada  permanên- 
cia do  que  na  Estremadura,  província  muito 
mais  plana,  menos  defeusivel  e  theatro  con- 
stante de  guerras  sangrentas. 

«Querem  outros,  diz  Bluteau,  que  se  cha- 
«me  Beira,  por  ser  província,  interiormente 
«banhada  de  muitos  rios,  e  pela  costa  do 
1  «mar,  que  vae  correndo  da  foz  do  Mondego, 


1798  VIS 


VIS 


tpor  baixo  de  Buarcos,  até  S.  João  da  Foz, 
«uma  legoa  abaixo  do  Porto.» 

Seja  o  que  fôr:  o  nome  não  dá  a  essência 
às  cousas. 

Passemos  a  outro  tópico. 

Visienses  illustres 

Este  tópico  deve  ficar  muito  deficiente, 
porque  Botelho,  Berardo,  F.  Manoel  e  os  srs. 
Oliveira  Mascarenhas  e  Cesar  Augusto  d'Al- 
meidâ  apenas  o  esboçaram  e  nós  somos  es- 
tranhos a  Viseu  e  como  taes  incompetentis- 
simos  para  organisar  uma  lista  que  satisfa- 
ça. Aos  illustrados  filhos  de  Viseu  convinha 
pugnar  pro  domo  sua,  mas,  a  despeito  das 
nossas  reiteradas  instancias,  não  nos  auxilia- 
ram, como  lhes  cumpria.  Devem  pois  notar 
grandes  omissões,  mas  a  culpa  não  é  nos-  ! 
sa. — Sibi  impuíentl. . .  I 

i 

Monarchas 

—El-rei  D.  Duarte,  filho  de  D.  João  I. 

Nasceu  n'esta  cidade  no  dia  31  d'outubro 
de  1311  e  falleeeu  em  Thomar  no  dia  9  de  j 
setembro  de  1438,  tendo  reinado  apenas  5  j 
annos.  j 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  tópi- 
co supra — Corte  e  cdríí-s— pag.  1721. 

Senhoras 

— D.  Eugenia  Nunes  Viseu,  viscondessa 
de  S.  Caetano,  filha  de  Henrique  Nunes  Vi- 
seu e  de  D.  Eugenia  da  Silva  Mendes. 

Ao  que  já  dissemos  d'e8ta  illnslre  e  bene- 
mérita titular  no  tópico  das  Famitias  no- 
bres de  Viseu  na  actualidade,  n."  11,  titulo 
Silvas  Mendes,  pag.  173o,  col.  2.»,  aecres- 
centaremos  o  segujnte: 

Nós  não  tivemos  a  honra  de  a  conhecer, 
mas  tributavamos-lhe  o  mais  profundo  res- 
peito pela  sua  pasmosa  caridade  para  com 
os  desvalidos. 

Com  data  de  15  de  maio  de  1884,  por 
exemplo,  disse  um  jornal  de  Viseu: 

tA  sr.*  viscondessa  de  S.  Caetano  deu  ás 
creanças  do  Asylo  d'Infancia  um  excellente 
jantar,  que  durou  desde  as  7  horas  ás  10  • 


da  noite.  Depois  offereceu  também  um  jan- 
tar aos  empregados  e  direcção  do  asylo,» — 
e  deu  20  libras  de  esmola  ao  mesmo  insti- 
tuto de  beneficência.» 

Em  julho  de  1885,  tendo-se  formado  em 
todas  as  freguezias  do  concelho  de  Viseu 
commissões  de  beneficência  com  receio  da 
invasão  do  cólera,  que  ao  tempo  devastava  a 
Hespanha  e  se  aproximava  da  fronteira,  a 
viscondessa  de  S.  Caetano,  muito  generosa 
e  espontaneamente  disse  á  coramissão  da 
sua  freguezia,  (Ranhados)  que  tomaria  a  seu 
cargo  o  tratamento  dos  pobres  da  dita  fre- 
guezia—  até  onde  chegasse  toda  a  sua  for- 
tuna. 

Felizmente  o  cólera  não  trân?poz  a  fron- 
teira. 

Na  semana  santa  de  1887  mandou  s.  ex."- 
vestir  35  pobres;— deu  100  réis  de  esmola  a 
cada  um  dos  presos  da  cadeia  de  Viseu— e 
50:000  réis  ao  Asylo  da  Infanda  Desvalida. 
No  domingo  de  Paschoa  do  mesmo  anno  deu 
um  abundante  jantar  a  167  pobres  —  e  um 
bolo  de  S.  Bento  e  200  réis  de  esmola  a  ca- 
da um, — e  no  dia  de  Natal  do  dicto  anno 
fez  servir  um  lauto  jantar  a  210  pobres,  a 
cada  um  dos  quaes  deu  também  uma  avul- 
tada esmola  em  dinheiro. 

Os  actos  de  philanlropia  e  caridade  que 
s.  ex.*  praticou  não  teem  conta,  porque,  vi- 
vendo só  e  solteira,  e  dispondo  d'avultada 
fortuna,  os  pobres  eram  a  sua  familla,  os 
seus  amores  e  achava  um  prazer  ineíTavel  em 
os  ver  sorrir;  mas  infelizmente  falleeeu  tão 
bondosa  e  benemérita  senhora,  no  dia  5  de 
junho  do  corrente  anno  de  1888. 

Toda  a  imprensa  jornalística  de  Viseu  a 
pranteou  vivamente  e  o  Jornal  de  Noticias 
do  Porto,'  lhe  dedicou  estas  linhas: 

«  Viscondessa  de  S.  Caetano.  —  Já  acabou 
para  a  illustre  dama  que  se  chamou  Euge- 
nia Viseu  a  vida  de  soffrimenlo  horrível, 
que  ha  muito  vivia. 

•  Morreu  ante-hontem  a  desventurada  se- 
nhora. 

«Passou  18  mezes  sentada  sempre  na  mes- 


1  D£  7  de  junho  de  1888. 


VIS 


VIS  1799 


ma  cadeira  e  sem  tentar,  por  lhe  causar  do- 
res terríveis,  outra  posição  mais  commoda. 
Alli  gosava  as  suas  flores  predilectas,  que  os 
familiares  lhe  levavam  em  ramos  variados  e 
numerosos. 

«Era  um  jardim  ambulante  a  sala  onde 
exhalou  o  ultimo  su?piro.  N'essa  sala,  con- 
vertida depois  em  camará  mortuária,  ficam 
dispersos,  por  sobre  os  consoles  e  mesas, 
musicas  d'autores  clássicos,  livros  amados 
de  litteratura  hespanhola,  italiana,  ingleza  e 
franeeza,  de  sciencias  naturaes,  sociológicas, 
de  religião  e  até  d'artes  e  oíBcios,  sem  faltar 
o  diccionario  de  medicina  de  Robin  e  Littré. 

«Murcharão  á  vista  do  cadáver  as  bellas 
rosas,  cinerarias  e  as  azalias  de  que  ultima- 
mente recebera  exemplares  formosíssimos  a 
illustre  morta,  que  teve  uma  agonia  horro- 
rosíssima. O  tumor  que  a  victimou,  no  seu 
crescimento  prodigioso  causára  deslocações 
incomprehensiveis,  e  o  corpo  da  gentil  Eu- 
genia Viseu  era  agora  uma  monstruosida- 
de medonha,  que  nos  dois  últimos  dias  a 
gangrena  ennegrecera  ascorosamenle. 

—  «SoíTro  muito;  tenho  soíTrido  com  uma 
paciência  que  não  imagino  que  possa  ser 
maior,  mas  não  tenho  força  para  maisi 
Deixe-me  queixar,  sim?» 

«Eram  frequentes  estas  palavras  dirigi- 
das por  ella  ao  seu  medico  e  á  amiga  D. 
Maria  Guilhermina,  que  foi  heroina  de  ma- 
ternal dedicação. 

«Duas  horas  antes  de  morrer,  fez  o  se- 
guinte testamento,  que  demonstra  bem  a 
bondade  d'aquelle  coração  que  deixou  de 
pulsar. 

«Deixa  a  D.  Maria  Leocadia  Guilhermina 
Castello  Branco,  da  cidade  de  Lisboa,  e  que 
actualmente  vive  em  sua  companhia  e  por 
uma  só  vez,  a  quantia  de  450iíl000  réis,  que 
lhe  serão  entregues  dentro  d'um  mez  de- 
pois do  seu  falleeimento. 

«Deixa  o  usofrueto  de  todos  os  seus  bens 
mobiliários  e  immobiliarios  a  sua  prima  D. 
Virgínia  Vizeu  da  Costa,  de  Lisboa,  e  por 
sua  morte  a  propriedade  passará  para  a  Mi- 
sericórdia de  Vizeu,  cora  a  obrigação  de 
fundar  um  asylo  de  mendicidade,  que  se 
denominará — Asylo  de  Mendicidade  da  Vis- 
condessa de  S.  Caetano.* 


Do  exposto  se  vê  que  nem  a  morte  a  pôde 
separar  dos  pobresinhos,  pois  os  instituiu 
por  seus  universaes  herdeiros. 

No  Diário  Illustrado  de  i3  de  junho  d'es- 
te  mesmo  anno  pôde  ver-se  o  retrato  da  il- 
lustre finada  e  um  inspirado  necrológio  de- 
vido á  pena  da  distincta  escriptora  e  sua  boa 
amiga,  a  sr.»  D.  Guiomar  Torrezão.  Bem 
quizeramos  nós  transcrevel-o,  mas  não  nos 
é  possível,  por  ser  bastante  longo.  Apenas 
transcreveremos  alguns  períodos: 
'  «A  viscondessa  de  S.  Caetano  chamou  a 
si  as  creanças,  os  velhos,  os  orphãos,  os 
parias,  todos  os  exilados  do  banquete  da 
vida,  amparando-os  nos  seus  braços,  con- 
solando os  com  a  sua  voz  acarieiadora,  aga- 
salhando-os  na  sua  casa,80ccorrendo-osna 
sua  miséria,  exaltando-os  na  sua  humilda- 
de; não  podendo  ser  feliz,  ella  que  possuía 
desde  o  berço  a  belleza,  a  bondade,  a  iolel- 
lígencia  e  a  riqueza,  perdoou  ao  destino  a 
sua  illogica  crueldade,  revendo  se  na  feli. 
cidade  dos  outros. 


O  amor  votado  á  infância,  inspirado  pela 
desventura,  suscitado  pelo  aspecto  de  to- 
das as  lúgubres  misérias  humanas,  absor- 
veu exclusivamente  esse  grande  coração 
que  se  esqueceu  de  si,  para  se  abandonar, 
sem  partilhas,  aos  seus  filhos  adoptivos,  — 
os  pobres. 

A  viscondessa  de  S.  Caetano  não  se  limi- 
tava a  soccorrer  os  desvalidos,  os  orphãos, 
os  doentes,  os  fammtos,  os  aleijados,  todos 
os  desherdados  da  vida  que  sem  cessar 
afluíam  ao  solar  de  S.  Caetano,  tantas  ve- 
zes transformado  em  asylo  e  hospital. 

Amava-os  estremecidamente,  padecia  com 
as  suas  lagrimas,  ungia  as  chagas  de  Job 
com  o  unctuoso  bálsamo  do  seu  amor. 


Todos  os  anoos,  por  oecasião  da  romaria 
de  Santa  Eufemia,  *  a  viscondessa  ia  a  Ra- 
nhados, presidir  ao  jantar  que  a  sua  inex- 


1  A  grande  romaria  de  Santa  Eufemia  é 
uma  das  maiores  dos  arrabaldes  de  Viseu. 

V.  o  tópico  supra,  relativo  á  freguezia  de 
Ranhados,  pag.  1532,  col.  2.»  ÉlMiíító 


I 


1800  VIS 

gotavel  caridade  distribuía  por  duzentos 
pobres. 

Dorme  na  serena  paz  da  aldeia,  na  doce 
pacificação  do  campo  e  ao  seio  das  flores» 
essa  que  leve  na  terra  um  calvário  suppli- 
ciante  e  que  foi  procurar  no  ceu  uma  bem- 
aventurança  radiosa. 

Os  seus  responsos  soluçaram-os  ao  longo 
da  azinhaga,  embuseada  em  madresilvas,  os 
pobres,  que  lhe  formaram  alas:  o  a^e  glo- 
rioso da  sua  immortalidade,  entoal-o-hão  os 
anjos. 

Giúomar  Torrezão.* 

—D.  Eugenia  Cândida  da  Silva  Mendes, 
ascendente  da  viscondessa  de  S.  Caetano. 

Casou  cora  João  da  Silva  Mendes,  rico  ne- 
gociante, proprietário  e  capitalista  de  Viseu; 
sendo  já  viuva  e  muito  rica,  prestou  grandes 
serviços  ao  partido  liberal  na  cruel  perse- 
guição de  1828  a  1833,  pelo  que  em  1837 
foi  agraciada  com  o  titulo  de  baroneza  da 
Silva. 

Foi  uma  senhora  muito  enérgica  e  tanto 
que  arriscou  a  sua  fortuna  e  a  própria  vida 
em  defesa  da  causa  liberal,  chegando  a  ser 
presa,  etc. 

Veja-se  o  tópico  das  Familias  nobres  de 
Viseu,  n.o  il.»— titulo  Silvas  Mendes  inprin 
cipio,  pag.  1733,  col.  2.» 

—Merchala  ou  Mercala,  mulher  gentia 
romana  dos  arrabaldes  de  Viseu  e  triste- 
mente celebre,  mencionada  na  inscripção  la- 
tina que  se  encontra  em  um  monte,  junto 
de  Lordosa. 

V.  pag.  1711.  col.  2.»  e  1712,  col.  1.' 

Fr.  Luiz  dos  Anjos  no  sen  Jardim  de  Por- 
tugal, pag.  527  e  528,  menciona  a  dieta  mu- 
lher e  dá  na  sua  integra  a  tal  inscripção, 
dizendo;  «. .  .ouve  de  seu  próprio  pay  hum 
filho,  por  nome  Euforbo,  com  o  qual  casou 
despois  de  ter  idade,  de  modo  que  era  seu 
filho,  seu  irmão,  e  seu  marido;  assim  o  le- 
mos {diz  elle)  era  hum  livro  muy  curioso 
dos  mais  notáveis  Epitáfios  do  mundo,  que 
está  em  a  livraria  Regia  do  Escurial,  im- 
presso. . . » 


VIS 

Registramos  o  lenda,  porque  é  realmente 
curiosa. 

—D.  Josepha  Maria  de  Sá,  filha  do  dr. 
Antonio  de  Sá  Mourão. 

Pelos  annos  de  1718  casou  com  o  celebre 
escriptor  e  medico  Braz  Luiz  de  Abreu,  ex- 
posto da  roda  de  Coimbra,  e  não  filho  da 
Villa  d'Ourem,  como  diz  Ignacio  Barbosa 
Machado. 

Tendo  do  seu  consorcio  já  3  filhas  e  3  fi- 
lhos, os  dois  esposos  muito  espontaneamen- 
te separaram-se.  Ella  recolheu-se  cora  as  fi- 
lhas ao  convento  ou  recolhimento  de  S.  Ber- 
nardino da  cidade  d'Aveiro,  onde  o  marido 
vivia  exercendo  a  clinica;  elle  ficou  com  os 
3  filhos;— vestiu  o  habito  da  3.»  ordem  de  S- 
Francisco,  na  qual  era  professo;  ordenou-se 
em  menos  de  6  mezes  em  Lisboa,  obteve  um 
breve  apostólico  para  continuar  a  exercer  a 
profissão;  voltou  para  Aveiro;  foi  nomeado 
syndico  e  medico  eíTectivo  do  convento  de 
S.  Bernardino,  e  fallava  quasi  diariamente 
com  a  esposa,  mas  depois  da  separação  não 
roais  tornou  a  ver-lhe  o  rosto,  porque  ella 
tinha  o  cuidado  de  o  cobrir  sempre  com  um 
veu. 

Ella  entrou  para  o  noviciado  em  25  de 
março  de  1732,  e  professou  com  as  5  filhas 
no  dia  24  de  dezembro  de  1734— e  n'esse 
mesmo  dfa  cantou  o  marido  a  sua  l.«  missa 
e  pregou  com  muito  applauso  o  sermão 
próprio  da  profissão  da  esposa  e  das  filhas, 
cujos  nomes  eram:  Anna  Maria,  Maria  da 
Natividade,  Thereza  de  Jesns,  Antónia  Ma- 
ria e  Sebastiana  Ignacia. 

Ignoramos  os  nomes  dos  3  filhos.  Apenas 
sabemos  que  um  falleceu  de  tenra  idade,— 
outro  foi  frade  de  S.  Domingos— e  o  3.'  je- 
suíta. 

Depois  da  profissão  da  esposa  e  filhas, 
Braz  Luiz  d'Abreu  viveu  ainda  22  annos  em 
Aveiro,  tratando  da  administração  do  con- 
vento e  da  cura  dos  seus  doentes;  por  ulti- 
mo falleceu  no  dia  10  d'ago3to  de  1756,  con- 
tando 65  annos  de  idade  e  estando  muito 
bem  disposto,  sentado  em  uma  cadeira,— 
pois  foi  victima  de  uma  apoplexia  fulminan- 
te, pelo  que  não  pôde  receber  sacramentos 
nem  fazer  disposições  algumas. 


VIS 


VIS  1801 


Foi  sepultado  no  próprio  convento  de  S. 
Bernardino,  onde  viviam  como  religiosas 
professas  a  esposa  e  filhas. 

Tudo  isto  com  as  demais  circumstancias 
que  ignoramos  e  com  as  obras  que  Braz 
Luiz  d'Abreu  deixou,  deu  assumpto  ao  inte- 
ressanlissimo  romance  que  o  sr.  Camillo 
Castello  Branco,  hoje  (1888)  visconde  de 
Correia  Botelho,  publicou  sob  o  titulo  Olho 
de  Vidro,  alcunha  de  Braz  Luiz  d'Abreu,  por 
haver  perdido  um  olho  e  usar  d'oulro  de 
vidro. 

As  obras  de  Luiz  d' Abreu  são  o  Portugal 
Medico—o  Sol  nascido  no  occidente  e  posto 
ao  nascer  do  sol,  ou  a  vida  de  Santo  Anto- 
nio portuguez,— e  Aquilas,  hijas  dei  Sol,— 
obra  escripta  em  castelhano. 

Veja-se  o  diccionario  de  Innoeeneio  e  o 
que  disse  em  contiDuação  o  sr.  Brito  Ara- 
nha. 

—D.  Maria  do  Ceu  da  Silva  Mendes,  filha 
do  grande  patriota  e  distincto  eseriptor  pu- 
blico João  da  Silva  Mendes. 

Foi  uma  senhora  formosíssima;  está  ain- 
da solteira,  e  toca  divinamente  piano. 

Veja-se  o  tópico  supra  —  Familias  nobres 
de  Viseu,  n.°  H,  titulo  Silvas  Mendes  —  e  o 
Almanach  de  Vizeu,  de  1884,  pag.  50. 

—D.  Izabeldo  Amaral  e  Vasconcellos,  &s- 
cendente  da  nobilíssima  Casa  dos  Coutos 
que  foi  dos  Albuquerques  da  casa  do  Arco. 

Fez  de  novo  o  capitulo  dos  frades  capu- 
chos d'Orgens  e  d'elle  ficou  sendo  padroeira. 

V.  pag.  1543,  col.  2.» 

—D.  Maria  de  Queiroz  Castello  Branco. 

Esta  senhora  e  o  licenciado  Belchior  Lou- 
renço, seu  marido,  fundaram  em  Viseu  o 
convento  do  Bom  Jesus,  de  freiras  benedi- 
ctinas. 

V.  pag.  1661,  col.  1.» 

— D.  Anna  de  Jesus  Serpe. 

Esta  senhora  e  seu  marido  doaram  aos 
congregados  do  Oratório  a  quinta  onde  se 
êstabeleceram  e  fizeram  o  seu  convento,  hoje 
seminário  episcopal  de  Viseu. 

V.  pag.  1649,  col.  1.» 


—Filippa  Varella. 

Fez  e  dotou  a  eapella  do  Espirito  Santo, 
na  Sé  de  Viseu. 

Era  irmã  de  Gaspar  Varella  de  Campos, 
o  Surdo,  e  ambos  filhos  de  Pedro  Rodrigues 
Ferreira,  feitor  do  marquez  de  Ferreira. 

— Uma  mulher,  cujo  nome  se  ignora. 

Viveu  120  annos  e  foi  casada  uma  só  vez, 
mas  teve  entre  filhos,  netos,  bisnetos  e  tata- 
ranetos  96  pessoasi . . . 

Dial.  í.'  de  Botelho,  eap.  20,  pag.  110  no 
códice  de  Girabolhos. 

— Outra  mulher,  cujo  nome  se  ignora  tam- 
bém, e  que  viveu  no  sec.  xvi. 

«Pariu  3  filhos,  a  qual,  como  andasse  pre- 
nhe d'aquellâ  barriga,  indo  o  Ouvidor  da  In- 
fanta D,  Maria  prender-lhe  o  marido,  ella 
lhe  quebrou  a  vara,  e  o  tratou  tão  mal,  que 
fez  queixa  á  Infanta,^  que  tomou  d'isso  gran- 
de paixão;  mas  a  varonil  mulher,  como  pa- 
riu, se  foi  com  elles  lançar  a  seus  pés,  e  pe- 
dir-lhe  perdão,  dizendo  que  quem  tinha  em 
si  4  corações  não  era  de  espantar  commet- 
tesse  tal  atrevimento;  que  S.  Alteza  lhe  per- 
doasse: e  a  Infanta  o  fez,  respeitando  ao  que 
via  diante  de  si  » 

Dial.  de  Botelho,  loc.  cit. 

— D.  Francisca  de  Campos  Coelho, 
— Ignez  Seraphina  Margarida  de  Jesus  e 
—D.  Thomazia  Maria  Micaela  de  Lou- 
reiro Lacerda. 

Foram  senhoras  de  muita  illustração,  pois 
Berardo  as  menciona  como  escritoras  na 
Memoria  que  offereceu  à  camará  em  1838, 
—parte  1."  §  12. 

—D.  Dorothêa  d'Almeida  Furtado, 
— D.  Francisca  d'Almeida  Furtado, 
— D.  Eugenia  d' Almeida  Furtado,  e 
—D.  Mària  das  Dores  d'Almeida  Furta- 
áo,— pintoras  insignes,  filhas  do  celebre  mi- 
nialurista  José  d' Almeida  Furtado,  sendo  as 


1  Esta  infanta  era  filhad'el-reiD.  Manuel 
V.  pag.  1722,  col.  1.%  n.»  9. 


1802  VIS 


VIS 


duas  primeiras  Académicas  de  mérito  pela 
Academia  portuense  de  Bellas  Artes. 
Veja-se  o  tópico  infra — Pintores. 

Bispos 

Remissol,  1.'  bispo  de  Viseu,  segundo  o 
nosso  humilde  catalogo. 

V.  pag.  1598,  eol.  1.»  supra. 

Alguém  diz  que  este  prelado  era  filho  de 
Viseu. 

— D.  Luiz  do  Amaral. 
Veja-se  o  nosso  catalogo  supra,  pag.  1605 
col.  1.^  in  fine  e  segg. 

—D.  Manuel  de  Almeida  Carvalho,  bispo 
do  Pará,  ele. 

Veja-se  o  tópico  Escriptores,  infra,  oode 
fazemos  menção  d'este  benemérito  filho  de 
Viseu. 

—D.  Gaudêncio  José  Pereira,  hoje  arce- 
bispo de  Mytilene,  com  o  titulo  de  conde, 
bispo  eleito  e  governador  do  bispado  de  Por- 
talegre. 

V.  pag.  1589,  supra,  col.  1.» 

Está  eleito  e  governando  aquella  diocese 
desde  a  morte  do  ultimo  prelado,  mas  até 
hoje  (15  d'agosto  de  1888)  ainda  não  foi 
confirmado, 

D.  Gaudêncio  José  Pereira  foi  nomeado 
suíTraganeo  do  ex."»  Cardeal  Patriareha  de 
Lisboa  por  carta  régia  de  31  de  janeiro  de 
1887. 

Confirmado  Arcebispo  de  Mitylene  e  suf- 
fraganeo  do  Patriareha  de  Lisboa  por  Bulla 
de  14  de  março  de  1887.  Tomou  posse  do 
Jogar  de  Provisor  e  Vigário  GeraJ  do  Pa- 
triarchado,  presidente  da  relação  e  cúria 
patriarchal  de  Lisboa,  em  19  d'abril  de  1887. 

Sagrado  Arcebispo  de  Mitylene  em  1  de 
maio  de  1887. 

Nomeado  vigário  procapitular  do  bispado 
de  Portalegre  por  provisão  do  ex.""  Cardeal 
Patriareha  de  Lisboa,  na  qualidade  de  me- 
tropolita,  em  15  de  setembro  de  1887. 

Nomeado  e  apresentado  bispo  de  Portale- 
gre por  decreto  de  22  de  dezembro  de  1887- 


Preconisado  bispo  de  Portalegre  em  Roma 
no  consistório  de  1  de  junho  de  1888. 

Prestou  juramento  no  ministério  da  justi- 
ça em  3  de  julho  e  nas  mãos  do  em.™*  Car- 
deal Patriareha  em  4  de  julho  de  1888. 

Tomou  posse  (por  procuração)  do  bispado 
de  Portalegre  em  21  de  julho  e  fez  a  sua  en- 
trada solerane  na  Sé  em  5  de  agosto  de 
1888. 

Foi  o  terceiro  que  honrou  nos  tempos  mo- 
dernos o  corpo  docente  do  Seminário  vi- 
siense com  o  báculo  pastoral,  sendo  o  pri- 
meiro D.  Thoraaz  Gomes  d'Almeida,  hoje 
bispo  da  Guarda:  o  segundo  D.  Antonio  Se- 
bastião Valente,  arcebispo  de  Goa  e  primaz 
do  Oriente.  E  coisa  singular:  todos  três  as- 
sistiram á  ordenação  do  que  depois  foi  bispo 
de  Beihsaida,  hoje  commi8?ario  da  Bulla,  D. 
Antonio  Ayres  de  Gouvêal  Em  tempos  mais 
remotos  (1792)  foi  alumno  do  Seminário  vi- 
siense Manuel  Pires  de  Loureiro,  que  foi  prior 
de  S.André  de  Lisboae  de poisbispo  de  Beja, 
fallecido  em  1851.  É  seu  parente  o  actual 
commissario  de  policia,  Antonio  Pires  de 
Loureiro. 

Escriptores 

—João  de  Barros,  o  Livio  portuguez,  au- 
ctor  das  Décadas. 

Nasceu,  conforme  a  opinião  mais  seguida, 
na  cidade  de  Viseu  em  1496  e  falleceu  em 
1570  na  sua  quinta  de  Alitem,  ou  de  S.  Lou- 
renço, junto  da  villa  de  Pombal,  sendo  sepul- 
tado na  matriz  de  Alcobaça. 

Relativamente  á  sua  biographia  e  às  obras 
de  que  foi  autor,  vejam -se  os  interessantes 
artigos  publicados  por  Innocencio  F.  da 
Silva  no  Diccion.  Bibi,  tomo  3.°  pag.  318  a 
323,— e  pelo  sr.  Brito  Aranha  na  continua- 
ção do  mesmo  diecionario,  tomo  10.°  pag. 
187  a  189. 

Veja-se  também  o  art.  Pombal,  tomo  7." 
pág"  138,  eol.  2.*,  e  as  Memorias  de  Berar- 
do (cap.  10.0)  publicadas  em  folhetins  no 
Liberal  e  no  Observador. 

Como  ainda  se  discutem  alguns  pontos 
da  biographia  de  João  de  Barros,  o  Livio 


VIS 


VIS  1803 


portuguez,  vamos  exlraclar  o  que  d'elle  diz 
o  dr.  Manoel  Botelho  no  seu|Día/.  4.*,  cap. 
27,  e  que  algum  peso  tem,  porque  Botelho, 
alem  de  ser  muito  illustrado  e  muito  versa- 
do em  genealogias,  era  parente  de  Gaspar 
Barreiros  (sobrinho  de  Jo5o  de  Barros) — 
possuía  mss.  de  Barreiros  (veja-se  o  tópico 
infra)— e  escreveu  os  seus  Diálogos  em  1630 
a  1636. 

No  cap.  27.»  diz  elle: 

Mecia  Martins  de  Figueiredo,  filha  2.»  de 
Martim  Annes  Durào  da  Matta. . .  houve  de 
seu  marido  a  Tareja  Rodrigues  de  Figueire- 
do, que  casou  com  Gil  Martins,  dos  quaes 
nasceu  Diogo  Gil  de  Figueiredo,  que  casou 
com  Beatriz  Affonso,  de  quem  nasceu  Gil  de  | 
Figueiredo. . .  e  i 

— Isazel  Rodrigues  de  Figueiredo. 

Casou  com  Lopo  Dias  e  houveram  a 

— Leonor  Dias  de  Figueiredo. 

Casou  com  Lopo  de  Barros,  cidadão  de 
Braga,  filho  d'ouiro  Lopo  de  Barros  e  de 
Maria  Gonçalves  Raposa,  filha  d'um  cidadão 
do  Porto.  Descendiam  estas  fidalgos  de  um 
Martim  Martins  de  Barros,  senhor  do  mor- 
gado de  Moreira,  junto  a  Braga,  e  d'e8te 
nasceu  Alvaro  de  Barros,  pae  de  Lopo  de 
Barros,  «que  o  foi  do  que  traetamos». 

Lopo  de  Barros,  marido  de  Leonor  Dias 
de  Figueiredo,  foi  muitos  annos  corregedop 
entre  o  Tejo  e  Guadiana  e  criado  de  D.  Af- 
fonso V,  d;  João  II  e  d'el-rei  D.  Manoel, —  e 
capitão  de  4  naus  na  tomada  d*Arzila,  capi- 
tão d'um  esquadrão  no  cerco  do  Sabugal^ 
etc.  «E  segundo  achei  por  certeza,  seu  avô 
não  se  chamava  Alvaro  de  Barros,  mas  Gon- 
çalo Dias  de  Barros,  que  foi  abbade  do  mos- 
teiro de  Calvello,  3  legoas  de  Braga,  e  d'ou- 
Iros  beneficios,  que  por  sua  morte  annexou 
a  Villar  de  Frades,  onde  jaz  sepultado.» 

^Lopo  de  Barros  houve  de  Leonor  Dias  es- 
tes filhos:— João  de  Barros,  Diogo  de  Bar- 
ros, Alvaro  de  Barros,  Christovam  de  Bar- 
ros, Genebra  de  Barros  e  Maria  de  Barros.^ 
Teve  também  2  filhos  naturaes:  —  João  de 


1  Esta  Maria  de  Barros  teve  entre  ou- 
tros filhos,  Gaspar  Barreiros,  como  logo  di- 
remos. 


Barros  (o  .  das  Décadas)  e  Martha  de  Bar- 
ros. 

Em  seguida  váe  fallando  de  todos  os  fi- 
lhos legitimos,  mencionados  supra,  indican- 
do os  seus  casamentos  e  a  descendência  que 
deixaram,  e  por  ultimo  diz  textualmente  o 
seguinte: 

«/oõo  de  Barros  filho  natural  de  Lopo  de 
Barros,. . .  foi  feitor  da  Casa  da  índia,  e  Mi- 
na, muito  privado  d'el-rei  D.  João  III,  e 
com  o  príncipe  se  criou,  sendo  menino;  e 
foi  a  causa,  que  Lopo  de  Barros  tinha  gran- 
de amisade  com  D.  João  de  Menezes,  e  à 
hora  da  morte  disse-lhe  que  tinha  seus  fi- 
lhos acomodados,  senão  hum,  que  tinha  na- 
tural de  hua  mulher  honrada;  que  lhe  pedia 
muito  que  lho  encommendasse  a  el-rei;  o 
que  D.  João  fez,  offerecendo-lho,  que  o  to- 
mou, e  criou  com  o  príncipe  D.  João,  e  o 
fez  da  sua  guarda  roupa.  Compoz  este  João 
de  Barros  as  Décadas  da  Historia  da  índia, 
com  outras  muitas  obras  famosas.  Casou 
com  Maria  d'Almeida  {sic)  filha  de  Diogo 
d' Almeida,  de  Pombal,  pae  também  de  Lopo 
d'Almeida,  de  Leiria,  da  qual  houve  —Jero- 
nymo  de  Barros,  Antonio  de  Barros,  João  de 
Bairos,  que  morreu  na  batalha  d'Alcaeere, 
e  Lopo  de  Barros,  que  foi  tão  esforçado,  e 
valente  lutador,  que  botava  os  homens  por 
cima  de  si  para  traz, — e  Diogo  d' Almeida,  os 
quaes  todos  forão  filhados  por  fidaldos;  e 
D.  Maria  d' Almeida,  e  D.  Catharina  de  Bar- 
ros, mulher  de  Christovão  de  Mello,  filho  de 
Diogo  de  Mello  da  Silva  veador  da  rainha 
D.  Catharina;  Anna  de  Barros,  e  Isabel  d" Al- 
meida, que  casou  cora  seu  parente  Lopo  de 
Barros,  filho  de  Diogo  de  Barros,  em  Braga.» 

A  transeripção  é  bastante  longa,  mas  in- 
teressante, mesmo  porque  os  Diálogos  do 
dr.  Botelho  aiada  estão  mss.  e  não  se  encon- 
tram facilmente. 

—Gaspar  Barreiros,  sobrinho  do  antece- 
dente. 

Foi  cónego  na  Sé  de  Viseu,  sua  pátria, 
onde  nasceu  não  sabemos  quando,  e  ali  fal- 
iaceu  em  1  d'abril  de  1573,  segundo  diz  Be- 
rardo, loc.  cit.— ou  em  6  d'agosto  de  1574, 
segundo  diz  Innocencio. 


1804  VIS 

Foi  também  cónego  e  inquisidor  em  Évo- 
ra e  por  ullirao  religioso  franciscano  com  o 
poma  de  Fr.  Francisco  da  Madre  de  Deus. 

Escreveu  varias  obras,  cuja  lista  pode 
ver-se  na  Bibi.  Lusit.  mas  foi  impressa  ape- 
nas uma  Chorographia,  na  qual  descreve  a 
viagem  que  fez  no  anno  de  1546  á  Itália; 
principia  porém  a  discripção  em  Badajoz  e 
falia  muito  e  muito  bem  da  Hespanha,  da 
França  e  da  Itália,  mostrando  profundo  co- 
nhecimento dos  antigos  geographos,  mas  in- 
felizmente não  se  occupou  de  Portugal,  o 
que  deveras  sentimos,  pois  estava  habilita- 
do como  talvez  nenhum  dos  nossos  choro- 
graphos  para  descrever  a  antiga  Lusitânia, 
— e  elle  a  descreveu  e  talvez  dissesse  muito 
da  provinda  da  Beira  e  de  Viseu,  sua  terra 
natal,  mas  infelizmente  essa  discripção  fi- 
cou ms.  e  perdeu-se  ou  jaz  ignorada  em  au- 
(hographo  e  exemplar  único  nos  Açores. 

Sendo  elle  tão  versado  em  antiguidades  e 
occupando-se  tão  largamente  de  paizes  es- 
trangeiros, seria  demasiada  ingratidão  não 
se  oceupar  do  seu  paiz;  mas  não  lhe  cabe  a 
censura,  porque  Barbosa  Machado  aponta  os 
seguintes  mss.  de  G.  Barreiros: 

— Commentaria  de  Ophyra  Regione; 
— Censura  in  quendam  authorem; 
"'Carta  de  Roma  (i547)  a  El-Rey; 
'—Censuras  sobre  os  4  livros  de  Latão; 
—Vita  D.  Francisci; 

—Verdadeira  Nobreza,  ou  Linhagem  de  Por- 
tugal; 

'^AnnotaçÕes  a  Ptolomeu; 

— Descripção  do  Egipto; 

—Carta  Consolatoria  (Roma,  i563)  á  In- 
fanta D.  Maria; 

—Carta  de  Santarém  (1569)  a  Damião  de 
Goes; 

— Observações  Cosmographicas; 

—Egloga  pastoril,  em  louvor  da  Infanta  D- 

Maria; 

—Homilia  sobre  *  Angelus  Domini  apparuit 

in  somnis  Jozeph*; 
— Geographia  da  Antiga  Lusit aniafl  .■  - 

Debalde  procurei  este  ultimo  ms.  nas  nos- 
sas biblioíheeas  publicas  e  particulares,  prin- 
cipiando pela  de  Évora,  já  por  ser  muito 


VIS 

abundante  em  ms.— já  porque  ali  viveram 
G.  Barreiros  e  o  irmão,  também  cónego  e 
que  alem  da  Chorographia  que  fez  publicar, 
muito  provavelmente  herdou  do  aueior  to- 
dos os  outros  mss.  Tractei  mesmo  de  vêr 
se  algum  bibliophilo  d'Evora  os  possuía  ou 
me  dava  noticia  d'elles,  nomeadamente  da 
Geographia  da  Antiga  Lusitânia,  e  não  foram 
completamente  baldadas  as  minhas  pesquisas, 
porque  o  sr.  Antonio  Francisco  Barata,  dis- 
tincto  escriptor  publico  ali  residente,  se  di- 
gnou enviar-me  a  carta  seguinte,  que  muito 
agradeço: 

•  Posso  dizer  alguma  coisa  sobre  o  ms.  de 
Gaspar  Barreiros. 

A  Bibi.  Lusit.  dá  perdida  a  Descripção  de 
Hespanha,  creio  que  no  terramoto  de  1755; 
haverá  porém  4  annos,  achando  eu  em  Lis- 
boa, na  livraria  de  Antonio  Rodrigues,  um 
ms.  folio,  sem  começo  nem  fim,  mas  de  le- 
tra do  see.  xvi,  li-o  e  descobri  n'elle  o  ms. 
de  Barreiros,  que  Barbosa  dava  perdido. 

Foi  comprado  para  mira  pelo  sr.  dr.  Au- 
gusto Filippe  Simões,  e  pára  hoje  na  ilha 
de  S.  Miguel  (Açores)  em  Ponta  Delgada. 

Foi  da  Marqueza  d'Alorna— e  é  o  primei- 
ro trabalho  de  Barreiros,  o  borrão  d'onde 
talvez  se  tiraria  a  copia  que  se  perdeu  em 
1755. 

Começa  por  uma  descripção  da  Lusitânia 
e  depois  descreve  a  Hespanha.  Não  me  lem- 
bro se  a  descreve  toda  se,  ao  que  me  pare- 
ce, as  terras  do  littoral  somente. 

Embora  sem  principio  e  talvez  incomple- 
to, é  estimável  este  ms.  que  oíTereci  ao  sr. 
José  do  Canto. 

Em  Évora  não  existe  copia. 


A.  F.  Barata.» 

Do  exposto  se  vê  que  de  tantos  elão  pre- 
ciosos mss.  de  Barreiros  apenas  existe  nos 
Açores  o  borrão  e  exemplar  único  da  sua 
Geographia  da  Antiga  Lusitânia,  exposto  a 
perder-se  como  se  perderam  os  outros  mss. 
do  mesmo  autor  e  como  se  teera  perdido  e 
estão  perdendo  tantos  outrosl 

Quando  se  resolverão  os  nossos  governos 
a  salvar  em  edições  baratas  os  muitos  mss. 


VIS 

que  ainda  restam  e  que  jazem  ignorados  nas 
nossas  bibliolheeas?! 
Prosigamos. 

— Dr.  Manoel  Botelho  Ribeiro  Pereira,  àn- 
tor  dos  Diálogos  moraes  e  poUticos,  e  fun- 
dação da  cidade  de  Viseu,  ete.  tantas  vezes 
por  nós  citados. 

Era  ainda  parente  de  Gaspar  Barreiros  e 
compulsou  alguns  dos  seus  eseriptos,  por 
que  a  elles  faz  de  longe  em  longe  algumas 
leves  referencias;  escreveu  os  seus  Diálogos 
em  1630  a  1636  e  lamentamos  que  até  hoje 


1  V.  Gaspar  Barreiros  no  Diccion  Bibi. 
de  Inaocencio  e  na  citada  Memoria  de  Be- 
rardo e  a  sua  genealogia  no  Dial.  4.»  cap. 
27  do  seu  parente  dr.  Manoel  Botelho,  o 
qual,  depois  de  dizer  que  o  dito  Gaspar  Bar- 
reiros era  filho  do  2.°  matrimonio  de  Buy 
Barreiros  de  Seixas  e  de  Maria  de  Barros, 
filha  de  Lopo  de  Barros  e  Leonor  Dias,  men- 
ciona os  filhos  que  tiveram: 

—  hyancísca  Barreiros,  mulher  de  Anto- 
nio Godinho,  o  qual  acompanhou  o  bispo 
D.  Miguel  da  Silva,  quando  tugiu  de  Viseu 
para  Boma; 

— Lopo  de  Barros,  cónego  d'Evora,  e  de- 
pois abbade  de  Tavares,  pae  de  Antonio  de 
Barros,  collegial  deS.  Paulo; 

—  Gaspar  Barreiros,  também  cónego  em 
Évora,  «d'onde  foi  a  Boma  por  mandado  do 
cardeal  D.  Henrique,  ultimo  rei  portu- 
gunz  (m  illo  tempore,  1630-1636,)  visitar 
S.  Santidade.  Depois  se  fez  frade  de  S. 
Francisco,  e  se  chamou  Fr.  Francisco. 
Compoz  muitas  obras,  como  foi  o  seu  Itine- 
rário, —hum  livro  da  Verdadeira  nobreza, 
C(im  muitas  gerações,  que  não  sahiu  à  luz, 
—  e  a  Descripção  de  Hespanha,  que  tenho 
em  meu  poder (11...)  mas  imperfeita,  ou 
rascunho  da  obra  que  intentava.»  Era  mui- 
to provavelmente  o  códice  que  hoje  existe 
nos  Açores  e  de  que  já  fizemos  menção  su- 
pra. 

Menciona  também  Botelho  outro  irmão  de 
Gaspar  Barreiros; 

— O  dr.  Antonio  Barreiros,  que  foi  corre- 
■  gedor  no  Porto  e  Coimbra,  cavalleiro  do  ha- 
bito de  Ghriâto  e  aposentado  com  o  titulo  de 
dezembargador  e  tença. 

Casou  e  teve  successão. 

Botelho,  loc.  sit.  diz  também  que  João  de 
Barros,  o  das  Décadas,  erà  filho,  mas  filho 
natural,  do  mesmo  Lopo  de  Barros,  avô  ma- 
terno de  Gaspar  Barreiros. 

VOLUHK  XI 


VIS  1805 

(1888)  não  fossem  dados  á  estampa,  mas  por 
fortuna  são  bem  conhecidos  e  não  se  perde- 
ram, como  succedeu  á  maior  parte  dos  mss. 
de  Barreiros. 

Para  evitarmos  repetições  veja-se  o  que 
d'estes  Diálogos  dissemos  supra,  pag.  1340, 
eol.  l.s  1725,  eol.  1."  e  2.«;  1660,  col  2.»  in- 
fine),—e  particularmente  pag.  1684,  col.  l.« 
e  2."— e  1694  a  1696. 

Que  nòs  saibamos,  ha  d'estfts  Diálogos  pe- 
lo menos  8  copias:  3  em  Viseu,  sendo  uma 
a  de  Girabolhos;  3  na  Bibliotheca  Municipal 
do  Porto;  mais  uma  no  Porto  na  interessan- 
te 6  valiosa  livraria  particular  do  sr.  Anto- 
nio d'Almeiàa  Campos  e  Silva, — e  outra  em 
Lisboa  na  bibliotheca  da  Academia  Real  das 
Sciencias. 

Também  deixe u  inéditas  varias  poesias, 
que  se  perderam,  segundo  diz  Berardo. 


— José  Antonio  Madeira,  dr.  em  cânones 
pela  Universidade  de  Coimbra,  e  cónego 
doutoral  na  Sé  de  Viseu,  provido  em  31  de 
março  de  1594. 

Escreveu  e  publicou  a  Regra  dos  Sacer- 
dotes. . .  1.»  parte,  Coimbra^  1603. 

•  É  obra  rara,  de  que  difficilmenle  appa- 
rece  algum  exemplar.  Pela  minha  parle  não 
a  poude  ainda  ver«--dizlQnocencio, — e  não 
foi  mais  feliz  o  seu  continuador  Brito  Ara- 
nha. 

— Antonio  Reinoso,  dr.  em  medicina  e 
lente  da  Universidade  de  Coimbra  quando  a 
reformou  D.  João  IIL 

Escreveu  um  Tratado  das  Febres,  —  se- 
gundo diz  Berardo,  loc.  cit.;  mas  nem  o  Die- 
cionario  de  Innoeencio,  nem  o  seu  continua- 
dor  Brito  Aranha,  nem  o  Man.  Bibliog.  de 
Mattos  mencionam  tal  eseriptor. 

— Antonio  Ribeiro  Raya,  que  nasceu  em 
1693. 

«Parece  ter  seguido  as  armas,  porque 
deixou  inédito  um  tratado  da  Pratica  e 
Theoria  da  Guerra» — diz  Berardo,  loc.  cit. 

Nem  Innoeencio,  nem  Brito  Aranha,  nem 
Pinto  de  Mattos  o  mencionam. 

Ii4 


1806  VIS 


VIS 


— Dr.  Antonio  Ribeiro  da  Costa  e  Al- 
meida. 

Innoceneio  e  Mattos  não  o  mencionam; — 
o  sr.  Brito  Aranha  dà-ltie  o  nome  de  Anto- 
nio Ribeiro  da  Costa  somente  e  acerescenta: 

«Bacharel  em  Direito  e  professor  no  Ly- 
ceu  Nacional  do  Porto.  Ignoro  as  demais 
circurastancias  da  sua  pessoa,  e  só  vi  im- 
pressa com  o  seu  eome  e  á  venda  a  obra 
seguinte,  de  que  pude  tomar  nota:  —  Curso 
elementar  de  Philosophia . . .  Porto.  1866.» 

É  neto  do  infeliz  tenente  —  rei  da  praça 
d'Almeida — Francisco  Bernardo  da  Costa  e 
Almeida;  casou  e  vive  no  Porto,  onde  é  pro- 
fessor do  Lyceu  e  actualmente  governador 
civil,  etc. 

Veja-se  o  tópico  supra — Familias  nobres 
de  Viseu,  n.°  II,  Silvas  Mendes,  pag.  1735, 
onde  se  encontra  a  biographia  d'este  escri- 
ptor,  benemérito  filho  de  Viseu. 

— Amaro  de  Reboredo,  famoso  latinista, 
muito  elogiado  por  José  Vicente  Gomes  de 
Moura. 

Escreveu  a  Verdadeira  Grammaíica  La- 
tina... (Lisboa,  1615) — e  outras  obras  in- 
dicadas por  Innoceneio,  o  qual  não  pôde  ve- 
rificar ao  certo  a  naturalidade  do  aucior, 
que  foi  bineficiado  na  villa  da  Arruda  e  na 
Sé  de  Vi.-eu,  pelo  que  Innoceneio  o  julgou 
natural  d'esta  cidade, ou  da  villa  de  Algoso, 
mas  o  sr.  Brito  Aranha  aííirma  que  nasceu 
em  Algoso — e  á  mesína  opinião  se  inclina  o 
Manual  Bibliographico. 

— Dr.  Antonio  Nunes  de  Carvalho  da 
Costa  Monteiro  de  Mesquita,  do  conselho  de 
S.  Magestade,  eommendador  da  O.  de  Chris- 
to,  cavalleiro  da  de  Nossa  Senhora  da  Con- 
ceição, dr.  e  lente  de  direito  na  Universida- 
de de  Coimbra,  etc. 

Nasceu  na  rua  Direita  da  cidade  de  Viseu 
a  16  de  junho  de  1786  e  falleceu  em  Coim- 
bra a  5  de  junho  de  1868,  contando  por  con- 
sequência 82  annos  de  idade. 

Nós  o  conhecemos  em  Coimbra  durante  a 
nossa  formatura  (1851  a  1856)  regendo  a 
cadeira  de  direito  romano. 

Era  um  dos  primeiros  ornamentos  da  Uni- 
versidade, muito  versado  em  todos  os  ramos 


da  faculdade  de  Direito,  n'outras  seiencias  e 
em  linguistica,  pois  andou  annos  emigrado 
6  viajando  pelos  paizes,  estrangeiros  e  co- 
nhecia bem  muitas  línguas. 

Era  também  muito  versado  em  bibliogra- 
phia,  tanto  portugueza  como  franceza,  io- 
gleza,  hespanhola,  italiana,  etc.  Foi  talvez  o 
1.°  bibliographo  que  teve  Portugal  no  seu 
tempo. 

Regia  a  sua  cadeira  cora  muita  proficiên- 
cia, mas  era  muito  excêntrico.  Gostava  de 
formular  umas  certas  perguntas  d'algibeira, 
com  que  se  entretinha  a  estender  os  seus 
disciputos  todos^  inclusivamente  os  mais 
distinctos,  e,  costumando  os  outros  lentes  ou 
não  irem  à  aula  na  véspera  de  ferias,  ou 
irem  e  não  chamarem  á  lição,  elle  ia  sem- 
pre,—fazia  prelecção  e  chamava  à  lição^ 
— mesmo  no  ultimo  dia  d'aula  dos  annos  le- 
ctivos, na  véspera  das  ferias  grandes. 

Por  estas  e  outras  picuinhas  ejusdem  fus- 
furis  na  sua  aula  nem  elle,  nem  o  guarda- 
mor  com  todos  os  archeiros  jamais  poderara 
manter  a  disciplina. 

Por  vezes  a  dita  aula  parecia  uma  praça 
de  tourosi  Os  discípulos,  sempre  numero- 
sos i,  respeitando  aliás  todos  os  outros  len- 
tes, caprichavam  em  arreliar  e  fazer  troça 
ao  bom  do  dr,  Nunes. 

Ahi  vae  uma  amostra  do  pano; 

"  Os  salões  das  aulas  n'aquelle  tempo  ti- 
nham lá  no  fundo  a  cadeira  do  professor,  es- 
pécie de  púlpito  que  sobrepujava  2  a  3  me- 
tros ao  pavimen^lo  do  salão — e  este  era -abo- 
badado e  dividido  longitudinalmente  com 
duas  ordens  de  pesados  bancos  de  pinho  em 
píãno  inclinado  para  a  cadeira  do  lente,  fi- 
cando a  meio  das  bancadas  uma  coxia  ou 
vão,  para  passagem  dos  estudantes  e  do 
lente. 

Nos  dias  da  grande  troça,  principalmente 
nas  vésperas  de  ferias,  quando  o  pobre  dr. 
Nunes  estava  fazendo  a  prelecção  e  chaman- 


1  Os  cursos  de  Direito  no  meu  tempo  re» 
guiavam  por  100  alumnos,  e  alguns  ultra- 
passavam esta  cifra. 


VIS 


VIS  i807 


4o  á  lição,  08  discípulos  conversavam,  can- 
tavam, reeiíavara,  gritavam,  atiravam  com 
grandes  papeloíes  em  todas  as  direcções,  sem 
respeitarem  a  cadeira  do  lente  e  o  próprio 
lente— i  cantavam  a  ladainha  em  eôro,  al- 
ternando os  de  um  lado  da  eoxla  (aproxima- 
damente SO)  com  os  do  outro  lado,  o  que 
em  um  vasto  salão  de  abobada  era  de  en- 
surdecer! Por  ultimo  saltavam  para  a  coxia> 
deixando  os  bancos  todos  vazios;  —  tomba- 
vam o  ultimo  e  mais  alto  contra  o  immedia. 
to;  este  cabia  sobre  o  banco  visinho  e  com 
o  peso  próprio  o  tombava  —  e  assim  com  o 
peso  próprio  iam  tombando  e  caindo  todos 
os  bancos,  produzindo  um  estrépito  infer- 
nal! 

O  dr.  Nanes  não  se  incommodava  com 
bagalellas,  mas  quando  o  barulho  era  de- 
masiado, puxava  pelo  cordão  da  campainha^ 
— acudia  o  guarda-mor  com  os  archeiros  e 
por  vezes  prendia  bandos  de  estudantes. 

Por  seu  turno  o  dr.  Nunes  também  nos 
actos  flnaes  era  franco  em  deitar  RR — e  um 
anoo  deu-se  o  facto  seguinte: — Um  seu  dis- 
cípulo, estudante  aliás  distincto  e  bera  com- 
portado (é  actualmente  juiz  de  direito)  ficou 
ationílo  por  ver  que,  tendo  tirado  distinc- 
rões  nos  outros  annos,  n'aquelle  lhe  deita- 
ram um  R.  Sabendo  que  o  blinde  proviera 
do  dr.  Nunes,  foi  procural-o  e  queixar-se. 

«Os  senhores  durante  o  anuo  cantaram  a 
ladainha,  pois  agora  cantem  o  misererel . . . » 
— lhe  disse  o  dr.  Nunes. 

Elie  nunca  foi  meu  lente,  mas  assisti  a 
muitas  das  taes  touradas  nas  vésperas  das 
ferias,  porque  os  meus  lentes  e  todos  os  ou- 
tros, se  appareeiam  então  nas  aulas,  ersr  sò 
para  se  despedirem.  Ficávamos  pois  todos 
livres  e,  como  rapazes  íamos  logo  para  a 
aula  do  dr.  Nunes,  por  ser  o  espectáculo 
sempre  interessante  e  gratuito. 

Desculpem-nos  estas  reminiscências  de 
tão  saudosa  época — e  prosigamos. 

No  Álbum  Visiense,  pag.  8  i  a  83,  se  en- 
contra em  lithographia  um  bello  retrato  do 
benemérito  dr.  e  o  seguinte  esboço  biogra- 
phico,  escripto  pelo  sr.  M.  d'Aragão; 

«Entre  os  nomes  que  por  diversos  títulos 


nobilitam  a  cidade  de  Viseu  merece  honro- 
sa menção  o  do  conselheiro  Antonio  ISunes 
de  Carvalho  da  Costa  Monteiro  de  Mesquita- 
Basta  o  facto  de  ter  doado  a  esta  cidade 
a  máxima  parte  dos  livros  que  hoje  consti- 
tuem a  sua  bibliotheea  publica,  para  que  o 
nome  de  tão  illustreeomo  prestante  cidadão 
deva  gravar  se  na  memoria  de  seus  habitan- 
tes 6  principalmente  dos  que  se  empenham 
no  engrandecimento  das  artes,  letiras  e 
sciencias. 

Nasceu  Nunes  de  Carvalho  em  16  de  ju- 
nho de  1786  na  rua  Direita  d'esta  cidade  e 
casa  onde  hoje  (março  de  1885)  habita  o 
meu  bom  amigo  José  Augusto  d'Almeída  do 
Amaral. 

Foram  seus  paes  José  Nunes  de  Carvalho 
e  Maria  Angelica  da  Costa,  o  que  pode  ve- 
rificar-se  no  seu  assento  de  baptismo,  que 
se  encontra  a  fl.  182,  v.  do  livro  dos  as- 
sentos da  freguezia  Oriental  da  Sé  de  Viseu, 
relativo,  entre  outros,  ao  anno  de  1786,  ar- 
chivado  na  camará  ecelesiastica. 

Destinado  por  seus  paes  ao  estado  eccle- 
siastieo,  consagrou  os  primeiros  annos  da 
sua  mocidade  ao  estudo  das  humanidades, 
que  então  floresciam  na  casa  que  aqui  pos- 
suíam os  padres  do  Oratório,  hoje  seminá- 
rio diocesano. 

Mereceram-lhe  especial  dedicação  os  clás- 
sicos gregos  e  latinos,  e  foi  tal  o  progresso 
e  distineção  que  alcançou,  que  tendo  ape- 
nas 18  annos  de  edade,  foi  nomeado  substi- 
tuto da  cadeira  de  latim  n'esta  cidade. 

«Pelos  esforços  e  cuidados  do  arcebispo 
D.  Frei  Manuel  do  Cenáculo  Víllas  Boas, 
Évora  havía-se  tornado  o  theatro  esplendi- 
do d'um  vasto  plano  de  sólidos  estudos,  on- 
de progrediam  as  lettras,  bellas  artes  e  lín- 
guas vivas. 

O  illustrado  prelado  não  perdia  occasião 
de  convidar  para  o  magistério  os  maisau- 
ctorisados  professores.  E  tanto  já  soava  a 
fama  de  Nunes  de  Carvalho,  que  em  1805 
mereceu  a  mui  subida  honra  de  ser  cha- 
mado para  em  tão  illustrada  escola  professar 
as  humanidades. 

,  ;Ali,  pelo  tracto  intimQ  .com  o  douto  pre- 
lado, pela  convivência  com  sábios  distinetos 


1808  VIS 


VIS 


e  tendo  á  sua  disposição  os  melhores  livros, 
enriqueceu  a  sua  educação  litteraria,  adqui- 
riu o  mais  entranhavel  amor  e  esclarecido 
zelo  pelas  lettras  e  pelos  seus  cultores,  e 
animou  os  vôos  do  seu  génio  que  tão  alto  o 
elevaram  e  tanta  gloria  grangearam  para  si 
e  para  Vizeu,  onde  se  ufanava  deter  nasci 
do,  pois  era  raro  escrever  o  seu  nome  sem 
accrescentar— «críMra/  da  cidade  de  Viseu. 

Nos  fins  de  1808  teve  de  interromper  os 
seus  exercícios  escolares  em  consequência 
da  invasão  franceza  e  dos  calamitosos  suc- 
cessos  de  que  foi  theatro  a  província  do 
Alemtejo,  particularmente  a  sua  capital, 
que  pozeram  em  risco  a  vida  de  todos  os 
seus  habitantes,  especialmente  a  do  seu 
prelado. 

Nunes  de  Carvalho  não  hesitou  em  arriscar 
ã  sua  vida  e  incorrer  nos  ódios  da  popula- 
ça para  salvar  a  do  arcebispo,  não  esque 
cendo  assim  na  adversidade  a  benevolência 
com  que  este  o  acolhia  na  prosperidade. 

Dos  valiosos  serviços  que  n'esla  conjun- 
clura  o  joven  professor  prestou  à  cidade  de 
Évora  e  ao  seu  prelado,  de  quem  fôra  se- 
cretario, existe  honrosissimo  documento  do 
próprio  punho  do  venerando  arcebispo. 

O  curso  dos  acontecimentos  reconduziu 
Fr.  Manuel  de  Cenáculo  são  e  salvo  à  sua 
egreja;  e  Nunes  de  Carvalho  voltou  também 
a  professar  por  algum  tempo  as  humanida- 
des no  seminário  eborense. 

O  sábio  e  modesto  professor  continua  ahi 
desenvolvendo  as  suas  felizes  disposições 
para  as  lettras,  e  o  illuslre  prelado  não  ces- 
sa de  o  animar  com  o  exemplo  e  bons  con- 
selhos e  de  lhe  proporcionar  todas  as  con- 
dições favoráveis  a  esse  desenvolvimento. 
Repartiu  com  elle  uma  parte  dos  livros  da 
sua  biblioiheea,  por  sem  duvida  a  dadiva 
mais  valiosa  que  podia  ofTertar-lhe. 

Em  28  de  janeiro  de  18i3  obteve  Nunes 
de  Carvalho  a  nomeação  de  substituto  inte- 
rino da  cadeira  de  pbilosophia  racional  e 
moral  no  collegio  das  artes  em  Coimbra, 
cujos  professores  gosavam  as  honras  de  len- 
tes da  Universidade. 


das  duas  faculdades  em  que' então  se  divi- 
diam os  estudos  de  jurisprudência,  fazendo 
sua  formatura  em  cânones  no  anno  de  1820 
e  em  leis  no  anno  seguinte,  e  recebeu  o  grau 
de  doutor  d'esta  ultima  faculdade  em  28  de 
abril  de  1822. 

Por  carta  regia  de  17  d'ouiubro  de  1817 
foi  provido  definitivamente  na  substituição 
da  cadeira  de  pbilosophia,  e  em  1822  suc- 
cede  na  propriedade  d'ella  a  D.  Fr.  Francisco 
de  S.  Luiz,  já  então  reitor  reformador  da 
Universidade,  -e  sagrado  bispo  de  Coimbra 
em  15  de  setembro  d'este  ultimo  anno. 

A  despeito  de  todas  as  perseguições  que 
lhe  moviam  pela  sua  reconhecida  adhesão 
aos  princípios  liberaes  e  intima  ligação  com 
os  seus  mais  strenuos  defensores,  Nunes  de 
Carvalho  continuou  no  exercieio  das  fane 
ções  do  magistério  até  1828,  anno  em  que 
principiam  as  mais  sangrentas  luctas  entre 
realistas  e  constitucionaes. 

Depois  da  batalha  da  Cruz  dos  Marouços, 
que  ficou  indecisa,  o  brigadeiro  Saraiva  Re- 
foyos,  commandanle  das  tropas  liberaes, 
possuído  de  um  terror  pânico,  como  que  a 
tivesse  perdido,  ao  anoitecer  do  dia  25  de 
junho  de  1828  deu  ordem  para  abandonar 
aquelle  logar  e  partiu  para  Coimbra.^  Na 
noite  de  26  ordena  a  retirada  para  o  Porto. 
Alguns  habitantes  de  Coimbra,  uns  por  se- 
rem avisados,  outros  por  sentirem  a  mar- 
cha das  tropas,  acompanharam-as  para  não 
cahirem  nas  mãos  do  inimigo  e  serem  victi- 
mas  das  suas  vinganças. 

Nunes  de  Carvalho,  mal  convalescido  ain- 
da de  uma  grave  enfermidade  que  o  havia 
aecmmettido,  seguiu-as  a  pé  para  o  Porto. 

A  inactividade  e  a  falta  de  coragem  da 
Junta,  que  se  havia  formado  n'aquella  cida- 
de, e  depois  a  sua  dissolução,  produziram 
grave  consternação  no  animo  dos  seus  ha- 
bitantes. Uns  refugiaram-se  nas  suas  quin- 
tas, outros  nas  casas  dos  seus  amigos,  e  o 
maior  numero  as  acompanha  para  a  Gal- 
liza. 


«Em  outubro  de  1815  matrieulou-se  no 
primeiro  anno  jurídico,  seguindo  o  curso 


1  V.  Cruz  dos  Marouços,  tomo  2.»  pag. 
453. 


VIS 


VIS  1809 


Depois  de  aauiios  trabalhos  e  privações 
que  soífreram  no  terreno  castelhano,  gran- 
de parte  dos  emigrados  embarcaram  na  Co- 
runha e  no  Ferrol,  indo  procurar  asylo  na 
Inglaterra. 

N'este  numero  entrou  Nunes  de  Carvalho, 
que  aproveitou  as  longas  horas  do  duro 
exilio  em  profundas  locubrações  scienlificas 
em  novos  e  variados  estudos.  Examinou  de- 
tidamente a  bibliolheca  do  museu  britânico 
em  Londres  e  mais  tarde  as  principaes  bi- 
blloihecas  e  arehivos  de  Paris,  etc. 

«Desassombrado  dos  terrores  que  primeiro 
lhe  infundira  a  revolução  do  Porto,  D.  Mi- 
guel aproveita  a  Victoria  e  assume  a  cubi-  | 
çada  realeza,  sendo  declarado  rei  pelos  tres 
estados  do  reino  em  23  de  junho  de  1828. 

Por  carta  regia  de  14  de  julho  foi  creada 
uma  Alçada  para  processar  e  julgar  em  ul- 
tima instancia  todas  as  pessoas  implicadas 
na  insurreição  do  Porto,  inaugurando -se  em 
todas  as  terras  do  reino  um  regimen  de 
sangue  e  terror. 

Etn  Coimbra  são  pronunciados  pelo  crime 
de  rebelllão  vários  lentes,  oppositores,  estu- 
dantes e  outros  empregados  da  Universida- 
de, em  cujo  numero  entrou  Nunes  de  Car- 
valho. 

No  dia  7  d'ag03to  do  referido  anno  pro- 
cederam a  um  exame  nos  livros  que  elle 
havia  deixado  n'aquella  cidade,  mencionan- 
do os  trechos  d'aqQelles  em  que  poderam 
achar  alguma  doutrina  que  desagradasse 
aos  miguelistas. 

Transcreveram-se  as  cartas  por  elle  diri- 
gidas a  Fr.  Francisco  de  S.  Luiz,  em  que 
manifestava  as  suas  opiniões  liberaes,  e  to- 
dos os  papeis  com  que  julgaram  poder  fa- 
zer-lhe  carga,  não  se  esquecendo  de  renova- 
rem a  velha  accusação  que  lhe  faziam  de 
pedreiro  livre,  e  de  ter  em  sua  casa  a  loja 
maçónica  dos  jardineiros,  o  que  não  foi  con- 
firmado pelas  minuciosas  pesquizas  n'ella 
feitas  em  1823. 

«Nunes  de  Carvalho,  com  alguns  exilados, 
transportou-se  de  Inglaterra  para  a  França, 
onde  todos  são  recebidos  generosamente. 

Foi  n'esta  época  (1833)  que  elle  publicou 


o  precioso  manuscripto  inédito  de  D.  João 
de  Cistro:— Roteiro  em  que  se  contem  a  via- 
gem que  fizeram  os  porluguezes  no  anno  de 
1541... 

Esta  obra,  além  dos  retratos  de  D.  João 
de  Castro  e  de  D.  Estevam  da  Gama,  é  pre- 
cedida de  uma  douta  e  erudita  prefação  e 
acompanhada  de  um  atlas  de  17  cartas  ou 
taboas,  e  de  valiosas  notas. 


...03  estrangeiros  possuíam  desde  muito 
tempo  impressa  uma  obra  que  talvez  falta- 
ria ainda  hoje  na  liogua  original,  que  a  pro- 
duziu, se  não  fosse  a  sollicitude  e  zelo  pelas 
letiras  de  Nunes  de  Carvalho,  e  o  concurso 
de  circumsiancias  que  o  levaram  a  publi- 
eal-a.  E  a  empreza  da  publicação  sobe  de 
valor,  se  se  attender  a  que  elle,  privado  dos 
meios  da  mais  parca  subsistência,  não  duvi- 
dou mendigar  dos  seus  compatriotas  os  re- 
cursos pecuniários  precisos.  Mais  vasto,  po- 
rem, era  o  seu  intento^  como  declara  no 
prefacio  do  Roteiro.  Propunha-se  dar  á  es- 
tampa 03  outros  2  Roteiros  qiie  D.  João  de 
Castro  composera  das  suas  viagens  de  Lis- 
boa até  Goa  e  Diu,  assim  como  todas  as  de- 
mais obras  d'esle  insigne  capitão. 


Quando  depois  da  batalha  da  Asseiceira 
reinou  em  Portugal  o  sol  da  liberdade,  Nu- 
nes de  Carvalho  regressou  a  Lisboa  do  seu 
longo  exilio,  sendo  pouco  depois  nomeado 
lente  ealhedratico  da  faculdade  de  leis  na 
Universidade  de  Coimbra  e  deputado  da 
real  junta  da  directoria  geral  dos  estudos. 

Pela  extiocção  das  ordens  religiosas,  as 
suas  bibliothecas  e  arehivos,  que  continham 
obras  e  mss.  de  grande  valor,  ficaram  em 
poder  do  governo ...  e  foi  o  nosso  beneme- 
rito  concidadão  encarregado  de  colligir  no 
vasto  deposito  do  convento  de  S.  Francisco 
de  Lisboa  os  livros  e  códices  dos  conventos 
da  capital  e  das  províncias  da  Estremadura 
e  Alemtejo.i  e  ninguém  mais  competente  do 


1  Alguém  diz  que  n'aquelle  mare  magnum 
de  livros  e  mss.  também  coUeccionou  e  sepa- 
rou  muitos  para  a  sua  bibliolheca  particu- 
lar. 

P.  A.  Ferreira. 


1810  VIS 


VIS 


que  elle  para  desempenhar  tão  laboriosa  co- 
mo di£QciI  commissão. 

Oâ  seus  profundos  conhi  cimentos  biblio- 
graphicos  eram  reconhecidos  ainda  fóra  do 
paiz.  Ferdinand  Deniz  diz  na  Nouvelle  bio- 
graphie  universetle.  Paris,  18Si,  tomo  8.»: — 
M.  Carvalho  {Antonio  Nunes)  á  visite  la 
France  et  VAngleterre,  et  ses  investigations 
lui  ont  acquis  des  rares  connaissances  en 
bibliographie. 

Também  o  Diccionaire  du  XIX  siêcle,  de 
Larousse,  na  palavra  Carvalho,  não  se  es- 
quece de  o  mencionar  como  bibliographo,  e 
de  apresentar  alguns  traços  da  sua  vida. 


Em  1836  foi  nomeado  bibliotheeario-mor 
da  casa  real. 


Pela  demissão  do  guarda  mor  do  real  ar-  \ 
chivo  da  Torre  de  Tombo  concedida  ao  bis-  I 
po-conde  D.  Fr.  Francisco  de  S.  Luiz,  Pas-  i 
SOS  Manuel,  ministro  do  reino  do  chamado 
governo  patriótico,  por  decreto  de  28  de  se- 
tembro de  1836  nomeia-o  interinamente  pa- 
ta esse  cargo,  ao  qual  andavam  annexas  as 
honras  de  ofiBcial  mor  da  casa  real,  e  insta 
com  elle  para  que  acceile  a  propriedade. 
Obstaram  porem  a  que  accedesse  ás  solici- 
tações do  ministro  á  amisade  e  o  respeito 
que  consagrava  ao  seu  illustre  antecessor  e 
a  esperança  de  que,  reformada  em  cortes  a 
constituição  de  1822,  que  havia  sido  pro- 
clamada pela  Revolução  de  Setembro  e  que 
o  prelado  não  quiz  jurar,  cessariam  os  es- 
crúpulos e,  prestado  o  devido  juramento  á 
que  se  fizesse,  elle  reassumiria  as  funcçòes 
d'es8e  cargo. 

«Até  30  de  setembro  de  1838  desempe- 
nha cumulativamente  as  funcçòes  deguar- 
da-mor  do  Real  Archivo  e  as  da  commis- 
são do  deposito  das  livrarias  dos  extinetos 
conventos  

Altestam  de  sobejo  o  zêlo  e  a  dedicação 
com  que  soube  desempenhar-se  de  tão  hon- 
rosos encargos  a  reorganisação  da  aula  de 
diplomática,  que  desde  1834  se  achava  fe- 
chada, o  estabelecimento  da  bibliotheca  es- 
pecial do  Real  Archivo  e  outras  muitas 
providenf^iãs  e  melhoramentos  realisados 


sob  a  sua  esclarecida  administração  n'a- 
quelle  archivo  nacional. 

No  meio  das  suas  múltiplas  e  variadas 
occupações  não  se  esqueceu  de  prestar  á 
Universidade,  de  que  era  membro,  distin- 
ctos  serviços.  A's  suas  espontâneas  dili- 
gencias deve  este  estabelecimento  scientifi- 
co  a  valiosa  cedência  dos  edifícios  dos  con- 
ventos e  cercas  de  S.  Bento  e  S.  José  em 
Coimbra. 

Terminadas  as  funcçòes  publicas  em 
Lisboa,  passou  a  residir  era  Coimbra,  en- 
tregando-se  exclusivamente  á  regência  da 
cadeira  de  direito  romano,  sendo  por  to- 
dos respeitado  como  professor  consummado. 

As  horas  que  lhe  sobravam  dos  seus  de- 
veres consagrava-as  ao  estudo  na  sua  rica 
e  selectissima  livraria,  que  franquiava  a 
mestres  e  discípulos  que  o  consultavam. 

Depois  de  48  annos  de  carreira  publica 
requereu  a  sua  jubilação,  que  lhe  foi  con- 
cedida por  decreto  de  2o  d  abril  de  1851,* 
mas  nem  por  isso  deixou  de  concorrer  ao 
serviço  académico^  excepto  o  da  regência 
da  cadeira.  Quando,  porea),  pela  sua  mo- 
léstia e  avançada  edade  já  não  podia  ap- 
plicar-se  ao  estudo,  querendo  dar  á  sua  pá- 
tria testemunho  do  seu  entranhavel  affecto 
e  amor,  dôa-lhe  a  sua  livraria,  primeiro 
por  titulo  particular  escripto  por  seu  pró- 
prio punho,  cujo  original  está  no  archivo 
da  camará  municipal  de  Viseu,  e  depois 
por  eseriptura  publica,  oulhorgada  nas  no- 
tas do  tabellião  da  comarca  de  Coimbra, 
Manuel  José  de  Sousa,  aos  28  de  setembro 
de  1864. 

«Quiz  que  os  livros  ofTertados  eonstituis- 


1  Aqui  houve  erro  typographico.  Em  vez 
de  1851  deverá  ler-se  1861,  pois  durante 
a  minha  formatura,—  1851  a  1856  e  mes- 
mo no  anno  lectivo  de  1856  a  1857 — ainda 
elle  regeu  a  cadeira  de  direito  romano.  Em 
56  a  57  foi  lente  substituto  da  mencionada 
cadeira  o  sr.  dr.  Adriano  d'Abreu  Cardoso 
Machado,  que  hoje  (1888)  é  reitor  da  Uni- 
versidade, ministro  d'estado  honorário,  ete. 

P.  A.  Ferreira. 


VIS 


VIS  1811 


sem  o  Queleo  da  Bibliolheca  Publica  de  Vi- 
seu, que  desejava  fosse  a  melhor  (?)  do 
reino;  e  que  esta,  para  ficar  central  e  ac- 
eessivel  a  todos,  se  colloeasse  no  edifício  da 
Misericórdia  ou  no  CoUegio  (antigo  seminá- 
rio) onde  effectivamente  o  foi,  sendo  aberta 
ao  publico  ainda  etn  sua  vida  (1865). 

Na  sala  (do  Coliegio;,  onde  ainda  hoje  se 
acha,  foi  collocado  o  retrato  do  doador,  co 
piado  do  original  pelo  nosso  eximio  pintor... 
Antonio  José  Pereira,  cujo  serviço  a  cama- 
rá municipal  de  Viseu  remunerou  cora  uma 
insignificante  quantia. 

Falleeeu  Nunes  de  Carvalho  em  Coimbra 
aos  5  de  junho  de  1867,  sendo  sepultado  no 
cemitério  publico  d'aquella  cidade. 

Viseu  nunca  mais  se  lembrou  d'elle,  não 
praticando  acto  algum  pelo  qual  manifes- 
tasse 03  seus  sentimentos  de  reconhecimen- 
to e  gratidão  para  com  a  memoria  de  seu 
illuâire  filho,  que  tanto  a  amava.  Outro  tan- 
to não  suceedeu  com  o  seu  fiel  creado  e  ami- 
go José  Maria  Lila,  que,  sacrificando  todos 
os  seus  haveres,  com  elles  mandou  erguer 
sobre  a  sepultura  do  seu  amo  um  mausoléu, 
evitando  assim  que  o%  seus  ossos  se  con- 
fundam com  os  de  tantos  outros  que  jazem 
a  seu  lado. 
.Março  de  1885.  , 

M.  Aragão.» 

A  isto  se  reduz  a  homenagem  que  o  Ál- 
bum Visiense  prestou  ao  biographado,  mas 
d'elle  .se  oecuparam  também  Innoceneio  eo 
seu  continuador  Brito  Aranha  no  Dicc.  Bi- 
bliographico.  O  sr.  dr.  José  Maria  d'Abreu 
lhe  dedicou  um  longo  artigo  no  Conimbri- 
cense n."  2080  e  2081,  o  qual  foi  transcri- 
pto  na  Gazela  de  Portugal,  n."  1372  de  27 
de  junho  de  1867, -e  finalmente  o  sr.  con- 
selheiro José  Silvestre  Ribeiro  publicou,  em 
supplemento  áquellt^,  outro  longo  artigo  no 
Jornal  do  Commercio,  n.»  4108  de  9  de  ju. 
lho. 

A  mencionada  Bibliotheca,  segundo  o  ca" 
talogo  impresso  em  1869,  comprehendia 
n'aquella  data  4:555  números  e  cerca  de 
8:000  volumes,  que  eram  com  pequena  dif- 
ferença  os  que  recebeu  do  benemérito  dr- 
Nunes,  pois  este  lhe  doou  6892  volumes 


em  obras  completas,  mais  800  em  folhetos 
e  obras  truncadas,— total,  7ÍS92  volumes. 
Prosigamos: 

—  Fr.  Bernardo  de  Santo  Antonio,  car- 
melita descalço  fallecido  em  1729. 

Deixou  inédita  uma  ínstrucção  para 
aprender  com  summa  brevidade  o  latim.. 

Berardo,  loc.  cit. 

—El-Rei  D.  Duarte,  de  quem  já  fizemos 
menção. 

Foi  um  escriptor  dislincto,  auctor  do 
Leal  Conselheiro,  ete. 

V.  Diccion.  de  Innoceneio  e  o  Manual 
Bibi.  de  Mattos. 

— Ernesto  Martins,  natural  de  Viseu,  ou 
pelo  menos  ali  residente. 
.  Publicou  em  1857  na  typographia  do  Vi- 
riato o  drama  Jogo  e  Vinho,  segundo  diz  In- 
noceneio. 

— Padre  José  d' Abreu  Pessoa. 

Foi  mestre  de  Capella  ná  eathedral  de  Vi- 
seu e  publicou  uma  Arte  de  Cantochão para 
usu  do  Seminário  da  mesma  cidade. . .  Lis- 
boa, Irap.  Regia.  1830. 

—Padre  João  d'Abreu  Pessoa.  Veja  se  o 
tópico  Músicos,  infra. 

—João  da  Silva  Mendes,  nascido  em  Viseu 
em  i7  de  abril  de  1822. 

Publicou  A  Sancfificação  do  Trabalho 
drama  em  4  actos,  Lisboa,  1852,— e  o  Gene- 
ral Pádua  (visconde  de  Tavira)  esboço  bio- 
graphico.  Lisboa,  1870. 

Também  escreveu  a  Memoria  biographica 
do  infeliz  lenente-rei  da  praça  d'Almeida> 
seu  avô,  revista  e  accrescentada  pelo  sr. 
dr.  Antonio  Ribeiro  da  Gosta  e  Almeida, 
também  neto  do  mesmo  tenente-rei.  Porto, 
1883. 

Foi  também  orador  distiocto.  fundador  e 
redactor  do  Liberal  e  do  Jornal  de  Viseu  e 
collaborador  d'outro3  muitos  jornaes  políti- 
cos e  litterarios. 

'    Falleeeu  em  20  d'outubro  de  1881. 

i    Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  topi- 


i812  VIS 


VIS 


CO  saipTA—Familias  Nobres  de  Viseu,  tit.  H* 
—Silvas  Mendes,  Diccion.  Bibi.  de  Inno- 
cencio  e  a  continuação  pelo  sr.  Brilo  Aranha, 
o  Album  Visiense,  publicado  em  1884- 
1885,  onde  se  encontra  um  bello  retrato  e 
uma  interessante  biographia  d'este  benemé- 
rito filho  de  Viseu. 

— Joaquim  Maria  Alves  Sinval,  como  es- 
creve Innoeencio,  ou  tAlxez  Joaquim  Alvares 
Maria  Sinvál,  como  diz  o  meu  informador. 
Foi  bacharel  formado  em  leis  pela  Universi- 
dade de  Coimbra,  havendo  terminado  o  seu 
curso  em  1813. 

Publicou  em  1820  a  1823  o  Astro  da  Lu- 
sitânia, jornal  politico,— e  a  Defesa  do  reda 
dor  do  Astro  da  Lusitânia,  perante  o  jury, 
em  lí  d' abril  de  1823. 

V.  Diccion.  de  Innoeencio—  e  a  continua- 
ção pelo  sr.  Brilo  Aranha,  que  apenas  recti- 
ficou uma  data  no  que  escreveu  Innoeencio 
e  este,  emquanto  á  biographia  do  mencio- 
nado dr.  Sinvál,  apenas  disse:  «Foi  natural 
de  Viseu,  porem  ignoro  a  data  de  seu  nas- 
cimento e  óbito. •  Aecrescentaremos  pois  o 
seguinte; 

Era  filho  legitimo  de  Francisco  Alves  dos 
Reis,  negociante,  e  de  sua  mulher. . .,  talvez 
de  appellido  Sinvál. 

Nasceu  na  cidade  de  Viseu,  não  sabemos 
quando,  e  ali  falleceu  no  dia  30  de  dezem- 
bro de  1827. 

Foi  casado  com  D.  Anna  Barbara  da 
Silva  Barbosa,  que  lhe  sobreviveu  cerca  de 
50  annos,  conservando  se  no  estado  de  viu- 
va, p.  falleceu  em  5  d'abril  de  1877. 

D'este  matrimonio  nasceram  dois  filhos: 
Francisco  e  João  Alves  Maria  Sinval.  O  pri- 
meiro conservou-se  muito  tempo  na  compa- 
nhia de  seu  tio  paterno,  o  cónego  Manue' 
Alves  dos  Reis,  na  casa  e  quinta  da  Via  Sa- 
cra, em  Viseu;  sendo  já  adulto  embarcou  pa- 
ra o  Brazil,  d'onde  não  mais  voltou.  O  segun- 
do formou-se  em  medicina  pela  Universida- 
de de  Coimbra  e  falleceu  no  estado  de  sol 
teiro,  na  companhia  de  sua  mãe,  no  dia  16 
de  junho  de  1857. 

Francisco  Alves  dos  Reis  alem  do  nosso 
biographado  Joaquim  Maria  Alves  Sinval^ 
ou  Joaquim  Alvares  Maria  Sinvál,  como  es-  I 


creve  o  meu  informador,— teve  um  outro  fi- 
lho—ilíanue/  Alves  dos  Reis,  que  se  orde- 
nou; foi  cónego  na  Sé  de  Viseu  e  ali  expi- 
rou repentinamente  na  sua  casa  e  quinta  da 
Via  Sacra  em  24  de  junho  de  1862.  E  do 
mesmo  consorcio,  alem  d'e8les  2  filhos,  teve 
Francisco  Alves  dos  Reis  mais  6  filhas,  que 
morreram  todas  solteiras  e  sem  succes?ão 
no  convento  de  Jesus  da  cidade  de  Viseu, 
onde  4  foram  religiosas  professas  e  2  secu- 
lares ou  recolhidas. 

Extinguiu  se  pois  a  suceef.^-ão  de  Fran- 
cisco Alves  dos  Reis,  que  falleceu  em  8  de 
janeiro  de  1812. 

Em  Viseu  não  ha  hoje  família  alguma  de 
appellido  Sinvál. 

Pode  dizer-se  que  representa  ali  o  nosso 
biographado  um  seu  primo  pelo  lado  ma 
terno,  (sobrinho  da  esposa)  excellente  pes- 
soa e  bacharel  formado  em  direito— Jose 
Barbosa  de  Carvçillio,  de  quem  já  fizemos 
menção  supra,  na  lista  dos  Bacharéis  for- 
mados, filhos  de  Viseu,  pag.  1726,  col;  1.» 

A  isto  se  reduz  o  que  podemos  apurar 
com  relação  ao  dr.  Jaaquim  Alvares  Maria 
Sinvál,  de  Viseu,  que  pelo  lado  materno  tal- 
vez fosse  parente  de  José  Gregorio  Lopes  da 
Camara  Sinval,  eavalleiro  da  Ordem  de 
Christo,  lente  da  6.»  cadeira  na  escola  me- 
dico-cirurgica  do  Porto,  antigo  vogal  do 
conselho  de  saúde  publica  do  reino,  sócio 
correspondente  da  Sociedade  das  Sciencias 
Medicas  de  iJsboa  e  honorário  da  Academia 
das  Bellas-Artes  da  mesma  cidade,  membro 
do  Conservatório  Real  de  Lisboa,  pregador 
distinciissimo,  tte. 

Nasceu  em  Lisboa  no  dia  12  de  feverei- 
ro de  1806  e  falleceu  no  Porto,  na  rua  do 
Príncipe,  a  24  de  março  de  1857,  contando 
apenas  51  ânuos  de  idade. 

Tinha  o  curso  da  escola  medica  de  Lisboa, 
onde  foi  noviço  dos  padres  do  Oratório,  e, 
quando  ali  entrou  o  exercito  liberal  em  1833, 
apresentou-se  como  voluntário  e  foi  reco- 
nhecido oíiieial — tenente  coronel  do  batalhão 
académico. 

Em  1836  Passos  Manoel,  sendo  ministro, 
o  nomeou  lente  da  Escola  Medico-Girurgiea 
do  Porto,  onde  o  bispo  D.  Jeronyrao  José  da 


VIS 


VIS  1813 


Gosta  Rebello  lhe  conferiu  ordens  menores 
6  lhe  deu  licença  para  prégar. 

Foi  um  orador  disiinetissimo,  porque  alem 
de  ser  um  homem  de  talento  e  scienciaj 
muito  animado  e  excellente  conversador,  era 
muito  eloquente,  muito  versado  em  huma- 
nidades, muito  syrapathico  e  tinha  boa  esta- 
tura e  bella  voz. 

Pregou  muito  e  com  grande  applauso  no 
Porto  e  cireumvisinhanças,  e  correm  im- 
pressos alguns  dos  seus  sermões,  entre  elles 
um  que  prègou  em  Paranhos,  dedicado  á 
Virgem  Mãe,  sob  o  titulo  de  Senhora  do 
Parto,  sermão  notável  que  offereeeu  ao  bis- 
po D.  Jeronymo. 

^  íara  a  sua  biographia  e  obras  veja-se  o 
Diccion.  Bibi.  de  lonoceocio;  a  continua- 
ção pelo  sr.  Brito  Aranha,  —  e  no  livro  dos 
sermões,  publicado  no  Porto  em  1864,  a  in- 
trodueção  biographica,  escripta  pelo  sr.  Ca- 
millo Castello  Branco,  intimo  amigo  do  fi- 
nado. 

Terminaremos  dizendo*  1.» — ^^que  J.  Gre- 
gorio da  Camara  Sinval,  vivendo  muitos  an- 
nos  no  Porto  e  sendo  muito  expansivo,  nun- 
ca fallou  nos  seus  paes,  o  que  nos  leva  a  crer 
que  teve  nascimento  mysterioso; — 2."  que 
pronunciava  o  seu  appellido  Sinval,  com  o 
accento  no  i,  em  quanto  que  o  dr.  Sinvál  de 
Vi^eu  punha  a  aci:eDtuação  no  a. 

— Fr.  Diogo  de  Castello  Branco,  monge 
e  chronisla  da  ordem  de  S.  Bernardo. 

Falleceu  em  1707,  deixando  manuscripta 
a  Historia  d' Alcobaça  e  d'outros  Mosteiros. 

— Fr.  Donato  de  Viseu,  monge  de  Cister. 
Consta  que  deixou  manuscripta  uma  Glos- 
sa  da  Epistola  de  S.  Paulo  aos  Romanos. 

— Dr.  Fernando  Rodrigues  Cardoso. 

Falleeeu  em  1608,  tendo  t^ido  lente  na  Unl- 
Vfrgidade  de  Coimbra  e  physico-mor  do  rei- 
no, ttc. 

Publicou  algumas  obras  em  latim  e  por- 
tuguez,  sobre  sciencias  naluraes,  e  deixou 
outras  inéditas,— diz  Berardo,  mas  nem  o 
Diccion.  de  Innoceneio,  nem  o  seu  continua- 
dor Brito  Acanha  o  mencionara  como  eseri- 
ptor. 


— Dr.  Francisco  Coelho. 

Foi  lente  na  Universidade  de  Coimbra, 
onde  era  appellidado  o  Mestre  de  Viseu, — 
e  ultimamente  desembargador  do  paço. 

Deixou  manuscripias  Annotações  ás  Or- 
denações do  Reino,  etc. 

—  Francisco  Coelho  de  Carvalho. 

Publicou  uma  Relação  breve  das  festas 
que  se  celebraram  na  cidade  de  Viseu,  fei- 
tas em  louvor  da  Virgem  Nossa  Senhora 
do  Pranto  n'este  anno  de  1744.  Lisboa, 
1747,  4.»  de  16  pag. 

D'este  livro  já  nós  fizemos  menção  no  tó- 
pico Templos  actuaes,  supra,  n.'  15,  pag. 
1560,  col.  2.»  e  1561,  col.  1.» 

— Gabriel  da  Fonseca  —  falleeido  em 
1678. 

Publicou  alguns  opúsculos  em  latim  e 
foi  lente  na  Universidade  de  Pisa  e  no 
Collegio  da  Sapientia,  em  Roma,  —  segun- 
do diz  Berardo,  pois  Innoceneio  e  Brito  Ara- 
nha não  mencionam  tal  escriptor. 

—Dr.  João  de  Mello  e  Abreu,  provisor 
d'este  bispado  e  thesoureiro-mor  da  Sé. 

Deixou  em  ms.  12  grossos  volumes  sobre 
Resoluções  d' ambos  os  Direitos  —  e  falleceu 
no  anao  de  1720. 

— Dr.  João  Rebello  de  Campos,  distincto 
advogado,  falleeido  em  1728. 

Escreveu  vários  opúsculos  de  direito  na 
lingoa  latina,  mas  parece  que  nenhum  d'el- 
les  chegou  a  ver  a  luz  da  publicidade. 

—Fr.  João  de  Seixas,  monge  de  Cister. 
Deixou  inéditos  alguns  commentarios  das 
obras  de  S.  Thomaz — e  falleceu  em  1674. 

— Padre  Jorge  Henrique. 

Foi  cónego  da  Só  de  Vizeu  e  deixou  ma- 
nuseripto  o  seu  Itinerário  de  Jerusalém, 
onde  (dizem)  celebrou  a  1.^  missa,  no  pró- 
prio altar  do  Santo  Sepulcro,  segundo  se  lê 
nas  Memorias  de  Berardo. 

— Lopo  d' Abreu. 

Foi  deão  na  Sé  do  Porto  e  depois  jesuíta. 


1814  VIS 


VIS 


Escreveu  Summa  de  Moral  em  1603,  segun-  j 
do  diz  Berardo,  mas  nem  lonoceneio,  nem 
Brito  Aranha  o  mencionam  como  escriptor* 

— Dr.  Leão  Rodrigues'  Leitão,  distinelo 
advogado. 

Deixou  inéditos  varies  opúsculos  de  di- 
reito em  latim. 

— Lourenço  Trigo  de  Loureiro,  dr.  em 
sciencias  sociaes  e  jurídicas  pela  Academia 
de  Olinda,  lente  de  direito  no  Recife,  em  Per- 
nambuco, etc. 

Nasceu  na  cidade  de  Viseu,  em  Portugal, 
a  25  de  c'ezembro  de  1763;  em  1810,  por 
causa  da  invasão  franceza,  deixou  a  Uni- 
versidade de  Coimbra,  onde  frequentava  a 
faculdade  de  direito,  e  foi  paraoBrazil.  Em 
março  do  dito  anno  desembarcou  no  Rio 
de  Janeiro,  onde  foi  primeiramente  offlcia' 
na  administração  geral  do  correio;  depois 
professor  de  portuguez  e  francez  no  Colle- 
gio  Nacional  de  S.  Joaquim  (hoje  Collegio 
de  D.  Pedro  11);  d'ali  passou  lambem  como 
professor  das  mesmas  disciplinas  para  o  Col- 
legio das  Artes  da  Academia  de  Sciencias 
sociaes  e  jurídicas  de  Olinda,  onde  leccionou 
de  1828  aié  1841.  Tendo-se  formado  entre- 
tanto na  mencionada  academia,  foi  nomeado 
substituto  interino  em  1833;  lente  substitu- 
to em  1840,  e  lente  cathedratico  em  1852. 

Esie  benemérito  filho  de  Viseu  desempe- 
nhou também  ali  differentes  cargos  de  elei- 
ção popular,  inclusive  o  de  deputado  á  as- 
sembleia provincial  de  Pernambuco. 

O  Jornal  do  Recife  n."  40  de  1  «routubro 
de  1859,  deu  a  biographia  do  dr.  Loureiro» 
tecendo-lhe  grandes  encómios. 

Ainda  vivia  em  1860  e  já  então  tinha  pu- 
blicado as  obras  seguintes: —Granjmaí^ca 
portngueza . . .  Rio  de  janeiro,  í828;—  Ele- 
mentos da  theorta  e  pratica  do  processo» 
Pernambuco,  1850:  —  Phedra,  tragedia.. . 
Pernambuco,  18ôi;  no  mesmo  volume  a  tra- 
dueção  das  tragedias  Andromacha  e  Esther; 
— Elementos  de  Economia  politica . . .  Re- 
cife. i8òi;— Instituições  de  direito  civil  bra- 
zileiro. . .  tomo  1°  Pernambuco,  1851,  tomo 
2."  Recife,  1851  também. 

Diccion.  Bibi.  de  Innocencio. 


■—Manuel  d' Almeida,  padre  jesuíta,  cuja 
roupeta  vestiu  em  2  de  novembro  de  1594- 

Em  1597  partiu  com  outros  missionários 
para  a  índia,  onde  permaneceu  o  resto  da 
sua  vida,  exercendo  entre  outros  cargos  o 
de  reitor  no  collegio  de  Goa  e  depois  o  de 
provincial. 

Falleceu  em  10  de  maio  de  1646,  contan- 
do 65  annos  de  idade. 

Foi  homem  de  vasta  erudição  e  escreve*! 
a  Historia  da  Efhiopia  alta. 

Esta  obra,  começada  por  Pedro  Paes,  tam- 
bém jesuíta,  elle  a  continuou  e  addicionou; 
ficando  porem  inédita,  o  padre  Ballhazar 
Telles  a  fez  publicar  em  seu  nome,  juntan- 
do-lhe  novas  addicções  e  algumas  correc- 
ções, pelo  que  é  mais  frequentemente  cilada 
como  obra  de  Ballhazar  Telles. 

Suppõe-se  que  foi  também  auetor  d'ou- 
tras  obras  indicadas  por  Innocencio. 

—D.  Manuel  d' Almeida  Carvalho,  clérigo 
secular  e  bispo  do  Pará,  eleito  em  5  de  maio 
de  1790. 

Nasceu  em  Viseu  no  dia  1  de  janeiro  de 
1747  e  falleceu,  não  sabemos  onde,  em 
1818. 

D'este  prelado  visiense  corre  impresso  um 
\i\To:—Pastoraes  aos  seus  diocesanos. 

«Conservo  na  minha  colleeção  (diz  Inno- 
cencio) um  volume  de  106  pag.  in  4."  sem 
folha  de  rosto  nem  designação  de  legar  e  an- 
no da  impressão,  o  qual  contem  5  paslo- 
raes  d'este  prelado;  a  saber:  1.^  por  occa- 
sião  da  revolução  de  Pernambuco  em  1817- 
Não  tem  data.  2.»  Sobre  a  conquista  da  Guia- 
na franceza;  datada  de  18  de  fevereiro  de 
1809...  3.»  Sobre  a  declaração  da  guerra 
contra  a  França,  datada  de  4  de  novembro 
de  1808.  4.»  Sobre  a  restauração  de  Portu- 
gal, datada  de  16  de  dezembro  de  1808.  5.» 
Ordenando  preces,  por  motivo  do  captiveiro 
de  Pi0  Vil,  datada  de  16  de  março  de  1809. 

«Consta  que  além  das  referidas  mandara 
imprimir  mais  algumas,  entre  ellas  uma  de 
20  de  setembro  de  1815,  e  outra  de  11  de 
maio  de  1816,  as  quaes  se  diz  o  foram  clan- 
destinamente: n'ellas  pugnava  contra  os  re- 
cursos dos  ecclesiasticos  aá  Pnwcíjjm,  co- 
mo contrários  ao  direito  da  egreja.» 

V.  Diccion.  Bibli. 


VIS 


VIS  1815 


—O  rev.  dr.  Manuel  d' Almeida  Castello 
Braoco,  lente  em  Coimbra,  cónego  doutoral 
na  Sé  de  Viseu  e  depois  na  de  Braga. 

Falleeeu  em  1652,  deixando  inéditas  Seis 
Posíilas  de  Direito  Canónico,— diz  Berardo 
nas  SUAS  Memorias. 

— Dr.  Manuel  Fernandes  Raya,  medico, 
talvez  parente  próximo  de  Antonio  Ribeiro 
Raya,  supra. 

Falleeeu  era  1668  e  escreveu  alguns  opús- 
culos, dos  quaes  apenas  se  publicou  a  Es- 
perança Enganada. . .  segundo  diz  Berardo 
nas  suas  Memorias,  mas  Innoeencio  não 
menciona  tal  escriptor — e  a  continuação  do 
Diccion.  BiblioQ.  até  hoje  (agosto  de  1888) 
ainda  não  passou  da  letra  L. 

— Dr.  Manuel  Gouveia  Teixeira,  advo- 
gado. 

Falleeeu  em  1733  e  deixou  inéditos  alguns 
opúsculos  sobre  jurisprudência,  —  diz  Be- 
rardo. 

— Manuel  Marques  Rezende. 

É  mencionado  na  Bibi.  Lusit.  mas  o  seu 
auctor  apenas  diz — que  foi  versado  na  gram- 
matica,  rhetorica.  poesia  e  geometria. 

Nasceu  a  22  d'abril  de  1697  em  Viseu; 
ignoramos  a  data  do  seu  fallecimento  —  e 
d'elle  correm  impressas  as  obras  seguin- 
tes: —  Sentimentos  na  morte  de  Antonio 
Correia  da  Silva,  natural  de  Viseu,  —  Lis- 
boa, 1728.  4  °  em  8."  rima; — A  formosa  Fé- 
nix de  Lisboa,  e  historia  de  uma  dama  nau- 
fragante...  Lisboa,  por  Pedro  Ferreira  (sem 
ser  o  auctor  dVstas  linhas)  1736; — Espelho 
da  corte. . .  Lisboa  1728 — e  ultimas  expres- 
sões da  magoa...  Lisboa,  pelo  mesmo  Pe- 
dro Ferreia,  no  diclo  anno  de  1736. 

Diccion.  Bibliogr.  de  Innoeencio. 

— Miguel  Reinozo. 

Falleeeu  em  1723  e  d'elle  se  publicou  no 
mesmo  anno  um  opúsculo  latino,  que  depois 
foi  reimpresso  com  additamentos,  segundo 
diz  Berardo  nas  suas  Memorias.  Innoceneio^ 
porem,  não  menciona  tal  escriptor. 


— P.  Pedro  Dias,  jesuita  e  reitor  do  col- 
legio  da  sua  ordem  em  Olinda. 

Falleeeu  com  79  annos  na  cidade  da  Ba- 
hia, a  35  de  janeiro  de  1700,  tendo  nascido 
em  Viseu  no  anno  de  1621. 

É  auctor  da  Arte  da  lingua  de  Angola, 
offerecida  á  Virgem  Senhora  do  Rosario,  mãe 
e  senhora  dos  mesmos  pretos. 

Diccion.  Bibliog.  de  Innoeencio. 

— Dr.  Pedro  Paulo  de  Almeida  Serra, 
presbytero  secular,  bacharel  formado  em 
theologia  pela  Universidade  de  Coimbra. 

«Em  1822  foi  eleito  deputado  ás  cortes 
ordinárias  pelo  circulo  de  Viseu  (provavel- 
mente o  da  sua  naturalidade)  sendo  então 
vigário  na  freguezia  de  Correllos  {Currellosf 
concelho  do  Carregal).  Nada  mais  apurei  a 
seu  respeito,— diz  Innoeencio,  que  mencio- 
na d'elle  a  tradueção  de  um  Methodo  de 
ajudar  os  moribundos,  impresso  em  Lisboa 
no  anno  de  1802. 

Diccion.  Bibliog. 

— Fr.  Manuel  de  Santa  Maria.,  antiquário 
visiense. 

Nem  o  Diccion.  de  Innoeencio,  nem  o  Ma- 
nual  Bibliog.  de  Mattos  mencionam  tal  escri- 
ptor, mas  d'elle  faz  menção  o  sr.  Oliveira 
Mascarenhas  no  Portugal  e  Possessões,  art. 
Viseu,  pag.  862. 

— José  d' Oliveira  Berardo. 

Foi  uma  das  primeiras  illuslrações  de  Vi- 
seu e  distincto  escriptor  publico. 

Nasceu  no  lugar  do  Pinheiro,  freguezia  de 
Santos  Evos,  concelho  de  Viseu,  no  dia  3  de 
junho  de  180o  e  expirou  a  26  d'oulubro  de 
1862  na  Casa  do  Cruzeiro,  em  Viseu,  junto 
da  bella  avenida  do  paço  episcopal  de  Fon- 
tello.i 

Alem  das  obras  indicadas  por  Innoeencio 
e  pelo  sr.  Brito  Aranha,  guarda-se  no  ar- 


1  Veja  se  o  tópico  supra — Edificios  braso- 
nados particulares,  pag.  1552,  col.  2.», — e  o 
tópico— Familias  nobres  de  Viseu,  parle  II, 
n."  5,  pag.  1740,  col.  1.» 


1816  VIS 


VIS 


chivo  da  camará  municipal  de  Viseu  uma  ; 
Memoria  que  Berardo  offereceu  á  dita  ca-  ' 
mara  em  1838,  sendo  administrador  do  con-  | 
celho,  na  qual  resume  a  outra  memoria  | 
Noticias  históricas  de  Viseu,  publicada  em 
folhetins  no  Liberal  era  i8S7^  e  em  seguida 
n*ella  se  encontra  um  rnappa  geographico  do 
concelho  de  Viseu,  feito  pelo  mesmo  cóne- 
go Berardo,  —  e  differentes  mappas  esta- 
tislicos  indicando  as  freguezias  e  população 
do  concelho  de  Viseu  antes  e  depois  do  ar- 
redondamento feito  pelo  decreto  de  6  de  no- 
vembro de  1836.  Temos  sobre  a  nossa  mesa 
de  estudo  uma  copia  da  áilâ  Memoria,  copia 
tirada  pelo  sábio  académico  dr.  Agostinho 
de  Mendonça  Falcão  e  hoje  pertencente  ao 
seu  filho  e  nosso  bom  amigo  e  cyreneu,  o 
sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça  Fal- 
cão. 

Deixou  Berardo  também  manuscripta  ou- 
tra Memoria  com  relação  a  Grão  Vasco,  in- 
dicando todos  os  quadros  de  Viseu  attribui- 
dos  áquelle  celebre  pintor,  etc. 

D'elia  se  faz  menção  adeante  no  tópico  re- 
lativo a  Grão  Vasco— e  d'ella  já  demos  tam- 
bém noticia  supra,  pag.  1714,  col.  2." 

Deixou  lambem  ms.  e  em  latira  um  com- 
pendio das  antiguidades  de  Yise\i:—Eccle- 
siae  Visonensis  Epitome . . .  Visonio,  1855. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  u  lugar 
citado,  col.  1."  in  fiue. 

Ao  nosso  bom  amigo  e  eollega,  o  rev.  sr- 
Fortunato  Casimiro  da  Silveira  e  Gama,  de 
novo  agradecemos  estes  e  outros  mss.  bem 
como  a  collecção  completa  do  Liberal  de  Vi- 
seu, cuja  publicação  principiou  ao  dia  6  de 


1  Esta  Memoria  foi  também  posterior- 
mente publicada  em  folhetins  no  Observa- 
dor, jornal  de  Viseu,  em  1871,  com  a  1.»  e 
2.»  parte  da  Chronica  Visiense  do  sec.  xvn, 
obra  do  mesmo  auctor  e  transcripta  tam- 
bém do  Liberal. 

A  2.»  pane  da  dita  Chronica  é  toda  dedi- 
cada ao  dr.  Manuel  Botelho  Ribeiro  Pereira, 
mas  visando  a  deprimil'o! . . . 

Não  sabemos  bem  a  rasão  porque  Berar- 
do foi  tão  cruel  para  com  o  dr.  Botelho,  sen- 
do ambos  pairieios  e  ten<lo  decorrido  entre 
um  e  o  outro  nada  menos  de  dois  séculos. 


maio  de  1857  e  terminou  com  o  n.°  173  no 
dia  3  de  janeiro  de  1859.  Era  bi  semanal  e 
publicou-se  a  principio  nos  sabbados  e  quar- 
tas-feiras;  — depois  nas  segundas  e  quintas. 
Foi  fundado  e  redigido  pelo  benemérito  vi- 
siense João  Mendes  da  Silva  e  por  Berardo, 
sendo  redactor  principal  o  dr.  Manuel  José 
d'Alraeida,  e  n'elle  collaboraram  outros  es- 
criptores,  incluindo  o  próprio  sr.  Fortunato 
Casimiro  da  Silveira  e  Gama.^ 


1  É  d'elle  o  interessante  folhetim  do  n." 
163: — Viseu — O  cardeal  D.  Miguel  da  Silva 
—a  quinta  de  Fontello. 

Nasceu  s.  ex.*  na  villa  (hoje  cidade)  da 
Figueira  em  22  de  setembro  de  1835— e  fo- 
ram seus  paes  Joaquim  Francisco  Casimiro 
da  Gama,  natural  da  villa  d'Ançã,  varão  de 
nobre  linhagem  e  um  dos  bravos  do  Min- 
dello,  e  sua  mulher  D.  Maria  Manuela  Cân- 
dida de  Gouveia  e  Seixas,  senhora  de  mui- 
ta virtude  e  rara  energia,  —  digna  compa- 
nheira d'aquelle  ousado  e  valente  militar, 
que  assentou  praça  de  cadete  e  morreu  offi- 
cial  do  exercito. 

Por  fallecimento  de  seu  pae,  a  mãe  fixou 
residência  em  Viseu,  terra  da  sua  naturali- 
dade, levando  eomsigo  o  nosso  biographado, 
que  ali  frequentou  com  distineçào  as  aulas 
de  preparatórios  e  depois  o  curso  iheologi- 
co  do  Seminário  diocesano. 

Em  18i9  recebeu  ordens  menores;  em 
1850  foi  chamado  para  fâmulo  do  bi:'po  D. 
José  Joaquim  d'Azevedo  e  Moura  (n."  78  da 
nossa  lista  pag.  1734)  que  em  1856  o  levou 
corasigo  para  Braga,  onde  concluiu  a  orde- 
nação e  celebrou  com  grande  pompa  a  1.» 
missa  em  24  d'outubro  de  1858.  Em  1859 
foi  apresentado  e  se  collou  na  abbadia  de 
Quinchães,  junto  de  Fafe,  e  ali  se  tem  con- 
servado até  hoje,  (1888)  posto  que  o  sr.  D. 
José  Joaquim  d'Azevedo  e  Moura,  que  mui- 
to o  estimava  e  considerava,  por  vezes  lhe 
oíTereceu  melhor  collocação  e  outras  honras, 
que  o  nosso  biographado,  pela  sua  modéstia 
e  padecimentos,  recusou,  bem  como  a  elei- 
ção de  procurador  a  junta' geral  do  distri- 
cto. 

É  um  parocho  de  bons  costumes,  muito 
illustrado,  muito  modesto,  geralmente  bem- 
quisto,  e  foi  sempre  admirada  a  sua  primo- 
rosa calligraphia. 

É  também  amador  e  eolleccionador  de 
moedas  e  medalhas  antigas,  e  tem  um  bom 
mealheiro,  comprehendendo  mais  de  2:000 
exemplares,  cuja  indicação  pôde  ver-se  no 
Diccion.  de  Numismática  portugueza  do  sr. 


VIS 


VIS  1817 


Foi  Berardo  mentor  de  Alexandre  Hereu; 
lano  e  de  Raczinski,  quando  estiveram  em 
Viseu,  pelo  que  ambos  íhe  teceram  justos 
encómios. 

Berardo  era  da  escola  de  Herculano: — 
muito  liberal  em  crenças  e  muito  severo  nos 
seus  PStTíptop,  emquanto  que  o  dr.  Botelho 
era  muito  nligioso  e  muito  crendeiro,  qual 
outro  Fr.  Bernardo  de  Brito,  mas  muito  il- 
lustrado  e  auclor  dos  Diálogos  Moraes  e  Po- 
Hticos.. .  com  relação  a  Viseu,  obra  ainda 
ms.  e  de  muito  merecimento  (pondo  de  par- 
te  as  crendices)  pelo  que  estranhamos  que 
Berardo,  escrevendo  tanto  sobre  o  mesmo 
assumpto — historia  e  antiguidades  de  Viseu 
— nunca  citasse  a  dita  obra,  citando-a  e  com 
louvor  o  próprio  Raczinski  e  o  dr.  Hubner 

Berardo,  como  já  dissemos  supra,  fàllaudo 
da  celebre  inscripção  de  Lamas  de  Molledo 
(pag  )  deu  a  entender  quewão  conhe- 
cia os  Diálogos  de  Botelho,  mas  conhecia  os 
pois  na  Chronica  do  sec.  xvn,  que  publicou 
no  Lrberaly  n."  18  a  24,  menciona  aquelles 
Diálogos  e  melte  a  ridículo  o  auctor,  posto 
confesse  que  na  opinião  de  todos  passou 
pelo  homem  mais  douto  de  Viseu  in  illo  tem- 
pore. 

Fecharemos  este  tópico  transcrevendo  do 
Almanach  de  Viseu  de  1884  ^  o  bello  artigo 
que  o  sr.  Julio  Teixeira  dedicou  ao  nosso 
blographado,  pintando  o  com  vivas  cores. 

Ê  o  seguinte: 

«Jose  d'Otiveira  Berardo.  Eis  o  nome  do 
homem  mais  afamado  e  mais  excêntrico  que 
Viseu  teve  até  hoje,  durante  este  século. . . 

Foi  alferes  de  milícias  durante  9  annos- 
Preso  como  afTecto  ao  liberalismo,  percorreu 
por  espaço  de  tres  annos  (1828  a  1831)  as 


dr.  José  do  Amaral  B.  de  Toro,  pag.  79, 137, 
160  e  226. 

É  finalmente  sócio  da  Sociedade  promo- 
tora de  Bellas  Aries  em  Portugal  e  sócio  cor- 
respondente da  Real  Associação  dos  Bene- 
méritos Italianos  de  Palermo,  etc. 
-  1  Não  se  confunda  o  Almanach  de  Viseu, 
com  o  Álbum  Visiense,  também  publicado 
no  mesmo  anno  de  1884. 

V.  pag.  1665,  col.  2.»  supra. 


cadeias  de  Mangualde,  Viseu,  Almeida  e  Re- 
lação do  Porto. . . 

Em  1835  era  Berardo  eleito  vereador  mu- 
nicipal. Desde  1836  a  1839  exerceu  o  car- 
go de  administrador  do  concelho.  Em  1844 
é  nomeado  mestre  de  historia  sagrada  e  ec- 
clpsiastica  para  o  seminário  diocesano  vi- 
siense; mas,  sendo  accusado  de  lutherano  e 
calvinista,  (?)  breve  teve  de  resignar. 

Presbytero  aos  40  annos,  foi  elle  o  primei- 
ro reitor  do  lyceu  visiense,  chegando  á  digni- 
dade de  cónego  (janeiro  de  1862)  quando  .^e 
aproximava  o  momento  em  que  a  trajectória 
da  existência  tomou  o  ponto  extremo  da  sua 
evolução  (outubro  de  62)  i. 

Avaliado  pelo  rasto  grandioso,  tradicio- 
nal, que  a  sua  passagem  deixou  e  se  man- 
tém quasi  indelével,  jamais  a  consagração 
popular,  cremos  que  um  pouco  mconscien- 
te  6  sem  critica,  deu  proporções  e  vulto  mais 
avantajados  a  ninguém  na  sua  própria  terra. 

Com  a  sua  agigantada  figura  de  homem 
membrudo  e  de  formas  esculpiuraes,  o  pa- 
dre Berardo  enchia  litteralm'  nte  as  ruas 
tortuosas  e  apprtadas  de  Viseu;  com  as  suas 
grande?  botas  de  coiro  grosso  e  bem  ferra- 
das cobria  as  lages  amplas  e  mal  gradadas; 
com  as  suas  polemicas  de  uma  lógica  ás  ve- 
zes capciosa,  dura  como  ferro  e  de  quando 
em  quando  soez,  elle  enchia  inteiramente  a 
sua  terra. 

«Segundo  a  tradição  popular,  Berardo 
nada  ignorava!  Era  paleographo,  latinista  e 
antiquário;  archeologo,  jurista,  naturalista, 
phiiologo,  medico,  engenheiro,  mathematieo, 
historiographo,  iheologo,  philosopho  e  mu- 
sico!... 

Uma  verdadeira  encyclopedia  encaderna- 
da em  saragoça  de  Gouveia  ^  ferrenho  e  for- 


1  Antes  de  ser  nomeado  cónego,  foi  paro- 
cho  de  Ribafeita  no  concelho  de  Viseu. 

P.  A.  Ferreira. 

2  Na  villa  e  no  concelho  de  Gouveia  ha  27 
fabricas  de  saragoça  e  com  estes  rudes  lani- 
fícios se  tem  feito  ali  boas  casas,  avultando 
entre  ellas  a  dos  Rainhas,  avaliada  em  600 
a  700  contos! 

V.  Gouveia  e  Villa  Nova  de  Tazem. 


1818  VIS 


VIS 


temente  agarrado  ao  dogmatismo  e  infalli- 
bilidadf»  das  suas  opmiões;  sem  ideal  no  fu- 
turo que  o  fizesse  propagandista  e  o  com- 
pellisse  a  preparar  as  causas  de  revolução 
mais  ou  menos  afastada.  Gomtudo,  n'uma 
época  mais  remota  a  imaginação  popular 
tel  o-hia  desfigurado  creando  em  seu  logar 
«m  mytho> 

Honrado  e  bom,  o  padre  Berardo  foi  um 
colosso  que  encheu  a  pátria  de  D.  Duarte, 
mas  a  sua  descommunal  grandeza  parece 
que  não  logrou  transpor  os  muros  da  velha 
cidade  sem  se  amesquinhar  e  reduzir  quasi 
a  um  ponto  sem  brilho. 

Quaes  foram  os  méritos  do  padre  Be- 
rardo? 

—Os  títulos  de  soeio  correspondente  da 
Academia  Real  das  Seieneias  de  Lisboa;  das 
Academias  de  archeologia  de  Roma  e  de 
Berlim,  do  Instituto  de  Coimbra,  parece  res- 
ponderem não  desfavoravelmente.  Entretan- 
to uma  commissão  presidida  por  João  Men- 
des da  Silva,  no  intuito  de  prestar  à  sua  me- 
moria manifestação e  preito  condignos,  revol- 
veu os  seus  manuscriptos,  mas,  segundo  se 
affirma,  nada  absolutamente  appareceu  con- 
digno ao  fim  proposto,  mallogrando -se  d'este 
modo  a  projectada  manifestação.  De  maneira 
que,  se  o  padre  Berardo  alguma  coisa  de  me- 
recimento escreveu,  tudo  isso  resumiu-se  nas 
memorias  por  elle  enviadas  ás  academias  de 
que  era  sócio. 


«Na  visita  que  Alexandre  Herculano 
fez  a  Viseu  procurou  o  padre  Berardo 


1  Os  paes  o  destinavam  para  a  vida  mo- 
nástica, pois  o  metteram  do  convento  dos 
Jeronymos  em  Belém,  onde  viveu  alguns  an- 
nos  e  fez  os  seus  primeiros  estudos,  mas  de- 
pois abandonou  o  convento  e  foi  militar,  etc. 

Consta  que  alem  das  obras  apontadas  por 
nós  e  por  Inooeencio,  publicara  um  livro  so- 
bre historia  natural  e  vários  folhetos  defen- 
dendo a  nomeação  dos  vigários  capitulares, 
nomeação  que  deu  origem  a  ura  schisma  e 
grandes  desgostos  em  1834  a  i844. 

P.  Ferreira. 


e  diz-se  que  o  notável  historiador  o  elo- 
giara. 1 

O  vulto  lendário,  creado  pela  imaginação 
phantasiosa  do  povo  seu  conterrâneo,  pôde 
bem  resumir-se  nas  duas  seguintes  anecdo- 
tas: 

Certo  dia,  questionando  acaloradamente 
com  João  Viciorino,  medico  afamado  na  ter- 
ra, este,  a  certo  dito  de  Berardo,  replicou- 
Ihe: 

— Cale-se,  porque  em  medicina  ignora  vo- 
cê tudo  completamente! 

Berardo  desppareceu;  no  fim  de  oito  dias 
viram-n'o  procurar  com  insistência  o  medi- 
co. Os  dois  contendores  encontraram-se  no 
ponto  onde  se  suscitára  a  questão;  a  lucta 
foi  renhida,  mas  o  medico  teve  a  desgraça 
de  se  ver  em  publico  inteiramente  derro- 
tado! 

Certa  noite,  recolhendo  á  Casa  do  Cru- 
zeiro, encontrou  o  portão  do  pateo  fechado 
e  lá  dentro  havia  toques,  descantes  e  dan- 
ças populares.  Elie  berrou,  mas  o  seu  enor- 
me vozeirão  perdia-sen'aquellelabyrinto  de 
sons.  Então  volta  convenieniemente  a  re- 
gião lombar  e  firmando-se  no  bengalão  des- 
pede alternadamente  as  suas  tremendas  bo- 
tas. Como  ariete  das  guerras  medievaes  ba- 
tendo em  cheio  na  muralha,  tres  vezes  se 
ouviu— pá! 


i  Também  quando  Raczinski  em  1843  a 
1845  percorreu  Portugal,  estudando  os  nos- 
sos monumentos  artísticos,  Berardo  lhe  pres- 
tou relevantes  serviços,  como  o  próprio  con- 
de no  seu  Dicciônaire  du  Portugal,  verbo 
Berardo,  confessa,  elogiando-o: 

*  Berardo,  escriptor  publico,  de  40  annos 
de  idade  aproximadamente,  vive  na  cidade 
de  Viseu  e  é  dotado  de  grande  zelo  pela  gloria 
litteraria  de  Portugal.  Homem  muito  instruí- 
do e  de  posição  muito  independente,  en- 
trega-se  com  ardor  ao  estudo.  Foi  elle  quem 
descobriu  o  assento  do  baptismo  de  Vasco 
Fernandes  e  tem-se  dedicado  com  a  maior 
felicidade  ás  pesquisas  tendentes  a  esclare- 
cer as  trevas  que  ainda  em  1843  envolviam 
a  existência  d'aquelle  pintor.  (Vejam-se  as 
minhas  Cartas,  pag.  300  a  308,  370  e  371). 
Tem  eseripto  varias  memorias  históricas 
com  relação  a  Viseu,  das  quaes  o  Panorama 
deu  alguns  extractos  no  vol.  5."  n  ^  216,  pag. 
185.. 


VIS 


VIS  1819 


A  tranca  chiou,  gemeu  e  estalou  ao  ter- 
ceiro embate,  deixando  rodar  a  porta  rápi- 
da e  estrondosamente  até  o  coice,  no  meio 
do  silencio  produzido  de  repente,  do  assom- 
bro e  do  receio  causado  pela  apparição  sú- 
bita da  figura  membruda  e  hercúlea  do  pa- 
dre Berardo. 

Julio  Teixeira.» 

—Haphael  Carlos  Pereira  de  Souza. 

Reside  ha  muitos  annos  na  aldeia  de  Pe- 
dras Rubras,  freguezia  de  Moreira,  concelho 
da  Maia,  dislricto  do  Porto,  mas  nasceu  na 
cidade  de  Viseu  em  3  de  março  de  1821  e 
foram  seus  paes  Francisco  Manuel  Pereira 
de  Sousa,  escrivão  da  provedoria  visiense,  e 
Thereza  Rieardina  de  Jesus. 

Aprendeu  em  Guimarães  a  arte  de  ferra- 
dor, officio  que  ali  exerceu,  bem  como 
em  Azurara  de  Villa  do  Conde,  Casal  de 
Pedro,  Ponte  de  Lima  e  Vianna  do  Castello. 

Em  Casal  de  Pedro  tomou  conhecimento 
com  um  pharmaceutico  d'aquella  aldeia,  que 
tinha  uma  boa  livraria.  Leu  muito  e  tomou 
gosto  pela  astronomia. 

Em  1847  foi  para  Pedras  Rubras,  onde  ca- 
sou em  1848  com  Maria  Alves  Pereira,  filha 
d'aquella  povoação. 

É  ferrador  com  carta  de  veterinário,  pin- 
tor, alfaiate^  funileiro,  tamanqueiro,  espin- 
gardeiro, fogueteiro,  sapateiro,  professor  de 
instrucçào  primaria  pelo  methodo  de  João 
de  Deus,  astrónomo  e  escriptor  publico,  pois 
este  homem  encyclopedieo,  excellente  pes- 
soa, muito  tratavel,  muito  apresentável  e 
bom  conversador,  tem  muito  talento  e  bas- 
tantes conhecimentos;  aprendeu  o  francez 
sem  mestre,  começou  a  escrever  o  calendário 
para  o  Almanach  de  Lembranças,  de  Casti- 
lho;—tem  collaborado  também  no  Almanach 
da  Porto  e  no  Almanach  das  Senhoras  —  e 
são  frueto  seu  as  publicações  seguintes: 

— Almanach  Borda  Leça,  desde  1850  até 
hoje  (1888); 

— O  Livro  do  Futuro  (Lunario  Perpetuo) 
ou  arte  da  adivinhar  pela  astronomia,  chi- 
romancia,  cartomancia  6  mais  seieneias  oe- 
eultas; 

—Pypthechnica,  ou  iVouo  Manual  do  Fo- 
gueteiro; 


—Nova  Veterinária,  ou  compendio  de 
medicina  veterinária  theorieo  e  pratico,  con- 
servação e  hygiene,  anatomia,  cirurgia  e  pa- 
thologia,  seguido  de  um  formulário  geral 
com  todos  os  medicamentos  necessários  e 
descobertas  que  ultimamente  se  teem  feito 
na  medicina  veterinária. 

É  isto  o  que  se  lê  em  um  ariigo  que  o  sr. 
Padre  João  Vieira  Neves  Castro  da  Cruz, 
distineto  escriptor  catholico^,  publicou  em 
1884  na  Revista  da  Maia,  (o."  13,  3.°  anno) 
da  qual  era  proprietário  e  redactor  princi- 
pal, o  sr.  Abilio  Augusto  Monteiro,  illustrado 
tabellião  na  Maia  e  auctor  d'outras  publica- 
ções não  menos  interessantes,  posto  que  nem 
o  Diccion.  de  Innoceneio,  nem  o  seu  conti- 
nuador Brito  Aranha  o  mencionam  como  es- 
criptor. 

Como  additamento  ao  artigo  supra,  lê  se 
em  uma  nota  da  redacção  o  seguinte: 

«Ha  poucos  annos  appareceu  em  alguns 
jornaes  do  Porto  um  annuncio  do  sr.  Ra- 
phael  Carlos  Pereira  de  Sousa,  oíTerecendo 
á  venda  um  seu  invento:  —  uma  machina 
para  em  60  minutos  exterminar  um  exercito 
de  100:000  homensl  Pouco  depois  soubemos 
haver  vendido  a  invenção;  e,  logo  que  nos 
foi  possível,  procuramol-o  para  indagarmos- 
a  verdade. 

Disse-nos  apenas:  —  tO  invento  consiste 
n'uma  metralhadora  giratória  e  tão  leve  que 
pode  ser  conduzida  às  costas  d'um  homem. 
Dispara  em  2  minutos  6  tiros  de  5  balas 
cada  um.» 

Perguntando-lhe  o  nome  do  comprador  e 
o  preço  da  venda,  respondeu-nos  que  tinha 
a  sua  palavra  compromettida  em  não  divul- 
(/ar,— não  o  nome  d'âquelle,  que  ignorava, 
sabendo  apenas  que  residia  em  Inglaterra, 
mas  o  do  seu  agente  no  Porto,  e  que  re- 
cebeu pelo  plano  a  quantia  de  501000 
réis.» 

E  lá  foi  para  a  Inglaterra  a  invenção  por- 


1  V.  Milheiros  da  Maia,  tomo  5.°  pag.  227, 
coL  2.*— e  este  artigo  Viseu,  pag.  1591,  eol. 
1.» 


1820  VIS 


VIS 


tugueza  de  uma  arma  talvez  ÍDteres8antis-  j 
sima  e  que  venha  a  fazer  a  gloria  e  fortuna  i 
d'algum  eatrangeirol . . . 

Terminaremos  dizendo  que  este  benemé- 
rito visiense,  tão  trabalhador  e  com  tanto  ta- 
lento e  tantas  aptidões,— es/á  pobrel  ^ 

— Antonio  d'Oliveira  da  Silva  Gaio,  dou- 
tor em  mediema  e  lente  da  mesma  faculda- 
de na  Universidade  de  Coimbra,  onde  se 
graduou  em  31  de  julho  de  1858. 

Era  filho  de  Manuel  Joaquim  d'Almeida 
Silva  Gaio,  bacharel  em  direito,  e  de  sua 
mulher  D.  Anna  Augusta.  Nasceu  em  Viseu 
no  dia  14  d'agosto  de  1830  e  falleceu  no 
Bussaco  em  8  d'agoslo  de  1870.  contando 
apenas  40  annos  e  tendo  publicado  as  obras 
seguintes: 

— A  Lithotricia. . .  Dissertação  inaugural, 
Coimbra,  18S8. 

—O  Mário,  romance  histórico  em  2  volu- 
mes. 

— D.  Fr.  Caetano  Brandão,  —  drama  his- 
tórico. 

Foi  lambem  redactor  principal  do  Com- 
mercio  de  Coimbra  em  1863  a  1864  e  colla- 
borador  d'oulros  muitos  jornaes  políticos  e 
litlerarios. 

— Francisco  Manuel  Correia. 

Nasceu  na  cidade  de  Viseu  em  1800  e  fal 
leceu  na  mesma  cidade  em  18  de  setembro 
de  1882  no  estado  de  solteiro. 

Foram  seus  paes  Manuel  Francisco  Cor- 
reia e  Maria  Clara  dos  Anjos. 

Cursou  as  aulas  do  lyceu  visiense  e  par- 
te das  do  Seminário  episcopal  com  o  intuito 
de  se  ordenar,  mas  apenas  recebeu  em  Pi- 
nhel  ordens  menores;  desistiu  da  ordenação 
por  não  poder  eonformar-se  com  o  novo  re- 
gimen politico  de  1834. 

Era  uma  exeellente  pessoa,  muito  religio- 


1  Na  mencionada  aldeia  de  Pedras  Rubras 
tem  hoje  uma  estação  a  linha  férrea  da  Po- 
voa—e ali  acampou  o  exercito  de  D.  Pedro 
em  1832,  depois  do  desembarque  em  Pam- 
pellido,  vulgo  Mindello. 


so  e  muito  curioso  na  investigação  de  anti- 
guidades, pelo  que,  apesar  dos  ténues  meios 
de  que  dispunha,  gastou  a  maior  parte  da 
sua  longa  vida  estudando  a  historia,  os  tem- 
plos e  as  antiguidades  de  Viseu  e  deixou 
manuscripta  uma  interessante  memoria  tan- 
tas vezes  por  nós  citada  e  por  elle  intitula- 
da— Memorias  em  respeito  á  cidade  de  Viseu, 
sua  antiga  fortificação,  cattiedral,  bispos  e 
priores,  cabido  e  ducado  extincto  e  mais  no- 
tabilidades  de  remota  antiguidade  e  posterio- 
res, de  que  ha  noticia. 

Por  hum  curiozo  visiense 
Anno  1816 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  quw 
d'esta  Memoria  e  do  ?eu  benemérito  auctnr 
já  dissemos  supra,  pag.  Í573,  col.  1.»  e  2.% 
— e  pag.  1590,  col.  2.« 

É  uma  das  monographias  de  Vi.^eu  mais 
interessantes  e  muito  digna  de  ser  publica- 
da, mesmo  porque  ainda  não  ha  d'ella  copia 
alguma  e  está  exposta  a  desapparecer  de 
um  mompntn  para  o  outro,  o  que  seria  um-i 
grande  perda  para  Viseu,  pois  só  a  descri- 
pção  e  a  planta  baixa  da  Sé  representam  um 
trabalho  impertinentíssimo  e  conscienciosís- 
simo de  muitos  annos!.. . 

— Dr.  Paulo  Emilio. 

Foi  homem  muito  lllustrado  e  muito  con- 
siderado em  Viseu,  fundador  e  principal 
redactor  do  Viriato  e  dislincto  juriscon- 
sulto. 

— Dr.  Manuel  José  d^Almeida. 

Foi  um  talento  de  primeira  plana,  jorna- 
lista muito  dislincto  e  afamado  juriscon- 
sulto. 

Falleceu  no  3.°  quartel  d'este  século. 

— Padre  Leonardo  de  Sousa. 

Posto  que  era  lisbonense,  residiu  muitos 
annos  em  Viseu,  como  congregado  do  Ora- 
tório e  honrou  Viseu  com  os  seus  escriptos, 
pois  é  o  auctor  do  Epitome  carmeíitano,  já 


VIS 


VIS  1821 


impresso  1,  e  do  esplendido  Catalogo  dos 
bispos  de  Viseu,  ainda  ms.  e  tantas  vezes  por 
nós  citado. 

V.  pag.  1591,  eol.  1.»,  e  pag.  i649,  col. 
2.*  in  fine,  onde  fizemos  detida  menção  d'este 
precioso  catalogo,  até  Iioje  completamente 
desconhecido,  e  aproveitando  o  ensejo,  di- 
remos que  já  depois  de  escrevermos  aquellas 
linhas  appareceram  em  Viseu  os  dois  pri- 
meiros tomos  do  dito  catalogo  na  livraria  do 
sr.  conde  de  Prime,  a  quem  o  sr,  Antonio 
d'Almeida  Campos  e  Silva  muito  generosa- 
mente deu  o  3.»  volume  que  possuia.  Está 
pois  completo  o  dito  catalogo  e  bem  estima- 
ríamos que  tosse  dado  ao  prelo,  porque  é 
muito  interessante  e  pôde  desapparecer  de 
um  momento  para  o  outro,  por  ser  exem- 
plar unicol  E  já  correu  imminente  risco, 
pois,  pertencendo  á  livraria  do  convento  dos 
congregados  de  Viseu,  que  desde  1824  é  se- 
minário diocesano,  ali  estava  quando  ardeu 
o  edifício  em  1841.2 

O  fogo  poupou  a  bibliotheca,  mas  no  mo- 
mento e  como  prevenção,  quando  o  incêndio 
estava  devorando  a  casa,  atiraram  com  os 
livros  todos  para  a  cerca  e  ali  permanece- 
ram alguns  dias  ao  lado  do  grande  brazei- 
ro.  Muitos  ficaram  deteriorados  e  outros  fo- 
ram roubados,  —  entrando  n'este  numero  o 
pobre  catalogo,  que  andou  de  mão  em  mão, 
indo  parar  o  3."  volume  ao  Porto  e  o  e 
2."  à  bibliotheca  do  sr.  conde  de  Prime,  on- 
de post  tot  tantosque  labores  de  novo  se  re- 
uniram os  tres! 

Bem  estimaríamos,  pois,  que  fosse  dado 
ao  prelo,  mesmo  porque  tem  siogular  me- 
recimento e  é  muito  lisongeiro  para  Viseu^ 

Nós  apenas  vimos  e  folheámos  o  3.°  tomo; 
viu,  porém,  e  folheou  os  2  primeiros  o  sr. 
dr.  Nicolau  Pereira  de  Mendonça,  ficando 
extasiado.  Em  carta  com  data  de  2  de  se- 
tembro de  1887  s.  ex.»  nos  disse:  «Hontem, 
passei  pelos  olhos  os  2  primeiros  volumes 
ádiS  Memorias  do  padre  Sousa  e  fartei  me  de 
gostar.  Com  que  miudesa  e  claresa  elle  nar- 


1  V.  pag.  1685,  col.  1.» 

2  V.  pag.  1645,  col.  2." 

VOLUME  XI 


ra  os  factos!  Conheceu  melhor  e  versou 
mais  o  antiquíssimo  archivo  da  Sé  de  Viseu, 
do  que  Botelho,  Coldt  e  quantos  o  precede- 
ram. Além  de  não  ser  tão  massador  como  a 
dr.  Botelho,  é  mais  critico,  tem  melhor  lin- 
guagem e  é  talvez  mais  consciencioso. 

•  Que  elogio  elle  faz  da  província  da  Bei- 
ra na  grande  Introducção  e  Anfilóquio,  com 
que  abre  o  l."  volume!  Até  para  engrande- 
cel-a  cita  os  2  factos  seguintes:  D.  Diniz 
intitula-se  nos  documentos  e  alvarás  Rei  da 
Beira,  e  D.  João  III  chama  á  Beira  —  Lago 
de  gente  nobre?! .  . 

€0  que  elle  sabia  de  historia  e  humani- 
dades! Que  miúdos  conhecimentos  elle  já 
tinha  de  estatística  e  da  população  do  nosso 
paiz!  A  este  respeito  cita  dado?  tão  miúdos, 
que  não  será  fácil  encontrai -os  em  outro  es- 
críptor  amigo!» 

O  padre  Leonardo  de  Sousa  foi  sócio  da 
Academia  Real  de  Historia  Portugueza,  na 
qual  succedeu  ao  seu  confrade  João  Coldt, 
como  este  a  D.  Luiz  Caetano  de  Lima,  a 
quem  a  mesma  Academia  primeiramente 
encarregou  de  escrever  a  historia  ecelesias- 
tiea  de  Viseu,  historia  que  o  padre  Coldt 
tratou  muito  de  leve  no  seu  resumido  ca/a- 
logo. 

V.  pag.  1590,  col.  1.»  supra. 
O  sr.  dr.  Nicolau  diz  ainda: 
i Saberá  que  os  2  primeiros  volumes  do 
Catalogo  do  padre  Sousa  estão  completosí 
No       que  tem  muitas  folhas  soltas,  não 
j  fâlta  uma  só.  Até  na  Introducção  e  AntilO' 
1  quio,  que  comprehendem  23  folhas,  nada 
falta,  o  que  admirei,  estando  completamente 

desencadernado'^! »  

Com  vista  ao  sr.  conde  de 
Prime  e  a  todos  os  filhos  de 
Viseu  que  tenham  amor  á  sua 
pátria  e  presem  as  boas  lel- 
iras. 


Não  nos  oceorrem  no  momento  mais  es-  ^ 
criptores  filhos  de  Viseu.  Quem  vier  depois 
de  nós  que  complete  a  lista  e  a  ponha  em 
ordem  alphabetica,  pois  nós  nem  para  isso 
lemos  tempo! 

Não  mencionamos  os  eseriptores  visien- 

115 


1822  VIS 


VIS 


ses  contemporâneos  (desculpem  ss.  ex.")  por 
que  somos  estranhos  a  Viseu  e  não  temos  a 
honra  de  os  conhecer,  mas  pôde  formar-se 
ideia  do  grande  numero  d*elles  pelo  grande 
numero  de  jornaes  que  actualmente  se  pu- 
blicam em  Viseu. 

V.  pag.  1640,  col.  1.»  e  segg. 

Passemos  a  outro  tópico. 

Visienses  illustres  pelas  lettras 
mas  não  escriptores 

Padre  José  Bernardo  d" Almeida. 

Foi  professor  publico  de  grammattca  lati- 
na, e  era  homem  de  muito  talento,  mas  pou- 
co estudo. 

Nada  publicou  e  falleeeu  em  i817. 

—João  Viciorino  de  Sousa  Albuquerque, 
bacharel  formado  em  medicina. 

Aos  vastos  conhecimentos  theoricos  e  prá- 
ticos da  sua  profissão  reunia  outros  muitos 
de  sciencias  politicas,  económicas,  etc,  co- 
mo provara  os  diários  das  camarás  legislati- 
vas, de  que  foi  membro. 

Também  conhecia  e  cultivava  as  bellas- 
lettras,  nomeadamente  a  poesia,  «como  tive- 
mos occasião  de  ver  n'algumas  das  suas  pro- 
dueções»— diz  Berardo  nas  suas  Memorias> 
cap.  10. 

Falleeeu  em  1854. 

— Dr.  Manuel  da  Veiga  Esteves. 

Foi  cónego  magistral  na  Sé  de  Viseu  e 
abbade  de  Santa  Maria  do  Castello  em  Pi- 
nhel. 

— Dr.  Gaspar  Homem  Cardoso. 
Foi  lente  de  Instituía  na  Universidade  de 
Coimbra. 

— Dr.  Francisco  Cardoso  do  Amaral,  ir- 
mão do  antecedente. 

Foi  lente  de  direito  na  Universidade,  des- 
embargador dos  aggravos,  corregedor  do 
crime,  etc. 

— Fr.  Caetano  da  Annunciada. 

Foi  Agostinho  descalço,  ou  frade  gr^lo^  e 


professou  no  seu  convento  de  Portalegre  no 
dia  16  de  novembro  de  1718. 
Foi  o  l.«  visiense  religioso  da  dita  ordem. 

— Fr.  Francisco  de  Santa  Genoveva,  re- 
ligioso da  mesma  ordem. 

Professou  no  seu  convento  da  Boa  Hora, 
em  Lisboa,  no  dia  14  de  setembro  de  1746. 

— Dr.  Antonio  de  Barros. 

Foi  lente  de  theologia  em  Coimbra. 

—Dr.  Manuel  Machado  d' Andrade. 

Foi  também  lente  dos  3  livros  do  Código 
em  Coimbra,  deputado  do  Santo  Offleio,  có- 
nego doutoral  na  Guarda  e  Braga,  etc. 

—Dr.  Manuel  Alvares  Tavares. 
Foi  deão  na  Sé  de  Viseu,  inquisidor  em 
Évora,  do  conselho  geral,  etc. 

— Dr.  Fernando  Bodrigues  Cardoso. 

Foi  lente  de  prima  na  faculdade  de  medi- 
cina em  Coimbra  e  physico-mor  do  rei- 
no, etc. 

— Dr.  Jorge  do  Amaral. 

Foi  lente  de  código  era  Coimbra,  desem- 
bargador da  supplicação  e  corregedor  da 
côrie  em  Lisboa. 

— Dr.  Antonio  d' Andrade  do  Amaral. 
Foi  lente  de  leis  em  Coimbra  e  desembar- 
gador dos  aggravos,  etc. 

—  O  rev.  dr.  Albino  Jacintho  José  d' An- 
drade e  Silva,  filho  de  João  Carlos  d' Andra- 
de e  Silva  e  de  D.  Maria  Emilia  de  Gouveia 
Duarte  Figueiredo  Castello  Branco. 

Foi  meu  contemporâneo  na  Universidade, 
e  no  6.°  anno  da  formatura  d'elle  (18S5-1856) 
foi  meu  condiscípulo,  pois  frequentava  eu 
então  o  5."  como  ordinaj-io  e  elle  como  re- 
petente. 

Era  uma  excellente  pessoa,  muito  sympa- 
thico,  muito  tratavel  e  tinha  um  talento 
enormel 

Nasceu  em  5  de  junho  de  1831;  doutorou- 
se  em  theologia  no  anno  de  18S6,  tendo  si- 
do sempre  o  1."  premiado  do  seu  curso;  foi 


VIS 


VIS  1823 


professor  de  seiencias  ecclesiasticas  no  se- 
minário episcopal  de  Viseu  e  no  da  patriar- 
chal  em  Santarém,— depois  lenle  calhedra- 
tico  de  tlieologia  na  Universidade  de  Coim- 
bra, onde  falleceu  a  22  de  fevereiro  de 
1875. 

Teve  um  tio  paterno,  Joaquim  José  d' An- 
drade e  Silva,  cónego  da  cathedral  e  forma- 
do em  direito;  3  irmãos,  João,  Jacintho  e 
Joaquim,  formados  em  direito;  outro,  Luiz, 
em  medicina,  e  outro  que  não  se  formou,  mas 
é  padre.  Este  ultimo  ainda  hoje  vive,  bem 
como  o  bacharel  em  direito—  Joaquim  José 
d'Andrade  e  Silva,  irmão  do  biographado. 
V.  pag.  1726,  col.  1.» 

—Dr.  Antonio  de  Sá  Mourão,  sogro  do  ce- 
lebre medico  e  distincto  escriplor  publico 
Braz  Luiz  d' Abreu. 

Veja-se  o  que  dissemos,  fallando  de  D- 
Josepha  Maria  de  Sá,  no  prmcipio  d'este  tó- 
pico. 

— Dr.  Belchior  Lourenço,  fundador  do  con- 
vento de  Jesus,  das  freiras  benedietinas,  em 
Viseu. 

V.  pag.  1661,  col.  1.» 

—Dr.  João  Saraiva  de  Carvalho. 

Foi  desembargador  e  era  filho  do  mestre 
pedreiro  David  Alvares,  de  quem  fallaremo» 
adiante  no  tópico  dos  artistas. 

—Dr.  Antonio  Luiz  Dourado,  medico  e 
operador  distinctissimo,  filho  de  Luiz  José 
d'01iveira  Dourado  e  de  D.  Anna  Bernardi- 
na de  Vasconcellos. 

Nasceu  em  19  ã%  setembro  de  1807,  e 
suppomos  que  ainda  vive. 

No  Álbum  Visiense,  pag.  25  a  27,  .se  en. 
contra  o  seu  retrato  e  a  sua  interessante 
biographia,  que  bem  desejávamos  transcre- 
ver, mas  já  o  não  comportam  as  dimensões 
d'este  artigo. 

«É  s.  ex."  o  exemplo  vivo  do  mais  bri- 
lhante desinteresse,  do  grande  sentimento 
altruísta  e  da  mais  incansável  dedicação  que 
pôde  eneontrar-se  em  Viseu»  —  como  diz  o 
seu  biographo,— e  foi  também  o  1.»  que  em 


V  iseu  empregou  o  chloroformio  nas  opera 
çoes. 

— Dr.  Francisco  Paes  Cardoso. 
Foi  juiz  de  fora  em  Pinhel. 

— Dr.  João  Homem  Cardoso,  irmão  do 
antecedente. 
Foi  provedor  em  Guimarães. 

— Dr.  Pedro  Vaz  do  Amaral. 

Foi  à  índia;  no  seu  regresso  instituiu  o 
morgado  de  Pindo  em  1S47,  —  e  posterior- 
mente foi  chaneeller-mor  do  reino,  do  con- 
celho d'el-rei,  desembargador  do  Paço,  ete. 

Dialogo  4.°  de  Botelho,  cap.  36.^ 

— Dr.  Belchior  do  Amaral. 

Achou-se  com  el-rei  D.  Sebastião  na  tris- 
tíssima batalha  d'Aleacer-Kivir,  onde  ficou 
captivo  dos  mouros,  e  depois  do  seu  resga- 
te foi  desembargador  do  paço,  etc. 

Diálogos  de  Botelho,  logar  citado— m  fine- 

—Dr.  João  Affonso. 

Casou  com  Leonor  Botelho,  da  nobre  fa- 
mília Boíelhos  de  Mondim,  Viseu  e  Traz-os. 
Montes,  e  foi  meirinho  da  correição  da  Bei- 
ra, etc. 

V.  Dial.  3."  de  Botelho,  cap.  15.  pag.  239 
no  códice  de  Girabôlhos. 

—Dr.  Affonso  Botelho,  filho  do  antece- 
dente. 

Foi  meirinho  das  comarcas  da  Beira,  como 
seu  pae,  e  senhor  do  Fojo,  ele. 

—O  rev.  Luiz  Eanes  de  Loureiro,  fidalgo 
distinctissimo  e  riquíssimo,  filho  de  João 
Anes  de  Loureiro,  senhor  da  quinta  e  casa 
de  Loureiro, — e  de  sua  mulher  Calharína  de 
Figueiredo,  descendente  do  celebre  bispo  de 
Viseu— D.  Gonçalo  de  Figueiredo,  o  Anchi- 
nho,  patriarcha  da  nobreza  da  Beira. 

Este  seu  descendente  não  degenerou,  pois 
foi  cónego  e  depois  arcediago  da  Sé  de  Vi- 
seu, abbade  de  S.  Miguel  de  Campia,  que 
permutou  pela  abbadia  de  Ribafeíta  no  an- 
no  de  1476.  Foi  conjuntamente  abbade  de 


1824  VIS 


VIS 


Santa  Maria  de  Silgueiros^  e  de  Santa  Maria 
de  Torre  Deita,  etc.  Como  diz  Botelho,  loc. 
cit.  infra,  «multiplicou  este  Loureiro  em  co- 
pioso frueto;  porque  de  Branca  Affonso  hou- 
ve Henrique  de  Loureiro,  e  Luiz  de  Lourei- 
ro: de  Isabel  Alvares  de  Figueiredo  teve 
Gabriel  de  Loureiro,  Duarte  de  Loureiro» 
Filippe  de  Loureiro,  Genebra  de  Figueiredo, 
Maria  de  Figueiredo,  Anna  de  Figueiredo, 
outra  que  casou  em  Serpa,  e  outra  que  foi 
freira  em  Guimarães.  De  outra  mulher  hou- 
ve outro  filho,  que  também  se  chamou  Luiz 
de  Loureiro,  e  Clara  de  Loureiro. • 

D'este  celebre  abbade,  cónego  e  arcediago, 
foi  neto  o  Grão  Capitão  Luiz  de  Loureiro^ 
como  se  deprehende  do  Dialogo  4,°  de  Bote- 
lho, cap.  22,  pag.  342  no  códice  de  Girabo- 
lhos. 

— Dr.  Francisco  de  Figueiredo,  o  Racha. 
Foi  juiz  do  duque  d'Aveiro  e  ouvidor  nas 
terras  do  infantado. 

—Orev.  Filippe  de  Loureiro,  filho  do  ce- 
lebre cónego  Luiz  Annes  de  Loureiro. 

Foi  também  cónego  da  Sé  de  Viseu  e  ab- 
bade dfc  cinco  Igrejas!? . . . 

—Fr.  Pedro  Moreira,  religioso  capucho^ 
filho  de  Francisco  Moreira  e  Antónia  do 
Bego. 

Fundou  o  convento  que  a  sua  ordem  te- 
ve em  Moncorvo  e  que  é  hoje  de  Antonio 
Caetano  d'01iveira,  o  1."  proprietário  d'â- 
quella  villa  e  um  dos  homens  mais  ricos  da 
província  de  Tras-os-Montes,^  capitalista  e 
negociante  no  Porto,  onde  vive. 


1  Este  beneficio  era  um  dos  melhores  do 
bispado  de  Viseu,  pois  ainda  em  1630  ren- 
dia 400^000  réis  e  era  da  aprezentação  da 
casa  do  dicto  abbade,  porque  seu  pae  e  tias 
dotaram  largamente  e  com  essa  condição  a 
dieta  egreja,  que  havia  sido  fundada  por  Da- 
ganel  e  D.  Sancha,  fidalgos  distinctos,  avós 
paternos  do  mesmo  abbade  e  senhores  da 
casa  e  quinta  de  Loureiro.  V.  Silgueiros  e 
Dial.  4.»  de  Botelho,  cap.  22. 

2  Só  das  propriedades  que  possue  no  con- 
celho de  Moncorvo  pagou  no  ultimo  anno 
(1887)  1:100^000  réis  de  contribuições?!... 

V.  Moncorvo  n'esle  Diccion.  e  no  supple- 
mento. 


— Dr.  Jorge  do  Amaral,  irmão  de  João 
Paes  do  Amaral,  casado  com  Maria  de  Lou- 
reiro, prima  do  Grão  Capitão  Luiz  de  Lou- 
reiro e  filho  d'outro  Luiz  de  Loureiro,  o  do 
Penedo,  assim  denominado  por  viver  em 
umas  casas  assentes  em  um  grande  penedo 
na  rua  do  Soar,  em  Viseu. 

Foi  eorregador  da  Corte. 

—  O  licenciado  Alvares  Cardoso. 

Foi  aio  do  infante  D.  Pedro,  o  da  Alfarro- 
beira, irmão  d'el-rei  D.  Duarte. 

Dial.  4."  de  Botelho,  cap.  26,  in  prin- 
cipio. 

— Dr.  Mathias  Ferrão,  filho  de  Antonio 
Ferrão  e  de  Guiomar  (ou  Caiharina)  de 
Mesquita. 

Foi  provedor  em  Portalegre. 

— Dr.  Pedro  Lopes  Cardoso,  filho  de  Lopo 
Alvares  Cardoso  e  de  sua  1.»  mulher  Leo- 
nor Rodrigues,  Cardoso. 

Foi  dezembargador  da  Supplicação  e  o 
l.e  corregedor  da  comarca  da  Beira  no  tem- 
po d'el-rei  D.  Manuel,  em  1508. 

—  Dr.  Francisco  Cardoso,  filho  do  cónego 
João  Lopes  Cardoso  e  de  Ignez  Alvares. 

Foi  fidalgo,  cujo  filhamento  se  fez  em  3 
d'agosto  de  1556, —  e  ouvidor  do  infante  D. 
Luiz  nas  terras  da  Beira,  o  qual  em  1546  lhe 
deu  o  título  de  dezembargador  da  supplica- 
ção;—e  em  1559  a  infanta  D.  Maria  o  no- 
meou seu  ouvidor  na  cidade  de  Viseu,  cujo 
senhorio  então  era  da  dita  infanta. 

Foi  também  commendador  de  Castello 
Mendo,  etc.  » 

Casou  com  Antónia  de  Caceres,  filha  de 
Gonçalo  de  Caceres,  também  cónego  da  Só 
de  Viseu,  como  fôra  o  pae  d'elle,  e  houve- 
ram entre  outros  filhos,  João  Lopes  Cardo- 
so, pae  de  João  Cardoso  de  Caceres,  o  Nada 
lhe  luz,  por  alcunha. 

Dial.  4.»  de  Bot.  cap.  26. 

—  O  cónego  Henrique  de  Lemos. 
Mandou  fazer  o  monumental  cruzeiro  de 

Santa  Cbristioa  em  1563. 


VIS 


VIS  1825 


V.  pag.  lo82,  col.  2.»  {nota)  supra,  e  pag. 
1730,  col.  1.»  m  fine. 

—  O  padre  jesuíta  Bernardo  Pereira  e 
seu  irmão 

—Fr.  Rodrigo  de  Jesus,  da  ordem  do 
Carmo. 

V.  pag.  15i7,  col.  m  fine,  onde  já  fize- 
mos menção  d*e3tes  2  virtuosos  varões.  No 
Dialogo  5."  de  Botelho,  eap.  17.»,  18.°,  19.»  e 
20.*,  pag.  449  a  469,  (códice  de  Girabôlho)  se 
encontra  a  genealogia  d*elle3  e  uma  larga 
historia  da  vida,  trabalhos  apostólicos  e  vir- 
tudes de  um  e  outro. 

Entre  os  ascendentes  d'estes  2  marlyres  da 
fé  menciona  o  dr.  Botelho  Gonçalo  Pires  d'Al- 
meida  e  diz:  —«foi  senhor  do  morgado,  e 
celleiro  de  Moçamedes,  reguengo,  de  que  lhe 
fez  doação  Martim  Vaz  da  Cunha,  senhor  de 
Alafões  e  Besteiros,  a  qual  foi  feita  em  Oli- 
veira de  Frades,  couto  de  Santa  Cruz  e  jul- 
gado de  Altafões,  aos  17  dias  de  maio,  era  de 
Cesar  1427,  que  he  anno  de  Xpo  1389.  Foi- 
Ihe  confirmada  por  el-rei  D.  João  I  na  cida- 
de do  Porto,  aos  11  de  outubro,  anno  de 
1398,  e  n'esta  cidade  lha  tornou  a  confirmar 
aos  30  de  janeiro  anno  1410.» 

Este  tópico  elucida  o  que  no  logar  citado 
dissemos  da  Moçamedes,  ou  Mossamedes} 

«O  padre  Bernardo  Pereira  (diz  Botelho, 
loc.  cit.)  era  tão  brando  e  afável  de  condi- 
ção, que  nunca  em  sua  bocca  se  ouviu  pa- 
lavra deshonesta  nem  que  a  fama  do  próxi- 
mo tocasse,— no  que  muito  degenerava  do 
costume  da  terra  (Viseu)  hoje  (refere-se  ao 
anno  de  1630)  selva  de  feras  mais  do  que 
Líbia  pela  carne  humana,  de  que  se  cevão 
mais  que  os  cavallos  de  Diomedes,  sem  con- 
siderarem mais  os  ociosos,  que  ser  detrac- 
ção  do  próximo  todas  as  mentiras  qut  con- 
tão,  e  não  considerando  as  repugnancias,  e 


1  O  actual  conde  de  Mossamedes,  filho  2.° 
dos  condes  da  Lapa,  tomou  o  titulo  d'e8ta 
antiquíssima  villa  (quinta)  de  Mossamedes, 
por  ter  sido  um  dos  mais  nobres  solares  dos 
seus  ãute-passados. 


difficuldades  dos  casos,  nem  desenganados 
se  desdizem,  nem  com  a  verdade  se  retra- 
etão.  He-lhes  mui  diflaculloso  dar  credito  ao 
bem,  porque  a  ninguém  o  querem  ver;  e 
mais  facilmente  dão  credito  ao  mal,  porque 
todo  a  todos  o  desejão.  Taes  são  hoje  (1630) 
os  mais  grados  d'esta' terra,  (Viseu) . . 

Embarcaram  os  2  irmãos  para  a  índia  em 
1609  na  armada  de  D.  Manoel  de  Menezes? 
e  ali  chegaram  a  salvamento.  Poucos  dias 
depois  de  chegarem  à  índia  o  padre  Bernar- 
do Pereira  entrou  na  Companhia  de  Jesus  e 
n'ella  resplandeceu  em  virtude  e  seiencia, 
D'ahi  a  pouco  seu  irmão  deixon  também  as 
armas  e  se  fez  religioso  de  Nossa  Senhora 
da  Graça.  Estudou  com  muito  aproveita- 
mento e  foi  pregador  distincto:  mas  era  1623 
foi  trucidado  pelos  persas  na  tomada  de  Or- 
muz, contando  de  idade  apenas  30  annos. 

O  padre  B.  Pereira,  depois  de  ser  captivo 
e  de  sofFrer  cruéis  torturas  longo  tempo, 
sendo  enviado  para  a  missão  da  Ethiopia  em 
1624,  antes  de  chegar  ali  foi  martyrisado, 

— O  rev.  Antonio  Bernardo  de  Loureiro  do 
Amaral  Cardoso. 

Foi  cónego— mestre-escola— na  sè  de  Vi- 
seu, fidalgo  distincto,  etc. 

Viveu  no  meiado  do  ultimo  secuio  e  pos- 
suía por  compra  talvez  a  1.*  copia  dos  Diá- 
logos do  dr.  Botelho,  pois'  no  fim  do  códice 
de  Girabolhos,  tantas  vezes  por  nós  citado 
se  lê  o  seguinte: 

«Este  livro  que  compoz  Manuel  Botelho 
Bibeiro,  natural  que  foi  d'esta  cidade,  eu 
Antonio  Bernardo  de  Loureiro  do  Amara' 
Cardoso,  Mestre-Eseola  na  Santa  Igreja  Ca- 
thedral  da  dita  cidade,  o  comprei  aos  her- 
deiros de  João  da  Silva  Correa,  o  qual  o  ti- 
nha fielmente  copiado  pelo  próprio  original, 
que  n'esie  tempo  existia  em  poder  de  Anto- 
nio de  Figueiredo  de  Moraes.  Ao  dito  tras- 


1  Note-se  qne  o  dr.  Botelho  era  um  fidal- 
go visiense,  muito  illustrado,  muito  delica- 
do, sempre  franco  em  elogiar  e  muito  re- 
misso em  censurar  os  seus  patrícios. 


1826  VIS 


VIS 


lado  mandei  ajuntar  as  seguintes  noticias  da 
minha  família,  incluídas  todas  dentro  do  n.° 
de  26  appellidos,  dos  quaes  todos  tenho  as- 
cendência. Parece-me  que  vae  tudo  na  ver- 
dade, por  quanto  esta  addição  me  deve  uma 
mutto  particular  averiguação;  e  para  em  to'- 
do  o  tempo  constar  o  referido,  mandei  fazer 
aqui  esta  declaração.  Viseu  16  de  janeiro 
de  1764.»  E  em  uma  nota  se  lê  no  códice 
de  Girnbolhos  o  seguinte: 

«Separou-se  esta  addição  genealógica 
d'este  volume,  não  só  por  não  o  engrossar 
mais;  mas  por  se  ajuntar  a  outros  eseriptos, 
e  papeis  genealógicos,  a  que  pertence  pelo 
seu  objecto. 

Girabõlhos  26  d'outubro  de  1830. 

Agostinho  de  Mendonça  Falcão.» 

Como  já  dissemos  algures,  este  sr.  que 
em  18S0  vivia  em  Girabõlhos  e  que  ali  co- 
piou 0  dicto  códice,  era  o  dr.  e  ex-correge- 
dor  Agostinho  de  Mendonça  Falcão  da  Ca- 
nha e  PoVoas,  sócio  correspondente  da  nossa 
Academia  Real  das  Sciencias,  philologo  dis- 
tincto,  auctor  das  obras  indicadas  por  Inno- 
cencio  e  d'outras  muitas  que  deixou  manu- 
seriplas,  entre  ellas  uma  traducção  da  Pu- 
celle,  traducção  que  revelia  grande  trabalho 
e  tem  muito  merecimento,  por  ser  em  verso 
e  quasi  litteral.  Foi  feita  pelo  dr.  Agostinho 
de  Mendonça  quando  frequentava  a  univer- 
sidade:— depois,  sendo  já  viuvo  e  estando 
emMonte-Mor  o -Velho,  hospedado  em  casa 
do  seu  amigo  e  parente...,  ali  retocou  e 
refundiu  a  mencionada  traducção  e  a  deu 
a  ura  medico  de  partido  na  localidade,  por 
haver  tratado  o  dr.  Mendonça  em  uma  gra- 
ve doença  e  não  querer  aeceitar  dinheiro. 
Por  morte  do  medico  passou  para  o  amigo 
do  dr.  Mendonça,  que  a  emprestou  ao  sr. 
conselheiro,  ministro  de  estado  honorário  e 
distincto  poeta,  Thomaz  Ribeiro,  seu  pos- 
suidor n'esta  data  (1888);  mas  pertence  ao 
nosso  bom  amigo  e  principal  cyrineu  n'este 
artigo— o  sr.  dr.  Nicolau  Pereira  de  Men- 
donça Falcão  (filho  do  traductor)  porque 
lh'a  deu  o  amigo  e  parente  de  Monte-Mor-o 
Velho,  como  o  próprio  sr,  dr.  Nicolau  de  Men- 
donça nos  disse  em  carta  que  conservamos. 

—Antonio  d" Almeida  Campos  e  Silva,  fi- 


lho de  José  d' Almeida  Campos,  negociante» 
e  de  D.  Maria  da  Conceição  de  Jesus  Cam- 
pos. 

É  uma  exeellente  pessoa  e  vive  no  Porto, 
onde  é  negociante  de  vinhos,  distincto  bi- 
bliographo  e  bastante  illustrado. 

Tem  sobre  diversos  assumptos  alguns  mss., 
que  por  modéstia  não  quer  publicar,  e  pos- 
sue  uma  das  melhores  livrarias  particulares 
do  Porto,  comprehendendo  muitas  obras  es- 
colhidas, raras  e  caras. 

V.  pag.  1391,  col.  1.»  n.»  9. 

Teve  um  irmão  (era  o  mais  velho)  por 
nome  José  d'Almeida  Campos,  que  foi  mui- 
tos annos  director  do  Banco  União,  no  Por- 
to, mas  infelizmente,  sendo  já  decrépito  ali 
se  suicidou  no  dia  31  de  janeiro  do  corren- 
te anno  de  1888,  deixando  filhos  e  esposa — 
D.  Helena  Augusta  Mendes  de  Carvalho— 
que  falleeeu  pouco  tempo  depois,  —  no  dia 
11  de  fevereiro  d'este  mesmo  anno. 

Tem  vivo  ainda  em  Viseu  outro  irmão — 
Joaquim  d'Alraeida  Campos,  também  nego- 
ciante e  que  já  foi  ali  vereador. 


Entre  as  diversas  raridades  bibliographi- 
cas  do  sr.  Antonio  d'Almeida  Campos,  não 
podemos  deixar  de  mencionar  aqui  uma, 
porque  prova  que  a  imprensa  em  Viseu 
data  do  sec.  xvi. 

Referimo-nos  ao  pequeno  livro  intitulado 
— *  Exercícios  e  muy  devota  meditação  da 
vida  e  paixão  de  Nosso  Senhor  Jesv  Christo. 
Composta  pelo  allumiado  varam  frey  Joam 
Thaulero  da  ordem  dos  pregadores.  Trasla- 
dado de  latim  em  lingoagem  por  frey  Marcos 
de  Lisboa  frade  menor  da  província  de  Por- 
tugal. . .  Impresso  na  muy  nobre  cidade  de 
Viseu\per  Manoel  Joam  impressor  de  S.  11- 
lustriss.  S.  Anno  MDLXXI.»  —  12.»  de  302 
fl.  numeradas  (faliam  lhe  algumas  no  fim) 
mais  6  inumeradas  no  principio  com  a  ta- 
voada,  ele. 

Temos  também  sobre  a  nossa  mesa  de  es- 
tudo outro  livro  publicado  em  Viseu  no  sec. 
XVI.  Intitula-se  —  Compendio  e  svmario  de 
confessores. . .  Foi  impresso  em  a  Cidade  de 
Viseu  por  Manoel  Joam  impressor  do  Se- 


VIS 

nhor  BispoA  Agora  novamente  emendado. 
Anno  MDLXIX—l^.'  de  630  pag.  numera- 
das, mas  7  fl.  no  principio  com  o  prologo, 
introducção,  etc.  e  23  no  fim  com  a  tavoada 
ou  Índice,  todas  inumeradas. 

No  verso  do  rosto  tem  uma  carta  ou  pro- 
visão do  bispo  D.  Jorge  d'Athaide,  recom- 
mendando  o  mencionado  livro— o  qual  nesta 
cidade  de  Viseu  mandámos  imprimir . . . 
Dada  em  esta  nossa  quinta  e  couto  de  Fõ- 
têlo. . .  aos  26  de  Maio  de  1569  . . .  D.  Jor. 
UAttaide  Bispo  de  Viseu. 

Parece  pois  fóra  de  duvida  que  este  livro 
foi  impresso  em  Viseu  por  ordem  do  bispo 
D.  Jorge  d'Athaide  em  1569;  mas  no  fim  da 
tavoada  própria  se  lê  o  seguinte:  «Foy  im- 
presso este  Compendio  &  sumario  do  Ma- 
nual de  Navarro,  a  segunda  vez  emendado 
por  mandado  do  senhor  Bispo  de  Coimbra, 
na  muy  nobre  &  sempre  leal  cidade  de  Coim- 
bra, por  Antonio  de  Maris,  Impressor  do 
senhor  Arcebispo  de  Braga,  Primaz,  etc. 
Acabouse  aos  XXX  dias  do  mes  de  Abril. 
Anno  de  1569.» 

Esta  data  do  acabamento  da  impressão 
combina-se  com  a  da  provisão  de  D.  Jorge 
d'Alhaide,  mas  não  podemos  harmonisar  e 
combinar  o  que  disse  este  prelado  no  rosto 
do  livro,  com  o  que  se  diz  e  lê  na  declara- 
ção final  em  caracteres  maiúsculos. 

Pertence  este  livrinho  ao  sr.  Antonio  Mo- 
reira Cabral,  excellente  pessoa,  negociante 
de  vidros  no  Porto,  bastante  illustrado  e  do- 
no de  uma  das  melhores  camoneanas  e  li- 
vrarias particulares  d'aquella  cidade.  É  tam- 
bém colleeeionador  d'objecto3  antigos  e  tem 
alguns  de  merecimento.  De  sociedade  com 
o  sr.  Tito  de  Noronha  editou  em  1874  o  Es- 
pelho de  Casados  do  dr.  João  de  Barros—  e 
anteriormente  as  Antiguidades  do  Porto  de 
Simão  Rodrigues  Ferreira. 

Nasceu  na  freguezia  de  Cêtte,  concelho  de 


1  Este  prelado  era  D.  Jorge  d'Athaide,  cujo 
pontificado  principiou  em  1568  e  terminou 
€m  1578. 

V.  pag.  1612,  col.  1.»  e  segg. 


VIS  1827 

Paredes,  no  dia  22  d'outubro  de  1833  e  fo- 
ram seus  paes  Francisco  José  QabraU,  ja 
fallecido,  e  de  Anna  Moreira  da  Silva,  que 
ainda  vive  e  já  conta  84  annos. 

É  sócio  fundador  das  Sociedades  de  Ins- 
trucção,  Camoneana  e  Geographica  do  Por- 
to, e  sócio  correspondente  do  Retiro  littera- 
rio  portuguez  do  Rio  de  Janeiro. 

Também  cultiva  a  poesia.  Em  1883  pu- 
blicou o  Passamento  de  Camões  e  tem  pu- 
blicado outras  composições  poéticas  em  dif- 
ferentes  jornaes  litterarios,  nomeadamente 
no  l."  volume  das  Artes  e  Lettras. 


—Francisco  de  Sousa  Loureiro,  natural 
de  Viseu. 

Formou-se  na  escola  medico-eirurgieada 
cidade  do  Porto,  onde  casou  e  teve  entre 
outros  filhos  Urbano  Loureiro,  distineto  es- 
criptor  publico  já  fallecido,  mas  livre  pen- 
sador e  republicano  exaltado,  redactor  da 
Lucta,  etc.,— e  Arthur  Loureiro,  pintor  dis- 
tineto, que  depois  de  frequentar  no  Porto  a 
Academia  de  Bellas  Artes,  foi  á  custa  do  sr. 
conde  d'Almedina  estudar  pintura  em  Roma. 

—Francisco  Cardoso  Pereira,  filho  único 
d'oulro  Francisco  Cardoso  Pereira  e  de  D. 
Rita  Leonor. 

Nasceu  no  dia  6  de  março  de  1815:  foi 
•tenente-quartel  mestre  do  exercito  realista, 
convencionado  em  Evora-Monte;  depois  ne- 
gociante, como  fòra  também  seu  pae;— em 
seguida  escrivão  de  fazenda— e  por  ultimo 
bibliothecario  do  lyceu,  cargo  que  ainda 
exerce. 

Casou  em  1835  com  D.  Maria  dos  Praze- 
res Pereira  e  tiveram  os  filhos  seguintes: 

Francisco  Cardoso  Pereira  Júnior,  nego- 
ciante em  Lisboa,  casado  e  e.  g. 

Alfredo  Cardoso  Pereira,  negociante  em 
Manàos,  no  Brazil,  também  casado  e  c.  g. 


»  Era  homonino  do  poeta  Fráncisco  José 
Cabral. 

V.  Villarinho  de  Cotas,  tomo  11.",  pag. 
1349,  col.     e  segg. 


1828  VIS 


VIS 


João  Cardoso  Pereira,  que,  segundo  se 
suppõe,  vive  no  Rio  da  Prata. 

Antonio  Cardoso  Pereira,  negociante  no 
Maranhão,  casado  com  D.  Constança  Umbe- 
lina  Gomes  Pereira,  da  qual  tem  3  filhos:— 
Antonio,  Carlos  e  Affonso. 

José  Cardoso  Pereira,  negociante  no  Rio 
de  Janeiro,  casado  com  D.  Rita  da  Silveira 
Cardoso  Pereira,  da  qual  tem  2  filhos:  — 
fíerminio  e  Beatriz 

D.  Maria  dos  Prazeres,  que  vive  com  seus 
paes  e  ainda  solteira. 

Tiveram  mais  2  filhos  que  morreram  na 
infância. 

O  sr.  Francisco  Cardoso  Pereira,  caracter 
nobilíssimo,  é  muito  curioso;  conhece  como 
ninguém  a  historia  moderna  de  Viseu,  po- 
dendo dizer-se  chronista  d'esta  cidade,  com 
relação  á  qual  tem  muitos  mss.  seus,  com 
muitos  nomes  e  datas;  è  tão  modesto  que 
nada  publica,  mas  do  seu  vasto  pecúlio  se 
teem  aproveitado  muitos  jornaes  de  Viseu  e 
differentes  escriptores  que  fallaram  d'esta 
cidade,  entre  elles  Silva  Gaio,  pois  fornece 
apontamentos  a  quem  lh'os  pede,  e  nós  al- 
guns lhe  devemos,  depois  que  um  ataque 
apopletico  inutilisou  o  sr.  dr.  Nicolau  de 
Mendonça,  nosso  principal  cyreneu  n'este 
artigo.  Tivemos  de  recorrer  a  outros  ami- 
gos, entre  eiles  ao  sr.  Cardoso  Pereira,  mas 
infelizmente  encontramol-o  lambem  já  de- 
crépito 6  sem  forças  para  nos  auxiliar! . . . 

Deus  lhes  prolongue  a  existência. 

— João  Pereira  Dias  Lebre. 
Reside  no  Porto,  onde  é  lente  da  escola- 
medieo-cirurgica. 

—Fr.  Antonio  de  S.  Bernardo. 

Era  natural  do  Couto  da  Boa  Aldeia  e  foi 
religioso  Agostinho  descalço  e  padre  Mestre. 

Professou  no  seu  convento  do  Monte  Oli- 
vete,  ou  do  Grillo,  em  Lisboa,  no  dia  13  de 
junho  de  1789. 

Poetas 

*-Dr.  Manuel  Botelho  Ribeiro  Pereira,  de 


quem  já  se  fallou  sui^ra,  no  til.  Escriptores.^ 
Deixou  em  verso  varias  composições  que 
se  perderam,  mas  ainda  se  podem  ver  mui- 
tos versos  d'elle  em  castelhano  e  portuguez 
nos  seus  Diálogos  moraes  e  politicas. 

— Sebastião  d' Almeida  Amaral. 

Floreceu  também  no  sec.  xvii  e  foi  com 
certeza  um  poeta  notável,  pois  nas  casas  que 
hoje  (1888)  são  do  visconde  d'Almeidínha, 
sitas  na  rua  da  Corredoura,  em  Pombal,  se 
vê  no  peitoril  de  uma  janella  interiormente 
a  inseripção  seguinte:— «N'estas  casas  mor- 
reu o  insigne  poeta  de  Viseu  Sebasiião  d' Al- 
meida Amaral,  na  era  de  1653,  de  edade  de 
63  annos.» 

Não  sabemos  se  publicou  algumas  poe- 
sias, pois  não  temos  noticia  d'ellas  —  e  o 
Diccion.  de  Innoceneio  nem  o  menciona  co- 
mo escriptor. 

— Augusto  Frederico  de  Bayma  Forte 
Gatto,  distincto  escriptor  publico  e  mavioso 
poeta. 

Nasceu  na  pátria  de  D.  Duarte  a  24  de  fe- 
vereiro de  1836  e  é  filho  de  Bento  Antonio 
Forte  Gatto,  liberal  muito  exaltado,  mas  hon- 
radíssimo,—e  de  D.  Rita  Augusta  de  Bayma; 
—neto  paterno  de  D.  Francisca  Forte  Gatto, 
e  do  commendador  Antonio  Joaquim  Forte 
Gatto,— e  materno  do  ministro  Filippe  Ma- 
rianno  de  Bayma  e  de  D.  Maria  Luisa  Bay- 
ma d'Araujo  Nogueira  Vasconcellos. 

É  empregado  publico,  escrivão  de  direito 
em  Fafe,  —  tendo  sido  também  escrivão  era 
Ceia  e  Cintra,  mas  é  um  cavalheiro  nobilís- 
simo, talento  superior  e  muito  illustrado- 

Foi  assiduo  collaborador  do  Viriato,  Li- 
beral e  d'outro8  jornaes  de  Viseu;  eoUabo- 


1  Casou  2  vezes;  a  l.«  com  Anna  Paes 
Correia,  da  villa  de  Cernancelhe,  e.  g.;  a  2  * 
«com  Antónia  Botelha  de  Proença,  filha  de 
Manuel  Botelho  da  Costa,  fidalgo  de  geração, 
6  teve  6  filhos:  2  machos,  que  embarcarão,  e 
hum  que  morreo  frade  capucho;  mais  3  fl- 
IhaSj  duas  em  que  se  não  falia,  e  huma  que 
casou  com  Julio  de  Vilhegas  Castello  Bran- 
co, de  que  ha  geração»— disse  elle  próprio. 

Jíial.  4.0  cap.  24. 


VIS 


VIS  1829 


rou  também  nos  jornaes  de  Viaona  do  Cas- 
telio,  onde  passou  algum  tempo  com  seu  tio 
o  dr.  José  Maria  Forte  Gatto,  director  da  al- 
fandega d'aquella  cidade,  e  também  colla- 
boroQ  em  differentes  jornaes  polilicos  e  lit- 
terarios  de  Coimbra  e  de  Lisboa,  nomeada- 
mente no  Diário  Illustrado,  Contemporâneo, 
Revolução  de  Setembro,  pelo  que  o  proprie- 
tário e  redactor  d'e8te  ultimo,— Antonio  Ro- 
drigues Sampaio,— sendo  ministro,  lhe  offe- 
receu  uma  commenda,  que  o  nosso  biogra- 
phado  pela  sua  modéstia  recusou,  bem  co- 
mo um  diploma  de  deputado. 


Casou  era  1860  com  D.  Maria  do  Carmo 
d'Azevedo  e  Lemos,  senhora  nobilíssima  de 
Várzea  de  Trovões,*  e  viuvando  passou  a 
segundas  núpcias  com  D.  Estephania  Merce- 
des d'Almeida  Corte-Real,  dos  Corte-Reaes 
da  Pocariça. 

Estreou-se  na  vida  litteraria  com  um  ro- 
mance que  logo  se  esgotou,— Poesias  d  um 
Álbum.  Em  seguida  publicou  o  poema  Ave 
Mater,  depois  as  Auras;  vae  publicar  no  mo- 
mento 2  grossos  volumes  de  versos, —  Orchi- 
deas—e — Na  Sombra;— lem  publicado  mui- 
tas poesias  soltas  em  differentes  jornaes — e 
traduzido  muitos  versos  de  Victor  Hugo, 
Espronceda,  Ariosto,  ete. 

— Dr.  João  Victorino  de  Sousa  Albuquer- 
que. 

Também  cultivou  a  poesia,  como  diz  Be- 
rardo. 

V.  o  tópico  supra—  Visienses  illustres  pe- 
las  kttras,  mas  não  escriptores. 

■—Padre  Alexandre  de  Miranda  Vilhegas, 
fallecido  em  1723. 


1  Em  Várzea  de  Trovões  também  casou  e 
vive  com  o  distincto  eseriptor  publico  Anto- 
nio da  Cunha  d'Aze7edo  uma  irmã  do  nosso 
biographado, — D.  Maria  Innocencia  de  Bay- 
ma  Forte  Gatto,  —■  senhora  gentilissima  e 
muito  illustrada  também. 

V.  Várzea  de  Trovões,  tomo  10.»  pag. 
239,  col.  1.»  6  segg. 


«Escreveu  Varias  poesias  á  morte  de  An- 
dré d' Albuquerque,  as  quaes  fez  imprimir 
em  Lisboa  em  1661.»— É  isto  o  que  diz  Be- 
lardo, mas  nem  o  Diccion.  de  Innoeencio,^ 
nem  o  seu  continuador  Brito  Aranha  men- 
cionam tal  eseriptor. 

— João  de  Paiva. 

Consta  que  em  1656  escrevera  um  poema 
sobre  a  Fundação  e  Antiguidades  de  Viseu. 
fNão  o  vimos,— diz  Berardo,— mas  estamos 
persuadidos  que  a  sua  perda  em  nada  pre- 
judicou a  lilteratura  portugueza,  e  com  bons 
fundamentos  fazemos  o  mesmo  juizo  daa 
obras  poéticas  de  Manuel  Botelho  Ribeiro.* 

Veja-se  o  que  dissemos  d'este  antiquário 
visiense  no  principio  d'e3te  tópico— e  o  que 
dissemos  d'elle  e  de  Berardo  (José  d'01ivei- 
ra)  no  tópico  Escriptores.^ 

— Miguel  Botelho  de  Carvalho. 

Floresceu  nos  princípios  do  see.  xvii  e 
deixou  muitas  composições  poéticas  e  de  me- 
recimento, no  idioma  castelhano,  —  diz  Be- 
rardo, mas  Innoceneio  não  o  menciona  coma 
eseriptor. 

— Manuel  Marques  Rezende,  poeta  muito 
distincto,  segundo  diz  Berardo. 

Veja-se  o  tópico  Escriptores,  supra,  onde 
já  fizemos  menção  d'este  sábio  visiense. 


1  Berardo,  cuja  memoria  muito  respeito, 
foi  o  mais  cruel  e  accintoso  detractor  de  Bo- 
telho, tendo  decorrido  entre  um  e  outro  na- 
da menos  de  dois  séculos  —  e,  se  os  apre- 
ciarmos devidamente,  lendo  em  atteução  a& 
épocas  em  que  viveram:— Botelho  no  mela- 
do do  sec.  xvii,  e  Berardo  no  meiado  do 
sec.  XIX,  qual  dos  dois  teria  mais  mereci- 
mentos? 

Só  os  Diálogos  de  Botelho,  se  fossem  pu- 
blicados quando  elle  os  escreveu,  em  1630 
a  1636, — com  certeza  valeriam  mais  e  muito 
mais  in  illo  tempore,  do  que  valem  hoje  to- 
das as  obfas  de  Berardot . . . 

Appellamos  para  o  testemunho  sincero  e 
consciencioso  de  quem  tenha  lido  os  traba- 
lhos de  um  e  outro. 

Suum  cuique. 


1830  VIS 


VIS 


— o  rev.  dr.  Bernardo  José  de  Mello, 
advogado  e  fallecido  nos  prineipios  d'este 
século. 

tFoi  eminente  em  poesia  latina  (diz  Be- 
rardo) especialmente  no  género  epigrammas. 
Possuímos  alguns  chirographos  das  suas 
composições,  e  damos  para  espécimen  da 
sua  invenção  os  seguintes  dísticos,  qne  lhe 
foram  eneommendados  para  4  liminares  da 
caza  da  Mizerieordia;  mas  que  não  chegaram 
a  ser  esculpidos,  por  isso  que  o  pedantismo 
lh'os  rogou  com  tanta  instancia,  quanta  fo- 
ra a  indifferença  com  que  depois  os  menos- 
prezou.! 

Podem  ver-se  na  Memoria  de  Berardo 
aquelles  4  dísticos 

—Luiz  de  Campos,  de  Farminhão. 

Foi  capitão  de  cavallaria,  deputado  ás  cor- 
tes em  differentes  legislaturas,  par  do  reino, 
poeta  disimcto. 

V.  pag.  17o2,  eol.  2.»  n."  14,  supra. 

Visienses  illustres  pelas  armas 

— Viriato  lusitano,  o  grande. 

Náo  se  estranhe  o  mencionar-mol-o  aqui, 
porque  ainda  hoje  se  ignora  qual  foi  a  sua 
terra  natal  e  alguém  o  considera  como  filho 
de  Viseu! , . . 

Para  evitarmos  repetições,  veja -se  o  tópi- 
co relativo  á  Cava  de  Viriato,  pag.  1690,  col- 
2.*  e  segg.;  a  nota  de  pag.  1711,  col.  1.» — e 
Povoa  Velha,  tomo  7.»  pag.  637,  col.  2.»  e 
segg. 

— Ayres  Mendes  e 

— Pedro  Paes,  o  Carofa. 

Rebellaram-se  contra  D.  Affonso  Henri- 
ques, antes  de  ser  aeclamado  rei  e  flzeram- 
se  fortes  no  eastello  de  Ceia,  mas  elle  os 
venceu, — eonfiseou-lhes  os  bens  —  e  os  deu 
a  João  Viegas,  seu  privado. 

V.  Memoria  sobre  a  villa  de  Ceia  por 
Agostinho  de  Mendonça  Falcão  (pae  do  meu 
bom  amigo  e  cyreneu  n'e8te  artigo,  o  sr.  dr. 
Nicolau  Pereira  de  Mendonça  Falcão)  pag. 
13  no  tomo  8.»  das  Mem.  da  Acad.  R.  das 
Sei. 


—O  Grão  Capitão  Luiz  de  Loureiro,  que 
foi  um  dos  mais  distinctos  cabos  de  guerra 
no  sec.  XVI,  eommendador  da  Ordem  de 
Christo,  senhor  do  solar  de  Loureiro,  etc.  ete. 

Para  evitarmos  repetições  v.  pag.  1738, 
supra,  no  tópico  das  Familias  nobres  de  Vi- 
seu, parte  2.'  n.°  3. 

— Luiz  Annes  de  Loureiro,  filho  do  ante- 
cedente. 

Contando  apenas  14  annos  e  seguindo  as 
pisadas  do  Grão  Capitão,  foi  como  elle  tru- 
cidado na  Africa  pelos  mouros. 

— Ruy  Lopes  de  Souza,  ascendente  do  sr. 
D.  Ruy  Lopes  de  Sousa  Alvim  e  Lemos  de 
Carvalho  e  Vasconcello?,  residente  na  sua 
nobre  casa  de  Santar. 

V.  Bordonhos,  Santar,  Torre  d' Alvim 
Trofa  do  Douro,  e  n'e8te  artigo  Vízeu  o  to* 
pico  das  Casas  e  quintas  notáveis. . .  mas  não 

habitadas  pelos  seus  antigos  donos,  pag  

n.»  2,  tít.  Lopes  de  Sousa  e  Lemos  de  Santar^ 
onde  dissemos  que  esta  nobre  família  tam- 
bém oulr'ora  residiu  em  Viseu,  onde  tinha 
um  palacete  brazonado,  e  que  n'elle  viveu  no 
sec.  XVII  um  distincto  eavalleirn,  que  foi 
quem  acclamou  em  Viseu  el-rei  D.  João  IV. 

D'esse  cavalleíro— /ímí/  Lopes  de  Sousa— 
nos  occupamos  no  momento,  aproveitando  o 
que  disse  o  jornal  a  Nação  de  1  de  dezem- 
bro de  1869: 

«Teve  a  capital  da  Beira  por  seu  accla- 
mador  em  favor  de  D.  João  IV  a  Ruy  Lopes 
de  Sousa,  para  prova  do  que  citaremos  a 
mercê  que  fez  el-rei  D,  Pedro  II  a  Fradique 
Lopes  de  Souza,  decimo  sétimo  senhor  da 
casa  de  Bordonhos,  em  7  de  março  de  1691» 
na  qual— recordando -se  os  relevantes  ser- 
viços prestados  por  aquelle  seu  ínclito  as- 
cendente, se  diz: 

t Ruy  Lopes  de  Sousa...  sendo  aleaíde- 
mór  da  villa  de  Porto  de  Moz,  foi  encarre- 
gado por  cartas  do  sr.  rei  D.  João  IV  de 
muitos  particulares  tocantes  á  formatura  de 
gente  para  a  guerra,  fazendo  varias  levas  na 
dita  villa  e  seu  distrieto.  No  anno  de  1646 
lhe  encarregara  outras  semelhantes  diligen- 
cias Fernão  Telles  de  Menezes,  governador 
i  das  armas  da  província  da  Beira,  na  eo- 


VIS 


VIS  1831 


marca  de  Viseu,  m  qual  serviu  á  sua  custa 
com  vários  criados  e  cavallos  por  mais  de 
um  anno,  acompanhando  ao  mesmo  gover- 
nador na  primeira  entrada  que  fez  á  viila 
de  Val- Verde  e  Castello  de  Elyes,  no  assalto 
da  Villa  de  S.  Martinho,  e  sitio  d' Aldeia  do 
Bispo  até  se  render,  e  no  encontro  de  Val 
de  LamuUa,  fazendo  outras  entradas  em 
companhia  do  Mestre  de  Campo  D.  Sancho 
Manuel,  sendo  em  uma  d'ellas  ferido  em  um 
braço  sem  se  querer  retirar  da  peleja,  pro- 
cedendo sempre  mui  conforme  á  sua  alta 
qualidade,  sendo  o  primeiro  que  na  cidade 
de  Viseu  acclamou  o  sr.  D.  João  IV,  ete.» 

Era  fidalgo  cavalleiro  com  a  elevada  mo- 
radia de  2:500  réis  por  mez  e  um  alqueire 
de  cevada  por  dia, — commendador  de  Mon- 
saraz na  Ordem  de  Christo,  alcaide  mor  da 
villa  de  Porto  de  Moz,  5.»  administrador  do 
morgado  do  Pinheiro,  senhor  dos  logares  de 
Villarinho,  Villela  e  Villarelho,  13.»  das  ter- 
ras de  Bordonhos  e  seus  padroados,  2.°  do 
nome  na  suecessão  d'esta  casa,  8.»  neto  de 
D.  Affonso  Diniz,  filho  d'el-rei  D.  Affonso 
III,  o  bolonhez,  ete. 

Veja-se  no  fim  d'esta  lista  o  tópico — Ac- 
damação  d'el-rei  D.  João  IV. 

—Antonio  Correia  da  Silva,  natural  de 
Viseu. 

Suppomos  que  foi  militar  e  militar  muito 
distincto,  pois  mereceu  as  honras  de  ser  can- 
tado em  8.*  rima  pelo  poeta  seu  palrieio  Ma- 
nuel Marques,  Rezende  em  1728. 

V.  Manuel  Marques  Rezende  no  tit.  Poe- 
tas, supra. 

— Fernão  Lopes,  cavalleiro  distinctissimo. 

O  dr.  Botelho,  no  Dialago  5.«  cap.  6.°,  fal- 
lando  do  infante  D.  Henrique  (o  de  Sagres) 
duque  de  Viseu,  diz  textualmente  o  se- 
guinte: 

«Com  este  Infante  e  Duque  nosso  se  acha- 
ram muitos  cavalleiros  d'esta  cidade  nas 
partes  d'Afriea,  onde  por  suas  eavallarias 
eram  do  Príncipe  muito  estimados,  ganhan- 
do nome  de  esforçados  e  bellieosos,  como 
foi  no  palanque  de  Tangere,  e  tomada  de 
Alcacere,  e  outros  recontros,  como  já  o  ti- 
nham feito  na  tomada  de  Arzila  por  el-rei 


D.  Affonso  5.»  a  24  de  Agosto  anno  1471,  em 
cujo  arraial  se  achavão  300  cavalleiros  d'e3- 
ta  cidade,  e  termo,  com  Fernão  Lopes,  que 
lá  foi  armado  cavalleiro  por  mão  do  mesmo 
rei,  com  outros,  como  diz  o  letreiro  da  por- 
ta do  muro  da  Regueira,  rua  d'esta  cidade 
(Viseu)  o  qual  ali  mandou  fazer,  e  pôz  este 
cavalleiro  depois  que  veio,  ao  tempo  que  os 
muros  se  faziam. 
•Diz  o  letreiro: 

No  tempo  d' El  Rey 
D.  Afonso  Quinto  se 
achou  na  tomada  de 
Arzila  Fernam  Lopes 
desta  cidade  com  300 
cavaleiros,  e  lá  foi  ar- 
mado cavaleiro  por  mão 
do  dito  Rey  com  outros  mais.* 

Sendo  demolida  a  dita  porta  dos  velhos 
muros,  desappareceu  a  mencionada  inseri- 
pção  e  d'ella  já  não  havia  memoria,  mas  por 
acaso  o  nosso  bom  amigo  e  cyreneu,  o  sr . 
Nicolau  Pereira  de  Mendonça,  em  1887  en- 
controu a  dita  lapide  no  quintal  de  uma  ca- 
sa da  mesma  rua  da  Regueira. 

Jaz  em  exposição  á  porta  do  palacete  do 
mesmo  sr.  dr.  Nicolau  de  Mendonça. 

— Vasco  Paes  Cardoso. 
Foi  Alcaide-mor  de  Moreira  de  Rei,  junto 
de  Trancoso,  e  senhor  de  Ervilhão. 

— Fernão  Cardoso,  irmão  do  antecedente. 
Poi  alcaide-mor  de  Celorico  da  Beira. 
V.  Dialogo  4,"  do  dr.  Botelho,  cap.  36,  pag 
383  no  códice  de  Girabolhos. 

— Fr.  André  do  Amaral. 

Foi  commendador  de  Vera  Cruz  e  balio 
da  ordem  de  Malta,  ete. 

Bateu  e  destroçou  em  1S09  nos  mares  da 
índia  uma  armada  do  Soldão,  que  levava 
madeira  para  fazer  uma  frota  contra  os  por- 
tuguezes,  por  ordem  dos  venesianos,  que  de- 
sejavam oppor-se  ás  nossas  conquistas. 

Botelho,  loc.  cit. 

—Dr.  Belchior  do' Amaral. 


1832  VIS 


VIS 


Militou  em  Africa;  —  foi  eaplivo  na  ba- 
talha d' Alcácer;—  depois  foi  desembargador 
do  paço,  ele. 

— Manuel  de  Figueiredo,  filho  de  Antonio 
de  Figueiredo,  descendente  do  celebre  bispo 
de  Viseu  D.  Gonçalo  de  Figueiredo,  o  An- 
chinho,  D."  36  do  nosso  cathalogo.  V.  pag* 
1603,  col.  2."  supra. 

Indo  em  uma  armada  contra  os  mouros 
por  ordem  do  Grã  Capitão  Luiz  de  Lourei- 
ro, já  mencionado  e  seu  parente,  foi  capti- 
vo  e  no  captiveiro  morreu. 

Dial.  4."  de  Botelho,  cap.  21,  pag.  314  no 
códice  de  Girabolhos. 

—Luiz  de  Loureiro  (um  dos  12  filhos  do 
celebre  cónego,  abbade  e  arcediago  Luiz 
Annes  de  Loureiro)  irmão  de  Henrique 
de  Loureiro,  pae  do  Grão  Capitão  Luiz  de 
Loureiro. 

Foi  também  afamado  cavalleiro  em  Africa. 

'—Henrique  de  Loureiro,  pae  do  Grão  Ca- 
pitão supra. 

Foi  também  distincto  cavalleiroem  Africa. 

V.  Dial.  4.'  de  Botelho,  cap.  23,  m  prin- 
cipio. 

—Luiz  de  Loureiro,  o  da  mãozinha,  filho 
de  Luiz  de  Loureiro  supra,  sobrinho  do  an- 
tecedente Henrique  de  Loureiro  e  primo  do 
Grão  Capitão  Luiz  de  Loureiro. 

Foi  também  na  Africa  esforçado  cavallei- 
ro e  capitão  em  armadas  de  galeões — e  por 
que  em  um  recontro  ficou  aleijado  oe  uma 
mão,  lhe  deram  a  alcunha  da  mãozinha,p&- 
ra  o  distinguirem  do  Grão  Capitão  Luiz  de 
Loureiro,  seu  primo. 

Casou  em  Africa  com  Leonor  Cebolinha; 
viveram  em  Viseu  e  tiveram  entre  outros 
filhos:  —  Antonio  de  Loureiro,  o  Boia  (ou 
BôcaJ  Negra,  e 

— Alvaro  de  Loureiro. 
Foi  fronteiro  na  Africa. 

•—Antonio  de  Loureiro,  filho  de  Duarte  de 
Loureiro  e  de  Isabel  Affonso  Cardoso. 
Foi  commendador  de  Santa  Maria  de  Lor- 


dello  da  Ordem  de  Christo  no  arcebispado 
de  Braga,  eapitão-mor  e  governador  da  ci- 
dade de  S.  Jorge  da  Mina,  etc. 

— Antonio  de  Loureiro  (outroj  neto  do  ce- 
lebre cónego  Luiz  Annes  de  Loureiro,  e  pri- 
mo do  Grão  Capitão  Luiz  de  Loureiro. 

Também  militou  na  Africa  e  ali  morreu 
em  uma  nau  que  se  incendiou. 

Dial.  4.»  de  Botelho,  cap.  24. 

— Nuno  de  Barros  de  Loureiro,  filho  de 
Manuel  de  Loureiro,  por  alcunha  o  da  Ala- 
gôa,  e  de  Isabel  Gomes  de  Miranda. 

Militou  com  grande  distineção  no  Brazil 
contra  os  hoUandezes,  e  no  seu  regresso  á 
pátria  ganhou  por  demanda  o  morgado  de 
Loureiro. 

Casou  a  vez  com  uma  filha  de  Fran- 
cisco d' Almeida,  o  Terronhe,  e  viuvando  s. 
g.  casou  2."  vez  no  Brazil  com  Maria  d'Al- 
buquerque,  da  qual  houve  diíTerenles  filhos, 
entre  elles  um  Luiz  de  Loureiro,  e.  g. 

Assim  como  na  familia  dos 
marquezes  de  Távora  se  repe- 
tiu muitas  vezes  o  nome  Luiz 
Alvares  de  Távora,  n'esta  dos 
Loureiros  se  repetiu  mais  ve- 
zes ainda  o  nome  Luiz  de  Lou- 
reiro, porque  todos  os  paren- 
tes do  Grão  Capitão  se  orgu- 
lhavam com  o  nome  d'elle. 

—Pedro  Ferreira,  irmão  de  Pedro  (ou 
Diogo)  do  Rego. 

Militou  na  índia;  no  seu  regresso  casou 
com  Anna  de  Figueiredo,  8.*  filha  do  có- 
nego Luiz  Annes  de  Loureiro,  e  alem  d'ou- 
tros  filhos,  tiveram  —  Pedro  Ferreira  e  Ca- 
tharina  de  Figueiredo,  a  qual  casou  com 
Jorge  Ferreira  e  teve  vários  filhos,  entre  el- 
les um  de  nome  também  Pedro  Ferreira, 
que  foi,  como  este  seu  homónimo,  abbade, 
mas  de  Lumiar,  junto  de  Lisboa. 

— Pedro  Ferreira,  filho  mais  velho  de  Pedro 
Ferreira  e  de  Anna  de  Figueiredo,  casou 
com  Isabel  Cardosa,  de  Lamego,  e  tiveram 
entre  outros  filhos  uma  senhora  que  casou 


VIS 


VIS  1833 


com  Mathias  de  Carvalho,  filho  de  Pedro 
Rodrigues  de  Carvalho.^ 

V.  Dial.  4.«  de  Botelho,  eap.  24. 

— Antonio  Pereira,  filho  de  Henrique  Pe- 
reira, moço  fidalgo  de  Tentúgal,  e  de  Anna 
de  Figueiredo  da  cidade  de  Viseu,  onde  vi- 
veram. 

Militou  na  índia. 

— Antonio  Paes,  filho  de  Leonel  Cardoso 
e  de  Calharina  Paes  do  Amaral,  filha  do 
deão  da  Sé  de  Viseu  D.  Gaspar  do  Amaral, 

Militou  também  na  índia  no  sec.  xvi. 

—Antonio  d' Aguilar,  filho  de  Antão  Mar- 
tins Indiatico  (sobrinho  do  bispo  D.  Diogo 
Ortiz  de  Vilhegas)  e  de  Maria  d'Azevedo. 

Foi  sargento  em  Itália  no  exercito  do  Im- 
perador Carlos  V,  debaixo  da  capitania  de 
Francisco  Pinheiro,  no  estado  de  Sena  sobre 
o  monte  Aquino,  onde  falleeeu. 

Dial.  4,°  de  Botelho,  cap.  26  pag.  345  no 
códice  de  Girabolhos. 

— Fr.  Diogo  Fernandes  d' Almeida,  filho  de 
Martim  Lourenço,  o  Velho,  dos  Coutos,  e  de 
Maria  d'Ornellas. 

Foi  comraendador  de  Malta  e  senhor  da 


lEste  tópico  parece  que  prende  com  a  mi- 
nha obscura  familia,  pois  eu  sou  Pedro  Fer- 
reira; tenho  um  irmão  Jorge  Ferreira;  foi 
meu  tio -avô  outro  Jorge  Ferreira,  e  conta- 
mos entre  os  nossos  humildes  ascendentes 
mais  2  (que  eu  saiba)  com  o  mesmo  nome 
de  Jorge  Ferreira. 

Foi  doDo  da  casa  onde  eu  nasci  (a  Casa 
da  Capella,  na  povoação  da  Curvaceira,  fre- 
guezia  da  Penajoia)  Domingos  Rodrigues  de 
Carvalho,  que  fundou  a  dita  Capella  (de 
Nossa  Senhora  da  Lapa)  em  1740,  e  foi  ve- 
reador em  Lamego,  onde  casou;  e  teve  um 
irmão — Antonio  Roiz  de  Carvalho — meu  vi- 
sa vô  materno?!. . . 

Acaso  eu  ainda  terei  algum  sangue  do  ce- 
lebre cónego  Luiz  Annes  de  Loureiro  e  do 
Grão  Capitão,  seu  neto,  Luiz  de  Loureiro? 

Com  vista  aos  meus  sobri- 
nhos e  primos,  que  teem  bra- 
sões d'armas. 

V.  Corvaceira  e  Penajoia  n'este  dicciona- 
rio  e  no  supplemento. 


jurisdieção  crime  dos  Coutos  por  mercê  d'el- 
rei  D.  Alfonso  V,  sendo  passada  a  provisão 
na  cidade  de  Faro  aos  8  d'abril  do  anno 
1476. 

Não  casou,  mas  teve  filhos  naturaes  e  vi- 
veu na  Africa,  onde  foi  grande  cavalleiro. 
Dial.  4."  de  Botelho,  eap.  28. 

— João  Nunes  da  Costa. 
Militou  com  tanta  distineção  na  índia,  que 
foi  denominado  OjCavalleiro  de  Samorim, 

— Gonçalo  Pires  Bandeira,  ascendente  dos 
Bandeiras  da  Torre-Deita  e  do  Ladario  em 
Viseu,  etc. 

Foi  cavalleiro  muito  esforçado  no  tempo 
d'el-rei  h.  Alfonso  V  e  salvou  heroicamen- 
te a  bandeira  portugueza  na  batalha  de  To- 
ro, pelo  que  os  seus  descendentes  se  appel- 
lidaram  Bandeiras. 

—Francisco  da  Costa. 

Foi  Alcâide-mor  de  Bragança  e  do  Cas- 
tello do  Outeiro,  por  nomeação  do  duque  D. 
Jaime. 

— José  de  Mattos  Cid. 
É  tenente  coronel  d'engenheiros,  muito  il- 
lustrado  e  cavalheiro  a  toda  a  prova. 

—Rodrigo  de  Sousa  Tudella  de  Castilho, 
da  nobre  casa  de  Vill^a,  freguezia  de  Lou- 
rosa. 

V.  pag.  1752,  col.  1."  supra,  n.»  12. 

Este  valente  militar  e  fidalgo  distineto  era 
uma  exeellente  pessoa  e  prestou  á  cidade  e 
ao  concelho  de  Viseu  relevantes  serviços  no 
calatniioso  anno  de  1828. 

Na  tarde  de  17  de  julho  do  dito  anno  en- 
trou em  Viseu  uma  numerosa  guerrilha 
commandada  pelo  dr.  Francisco  de  Maga- 
lhães Mascarenhas,  o  Solus  altissimus  de  al- 
cunha, por  ser  muito  corpulento,  então  juiz 
de  fóra  de  Taboaço  e  terror  da  Beira. 

Na  marcha  de  Mangualde  para  Viseu,  ter- 
ra em  que  predominavam  os  liberaes,  que 
elle  se  propunha  castigar  saqueando  e  talvez 
incendiando  a  cidade,  como  promellera,  foi 
adestrando  a  sua  guerrilha  com  o  saque  e 
i  incêndio  da  casa  da  quinta  de  José  Antonio 


1834  VIS 


VIS 


da  Silva,  negociante,  no  sitio  de  Lava  mãos, 
perto  de  Viseu. 

Ficou  a  cidade  aterrada.  Felizmente  esta- 
va eommandando  o  regimento  de  milicias  de 
Viseu  o  seu  coronel  Rodrigo  de  Sousa  Tu- 
della  de  Castilho  que,  apesar  de  ser  lambem 
realista,  ficou  indignado.  Formou  immedia- 
tamente  o  seu  regimento  no  terreiro  das 
freiras;  dirigiu-se  ao  truculento  juiz  de  fo- 
ra e  perguntou-lhe  que  vinha  fazer  a  Viseu 
com  a  tropa  de  seu  commando. 

' — Não  tenho  a  dar-ihe  explicações,  mas 
tão  só  e  unicamente  a  el-rei  D.  Miguel  I, — 
respondeu  o  Solus  altissimus. 

Rodrigo  Tudella  apeou-se  immediatamen- 
te,  sem  lhe  volver  uma  única  palavra;  en- 
trou no  estabelecimento  comraercial  mais 
próximo,  pertencente  a  Joaquim  Manuel 
Loureiro;  ali  mesmo  escreveu  ura  oflQcio 
que  mandou  entregar  ao  celebre  juiz  de  fo- 
ra, ordenando-lhe  que  deposesse  immedia- 
tamente  as  armas,  tornando-o  responsável 
por  todo  e  qualquer  excesso  que  em  Viseu 
praticassem  os  seus  guerrilhas  nas  casas  em 
que  fossem  abolelados—  e  que  para  tornar 
effectiva  a  ordem,  já  tinha  formado  e  prom- 
pto  o  seu  regimento  de  milicias. 

Obedeceu  o  guerrilheiro  e  foi  logo  depôr 
as  armas  no  pateo  do  Collegio  (antigo  Semi- 
nário) junto  da  Sé. 

Toda  a  noite  Rodrigo  Tudella  mandou  pa- 
trulhar a  cidade  por  fortes  piquetes;  na  ma- 
nhã seguinte  foi  com  todo  o  seu  regimento 
entregar  as  armas  ao  truculento  juiz —  com 
o  mesmo  regimento  o  acompanhou  e  á  sua 
guerrilha  até  fora  de  portas  —  e  Viseu  não 
soffreu  coisa  alguma,  além  do  susto  da  ves. 
pêra. 

Toda  a  cidade  exultou  e  nunca  esqueceu 
tão  generoso  e  cavalheiroso  procedimento^ 
pelo  que  Rodrigo  Tudella^  mesmo  depois  da 
convenção  d' Évora  Monte,  foi  sempre  estima- 
do e  respeitado  por  gregos  e  troianos. 

Um  facto  muito  semelhante  e  não  menos 
honroso  praticou  n'aquelles  tempos  o  tenen- 
te coronel  de  voluntários  realistas — Antonio 
Ferreira  da  Silva  —  de  Riodades.  A  muito 
custo  salvou  a  villa  de  Trovões,  também 
muite  líber aly  mas  depois  da  convenção  d" Évo- 


ra Monte  08  habitantes  de  Trovões  por  gra- 
tidão o  penhoraram  e  confundiram  e,  ape- 
sar de  ter  sido  oíflcial  realista,— nada,  abso- 
lutamente nada  soffreu  até  que  expirou 
muito  tranquillo  na  sua  casa  de  Riodades 
depois  de  i861. 

Nós  ainda  o  conhecemos  e  d'elle  próprio 
ouvimos  a  narração  do  facto, 

V.  Riodades  e  Trevões  n'este  diceionario  e 
no  supplemento. 

Pouco  antes  do  assalto  do  juiz  de  fora  de 
Taboaço  deu-se  também  na  cidade  de  Viseu 
um  choque  político  insignificante,  mas  que 
teve  lamentosas  consequências.  Foi  o  tiro- 
teio da  ponte  de  Prime,  em  junho  de  1828- 

Tentando  algumas  forças  populares  rea- 
listas entrar  em  Viseu  e  constando  que  já 
estavam  em  Mangualde,  certo  numero  de 
constitucionaes  visienses  resolveram  oppor- 
se-lhes. 

Achava- se  então  em  Viseu  José  Joaquim 
Semblano,  capitão  de  infanteria  com  exercí- 
cio de  major  do  regimento  de  milicias,— al- 
gumas praças  de  cavallaria  e  caçadores  dos 
batalhões  n."'  7  e  9,  que  adheriram  ao  mo- 
vimento constitucional.  Juntos  com  bastan- 
tes populares  partiram  de  Viseu  em  som  de 
guerra  no  dia  5  de  junho  de  1828,— S.»  feira 
de  Corpus  Christi. 

Encontraram-se  as  duas  forças  nas  altu- 
ras de  Fagilde  e  principiou  logo  o  tiroteio, 
ficando  morto  dos  constitucionaes  Joaquim 
Gonçalves,!  caixeiro  de  Joaquim  José  Gon- 
çalves Lima,  negociante  de  pannos,— e  feri- 
do apenas  o  padre  João  d'Almeida  Menezes 
6  Vasconeellos,  vulgo  Padre  João  Côco. 

Dos  populares  realistas  julgo  ser  eomman- 
dante  Bernardo  Mimoso  Alpoim,  de  Linha- 
res, que  depois  foi  coronel  dos  voluntários 
de  Mangualde. 

Durou  apenas  alguns  momentos  o  tiroteio, 


1  As  ossadas  d'este  moço  foram  depois 
trasladadas  para  o  mausoléu  onde  repou- 
sam nos  claustros  da  Sé  os  que  foram  fusi- 
lados  em  Viseu  nos  annos  de  1832  e  1833, 
como  já  dissemos. 


VIS 


VIS  1835 


retrocedendo  as  forças  realistas  e  recolhen- 
do-se  os  constitueionaes  a  Viseu;  mas  por 
causa  d'este  pequeno  tiroteio  muitos  visien- 
ses ficaram  culpados  na  devassa  de  que  foi 
ministro  o  juiz  de  fóra  dr.  Francisco  da 
Costa  Mimoso  Alpoim  e  escrivão  Manuel  de 
Sales  Mendonça  e  Silva,  dando  áquelle  tiro- 
teio o  nome  de  Fogo  de  Prime,  posto  que  o 
facto  se  deu  um  pouco  alem  da  ponte  de 
Fagilde. 

Outro  facto  bem  simples  e  de  mais  dolo- 
rosas consequências  foi  o  seguinte: 

Em  novembro  de  1836,  estando  aquartela- 
do em  Viseu  o  batalhão  de  caçadores  2,  sen- 
do general  das  armas  da  província  da  Beira 
João  Schw^albach— administrador  geral  Luiz 
de  Loureiro  de  Queiroz  Cardoso  Leilão,  do 
Couto,  depois  barão  de  Prime,  —  e  juiz  de 
direito  da  comarca  o  dr.  Joaquim  d'Almeida 
Novaes,  constou  que  vários  realistas  anda- 
vam alliciando  soldados  do  dicto  batalhão 
em  favor  do  seu  partido. 

O  caso  foi  tomado  a  serio  e  empregaram- 
se  logo  enérgicas  medidas. 

Na  tempestuosa  noite  de  30  do  dicto  mez 
partiu  uma  força  de  soldados  com  alguns 
guardas  naelonaes  para  diversos  pontos  dis- 
tantes de  Viseu;  n'essa  mesma  noite  mata- 
ram dois  realistas  suspeitos,  —  e  quasi  em 
seguida  os  guardas  naeionaes  mataram  ou- 
tros realistas,  entre  elles  um  infeliz  que 
prenderam,  aíflançando  lhe  que  nada  soffre- 
ria,  por  serem  conhecidos  e  amigos  d'elle; 
mas  a  flnal  bem  perto  de  Viseu  mataram-no 
barbaramente  e  depois  levaram  o  cadáver 
em  triumpho  pelas  ruas  da  cidade?! 

Não  satisfeitos  aquelles  canibaes  com  es- 
tes e  outros  excessos,  obrigaram  o  juiz  de 
direito  a  abrir  devassa  contra  a  suppostaal- 
liciação;  mas  os  depoimentos  das  testemu- 
nhas, falsas  ou  verdadeiras,  iam  compromet- 
tendo  tantas  pessoas,  que  o  juiz, — honra  lhe 
seja! — para  evitar  maiores  desgostos,  sus- 
pendeu a  devassa  e,  se  a  ultimou,  guardou  a 
6  levou- a  comsigo  quando  foi  nomeado  juiz 
da  relação  do  Porto.  F?.lleeeu  na  sua  casa  de 
Nellas  a  13  d'agosto  de  1854. 

Viseu  não  lhe  deve  menos  gratidão  do  que 
a  Rodrigo  de  Sousa  Tudella. 


Calamitosos  tempos?. . .i 
Mais: 

A  divisão  do  general  Silveira,  marquez  de 
Chaves,  tendo-se  revolucionado  contra  o 
partido  da  Carta  em  1826,  entrou  em  Viseu 
pelo  Natal  do  mesmo  anno,  praticando  ex- 
cessos e  roubos  nas  casas  de  alguns  consti- 
tueionaes, nomeadamente  na  de  José  Antonio 
da  Silva,  negociante,  fronteira  ao  convento 
de  Jesus. 

Depois  de  deixar  Viseu,  a  divisão  do  ge- 
neral Silveira  foi  seguida  e  batida  pela  dos 
generaes  Claudino  e  conde  de  Villa  Flor  em 
Coruche,  concelho  d'Aguiar  da  Beira,  no  dia 
9  de  janeiro  de  1827,  e  em  seguida  o  ge- 
neral Silveira  emigrou  cora  bastantes  offl- 
ciaes  para  a  Heapanha,  d'onde  regressou  a 
Portugal  só  depois  que  o  infante  D.  Miguel 
desembarcou  em  Lisboa  no  dia  22  de  feve- 
reiro de  1828. 

V.  Coruche,  Canellas,  Villa  Real  de  Traz 
os-Montes,  vol.  11.°  pag.  1029.  col.  2.»  in  fine 
e  segg. 

— Antonio  de  Campos,  de  Farminhão,  co- 
ronel de  cavallaria,  e  seus  2  irmãos: 

—Luiz  de  Campos,  já  fallecido,  e 

— João  de  Barros  e  Campos,  capitães  da 
mesma  arma  de  cavallaria. 
V.  pag.  1752,  col.  2.»  n.°  14  supra. 

Acclamação  d'el-rei  D.  João  IV 

Viseu  foi  uma  das  terras  do  nosso  paiz 
que  mais  soffreu  durante  o  jugo  filippino, 
por  se  haver  pronunciado  em  1580  era  favor 
de  D.  Antonio,  prior  do  Crato;  foi  por  isso 
também  que  recebeu  e  festejou  cora  grande 
alvoroço  a  noticia  da  revolução  de  1640  e 
da  acclamação  d'el-rei  D.  João  IV. 

As  grandes  festas  foram  em  resumo  as 
seguintes: 


1  Veja-se  o  tópico  supra— Segurança  pu- 
blica no  districto  de  Viseu. 


1836  VIS 


VIS 


«No  dia  14  de  dezembro  de  16iO  aeha- 
vam-se  reunidos  na  sessão  ordinária  os  ve- 
readores da  camará  de  Viseu— Dr.  Antonio 
Botelho  da  Costa  Homem,  juiz  pela  Ordena- 
ção, Adrião  Barreto  de  Seixas,  Manoel  Fer- 
rão Castello  Branco,  e  o  procurador  Manuel 
4a  Costa  Loureiro.^  Estavam  despachando 
negócios  correntes,  quando  enirou  o  licen- 
ciado Mánoel  Carvalho  da  Silva,  juiz  de  fo- 
ra, servindo  de  corregedor  da  comarca,  o 
qual  apresentou  a  seguinte  carta  que  aca- 
bava de  receber  do  governador  das  justiças 
da  cidade  do  Porto: 

tHoje  dez  do  presente  ás  dez  horas  da 
noite,  chegou  hum  correio  de  Lisboa,  e  deo 
nova  carta  de  como  el-rei  D.  João,  a  quem 
Deos  guarde,  ficava  já  na  dita  cidade.  Vos- 
sas mercês  o  hão  appelidar  por  nosso  rei 
natural,  como  nosso  pae  que  nos  vem  a  re- 
unir, mandando  fazer  todas  as  festas  e  so- 
lemnidades  que  merece  e  nós  temos  obriga- 
ção de  lhe  fazer. . .  Porto,  10  de  dezembro 
de  1640.  Manoel  de  Sousa  da  Silva,  Gover- 
nador.» 

A  leitura  d'esta  carta  impressionou  sobre- 
maneira os  circumstantes,  porque  o  negocio 
€ra  incerto  e  o  evento  perigoso...  Neste 
èstado  de  receios  assentaram  que  o  objecto 
era  de  consideração! . . .  e  mandaram  con- 
vocar immediatamente  a  nobreza  da  cidade. 
Reforçada  a  assembléa  por  este  modo,  e 
instruídos  os  novos  membros  do  que  se  pas- 
sava, apoderou-se  d'elles  o  mesmo  espirito 
de  receio. . .  ponderando  um  dos  mais  au- 
ctorisados  o  seguinte: 

«Que  o  negocio  de  que  tratavam  era  in- 
dubitavelmente de  muita  transcendência;... 
que  a  cidade  de  Viseu  era  uma  das  mais 
antigas  e  nobres  de  Portugal,  e  por  isso  lhe 
deveriam  ser  brevemente  enviadas  as  or- 
dens e  communicações  do  novo  governo, 
que  se  dizia  já  constituído  era  Lisboa;  e  que 
finalmente  n'aquelle  dia  tinha  de  chegar  o 


1  Vejam-se  os  2  interessantes  folhetins 
publicados  pelo  cónego  José  d'01iveira  Be- 
rardo,—í/m  capitulo  de  Viseu  em  1640, — no 
Liberal,  de  5  e  9  de  setembro  de  1857. 


correio  ordinário  da  capital,  e  então  hiave- 
riam  todos  huma  certeza,  do  que  se  podieria 
obrar  com  tento  e  segurança.» 

•  Sendo  com  effeito  este  conselho  miuito 
prudente,  e  por  ventura  astucioso,  e  co3ndi- 
zendo  com  a  vontade  e  timidez  da  asíemlbléa, 
assentaram  unanimemente  de  não  rormpe- 
rem  em  demonstrações  sem  que  chegassse  a 
carta  d'el-rei  D.  João. 

Estas  deliberações  tinham  protrahiido  a 
sessão  até  ás  2  horas  da  tarde.  Mas  o  jpovo 
da  cidade,  que  não  entendia  nada  d'(estes 
conselhos  prudenciaes,. . .  já  instruído)  pe- 
los simples  rumores  que  corriam,  de  te^r  si- 
do aeclamado  em  Lisboa  o  duque  de  Bra- 
gança, levanta-se  em  massa  tumultuossa  e 
como  por  instincto,  pessoas  d'ambo3  os*  se- 
xos, de  todas  as  idades  e  condições,  coirrem 
aos  paços  do  concelho  situados  juntío  da 
praça  publica;  huns  trepam  pelo  pelcouri- 
nho;  sobem  alguns  ao  campanário  para  tan- 
ger o  sino  da  cidade;  e  outros  arremeíttem 
pela  sala  da  camará  e  casa  das  audienicias, 
clamando  em  altas  vozes:  Viva  o  sr.  D.  João 
IV,  rei  de  Portugall. . . 

Aqui  expirou  o  rigoroso  precato  doss  ho- 
mens da  governança.  Levantara-se  todo)s  al- 
voroçados, e  correspondem  áquellas  wozes 
do  povo  com  tanta  força  e  segurança,  ccomo 
se  tivessem  levado  nVllas  a  iniciativa! 

Veio  logo  o  estandarte  da  cidade,  e  co  ve- 
reador mais  velho,  desenrolando-o  na  firente 
de  toda  aquella  comitiva,  marcha  diamte  ao 
meio  do  largo  da  praça,  onde  por  longo  tem- 
po se  repetiram  as  acclara&ções,  as  qjuaes 
não  terminaram  sem  que  primeiro  peireor- 
ressem  as  ruas  priueipaes  da  cidade  co)m  as 
mesmas  demonstrações  de  enihusiasrao). 

O  mesmo  juiz  e  vereadores,  para  emi  tu- 
do satisfazerem  ao  povo,  juotando-se  sejguu- 
da  vez  ao  anoitecer,  cursaram  pelas  ruías  da 
cidade,  repetindo  as  acclamações,  que  {pare- 
ciam não  acabar.  Tão  grandes  eram  ass  an- 
ciãs de  exhalar  desejos  por  tanto  tempio  so- 
pitados, mas  não  extinctosi . . . 

«Com  effeito  ao  3.»  dia,  que  foramo  19 
'  (aliás  17)  de  dezembro  d*aqueUe  anno  (11640) 


VIS 


VIS  1837 


chegou  a  Viseu  hum  correio,  portador  da 
seguinte  carta,...  que  foi  lida  em  ca- 
mará: 

«Juiz,  vereadores,  e  procurador  da  camará 
da  cidade  de  Viseu.  Eu  el-rei  vos  envio  mui- 
to saudar. 

«Já  havereis  entendido  a  mercê,  que 
aprouve  a  Deos  N.  Senhor  de  me  fazer  na 
restituição  da  corôa  d'e8tes  meus  reinos,  e 
posto  que  de  todos  os  vassallos  e  naturaes 
d'elles,  particularmente  dos  moradores  d'e8- 
sa  cidade,  tenho  por  certo  que  em  confor- 
midade do  que  esta  cidade  de  Lisboa  come- 
çou, me  havereis  ahi  de  alevantar  e  accla- 
mar  por  vosso  rey  e  senhor  natural,  se  por 
ventura  se  tiver  dilatado  esta  solemnidade, 
vos  encommendo  e  mando  que  logo  a  façaes 
na  forma  costumada. . .  Escripta  em  Lisboa, 
a  10  de  dezembro  de  640.  Rey.» 

Feita  a  leitura,  já  os  nossos  homens  não 
quizeram  demoras. 

No  mesmo  dia  foram  convocados  na  casa 
da  camará,  por  notificação  e  ao  chamamen- 
to da  campa  tangida,  muitos  fidalgos  e  ca- 
valheiros dos  mais  antigos  e  nobres,  grande 
numero  de  cidadãos  e  immenso  povo,  oííi- 
ciaes  de  juptiça,  juizes,  jurados  e  quadri- 
lheiros do  termo  da  cidade;  e  bem  assim  os 
2  mesteres  da  camará,  e  os  12  do  povo  com 
o  seu  juiz,  aos  quaes  todos  fallou  o  corrigi- 
dor  da  comarca  nos  termos  seguintes: 

«Senhores,  já  deveis  de  saber  como  o  mui- 
to alto  e  poderoso  príncipe  el-rei  D.  João  o 
IV,  nosso  senhor,  que  Deos  guarde,  foi  ae- 
clamado  na  cidade  de  Lisboa  no  1.»  de  de- 
zembro do  presente  anno;  e  ainda  que  S.  M. 
também  o  foi  n'e8ta  cidade  de  Viseu  no  dia 
14  d'este  mez;. . .  eomtudo  por  isto  se  não 
ter  passado  com  aquella  solemnidade,  que 
tão  grande  acto  merecia,. . .  por  isso  hoje 
sois  aqui  convocados  para  o  feliz  aeereseen- 
tamento  de  tamanha  solemnidade. ..  Eia 
pois,  senhores,  vamos  a  coroar  a  obra  da 
nossa  redempção!» 


dez  de  Carvalho, *  indo  no  meio  de  dois  no- 
bres e  distinctos  cavalheiros,  que  foram  se- 
guidos pelos  vereadores  ornados  das  suas 
insígnias,  e  no  centro  de  toda  aquella  nume- 
rosa comitiva  que  os  rodeava. 

Era  meio  dia,  e  chegavam  á  porta  da 
egreja  cathedral,  onde  o  reverendo  cabido 
e  clerezia  (então  estava  a  Sé  vacante)  os 
aguardava  de  cruz  levantada.  Entraram  to- 
dos ao  canto  do  hymno  Te-Deum,  e  tendo 
subido  até  á  capella-mor,  deram  alli  hum 
juramento  solemne  de  acelamarem  por  seu 
rei  natural  e  senhor  que  lhes  vinha  por  man- 
dado de  Deos,  ao  muito  alto  e  poderoso 
príncipe  el-rei  D.  João  o  IV.  O  alferes  fez  a 
ceremonia  costumada  com  o  estandarte,  e 
descendo  depois  com  os  vereadores  até  á 
boca  da  capella  mòr,  e  no  meio  dos  2  men- 
cionados cavalheiros,  Antonio  Rodrigues  de 
Figueiredo  e  Antonio  Coelho  de  Campos, 
este  ultimo  dirigio  ao  povo  huma  arenga 
pathetiea,  mais  própria  do  seu  patrio- 
tismo e  persuasão,  do  que  de  estudados 
recursos ; 

«Senhores  (disse  elle)  esta  acclamação  de 
S.  M.  he  milagrosa;  he  hum  acto  da  sua  di- 
vina justiça;  he  huma  restituição  que  lhe  he 
feita  d'estes  reinos,  que  já  estavam  ha  mui- 
to tempo  saudosos  de  não  terem  hum  prín- 
cipe poriuguezl. . . 

Agora  simi. . .  agora  sim,  foi  Deos  servi- 
do favorecer-nos,  como  a  vassallos  fieis  que 
somos,  com  este  grande  príncipe  da  nossa 
nação  e  natureza!.. .» 

E  aqui,  entrecortando-se-lhe  as  palavras, 
começou  o  honrado  cavalheiro  a  derramar 
lagrimas  de  prazer. 

O  alferes  da  camará,  arvorando  o  estan- 
darte, 3  vezes  o  voltou,  e  outras  tantas  ex- 
clamou o  vereador  mais  velho;— i?ea?,  Real, 
pelo  muito  alto  e  poderoso  principe  D.  João 
o  IV,  rei  de  Portugall 

«Sahio  da  cathedral  esta  grande  comitiva 
ao  som  de  muitos  repiques  dos  sinos,  e  co- 


«Então  sahindo  os  ofiQciaes  mecânicos  com 
as  suas  bandeiras,  tomou  o  estandarte  da 
cidade  o  alferes  da  camará  Vasco  Fernan- 


VOLUMB  XI 


1  Tinha  quasi  o  mesmo  nome  do  celebre 
pintor  Grão  MascoH. . . 

116 


1838  VIS 


VIS 


mo  chegassem  à  praça  publica  os  arcabuzei-  i 
ros,  que  alli  se  achavam  formados  com  as 
suas  bandeiras  e  tambores,  dispararam 
huma  grande  salva.  Repetio-se  a  ceremonia 
do  estandarte,  como  se  fizera  dentro  da  ca- 
thedral.  ao  que  a  multidão  do  immenso  po- 
vo correspondeu  com  indisivel  enthusiasmo: 
— Viva  el-reiD.  João  o  IV  Nosso  Senhorl — 
e  seguiram-se  os  toques  das  charamellas  e 
trombetas. 

De  tarde  percorreram  as  ruas  da  cidade 
com  estrondosas  acclamações,  e  tendo-se 
recolhido  á  eaza  da  camará,  o  senado  de- 
cretou 08  seguintes  artigos: 

1.  °— Que  todos  os  moradores  da  cidade 
illumioassem  as  janellas  das  suas  casas  por 
aquellas3  noites; 

2.  °— Que  pelo  espaço  de  8  dias  a  nobreza 
fizesse  festas  de  cavallo; 

3.  °- Que  se  dessem  corridas  de  touros,  e 
se  fizessem  danças,  pélas,  chacotas,  e  toda  a 
casta  de  regostjos  pela  feliz  aeclamação  de 
el-rei; 

4.  °— Que  no  fim  de  tudo  se  desse  parte  ao 
mesmo  Senhor,  como  era  mister. 

Os  regozijos  e  demonstrações  de  contenta- 
mento não  ficaram  por  aqui:  a  oppressão 
fora  prolongada,  e  grande  devia  ser  o  desa- 
bafo. 

No  dia  23  de  dezembro  acharam-se  reuni- 
dos nos  claustros  da  Sé  o  Corregidor  da  co- 
marca, os  vereadores,  os  mesteres  da  ca- 
mará e  muitos  cidadão.s  prineipaes,  onde, 
de  combinação  com  o  rev.  cabido  e  minis- 
tros ecclesiasticos  do  bispado,  asseniaram: 
— que  no  dia  seguinte,  que  era  domingo,  24 
d'aquelle  mez,  se  fizesse  a  Deos  N.  Senhor 
huma  festa  em  acção  de  graças,  que  se  ex- 
pozesse  o  Santíssimo  Sacramento,  e  de  tar- 
de houvesse  huma  procissão  pela  grande 
mercê  que  Deos  fizera  a  estes  reinos,  e  com 
especialidade  à  cidade  da  Vizeu,. . . — e  que 
á  dita  funcção  assistissem  os  ministros,  ofíi- 
ciaes  da  camará,  o  cabido  e  todos  os  eccle- 
siasticos, como  se  costuma  no  sahimento  de 
Corpus  Christi.  Alem  disto  os  vereadores 
determinaram  que  em  a  noute  daquelle  dia 
e  na  outra  seguinte  todas  as  janellas  da  ci- 
dade estivessem  illuminadas:  e  que  no  men- 
cionado dia  os  mordomos  dos  ofiQeios  me- 


cânicos tivessem  promptas  as  suas  bandei- 
ras, danças,  festejos  e  cAaco/as;  assim  como 
as  pélas,  trombetas,  charamellas  e  tambores, 
debaixo  da  pena  de  30  dias  de  cadeiaU . . . 


«Com  efftíito  no  dia  aprazado  sahiram  dos 
paços  do  concelho  o  senado  da  camará,  os 
mesteres  e  muitos  cidadãos,  dirigindo-se  to- 
dos à  eathedral,  onde  assistiram  à  solemos 
funcção  ecclesiastica,  em  que  prégou  o  guar- 
dião dos  capuchos  de  S.  Francisco  d'Orgens 
com  a  satisfação  e  aprazimento  dos  circums- 
tantes.  Pela  tarde  reuniram  na  mesma  ea- 
thedral, e  então  teve  logar  o  8ol«mne  .«;ahi- 
mento  pelo  modo  seguinte: 

Na  frente  de  tudo  marchavam  os  tange- 
dores  das  charamellas  e  trombetas,  concer- 
tando huma  ingrata  harmonia  (sic)  segundo 
seu  talento  e  os  costumes  daquelle  tempo. 
Seguiam-se  as  folias,  espécie  de  dança  ou 
coro  de  raparigas,  tripudiando  com  vários 
gestos  e  posturas  para  divertimento  do  vul- 
go ignaro.  Após  estas  vinham  as  chacotas^ 
que  dançavam  cantando  varias  lôas,  de  que 
se  riam  e  alegravam  os  auditores.  Vinham 
também  as  pélas,  notável  dança,  que  se  com- 
punha de  meninos  levados  nos  hombros  d'ou- 
trem,  onde  se  contorneavam  com  varias  mí- 
micas extravagantes. 

Apparecia  de  próximo  a  charola  de  S. 
Jorge,  defensor  do  reino,  seguido  de  bastan- 
tes cavallos  d'estado  ajaezados,  onde  os  bor- 
dados telizes  mostravam  ao  povo  nos  bra- 
zões  muitas  orelhas  de  mouros,  que  os  ante- 
passados de  seus  donos  nunca  cortaram.  Após 
desenroladas  vinham  as  bandeiras  dos  oflS- 
ciaes  mecânicos  com  as  pinturas  dos  santos 
seus  patronos;  como  era  de  ver  no  mester 
dos  sapateiros  S.  Crispim  apontando  ao  po- 
vo a  curva  e  buida  sovella  na  dextra  mão 

> 

emquanto  seu  irmão  Crispiniano  ostentava 
o  duro  bisegre  luzidio. 

Rematava  esta  espécie  de  avançada  o  al- 
feres da  camará,  levando  a  bandeira  de 
S.  M... 

Então  se  estendia  a  fileira  das  cruzes  das 
freguezias,  que  eram  seguidas  pela  corpora  • 
ção  da  confraria  do  Senhor,  e  apôs  tiveram 
cabimento  os  frades  de  S.  Francisco  d'Or- 


VIS 


VIS  1839 


gens.  Finalmente  seguia-se  a  clerezia  com 
o  cabido,  e  o  palIio  levado  por  6  nobres  ca- 
valheiros, e  no  couce  de  tudo  o  senado  da 
camará. 

«Quando  o  pallio  se  mostrou  no  adro  da 
cathedral  (diz  o  alfarrábio  municipal  que 
consultamos)  a  milícia  das  ordenanças,  pos- 
tada com  firmeza  e  galhardia,  atirou  huma 
grande  salva  dos  negros  arcabuzes,  cujo  fo- 
go lhes  fora  communicado  pelos  morrões 
accezos. 

N'este  Ínterim  os  sinos  das  egrejas  resoa- 
vam  de  maneira  que  aturdiam,  e  logo  a  mi- 
lícia arcabiizeira,  governada  por  barbudos 
sargentos,  por  alferes  e  gordos  capitães,  ao 
som  dos  tambores  e  charamellas,;.cercou  em 
duas  alas  o  couce  da  procissão. 

Assim  caminharam  pelas  ruas  destina- 
das. . .  até  o  remate  com  a  entrada  na  ca- 
thedral. Subiu  então  ao  púlpito  o  dr.  Manoel 
d' Almeida  Castello  Branco,  cónego  na  Sé  de 
Vizeu,  onde  fez  hum  douto  sermão  alludin- 
do  às  semanas  do  propheta  Daniel,  dizendo: 
ique  foram  outras  tantas  como  os  annos  em 
que  o  reino  de  Portugal  esteve  sugeito  a 
Castella;  mas  que  pela  acelamação  de  S.  M. 
sahiram  os  portuguezes  do  captiveiro.»  Ain- 
da que  n'esta  conta  andava  um  erro  de  dez 
annos,  pouco  importava  para  o  assumpto... 

•  Concluída  a  funeção  religiosa,  o  resto  do 
dia  e  a  maior  parte  da  noite  passaram-se 
nas  encamisadas,  género  de  festas  que  com- 
prehendía  as  espécies  de  jogos  denominados 
cavallinhos,  justas  e  torneios,  em  que  os 
homens  a  eavallo,  e  vestidos  de  certo  modo, 
brincavam  entrecorrendo  huns  pelos  outros, 
batendo-se  com  fustes  ou  cannas. 

Todos  estes  regozijes. . .  foram  participa- 
dos a  el-rei,  que  muito  agradeceo,  enviando 
a  carta  seguinte: 

«Juiz,  vereadores. . .  e  povo  da  cidade  de 
Viseu:  Eu  el-rey  vos  envio  muito  saudar. 

Vi  a  vossa  carta  de  20  do  mez  passado, 
pela  qual  me  destes  conta  da  solemnidade 
com  que  n'essa  cidade  se  fizera  a  minha  ac- 
elamação, e  as  festas  que  depois  d'isso  se 
seguiram,  assim  ao  divino  como  ao  humano, 
o  que  tudo  foi  muito  conforme  á  confiança 


que  de  tão  honrados  cidadãos  e  leaes  vas- 
sallos  tenho,  ficando  certo  que  com  boa  von- 
tade folgareis  de  me  ajudar  a  defender  es- 
tes reynos,  que  Deos  N.  Senhor  foi  servido 
restituir-me  para  haver  lugar  de  vos  fazer 
mercê.  Escripta  em  Lisboa  aos  6  de  janeiro 
de  1641.  Rey.» 

A  isto  se  reduzem  os  2  folhetins  que  o 
sábio  eonego  extrahiu  do  alfarrábio  da  ca- 
mará e  que  em  verdade  são  um  capitulo  in- 
teressante da  historia  de  Viseu  e  bem  mais 
alegre  do  que  alguns  dos  tópicos  supra. 

VISIENSES  ILLUSTRES 
PELA  SUA  POSIÇÃO  SOCIAL 

—Martim  d' Almeida,  dos  Coutos  —  o  Ve- 
lho. 

Foi  caudel-mor. 

— Martim  Lourenço  d' Almeida,  pae  do  an- 
tecedente. 
Foi  reposteiro-mor  d'el-rei  D.  loão  I. 

—  Pero  Lourenço  d' Almeida,  irmão  de 
Martim  d' Almeida,  o  Velho. 
Foi  o  1."  almotacé-mor  de  PortugaL 
Dial.  4.°  de  Botelho,  cap.  28. 

—Diogo  Botelho  da  Costa,  descendente  do 
famoso  Cavalleiro  de  Samorim,  João  Nunes 
da  Costa. 

Casou  em  Bejar,  na  Hespanha,  com  D. 
Ignez  de  Artiaga  e  Souto  Maior,  filha  de  Ro- 
drigo d'Arliaga,  da  ereação  do  duque  d'a- 
quella  villa,  e  de  D.  Anna  Souto -Maior,  pa- 
renta da  duqueza,  e  tiveram  entre  outros  fi- 
lhos: 

—D.  Antonio  Botelho,  que  succedeu  na 
casa  de  seu  pae  e  em  1630  vivia  em  Viseu; 

—D.  Rodrigo  d' Artiaga  Souto-Maior^  que 
foi  thesoureiro-mor  do  México,  de  proprie- 
dàde; 

—D.  Gaspar,  e 

—D.  Alonso,  que  também  viveram  do 
México,  e 


1840  VIS 


VIS 


— D.  Francisco  éTArtiaga,  que  pelos  an- 
nos  de  1630  vivia  no  Peru. 
Dial.  4°  de  Botelho,  eap.  33. 

— Gonçalo  Pires  Bandeira  da  Gama,  se- 
nhor da  nobre  casa  e  morgado  dos  Bandei- 
ras de  Torre-Deita. 

Era  descendente  e  representante  do  fa- 
.  moso  Gonçalo  Pires  Bandeira,  que  na  bata- 
lha de  Touro  salvou  a  bandeira  portugneza, 
como  jà  dissemos  no  tópico  dos  Visienses 
illustres  pelas  armas. 

Nasceu  na  sua  casa  da  Torre-Deita  no  dia 
10  de  dezembro  de  1818,  e  ali  falleceu  no 
dia  14  de  julho  de  1884,  deixando  vivas 
saudades  e  um  vaeuo  profundo  no  concelho 
de  Viseu,  pois  era  o  modélo  d'um  Portugal 
velho  honradíssimo  e  cavalheiro  a  toda  a 
prova. 

No  Álbum  Visiense  pôde  ver-se  o  seu  re- 
trato e  a  sua  biographia.  Por  ser  bastante 
longa,  d'ella  faremos  apenas  um  leve  ex- 
tracto: 


«Era  filho  de  D.  Clara  Luiza  Bandeira  da 
Gama,  da  casa  dos  Coutos,  e  de  Thomaz  An- 
tonio da  Silva  Gama,  da  quinta  da  Re- 
guenga. 


Manteve  inalteráveis  a  consideração,  o 
prestigio  8  o  respeito  do  seu  antigo,  rico  e 
nobilíssimo  solar. 


A  grande  fortuna,  o  elevado  nascimento, 
as  excellentes  qualidades  e  a  figura  gen- 
til do  fidalgo  tornavam-no  apto  para  os 
mais  importantes  cargos,  grangeando-lhe 
sympalhias  e  captivando  a  attenção  de  todos 
ã  quem  elle  encantava  com  a  sua  affabili- 
dade. 

Nomearam-no  commandante  da  guarda 
nacional  de  Viseu,  e  n'estri  cargo  revelou 
melhor  o  seu  animo  folgasão  e  os  instinetos 
de  proteger  toda  a  gente,  do  que  a  rigida 
tempera  do  austero  disciplinador. 

Em  1853  elegeram-no  presidente  da  ca- 
mará municipal  de  Viseu. 


acharam  n'elle  senão  auxilio  para  o  inces' 
sante  caminhar. 


Durante  a  sua  gerência  municipal  pro- 
mulgou o  í."  código  de  posturas  que  teve  o 
concelho. 

Mais  tarde,  nos  annos  de  1864  e  1865,  tendo 
sido  eleito  procurador  á  junta  geral  do  dis- 
tricto,  occupou  o  logar  de  presidente  d'esta 
importante  corporação  

Foi  eleito  deputado  ás  cortes  por  indica- 
ção do  seu  amigo  do  collegio  o  sr.  Casal 
Ribeiro,!  nias  não  pôde  tomar  assento  na 
camará  por  motivos  particulares. 


Instaram-no  repetidas  vezes  para  acceitar 
condecorações  e  títulos,  etc,  mas  nunca  po- 
deram  obler  a  sua  aequiescencia  

Um  titulo  único  lhe  era  agradável:— o  de 
Morgado  da  Torre.  É  que  esta  designação 
que  o  povo  adoptou  carinhosamente,  e  que 
por  longos  annos  guardara  gravada  no  co- 
ração, representava  para  Gonçalo  Bandeira 
a  synthese  de  todos  os  affectos  que  mereceu, 
de  todas  as  altenções  com  qne  os  pobres 
agradeciam  à  casa  da  Torre  immensos  favo- 
res e  benefieios  


Rasgos  generosos  ninguém  os  tinha  maio- 
res do  que  o  Morgado  da  Torre. 

Quando  se  procedia  aos  estudos  da  estra- 
da municipal  de  Viseu  ao  Valle  de  Bestei- 
ros, offereceu  gratuitamente  as  vastas  expro- 
priações das  suas  propriedades,  reeommen- 
dando  com  empenho — que  desviassem  o  tra- 
çado das  terras  dos  visinhos,  que  com  isso 
se  inquietassem,  e  o  levassem  pelas  suas... 


Grandes  e  pequenos  so  curvam  deânte  do 
tumulo  que  nos  esconde  o  amigo  querido, 
um  grande  coração,  que  deixou  orphãos  mi- 
lhares de  infelizes  que  n'elie  achavam  cer- 
tos o  seu  remédio  e  conforto.» 

Casou  com  a  sr.»  D,  Cândida  Carolina 
Seabra  Bandeira. 


Olhou  sempre  para  a  frente,  e  os  melho- 
ramentos materiaes,  o  progresso,  nunca 


1  Hoje,  1888,  é  digno  par  do  reino  e  nos- 
so embaixador  em  Madrid,  etc. 


VIS 


VIS  1841 


— Luiz  Galvão. 

Casou  com  uma  senhora  dos  Bandeiras  da 
Gama,  da  casa  do  Ladario—e  «foi  (diz  Bo- 
telho, seu  contemporâneo  Dial.  4."  cap.  33) 
o  primeiro  mantenedor  (jogador)  de  mani- 
lha, que  houve  em  Viseu,  e  parles  da  Beira 
em  tempo  do  bispo  D.  João  de  Bragança»— 
1599-1609. 

—  O  rev.  João  Nunes  da  Cosia,  filho  de 
Fernão  Alvares  Cardoso  e  de  Brites  Nunes. 

Foi  abbade  da  Lageosa — «o  qual  teve  de 
hua  Filippa  Alvares,  ou  Brites  Alvares,  mais 
de  vinte  filhos ...»  —  diz  Botelho,  Dial.  4.» 
cap.  34,— alguns  dos  quaes  deram  numerosa 
descendência  e  oecuparam  altas  posições. 

— Antonio  d' Abreu  de  Mello,  filho  do  cele- 
bre cónego  Pedro  Gomes  d'Abreu,  sobrinho 
do  bispo  D.  João  Gomes  d'Abreu. 

Foi  pagem  do  brandão  do  príncipe  D.  João, 
pae  d'el-rei  D.  Sebastião. 

Dial.  5.0  de  Botelho,  cap.  3." 

— Adrião  Barreto  de  Seixas  e 

— Manuel  Ferrão  Castello  Branco. 
Eram  vereadores  e  estavam  em  sessão  or- 
dinária com  o  procurador  da  camará. 
« 

— Manuel  da  Costa  d^  Loureiro,  sob  a  pre- 
sidência do  juiz  pela  Ordenação  D.  Antonio 
Botelho  da  Costa  Homem,  quandu  entrou  na 
sala  das  sessões  o  licenciado  Manuel  Carvalho 
da  Silva,  no  dia  14  de  dezembro  de  1640,  e 
lhes  apresentou  uma  carta  que  acabava  de 
receber  do  governador  das  justiças  da  cidade 
do  Porto,  eommunieando-lhe  a  feliz  nova  da 
revolução  de  1  de  dezembro  do  dicto  anno  e 
da  acelamação  de  D.  "João  IV,  e  mandando 
que  em  Viseu  se  repelisse  a  mesma  acela- 
mação com  todas  as  demonstrações  pró- 
prias. 

Os  illustres  vereadores  tilubiaram  com  re- 
ceio, mas  o  povo  os  compelliu. 

Veja-se  o  tópico  supra:  Acelamação  d'el' 
rei  D.  João  IV. 


— Vasco  Fernandes  de  Carvalho.^ 

Em  1640  hasteou  à  bandeira  de  Viseu  nas 

festas  da  acelamação,  pois  era  o  alferes  da 

camará. 

— Antonio  Rodrigues  de  Figueiredo  e 

— Antonio  Coelho  de  Campos. 

Foram  os  2  fidalgos  visienses  que  tiveram 
a  honra  de  ladear  o  alferes  da  bandeira  nas 
pomposas  festas  da  acelamação  de  D.  João 
IV,  em  1640. 

— O  dr.  Manuel  d' Almeida  Castello  Branco. 

Era  cónego  da  Sé  de  Viseu  em  1640  e 
prégou  com  muito  applauso  nas  festas  da 
acelamação. 

V.  o  lopieo  citado  supra. 

—José  Ribeiro  de  Carvalho  e  Silva,  nego- 
ciante de  grosso  trato  no  império  do  Brazil, 
primeiramente  no  Bio  de  Janeiro  e  depoi^ 
na  província  de  Minas,  onde  se  estabeleceu 
e  casou  em  Sant'Anna  de  Capivary. 

Nasceu  na  cidade  de  Viseu  em  1824  e  fo- 
ram seus  paes  Manuel  Ribeiro  de  Carvalho 
6  D.  Maria  José. 

Como  bom  patriota  jamais  esqueceu  a  sua 
terra  natal.  Nãe  só  veiu  expressamente  vi- 
sital-a  em  1880  e  1882,  mas  deixou  largas 
esmolas  aos  seus  conterrâneos.  Declarou-se 
protector  e  bemfeilor  do  Asylo  d'Infancia 
desvalida  e  deu  á  Santa  Casa  da  Misericór- 
dia quantia  suííieiente  para  com  o  seu  juro 
dar-se  uma  sopa  económica  durante  4  me- 
ses por  anno  a  18  pessoas;— fundou  e  sub- 
sidiou em  Viseu  uma  escola  nocturna  pelo 
methodo  de  João  de  Deus;  subsidiou  o  pro- 
fessor primário  da  Corga,  onde  nasceram 
seus  paes;  deu  500^000  réis  para  ajuda  de 
uma  bibliotheca  popular  na  mesma  aldeia — 
e  deu  mais  100  volumes  dos  Colloquios  aí- 


1  Era  quasi  homonymo  do  celebre  pintor 
Vasco  Fernandes— o  Grão  Vasco,  de  quem 
faltaremos  adiante. 

Seriam  parentes? 


i842  VIS 


VIS 


deiões  de  Castilho  para  prémios  dos  alum- 
nos. 
Mais  ainda. 

Sabendo  que  em  Viseu  havia  um  caixeiro 
pobre  com  rara  vocação  para  desenho  e  pin- 
tura, subsidiou- o  para  ir,  como  foi,  para  o 
Porto,  frequentar  a  Academia  de  Bellas  Ar- 
tes, e  tanto  aproveitou  que  já  em  1884  a 
1885  foi  o  director  artistico  do  primoroso 
Álbum  Visiense,  onde  a  pag.  17  a  19  se  vê  a 
biographia  do  sr.  José  Ribeiro  de  Carvalho  e 
Silva — e  o  retrato  do  mesmo  benemérito  vi- 
siense, desenhado  pelo  {dieto  moço,  que  é 
hoje  um  artista  de  merecimento,— José  d' A/- 
meida  e  Silva,  do  qual  adiante  fallaremos 
no  tópico  Pintores. 

— Antonio  d' Almeida  Totar. 

Foi  o  ultimo  senhor  e  representante  da 
nobre  familia  Almeidas  da  Calçada,  hoje 
Noronhas  Faro  e  Menezes. 

V.  pag.  1728,  col.  1.»  n.°  2. 

— Antonio  de  Albuquerque  d' Amaral  Car- 
doso. 

Foi  o  ultimo  senhor  e  representante  da 
nobilíssima  e  riquíssima  Casa  do  Arco. 

V.  pag.  1727,  col.  2."  n.»  1. 

— João  da  Silva  Mendes,  rico  negociante, 
proprietário  e  capitalista. 

Foi  o  tronco  da  nobre  familia  Silvas  Men- 
des. 

V.  pag.  1733,  col.  2.»  n.°  11. 

—O  conde  de  Santa  Eulália,  Antonio  Au- 
gusto de  Mello  Castro  e  Abreu. 

Foi  o  ultimo  senhor  e  representante  da  ri- 
ca e  nobre  casa  dos  Mellos  Castros  de  Viseu. 

V.  pag.  1737,  col.  2.» 

— D.  Maria  Cândida  á* Almeida  Vasconcel- 
los  de  Mello  Abreu  e  Carvalho. 

Foi  a  ultima  representante  da  nobre  fa- 
milia Almeidas  e  Vasconcellos  de  Mello  e 
Abreu,  da  casa  e  quinta  de  Santo  Estevam. 

V.  pag.  1740,  col.  1.» 

— Luiz  de  Loureiro  Queiroz  Cardoso,  1." 
visconde  de  Loureiro,  filho  único  do  1.»  ba- 
rão de  Prime. 

Foi  o  ultimo  senhor  e  representante  da 
opulenta  casa  de  Prime,  junto  de  Viseu,  que 
eomprehendia  outras  muitas. 

V,  pag.  1736,  col.  2."  n.»  12,— e  1752,  col. 
2.*  n.»  15. 


— Fernando  d' Almeida  e  Silva  Cerqueira 
Lacerda  Vasconcellos. 

Nasceu  a  18  de  Março  de  1779  e  falleceu 
em  18  de  julho  de  1868.  Foi  representante 
de  varias  casas  de  Viseu,  Amarante,  Sam- 
paio, etc. 

Capitão  de  infanteria  do  antigo  regimen- 
to 11,  fez  a  guerra  peninsular;  assistiu 
ao  combate  do  Bussaco,  onde  foi  ferido.  Foi 
condecorado  com  a  medalha  das  4  compa- 
nhas. Renunciou  a  vida  militar  e  não  fez 
parte  da  expedição  de  Montevideu  para  ca- 
sar com  D.  Maria  Augusta  Pinto  Guedes  de 
Almeida  Vasconcellos,  da  Casa  de  Santa 
Eulália,  no  concelho  de  Cêa,  senhora  de 
raras  virtudes,  fallecida  em  23  de  março 
de  1870.  Não  houveram  filhos  e  suecedeu 
na  casa,  por  disposição  testamentária,  a  so- 
brinha D.  Eduarda  Augusta  Pereira  Pinto 
d'Almeida  Vasconcellos  Queiroz,  casada 
com  Bento  Queiroz  Pinto  Serpe  de  Mello, 
morgado  das  casas  de  Favaios,  S.  João  da 
Carreira,  Covello  e  Fundão,  fallecido  em  12 
de  janeiro  de  1886.  V.  o  tópico  supra — 
Familias  nobres  de  Viseu  na  ac[ualidade> 
parte  I,  n."  10,  tit.  Queirozes  Pintos. 

— Emygdio  Julio  de  Navarro,  actual  mi- 
nistro das  obras  publicas.  Nasceu  na  rua  do 
Arco  em  19  d'abril  de  1844. 

Ê  filho  legitimo  de  André  Navarro,  da  ci- 
dade d'Alicante,  na  Hespanha,  e  de  D.  Car- 
lota Joaquina  do  Carmo  Machado,  natural  da 
Villa  (hoje  cidade)  de  Guimarães.  É  distin- 
to escriptor  publico,  redactor  das  Novidades 
e  auctor  do  formoso  livro—QuATRo  biAs  na 
SERRA  DA  ESTRELLA,  elc.  Adiante  volveremos 
a  fallar  do  sr.  Emygdio  Navarro  no  tópico 
Estadistas. 

VISIENSES  NOTÁVEIS 
PELAS  SUAS  VIRTUDES 

— Padre  Bernardo  Pereira,  jesuita  e  seu. 
irmão 

— Fr.  Rodrigo  de  Jesus,  da  ordem  do 
Carmo. 

V.  pag.  1547,  coL  1.»  ín  fine  —  e  o  tópica 


VIS 


VIS  1843 


s\ipT3i— Visienses  illustres  pelas  leítras,  mas 
não  escnptores. 

—Padre  Antonio  Leitão,  o  padre  ladrão. 
V.  pag.  1618,  eol.  2." 

— Jeronymo  Bravo,  e  sua  mulher 

—Isabel  d^ Almeida,  fundadores  do  1." 
hospital  da  Misericórdia. 
V.  pag.  1666,  eol.  1." 

—  O  dr.  Belchior  Loureiro,  e  sua  1.»  mu- 
lher 

— Maria  de  Queiroz  Castello  Branco,  fun- 
dadores do  convento  de  Jesus. 
V.  pag.  1661  col.  1." 

—Simão  Machado,  e  sua  mulher 

— D.  Anna  de  Jesus  Serpe. 

Deram  a  sua  casa  e  quinta  de  Santa 
Christina  aos  congregados,  para  n'ella  faze- 
rem, como  fizeram,  o  convento,  hoje  Semi- 
nário diocesano. 

V.  pag.  1649,  col  2.» 

— Uma  emparedada  cujo  nome  se  ignora. 

D'ella  faz  menção  Viterbo  no  Elucidário, 
dizendo:— «Do  Livro  Velho  dos  Óbitos  de  Vi- 
seu, a  5  de  janeiro,  consta  que  no  anno  de 
1313  falleceu  n'aquella  cidade  Margarida 
Lourença,  que  deixou  ao  Cabido  seis  soldos, 
impostos  na  sua  càsa  da  Ribeira,  que  de 
uma  parle  confrontava  com  a  Emparedada- 
E  esta  mui  provavelmente  foi  a  contempla- 
da em  um  testamento  de  Maceiradão  de 
1307,  no  qual  se  acha  esta  verba:— Mawdo 
aas  Confrarias  de  Viseu  cinqui  soldos,  e  aa 
Emparedada. 

V.  Inclusa  n'este  diccionario,  tomo  3."  pag 
389,  eol.  2.« 

— A  viscondessa  de  S.  Caetano,  generosa 
protectora  dos  desvalidos. 
V.  pag.  1798,  col.  1.» 

— Gonçalo  Pires  Bandeira  da  Gama,  ge- 
neroso protector  dos  desvalidos  também. 


V.  o  tópico  supra,  —  Visienses  illustres 
pela  sua  posição  social. 

—Dr.  Antonio  Luiz  Dourado,  medico  dis- 
tinctissimo  e  amantissimo  da  pobreza. 

V.  o  tópico  supra — Visienses  illustres  pe- 
las lettras,  mas  não  escriptores. 

Estadistas 

— Emygdio  Julio  Navarro,  bacharel  for- 
mado em  direito  e  actualmente  ministro  das 
obras  publicas,  ete.  etc. 

D'elle  jà  flzpmos  menção  no  fim  do  tópico 
Yisienses  illustres  pela  sua  posição  social. 

Concluiu  a  formatura  no  dia  18  de  junho 
de  1859  e  tem  sido  deputado  ás  cortes  em 
differenles  legislaturas. 

Casou  em  Coimbra  com  a  ex.*  sr.»  D.  Er- 
nestina Cândida  Lopes,  filha  do  dr.  Adriano 
Lopes  Guimarães  e  de  D.  Anna  Justina  Lo- 
pes d'Andrade. 

O  sr.  Emygdio  Navarro  é  um  talento  de 
1.»  plana  e  orador  distinctissimo,— e,  apesar 
de  ser  ainda  muito  novo,  é  um  dos  minis- 
tros mais  energieos  e  mais  atilados  que  Por- 
tugal tem  tido  até  hojel  Deixa  o  seu  nome 
vinculado  a  muitas  e  muito  importantes 
obras  publicas: — vias  férreas  e  estradas  a 
macadam;  portos  e  docas;  arborisação  das 
estradas,  das  dunas  do  litoral  e  das  serras 
da  Estrella  e  do  Gerez;  albufeiras  e  canaes 
de  irrigação;  escolas  indusiriaes  e  agríco- 
las, etc,  etc  —o  que  tudo  a  historia  um  dia 
registará  com  louvor. 

Visienses  tristemente  celebres 

— João  Ferrão  de  Castello  Branco,  filho 
d'outro  do  mesmo  nome  e  de  D.  Maria  d'Al- 
meida. 

Antes  de  1630  matou  o  seu  irmão  primo- 
génito Manuel  Ferrão  de  Castello  Branco; 
em  seguida  homisiou-se  e  nunca  mais  ap- 
pareceu! . . . 

Dial.  í."  de  Botelho,  eap.  26,  pag.  343  no 
códice  de  Girabolhos. 

— João  Gomes  Pardello. 

Assaltou  e  tentou  incendiar  em  14  d'agos 


1844  VIS 


VIS 


to  de  1641  o  convento  dos  frades  capuchos 
de  Santo  Antonio  de  Maçorim,  procurando 
Luiz  Ferrão  para  o  matar. 
V.  pag.  1640,  col.  1.» 

— Domingos  Lopes,  de  SO  annos  de  idade 
e  viuvo. 

Estuprou  violentamente  em  sitio  ermo 
uma  menina  de  8  annos,  deixando-a  em  mí- 
sero estado,  pelo  que  foi  preso  e  enforcado 
no  Campo  da  Lã,  em  Lisboa,  no  dia  16  de 
dezembro  de  1745. 

Mem.  do  Dr.  Secco,  pag.  343. 

— Manoel  Cardoso  de  Loureiro,  fidalgo 
dislincto,  capitão-mór  de  Viseu,  etc,  e  seu 
filho  do  mesmo  nome 

—Manoel  Cardoso  de  Loureiro. 

Tornaram -se  tristemente  celebres  e  sof- 
freram  grandes  trabalhos  pelas  suas  aventu- 
ras com  as  freiras  benedictioas  do  convento 
de  Jesus  nos  fins  do  ultimo  século. 

V.  pag.  1662,  col.  2.» 

— José  Paulo  Pereira  de  Carvalho,  da  no- 
bre casa  de  Rebordinho  em  Lourosa  da  Te- 
lha. 

V.  pag.  1751,  n.°  10,  col.  2.« 

Foi  coronel  das  milícias  de  Viseu  e  um 
dos  vogaes  da  celebre  commissão  mixta  que 
em  1832  e  1833  ordenou  os  fusiiamentos 
politico»  mencionados  supra,  pag.  1784,  col. 
l.'  e  segg. 

— Francisco  d' Almeida  Vasconcellos,  major 
reformado. 

Foi  lambem  um  dos  vogaes  da  celebre 
commissão  mixta. 

Os  outros  vogaes  eram  de  terras  estra- 
nhas e  por  isso  os  não  mencionamos  n'este 
rol. 

Artistas  notáveis 

—Luiz  Antonio  dos  Santos,  o  engenheiro. 
.  Tendo  sido  um  simples  carpinteiro,  che- 
gou a  ser  organeiro  distincto. 

Foi  elle  quem  fez  em  1814  a  1819  o  ma- 
gestoso  órgão  actual  da  Sé. 

V.  pag.  1633,  col.  1."  i 


I  — Padre  Antonio  Duarte  Moura,  de  quem 
já  fizemos  menção  no  titulo  Escriptores. 

É  também  artista  mechanico  muito  dis- 
tincto e  de  aptidões  variadas,  musico  e  or- 
ganeiro. 

Em  1876  concertou  admiravelmente  o 
grande  e  magestoso  órgão  da  Sé,  como  já- 
tinha  concertado  o  da  Misericórdia  e  ou- 
tros,— e  construiu  um  pequeno  órgão  de  sala 
muito  engenhoso,  inventado  por  elle. 

Veja-se  o  tit.  Músicos,  infra. 

— Manuel  Duarte  Moura,  pae  do  antece- 
dente. 
Foi  um  bom  relojoeiro. 

— Gaspar  Joaquim  da  Fonseca,  esculptor. 

Foi  discípulo  de  Barros  Laborão;  traba- 
lhava admiravelmente  em  pedra  e  madeira, 
— e  desde  1822  até  que  falleceu  de  33  an- 
nos, em  Lisboa,  foi  ali  ajudante  do  profes- 
sor na  aula  de  escuiptura. 

Mem.  de  Francisco  Mannel  Correia,  pag. 
123. 

— Manuel  de  Figueiredo,  gravador. 

Ainda  este  anno  de  1888  gravou  a  meda- 
lha de  prata  que  os  bombeiros  voluntários 
de  Viseu  mandaram  fazer  para  recompen- 
sar os  actos  heróicos  da  sua  benemérita 
corporação. 

— Narctzo  de  Sousa  Mello,  enlalhador. 
Foi  este  artista  quem  fez  a  obra  d'enta- 
Iha  do  magnifico  órgão  da  Sé. 

— João  Gomes  Pardello,  serralheiro. 

Foi  mester  da  camará  em  1641  e  homem 
audaz,  agitador  e  perigoso,  pelo  que  se  tor- 
nou tristemente  celebre,  como  já  dissemos 
no  lopieo  antecedente. 

—Raphael  Carlos  Pereira  de  Souza,  de 
quem  já  fizemos  menção  no  tópico  Escri- 
ptores. 

É  um  artista  encyclopedieol 

— José  Lopes  Grillo,  de  59  annos  de  idade. 
É  bom  esculptor  e  lambem  pintor,  sem 
auxilio  de  mestre. 


VIS 


VIS  1845 


—Bernardo  Rodrigues  Lourenço,  da  fre- 
guezia  de  Travassos  e  cunhado  do  antece- 
dente. 

É  bom  escuiptor  de  imagens,  distinguin- 
do-se  principalmente  nas  do  Sagrado  Cora- 
ção de  Jesus. 

— José  Monteiro  Nellas,  natural  de  Viseu. 
Tem  muita  aptidão  para  esculptura  e  pin- 
tura e  promette  ser  um  bom  artista. 

—Antonio  José  Pereira,  nascido  em  1820, 
e  professor  de  desenho  no  lyceu  nacional 
d'estâ  cidade, 

É  in-igne  na  esculptura  e  principalmente 
na  pintura,  a  que  se  dedicou  sem  auxilio  de 
mestre.  Conhece  a  escola  de  Grão  Vasco, 
como  poucos.  Pode  dizer-se  que  nasceu 
n'elia  e  n'ella  se  formou.  São  quadros  seus, 
alem  d'outros,  o  da  Geia  no  altar  do  SS.  na 
Sé  e  que  foi  o  primeiro  que  fez;  os  dos  al- 
tares coUateraes  da  egreja  da  Misericórdia^ 
representando  um  as  Dores  e  outro  a  visi- 
tação da  Virgem  a  Santa  Isabel,  e  os  de 
muitos  e  vários  bemteitores  d'esta  casa.  Che- 
fe de  uma  familiade  rara  habilidade,  são  obra 
sua  e  de  sua  mulher  e  filhas  um  rico  e  bem 
trabalhado  reposteiro  da  egreja  da  Miseri- 
,cordia,  outro  da  dos  Terceiros  de  S.  Fran- 
cisco e  outro  da  egreja  do  Seminário,  que 
prima  pela  elegância  e  simplicidade  da  or- 
namentação. 

Também  trabalha  em  oiro,  prata,  mar- 
fim, etc. 

D'esie  illustre  visiense  volveremos  a  fallar 
no  tópico  Pintores. 

Mestres  d' obras 

— João  Affonso,  ferreiro  de  Fragosella. 

Foi  um  insigne  bemfeitor  dos  frades  de 
S.  Francisco  d'Orgens. 

«As  ciaustras  fez  Fr.  Antonio  de  Buarcos 
(diz  Botelho)  com  ajuda  da  esmola  que  dei- 
xou hum  João  Affonso,  ferreiro  de  Fragosel- 
la, como  consta  do  letreiro,  que  está  em 
huma  quina  dos  claustros,  cuja  virtude  me- 
rece esta  memoria.! 

Dial.  4.°  cap.  32,  pag.  369  no  códice  de 
Girabolhos. 


— David  Alvares,  pedreiro  e  mestre  d'o- 
bras. 

Era  o  dono  da  quinta  (hoje  dos  CardosQS 
de  S.  Miguel)  que  os  frades  capuchos  com- 
praram em  1633  e  onde  viveram  antes  de 
passarem  para  o  convento  de  Santo  Antonio 
de  Maçorim. 

V.  pag.  1658,  col.  2.« 

—Daniel  Alvares,  também  pedreiro  e  mes- 
tre d'obrâs,  talvez  pae  do  antecedente. 

Viveu  no  tempo  do  bispo  D.  João  Manuel  , 
(1599-1609)  e  por  ordem  do  mencionado 
bispo  e  segundo  a  planta  dada  por  elle,  res- 
taurou e  fez  de  novo  a  capella  de  Santa 
Martha  no  paço  de  Fontello  e  as  3  salas 
contíguas. 

Foi  homem  de  fortuna  e  pae  do  dezem- 
bargador  João  Saraiva  de  Carvalho,  de 
quem  já  fizemos  menção. 

V.  pag.  1616,  col.  2.» 

— Manuel  Ribeiro,  carpinteiro. 
Fez  as  obras  de  madeiramento  do  Hospi- 
tal Novo  da  Misericórdia. 
—V.  pag.  1668,  col.  l.«i 

—Francisco  Lopes  Peres,  da  freguezia  de 
Ranhados. 

Foi  um  carpinteiro  e  mestre  d'obras  mui  - 
to  intelligente. 

— José  Antonio  Peres,  sobrinho  e  sucees- 
sor  do  antecedente,  natural  da  mesma  fre- 
guezia e  como  elle  carpinteiro  e  mestre  de 
obras. 

Foi  quem  na  restauração  dirigiu  as  obras 
de  madeiramento  no  3."  andar  do  Seminá- 
rio visiense,  bem  como  as  da  sacristia  e  ba- 
laustrada da  escadaria,  torreão  da  mes- 
ma, etc. 

V.  pag.  1656,  col.  2.» 


1  As  paredes  do  dicto  hospital  foram  fei- 
tas pelo  pedreiro  e  mestre  d'obras  Jaeintho 
de  Mattos,  de  Villar  de  Besteiros,  concelho 
de  Tondella,  como  também  dissemos  loc. 
cit. 


1846  VIS 


VIS 


— Seraphim  Lourenço  Simões,  da  freguezia 
de  Lordosa,  pedreiro  intelligentissimol 

Foi  elle  quem  restaurou  o  ultimo  lanço 
das  celebres  escadas  do  mesmo  Seminário 
e  as  escadas  da  capella  mor,  etc. 

V.  pag.  1656,  col.  1.»  e  2.» 

MÚSICOS 
— Manuel  José  Boto. 

Foi  mestre  de  capella  na  Sé  de  Viseu  e 
musico  distincto. 

— Manuel  Boto  Machado,  filho  do  antece- 
dente. 

Foi  organista  da  Sé  com  grande  applauso 
muitos  annos,  alé  que  falleceu  em  17  de  ja- 
neiro de  1822.  1 

«O  seu  engenho,  como  compositor  de  mu- 
sica ecclesiaslica,  é  altestado  pelas  muitas 
obras  que  deixou  (diz  Berardo)  e  que  me-  ' 
reeiam  ser  conhecidas  e  avaliadas  dos  en- 
tendedores. Ê  muito  de  admirar  que  este 
homem,  sem  nunca  ter  viajado,  nem  se  lhe 
proporcionarem  os  meios  de  consultar  os 
grandes  mestres,  e  ouvir  as  composições  fa- 
mosas, desenvolvesse  tanta  invenção,  bom 
gosto  e  propriedade.  Não  hesitamos  de  col- 
local-o  a  par  do  exímio  compositor  D.Joa- 
quim de  Menezes  e  Athaide,  que  foi  bispo 
d'Elvas.«i 

— Padre  José  d' Abreu  Pessoa,  mestre  de 
capella  na  Só  de  Viseu. 

«Foi  hábil  na  execução  musical,  e  muito 
erudito  nas  matérias  da  arte  que  professa- 
va; comtudo  as  suas  composições  não  pas- 
saram da  sufflciencia,  e  publicou  uma  Arte 
de  Canto  Chão  para  uso  dos  alumnos  do 
Seminário  episcopal  de  Viseu,  impressa  em 
Lisboa  em  1830.»  É  isto  o  que  diz  nas  suas 
Memorias  o  mesmo  cónego  Berardo. 


1  Não  cantaremos  extra  chornm  dizendo 
que  nos  primeiros  6  mezes  do  corrente  an- 
no  de  1888  importámos  7:820  instrumentos 
músicos  e  entre  elles  433  pianos.  ' 


Foi  professor  de  canto-chão  no  Seminário 
diocesano;  era  ura  presbytero  de  exemplar 
comportamento  e  falleceu  de  provecta  ida- 
de no  dia  2  d'agosto  de  1830. 

Foi  contemporâneo  de  Manoel  Boto  Ma- 
chado, mencionado  supra. 

— Padre  João  Ribeiro  d' Almeida  Campos^ 
mestre  da  capella  e  depois  cónego  na  Sé  de 
Lamego. 

tFoi  muito  conhecido  não  só  como  hábil 
executor  de  instrumentos,  como  por  algu- 
mas composições,  que  testificavam  sua  pe- 
rícia e  bom  gosto. 

«Publicou  uns  Elementos  de  Canto-Chão, 
e  outros  Elementos  de  musica,  obras  rudi- 
mentares para  uso  dos  principiantes.  Falle- 
ceu no  Porto  em  1833. 

Ê  isto  o  que  diz  Berardo,  mas  lonocencio 
apenas  disse— que  foi  professor  de  canto  no 
seminário  de  Coimbra  (?)— e  que  escrevera 
os  Elementos  de  Musica,  destinados  para  uso 
da  aula  do  Paço  episcopal  de  Coimbra  (?). 
Coimbra,  na  imprensa  da  Universidade,  8.» 
de  VIII— 92  pag. — com  uma  estampa.  Tam- 
bém disse  constar-lhe  que  se  matriculou  no 
1.»  anno  de  direito  na  Universidade  de  Coim- 
bra em  1783. 

O  sr.  Brito  Aranha  em  additamento,  ci- 
tando os  Músicos  portuguezes  do  sr.  Joaquim 
de  Vasconcellos,  diz  que  o  nosso  biographa- 
do  se  formou  effeelivamente  em  leis  pela 
Universidade  de  Coimbra,  mas  só  com  o  no- 
me de  João  Ribeiro  d' Almeida,  ao  qual  pos- 
teriormente accrescentou  o  appelido  Cam- 
pos. 

Nem  lonoceneio  nem  o  sr.  Brito  Aranha 
dizem  que  o  nosso  biographado  foi  mestre 
da  capella  e  depois  cónego  na  Sé  de  Lame- 
go, com  diz  Berardo;— nem  Berardo  o  men- 
ciona como  dr.  ou  bacharel,  mas  não  pôde 
duvidar-se  de  que  se  formou  em  Coimbra, 
porque  temos  sobre  a  nossa  mesa  de  estudo 
os  seus  t  Elementos  de  Cantochão  offereeidos 
a  Saa  Alteza  Real  o  Sereníssimo  Senhor  D. 
João  Príncipe  Regente,  por  João  Ribeiro  de 
Almeida  Campos,  Presbytero  Secular,  Bacha- 
rel formado  em  leis  pela  Universidade  de 
Coimbra,  Mestre  de  Capella  da  Cathedral  de 
Lamego,  professor  e  examinador  de  Canto- 


VIS 


VIS  1847 


chão  no  mesmo  bispado.  Destinados  para 
uso  do  novo  Seminário  de  J.  M.  A.^  Lisboa, 
anno  de  MDCCC  8.°  de  71  foi. 
Também  aliunde  soubemos  o  seguinte: 
Era  muito  illuslrado  e  foi  muito  estima- 
do pelo  bispo  de  Lamego  D.  João  Binet  Pin- 
cio,  que  o  formou  e  lhe  deu  o  canonieato, 
em  Lamego.  Teve  ali  4  filhos,  sendo  2  va- 
rões, dos  quaes  formou  um  em  medicina,— 
outro  foi  capitão  de  infanteria  e  um  dos 
presos  politicos  da  praça  d'Almeida  em  1828 
a  1834.  Das  filhas  uma  foi  freira  de  habito 
branco. 

Pelos  annos  de  1829,  sendo  perseguido  co- 
mo liberal,  emigrou  com  o  filho  medico;  re- 
gressaram com  o  sr.  D.  Pedro  em  1832  ao 
Porto,  onde  foi  proviíor  ou  governador  do 
bispado,  e  alli  falleeeu  em  1833. 

Tocava  toda  a  casta  de  instrumentos  e  era 
muito  excêntrico!  Um  bello  dia  ao  sair  da 
sua  casa  ao  fundo  da  rua  da  Olaria,  em 
Lamego,  deparou  com  um  amigo: 

—Para  onde  vaes?— perguntou-lhe  o  có- 
nego. 

— Viajar  para  a  França. 

—Espera,  que  eu  vou  comtigo.  E  passa- 
dos poucos  momentos  partiu  com  elle  para 
França  e  por  lá  andou  viajando  alguns  me- 
zes. 

— D.  Maria  do  Ceo  da  Silva  Mendes,  já 
mencionada  supra,  no  tópico  das  Senhoras 
mais  notavei*,  filhas  de  Viseu. 

É  considerada  por  todos  como  1.»  pianis- 
ta da  Beira. 

— Antonio  d^ Almeida  Duque. 

Foi  distincto  professor  de  piano. 

Pôde  ver-se  o  seu  retrato  e  a  sua  biogra- 
phia  no  Álbum  Visiense,  pag.  73.  Seja-nos 
licito  copiar  d'ella  apenas  as  primeiras  li- 
nhas: 

«Publicamos  hoje  o  retrato  d'e8te  nosso 
patrício. 


1  Jesus  Maria  e  Anna  é  o  titulo  do  Semi- 
nário de  Lamego, 


O  Álbum  Visiense  destinou -se  a  ser  uma 
galeria  de  homens  illustres  d'esta  terra. 

O  que  hoje  apresentamos  foi  incontesta- 
velmente um  homem  illustre. 

Teve  a  nobreza  do  trabalho,  porque  tra- 
balhou, indefesso,  desde  a  infância. 

Teve  a  nobreza  da  probidade,  e  nunca 
foi  excedido  n'esta  virtude. 

Teve  a  nobreza  do  talento,  porque  foi  um 
insigne  pianista,  um  perfeito  musico,  um 
ensinador  proficiente  e  consciencioso...» 

Nasceu  em  5  de  março  de  1835  na  rua  da 
Regueira,  na  casa  das  Bocas,  e  falleeeu  a 
10  de  setembro  de  1883  na  casa  da  Bica, 
edificada  por  elle  na  rua  de  D.  Luiz  em  Vi- 
seu. 

—  José  d' Oliveira  Berardo,  o  sábio  cónego, 
de  quem  já  fizemos  menção  no  tit.  Escripto- 
res. 

Foi  distincto  amador  e  profundo  entende- 
dor de  musica,  e  no  Liberal  àe  Viseu  (n.0  5 
de  20  de  maio  de  1837)  publicou  sob  o  tit. 
Artistas  portuguezes^  uma  extensa  lista 
chronologica  dos  nossos  músicos  escriptores 
— e  outra  dos  compositores,''^  precedidas  de 
uma  interessante  introdueção  histórica. 

—Padre  Antonio  Duarte  Moura,  filho  do 
relojoeiro  visiense  Manuel  Duarte  Moura. 

É  homem  muito  illuslrado,  muito  sympa- 
thico  e  de  variadíssimas  aptidões:  distincto 


1  Sob  o  mesmo  tit.  e  no  mesmo  jornal 
(n.»  2  de  9  de  maio  do  dito  auno)  havia  fal- 
lado  dos  nossos  artistas  gravadores^  pintores 
e  calligraphos.  Depois  lambem  fallou  parti- 
cularmente de  Grão  Vasco  nos  n."»  52  e  85 
do  mesmo  jornal,  dedicando-ihe  dois  longos 
artigos,  muito  interessantes. 

2*N'esia8  2  listas  ha  grandes  lacunas  e  in- 
exactidões. 

O  trabalho  até  hoje  mais  completo  e  de 
mais  merecimento  sobre  o  assumpto  é  o  do 
sr.  Joaquim  de  Vasconcelios,  publicado  sob 
o  tit.  —  Músicos  portuguezes,  em  2  grossos 
volumes,— e  sabemos  que  se  dispõe  a  dar 
ao  prelo  ura  3.»  volump,  acerescentando  mais 
de  300  nomes,  colligidos  nos  seus  aturados 
estudos  de  18  annos  —  ou  desde  1870,  data 
I  em  que  publicou  os  seus  Músicos. 


1848  VIS 


VIS 


eseriptor  publico  e  afamado  polemista;  mu- 
sico notável  theorico  e  pratico— e  artista  de 
raro  engenho  para  a  mecânica. 

No  Álbum  Visiense  pode  também  vêr-se  o 
seu  retrato  e  a  sua  biographia,  primorosa- 
mente eseripla  pelo  sr.  Joaquim  Augusto  de 
Oliveira  Mascarenhas,  distincto  official  do 
nosso  exercito  e  auetor  do  Portugal  e  Pos- 
sessões. 

Não  podemos  resistir  á  tentação  de  copiar 
d'ellâ  algumas  linhas: 

«Semi-pallido,  alto  e  aprumado  como  um 
mameluco,  olhos  rasgados  e  coruseantes  co- 
mo os  d'um  giíano;  nem  feio  como  Ades  ou 
Caronte,  nem  bello  como  as  bellas  eseulptu- 
ras  de  Lysipo  ou  d'Agesandro. 

Ás  vezes  tem  as  expansões  francas,  pue- 
ris, espontâneas,  simplicíssimas  d'um  com- 
pleto beirão  d'outros  tempos,  e  é  então  amá- 
vel até  o  extremo  e  obsequiador  até  á  im- 
portunidade;  outras  vezes  concentrado,  ca- 
bisbaixo, nervoso,— cora  o  seu  enorme  cha- 
péu braguez  carregado  até  os  supercilios, — 
corrupiaodo  a  bengala  com  a  habilidade  de 
um  tambor-mór  francez — e,  se  responde  aos 
cumprimentos  verbaes  de  qualquer  amigo 
que  se  lhe  abeira,  é  com  uns  monossylla- 
bos  quasi  insonoros  e  vagarosamente. . .  ga- 
guejados. 

Depois  desata  a  rir,  a  rir,  a  rir,  e  a  bor- 
rasca passou. 


Como  homem  de  lettras,  o  padre  Moura 
ascende  a  uma  plana  reconhecidamente  su- 
perior. 

Em  i867  publicou  elle  na  Gazeta  da  Bei- 
ra a  substanciosa  serie  d'artigos  intitulada 
—  Dissonâncias  na  harmonia  social,  —  que 
lhe  valeu  honrosissima  dislineção  como  phi- 
losopho  e  litterato  Em  1870,  de  camarada- 
gem cora  outros  escriptores  visienses,  criou 
a  Atalaya,  jornal  politico  e  religioso,  onde 
elle,  com  a  acrimonia  própria  do  seu  génio, 
discutiu  com  o  laureado  jornalista  Sousa 
Monteiro,  do  Bem  Publico,  de  Lisboa;  cora 
o  saudoso  João  da  Silva  Mendes,  do  Jornal 
de  Viseu;  com  o  Diário  da  Tarde,  do  Porto; 
com  a  Nação;  Catholico;  Bejense;"  Indepen- 
dência, d'Elva8;  Direito;  Correspondência  de 
Coimbra,  e  outras  folhas  conhecidas  


Em  1878  tomou  conta  da  redacção  do 
Observador,  escrevendo  consecutivamente 
n'este  periódico  muitos  e  valiosos  artigos  so- 
bre religião,  politica,  phylosophia  e  bellas- 
artes,  sobresahindo  os  que  se  intitulam— 
Reformas  e  reformadores;  Catholicismo  e 
forma  de  governo;  O  homem  e  o  macaco; 
Musica  religiosa;  Sócrates  e  Christo,  ele.  etc. 


«Como  musico,  depois  de  ter  concluído  a 
sua  escola  com  o  distincto  professor  Rober- 
to Palomino,  e  ainda  após  ulteriores  estudos 
sobre  harmonia  e  contraponto,...  começou 
a  dar  á  publicidade  varias  musicas  sacras  e 
profanas,  entre  as  quaes  teera  logar  distin- 
cto  tres  missas  sobejamente  conhecidas. 

Uma  d  estas  composições,  que,  segundo  o 
testemunho  dos  mestres,  honra  a  arte  e 
prestigia  o  auctor,  foi  escripta  em  1866.... 


Em  1882  escreveu  expressamente  um  Te- 
Deum,  que  foi  executado  na  Sé  de  Vizeu, 
por  oecasião  da  visita  dos  nossos  reis  e  seus 
filhos. 


Para  o  theatro  escreveu  em  1882  a  ope- 
reta cómica  Dote  de  meu  tio,  que  em  duas 
ou  tres  recitas  que  teve,  foi  ruidosamente 
applaudida. 

Entre  as  suas  ultimas  composições  tem 
logar  avantajado  aquella  marcha  fúnebre 
que  ha  poucos  mezes  (refere-se  ao  anno  de 
1884)  ouvimos  á  banda  de  infanteria  n.°  14, 
por  oecasião  das  procissões  de  Passos  e  da 
Semana  Santa. 


Como  theorico  escreveu  em  1873  um  li- 
vro intitulado— SoÍMfão  de  grandes  proble- 
mas musicaes,  baseada  na  philosophia,  na 
historia  e  na  litteratura  da  arte.  Esta  famo- 
sa producção  seientifica,  que  um  critico  da 
capital  classificou  de  documento  grandioso, 
conserva-se  ainda  inédita,  por  mercê  da  re- 
voltante modéstia  do  seu  auctorUl 

Alem  d'esta  obra  tem  escripto  e  publicado 
outras  egualmente  theoricas,  taes  como  um 
Tratado  de  harmonia  e  acompanhamento, — 
Lições  de  musica  elementar,  etc.  etc. 


VIS 


VIS  184 


íO  meu  primeiro  brazão  (disse-nos  An- 
tonio  de  Moura)  é  o  d'artista  mechanico. 
Ufano-me  d'isso.  O  í7'abalho  do  braço,  prc- 
scripto  por  Deus,  foi-me  sempre  distracção 
e  alivio. 

Se  como  maestro  e  litterato  o  nosso  talen- 
toso biographado  é  o  que  fica  dito,  como  ar- 
tista mechanico  não  é  menos  babil  e  justa- 
mente apreciado. 

Nascido  em  Viseu  a  31  de  março  de  1843, 
dislinara-o  seu  faliecido  pae  —  o  honrado 
e  laboriosissimo  relojoeiro— Manoel  Duarte 
Moura,  —  a  seguir  a  sua  arte,  para  a  qual 
manifestou  em  pouco  tempo  uma  decidida 
tendência,  bem  como  para  outros  géneros 
meebanicos  


Passados  poucos  annos  era  o  nosso  bio- 
graphado ura  artista  completo.  Mas  o  velho 
Manoel  Duarte  teve  uma  ideia,  que  pouco  a 
pouco  se  converteu  n'um  facto:  Fazer  orde- 
nar o  rapaz,  que,  por  aquelles  tempos,  já  ti- 
nha os  exames  de  portuguez  e  francez. 

E  nem  as  supplieas  do  filho,  que  lhe  aífir- 
mava  que  a  sua  vocação  não  era  para  a  vi- 
da sacerdotal,  mas  sim  para  as  artes;  nem 
as  petiçues  que  os  amigos  lhe  faziam  a  toda 
a  hora,  nem  considerações  algumas  obriga- 
ram o  bom  velho  a  desistir  do  seu  propó- 
sito. 


Em  1859  o  honrado  velho  ajoelhava  no 
templo  aos  pés  do  filho  com  a  face  inunda- 
da de  lagrimas  de  prazer,  e  beijava  a  mão 
do  novo  leviía,  que  dizia  então  a  sua  pri- 
meira missa,  saerifiCMndo  assim  ao  amor  Q- 
lial  as  áureas  illusò-^s  da  mocidade  e  até — 
talvez— as  flores  mais  queridas  da  sua  alma. 


Durante  o  curso  do  lyceu  e,  mais  tarde, 
durante  as  aulas  theologicas,  dedicou-se 
sempre  ora  á  musica,  ora  à  mechanica. 

Em  1872  engenhou  elle  um  machinismo 
complicado—  um  tdegrapho  muito  notável, 
que  os  seus  amigos  applaudiram  e  viram 
funccionar. 

Mais  tarde  modificou  um  outro  tflegra-  j 
pho  atmospherieo,  de  invenção  franceza...  I 


construindo  em  seguida  um  outro  que  ain- 
da hoje  possua. 

Em  1876  foi  convidado  pela  direcção  das 
obras  publicas  de  Viseu  para  compor  o 
grande  e  magestoso  órgão  da  Só,  conseguin- 
do deixal-o  bom,  como  já  havia  deixado  ou- 
tros, entre  elles  o  da  Misericórdia,  que  en- 
contràra  n'um  estado  miserável,  sendo  certo 
que  differentes  organeiros  de  Lisboa  o  não 
poderam  concertar. 

Em  1879  construiu  um  órgão  de  sala, 
portátil,  originalíssimo,— rfe  invenção  sua — , 
um  instrumento  de  eíTeitos  maravilhosos  e 
do  um  mechanismo  complicado,  o  qual  pos- 
sue  palhetas,  tubos  metálicos  e  de  madeira, 
laminas  de  cristal  e  uns  timbres  novos  d'um 
eífeito  suavíssimo. 

E'  um  modelo. 


Setembro,  1884. 

Oliveira  Mascarenhas.» 

Concluiremos  dizendo  que  no  mesmo  Ál- 
bum, pag.  37,  se  encontram  duas  lithogra- 
phias  representando  o  dicto  órgão  — e  uma 
minuciosa  descripção  d'elle,  cujo  acabamen- 
to lhe  custou  dois  asnos  de  trabalho  assí- 
duo. 

É  um  instrumento  original,  que  n'outro 
paiz  de  mais  recursos  faria  a  gloria  e  a  for- 
tuna do  seu  inventor  e  coostructor. 

Pintores 

—  Vasco  Fernandes,  o  Grão  Vasco,  as- 
sombro dos  pintores  de  Portugal  e  de  Viseu. 

D'elle  fallaremos  adiante  em  tópico  espe- 
cial. 

— José  d'Almeida  Furtado. 

Nasceu  na  pátria  de  D.  Duarte  era  1778  e 
ali  falleceu  em  9  de  setembro  de  1831,  vi- 
ctima  das  perseguições  politicas  d'aquelle 
tempo.i 


1  Foi  perseguido  como  liberal  e  viveu  ho- 
misiado  3  annos  (1828-1831)  com  o  que  ar- 
ruinou a  saúde  e  encurtou  a  existência.  Sof- 
freu  muito,  posto  que  era  uma  exeellente 
pessoa  e  havia  pintado  um  grande  retrato  de 
!  D.  Miguel  para  as  festas  e  lUurainações  que 
1  em  Viseu  se  fizeram  em  1828. 


1850  VIS 


VIS 


Sendo  ainda  muito  novo  e  tendo  rara  vo- 
cação para  desenho,  partiu  para  Lisboa,  on- 
de foi  alumno  da  escola  do  Nei  e  recebeu  li- 
ções do  afamado  Sequeira. 

«Foi  exeellente  retratista,  como  ainda  ho- 
je podem  attestar  alguns  retratos  confronta- 
dos com  os  originaes,  e  o  voto  dos  intelli- 
gentes  o  abona  como  hum  dos  primeiros 
pintores  portuguezes  em  miniatura*— iiz  Be- 
rardo na  Memoria  que  oífereceu  á  camará 
de  Viseu  em  1838, 

Fez  o  painel  de  Nossa  Senhora  para  a 
tribuna  da  egreja  da  Misericórdia  d'aquella 
cidade,  painel  espaçoso,  onde  se  vê  cercada 
de  serafins  a  imagem  de  Nossa  Senhora  em 
tamanho  alem  do  natural. 

Também  pintou  muitas  bandeiras  para 
diversas  irmandades  e  confrarias  de  Viseu 
e  seus  arrabaldes,  sobresaindo  entre  ellas 
uma  de  Nossa  Senhora  da  Conceição  e  ou- 
tra de  S.  Pedro  da  Eseulea;  mas  a  sua  espe- 
cialidade eram  retratos  em  miniatura,  como 
ao  tempo,  na  falta  de  photographias,  se  usa- 
vam para  enviar  em  cartas  e  para  trazer  em 
collares  e  medalhas. 

N'aquelle  género  de  pintura  fez  muitos  re- 
tratos não  fò  para  os  portuguezes  seus  pa- 
trícios, mas  para  os  oflieiaes  estrangeiros — 
hespanhoes  e  francezes— que  n'aquelle  tem- 
po vieram  a  Portugal  e  Viseu,  retratos  que 
mesmo  na  Hespanha  e  na  França  eram  vis- 
tos com  assombro,  pelo  que  foi  instado  para 
ir  estabelecer-se  em  Madrid  ou  Paris,  mas, 
não  tendo  forças  para  se  afastar  tanto  de  Vi- 
seu, foi  estabelecer-se  em  Salamanca,  onde 
trabalhou  muito  para  os  hespanhoes  e  fran- 
cezes e  ali  casou  em  1811  com  D.  Maria  do 
Loreto  Araezqueta  d' Almeida  Furtado,  se- 
nhora de  raras  prendas,  da  qual  teve  os  8 
filhos  seguintes: 

1.  '  Thadeu  Maria  d' Almeida  Furtado,  cava- 
lheiro estimabilissimo,  ainda  hoje  (1888)  sol- 
teiro e  residente  no  Porto,  onde  vive  des- 
de 1834  e  é  professor  jubilado  de  desenho 
6  secretario  da  Academia  de  Bellas  Artes. 

2.  »  D.  Maria  das  Dores  d' Almeida  Furtado, 
que  falleceu  solteira. 

Foi  também  pintora  insigne  em  miniatu- 
ra e  ha  d'ella  muitos  retratos  em  Viseu  e  no 
Porto. 


3.»  José  d' Almeida  Furtado. 

Desenhava  muito  bem.  Foi  professor  de 
portuguez,  francez,  musica  e  desenho  no  Ma  - 
ranhão,  d'onde  passou  para  S.  Paulo  e  d'ali 
para  o  Rio  de  Janeiro,  não  havendo  até  hoje 
mais  noticias  d'ellel . . . 

L"  Francisco  d' Almeida  Furtado. 

Foi  escrivão  dos  direitos  eveniuaes  na  re- 
partição de  fazenda,  no  Porto,  onde  morreu 
solteiro. 

Todos  estes  4  nasceram  em  Salamanca; 
os  4  restantes  nasceram  em  Viseu. 

5.  " D.  Eugenia  d" Almeida  Furtado,  que  fal- 
leceu solteira. 

Também  desenhava  e  pintava. 

6.  "  D.  Dorolhêa  d' Almeida  Furtado,  que 
também  falleceu  solteira. 

Foi  académica  de  mérito  pela  Academia 
portuense  de  Bellas  Artes,  pois  pintava  admi- 
ravelmente em  miniatura. 

7.  °  D.  lioza  d' Almeida  Furtado,  ainda  sol- 
teira e  residente  no  Porto. 

Desenha  multo  bem. 

8.  "  D.  Francisca  d' Almeida  Furtado,  ainda 
solteira  e  também  residente  no  Porto  com 
os  seus  dois  irmãos  Thadeu  e  D.  Roza. 

Ê  uma  senhora  illustradissima  e  dis- 
tinctissiraa  pintora  de  miniatura  também, 
pelo  que  obteve  da  Academia  portuense  de 
Bellas  Artes  o  diploma  de  académica  de  mé- 
rito. 

Tem  pintado  muito  e  entre  as  suas  pro- 
ducções  uma  das  mais  notáveis  é  a  minia- 
tura do.  sr.  conde  de  Samodães,  miniatura 
que  offereceu  á  Academia  portuense  de  Bellas 
Artes  como  signal  de  gratidão  pelos  relevan- 
tes serviços  que  o  sr.  conde  tem  prestado  à 
mesma  academia,  como  seu  desvelado  ins- 
pector, pois  a  elle  se  deve  o  termos  sempre 
estudando  pintura  em  Paris  á  custa  do  nos- 
so governo  2  alumnos  da  mencionada  aca- 
demia, e  pelos  seus  esforços  elevou  a  dota- 
ção d'ella  ao  dobro,  etc.  etc. 

O  dito  retrato  é  na  opinião  de  pessoas 
competentes  um  assombro  de  verdade  e  ni- 
tidez,—uma  das  miniaturas  mais  primorosas 
que  se  conhecem  em  Portugal!. . . 

Fecharemos  este  tópico  dizendo  que  o 
único  mestre  da  dita  senhora  e  de  todos  os 
seus  irmãos  e  irmãs  foi  o  seu  bondoso  e 


VIS 


VIS  1851 


muito  illustrado  irmão  maia  velho— Thadeu 
Maria  d'Almeida  Furtado. 
Prosigamos. 

—Antonio  José  Pereira,  de  quem  já  fize- 
mos menção  supra  no  fim  do  tópico — Artis- 
tas notáveis. 

Tem  raro  talento  e  pinta  bera,  sendo  para 
lamentar  que  nunca  tivesse  mestres,  nem 
saísse  de  Viseu.  Isto  mesmo  notou  com  ma- 
gna o  conde  Raczinski,  diplomata  prussiano. 
quando  foi  a  Viseu,  pelo  que  muito  genero- 
samente o  convidou  para  ir  á  custa  d'elle 
conde,  estudar  desenho  e  pintura  nas  gran- 
des escolas  da  Itália,  de  Paris  ou  da  Aile- 
manha,  fineza  que  não  acceitou,  por  haver 
casado  recentemente  e  não  poder  levar  com- 
sigo  a  esposa  nem  ter  coragem  para  sepa- 
rar-se  d'ella. 

Foram  seus  paes  Antonio  José  Pereira 
Soares  Guimarães^  oriundo  da  província  do 
Minho,  e  Maria  Barbara,  de  Viseu,  2.»  do 
nome,  pois  foi  casado  duas  vezes  e  ambas  as 
mulheres  tinham  o  mesmo  nome. 

Casou  no  dia  31  d'agosto  de  1839  com 
Rosa  Carolina,  filha  de  Joaquim  Lopes  e  An- 
tónia Maria,  de  S.  João  de  Lourosa. 

Teve  entre  outros  filhos  os  seguintes:  An- 
tonio José  Pereira,  padre  e  beneficiado  na 
Sé  de  Viseu,  e  José  Augusto  Pereira,  que 
frequenta  o  quarto  anno  da  faculdade  de  di- 
reito na  universidade  de  Coimbra,  o  que  é 
para  lamentar,  porque  tem  um  talento  as- 
sombroso e  pronunciada  aptidão  para  de- 
senho e  pintura. 

Ambos  desenham  e  pintam,  assim  como 
um  outro  que  ha  pouco  falleceu,  por  nome 
Luiz,  que  a  julgar  pelos  primorosos  speci- 
mens  que  deixou  e  que  são  património  da 
familia,  viria  a  ser  um  verdadeiro  assombro 
da  arte. 

— Antonio  José  Ferreira,  de  Ranhados.  Foi 
também  pintor  e  dourador  e  morreu  d'idade 
avançada.  Dourou  a  tribuna  do  altar-mor  da 
egreja  da  Misericórdia. 

Assistiu  ao  combate  do  Bussaco  sendo  im- 
pedido do  exercito  anglo-luso,  e  contava  va- 
rias peripécias  engraçadas,  como  a  de  um 
bombo  que,  destacando-se  do  alto  da  monta- 


nha, veiu  rolando  até  ao  valle  com  grande 
confusão  dos  soldados  do  exercito  inimigo, 
que,  não  sabendo  explicar  o  caso  nem  tendo 
coragem  para  indagar,  voltavam  costas  a  to- 
da a  pressa  como  se  o  bombo  fosse  uma 
metralhadora. 

Deixou  dois  filhos  com  a  mesma  profissão: 
José,  já  fallecido,  e  Francisco,  que  casou  em 
Valle  d' Azares,  concelho  de  Celorico  da 
Beira. 

—José  d' Almeida  e  Silva,  de  quem  já  fi- 
zemos menção  supra,  pag.  16iO,  col.  2.» —  e 
no  tópico  dos  Visienses  illuslres  pela  sua  po- 
sição social,  na  biographia  do  sr.  José  Ri- 
beiro de  Carvalho. 

Nasceu  no  dia  12  de  novembro  de  1864 — 
e  foram  seus  paes  José  d'Almeida  e  Silva  e 
D.  Maria  Leonor. 

Vive  no  Porto,  onde  já  frequentou  o  cur- 
so de  5  annos  de  desenho  na  Academia  de 
Bellas  Artes  e  os  3  primeiros  annos  (faltam- 
Ihe  apenas  2)  do  curso  de  pintura  histórica, 
ficando  sempre  distincto,  pelo  que  lhe  agou- 
ramos o  mais  lisongeiro  futurol . . . 

Emprega  as  suas  horas  d'oeio  actualmen- 
te trabalhando  no  Charivari,  jornal  illus- 
trado que  se  publica  no  Porto. 

É  uma  exeellente  pessoa,-- -muito  modes- 
to, muito  sympathico,  muito  intelligente, 
muito  amigo  da  sua  terra  natal  e  muito  tra- 
balhador. 

Já  vimos  diíTerentes  estudos  seus,  que  re- 
velam grande  talento  e  pronunciada  voca- 
ção para  desenho  e  pintura — e  os  seus  pró- 
prios mestres  o  elogiam. 

— José  Lopes  Grillo  e 

— José  Monteiro  Nellas.  » 
Também  pintam  e  d'elle3  já  fizemos  men- 
ção supra  no  tópico  dos  Esculptores. 

— Narciso  Pereira  Cabral. 

Sendo  ainda  creança,  perdeu  o  braço  di- 
reito, mas  tal  vocação  tinha  para  desenho, 
que  tirava  retratos  á  penna,  pelo  que  o  sr. 
D.  José  Dias  Correia  de  Carvalho,  bispo 
actual  de  Viseu,  e  outros  bondosos  cavalhei- 
ros mandaram  o  pobre  maneta  estudar  de- 


1852  VIS 


VIS 


senho  e  pintura  na  Academia  de  Bellas  Ar- 
tes, em  Lisboa,  onde  ja  fez  exame  do  3.»  an- 
no  de  desenho. 

É  muito  intelligente  e  tem  grande  apti- 
dão para  desenho  e  pintura— e  particular- 
mente para  gravura. 

O  pobre  mocinho, — tão  pobre,  que  não 
conheceu  pae  nem  mãe,  pois  é  engeiíado, 
exposto  da  roda  de  Viseu,  e  já  foi  alumno 
do  Asylo  d' Infância  Desvalida  d'aquella  ci- 
dade,—se  Deus  lhe  prolongar  a  existência  e 
os  seus  protectores  o  não  abandonarem,  ha- 
de  ser  um  grande  artisfal. . . 

Foi  exposto  na  roda  de  Viseu  em  19  de 
novembro  de  1867  e  entrou  para  o  asylo  em 
20  d'abril  de  1875.  Fez  exame  d'admisi«ão 
aos  lyceus  em  maio  d'aquelle  mesmo  anno 
esahiu  para  Lisboa  em  9  d'outubro  de  188V 

— Estevam  Gonçalves  Neto,  abbade  de 
Serem  e  cónego  de  Viseu,  ele.  auclor  do 
esplendido  missal  bom  conhecido  i^or  Missal  i 
de  Estevam  Gonçalves. 

V.  Serem,  vol.  9.»  pag.  1S2,  eoi.  1.» 

Posto  que  se  ignora  ainda  hoje  a  natura- 
lidade d'e8te  grande  pintor,  não  se  estranhe 
o  mencionarmol-o  aqui,  porque  viveu  mui- 
tos annos  na  pátria  de  D.  Duarte  e  n'ella, 
segundo  se  suppõe,  escreveu  e  pintou  o  fa- 
moso Missal.  Ao  que  de  um  e  outro  se  lê  no 
citado  artigo,  veja-se  o  que  no  seu  n.°  126 
disse  o  Districto  de  Viseu  em  20  de  janeiro 
de  1881: 

«Tem  estado  n'e9ta  cidade  um  empregado 
dos  srs.  Cruz  &  C."  que  em  Lisboa  repre- 
sentam a  casa  Maciá  &  G.«  de  Paris,  editora 
do  Missal  Portuguez  de  Estevam  Gonçalves 
Netto. 

•  Vem  encarregado  de  diligenciar  a  ven- 
da d'algUDS  pxnmplares  d'aquella  primo, 
rosa  obra,  a  qual,  sendo  um  monumen- 
to ariistieo  de  grande  preço,  tem  pa- 
ra nós  os  visienses  o  mérito  particular  de 
ter  sido  feita,  segando  se  julga^  aqui,  em 
Viseu . . . 

«Vimos  ura  exemplar  d'este  primor  de  il- 
luminura,  tirado  em  França  pelos  processos 
cromo  liihographicos  do  original  existente 
na  Academia  R.  das  Sei.  de  Lisboa  e  ali  co- 
piado com  auetorisação  do  governo  por  uma 


I  commissão  d'arli8tas  expressamente  vindos 
de  Paris. . . 


«A  critica  exercida  sobre  este  trabalho  ê 
accorde  em  asseverar  que  a  reproducção  é 
um  fac-simile  perfeitíssimo. . . 

«O  Missal  do  cónego  visiense,  trabalho 
feito  à  penna  e  pincel...  é  o  documento 
mais  singular  da  perfeição  que  attingiu  a 
arte  de  illuminura  no  sec.  xvii.  As  vitrines 
das  bibliothecas,  nem  os  museus  archeologi- 
cos  de  bellas  letras  offerecem  trabalho  mais 
primoroso  no  género,  nem  exemplo  de  tan- 
ta paciência  aliada  a  tamanho  talento.— Os 
quadros  são  do  mais  correcto  desenho  edo 
mais  bello  colorido  e  disposição.  As  figuras 
fazem  lembrar  algumas  que  já  vimos  nos 
quadros  attribuidos  a  Grão  Vasco. . 

«O  custo  de  cada  exemplar  é  de  llfillOOO 
réis... 2 


«A  imprensa  deu  um  golpe  fatal  na  arte 
que  tanto  floresceu  na  idade  media  e  foi  uma 
das  mais  rendosas  industrias  dos  copistas 
anteriores  ao  sec.  xv.  Por  isso  mesmo  que 
essa  arte  decaiu,  maior  attenção  merecem 
os  productos  que  deixou  e  que  hoje  são  ra- 
ros, porque  o  tempo  consumiu  a  maior  par- 
te d'elles.  Graças  à  chromo  lithographia,  os 
monumentos  condemnados  aos  estragos  do 


1  O  estylo  é  muito  diíTerente. 

P.  A.  Ferreira. 

2  O  da  Bibliotheca  Municipal  do  Porto 
custou  o  seguinte; 

Cadernetas  12  a  7^oOO   90^000 

Introdueção  francesa  por  Ferdi- 
nand Denis   7^000 

Traducção  da  mesma  em  portu- 
guez por  Mendes  Leal,  e  notas 
do  traducior   7^300 

Pastas  para  encadernação,  ricas  e 
luxuosas,  duas  __S^0 

Somma   110^240 

A  publicação  terminou  em  1880,  havendo 
consumido  annos. 

P.  A.  Ferreira. 


VIS 


VIS  1853 


rempo  perpeluam-se  pela  reproducção  e 
UDiversalisam-se  admiravelmente,  tornando 
se  mai3  accessiveis  por  mais  baratos. 

«Estas  palavras  foram-nos  suggeridas  pelo 
exame  do  Missal  de  Estevam  Gonçalves, 
obra  duplamente  valiosa  para  Viseu,  pplo 
muito  que  vale  eomo  trabalho  artístico  e 
por  ser  executada  n'esla  cidade  por  um 
cónego  d'esta  Sé,  que  á  semelhança  de  João 
de  Barros  e  Grão  Vasco,  honrando  se  a  si, 
muito  honrou  a  terra  onde  viveu  e  a  arte 
sublima  qne  tão  magistralmente  profes- 
sou...» 


Agora  alguns  traços  biographicos  escri- 
ptos  em  1815  pelo  celebre  pintor  e  litierato 
José  da  Cunha  Taborda: 

tDe  Estevam  Gonçalves  Netto"podémos 
descobrir  fora  capellào  do  bispo  de  Viseu 
D.  João  Manoel,  e  provido  por  elle  a  8  d'ou- 
tubro  de  1622,  no  canonicato  d'aquella  Sé, 
vago  por  morte  de  Christovam  de  Mesquita, 
de  que  tomou  posse  a  9  do  mesmo  mez  e 
anno.  Ignoramos  a  sua  filiação  e  naturali- 
dade. Presumimos  terem  sido  victimas  do 
incêndio,  que  soffreu  o  cartório  do  cabido 
d'aquella  cidade  em  1711,  estando  na  quin. 
ta  de  Foniello,  os  documentos  respectivos  à 
sua  ordenação,  os  quaes  deveria  ter  apre- 
sentado no  acto  da  collação,  para  serem  au- 
tuados segundo  já  o  costume  d'aquelle  tem- 
po; a  não  haver  dispensa  do  Prelado,  como 
a  seu  familiar.  É  porem  indubitável,  e  mui- 
to digno  de  louvar-se  o  grande  génio  e  su- 
blimes idéas  com  que  desempenhou  varias 
obras,  por  onde  nos  merece  hoje  não  só  a 
nossa  admiração  e  respeito,  mas  alé  o  nome 
de  pintor  sublime. 

«Na  livraria  do  Convento  de  Jesus  d'esla 
corte,  deposito  de  muitas  preciosidades,  se 
conserva  em  muita  estimação  um  Missal 
escripto  em  pergaminho,  era  que  da  primei- 
ra até  á  ultima  pagina  se  admira  a  summa 
variedade  e  bom  gosto,  com  que  soube  em- 
belezar todas  as  margens  de  ornatos  os  mais 
bellos,  adequados,  e  brilhantes. 

«Este  rico  monumento  por  si  sóé  bastan-  j 
te  a  dar-nos  uma  perfeita  idéa  do  seu  gran-  i 

VOLUME  XI 


de  talento  na  arte;  porquanto  ali  se  acham 
unidas  e  judiciosamente  executadas  muitas 
partes,  que  formam  o  caracter  distinclivo 
dos  grandes  mestres. 


«As  composições  são  bellissimas  e  cheias 
de  muita  novidade;  o  desenho  é  correcto;  o 
colorido  admirável;  e  porque  se  assemelha 
ao  de  Baroccio  e  de  Tadeo  Zucaro,  talvez 
deva  conjecturar  passas?e  elle  á  Itália  e  que 
estes  houvessem  sido  os  seus  modelos. 

«No  thezouro  da  eathedral  de  Viseu  ha 
d'elle  memoria:  existe  um  cálix  rico,  que 
serve  unicamente  nas  festas  priucipaes,  e 
tem  no  fundo  da  base  as  armas  do^  Net- 
tos  com  e?ta  legenda  na  circumfereneia 
—  Estevam  Gonçalves  Neto  —  Anno  1626. 
A.  B.  H.  V. 

"No  livro  das  missas  annuaes,  que  o  ca- 
bido é  obrigado  a  fazer  celebrar  por  varias 
instituições,  acham-se  esiabt-lecidas  pelo 
mesmo  Estevam  Gonçalves,  10  pela  ?ua  al- 
ma e  de  seus  paes,  e  5  pela  do  bispo  D.  João 
Manoel. 


•  Soube  entender  excellent emente  as  re- 
gras da  arehitectura,  perspectiva,  e  ornato. 
D'isto  é  também  prova  decisiva  o  citado 
Missal,  que  supposto  por  único,  tem  um  ti- 
tulo de  raro,  e  merece  toda  a  estimação, 
muito  mais  lhe  é  devida  ainda  por  encerrar 
dentro  em  si  tantas  maravilhas  d'arle,  quan- 
tas são  as  estampas  que  contem, 

«Não  podemos  proferir  sem  magoa,  que 
ignoramos  outras  muitas  particularidades 
d'este  insigne  varão  tão  respeitável  pelos 
talentos  pictóricos,  como  o  seria  talvez  nos 
diversos  ramos  scientiflcos.  Sabemos  apenas 
ter  acabado  os  seus  interessantes  dias  a  29 
de  julho  de  1627.» 


Consignemos  também  aqui  o  que  se  lê  na 
mteressante  Memoria  ms.  de  F.  Manoel  Cor- 
reia: 

j  «O  accrescento  da  capella-mor  da  cathe- 
i  dral  de  Viseu  é  e  tem  sido  attribuido  ao 

117 


1854  VIS 


VIS 


bispo  D.  João  Manuel,  cujo  ponlifieado  se 
prolongou  de  1610  a  1625.1 

«Estevam  Gonçalves  foi  capellão  do  di- 
to bispo  antes  d'elle  o  fazer  cónego,  e  pa« 
rece  que  a  pintura  da  abobada  da  capella 
mór  era  arabesco  seria  obra  do  dito  cóne- 
go, mas  sendo  o  segue-se  que  quando  em 
1635  cahiu  a  torre  dos  sinos  e  parte  da 
fronteria  da  Sé,  já  o  accrescento  da  capel- 
la-mór  estava  feito;  ainda  porem  ali  estava 
a  tribuna  antiga,  pois  a  fronteria  nova  tem 
os  4  nichos  para  os  4  Evangelistas,  como  se 
veem  na  antiga  tribuna  que  foi  colloeada  na 
Capella  do  Espirito  Santo... 

tO  bispo  D.  Jorge  d'Atbaide,  que  era  tio 
do  bispo  D.  João  Manoel,  leve  tenção  d'am- 
pliar  a  cathedral;  ainda  lhe  acerescentou  a 
bella  sacristia  e  não  fez  mais  obras  porque 
renunciou;  mas  é  de  suppor  e  se  diz  que 
instou  com  o  bispo  D.  João  Manoel,  seu  so- 
brinho, para  que  fizesse  o  accreseentamen- 
to  da  capella-mor,  mesmo  por  ter  junto  de 
si,  como  seu  capellão,  um  homem  tão  hábil 
em  arehiteciura  e  pintura,  com  era  Gonçal- 
ves Neto.» 

GRÃO  VASCO 

Vamos  encerrar  com  chave  d'ouro  este 
tópico  dos  Visienses  illustres  e  o  longo  ar- 
tigo Viseu,  publicando  a  Memoria  que  o  sr. 
Joaquim  de  Vaseoncellos  a  nosso  pedido  se 
dignou  expressamente  escrever  com  relação 
ao  afamado  pintor  Vasco  Fernandes,  gloria 
de  Viseu  e  de  Portugal. 

Muito  se  tem  eseripto  sobre  Grão  Vasco 


i  V.  pag,  1615,  n.»  63,  col.  2.»— e  o  tópico 
relativo  á  cathedral  de  Viseu,  pag.  1574,  col. 
1.^—1578,  col.  2"-e  1581,  col.  1.» 

Veja-se  finalmente  a  Introd.  hist.  a  res- 
peito dos  illuminadores  portuguezes  por 
Ferdinand  Denis,  esse  vulto  litterario  da 
França,  tão  amigo  de  Portugal,  e  note-se 
que  foi  o  sr  Joaquim  de  Vaseoncellos,  seu 
amigo  e  correspondente,  quem  lhe  forne- 
ceu os  principaes  subsídios  para  aquelle 
trabalho,  bem  como  aifferentes  desenhos  e 
fac  símiles  de  illuminuras  antigas. 


desde  que  o  conde  de  Raczynski  (diploma- 
ta prussiano,  ministro  em  Lisboa,  etc,  etc.) 
levantou  a  questão  adormecida  durante  sé- 
culos. Eseriptores  naeionaes  e  estrangeiros 
tentaram  reconstruir  a  biograpbia  de  um 
pintor  que  vivera  na  1.»  metade  do  século 
XVI,  6  que  ainda  tres  séculos  depois  era 
quasi  um  mytho! 

Era  vez  de  um  único  e  grande  pintor,  que 
absorveu  a  fama  de  gerações  d'artistas,  te- 
mos hoje  uma  dúzia  d'arlista3  mais  ou  me- 
nos notáveis;- em  vez  de  uma  escola  de  Grào 
Vasco,  que  seria  a  gloria  exclusiva  de  Vi- 
seu, temos  vários  centros  artísticos  em  diffe- 
rentes  pontos  do  paiz,  que  constituem,  com 
a  de  Viseu,  a  antiga  escola  de  pintura  portu- 
gueza,  cujos  quadros  se  espalharam  por  todo 
o  paiz,  seguindo  atraz  dos  pintores,  em  con- 
tinua peregrinação. 

Fallando  de  Viseu,  julgamos  indispensá- 
vel tratar  d'este  assumpto — Grão  Vasco-  e 
para  esse  flm  recorremos  ao  nosso  bom  ami- 
go, o  sr.  Joaquim  de  Vaseoncellos,  como 
pessoa  idónea,  que  em  Portugal  se  tem  de- 
dicado especialmente  ao  estudo  da  Historia 
da  arte  nacional. 

Na  Memoria,  que  vae  ler-se,  resume  o  au- 
ctor  o  resultado  dos  estudos  históricos  e 
críticos  sobre  Grão  Vasco  durante  40  annos, 
desde  as  tentativas  do  conde  de  Raczynski 
(1846-1847)  até  ás  mais  recentes  publiea- 
çòes:-- -as  do  sr.  Carlos  Justi  (1886,  1887  e 
1888)  incluindo  os  trabalhos  dos  eseriptores 
naeionaes  durante  o  mesmo  período.  O  au- 
clor  não  se  limita,  porém,  a  uma  simples 
revista  critica;  junta  os  resultados  dos  seus 
próprios  estudos  especiaes  sobre  a  questão 
Grão  Vasco  e,  em  geral,  sobre  a  Historia  da 
antiga  pintura  portugueza,  que  não  se  resu- 
me de  modo  algum  n'esse  único  problema: 
escola  de  Grão  Vasco,  muito  embora  seja  este 
assumpto  aquelle  que  mais  nos  interessa 
n'este  logar. 

Cremos  que  prestamos  um  bom  serviço 
ás  lettras,  dando  a  palavra  ao  escriptor  que 
tem  consagrado  mais  de  vinte  annos  de  es- 
tudo, a  sua  intelligencia  e  os  seus  recursos  , 
i  com  rara  generosidade  e  absoluto  desinte- 


VIS 

resse,  ao  estudo  dos  problemas  mais  diffl-  • 
ceis  da  historia  das  nossas  artes  e  das  nos-  | 
sas  industrias.  Fallem  os  factos;  veja  se  a  | 
lista  já  extensa  (e  ainda  assim,  muito  incom-  \ 
jpleta)  dos  seus  importantes  trabalhos  litte-  i 
rarios  no  Diccion,  Bibi.  de  Innocencio,  tomo 
XII,  pag.  166  e  404.  Ali  encontrará  o  leitor 
lambem  um  resumo  da  biographia  do  sr. 
Joaquim  de  Vaseoncellos  que,  além  de  ser 
uma  das  nossas  primeiras  illustraçòes  con- 
temporâneas, muito  trabalhador  e  de  apti- 
dões variadíssima?,— redactor|do  Commercio 
do  Porto,  o  l.«  jornal  d'esta  cidade,  —  pro- 
fessor d'allemão  no  lyceu  central  portuense, 
por  concurso  publico^  conservador  do  Museu 
industrial  e  commercial  da  mesma  cidade  e 
distincto  escriptor,— é  talvez  hoje  o  homem 
que  em  Portugal  melhor,5'eonheee  a  histo- 
ria das  nossas  artes,  artes  industriaes  e  in- 
dustrias, teodo  fundado  o  estudo  d'estas 
disciplinas  no  methodo  da  historia  da  arte 
comparada. 

A  boa  porta  bati,  pois,  e  com  profundo 
reconhecimento  lhe  beijo  as  mãos  agradeci- 
do por  se  dignar  attender-me. 

A  Pintura  portugueza  nos  séculos  xv  e  xvi 
{Segundo  Ensaco) 
Grão  Vasco 

por  Joaquim  de  Vaseoncellos 
(Escripto  a  pedido  do  redactor  e  actual 
continuador  d'este  Diccionario.  Porto,  29  de 
Junho  de  1888. ) 


^  Em  que  foi  classificado  em  primeiro  lo- 
gar. 

Escreve  e  falia  muito  correctamente  dif 
ferentes  lingoas,  nomeadamente  o  allemão, 
pois  foi  primorosamente  educado  na  Alie- 
manha,  e  ali  casou  com  a  sr.«  D.  Carolina 
Michâ-lis  de  Vaseoncellos,  senhora  muito 
illustrada  e  disiioeta  escriptora  também. 
Ainda  no  anno  de  1885  publicou  uma  primo- 
rosa edi(^ão  critica  das  Poesias  de  Sá  de  Mi- 
randa,—a  edição  mais  completa  e  de  mais 
mereeimt^nto  entre  todas  as  que  já  conta- 
vam as  obras  d'aquelle  nosso  grande  poeta 
quinhentista. 

A  sr.«  D.  Carolina  Michaelis  nasceu  em 
Berlim,  em  1851. 

Tem  um  filho  único,  de  nome  Carlos,  que 
nasceu  no  Porto  em  1877. 


VIS  1855 
I 

A  questão  sobre  Grão -Vasco  e  a  sua  es- 
cola foi  discutida  principalmente  de  1843- 
1845^  pelo  conde  de  Raiízynski^  e  por  al- 
guns poucos  escriptores  portuguezes,  que  o 
ajudaram  efficazmente,  forneeendo-lhe  mui- 
tos e  valiosos  subsídios,  citações  importantes 
de  livros  impressos  e  mss.,  documentos  extra- 
hídos  dos  archivos  nacionaes,  e  das  biblio- 
theeas  publicas  e  particulares,  ete.  Sem  a 


1  Para  a  biographia  d'este  escriplor-di- 
plomata  e  exame  dos  seu-»  trabalhos  históri- 
cos vid.  o  nosso  estudo:  Conde  de  Raczyns- 
ki  (Athanasius).  Esboço  biographieo  por  J. 
de  V.  Porto,  1875,  4.» 

O  conde  chegou  a  Lisboa  a  13  de  maio  de 
1842;  a  ultima  carta  (q.°  29),  datada  de  Lis- 
boa, é  de  1  de  agosto  de  1845. 

2  Nos  dois  volumes  seguintes:  Les  artsen 
Portugal,  leítres  adresséns  à  la  Société  artis- 
tique  et  seientiflque  de  Berlin,  et  accompa- 
gnées  de  documents.  Paris,  Jules  R^nouard, 
1846.  8.»  de  IV  (mn.)  548  pag.  e  Dictionnai- 
re  histórico- artislique  pour  faire  suite  à 
Touvrage  ayant  pour  titre:  kes  urts  en  P. 
ete.  Paris,  mesmo  editor,  1847,  8.»  de  XII 
306  e  2  de  err.  (innum.)  e  2  estampas.  A 
3.»  parte  da  sua  obra,  um  Resumo  histórico 
da  arte  em  Portugal,  não  foi  publicada,  ape- 
sar de  promettida;  sobre  as  causas  prová- 
veis vid.  o  nosso  Esboço.  Reconhecendo 
aqui  mais  uma  vez  os  notáveis  serviços  que 
o  conde  prussiano  nos  prestou,  entendemos 
que  é  tempo  de  provar  que  podemos  apre- 
sentar hoje  estudos  mais  completos  e  mais 
methodicos  do  que  o  d'elle.  Estão  feitos;  e 
estariam  publicados  em  dois  a  tres  aunos, 
se  a  Academia  Real  das  Sciencias  ou  o  go- 
verno de  S.  M.  desse,  ao  menos,  o  papel  e  a 
impressão.  Para  maior  brevidade  citaremos 
os  dois  trabalhos  do  conde,  resumidamente: 
Les  arts — Diction.  ete.  As  cartas  que  tratam 
especialmente  da  questão  Grão -Vasco  são:  a 
VII  pag.  117  com  4  appendices;  a  VIII  p. 
175  com  2  append.;  a  IX  p.  187;  a  XII  p. 
308  com  2  append.  a  XVI  p.  365;  e  a  XXIX 
pag.  487.  Veja-sa  o  juízo  do  Comte  de  La- 
borde sobre  ambas  as  obras,  já  formulado 
em  18491  e  de  que  em  Portugal  deveriam 
ter  tomado  nota.  Foi  citado  pela  primeira 
vez  por  nós  em  1878:  Sobt^e  alguns  pontos 
da  Historia  da  arte  nacional :  Carra  ao  Dr. 
Aug.  Felipe  Simoes,  na  revista  A  Renascen- 
ça do  Porto,  pag.  31  e  seg. 


1856  VIS 


VIS 


seieneia  e  a  erudição  histórica  de  iioraens 
como  Herculano,  Vasco  Pinto  de  Balsemão, 
Cunha  Rivara,  o  visconde  de  Juromenha, 
Oliveira  Berardo  e  outros,  nunca  os  traba 
lhos  do  conde  leriam  adquirido  a  importân- 
cia que  tiveram  e  que  ainda  hoje  teem,  ape- 
sar da  questão  Grão-Vasco  estar  hoje  posta 
em  termos  muito  diíTerentes. 

O  visconde  de  Juromenha,  principalmente, 
forneceu-lhe  os  apontamentos  mais  preeio- 
Bos,  serviço  que  o  conde  reconheceu  sem 
rodeios  «sans  son  aide  je  ne  serais  jamais 
venu  à  bout  de  cette  entreprise.»  {Diction. 
pag.  169.)i 

Antes  da  viagem  do  diplomata  prussiano 
havia  apenas  um  nome  vago  e  a  tradição, 
também  vaga,  da  existência  de  um  grande 
pintor  portuguez  chamado  Grão  Vasco,  que 
com  uma  actividade  fabulosa,  tinha  pintado 
innumeros  quadros,  espalhados  por  todo  o 
paiz. 

O  conde  e  os  seus  collaboradores  porlu- 
guezes  trataram  então  de  reconstruir  a  bio- 
graphia  d'esse  pintor  tão  afamado. 

Pelo  exame  dos  documentos  impressos  ve- 
rificou-se,  recuando  successivamente  as  da- 
tas, que  a  tradição  do  Grão-Vasco  tem  base 
segura  desde  1716.  É  no  Sanctuario  Mari- 
ano de  Fr.  Agostinho  de  Santa  Maria  (anno 
de  1716)  que-apparece  citado  quatro  vezes 
ura  pintor  Vasco,  de  grande  fama  na  região 
de  Viseu,  pintor  que  elle  qualifica  todas  as 
quatro  vezes  de  insigne. 

O  exame  dos  documentos  manuscriptos 
deu  ainda  resultados  mais  felizes,  achando- 
se  n'um  volume  de  Manoel  Botelho  Ribeiro 
Pereira^  duas  vezes  o  nome  do  pintor,  já 


1  O  fallecido  visconde  de  Juromenha  dis- 
se-nos  ha  annos,  em  Lisboa,  que  fornecera 
ao  conde  perto  de 'mil  documentos;  quem 
conheceu,  como  nós,  o  saber  do  illuslre  es- 
criptor  em  así>umpt03  naeionaes,  não  duvi- 
dará um  instante  da  aíTirmação.  O  fallecido 
biographo  de  Camões  era  o  typo  do  perfeito 
fidalgo  poriuguez;  a  sua  probidade  litiera- 
ria,  o  seu  amor  à  verdade  era  tão  grande  e 
sincero  como  o  seu  desinteresse. 

~  O  titulo  é:  Diálogos  moraes,  históricos  e 
politicos.  Fundaçam  da  cidade  de  Vizeu. 


com  a  qualificação  de  grande  Vasco  Fernan- 
des, e  uma  vez,  simplesmente,  Vasco  Fer- 
nandes. O  manuscripto  tem  a  data  1630; 
o  autor,  natural  de  Viseu,  podia  pois  ter 
recolhido  as  noticias,  que  nos  dá,  ain- 
da de  pessoas  idosas,  que  teriam  co- 
nhecido ou  o  pintor  ou  algum  dos  seus  dis- 
cípulos. 

A  tradição  conservou-se  viva  durante  to- 
do o  século  XVIII.  Temos  noticias  successi- 
vas,  impressas,  dos  seguintes  annos  e  au- 
tores, a  respeito  do  Grão  Vasco:  de  Diogo 
Barbosa  Machado  de  1751;  do  bispo  de  Beja, 
Dom  Frei  Manoel  do  Cenáculo  de  1776;  de 
D.  Thomaz  Caetano  de  Bem  de  1792;  de 
Francisco  Dias  Gomes  de  1799;  de  Taborda 
de  1815;  e  de  Volkmar  Machado  de  1823 
(Raczynski) 

A  primeira  noticia  em  livro  estrangeiro 
impresso  é  a  de  Pietro  Guarienlii,  pintor 
italiano  e  inspector  da  Galeria  de  Dresden, 
que  esteve  em  Portugal  examinando,  ava- 
liando e  restaurando  quadros  de  1733  a 
1736:  ''Vasco,  chiamalo  nel  regno  di  Porto- 
gallo  col  litolo  Gran-Vasquez  per  le  molte  e 
insigne  piílure  da  lui  falte  e  per  tuito  quel 
regno  disperse»  ete. 

Depois  d'este  aueior  segue- se  a  nota  de 


Historia  de  seus  Bispos;  genealogia  de  suas 
familias,  etc,  por  Manuel  Botelho  Ribeiro 
Pereira.  São  dois  mss.,  n.°'  187  e  544  da  Bi- 
bliolheca  municipal  do  Porto  (Estante  B  4), 
que  foram  copiados  dos  originaes  em  1747. 
Veja-se  o  extracto  do  Visconde  de  Jurome- 
nha remetiido  ao  Conde,  a  22  de  janeiro  de 
1844;  L^'s  arts  pag.  180-183. 

1  Publicou  uma  das  numerosas  edições 
do  Abecedario  pitlorico  de  Orlandi.  (1.*  ed. 
1704). 

É  só  na  edição  de  Veneza,  1753,  que  se 
acham  as  notas  do  Padre  Guarienti.  que 
Raczynski  reuniu  em  Lesarts  pag.  314-328. 
Guarienti  foi  inspector  da  já  então  celebre 
galeria  de  Dresden,  e  agente  activíssimo  e 
astuto  do  Eleitor  da  Sáxonia  e  Rei  da  Po- 
lónia. Vid.  o  Catalogo  grande  de  W.  Schae- 
fer. Dresden,  (s.  d.)  vol.  I  p.  56.  Repare-se 
que  na  citação  de  Guarienti  não  se  mencio- 
na a  palavra  Viseu,  nem  qualquer  outra  lo- 
calidade! 


VIS 


VIS  1857 


Roland  leVirloys  (1771),  m  seu  Dictiomai- 
re  d' Architedure,  vol.  3.»  pag.  91,* 

«Vasco,  vivant  en  1480,  dit  en  Portugal 
le  grand  Vasquez,  à  cause  du  grand  nom- 
bre  de  beaux  ouvrages  de  peinture  quMl  a 
faits  en  différens  endroits  de  ce  Royaume, 
particulièrement  dans  toutes  les  Maisons- 
Boyales,  les  Monastères  et  Eglises,  bâtis  par 
ordre  du  Roi;  il  paraít  par  sa  manière, 
qu'il  était  éiève  de  Pierre  Perugin;  les  fonds 
de  ses  lableaux  sont  toujours  ornés  de  bai- 
les fabriques  d'archUeeture,  ou  de  beaux 
paysages;  son  goút  le  portait  toujours  à 
peindre  des  sujeis  de  THisloire  Saiote.» 

N'esta  citação  não  se  falia  de  Viseul 

São  estes  os  factos  que  se  apuram  no  meio 
das  repetições,  contradicções  e  duvidas  do 
Conde  de  Raczynski,  que  enchem  uma  ter- 
ça parte  do  seu  volume,  intitulado  Les  Arts 
en  Portugal,  e  uma  não  pequena  parte  do 
seu  Dictionnaire.^ 

O  escriptor  prussiano  não  pôde,  nem  de- 
ve ser  accusado  d'esses  defeitos;  já  o  disse- 
mos ha  annos  e  em  mais  de  um  estudo.' 
Elie  tirou  apenas  as  conclusões  dos  docu- 
mentos qne  os  eruditos  portuguezes  lhe 
apresentaram*,  e  estes  escriptores  appro- 


1  Dictionnaíre  d' architedure  civile,  mili- 
taire  etnavale  antique,  ancienne  et  moder- 
no et  de  tous  les  arts  et  métiers  qui  en  dé- 
pendem  (em  seis  línguas),  etc.  Paris,  1770, 
(l.o  vol.)  a  1771  (3.<»  vol).  Valiosa  obra  em 
3  vnl.  em  4.»  A  noticia,  apesar  de  incomple- 
ta, é  tirada  evidentemente  de  Guarienti.  O 
auctor  cita  como  fonte  de  consulta  o  Abece- 
dario  Qo  Prologo.  A  data  1480  está  no  Abe- 
cedario. 

2  Vejam-se  as  seguintes  biographias  do 
Didion.  Fernandes  (Vasco)  pag.  93;  Grão- 
Vasco  pag.  120;  Pereira  (Vasco)  pag.  228; 
Vasco  pag.  293;  e  Vasquez  lusitanus  pag. 
293;  as  passagens  de  Les  arís  estão  citadas 
em  a  nota  2  da  pag.  283,  retro. 

3  Esboço  biogr.,  1875,  passim;  Carta  ao 
Dr.  Simões,  1878  na  Renascença.  A  pintura 
portugueza  nos  séculos  xv  e  xvi  por  J.  de  V. 
Porto,  1881. 

*  O  Conde  assim  o  declara  muito  termi- 
naatemeate,  e  mais  de  uma  vez:  Les  arts 
pag.  117,  nota:  Je  vous  ferai  etc;  pag.  129 
DOta:  Je  conseille  etc. 


varam  as  conclusões  (Juromenha,  Balsemão» 
etc.)  Recuando  successivaraente  as  datas, 
chegou  o  Conde  era  pouco  tempo,  relativa- 
mente (se  considerarmos  que  até  ali  tudo 
era  confusão  e  incerteza),  ás  primeiras  fon- 
tes seguras  da  tradição. 

Infelizmente,  dois  trechos  de  auctores  já 
citados  embaraçaram  seus  passos;  o  primei- 
ro é  o  documento  apresentado  pela  primei- 
ra vez  por  Taborda,  a  carta  de  illuminador 
passada  a  um  Vasco  em  145S  (7  de  março, 
Livro  13.»  da  Chancelaria  de  D.  Alfonso  V), 
documento  queTaborda  refere  ao  Grão-Vas- 
eo  da  tradição;  o  outro  trecho  é  a  nota  de 
Guarienti,  relativa  a  um  Instrumento  de 
acquisição  de  uns  moinhos  em  1480  pelo 
pintor  Gran- Vasquez.  (Raez.  Les  arts.  p- 
327). 

Cousa  curiosal  Nem  Taborda  falia  uma  só 
vez  de  Viseu^,  nem  Guarienti,  apesar  de  este 
se  referir  ao  moinho  do  pintor,  tradição 
que  é,  com  effeito,  de  Viseu. 

Raczynski  não  deixou  comtudo  de  apon- 
tar para  a  qualificação  de  illuminador  e  de 
fazer  sentir  a  differença  que  houve  sempre 
entre  illuminador  e  pintor  de  painéis  com 
assumptos  religiosos,  profanos  ou  históricos; 
e  fez  isto  com  insistência^,  em  face  das  al- 
legações  do  Director  da  Academia  de  Bellas 
Artes  de  Lisboa,  Franeisdo  de  Sousa  Lou- 
reiro', principal  defensor  da  opinião  a  fa- 


1  Isto  é  facto,  apesar  do  que  diz  Raczyns- 
ki (Didion.  p.  120);  somente  Cyrillo  Volk- 
mar  ó  que  cita  Viseu  era  1823;  nem  Gua- 
rienti, nem  Taborda  faliam  de  Viseu,  torna- 
mol  o  a  repetir;  não  sabemos  como  isto  es- 
capou a  Raczynski! 

2  Les  arts  pag.  162  nota;  e  pag.  323  nota. 
'  Loureiro  resumia  a  questão  do  seguinte 

modo:  Vasco  (illuminador)  cujo  diploma  é 
de  1435,  enviado  à  Itália  para  estudar  a  arle 
(p.  167,  Raez )  por  ordem  de  D.  João  II; 
Vasquez,  lusitanus,  pintor  que  trabalhou  em 
Hespanha  e  do  qual  ha  quadros  assignados 
em  S.  Lucar  de  Barrameda  com  a  data  1562; 
e  Vasco  Pereira,  que  trabalhava  em  Sevilha 
em  1594  e  1598.  Loureiro  considerava  o  pri- 
meiro como  o  Grão-Vasco  da  tradição.  Logo 
veremos  que  os  dois  outros  se  fundem,  se- 
gundo o  sr.  Justi,  n'ura  só  pintor,  do  qual  ha 
quadros  de  1562,  1576,  1579  e  1583,  que  o 


1858  VIS 


VIS 


vor  do  Grão-Vasco  de  1455  (o  illuminador 
supra-cilado).  O  Conde  pouco  tempo  se  de- 
morou n'esta  hypoihese  que  designaremos 
com  o  numero  1. 

Também  não  é  só  de  Raczynski  a  propos- 
ta para  a  adopção  do  nome  Vasco  Fernan- 
des do  CasaU,  moço  da  camará  do  Infante 
D.  Duarte  em  1520,  qu3  se  baseia  em  docu- 
mentos remettidos  de  Viseu  e  que  foram 
redigidos  para  o  Diccionario  Geographico 
de  Cardoso  (ross.  de  1758).  Oliveira  Berar- 
do aceitava  aauthenticidade  d'este  nome  ain- 
da a  15  de  novembro  de  1843,  assim  como 
Balsemão  e  Juromenha  (Racz.  Les  arís.  pag_ 
163  nota).  Vasco  Fernandes  do  Casal  re- 
presenta a  hypothese  n."  2. 

Pouco  depois  (pag.  298)  eliminou  o  Con- 
de este  nome,  ficando  em  campo  desde  o 
meio  do  volume  até  ao  flm  da  obra  {Les 
Arts)  o,  na  sua  opinião,  verdadeiro  auctor  dos 
quadros  de  Viseu:  Vasco,  filho  de  Francisco 
Fernandez,  pintor,  o  qual  Vasco  nasceu  em 
1552,  segundo  um  documento  achado  por 
Berardo  no  cartório  da  Cathedral  de  Viseu. 
Este  Vasco,  que  o  documento  dizia  filho  de 
pintor,  sem  aflançar,  de  nenhum  modo,  que 
seguira  a  arte  de  s  u  pae,  seria,  segundo 
Raczynski,  o  auetor  de  to Jos  ou  quasi  todos 
os  quadros  da  Sacristia  da  Sé^. 

Foi  esta  a  3."  e  ultima  hypothese  de  Rac- 
zynski. 


sr.  Justi  viu.  Raczynski  encontrou  um  em 
Sevilha  com  a  data  1575  (pag.  505).  Bermu- 
dez, Diccionario  histórico,  vol.  V  p.  141  e 
142  considera  os  nomes  como  pertencentes  a 
dois  pintores  O  sr.  Justi  aíBrma  que  em  Se- 
vilha suppunham  alguns  críticos  ser  Vasco 
Pereir.i  o  próprio  Grão-Vasco;  Raczynski  já 
tinha  lá  ido  para  verificar  o  caso.  e  emen- 
dara o  erro  (Les  arts  p.  487  e  505). 

^  As  paisagens  prineipaes  sobre  Vasco 
Fernandes  do  Casal  são:  Les  arts  p.  133 
nota;  163,  nota;  170,  nota;  177.  Note  se  que 
o  apppllido  do  Casal  só  se  encontra  n'uma 
das  tres  communicações  manuscriptas envia- 
das de  Viseu  para  Lisboa  no  sec.  xvm;  é  na 
do  Padre  Manoel  Lopes  d'Almeida,  1758 
(Rací.  Les  arts  pag.  131). 

2  QuasHoáos, '"'\d.  Raczynski  (Diction.  p. 
95);  corrigindo  ideias  anteriores;  os  qua- 
dros menores  pareceram-lbe  de  outra  mão.  i 


Esta  opinião,  repetida  ainda  no  DicHon' 
naire,  foi  partilhada  até  ao  ultimo  instante»^ 
pelo  Visconde  de  Juromenha,^: 

O  Grão-Vasco  da  tradição,  considerado 
como  auetor  da  timmensa  quantidade  de 
quadros  gothicos,  pintados  sobre  madeira^ 
e  espalhados  por  todo  o  Portugal  •  coniinúa 
sendo  para  elle  um  mylho  até  ao  fim;  e  di- 
remos nós,  com  toda  a  razão.  A  immensa- 
actividade,  e  a  immensa  quantidade  são, 
com  efi^eito,  uma  fabula,  que  tem  a  sua  ori- 
gem em  Guarienii  (1733).  Em  lugar  de  um 
único  grande  pintor  terismos,  pois,  uns  pou- 
cos de  pintores  notáveis,  em  Viseu,  e  no- 
resto  do  paiz;  e  esta  opinião  é  a  que  preva- 
lece hoje, 

Raczynski,  apesar  de  ligar  grande  impor- 
tância ao  testemunho  dos  documentos,  re- 
conheceu a  difficuldade  de  pôr  era  con- 
cordância as  datas  d'estes  com  a  data  pro- 
vável dos  quadros,  que  tinha  à  vista.  O  con- 
de reagiu  logo,  com  toda  a  razão,  contra  a 
approximação  do  Vasco,  illuminador  de 
1455  e  do  Vayco  nascido  em  1552;  e  notou 
que  os  quadros  aitribuidos  ao  Grão  Vasco 
da  tradição  são,  p^^la  factura,  posteriores  ao 
primeiro  Vasco  e  anteriores  ao  segundo. 

Na  opiniãò  de  Raczynski  (Diction.  p.  121) 
foi  o  auetor  do  Sanctuario  MaHano  (1716) 
obra  muito  lida  e  muito  importante,  quem 
espalhou  a  fama  de  Vasco  Fernandez,  que 
elle  chama  insigne,  da  cidade  de  Viseu  para 
o  reino  inteiro;  então  nasceu  o  epitheto  de 
Grande  ou  Grão  Vasco.  Entre  1716  e  1733 
(Guarienti)  nasceu  a  fabula  da  immensa 
quantidade  de  quadros,  referidos  a  um  só 
pintor;  e  este  foi  também  o  parecer  definiti« 
vo  de  Juromenha.  {Diction.  pag.  123-125). 

A  critica  patriótica  não  se  contentou,  po- 
rém, com  estes  resultados,  e  cominou  res- 
mungando até  boje,  attribuindo  ao  distiocto 
eseriptor  diplomata  o  que  elle  não  dissera^. 


1  Vid.  o  seu  aditamento  ao  artigo  Grão- 
Vasco  do  Diction.  de  Raczynski,  pag.  123  e 
seg. 

2  Ainda  ha  pouco  o  fallecido  Dr.  A.  F.  Si- 
mões attribuia  a  Raczynski  novos  absurdos 


VIS 


VIS  1859 


Os  resultados  a  que  a  critica  chegou,  de-  i 
pois  de  Raczynski,  pelos  esforços  de  Robin- 
soa  e  do  sr.  professor  Carl  Jusii,  são,  como 
já  dissemos,  os  seguintes:  em  lugar  de  um 
único  pintor,  chamado  Grão  Vasco,  que 
absorveu  a  fama  de  uma  serie  de  pintores 
mais  ou  menos  notáveis,  lemos  vários  artis- 
tas de  grande  mérito,  que  trabalharam  em 
differentes  pontos  do  paiz. 

É  isto  menos  glorioso  do  que  termos  um 
único  Grão-Vasco?  j 

Quanto  ao  pintor  que  o  manuscripto  de 
Botelho  Pereira  (1630)  chama  Grande  Vas 
CO  Fernandez,  e  Fr.  Agostinho  de  Santa  Ma- 
ria (1710)  insigne  Vasco,  julgamos  nós  que 
é  o  Grão  Vasco  da  tradição,  assim  como 
também  cremos  que  a  tradição  partiu  de 
Viseu,  muito  embora  o  afamado  pintor  não 
seja  idêntico  com  o  Vasco  nascido  cm  1552' 
filho  de  Francisco  Fernandes,  pintor,  por- 
que, repetimol-o:  não  era  forçoso  que  o  fl- 
Iho  de  um  pintor  seguisse  a  profissão  de 
seu  pae. 

Quando  nasceu  este  nosso  Grão  Vasco? 
A'  falta  de  documentos  só  se  poderá  res- 
ponder aproximadamente. 

Appareeeu,  é  verdade,  em  Viseu  um  qua- 
dro assignado  Vasco  Fernandez,  e  peia  d,ita 
aproximada  do  quadro  se  poderia  calcular 
a  idade  do  pintor;  mas,  considerando  nós  a 


n'um  ensaio  histórico  e  critico  (t)  de  que 
logo  fatiaremos.  O  Conde  nunca  negou  que 
Grão  Vasco  tivesse  existido;  nunca  disse  que 
era  ura  mytho  (Les  arts,  p.  121  e  p.  369.) 
Raczynski  reagiu  contra  a  falta  de  tino  dos 
chamados  patriotas,  agrupados  em  torno 
do  critico  Loureiro,  Director  da  Academia 
de  Bellas  Artes  de  Lisboa,  defendido  entre 
outros  pelo  famoso  (famoso,  mais  tarde)  A. 
F.  de  Castilho  na  Revista  Universal.  O  Con 
de  dizia  no  fim  que  o  sr.  Castilho  era  um 
dos  melhores  versificateurs  de  lépoque,  mas 
que  era  infelizmente  cégo!  E  que  Loureiro 
era  bom  medico,  professor  de  medicina  na 
Univer-idade  etc.  etc.  três  lettré,  mais  il  me 
semble  avoir  élé  élranger  aux  arts  (Dicdon.  j 
p.  178)  Castilho  (cego),  a  julgar  da  questão  i 
Grão  Vasco,  parece-se  com  o  fallecido  Inno-  ' 
cencio  do  Dicc  Btbliogr.  a  julgar  do  Slabat  | 
Mater  de  Pergolese  pelo  de. . .  José  Mauri-  ' 
cio!  i 


assignatura  do  quadro  pertencente  ao  pin- 
tor José  Pereira,  de  Viseu,  mais  que  duvi- 
dosa, prescindimos  d'esáe  recurso.  Adiante 
diremos  o  porque. 

Quaes  serão  os  quadros  do  verdadeiro 
Grão-Vasco  entre  os  que  existem?  Logo  ve- 
remos isso. 

II 

Depois  de  Raczynski,  que  sahiu  de  Por- 
tugal em  fins  de  18i5  sem  nos  dar  a  ter- 
ceira parte  do  seu  trabalho,  appareeeu  em 
fins  de  1865  o  sr.  J.  C.  Robinson'.  Viu  ape- 
nas alguns  quadros  da  Academia  de  Lisboa, 
mal  e  à  pressa;  examinou,  tamb-^m  acorrer, 
os  da  Sacristia  de  Sa  ta  Cruz  de  Coimbra  e 
os  da  Sé  de  Viseu,  existentes  na  Sacristia  e 
Sala  do  Capitulo^.  Não  visitou  Évora,  nem 
Setúbal,  nem  Thomar,  onde  ha  series  impor- 
tantíssimas de  quadros  attribuidos  ao  tra- 
dicional Grão  Vasco.  Em  seguida  redigiu 
logo  uma  breve  memoria  que  foi  escripta 
em  novembro  de  1865  para  El-Rei  D.  Fer- 
nando. Traduziu-a  em  1868  o  Marquez  de 
Sousa  Holstein.  então  Vice  inspector  da  Aca- 
demia de  Bellas  Artes  de  Lisboa  3.  A  versão 


1  Robinson  era  era  1862  Super intendent 
das  collecções  do  Museu  de  South  K^'nsing- 
ton;  n'es8e  anno  publicou  vários  Catalogas 
das  collecções  especiaes  on  loan.  Os  seus  es- 
tudos especiaes  versam  sobre  a  arte  italiana 
da  Renascença. 

2  Dos  de  Lisboa  (collecçãa  da  Academia) 
quasi  que  não  falia;  é  verdade  que  a  gale- 
ria ainda  não  estava  organisada,  nem  era 
publica;  abriu  se  em  1868.  Não  diz  palavra 
dos  quadros  da  Madre  de  Deus.  Em  summa, 
seria  absurdo  pôr  e.xte  auctor  era  parallelo 
com  Raczynski,  sempre  e  em  tudo  um  mo- 
delo de  boa  fé. 

3  O  estudo  do  sr.  Robinson  sahiu  primei- 
ro na  The  fine  arts  quarterly  review.  Nu- 
mero de  outubro  de  1866,  pag.  37.^-400.  Fez- 
se  um  i  tiragem  especial,  com  a  mesma  com- 
posição, e  '  fronti?picio  ad  hoc,  sem  data, 
nem  lugar  em  30  pag.  8,°  (London,  impressor 
Chiids  and  Son).  O  titulo é  o  mesmo:  The- 
early  portuguese  school  of  painling  with  no- 
tes on  the  pictures  at  Viseu  and  Coimbra 
traditionally  ascribed  to  Gran  Vasco. 

A  tiragem  especial  é  rara,  por  isso  faze- 
mos as  citações  pela  revista. 


1860  VIS 


VIS 


é  péssima,  infiel  e  incompleta  em  muitas 
passagens,  afflrmando  o  Marquez  em  mais 
de  um  ponto  o  contrario  d'aquillo  que  o  es- 
criptor  inglez  disse.  Já  provamos  tudo  isto 
n'uma  analyse  minuciosa  publicada  ha  an- 
nos,  confrontando  o  original  inglez  com  a 
tradueção»,  Comiudo,  os  nossos  compatrio- 
tas coniiouam  a  citar  e  a  aproveitar  esta 
péssima  traducção,  arehitectando  phantasias 
como  fez  ainda  ultimamente  o  fallecido  dr. 
Felipe  Simões^. 

Não  faremos,  por  isso,  caso  algum  da  tra- 
ducção e  apresentaremos  as  nossas  conclu- 
sões sobre  o  original  inglez. 

Robinsou  estreou-se  em  Portugal  com 
absoluta  falta  de  probidade  lliteraria.  O  sfu 
ensaio  baseia-se  n'uma  descoberta  que  se 
arroga,  e  que  não  é  d'elle. 

Já  provamos  em  1881  que  a  assignatura 
Velasciis  do  quadro  do  Pentecostes  na  Sa- 
cristia dtí  Santa  Cruz  de  Coimbra  foi  desco- 
berta pelo  pintor  de  Viseu  Antonio  José  Pe- 
reira, que  a  eommunicou  ao  professor  da 
Academia  de  Lisboa  João  Christino  da  Sil- 
va. Este  deu  noticia  do  facto  n'uma  extensa 
carta,  publicada  no  Jornal  do  Commercio  de 
Lisboa  de  30  de  setembro  de  1862,  tres  an- 
nos  antes  de  Robinson  entrar  em  Portugal.^ 
O  inglez  leva  a  noticia  do  próprio  Pereira, 
segundu  todas  as  probabilidade3. 

«O  sr.  Rubinson  foi  a  Viseu  depois  de  ter 
examinado  as  pintaras  de  Coimbra;  viu  as 
de  Viseu  e  voltou  a  Coimbra  (led  me  back 
to  C.)  para  fazer  a  sua  descoberta,  e  só  en- 
tão a  fez;  só  então  viu  a  assignatura.  Não  é 


1  A  pintura  portugueza  nos  sec.  xv  e  xvi 
por  J.  de  V.  Porto,  1881  4  »,  com  a  confron- 
tação do  original  com  a  traducção. 

2  Grão-  Vasco;  ensaio  histórico  e  critico;  de 
pag.  234-237  do  volume;  Escriptos  diversos 
de  Augusto  Filippe  Simões.  Coimbra,  1888. 
S."  Descontando  o  que  deve  ser  Considerado 
erro  de  iiupressão  e  falta  de  cuidado  dos  re- 
dactores do  volume,  ha  n'elle  lapsos  deplo- 
ráveis. Não  se  concebe  como  semelhante  im- 
bróglio podia  merecer  as  honras  de  uma  re- 
impressão; adiante  as  provas. 

^  Vid.  a»  provas  e  documentos  no  nosso 
estudo  A  pintura  portugueza  pag.  6  e  38. 


natural  suppôr  que  o  sr,  Antonio  José  Pe- 
reira, seu  guia  em  Viseu  (volunteered  to  be 
myguide),  descobridor  da  assignatura  desde 
1862,  lhe  revelasse  a  existência  d'ella?  Con- 
fessamos que  a  leitura  da  caria  de  Christine 
da  Silva  de  1862  produziu  em  nós  uma  des- 
agradável surpreza.  Isto  não  é  questão  de 
campanário;  lemos  dado  bastantes  provas  de 
imparcialidade  no  modo  de  apreciar  os  tra- 
balhos de  escriptores  estrangeiros  a  respei- 
to de  Portugal.  Repetimos:  isto  não  ó  ques- 
tão de  campanário;  é  questão  de  stricla  jus- 
tiça. Suum  cuique. 

O  mérito  do  sr.  Robinson  reduz-se,  por- 
tanto, ao  seguinte:  ter  determinado  as  datas 
aproximadas  dos  dois  grupos  de  quadros 
existentes  na  Sé  de  Viseu,  marcando  ao  gru- 
po da  Casa  do  Capitulo  as  datas  1500  a 
1520.  e  ao  grupo  da  Sacristia  as  datas  1520 
a  1S40. 

A  separação  dos  quadros  em  dois  grupos, 
de  pincel  distincto,  já  Raczynski  a  tinha 
proposto.  O  Conde  reconhecera  claramente 
a  differença  de  esiylo  entre  os  dois  grupos, 
e  lambem  a  differença  de  idade,  (pag.  370), 
mas  não  determinára  as  datas.  Robinson  in- 
clina-se  a  crer  que  os  quatro  quadros  gran- 
des da  Sacristia,  —  S.  Pedro,  Baptismo,  S- 
Sebastião  e  Pentecostes — são  todos  do  mes- 
mo auctor,  mas  não  julga  este  facto  absolu- 
tamente fóra  de  duvida'-^.  Raczynski  notava 
differença  de  factura,  comparando  os  qua- 
dros pequenos  da  Predella  com  os  grandes 
da  Sacristia,  que  elle  attribuia  em  geral  ao 
auctor  do  quadro  do  Calvário,  existente  na 
Capella  de  Jesus:  o  grande  Vasco  Fernan- 
dez, do  manuscripto  de  1630.  Robinson  con- 
corda em  attribuir  o  Calcário  ao  mesmo  pin- 
cel que  traçara  os  painéis  grandes  da  Sa- 
cristia e  03  quadros  pequenos  da  Predella. 

Observaremos,  desde  já,  que  discordamos 
de  ambos  os  auctores.  O  Pentecostes  é  um 


1  Nossas  palavras  em  1881;  vid.  Estudo 
supra  cit. 

2  A  phrase  sublinhada  foi  supprimida  pelo 
Marquez:  /  do  not,  however,  consider  this 

i  fact  entirely  without  doubt.  pag.  383. 


VIS 


VIS  1861 


quadro  de  mérito  muito  inferior  aos  outros 
ires,  grandes,  da  Sacristia,  e  ainda  ao  pró- 
prio Calvário,  que  Robinson  contra  Raczyns- 
ki  julga  ser  o  mais  fraco  de  todos  (p.  384)- 
Os  antigos  eseriptores  portuguezes  citam' 
sobre  tudo,  este  uliimo,  provavelmente  por 
ser  o  mais  dramático  e  o  que  mais  impres- 
sionava as  massas. 

As  conclusões  a  que  Robinson  chega,  ba- 
ptisando  e  disiribuindo  os  quadros^  a  seu 
modo,  são  as  seguintes,  (pag  394): 

1.  »  O  pintor,  anonymo,  dos  14  quadros  da 
Casa  do  Capitulo,  executados  entre  1500  e 
1520. 

2.  *  Vasco  Fernandez,  autor  do  quadro  que 
pertenceu  a  Anioaio  José  Pereira,  executado 
cêrca  de  1520. 

Robinson  põe  em  seguida  ao  nome» 
entre  parenihesis,  «Gran-Vasco?»  —  o  que 
parece  indicar  que  duvidava  se  seria  o  pin- 
tor citado  no  Sanctuario  Mariano  «insigne 
Vasco»,  e  chamado  «Grande  Vasco  Fer- 
nandes» no  ms.  de  1630;  em  summa,  se 
seria  o  Grão-Vaseo  da  tradição. 

3.  »  O  pintor  da  «Ceia»,  quadro  existente 
no  palácio  dos  bispos  em  FoQtello,  que  elle 
presume  ser  discípulo  ou  imitador  de  Vas- 
co Fernandez. 

4.  "  Velascus  (Robinson escreve  Velasco^,) 
pintor  do  Pentecostes  de  Coimbra  e  dos  qua- 
dris da  Sacristia  na  Sé  de  Viseu,  e  do  Cal- 
vário (cerca  de  1 530-40) 


1  E-<creve  Velasco,  não  sabemos  porquel 
A  ultima  letra  é  uma  abreviatura  bem  co- 
nhecida, que  vale  us. 

2  A  julgar  por  duas  passagens  anteriores 
deve  eniender-se  que  Robinson  identifica 
este  Velascus  com  o  Grão  Vasco,  affastan- 
do-se  da  hypothese  antiga  (vid.  sub.  2).  Eis 
as  passagens,  que  não  deixam  perceber  clara- 
raentH  a  opinião  de  Robinson: 

Pap.  391  «I  have,  inshort,  the  conviclion, 
that  ihis  pieture  is  ih«  work  of  lhe  Iradi- 
tional  Gran  Vasco  of  Vi^eu  (irata  sb  áo  Pen- 
tecostes de  Coimbra).»  E  logo  mais  adiante: 
It  is  I  think  evident  that  M.  de  Raczynski's 
Gran  Vasco  in  reality  was  this  same  Ve- 
lasco.» 

Agora,  pag.  394:  «I  eannot  but  believe,  in 
short,  that  lhe  painter  of  Senhor  Pereira  's 


5.  "  Francisco  Fernandez,  pintor,  que  vi- 
via em  1552,  segundo  o  registo  de  baptismo, 
achado  pelo  cónego  Berardo  no  Cartório  da 
Sé  de  Viseu. 

6.  »  Vasco  Fernandez,  filho  do  precedente, 
segundo  o  regi.sto  supra. 

Raczynski  suppoz,  sem  prova,  que  fôra 
pintor,  como  seu  pae;  e  aitribuiu-lhe  o  gru- 
po da  Sacristia  de  Viseu;  Robinson  regeita, 
com  rasão,  esta  hypothese. 

7.  "  O  autor,  anonymo,  do  painel  «Jesus 
na  casa  de  Martha»,  em  Fontello;  e  que,  na 
opinião  de  Robinson,  foi  imitador  de  Ve- 
lascus. 

O  auctor  inglez  cita  mais  dois,  que  mos- 
tram nas  suas  obra»  uma  «certa  analogia 
geral  com  os  pintores  de  Viseu»  (sie)  pag. 
394. 

8.  »  «Ovia»  auctor  do  Ecce  Homo  era  Santa 
Cruz  de  Coimbra. 

9.  '  O  auctor  do  S.  João  na  Academia  de 
Lisboa,  hoje  no  palácio  das  Janellas  Verdes. 

III 

Agora  o  nosso  commentario. 

Ad  i.")  —Raczynski  já  fez  a  separação  dos 
grupos  da  Casa  do  Capitulo  e  da  Sacristia. 
Concordamos  com  eile  e  cora  as  datas  de 
Robinson. 

Ad  2.»)— O  monograrama  do  quadro  de 
A.  Y.  Pereira,  que  Robinson  leu  Vasco  Fer- 
i  nandez,  parece-nos  muito  suspeito,  e  por 
j  isso,  ocioso  lodo  e  qualquer  calculo  feito  so- 
bre elle.  Vimos  o  quadro  na  Academia  de 
Lisboa,  e  era  com  efTeito  uma  rui  na,  tendo 
sido  radicalmente  lavado,  barbaridade  que 
o  sr.  Robinson  confessa.  O  monogramma 
VASCO  FRZ  fi.;ou  porém  pintado,  luzidio 
e  brilhante,  em  bellas  letlras  amarellas,  por 
um  milagre  que  ninguém  explicou  até  hoje! 


I  pieture,  Vasco  Fernandez  as  he  signs  him- 
I  self  was  ih  i  person  to  whora,  on  aecount  of 
j  hiá  preeraineuce  in  art,  lhe  eulogistic  epilhet 
Gran  or  Grande  was,  either  during  his  life- 
time,  or  shorily  after  his  death,  bestowed». 
I    Parece  pois  haver  contradiçãol 


1862  VIS 


VIS 


Seria  necessário  examinar  technicamente  a 
assigoatura,  a  tinta,  a  forma  paleographiea 
da  lellra,  (que  é  muito  duvidosa),  as  partes 
lavadas  e  não  lavadas  (?)  do  quadro,  ele. 

A.  J.  Pereira,  interrogado  pelo  signatário 
sobre  estes  e  outros  pontos,  respondeu  sem- 
pre evasivamente,  e  negou-se  não  só  a  indi- 
car o  nome  do  inglez  que  lhe  tinha  compra- 
do o  quadro,  mas  até  a  procedência  do  mes- 
mo quadro  1.  Fazendo  se-lhe  a  obsprvaçào 
sobre  a  lavagem,  o  estado  de  ruina  do 
quadro  e  a  salvação  milagrosa  da  assigna- 
tura,  emmude.cia.-0  quadro  foi  antes  da  la- 
vagem uma  obra  díslincta.  A  data  1520  mar- 
cada por  Robinson,  é  acceiíavel.^ 


í  Simões  foi  mais  feliz  n'este  ponto.  O 
quadro  teria  pertencido,  segundo  confissão 
do  Pereira,  ao  convento  de  S.  Francisco  de 
Orgens  (pag.  153).  É  singular  que  Berardo 
nas  suas  Mt-morias  sobre  os  quadros  de  Vi- 
seu (na  que  Baczyn^ki  publicou  e  n'outra, 
nas.  de  1849,  que  temos  presente)  não  falasse  ' 
d  este  quadro  de  Orgens;  que  um  homem 
tao  escrupuloso,  tão  diligente  e  tão  investi 
gador,  que  viveu  a  maior  parte  da  sua  vida 
em  Vi»eu,  não  visse  uma  assignatura  a  tinta 
amarella,  tão  grande,  tão  visivel! 

2  As  nossas  duvidas  sobre  a  tal  assigna- 
tura e  a  singular  altitude  de  Antonio  José 
Pereira  communicamol-as  logo  em  1879  ao 
nosso  amigo  o  sr.  Antonio  Augusto  Gonçal- 
ves, professor  de  desenho  em  Coimbra,  que 
nos  acompanhou  pouco  depois  a  Viseu  (se- 
gunda viagem  nos.sa).  Passados  annos  veiu- 
nos  á  mão  a  3.»  ed.  das  Traveis  in  Portugal 
by  John  Latouche.  London,  s.  d.  O  escriptor, 
que  se  occulta  sob  um  pseudonymo  é  o  sr 
Oswald  Crawfurd,  cônsul  de  S.  M.  B.  no  Por- 
to, pessoa  que  pela  sua  variada  instrueção, 
imparcialidade  e  fino  gosto  artístico  nos  me- 
rece toda  a  consideração.  O  douto  estrangei- 
ro (em  geral,  juiz  benévolo  e  imparcial  da» 
nossas  cousas),  na  3  •  ed.  duvida  fortemente 
da  authentieidade  da  tal  assignatura;  depois 
de  ter  visto  o  (|uadro  de  Pereira,  diz; 
^  «O  triplico  é  uma  obra  arruinada  de  con- 
siderável mérito;  mas  apesar  do  melhor  de- 
sejo em  aereciitar  na  boa  fé  humana,  devo 
dizer  que  nunca  contemplei  uma  assigna- 
tura mais  duvidosa,  do  que  esla.  distincta- 
mente  traçada:  Vasco  Fez.  Traveh  pag.  268  j 
nota.  A  data  do  Prologo  d'esta  3»  "ed.  é 
Sept.  de  1878;  a  2.»  edição  das  Viagens,  de 
1875,  já  a  traz;  apontamos  as  datas,  porque  ! 
desejamos  declarar  que  formámos  o  nosso  j 
juizo  sobre  a  assignãtura,  sem  conhecer  a  | 
opinião  do  sr.  Crawfurd. 


Ad  3  »)— O  quadro  da  Ceia,  em  Fonlello, 
parece-nos  notável  a  todos  os  respeitos  e  de- 
veria ser  confrontado,  cuidadosamente,  com 
o  quadro  d*a  Ceia  na  Casa  do  Capitulo,  na 
Sé  de  Viseu  e  com  o  numero  246  da  Col- 
lecção  da  Academia,  que  representa  o  mes- 
mo assumpto.  (Cat.  provis.  de  1872  p.  63). 

Ad  4.°) — ignoramos  por  que  motivo  Ro- 
binson leu  Velasco  no  quadro  do  Pentecos- 
tes. O  ultimo  signal  da  assignatura  é  indu- 
bitavelmente a  antiga  abreviatura  us.  Ro- 
binson não  percebeu  que  Velascus  é,  simples- 
mente, a  forma  alalinada  de  Vasco  (antiga 
porluguez  Vaasco,  de  Veasco  por  Velasco). 
Na  colleeção  Portug.  Monum.  encontram  se 
a  cada  passo  exemplos  dVstas  duplas  for- 
mas do  mesmo  nome.  Induzido  em  erro  pela 
transcripção  Velasco  por  Velascus,  preten- 
deu outro  eseriptor  inglez,  o  sr.  Laiouehe,* 
que  o  nome  é  hespanhol,  e  que  se  refere  ao 
pintor  hespanhol  Luis  Velasco,  que  traba- 
lhou em  Toledo  cerca  de  1564  e  morreu  em- 
1606!  O  sr.  Professor  Jusli,  que  viu  os  qua- 
dros d'este  pintor  em  Hespanha,  nega  que 
haja  a  menor  relação  entre  o  estylo  d'este 
maneirista  italiaoisado  e  o  de  Velascus.^ 

E  ainda  quando  no  quadro  se  houvesse 
de  ler  Velasco,  isso  não  provava  que  o  pin- 
tor fosse  hespanhol,  porque  no  sec  xvi,  épo- 
ca em  que  na  corte  se  fallavam  ambas  as 
lingoas  cora  a  mesma  frequência  e  facilida- 
de, muitos  portuguezes  seguiam  a  moda, 
hispanisando  seus  nomes,  p.  ex.  o  celebíe 
poeta  Jorge  de  Montemor,  que  ainda  hoje 
chamamos  em  Portugal  Monlemayor;  o  fi- 
dalgo João  de  Mello,  justador  do  *Paso  Hon- 
roso*, que  na  corte  de  D.  João  II  de  Castella 
figurava  como  D.  Juan  de  Merlo.  No  tCan- 
cionero  General  •  apparecem  poesias  de  dois- 


1  Na  obra  cit.  Traveis  in  Portngal  3. 
ed.  pag.  271.  O  aucior  lê  a  sigU  Velascus  L 
=Luis  Velasco.  Este  pintor  é"  o  me.*mo  que 
Cerin  Bermudez  cita  no  vol.  v  pag.  152; 
morreu  em  1606. 

2  Die  portugiesische  Malerei  dessechzehn- 
ten  Jakrhvnderfs  von  C.  Jusli,  na  coUecção 
Jahrhuch  der  Koenigl,  preussischen  Kunst- 
sammlungen,  vol.  ix.  Berlim,  1888,  pag.  137 
e  seg. 


VIS 


VIS  1863 


irmãos  porluguezes  D.  Antonio  e  D.  Inigo  de 
Velasco,  que  em  Portugal  com  certeza  se  ap- 
pellidavara  Vasco} 

Ad.  5.)— Não  ha  nenhum  quardro  que  se 
possa  attribuir  a  este  pintor;  os  críticos  nào 
fazem  por  isso  menção  especial  delle. 

Ad.  6.»)  —  Não  ha  prova  alguma  de  que 
seguisse  a  profissão  de  seu  pae. 

Ad.  7.»)— Este  quadro,  que  está  em  Fon- 
tello,  merece  como  a  «Geia»  existente  no 
mesmo  palácio,  especial  attenção.  Osr.  pro- 
fessor Justi  gaba-o  muito. 

Ad.  8.°)— A  assignatura  «Ovia»  é  uma  fa- 
bula; as  lettras  lá  estão  n'umã  lança,  mas  a 
verdadeira  interpretação  ainda  ninguém  a 
deu. 

Também  Raezynski  leu  um  nome  Abram 
Prim,  no  quadro  n.°  224  da  Academia,^  e  afi- 
nal, é  simplesmente  o  velho  patriarcha  Abra- 
ham prim  fus)  isto  é,  o  primeiro  da  arvore 
genealógica  do  Novo  Testamento.  A  inseri** 
pção  esiá  no  eollo  de  um  vaso  do  qual  sahe 
a  flor  syraboliea  de  S.  José.  Abrahão  foi  o 
tronco  (primus)  da  geração  do  esposo  da 
Virgem.  (Evang.  de  São  Matheus  I). 

Mais  importante  do  que  a  inseripção  Ovia  é 
a  seguinte  eircumstanela.  N'e3le  Ecce  Homo 
apparece  o  retrato  de  Damião  de  Goes,  co- 
mo já  dissemos  em  1879.^  É  a  primeira  figu- 


'  Vid.  Cancionero  general  de  Hernando 
dei  Castillo.  Ed.  de  Madrid  1882,  vol.ii  pag. 
SIO.  A  1.»  ed.  é  de  1511;  o  nome  apparece  ! 
primeiro  n'uma  edição  de  1527.  Com  rela- 
ção a  Mello  viJ.  El  Cancionero  de  Juan  Al- 
fonso de  HafUa^  pag.  LV  da  Introd.  do  Mar- 
quês de  Fida!  ed.  de  Leip?,ig  (Brockhaus). 
Mello  era  alcaide  de  Alcala  la  Real  em  1435. 

2  Raczynski  cita  sempre  Abraham;  mas  o 
que  lá  está  é  Abram.  O  Catalogo  do  Muscu 
nacional  (Lisboa,  1883.  p.  88)  acha  que  é 
umaallusão  á  virgem,  e  lê  Abram  primogé- 
nita.sidl  E8te  Catalogo,  provisório  em  4.» 
ed.  (nu  3.»,  se  não  cornarmos  a  ed  de  1862, 
abafada;  posteriores  1868  e  1872)  está  cheio 
de  erros  hist^ricoíi,  e  organisado  sem  crité- 
rio, nem  meihodo.  Simõas  interpreta  quasi 
como  uós,  pag.  254. 

3  Vid.  o  E-tulo  A  cabeça  de  Damião  de  [ 
Goes,  na  Actualidade  de  2  e  3  de  outubro  de 
1879.  I 


ra,  que  está  atraz  de  Pilatos.  Goes  foi  grande 
amador  e  colleecionador  de  obras  d'arte. 
Possuia  illuminuras  de  Simão  de  Bruges 
(Benichius?),  esculpturas  notáveis,  retavolos 
de  grande  preço,  entre  outros,  dos  pintores 
Quintin  Massys  ou  Metsys,  Hieronimus  Bosch 
e  muitos  objectos  d'arte  industrial  cora  que 
presenteou  a  rainha  D.  Caiharina,  El-rei  D. 
Sebastião,  o  núncio  Monte  Pulciano,  o  vali- 
do Pedro  d'Alcaçova  Carneiro,  seu  irmào 
Fruetus  de  Goes,  Fernão  Coutinho,  etc,  va- 
rias egrejas  etemplos,  prineipalmentea egre- 
ja  de  Nossa  Senhora  do  Castello  de  Almada  e 
a  de  Nossa  Senhora  da  Várzea  da  villa  de 
Alemquer.  El  rei  D.  João  iii  e  a  Rainha,  a  In- 
fanta D.  Maria,  protectora  das  lettras  e  das 
artes,  o  próprio  Cardeal  D.  Henrique  foram 
ver  á  sua  casa  as  preciosidades  artísticas  que 
trouxera  de  Flandres  e  Allemanha^  Está 
hoje  provado  que  Goes  tivera  relações  de 
amisade  com  o  celebre  Albrecht  Diirer,  que 
o  retratou.2  Compare  se  a  physiognomia  do 
retr-^íto  a  carvão  do  grande  artista,  e  a  gra- 
vura com  o  falso  monogramma  A.  D.  de 
1572,  com  o  typo  retratado  n'esle  quadro.  É 
a  mesma  cabeça,  salvo  a  idade;  Goes  parece 
ter  aqui  30  a  35  annos.  Teado  nascido  em 
1501,  o  Ecce  Homo  seria  pintado  entre  1530 
a  1535. 

Ad.  9.°) — Pelo  sysiema  de  Robinson  se- 
ria fácil  duplicar  o  numero  dos  pintores. 
Comtudo,  não  é  d'elle,  mas  sim  de  Raczyos- 
ki  a  ideia  de  considerar  o  auetor  do  quadro 
do  S.  João  como  um  typo  especial.  Rac- 
zynski  chama-o  peintre  aux  bonnes  drape- 
i  riest.^ 


í  Factos  referidos  no  processo  da  Inqui- 
sição, existente  na  Torre  do  Tombo,  e  de 
que  ha  copia  na  Ribliotheea  nacional. 

2  Vid.  03  nossos  e.sludos:  Gnésiana. 

'  Simões  faz  a  propósito  do  S.  João,  citado 
por  Robinson,  combinações  singulares.  Ro- 
binson falia  claramente  de  uma  pequena  fi- 
gura era  pé,  a  httle  standing  figure  of  St. 
John  (p.  392),  e  accre.^ícenia:  uào  a  indicada 
pelo  Goude  de  Raczynski  como  obra  do  pin- 
tor das  betles  drapenes  Robinson  falia  do 
S.  João  Baptista,  n.°  211  do  Catalogo  de  1872 
ou  n.°  1  do  Catalogo  de  1883.  O  pintor  das 


1864  VIS 


VIS 


Eliminando-se  o  monogramma  do  N."  2  i 
como  muito  suspeito,  o  N.°  5  de  que  não  | 
ha  quadros  e  o  N.*  6  por  falta  de  provas, 
fica  sómeQte  o  N.°  4  como  pretendente  ao 
titulo  histórico:  Velascus,  traduzido  em  por- 
luguez  Vasco,  que  é  o  Grão  Vasco,  prova» 
velmente  o  grande  Vasco  Fernandez  do 
Sanctuario  Mariano  e  do  ms,  de  Botelho  Pe- 
reira (i630).  B  temos  depois  mais  os  se- 
guintes pintores:  os  designados  sob  o  n."  1 
(Sala  do  Capitulo)  n.»  3  e  7  (em  Fontello: 
Céa  e  Martha)  e  os  pintores  do  Ecce  homo 
(o  pseudo  tOvia»)  e  do  S.  João  Baptista  da 
Academia.  Veremos  ainda,  que  os  dois  úl- 
timos pertencem  a  grupos  caracteristicos, 
seguado  a  opinião  do  sr.  Prof.  Jusli. 

IV 

Os  estudos  pouco  avançaram  depois  de 
Bobinson.  Os  escriptores  nacionaes  não  re- 
solveram a  questão  e  pouco  adiaotaram;  e 
entre  os  estrangeiros  apenas  dois:  J.  Latou- 
che  6  o  nosso  amigf>  A.  de  Ceuleneer,!  es- 
criptor  belga,  deram  um  novo  impulso  ao 
problema;  mas  o  segundo  confessa  que  ofíe- 
rece  só  umas  simples  notas,  para  despertar 
a  atienção  dos  especialistas.  A  tentativa  que 
este  critico  faz,  apresentando  novos  agrupa- 
mentos, esiá  prejudicada  pelo  ensaio  do  sr. 
prof.  Justij  e  por  isso  não  nos  demoraremos 
na  analyse  do  seu  opúsculo,  o  qual,  no  en- 


belles  draperies  ou  bonnes  draperies  referia 
Baczynski  ao  quadro  n  °  160  (S.  João  Evan- 
gelista) da  sua  lisia  (vid.  Les  arts  pag,  151), 
que  no  Catalogo  de  1872  é  o  n.°  256  e  no 
Cat.  de  1883  falta.  Simõt^s  vae  buscar  o 
quadro  n."  27  do  Cat.  de  1883,  S.  João  Ba- 
ptista ensinando  a  orar  o  príncipe,  D.  João, 
phantasiando  por  ahi  fóra,  e  attribuindo 
uma  serie  de  absurdps  ao  sr.  Bobinson!!  O 
sr.  prof.  Jusli  colloiía  o  pequeno  S.  João  na 
serie  de  Frey  Carlos,  com  toda  a  razão. 

^  Le  Portugal.  Notes  d'art  et  d'archéolo- 
gie.  Contém:  Cougrès  d'archéo!ogie  préhis- 
toriquH  —  Azulejos  —  Grand  Va^co.  Anvers, 
1882.  8."  de  90  pag;  Tiragem  ã  parte  do 
Buíletin  de  1'Acadéinie  d' Archéotogie  de  Bel- 
gique.  O  estudo  sobre  Grão-Vasco  oecupa  as 
pag.  60  90. 


tanto,  contém,  na  parte  relativa  ao  Grão- 
Vasco,  algumas  informações  aproveitáveis. 
Os  outros  capítulos  dão  testemunho  do  estu- 
do e  do  saber  do  auctor,  e  merecem  que  lhe 
tributemos  aqui  o  nosso  reconhecimento. 

Do  sr.  John  Latouche  falíamos  mais 
adiante.  É  o  pseudonymo  do  sr.  O.  Craw- 
furd,  cônsul  de  S.  M.  B.  no  Porto.  O  auctor 
é  muito  injusto  para  com  os  quadros  da 
Academia  de  Lisboa,  hoje  no  Museu  nacio- 
nal, que  não  deviam  ser  julgados  todos  pe- 
la mesma  bitola.  As  suas  notas  appareeeram 
no  volume  Traveis  in  Portugal,  cuja  pri- 
meira edição  é  de  1873,  segundo  crémos;  a 
é  de  setembro  do  mesmo  anno,  a  3.»  de 
Sept  de  1878.  Vejam-se  a.s  passagens  p.  145 
146  (quadro  da  Misericórdia  do  Porto)  p. 
193-196  (quadros  de  Lisboa);  p.  253-273 
(quadros  de  Viseu).  Estamos  convencidos 
que  a  leitura  do  Ensaio  do  sr.  Prof.  Justi  o 
fará  mudar  de  opinião  sobre  o  valor  dos  qua  ■ 
dros  de  Lisboa;  pela  nossa  parte  temos  de 
reconsiderar;  adiante  o  confessamos.  Deve- 
mos porém  declarar  que  as  notas  do  sr. 
Crawfurd  não  influiram  no  juizo  que  fizemos 
em  1881  sobre  o  valor  de  certos  quadros  da 
Academia.  Expliea-se  pela  recordação  vivís- 
sima que  trouxemos  do  estrangeiro  em  1871 
e  1875,  depois  do  exame  das  obras  primas  da 
antiga  escola  de  Flandres  e  de  Brabaote,  da 
escola  de  Colónia  e  de  outras  do  see.  xv  e  xvi. 
Em  compensação,  o  sr.  Crawfurd  manifesta- 
se  com  o  maior  enthusiasmo  a  favor  do  S. 
Pedro  de  Viseu,  e  parece-nos exagerado  n'e8- 
ta  parte.  O  outro  volume  do  mesmo  auctor: 
Portugal  old  and  new  (London,  1880  8.«)  na- 
da contem  relativo  a  Grão  Vasco,  mas  é  in- 
struetivo,  sympaihico,  cheio  dehumour  ede 
vida,  emfim  digno  de  ser  lido:  falia  n'elle  um 
critico  justo,  benévolo,  cujo  juizo  é  fundado 
no  conhecimento  intimo  da  vida  publica  e 
particular  da  nação. 

Sobre  a  monographia  do  sr.  Tubino,  de 
Míiirid,  que  trata  dos  quadros  que  perten- 
ceram ao  convento  de  Palmella,  já  demos  o 
nosso  parecer  em  188 1.^  Ê  inútil  procurar 

I   

1  A  pintura  porlugueza  nos  sec.  xv  e  xvt 
Porto,  1881,  p.  VI. 


VIS 


VIS  Í865. 


ahí  um  único  facto  novo.  O  sr.  Prof.  Justi  é  | 
da  mesma  opinião  em  1888.  j 
Entre  os  eseriptores  nacionaes  tia  tres  que  \ 
merecem  menção,  o  fallecido  Marquez  de 
Souza  Hol!*lein:  o  sr.  Theophilo  Braga,  que 
foi  iofeiiinssimo,  e  o  fallecido  Dr.  Simões, 
que  fez  tres  tentativas  infruetiferas.^  Os  dois 
últimos  íiaram-se,  infelizmente,  na  tradui;- 
ção  da  Memoria  de  Robinson,  feita  pelo 
Marquez,  e  repeliram  os  mesmos  erros, 
augmentando  a  confusão;  nenhum  se  lem- 
brou de  recorrer  ao  original  inglez  da  Me 
moria,  havendo  na  traducção  portugueza  si- 
gnaes  evidentes  de  infidelidade.  Não  pode- 
mos estar  aqui  a  esmiuçar  os  numerosos 
erros,  as  hypotheses  inverosímeis  e  as  phan- 
tasias  do  sr.  Th.  Braga,  que  falia  de  qua- 
dros que  nunca  viu,  porque  o  nosso  intuito 
é  concentrar  os  factos  e  os  resultados  segu- 
ros, de  outro  modo  teríamos  de  escrever  um 
volume. 

A  discussão  com  o  dr.  Simões  já  não  é 
possível,  porque  falleceu;  a  sua  iillima  ten- 
tativa foi  desastrada,  tão  desastrada  que  nos 
parece  que  o  auctor  não  teria  publicado  p 
seu  Ensaio  histórico  e  critico  sem  uma  re- 
visão prévia  e  radical.  Sobre  a  primeira 
parte  já  demos  o  nosso  parecer  em  1881, 
em  vida  do  auctor,  que,  contra  o  seu  costu- 
me, não  respondfU.2  A  segunda  é  deplora- 


1  Na  Academia,  revista  de  Madrid  vol.  ii, 
1877;  na  revista  de  Lisboa  A  Arte  em  1881; 
e  n'um  trabalho,  que  sahiu  posthumo,  e 
e  onde  refundiu  o  que  dissera  nas  duas  re- 
vistas: Grão  Vasco.  Ensaio  histórico  e  criti- 
co pag.  234-257  do  volume  Escriptos  d/rer- 
50S  (Coimbra,  1888),  que  a  Secção  de  Archeo- 
logia  do  Instituto  de  Coimbra  mandou  col- 
ligir. 

O  sr.  Theophilo  Braga  intitulou  o  seu  tra- 
balho: Grão-Vasco.  Determinação  histórica 
da  sva  personalidade^  pag.  174-189  do  volu- 
me Questões  de  litteratura  e  arte  portugueza. 
Lisboa,  1881,  8.° 

2  A  pintura  portugueza  ele.  pag.  vn  e  viii 
Ahi  mesmo  a  nossa  opinião  resumida  sobre 
08  outros  auctores  portuguezes;  Juromenha 
(eseripto  de  1877),  Marquez  de  Souza,  Th. 
Braga  etc.  O  sr.  A.  de  Ceuleneer  teve  a  pa- 
ciência e  a  indulgência  de  reunir  (pag.  62) 


vel,  nma  teia  eramaranhada,  apontamentos 
cosidos  ao  acaso,  sem  nexo,  como  se  esti- 
véssemos lendo  um  borrãol 

O  Marquez  de  Sousa  preslou-nos  um  bom 
serviço,  publicando  o  Catalogo  provisório  da 
Academia  em  1868  ^  Valha-nos  isso,  já  que 
teve  artes  e  manhas  para  abafar  a  edição  de 
1862!  O  catalogo  é  muito  resumido,  mas  no 
fim  agrupou  o  auctor  65  quadros,  que  dis- 
tribuiu por  treze  pintores  anonymos.  Sob  a 
mesma  letira  alphabetiça  reuniu  os  quadros 
que  lhe  pareceram  do  mesmo  auctor;  dís- 
tribuiu-os  bem  nas  salas,  com  ordem  e  em 
boa  luz,  e  facilitou  assim  o  estudo  da  antiga 
escola  portugueza  de  pintura  ao  publico, 
trinta  <?  cinco  annos  depois  da  Academia  ter 
recebido  o  espolio  dos  conventos  extinctos! 
(1833-1834). 

O  agrupamento  feito  pelo  Marquez  era 
aceeitavel  e  provava  que  tinha  olhado  para 
os  quadros  com  alguma  attenção,  guiando- 
se,  em  parte,  pelas  indicações  de  Raczyoski. 
Foi  este  auctor  o  primeiro  que  se  lembrou 
de  agrupar  os  antigos  quadros  portuguezes. 
No  fim  do  lodice  mencionava  o  Marquez 
mais  20  quadros  soD  a  rubrica  Diversos. 
Total:  85.  Na  edição  de  1872  encontrámos  só 
mais  quatro  quadros  n'esta  rubrica;  o  agru- 
pamento é  o  mesmo  da  edição  de  1868.  To- 
tal: 89. 

O  Catalogo  provisório  do  Museu  nacional 
de  1883  (ult.  edição,  já  exhausta)  menciona 


os  títulos  de  outros  pequenos  artigos  de  au- 
ctores portuguezes  eesiraogeiros  sobre  Grão- 
Vasco,  de  pouco  ou  nenhum  valor  Por  exce- 
pção mencionaremos  como  novidade  os  de  A. 
Glardon  na  Bibliotheque  universelle  de  Gênè- 
ve  1876  vol.  57,  feitos  sobre  os  estudos  de 
Latouche,  pseudonymo  de  O.  Crawfurd.  Não 
os  conhecíamos. 

1  Á  frente  do  Cat.  uma  pequena  Introdu- 
ção em  que  se  toca,  de  passagem,  na  ques- 
tão Grão-Vasco.  O  Marquez  publicou  depois 
a  traducção  da  Memoria  de  Robinson,  com 
um  Prefacio,  que  analysàmos  em  1881,  as- 
sim como  os  seus  artigos  na  revista  Artes  e 
Lettras  (1872).  O  melhor  serviço,  repeti- 
mol-o,  foi  a  publicação  do  índice  especial 
dos  quadros  attribuidos  á  antiga  escola  por- 
'  tugueza,  no  Cat.  de  1868. 


1866  VIS 


VIS 


85  quadros  (salvo  erroj  sendo  16  novos,  que 
não  estavam  expostos  na  Academia;  em 
compensação  faltara  outros  que  lá  vimos. 
Este  Catalogo  não  tem  índice  especial  dos 
quadros  antigos  porluguezes,  não  tem  agru- 
pamentos, excepto  no  texto  era  alguns  au- 
tores já  conhecidos.  Não  fallaremos  dos  ou- 
tros defeitos  raais  ou  raenos  seusiveis  d'esia 
quarta  tentativa  provisória,  por  falta  de  es- 
paço, e  se  a  apontaraos  é  para  fazer  sentir 
ao  leitor  qne  o  redactor  da  edição  de  1883 
difflcultou  o  estudo,  em  vez  de  o  facilitar, 
porque  nem  ao  raenos  se  lembrou  de  co|- 
locar  entre  parenthese  os  antigos  números 
da  ed.  de  1872,  pela  qual  quasi  todos  os  es- 
criptores  naeionaes  e  estrangeiros  fizeram 
os  seus  apontamentos. 

A  ordem  salteada  dos  números  é  inadmis- 
sível; um  índice  geral  como  o  d'esse  cata- 
logo, ridículo,  não  fallando  nas  novas  atlri- 
buições  e  nas  noticias  biographicas(ll) 

É  tempo,  porém,  de  passarmos  ao  ultimo 
capitulo,  o  mais  importante. 


A  um  erudito  professor  allemão  devemos 
o  estudo  mai<»  importante  sobre  a  antiga 
pintura  portugneza,  que  sahiu  à  luz  depois 
dos  trabalhos  de  Raezynskí. 

O  Sr.  Prof.  Justi  '  separa  os  quadros  go- 


1  Além  do  Estudo  especial,  que  citamos 
retro  (pag.  297)  esereveuo  Sr.  Professor  Justi 
alguns  artigos  preliminares,  importantes,  na 
seguinte  revista:  Zeitschrifl  fúr  bildende 
Kunst  vol.  XXI,  n.°  4  Janeiro  de  1886,  pag' 
53-93;  no  mesmo  vol.  n."  6  pag.  133  140;  no 
vol.  XXII,  n.o  6  pag.  1*9-186;  e  n.«  8  pag. 
244-2ol.  O  titulo  geral  traduzido  diz:  Sobre 
os  antigos  quadros  flamengos  existentes  em 
Hespanka  e  Portugal.  Contem  factos  impor- 
tantes, que  não  se  encontram  no  Estudo  já 
citado;  os  dous  trabalhos  completam  se  mu- 
tuamente. Sobre  os  quadros  flamengos  exis- 
tentes na  península  convém  consultar  ainda 
hoje,  principalmente:  J.  D.  Passavam.  Die 
chrislliche  Kunst  in  Spanien.  Leipzig,  1853, 
S.o,  pag.  123-145;  e  depois  a  obra  de  Crowe 
&  Cavaleaselle  sobre  a  antiga  pintura  flamen- 
ga :  The  early  Flemish  painters.  London 
1857.  A  traducção  franceza  de  Alex.  Pinchart 


thicos  existentes  em  Portugal  em  duas  clas- 
ses distinctas  : 

A.  Os  trabalhos  dos  arlislas  flamengos, 
naluraes  dos  Paizes  Baixos,  quo  pintaram 
no  seu  paiz,  por  encommenda,  ou  que,  ten- 
do emigrado  para  Portugal,  foram  naturaii- 
sados  ft  aqui  pintaram  seus  quadros. 

B.  Os  de  portuguezes  que  estudaram  nos 
Paízes  Baixos  e  pintaram  em  Portugal,  de- 
pois do  seu  regresso.  Estas  obras  são  as  mais 
frequentes,  e  em  muito  ma'or  numero. 

A  respeito  dos  primitivos  artistas  dos 
Paizes-Baixos,  ^  dos  mais  antigos  pintores  do 
século  XV,  declara  o  Sr.  Prof.  Justi  que  não 
achou  vestígios  d'elleá  em  Portugal.  Estamos, 
portanto,  aqui  no  ponto  de  vista  que  accen- 
tuamos  em  1881  era  face  das  pretensões  do 
Marquez  de  Souza  Holsteín. 

«Essa  escola  anterior  deve  ser  a  qu  '  re- 
cebeu a  influencia  de  Van  Eyck  (v.  retro 
pag.  13);  infelizmente  não  resta  uma  única 
taboa  de  pintor  nacional  do  meado  do  sécu- 
lo XV,  e  muito  raenoí  da  época  era  que  o  ce- 
lebre artista  flamengo  esteve  em  Portugal 
(.1428-1429). 

D'ahí  até  ao  quadro  assignado  Vasco  Fer- 
nandez (1520,  segundo  Robinson)  ou  até  ao 
outro  assignado  Velasco  (1530-1540,  segun- 
do o  mesmo  Rob.)  temos  um  século  inteiro. 


et  Ch.  Ruelens.  Bruxellas,  1862-1865  em  2 
vol.  ê  preferível,  por  causa  do  2.»  vol..  que 
contém  valiosíssimos  documentos.  Ha  ainda 
uma  iraducção  allemã,  com  novas  correcções 
e  aditamentos,  feita  por  A.  Springer.  Leipzig 
1875,  8.0.  Vid  o  Cap.  V,  pag.  383  e  seguin- 
tes. 

Nãorecommendaremosaleiturada  obra  de 
Alfred  Michiels.  Histoire  de  la  peinture  fla- 
mande.  Paris,  1865  187tj  em  10  vol.  por  ser 
muito  difusa  e  confusa;  o  que  diz  respeito  á 
antiga  pintura  flamenga  (século  xv  e  xvi) 
está  concentrada  nos  vol.  II  e  V.  Exproban- 
do  a  Raezynskí  os  seus  erros  augmenta  ain- 
da mais  a  confusão,  com  novos  erros  ! 

1  Dizemos  Paizes- Baixos,  porqu^é  incorre- 
cto e  induz  em  erro  fallar-se  unicamente  da 
escola  de  Flandres,  quando  é  certo  que  esta, 
cujos  chefes  são  os  irmãos  Van-Eyck,  não 
se  deve  confundir  com  a  Escola  de  Brabant, 
cujo  chefe  é  Roger  van  der  Weyden.  Vide 
Crowe  op.  cit. 


VIS 

uma  solução  de  continuidade  enorme.  Note- 
se  que  pouco  imporia  allegar  que  liouve 
quadros  portuguezes  intermédios;  temos  de 
argumentar  com  factos,  e  não  com  hypothe- 
ses.»  1 

Com  effeito  não  ap pareceram  ainda,  entre 
nós,  quadros  de  Jean  Van  Eyck,  de  Peter 
Christus,  Hugo  van  des  Goes,  Rogier  van 
der  Weydeu,  Dierik  Bouts,  para  citar  só  os 
mais  notáveis.  Apenas  um  grande  mestre, 
um  pouco  posterior,  está  representado,  este, 
é  verdade,  admiravelmente.  E'  Gerard  Da- 
vid, 2  que  já  vivia,  trabalhando,  em  1484,  e 
que  falleceu  a  13  de  agosto  de  1523.  Igno- 
ra-se  a  data  do  seu  nascimento. 

São  d'elle,  segundo  o  Sr.  Justi,  que  reco- 
nheceu immediataraente  o  autor,  os  seguin- 
tes quadros,  existentes  em  Évora  no  palácio 
do  arcebispo.  Como  foram  atiribuidos  a  Grão 
Vasco  ^,  temos  de  os  citar  aqui. 


1  A  pintura  portugueza,  pag.  16. 

2  David  foi  discípulo  de  Memlinc  e  nas-, 
ceu  em  Oudevaier  (Hullanda);  sabe-se  que 
vivia  em  148';  pertencia  eoião  à  confraria 
dos  piniores  (Malergilde)  de  Bruges.  Morreu 
a  1?  de  agosto  de  1523.  Hans  Memlinc,  pro- 
vavelmente de  origem  allemã,  apparece  em 
1478,  primeira  daia  certa;  julga-se  que  fci 
discípulo  de  Rogier  van  der  Weyden,  chefe 
da  Escola  de  Brabante;  morreu  pouco  antes 
de  1495.  V  1(1.  Woltmann.  Gí-scMc/ííe  der  A/fl- 
lerei.  Lf^lpzig.  1879,  vol.  II.  Os  quadros  de  G. 
David  sào  muito  raros;  caleule-se  pois  o  the- 
souro  que  Évora  possue  ! 

3  Raczyn!<ki  Les  arís,  pag.  159  e  pag.  353 
e  seg.  No  Archivo  Pittoresco  vol.  xi  (1868) 
pag.  177  vem  uma  gravura  em  madeira  d'es- 
te  quadro,  que  parece  antes  uma  caricatura; 
o  artigo  de  Simões  oscilla  entre  influencias 
byzaniinas  e  Grão  Vasco ! !  Mais  tarde  em 
1881  {A  Arte,  pag.  36)  attribuiu  o  quadro 
«senão  ao  próprio  Memlloo  (sic),  pelo  menos 
a  algum  dos  seus  melhores  discípulos».  No 
ultimo  estudo,  impresso  em  1888  o  quadro 
é  primeiro  de  algum  discípulo  (pag.  2il) ; 
ires  pagioas  mais  adiante,  é  obra  talvez  do 
próprio  Meemlmc  (244).  Tanto  n'e8te  uliimo 
estudo,  como  em  1881  teima  em  chamar  ao 
quadro  a  Assumpçãol  O  assumpto  é  a  Co- 
roação da  Virgem;  o  nome  Nossa  Senhora  da 
Gloria  é  o  popuiarl  Os  doze  quadros,  que 
pertencem  á  peça  central,  quiz  Simões  enfi- 
leirar, ao  que  parece,  ainda  na  escola  de 


m  1867 

Uma  grande  taboa  principal,  a  Ado- 
ração da  Virgem  e  do  menino,  chamada 
Nossa  Senhora  da  Gloria,  e  mais  onze  qua- 
dros menores  (1",88— l°',33j,  que  represen- 
tam : 

1.  O  Nascimento  da  Virgem. 

2.  A  Virgem  no  caminho  para  o  templo. 

3.  O  Casamento. 

4.  A  Annunciação. 

5.  O  Sonho  de  S.  José. 

6.  O  Nascimento  de  Christo. 

7.  A  Apresentação  no  templo. 

8.  A  Epiphania. 
9  A  Circumcisão. 

10.  A  Fuga  para  o  Egypto. 

11.  O  Menino  entre  os  doutores. 

12.  O  Transito  da  Virgem. 

Na  Galeria  Grão-Ducal  de  Darmstadt  exis- 
te uma  repetição  da  taboa  central,  também 
sobre  madeira  (0,93"'  de  alt.X0,73  de  Larg.) 
n.»  189  do  Catalogo,  p.  47.  ed.  de  1875.  Ha, 
comiudo,  algumas  differenças  nos  episódios 
representados  nos  dois  quadros.  Eis  o  de  lá; 

«A  Virgem  Maria  com  o  menino  sobre  o 
throno,  cujo  espaldar  é  formado  por  um  ri- 
co tapeie.  O  menino,  que  está  no  cólo,  fo- 
lheia n'um  livro  de  horas,  que  a  Virgem  tem 
na  mão.  A'  direita  quatro  anjos,  cantando ; 
á  esquerda  mais  tres  anjos  que  tocam  no  ór- 
gão ;  o  terceiro  dá  ao  fole.  Os  anjos  são  imi- 
tados, innegavelmente,  do  polypticho  de 
Ganle  dos  irmãos  Huberto  e  João  Van  Eyck.  A 
vista  estende-se  de  cada  lado  do  throno  por 
um  jardim  fóra,  circumdado  por  um  muro. 


Grão-Vasco  (pag.  255),  aproximando-os  dos 
de  Setúbal !!  O  sr.  Gabriel  Pereira  [Estudos 
Eborenses;  opúsculo  Beílas-Artes.  Évora, 
1886  pag.  21)  advertido  provavelmente  pelo 
Sr.  Prof.  Justi,  já  cila  Gerard  David,  como 
auciordos  quadros.  Raczyuski  referia,  a  pro- 
pósito do  quadro  O  menino  entre  os  doutores, 
o  nome  Christovão  de  Utrecht  por  causa  do 
raonogramma,  que  n'elle  se  encontra ;  Les 
arts  pag.  200  monogr.  n.»  3  ;  está  na  Biblio- 
theca,  mas  pertence  ao  grupo  dos  que  " 
vôem  na  Capella  e,  portanto,  o  Gerard  Da 
vid  (vid.  Zeitschrift.) 


1868  VIS 


VIS 


no  qual  ha  uma  ramada;  ao  longe  uma  pai- 
sagem extensa,  povoada  de  arvoredo.»  ^ 

O  Sr.  Prof.  .Tusli  exalta  o  merecimento 
d'estes  quadros,  dizendo  que  a  pequena  ga- 
leria de  Évora  é  o  coojuneto  mais  conside- 
rável que  a  antiga  escola  flamenga  produziu, 
segundo  o  seu  conhecimento.  São,  innegavel- 
mente,  jóias  da  arte,  que  pouco  soíTreram 
dos  restauradores,  mas  nada  tem  que  vêr 
com  o  Grão-Vasco,  O  Sr.  Prof.  Justi  nota 
apenas  uma  physionomia  românica  na  Cir- 
cumsição;  todos  os  episódios  são  flamengos, 
e  por  isso  não  se  pôde  duvidar  que  os  qua- 
dros foram  importados.  A  época  a  que  os 
quadros  correspondem  é  a  do  Governo  do 
Bispo  D.  Affonso  de  Portugal,  (1485-1522) 
da  casa  de  Vimioso.  ^ 

A  influencia  dos  antigos  flamengos  revela- 
se  ainda,  segundo  o  especialista  allemão,  nos 
seguintes  quadros : 

Missa  de  S.  Gregorio  —  pertencente  à  Sr.« 
Condessa  d'Edla,  no  género  de  Roger  van  der 
Weyden  —  ;  os  treze  santos  teem,  comtudo, 
aureolas  com  nomes  portuguezes ;  na  série 
figura  Santa  Izabel  de  Portugal. 

Pertencem  á  Escola  de  Gerhard  David  os 
seguintes : 

O  Tripticho  do  Museu  Nacional  n.»  697. 
Nossa  Senhora  da  Misericórdia— São  Chris- 
tovão  —  São  Sebastião ;  no  verso  das  portas 
S.  Pedro  e  S.  Paulo.  Veio  da  Madeira  e  foi 
comprado  ao  sr.  Agostinho  de  Ornellas,  di- 
gno Par  do  Reino. 

E'  de  outro  artista  flamengo  A  fugida  pa- 
ra o  Egypto.  Aead.  Cat.  1872  n.«  229.  ^ 


1  Die  Gemaelde-Sammlmg  des  Grossh.  Mu- 
seums  zu  Dnrmslndt ;  verzeiehnet  von.  Prof. 
Rudolf  Hoffman.  2."  Aufl.  Darmstadt.  1875. 
O  quadro  é  aliribuido  no  catalogo  á  Escola 
de  Memlinc  do  sec.  xvi,  talvez  Gerhart  Ho- 
reboui;  em  nota:  antigamente altribuido  a 
Hans  Memlinc. 

2  Sobre  este  prelado  e  um  antigo  quadro 
do  sec.  XVI  com  o  seu  retraio,  lypo  Grão- 
Vasco  existente  na  Bibliotheca  de  Évora,  vid. 
o  que  dissemos  nas  notas  à  ed.  de  Francisco 
de  Hollanda  p.  xviii.  ^ 

3  O  sr.  Justi  não  indica  numeração  algu- 
ma, com  relação  a  este  quadro.  Suppomos 


O  grande  quadro  da  Misericórdia  do  Por- 
to :  Fons  vitae.  ^ 

O  typo  da  Nossa  Senhora,  e  o  colorido  re- 
cordam, segundo  o  mesmo  escriptor,  a  fa- 
ctura de  Bernhsrd  van  Orley.  A  composição 
e  o  estylo  tem  aíBnidade  com  o  tripticho  ci- 
tado. 

Temos  mais  pintores  flamengos  em  Tho- 
mar,  no  Convento  de  Christo: 

A  entrada  em  Jerusalém. 

O  capitão  de  Cafarnaum.  (S.  Matheus 
Vill,  5) 

A  resurreição. 

Todos  tres  no  estylo  de  Dierik  Bouts,  ce- 
lebre pintor,  que  vivia  em  li60  e  falleceu 
em  1475,  chamado  impropriamente  Sluer- 
bout. 

O  Sr.  Prof.  Justi,  reparando  no  grande  nu- 
mero de  quadros  que  ornavam  a  egreja  do 
Convento  de  Christo  (eram  39^  hoje  apenas 
31)  2  e  lembrando-se  do  pintor  Joanms  Dra 
lia,  sepultado  em  Thomar,  sugere  a  hypolhe- 
se  de  ter  eiie  sido  talvez  o  auelor  das  pintu- 
ras archaicas  no  género  flamengo.  Além  das 
taboas  referidas  cita  o  sr  Justi  o  que  esca- 
pou: uma  das  portas  (lado  esquerdo  dore- 
lavolo  da  Crucificação;  16  figuras  de  anjos 
com  os  iosirumenios  da  paixão  no  estylo  do 
sec.  XV,  cujos  rostos  foram  repintados;  10 
taboas  da  vida  de  Christo  (sendo  8  grandes 
e  2  menores)  muito  damnificadas ;  e  por  de- 
baixo 12  pinturas  de  grandes  dimensões, 


ser  o  n."  229,  (Cat.  de  1872)  que  é  hoje  o  n." 
14  do  Museu  nac.  Cat.  pag.  96.  Laurent  re- 
produziu o  n.°  690. 

1  A  este  quadro  corresponde  melhor  o  ti- 
tulo Fons  vitae,  fons  misericordiae,  fons  pie- 
tatis.  Em  1877  (Archeol.  artist.  fase.  iv  pag. 
xvn)  attribuimos  este  quadro  a  Quinten  Mes- 
sys  (1460-1530);  corrigiremos  ainda  outra 
noticia  de  1877:  o  Holbein,  chamado  da  jBm- 
posta,  propriedade  nacional,  confiada  a  El- 
Rei  D.  Kernando,  é  com  effeito  de  Holbein, 
pae;  a  assignaturaé  aulheutica,  vid.  Wolt- 
mann  u.  Woermano,  Geschlchte  d.  Malerei 
vol.  II  (1881)  pag.  460. 

2  São  31,  segundo  o  Sr.  Justi.  Raczynski 
{Les  arts  p.  157)  cita  apenas  vinte  e  dois; 
Volkmar  Machado  indica  também  22,  pag.  52. 


VIS 


VIS  1869 


das  quaes  restam  apenas  as  quatro  que  ci- 
tamos retro ;  as  oito  restantes  foram  rouba- 
das. 

Como  se  vê,  apenas  se  apuram  tres  no- 
mes: Roger,  Gerhard  David  e  Dierik  Bouts. 
E'  certo  que  em  Lisboa  appareceu  uma  obra 
de  Jean  Van  Eyck,  a  Stigmatísação  de  S. 
Francisco,  que  Lord  Heytesbury  comprou. 
Felipe  II,  grande  amador  de  pinturas  flamen- 
gas, como  se  sabe,  parece  que  levou  para  Ma- 
drid pinturas  importantes  que  achou  em  Lis- 
boa, retratos  de  pessoas  reaes,  que  appare- 
cem  citados  nos  inventários  do  Alcazar  ré- 
gio ainda  no  tempo  de  Felipe  III,  e  estavam 
na  Galeria  dei  cierzo.  ^ 

Entre  os  Pintores  estrangeiros  naturalisa- 
dos  cabe  o  primeiro  legar  a  Frey  Carlos, 
pintor  de  Évora.  Vivia  no  convento  do  Es- 
pinheiro em  1517.  O  nome  d'este  artista  ap- 
pareceu n'um  quadro  de  1537  que  perten 
ceu  ao  pintor  Roquemont;  infelizmente,  não 
se  sabe  ondè  pára  hojel  As  suas  obras  mais 
importantes  estavam  no  Convento  do  Espi- 
nheiro, junto  a  Évora,  e  guardam-se  hoje  no 
Museu  nacional.  O  Marquez  de  Sousa  tinha 
agrupado  seis  quadros  como  pertencentes  a 
este  artista  n.<"  176,  2H,  212, 214  a  216  (Ca- 
talogo de  1872  in  fine). 

O  Sr.  Prof.  Justi  vae  muito  mais  longe,  at- 
tribuindo-lhe  os  seguintes: 

A  Annunciação.  Museu  n.»  677  (Cat.  1872 
—  N."  176) 

Christo  apparece  á  Virgem.  Museu  n."  2 
(Cat.  1872  — N.«  212) 

A  ascenção  de  Christo.  Museu  n."  83  (Cat. 
1872  — N."  215) 

A  ascenção  da  Virgem.  Museu  n."  82  (Cat. 
1872— N.°  214) 

O  bom  pastor  (S.  João  Bapt).  Museu  n.° 
1  (Cat.  1872  —  N.»  211) 

O  pentecostes.  Museu  n."  34  (Cat.  1872  — 
N.»  263) 

A  adoração  dos  pastores.  Museu  n.°  81 
(Cat.  1872  —  N.o  216) 


1  Noticia  do  Sr.  Justi  —  O  que  parece  fóra 
de  duvida  é  que  o  livro  de  desenhos  de  Hol- 
landa,  hoje  na  Bibliotheea  do  Escoriai,  foi 
lambem  um  rapto  de  Felipe  II. 

YOLUMB  XI 


A  Verónica.  Museu  n.»  51  (Cat.  1872  — 
N.°  213) 

E  talvez,  até  novo  exame,  mais  estes  : 

A  Virgem  com  o  menino  e  duas  santas  : 
Cal.  de  1872— n.»  221. 

Um  pequeno  quadrinho  na  Exposição  re- 
trospect.  de  1882.  Catalogo.  Sala  J.  n.°  97 
Nossa  Senhora  com  o  menino.  Alt.0,41— larg 
0,31,  pertencente  à  Casa  Pia. 

S.  Juan  de  la  Cruz  dando  o  Estatuto  ás 
freiras  Carmelitas  de  Avila.  Museu  n.*  85 
(Cat.  1872  n.»  276). 

Poderemos  aeerescentar  pela  nossa  parte: 
duas  pequenas  taboas,  representando  tam- 
bém Nossa  Senhora  com  o  Menino,  uma 
pertencente  ao  nosso  amigo  J.  M.  Nepomu- 
ceno  e  outra  do  Museu  Allen,  hoje  Musçu 
Municipal  do  Porto  (sem  numero). 

Justi  louva  muito  este  pintor,  no  qual  Rae- 
zynski  encontrou  pouco  mérito  (pag.  123 
Les  Arts).  Je  lui  trouve  un  type  partieulier, 
mais  bien  peu  de  mérite.» 

O  autor  allemão  classifica-o  na  escola  de 
Harlem  e  acha  que  tem  grande  afinidade  com 
o  celebre  Jan  Joest,  i  chamado  de  Kalkar ; 
da  mesma  opinião  é  o  dr.  Scheibler,  cuja 
competência  é  universalmente  reconhecida 
na  especialidade  dos  quadros  antigos  alie* 
mães  e  flamengos. 

B 

Passemos  agora  á  outra  classe  de  pintu- 
ras, que  procedem  de  artistas  portuguezes, 
que  estudaram  nos  Paizes-Baixos: 

A  influencia  mais  saliente  é  a  do  pintor 
Quinten  Metsy   ^  « 


lEste  autor  é  chamado  de  Kalkar,  porque 
é  n-esta  cidade  que  se  guardava  sua  obra  pri- 
ma, o  grande  retavolo  da  egreja  de  S.  Nico- 
lau. O  seu  estylo  approxima-se  do  dos  con- 
temporâneos de  Meemlinc.  oriundos  daHol- 
landa  (Escola  de  Harlem).  Trabalhou  de  1505 
a  1508  n'esse  retavolo  e  parece  que  morreu 
em  i519.  (Woltmann,  op.  cit.  Vol.  II  p.  492 
e  530). 

2  E'  o  chefe  da  escola  de  Antuérpia.  Nas- 
ceu antes  de  1460  e  morreu  em  1530. 

Este  grande  mestre  gosou  de  immensa  fa-  • 
ma  na  Península.  Basta  recordar  que  é  o 
único  pintor  flamengo  que  Francisco  de  Hol- 

li8 


1870  VIS 


VIS 


Justi  encontrou  os  seguintes  quadros  que  . 
a  comprovam  : 

O  menino  entre  os  doutores,  pertencente  á 
Sr.»  Condessa  d'Edla  (Exposição  retrospect. 
de  1882J. 
A  apresentação  no  templo. 
A  fugida  para  o  Egypto. 
Maria  junto  da  Cruz  ;  estes  tres  da  col- 
leeção  Fidié^  em  Lisboa,  e  procedentes,  bem 
como  o  anterior,  do  conveato  da  Madre  de 
Deus,  fundação  da  rainha  D.  Leonor,  mulher 
de  D.  João  II,  que  se  distinguiu  sobremodo 
pela  proiHCção  excepcional  que  dispensou  ás 
lettras  e  ás  artes: 

Deve  juntar-se  o  quadro  do  Museu  nacio- 
nal, baplisado  com  o  nome  de  Holbein  A  Vir- 
gem com  o  menino  n."  546 (Cat.  1872  n.°  72) 
que  foi  da  collecçào  do  Conde  de  Farrobo. 

Todos  estes  quadros,  que  poderiam  pelo 
seu  raro  valor  e  pela  factura  ser  altribuidos 
ao  próprio  Metsys,  são  nacionàes,  assim  co- 
mo os  que  seguem: 

Em  Thomar:  O  Baptismo,  a  Tentação  e 
as  Bodas  de  Caná,  de  menor  valor;  mais 
amaneirados. 

No  Museu  Nacional  tres:  um  grande  tri- 
ptycho  :  Christo  na  Cruz,  tendo  nas  portas 
S.  João  Baptista  e  o  Evangelista ;  ^ 

S.  Vicente  e  S.  João  EvangelistaUusAí 
(Cat.  1872-271); 

S.  Thiago  e  S.  Agostinho  Mus.  45  (Cat. 
1872-272)  ; 

Estas  obras  não  teem  o  mesmo  mereci- 
mento das  taboas  da  Madre  de  Deus  (Con- 


landa  incluiu  na  lista  dos  que  elle  chama 
águias.  (Da  Pintura  antiga  foi  .  179)  I  E' 
.«abido  que  Hollanda  se  pronuncia  ostensiva- 
mente contra  a  pintura  flamenga  em  gerai. 
O  nome  d'esle  pintor  varia  nos  documentos: 
Mas^y-i,  Messys,  Matsys  e  Metsys.  Foi  amigo 
de  Darer  e  Erasmo,  e  d'ahi  talvez  as  rela- 
ções de  Goes  com  este  pintor,  cujos  quadros 
figuravam  na  galeria  do  celebre  chronista. 

1  O  pequeno  museu  de  curiosidades  de 
Fidié  foi  vendido  em  1887  (?)  em  leilão  por 
morle  do  possuidor. 

~  O  Sr.  Prof.  Justi  não  indica  o  numero, 
provavelmente  porque  o  viu  n'algum  corre- 
d@r  da  Academia ;  no  cat.  de  1883  não  está. 


dessa  d'Edla  e  Fidié)  mas  podem,  segundo 
Justi,  ser  do  mesmo  auior;  aqueUas  repre- 
sentariam o  artista  na  plenitude  dos  seus 
recursos,  logo  depois  do  regresso  de  Antuér- 
pia; estas  uma  diminuição  de  forças,  n'um 
meio  inferior,  em  face  de  um  publico  menos 
exigente. 

Quem  é  porém  esse  artista  nacional,  que 
tanto  aprendeu  na  escola  de  Quinten  Metsys? 
Justi  crê  que  será  o  Eduwart  Portugaloys, 
seu  discípulo  tm  1504,  proclamado  vrymees- 
ter  (mestre  pintor)  da  confraria  de  S.Lucas 
de  Antuérpia  em  1508. 

No  mesmo  archivo  da  Gilde  encontrámos: 

Symon  Portugaloys,  discípulo  de  Goosen 
(Goswin)  van  der  Weyden  em  1504.  Goswin 
foi,  segundo  Laborde,  filho  do  grande  Roger; 
segundo  Crowe  e  Cavaleaselle,  mais  prova- 
velmente, neto. 

Affonso  Castro  (Allonse  Crasto)  discípulo 
do  mesmo  mestre  em  1522. 

Ha  mais :  Hanneken  {João)Talasco,  àhd- 
puio  de  Jacob  Spueribol  em  1540. 

Pedro  (Peeter)  de  Castro,  discípulo  de  Jau 
SoezeWict  em  1559. 

«Estes  factos,  diz  o  Sr.  Prof.  Justi,  forne- 
cem, com  eífeito,  a  chave  para  a  avaliação 
de  uma  grande  parte  dos  quadros  antigos 
portuguezes.»  ^ 


1  O  sábio  escriplor  refere-se  n'esta  passa- 
gem aos  nossos  trabalhos  sobre  historia  da 
arte  nacional  com  palavras  de  tanto  louvor, 
que  não  podemos  deixar  de  as  agradecer 
aqui  publicamente;  ao  mesmo  tempo  subli- 
nha a  grande  importância  que  o  achado  d'es- 
tes  nomes  tem  para  a  historia  da  pintura 
portugueza.  Os  nomes  foram  citados  pela 
primeira  vez  por  nós  das  fontes  hollandezas 
na  Carta  ao  Dr.  Simões  de  10  de  março  de 
1878,  na  Renascença. 

Simões  não  percebeu,  ou  fingiu  nao  per- 
ceber o  vàlor  da  descoberta  e  deu  no  mes- 
mo jornal  uma  resposta  pueril,  sem  senso 
commum. 

Os  nomes  foram  encontrados  nos  annaes 
da  confraria  dos  pintores  de  Antuérpia  : 
Rombouts  &  van  Lerius.  De  Liggercnenan- 
dere  historische  archieven  der  aníioerpsche 
sint  Lucas  gilde.  Antwerpen,  1872—1876,  2 
vol.  4."  gr. 


VIS 


VIS        1870  A 


E'  muito  provável  que  estes  artistas  es- 
tudassem em  Flandres  à  custa  de  D.  João  II 
e  de  D.  Manoel,  sob  a  vigilância  dos  feito- 
res. 1 

Assim  como  o  Sr.  Justi  conseguiu  achar 
03  quadros  que  se  relacionam  com  o  discí- 
pulo porluguez  de  Metsys,  é  possível  que  en- 
contre mais  tarde  as  obras  dos  outros  bour- 
siers  ou  pensionistas  portuguezes. 

Justi  filia  ainda  na  Escola  de  Antuérpia 
um  outro  artista  porluguez,  o  autor  dos  qua- 
dros que  Raczynskí  baptisou: 

São  Bento  (da  Saúde),  pela  proveniência 
das  tãboas.  Os  seus  trabalhos  teem  muita 


1  Já  averiguámos  nos  nossos  trabalhos  que 
os  feitores  de  Portugal  em  Antuérpia  eram, 
por  assim  dizer,  os  tutores  dos  numerosos 
estudantes  portuguezes  que  a  coroa  subsi- 
diava em  França  e  em  Flandres.  Em  Paris 
chegaram  a  reunír-se  eincoenta  boursiers 
portuguezes!  Vid.  krcheol.  arlist.  fase.  IV 
pag.  46.  As  numerosas  edições  de  obras 
de  autores  portuguezes,  feitas  nas  mais  cele- 
bres officínas  da  Europa,  não  só  de  humanis- 
tas, em  latim,  mas  também  em  língua  porlu- 
gueza,  só  se  podem  explicar  por  intervenção 
dosfeitores.  Vide  as  provas  no  nosso  ensaio: 
A  feitoria  de  Portugal  em  Flandres.  Porto, 
188o,  o'um  opúsculo  do  Atheneu  commer- 
cial  do  Porto. 


analogia  com  os  de  um  chamado  Konrad 
Fyoll,  cujas  obras  se  encontram  em  Franc- 
fort  sobre  o  Meno.  ^  Este  Fyoll  tem  bastan- 
te simílhança  com  mestre  Quinten  Metsys. 

A  serie  dos  quadros  do  mestre  de  São 
Bento  é  numerosa: 

A  Visitação  de  Nossa  Senhora.  Mus.  4 
(Cat.  1872-236). 

A  Epiphania,  Mus.  5  (Cat.  1872-237). 

A  apresentação  no  templo,  Mus.  6  (Cat. 
1872—238). 

O  menino  entre  os  doutores,  Mus.  7  (Cat. 
1872-239). 

Accreseem  os  seguintes  de  Coimbra:  V. 
pag.  1871. 


As  relações  dos  feitores  com  os  celebres 
artistas  flamengos  e  allemães  do  século  xv  e 
XVI  foram  amplamente  documentadas  por 
nós  em  1877. 

1  Aliás  pseudo  Fyoll,  diz  o  sr.  Justi,  porque 
o  Konrad  Fyoll,  citado  em  documentos  de 
1471-1476,  nào  pode  ser  o  pintor  que  tem 
grande  analogia  com  o  Mestre  de  S.  Bento, 
e  cujas  obras  se  encontram  em  Franefort ; 
este  pintor  de  Franefort  pertence  ao  princi- 
pio do  século  XVI,  e  approxíma  se  de  Quin- 
ten Metsys  e  da  Escola  de  Antuérpia  Vid. 
Woltmann,  op.cit.  vol.  II,  pag.  98;  e  Schnaa- 
se,  Geschichte  der  bildenden  Kunste.  Sluit- 
gart,  vol.  VIII  pag.  376  e  segg. 

Joaquim  de  Vascongillos. 


EMENDAS  E  ADITAMENTOS 

Á  MEMORIA  SOBBE  GRÃO -VASCO 


A  nota.  Segundo  Ensaio,  à  frente  d 'este 
estudo,  allude  ao  primeiro  Ensaio,  publica- 
do em  1881:  A  pintura  portugueza,  ete. 

Pagina  1861,  eolumnà  2.»  linha  30 -A.  Y. 
Pereira — leia -se:  A.  J.  Pereira. 


Pagina  1866,  columna  2.»  linha  10  — Os 
dc  portuguezes. . .  Depois  da  palavra  re- 
gresso, aecrescenlar:  e  os  de  seus  alumnos. 

Pagina  1867,  columna  2."  linha  H— dos 
que  vêem— leia-se:  dos  que  se  veem. 


1870  B  VIS 

Pagina  1868,  coiumna  2.»  IÍQha34  e  35— 
E'  de  outro  artista  flamengo  A  fugida  para 
o  Egypto. 

Elimine-se  a  designação  Aead  Cal.  1872, 
n "  229.  A  referencia  do  sr.  Prof.  Justi  al- 
lude  a  um  quadro  do  Convento  da  Madre  de 
Deus.  A  nota  3  à  mesma  passagem  é,  pois, 
supérflua. 

Pagina  1869,  coiumna  1.»  liniia  14— Feli- 
pe III— leia-se:  Felipe  IV. 

Pagina  1869,  coiumna  2.»  ultima  linha  — 
Metsy — leia-se:  Metsys;  e  na  nota  immedia- 
ta  leia-se:  Memlinc  em  logar  de  Meemlinc. 

Pagina  1870,  coiumna  l.Minha  17— -n.» 
§46  (Cat.  1872,  n.«  72)— leia-se;  (Gat.  1872, 
n."  148),  que  corresponde  ao  n.«546  do  Cat. 
de  i883. 

Pagina  1870,  coiumna  1.»  linha  23  —  Em 
Thomar.  Accrescente-se:  na  Egreja  de  S. 
João  Baptista. 

Pagina  1870,  coiumna  1.»  linha  26  —  No 
Museu  Nacional— leia-se:  na  Academia,  em 
S.  Francisco,  Depois  do  titulo  Christo  na 
eruz,  junte-se:  ladeado  por  Nossa  Senhora  e 
S.  João  Baptista. 

Pagina  1871,  coiumna  l.«  linha  3^0  Im- 
perador Heráclio  e  o  retavolo  com  S.  Cosme  I 


VIS 

e  São  Damião  são  ambos  do  depossiJoposito  d 
Universidade. 

Pagina  1872,  coiumna  1.»  linha  24i  2(  24  —  nJ 
galeria  Raczynski  deve  contar-se  maainíniais  un 
quadro  portuguez  do  typo  Velaseus.  F3.  is.  E'  un 
triptycho  A  paixão  de  Nossa  Senhoras  rara  junt» 
da  cruz,  com  S.  João  Baptista  e  S.  Jeroovrieronymo 
n."  122  do  Cat.  de  1876. 

Pag.  1877,  coiumna  2.»  linha  15— (d^- depois 
da  palavra  Sé,  aecrescentar:  e  da  gceig<  geração 
anterior. 

Pagina  1880,  coiumna  1.»  linha  6  '  —  des- 

vanecem-se — leia-se:  Desvaneceu-se. 

Pagina  1881,  coiumna  1.»  nota  í.«  liinlii  linha  7 
—são  os  segumtes  —  leia-se  :  as  seguiiiu^uintes; 
depois  da  data  1537  leia-se  no  portal;;  i;  il;  onde 
diz  convento  de  freiras,  junte-se;  capiuoupuchas 
da  Madre  de  Deus. 

Pagina  1883,  coiumna  2.»  linha  6  -  D I-  Dres 
den  Cat.  Ved.  franc,  —  corte-se  o  V,  eí  ie  e  leia 
se:  edição, 

A  monographia  do  sr.  Prof.  Justi  ísosí  sobre 
Velasquez,  a  que  se  allude  a  pagina  1.'  l  1888,  I 
nota  1,  sahiu  em  fins  de  1888.  Diego  VefeVelaz- 
quez  und  sein  lahrhundert.  Bonn.  188}8,838,  ed. 
Max  Cohen,  2  vol.  8,"  gr,  de  VllI-'4S4í-428  e 
X-434  pag.  Como  era  de  esperar,  é  unnn  m  la- 
vor litterario  de  primeira  ordem,  em  tod)dodo  o 
sentido. 

Joaquim  de  Vasconcellos)S.os. 


VIS 


VIS 


1871 


A  Crucificação,  na  Sacristia  de  Santa  Cruz 
•em  Coimbra. 

O  Imperador  Heráclio,  restituindo  a  sagra- 
-la cruz  a  Jerusalém. 

Um  relavolo  com  S.  Cosme  e  S.  Damião, 
ambos  do  deposito  dos  quadros  da  Universi- 
<iade. 

E  mais  os  seguintes  na  egreja  do  Conven- 
to de  S.  Francisco,  de  Évora: 

A'  entrada  da  Capella-mór,  nos  altares  la- 
teraes,  do  lado  do  Evangelho  e  da  Epistola: 

A  estygmatisação  de  São  Francisco. 
Santo  Antonio.,  prégando  aos  peixes. 
Santa  Clara. 

O  archanjo  São  Miguel;  e  mais  uma  Pietà 
na  crypta  da  egreja.  i 

Ainda  ao  mesmo  pintor  do  São  Bento  at- 
tribue  o  Sr,  Justi  parte  dos  quadros  do  con- 
vento de  Jesus  de  Setúbal,  sem,  eomtudo, 
■os  especialisar;  e  em  Lisboa: 

Nossa  Senhora  da  Conceição,  quadro  que 
estava  na  Academia,  sem  numero,  e  não  ap- 
parece  no  Museu  nacional. 

O  Padre  eterno  —  Mus.  n.°  28  (Cát.  1872 
—  n.»  258). 

O  casamento  de  D.  Manoel  na  Misericór- 
dia de  Lisboa,  que  esteve  na  Exposição  de 
arte  ornamental  de  1882.  ^ 


1  As  indicações  dft  Raezynskinão  concor- 
dam ;  e  as  nossas  notas,  tomadas  em  Évora, 
são  também  diíferentes.  Os  quadros  estão 
dispostos  do  seguinte  modo:  no  altar  do  la- 
do do  Evangeliio  :  S.  Francisco  recebendo 
os  stigmas,  e  Santo  Antonio  prégando  aos 
peixes;  por  debaixo  do  primeiro  São  Ber- 
nardo (ou  S.  Bernardino  de  Siena  ;  um  San- 
to, rejeitando  tres  mitras)  e  por  debaixo  do 
outro  Santa  Clara.  No  aliar  do  lado  da  epis- 
tola O  anjo  da  guarda,  com  as  armas  reaes 
de  Portugal,  e  São  Miguel;  por  debaixo  S. 
Jeronymo  e  outro  Santo.  São,  ao  todo,  oito 
pinturas. 

2  Este  quadro  foi,  durante  muito  tempo, 
attribuido  a  Blas  dei  Prado!  O  absurdo  sal- 
ta aos  olhos  de  quem  viu  os  quadros  authen- 
ticos  d'este  artista  em  Madrid.  Vid.  Cean- 
Bermudez  vol.  iv.  p.  116;  o  culpado  foi  Gua- 
rienli  (17o3)  vid.  Baczynski  Les  arís  p.  317. 
.  O  Abbade  de  Castro  publicou  sobre  este 
quadro  o  seguinte  opúsculo:  Resumo  histó- 
rico sobre  o  quadro  pintado  a  oleo,  repre- 


Todos  os  quadros  d'este  auctor,  diz  o  Sr. 
Justi,  são  superiores  ás  quatro  seenas  da 
lenda  de  Santa  Úrsula  (Madre  de  Deus). 

No  capitulo  Velascus,  chega  o  eseriptor 
allemão  ao  seguinte  agrupamento: 

O  Pentecostes,  na  Sacristia  de  Santa  Cruz» 
assignado. 

O  Ecce  homo,  ahi  mesmo. 

Santa  Helena  descobrindo  a  Sagrada  Cruz 
no  patamar  da  escada  que  conduz  ao  Sacra  - 
rio. 

Oito  quadros,  que  foram  do  convento  do 
Paraizo,  e  eslão  hoje  no  Museu  nacional;  in- 
cluindo todo  o  grupo  que  Raczynski  desig- 
nou Abram  Prim.  São: 

Mus.  n."  8;  Cat.-  1872  —  223:  —  toa- 
mento  de  Nossa  Senhora. 

Mus.  n.»  9 ;  Cat  -  1872  —  224 :  —  Annim- 
dação. 

Mus.  n.°  10;  Cat  -  1872 --225:  —  Visita- 
ção. 

Mus.  n.»  11 ;  Cat  -  1872  —  226:— Aáorarão 
dos  pastores. 

Mus.  n.»  12;  Cat  -  1872  —  n7:—Epipha- 
nia. 

Mus.  n.°  13;  Cat- 1872 —228: —^p;'e- 
sentação  do  templo. 

Mus.  n."  14 ;  Cat  - 1872  ~  229 :  —  Fugida 
para  o  Egypto. 

Mus.  n.o  15;  Cat  -  1872  —  230 :  —  Tran- 
sito de  Nossa  Senhora. 

Mus.  n."  30;  Cat  -  1872  —  268 :  —  Nossa 
Senhora  com  o  menino  e  vários  anjos,  brin- 
cando no  Jardim  do  Paraizo, 

Na  egreja  de  S.  João  Baptista  de  Thomar. 

Abrahão  e  Melchisedek. 

O  Maná  no  deserto. 

Missa  de  S.  Gregorio,  Papa. 

A  degolação  de  S.  João  Baptista. 

A  apresentação  da  cabeça  do  Santo. 

O  sr.  prof.  Justi  nota  que  Baezynski  achou 
estes  quadros  de  Thomar  fracos  e  até  de- 
testaveisl  {Les  arts  pag.  127  e  ainda  pag. 


sentando  o  acto  do  casamento  d'El-Rei  o  Se- 
nhor D.  Manoel  com  a  Senhora  D.  Leonor 
etc.  Lisboa,  1871.  8.°  de  6  pag.  Pouco  ou  ne- 
nhum valor  tem. 


1872  VIS 


VIS 


48i),  gabando  os  de  Lisboa,  que  devia  ter 
reconhecido  como  obra  do  mesmo  pincel. 

No  convento  de  Jesus,  em  Setúbal,  onde 
ja  encontrámos  o  mestre  de  São  Bento,  os 
seguintes: 

A  Annunciação. 

A  Adoração  dos  pastores. 

A  Epiphania. 

A  Ressurreição. 

O  sr.  prof.  Jusli  acha  que  não  é  faeil  dis- 
tinguir em  Setúbal  os  trabalhos  do  mestre 
de  São  Bento  e  os  de  Velascus.  O  primeiro 
tem  figuras  de  proporções  esbeltas,  cabeças 
sobre  o  comprido,  de  feição  flamenga,  dedos 
compridos  e  delgados,  gesticulação  animada 
e  tonalidade  clara.  Velascus  apresenta  pro- 
porções curtas  (Raczynski  diz  tozze)  cabe- 
ças sobre  o  largo,  de  feição  meridional, 
mãos  curtas  e  largas.  Em  seguida  compara 
os  typos  portuguezes  d'este  pintor  com  ou- 
tras figuras  de  monumentos  nacionaes  em 
Belém,  em  Santa  Cruz,  etc. 

Para  completar  a  lista  cita  ainda  os  dois 
quadros  da  Galeria  Raczynski  de  Berlim:^ 
Santa  Catharina  com  Santa  Barbara;  e 
Santa  Apolonia  com  Santa  Ignez;  são  pen- 
dants  em  Lisboa  os  quadros  do  Museu  na- 
cional n.°  52  (Cat.  i872  n.°  274)  que  repre- 
senta Santa  Luzia  com  Santa  Agatha;  e 
o  n."  53  (Cat.  1872  n.«  273),  que  representa 
Santa  Margarida  com  Santa  Maria  Magda- 
lena. 

Os  quadros  da  Galeria  Raczynski  foram 
da  Galeria  do  Marquez  de  Penalva. 

A  propósito  d 'este  Velascus  tóca  o  sr. 
prof.  Justi,  de  passagem,  na  questão  Grão 
Vasno,  observando  que  Velasco  e  Vasco  são 
o  mesmo  nome;  a  primeira  fórma  antiga, 
não  conirahida  ainda;  a  segunda,  já  contra- 
hida  pela  quéda  da  liquida  e  fusão  das 
duas  vogaes  e-a  (por  assimilação  a-a).  Do 
mesmo  modo  como  de  Pelayo  nasce  Payo; 
de  Melendez,  Mendez;  de  Venegas,  Vegas,  de 
color,  côr,  ehega-se  de  Velasco  a  Vasco,  em 
perfeita  concordância  com  as  leis  phoneti- 


1  Teem  no  catalogo,  edição  de  1876,  os 
n.'='  74  e  123. 


ticas  da  lingua  portugueza,  como  já  atraz 
notámos. 

Nos  Portugalliae  Éonumenta  apparecem 
as  formas  Valascus,  Valasco,  Velasco,  Vasco; 
os  apellidos  Velasquiz,  Valasqui,  Velasei  e 
Vaasquiz.  ^ 

Occorre  aqui,  naturalmente  o  nome  de 
João  Valasco,  discípulo  de  Jacob  Spueribol 
em  1540,  mas  o  sr.  prof.  Justi  não  crê  isso 
provável,  por  causa  da  differença  radical 
entre  o  estylo  de  Velascus  e  o  que  então 
reinava  em  Antuérpia.  O  mesmo  auclor  in- 
clina-se  a  crêr  que  o  Velascus  de  Coimbra 
é,  com  effeito,  o  Grão-Vasco  da  tradição:  «A 
sua  actividade  nos  monumentos  de  funda- 
ção regia,  o  grande  numero  dos  seus  traba- 
lhos, o  desenvolvimento  da  sua  escola,  a 
concepção  nacional  das  suas  physiognomias, 
a  jovialidade  e  a  graça  das  suas  figuras  fe- 
mininas, o  movimento  dramático,  arrebata- 
dor das  suas  grandes  obras:  todas  estas  cir- 
cumstaneias  eram  muito  próprias  para  fa- 
zerem d'elle  o  pintor  favorito  da  nação,  por 
que  não  seria  o  modo  puramente  flamengo, 
sempre  um  pouco  estranho  e  frio,  o  que  po- 
dia agradar  aos  portuguezes.» 

«A  absorpção,  poderemos  ainda  accres- 
eentar,  começaria  do  seguinte  módo:  omit- 
tindo-se  o  nome  dos  seus  collaboradores;  do 
Mestre  de  São  Bento,  hoje  representado  em 
Coimbra  e  em  Setúbal,  e  do  mestre  Eduardo 
(Porlugaloys)  em  Thomar.» 

Passando  ao  Vasco  Fernandez,  pintor  de 


1  Temos  pois,  em  conclusão:  Velasco,  fór- 
ma antiga  de  Vasco;  Velascus,  tradução  la- 
tina de  Velasco  ou  Vasco;  Vasquez  ou  Vas- 
ques  (apellido)  significa  filho  de  Velasco  ou 
Vasco.  Era  hespanhoi  ha:  o  nome  de  baptis- 
mo Velasco  e  o  apellido  Velasquez,  que  si- 
gnifica filho  de  Velasco:  também  apparece 
frequentemente  no  sec.  xvi,  e  ainda  depois, 
a  fôrma  portugueza  Vasquez  (só  com  z)  co- 
mo apelhdo.  Na  Itália  chamavam  no  sec.  xv 
um  portuguez  Vasco— Fe/asco  di  Portogallo 
jurisconsulto  illustre  que  estudou  em  Bolo- 
gna, e  gozou  de  grande  fama  em  toda  a  Itá- 
lia no  meado  do  sec.  xv  {Vite  di  uomini 
illustri  dei  secolo  xv  scrilte  da  Vespasiano 
da  Bistieci  ed.  Angelo  Mai;  Firenze,  1859 
pag.  520  e  seg.) 


VIS 


VIS  1873 


Viseu,  o  escriptor  allemão  separa-o  clara  e 
deflnitivamente  do  anterior. 

Segundo  o  Ms.  de  Botelho  Pereira  a  dis-i 
posição  dos  quadros  era  a  seguinte: 

A  Paixão  na  capella  de  Jesus,  o  único  que 
ficou  no  seu  primitivo  logar. 

O  São  Sebastião  n'uma  capella  do  Clau- 
stro, provavelmente  n'uma  capella  do  mesmo 
norae,  fundada  pelo  bispo  D.  Gonçalo  Pi- 
nheiro;!  d'esta  fundação  falia  o  ms.  de  Bo- 
telho Pereira. 

São  Pedro  no  altar  de  uma  capella,  á  di- 
reita da  Capella-Mór;,  onde  hoje  está  a  sua 
estatua. 

O  Baptismo  de  Christo,  na  capella  de  S. 
João  Baptista.^  Os  pequenos  quadros  da 


1  Folheámos  os  eseriptos  menores  latinos 
do  humanista  e  archeologo  André  de  Re- 
zende, de  seus  amigos  e  discípulos,  m  espe- 
rança de  encontrarmos  alguma  noticia  dos 
quadros  de  Viseu  nas  composições  que  de- 
dicaram a  pessoas  e  a  logares  celebres  da 
cidade  e  arredores,  no  meado  e  na  segunda 
metade  do  see.  xvi. 

Nem  na  vida  do  bispo  D.  Gonçalo  Pinhei- 
ro por  Diogo  Mendes  de  Vaseoncellos  (pag. 
331-355),  onde  se  referem  as  importantes 
obras  que  fez  em  Fontello;  nem  no  extenso 
poema  Fontellum,  que  celebra  as  bellezas  da 
quinta,  dedicado  por  Antonio  Cabedo  ao 
mesmo  bispo  (pag.  534-542)  se  encontram 
vestígios  de  Grão-Vasco.  Estes  trabalhos 
formam  a  segunda  parte  da  seguinte  edição 
das  obras  de  Rezende:  De  antiqvitatibvs  Lv- 
sitaniae  libri  quatuor  promovida  pelo  Dr. 
Gonçalo  Mendes  de  Vaseoncellos  e  Antonio 
Cabedo.  Romae,  apud  Bernardum  Basam, 
1597.  8."  Toda  a  2.»  Parte  (pag.  321-576) 
contem  cartas  e  poesias  dos  auclores  cita- 
dos e  de  Miguel  Cabedo,  D- Gonçalo  Pínhei- 
.  ro,  do  Cardeal  Stephaní,  de  Ignacio  de  Mo- 
raes, Manoel  Pimenta,  Jeronymo  Osorio  (Bis- 
po de  Silves).  Pedro  Mendes,  Luiz  Pereira, 
etc.  Noie-se  que  esta  família  dos  Pinheiros, 
poderosa  e  rica,  tinha  intimas  relações  com 
as  principaes  casas  de  Setúbal,  principâl- 
mente  cora  os  humanistas  da  família  dos 
Cabedos;  e  em  Évora  com  os  antiquários  e 
humanistas  da  familia  Mendes  de  Vascon- 
cellas.  Ora,  Viseu,  Setúbal  e  Évora  possuem 
quadros  muito  importantes  da  escola  do 
Grão-Vasco. 

2  O  Ms.  de  Botelho  Pereira  diz,  com  rela- 
ção a  estes  quadros,  o  seguinte: 


Predela,  são  doze,  representando  vários 
santos. 

O  escriptor  allemão  é  de  parecer  que  o 
pintor  d'estes  quadros  representa  uma  in- 
dividualidade distineta,  e  que  não  é  o  mes- 
mo que  nos  legou  o  quadro  assignaJo  Ve- 
lascus;  comtudo,  não  é  um  artista  excepcio- 
nal, nem  tem  as  proporções  que  quizeram 
dar-lhe.  Como  encontrou  em  Viseu  também 
um  quadro  do  Pentecostes,  serve-lhe  este 
quadro  para  decidir  a  questão.  O  de  Viseu 
julga-o  uma  imitação  do  de  Coimbra,  mas 
de  mérito  muito  iaferior,  uma  traducção  em 
linguagem  vulgar.  Perfeitamente  d'aecordo. 

«Foi,  diz  o  sr.  Justi,  um  artista  muito  co- 
nhecedor do  seu  officio;  as  extremidades  das' 
suas  figuras,  assim  como  as  proporções  em 
geral,  estão  bem  estudadas  e  acabadas,  um 
pouco  sobre  o  comprido;  as  roupagens  teem 
estylo  e  caem  naturalmente,  seguindo  os 
movimentos  do  corpo;  mas  os  rostos  das  fi- 
guras, os  movimentos  e  gestos  são  extrema- 
mente monótonos,  amaneirados,  e  ao  mesmo 
tempo  vulgares  e  inexpressivos.  Novo  é  o 
effeito  do  claro-escuro.  Para  conseguir  a 
modelação  emprega  sombras  em  que  pre- 
domina um  tom  castanho  carregado,  que  se 
aproxima  do  negro;  o  effeito  total  é  muito 
sombrio,  como  se  olhássemos  para  dentro 
de  um  subterrâneo. »i  A  opinião  do  critico 
ácerea  dos  restantes  quadros  não  é  muito 


«Vasco  Frz  se  chamava  o  Autor  de  tão 
maravilhosas  pinturas,  o  qual  também  o  foi 
das  collateraes  de  S.  Pedro  e  S.  João  Ba- 
ptista, altar  privilegiado  todas  as  segundas- 
feiras,  bem  grandíssimo  para  as  almas  do 
purgatório;  também  pintou  o  de  Santa  An- 
na e  Sam  Sebastião  dos  Claustros,  e  o  de 
Jesus  que  é  o  da  Capella  do  Bispo  Dom 
João  o  Protector»  (pag.  553).  Poderá  offere- 
cer  reparo  a  designação  Santa  Anna,  quan- 
do o  quadro  representa  o  Pentecostes;  mas 
é  possível  que  a  designação  fosse  a  da  Ca- 
pella em  que  o  quadro  estava.  Também  o 
S.  Sebastião  estava  n'uma  capella  que,  tendo 
a  invocação  d*este  santo,  se  chamou  da  Vera 
Cruz,  quando  o  Bispo  Dom  Gonçalo  Pinhei- 
ro a  reedificou. 

1  Esta  opinião  parece  dever  applicar* 
se  tão  somente  ao  quadro  do  Pentecostes.- 


1874  VIS 


VIS 


favorável,  incluindo  o  da  Crucificação,  que 
Raczynski  distinguiu,  mandando-o  gravar, 
com  o  São  Pedro,  para  o  seu  Dicítonnaire. 

Comquanto  reconheça  qualidades  e  me- 
recimentos notáveis  no  São  Pedro,  certa- 
mente a  taboa  mais  notável  do  grupo,  pare- 
ce-lhe  antes  uma  grande  figura  de  repre- 
sentação, uma  acção  puramente  litúrgica. 
Como  concepção,  não  é  nova;  estas  figuras 
são  elemento  obrigado  no  centro  dos  gran- 
des retavolos  da  Édade  Media.  Sentindo, 
porém,  que  o  quadro  merece  oceupar  uma 
posição  á  parle,  o  sr.  prof.  Justi  julga  que 
pode  ser  talvez  de  outro  auctor:  «as  cabeças 
de  anjos  da  casula  apresentam  o  typo  de 
Velascus. » ^ 

Estamos  pois,  como  o  leitor  vê,  muito 
longe  do  enihusiasmo  que  o  São  Pedro  tem 
despertado  na  maioria  dos  visitantes  de  Vi- 
seu. Um  d'elles,  estrangeiro,  e  insuspeito,  o 
sr.  Crawfurd  p.  ex.  diz  o  seguinte: 

«Qual  foi  o  meu  espanto,  quando  depois 
de  um  leve  ranger  da  chave,  a  porta  se 
abriu  e  eu  me  achei  em  íace  de  uma  das 
maiores  obras  primas  da  pintura!  Nem  mes- 
mo diante  das  mais  extraordinárias  pintu- 
ras do  mundo,  das  poucas  que  existem,  co- 
mo a  Madonna  (sixtina)  de  Raphael  em  Dres- 
den,  ou  os  grandes  frescos  do  Vaticano,  ou 
da  Capella  Sixtina,  senti  tão  distinctamente 
tjue  estava  em  frente  da  obra  de  ura  grande 
e  singular  génio;  e  mesmo  agora,  apesar  de 
serem  passados  alguns  annos,  não  hesito  um 
momento  em  repetir  e  confirmar  a  miuha 
opinião;  que  a  grande  pintura  de  Viseu  em- 
parelha com  as  seis  ou  sete  obras  primas 
que  existem  no  mundo. 

Note-se  que  esta  opinião  é  a  de  um  cri- 
tico que  julga  muito  desfavoravelmente  o 
mérito  dos  quadros  portuguezes  existentes 
na  Academia  de  Lisboa,^  (hoje  Museu  nacio- 
nal), e  reduz  muito  as  pretensões  dos  criti- 


1  Como  vimos,  o  sr.  Robinson  também 
duvida  que  os  quatro  quadros  grandes  da 
Sacristia  sejam  do  mesmo  auctor. 

2  Traveis  in  Portugal  3.»  ed.  pag.  2o8. 
i  Ibid.  pag.  Í92-196. 


cos  nacionaes  a  uma  chamada  Escola  de 
pintura  portugueza. 

Seja  como  fôr,  parece  que  o  juizo  formu- 
lado pelo  escriptor  inglez  levou  a  Arundel- 
Society  de  Londres  a  mandar  um  pintor  a 
Viseu  para  copiar  o  São  Pedro,  a  fim  de  o 
incluir  na  galeria  das  suas  famosas  publi- 
cações.i 

Não  discutiremos  aqui  as  opiniões  extre- 
mas do  sr.  Justi  e  do  sr.  Crawfurd;  diremos 
somente  com  relação  aos  quadros  da  Sa- 
cristia o  seguinte: 

Que  os  dois  quadros  do  Pentecostes  não 
nos  parecem  do  mesmo  auctor;  que  o  de 
Viseu  ó  muito  inferior  ao  de  Coimbra;  e  só 
poderá  ser  considerado  como  um  plagiàto.As- 
sim  o  declarámos  em  1880  ao  sr.  Ad.  de  Ceu- 
leneer,  que  foi  da  mesma  opinião,  depois  de 
ter  visto  os  quadros  de  Coimbra  e  Viseu.^ 
Crémos  que  o  de  Viseu  foi  pintado  na  dita 
cidade,  porque  na  abobada,  representada  na 
taboa,  figura  o  mesmo  cordão  que  se  vê  na 
abobada  da  Sé,  e  que  simula  um  artezoado;  a 
architectura  é  a  mesma.  O  cordão, com  nós  de 
espaço  a  espaço,  parece  uma  aliusão  symbo- 
liea  ao  Bispo  D.  Diego  Ortiz  de  Villegas'  que 


1  Foi  o  prof.  Emilio  Constantini  de  Flo- 
rença que  copiou  o  quadro,  Agosto  de  1887. 
Alguns  jornaes  citaram  o  nome  de  outro 
pintor:  Desideri,  que  era  esperado  em  Lis- 
boa em  dezembro  de  1886;  julgamos  haver 
engano. 

0  39°  Relatório  annual  do  Conselho  de 
Administração  da  Arundel  Society  (junho  de 
1888)  diz  que  a  missão  do  prof.  Constantini 
custou  à  Sociedade  18i  lib.  9  sh.  8  d,  quan- 
tia avultada,  em  virtude  de  cireumsiancias 
extraordinárias  e  diffieuldades  da  viagem. 
O  Balanço  d'esta  Sociedade,  protectora  das 
Bellas- Artes,  subiu  desde  1  de  janeiro  a  31 
de  dezembro  de  1887  à  quantia  de  lib.  6:321 
2  sh,  11  d.  Desideri  figura  também  como 
piotor-copista  da  Sociedade. 

2  Pouco  anten,  tinha  o  nosso  amigo  o  sr. 
Antonio  Augusto  Gonçalves,  de  Coimbra,  ti- 
rado um  esíaoceto  do  Pentecostes  de  Viseu, 
para  fazermos  a  confrontação  com  o  qua- 
dro da  Sacristia  de  Santa  Cruz. 

2  Este  mesmo  prelac\o  presidiu  á  cerimo- 
nia com  que  se  inauguraram  as  obras  de 
reconstrucçáo  do  convento  de  Jesus  em  Se- 


VIS 


VIS 


1875 


Tecoostruia  a  càihedralS  sagrando-a  nova- 
mente em  1516;  no  fecho  da  abobada  do  cô- 
ro  eneontram-se  as  suas  armas,  com  uma 
inscripção  aUusiva  e  a  data  1513.  Segundo 
o  ms.  de  Manoel  Botelho  Pereira  de  1630, 
no  retavolo  do  altar-mór  da  Sé^  estava  ao 


tubal,  no  remado  de  D.  Manoel,  onde  ha 
importantes  quadros  portuguezes;  ii'um 
d'elles.  que  representa  SanH  €lara,  Santa 
Ignez  e  outras  santas,  vô-se  a  portada  do 
convento. 

1  O  padre  João  Col  diz  no  Catalogo  dos 
Preladat  da  Egreja  de  Viseu  (Acad.  Real  de 
Historia)  tRefez  este  Bispo  a  Cathedral  e  a 
sagrou  no  mez  de  julho  do  anno  de  loi6.> 
Sendo  a  ioscripção  do  coro,  allusiva  ao 
mesmo  Bispo,  de  1313  pode  dizer- se  que  foi 
quasi  uma  reconstrucção!  Toda  a  obra  da 
abobada,  tanto  no  corpo  da  egreja,  como  no 
côro,  é  sua:  «dantes  hera  forro  de  madeira» 
(Ms.  de  Botelho  Pereira,  pag  S56). 

2  Não  se  sabe  que  retavolo  era  esse,  nem  o 
quadro  ou  quadros  que  o  compunham. 
Ninguém  o  explica  O  sr.  Tiíeophilo  Braga 
(que  nunca  esteve  em  Viseu)  julga  que  era 
um  Descimentada  Cruz,  quadro  «aulhenti- 
cado  (sie)  no  ras.  de  Botelho,  da  Bibliotheea 
do  Porto,  pag.  553».  Não  pudemos  achar  ves- 
tígio de  semelhante  citação  nes  mss.  que  o 
es"eripíor  diz  ter  consultado;  nem  consegui- 
mos adivinhar  de  onde  veio  semelhante  des- 
coberta, e  semelfcanle  quadro — que  nenhum 
escriptor,  dos  que  escreveram  sobre  o  Grão 
Vasco,  cita! 

São  conhecidos  apenas  dois  quadros  com 
o  Descimento  da  Cruz,  pertencentes  à  região 
de  Viseu:  o  quadro  que  foi  do  sr.  Pereira  e 
um  que  existe  em  S.  Francisco  d'Orgens. 
Quererá  o  sr.  T.  Braga  alludir  ao  primeiro? 
Mas  Perewra  confessou  a  Simões  que  o  seu 
quadro  era  do  mesmo  convento  de  Orgens! 
A  cátação  de  Ms.  de  Pereira  diz  apenas: 
«hum  escuáo  das  armas  d'este  Prelado  (i.  è: 
D.  Fernand©  de  Miranda)  e  de  sua  geração 
está  em  o  relabolo  do  Altar  mayor  da  Só 
com  oatro  de  Dom  Ortiz  de  Villegas  seu 


lado  do  escudo  éo  Bispo  D.  Fernando  de 
Miranda,  o  de  Ortiz,  que  governou  o  bispa- 
do de  1507-ÍS19,  anno  em  que  falleceu  em 
Almeirim. 

Para  voltar  ao  quadro  do  Pentecostes  re- 
cordaremos K^ue  o  exemplar  de  Viseu  não 
está  isolado;  na  matriz  de  Soure  encontrá- 
mos em  188o  um  outro  Pentecostes,  que  pelo 
eslylo  das  figuras  e  da  parle  arehiteetonica 
deve  ser  de  1550,  e  que  é  uma  reminiscên- 
cia evidente  do  exemplar  de  Coimbra;  outro 
quadro,  ainda  do  Pentecostes,  que  recorda  o 
de  Coimbra  em  alguns  detalhes,  encontrá- 
mol  o  na  Exposição  districtal  de  Aveiro  em 
1882;  devia  ser  da  mesma  época  ou  pouco 
posterior  (1550-1570).  Isto  prova  a  reputa- 
ção de  que  Velascus  gosou  no  seu  tempo  e 
a  fama  dos  seus  quadros. 

Para  concluir  com  os  quadros  da  Sacris- 
tia, resumiremos  a  nossa  opinião  em  poucas 
palavras: 

Os  Ires  quadros  grandes,  começando  pelo 
S.  Pedro,  (cujo  mérito  superior  reconhece- 
mos), o  Baptismo  e  o  S.  Sebastião  são  do 
mesmo  auctor;  ó  possível  que  o  Calvário  da 
Capella  de  Jesus  Itie  pertença  lambem,  mas 
a  concepção  e  execução  é  mferior  á  dos  ou- 
tros quadros.  O  Calvário  de  Coimbra  é,  sem 
duvida,  obra  muito  mais  notável  do  que  o 
da  Sé  visiense.  O  Pentecostes  de  Viseu  é  de 
outro  pincel,  talvez  de  algiim  discípulo  do 
auctor  de  S.  Pedro  e  das  ouir-as  taboas,  e 
deve  considerar-se  como  um  plagiato  da  ta- 
boa  de  Coimbra.  Os  doze  quadros  da  Prede- 
la  são  dignos  de  elogio  pela  sua  execução; 
as  cabeças  dos  dezeseis^  santos  e  santas, 
são,  em  geral,  características  bem  modela- 
das, enérgicas  as  áoi  homens,  cheias  de  ex- 
pressão e  de  vida;  as  das  santas  acabadas 
com  amor  e  arte  não  vulgar;  a  paisagem 


suecessor  donde  infiro  que  hum  o  mandou 

fazer  e  outro  o  mandou  juntar.»  Parece  al-  í  em  alguns  dos  quadros  é  bellissiraa,  o  colo 


ludir-se  a  um  retavolo  composto  de  vários 
quadros;  ura  eacommendaria  a  pintura,  e  o 
outro  mandaria  funtar  e  inserir  as  taboas  na 
armação  da  talha.  Serão  os  quadros  da  Casa 
do  Capitulo?  O  sr.  prof.  Justi  julga  que  es- 
tes quadros  pertenceram  a  um  grande  reta- 
volo, cuja  peça  central  se  perdeu.  Ou  es- 
taria a  serie  dos  qualorze  quadros  distri- 
buídos no  côro? 


rido  intenso  e  brilhante;  os  aecessorios  sem- 
pre pintados  com  primor.  Estes  quadras  me- 
nores leem  sido  tratados,  em  geral,  com 
pouca  justiça.  Parece  nos  que  pouco  ou  na- 
da soffreram  dos  restauradores,  o  que  é  mais 
uma  eircumslaneía  que  realça  o  seu  valor. 


Os  quadros  grandes,  principalmente  o  àa. 
3  Sachristia  da  Sé  de  Viseu.  A  disposição  era  a  seguinte  (1885): 


1876  VIS 


VIS 


Baptismo  e  de  S.  Sebastião  foram  repinta- 
dos de  uma  maneira  atroz  pelo  sr.  Antonio 
José  Pereira,  pouco  anles  da  ultima  visita 
de  SS.  MM.  a  Vizeu  (1882);  e  se  o  S.Pedro 
escapou  é  porque  os  cónegos  da  Sé  tiveram 
uns  restos  de  remorsos.  Quando  vimos  as 
pinturas  de  Viseu  pela  primeira  vez,  em 
1879,  os  dois  quadros  {Baptismo  e  S.  Sebas- 
tião) estavam  bastante  damniflcados,  e  reto- 
cados em  algumas  partes;  temos  notas  minu- 
ciosas sobre  o  estado  em  que  encontrámos 
então  03  quadros.  Voltando  a  Viseu  em  1881 
com  o  nosso  amigo  sr.  Antonio  Augusto  Gon* 
çalves,  professor  de  desenho  daEscola  Brote- 


ro,  de  Coimbra,  encontrámos  os  quadros  no 
mesmo  estado,  mas  pouco  depois  soubemos 
do  vandalismo  eommettido  por  Antonio  Jo- 
sé. Duvidámos,  a  principio,  e  quizemos  con- 
veneer-nos:  vêr  com  os  próprios  olhos!  Em 
1885  voltámos  pela  terceira  vez  áanliga  cida- 
de e  reconhecemos  a  bella  obra  do  dilecto  filho 
de  Viseu  em  toda  a  sua  magnitude!  Com  ef- 
feilo,  os  Srs.  Cónegos  podem-se  gabar  da 
bella  inspiração  que  tiveram,  assim  como  o 
ministro  que  propoz  a  S.  M.  El-rei  o  habito 
de  São  Thiago  para  esse  preterjdente  á  glo- 
ria de  Grão- Vasco— em  paga  de  ter  apresen- 
tado os  veneráveis  quadros  tão  bonitos  e  tão 


Pentêcostes 


10 


S,  Sebastião 


1) 


12 


-Entrada- 


a,  b,  c— janellas,  sendo  b  a  menor;  por  cima  de  b  um  postigo  oval. 
•  Christo  crucificado  (esculptura). 

Os  quadros  menores  6  a  Í2  estão  suspensos  do  friso  sobre  que  assenta  o  tecto  de  ma- 
deira pintado  de  arabescos.  São,  salvo  erro: 

1.  São  Paulo  e  São  Thiago. 

2.  São  João  Evangelista  e  Santo  André. 

3.  São  Jeronymo. 

4.  São  Pacomio  (?) 

5.  São  Pedro  in  vincula  e  S.  José. 

6.  Santa  Barbara  e  Santa  Margarida  de  Antiochia. 

7.  Santo  Antonio,  Eremita. 

8.  Santo  Estevão. 

9.  São  Braz. 

10.  Santa  Luzia. 

11.  São  Boque. 

12.  Santa  Calharina. 


VIS 


VIS 


1877 


fresquinhos  aos  Augastos  Personagens...  Já 
antes  d'isso  o  mesmo  Antonio  José  tinha  van- 
dalisado  eom  as  suas  restaurações  os  ires 
pequenos  quadros  da  iSacristia  da  Miseri- 
córdia {Transito  da  Virgem,  Degolação  dos 
Innocentes  e  outro,  de  assumpto  desconhe- 
cido); a  tentativa  agradou  aos  entendedores 
de  Viseu ;  a  imprensa  local  applaudiu;  e 
mestre  Antonio  José  levantou  o  vôo,  e  lá  foi 
pôr  o  seu  òvo  no  ninho  da  águia.  Em  Viseu 
dissemos  mais  de  uma  vez  a  todos  quantos 
nos  quizeram  ouvir  que  esse  individuo  era 
indigno  de  servir  sequer  de  preparador  de 
tintas  do  autor  do  S.  Pedro. 

Elie  monopolisava  então  em  Viseu  toda 
a  fama  do  Grão-Vasco;  —  ai  I  do  forasteiro 
que  se  esquecesse  de  lhe  fazer  a  visita  de 
respeito!  E  á  sombra  do  Grão-Vaseo  ia  agen- 
ciando os  seus  pequenos  negócios  de  copista 
e  plagiário,  com  que  deleitou  differentes  in- 
glezes,  alguns  fidalgos  devotos,  varias  beatas 
ricas  e  as  venerandas  confrarias  e  irmanda- 
des do  districto  de  Viseu,  cujos  estandartes 
e  guiões  illuminou  para  maior  luzimento  das 
procissões  do  districto.  Raczyaski  encon- 
írou-o  em  1844  a  copiar  o  S.  Jeronymo  da 
Sacristia  da  Sé;  e  n'es8e  santo  mister  de  co- 
pista o  fomos  encontrar  trinta  e  cinco  annos 
depois,  às  voltas  com  o  mesmo  S.  Jeronymol 
Nunca  passou  d'ahi— de  ser  um  soffrivel  co- 
pista de  um  pequeno  quadro  e  de  mais  tre.s 
ou  quatro  cabeças,  que  tem  repetido  toda 
a  sua  vida.  Era  necessário  sublinhar  de- 
vidamente esta  questão:  Antonio  io&é  ver- 


sus Grão-Vaseo,  aliás  teríamos  d'aqui  a  um 
ou  dois  séculos  uma  nova  questão  Grão- 
Vasco,  mais  embrulhada  do  que  a  primei- 
ra: a  moderna  celebridade  visiense  eclipsan- 
do a  antigal  e...  empalmando  lhe  a  gloria. 


Ainda  em  outra  questão  discorda  o  Sr. 
Justi  da  opinião  dos  antecessores,  no  que  diz 
respeito  aos  quadros  de  Fontello,  que  elo- 
gia muito,  considerando-os  como  typicos 
e  bem  nacionaes.  São  de  um  pintor  anony- 
mo,  que  elle  separa  de  todos  os  já  citados. 
As  taboas  são  duas,  e  representam  a  Ultima 
Ceia  e  Jesus  Christo  em  casa  de  Martha  e 
Magdalena.  O  critico  allemão  julga-os  supe- 
riores aos  quadros  da  Sacristia  da  Sé;  infe- 
lizmente, estão  muito  maltratados  pelo  tem- 
pOj  sobretudo  o  ultimo. 

A  hypothese  que  o  Sr.  Prof.  Justi  inter- 
calla  n'este  logar,  a  propósito  de  Vasco  Fer- 
nandez do  Casal,  e  da  sua  relação  com 
Grão-Vaseo,  suppondo-o  talvez  discípulo  de 
Velascus,  não  nos  parece  acceitavel.  Esse 
nome  foi  logo  abandonado  por  Raezynski, 
como  já  vimos,  e  não  merece  discussão. 

Por  ultimo  menciona  o  Sr.  Justi  ainda  ou- 
tro pintor  anonymo  e  fecha,  com  chave  de 
ouro,  o  seu  estudo,  estabelecendo  a  relação 
dos  quadros  da  Sala  do  Capitulo  da  Sé  de 
Viseu  com  uma  serie  de  pinturas  do  Museu 
nacional. 

Os  quadros  da  sala  do  capitulo  são  qua- 
torze;  ^ 


Sala  do  Capitulo;  disposição  em  1885: 


1 6 1 

1  5  1  1 

4  1         1  3  1 

l  2  i 

1"^  1 

a 


10 


11 


12 


13 


1878  ^  VIS 

1  A  Annunciação. 

2  A  Visitação,  Nossa  Senhora,  entrando  em 
casa  de  Zaeharias,  saúda  Santa  Isabel. 

8  A  Natividade. 
A  Circumcisão. 

5  Ã  Adoração  dos  Reis  Magos. 

6  A  Apresentação  no  templo. 

7  A  Fugida  para  o  Egypto.  Seguem  os 
quadros  da  Paixão: 

8  A  Ceia. 

9  Christo  no  Jardim  das  Oliveiras. 

10  A  Prisão. 

11  O  Descimento  da  Cruz. 

12  A  Besurreição. 

13  A  Ascensão. 

14  O  Pentecostes. 

Com  esta  imponente  série  de  quadro?,  que 
são  indubitavelmente  do  mesmo  auclor,  e 
que  dão  uma  alta  idéa  das  suas  faculdades, 
relaciona  o  Sr.  Prof.  Justi  os  seguintes  do 
Museu  nacional : 

Nossa  Senhora  assentada  sobre  um  throno 
de  Mármore,  com  o  menino  ao  coUo,  e  dois 
anjos.  Museu.  n.°  2o;  Cat.  1872  n."  222;  Lau- 
rent  n."  683. 

S.  João  ensinando  a  orar  o  príncipe  D. 
João  (nascido  em  1502);  Museu  27  (Cat.  1872 
n."  252).  1 

S.  Domingos  ensinando  a  orar  um  outro 
piincipe,  Museu  31  (Cat.  1872  n.»  253). 

O  estylo  da  pintura,  a  composição,  os  ac- 
cessorios,  a  concordância  nas  dimensões, 
tudo  leva  a  crer  que  as  tres  taboas  consti- 
tuem um  triptycho,  na  opinião  do  Sr.  Prof. 
Justi.  Ligadas  as  peças,  teríamos  a  apresen- 
tação de  dous  príncipes  á  Virgem,  pelos  res- 
pectivos padroeiros.  E'  evidente  que  os  san- 
tos apresentavam  os  seusprotegídos  aalguem, 
mas  nenhum  critico  antes  doescriptor  allemão 
lembrou  a  integração;  na  opinião  do  mesmo 


VIS 

3 

autor,  o  segundo  infante  seria  D.  Affonso 
nascido  em  1509.  A  analyse,  que  o  sábio  pro- 
fessor faz  dos  tres  quadros,  convence  quem 
tiver,  como  nós,  bem  presentes  na  memoria» 
as  feições  características  da  série  da  casa  do 
Capitulo,  e  tiver  tirado  as  notas  sufficientes- 

Mais  notável  ainda  é  a  relação  de  todo  o 
grupo  com  os  seguintes  quadros,  também 
grandes  e  também  quadrados  como  os  da  Sa- 
cristia da  Sé  de  Vizeu  : 

A  Virgem,  o  Menino,  Sanla  Julita  e  S.  Gue- 
rito  (Cyriaeo).  Museu  678  (Cat  -  1872  — n." 
200.  Dimensões  2,'°40  X  2,'"02. 
I  Suzana  e  os  dous  accusadores  perante  o 
propheta  Daniel;  Museu  679  (Cat.  -  1872  — 
n."  209.  Mesmas  dimensões. 

Finalmente,  os  seguintes,  relativos  á  pai- 
xão de  Christo: 

Christo  no  horto  das  Oliveiras;  Museu  97 
(Cat  -  1872  — n,°  284). 

Christo  no  caminho  para  o  Calvário;  Mu- 
seu 96  (Cat-  1872  — n.»  285). 

O  Descimento  da  Cruz;  Museu  95  (Cat- 
1872— n.«  280). 

O  Enterro;  Museu  98  (Cat.  -  1872  —  n.- 
279). 

O  Sr.  Prof.  Justi  não  indica  os  números 
correspondentes  dos  Catálogos  de  1872  e  de 
1883;  comiudo,  parece-nosfóra  de  duvida  que 
são  esses  os  quadros  a  que  allude,  porque  an- 
tes de  lermos  o  seu  valioso  estudo  já  tínha- 
mos agrupado  nosnossos  cadernos  essas  qua- 
tro taboas  da  Paixão  com  a  série  da  casa  do 
Capitulo,  por  motivos  intrínsecos.  Concor- 
damos plenamente  com  os  resultados  do  sá- 
bio allemão  ainda  n'esie  ponto. 

Esta  ligação  da  série  de  Vizeu  com  nove 
quadros  importantes  de  Lisboa  é  um  resul- 
tado de  primeira  ordem,  era  nossa  opinião, 
porque  d'ahi  resulta,  cada  vez  mais  eviden- 


a  e  b  janellas  que  deitam  para  uma  varanda. 

1  Ceia,— 2  Horto,— 3  Prisão— 4  Descimento,- 5  Resurreição,— 6  Ascensão,— 7  Pen- 
tecostes,—8  Annunciação,— 9  Visitação,— 10  Natividade,— 11  Circumcisão, — 12  Epipha- 
nia,— 13  Apresentação, — 14  Fugida. 

1  Este  quadro  foi  publicado  em  Outubro  de  1843  no  Jornal  de  Bellas  Artes ;  no  mes- 
mo numero  sahiu  uma  boa  líthographia  do  quadro  da  Epiphania,  actualmente  n."  5  do 
Museu  nacional  (Cat  -  1872  n.»  237). 


VIS 

te,  a  conclusão  de  que  os  notáveis  pintores 
do  see.  xvi,  incluindo  os  de  Vizeu,  não  esti- 
veram reclusos,  sequestrados  n'uma  qual- 
quer cidade  da  provineia  ;  a  sua  fama 
correu  pelo  paiz.  Os  notáveis  pintores  repre- 
sentados hoje  em  Vizeu,  em  Coimbra,  em 
Thomar,  em  Setúbal,  no  Museu  de  Lisboa, 
em  Évora,  e  ainda  ha  pouco  em  Lamego  ^  es- 
palharam as  suas  obras  por  todo  o  paiz.  A 
questão  de  uma  Eschola  de  Vizeu,  até  hoje 
uma  pequena  questão  provincial,  transfor- 
ma-se  n'uma  série  de  problemas  em  que  to- 
mam parle  as  províncias  do  Norte  e  as  do 
Sul.  Assim  como  se  prova  que  os  quadros 
de  Vizeu  foram  imitados  n'aquella  cidade, 
com  a  Sé  á  vista,  ou  talvez  mesmo  na  caih  i- 
draU  também  se  prova  que  as  taboas  de  Se- 
túbal foram  pintadas  no  Convento  de  Jesus 
ç  as  da  Madre  de  Deus  á  sombra  da  pia  fun- 
dação da  Rainha  D.  Leonor,  em  Lisboa.  Os 
pintores  viajaram,  andaram  de  um  lado  para 
o  outro,  conhecerara-se,  e  coUaboraram,  ás 
vezes,  na  ornamentação  do  mesmo  templo. 
Em  logar  de  um  Grão-Vasco,  |raylho,  temos 
uma  dúzia  de  individualidade^  dignas  de  es- 
tudo e  do  nosso  reconhecimento. 

E'  muito  para  sentir  que  não  seja  conhe- 
cida a  procedência  de  muitos  quadros  do 
Museu  nacional;  que  as  successivas  edições 
do  Catalogo  offlcial,  desde  1862  até  1883  se- 
jam tão  deficientes  e  tão  provisórias  (incluin- 
do a  ultima,  que  é  já  a  quarta)  porque 


1  Dizemos:  ainda  ha  pouco,  porque  os  qua- 
dros qufi  alli  examinámos  em  Setembro  de 
1881  foram  pouco  depois  mandados  para  a 
Academia  de  Lii^boa,  a  pretexto  da  Exposi- 
ção de  arte  ornamental  de  1882  e  —  nunca 
foram  expostos!  Em  Maio  de  1882  estavam 
n'uma  das  salas  da  Academia,  transformada 
em  bric-à-brac,  no  chão;  alli  os  mostrámos 
ao  Sr.  Prof.  Justi. 

2  As  edições  são:  a  1.*  de  1862,  abafada 
logo  depois"  da  entrada  do  Marquez  de  Sou- 
sa-Holstein.  Pelo  exemplar  que  possuímos 
incompleto  se  conhece  que  era  um  Catalogo 
critico  de  certo  merecimento  e  exacto, com  ex- 
tensas noticias  sobre  os  quadros  portugue- 
zes;  a  Advertência  é&ssignsiáaí  por  Jorge  Hus- 
son  da  Camara,  Académico  honorário;  Anto-  j 
nio  Manoel  da  Fonseca  e  Thomaz  José  d'An-  i 


VIS  1879' 

seria  da  maior  importância  saber-se  de  ond® 
vieram  esses  nove  quadros,  que  se  relacio- 
nam com  os  quatorze  da  Casa  do  Capitulo 
da  Sé  de  Vizeu.  Em  todo  o  caso  a  combinação 
do  Sr.  Robinson  cáe  por  terra.  E  não  é  só  a 
mais  que hypotheticaassignaiura  VASCO  FRZ 
do  quadro  de  Pereira;  é  a  pretensão  de  uma 
eschola  provincial,  baseada  sobre  essa  série 
mais  archaica  da  sala  do  Capitulo,  e  a  existên- 
cia de  um  precursor  viziense  de  Grão-Vasco, 
chamado  VASCO  FRZ. Cáe  por  terra,emam, a 
pretenção  de  querer  ligar  o  Velaseus  de  Coim- 
bra à  eschola  de  Vizeu,  aiiribuindo-lheos  qua- 
dros grandeseospequenosdaSacrisiiadaCa- 
ihedral.  Que  houve  em  Vizeu  ura  pintor  cele- 
bre, chamado  Vasco  Fernandez,  não  ha  duvi- 
da; e  é  provável  que  alli  trabalhassem  tempo- 
rariamenteloutrosarlistas,  comoseusdíscipu- 
I  los  ou  eomo^collaboradores,  vindos  defóra; 
I  mas  resumir  a  gloria  da  pintura  portugueza 
j  n'uma  única  eschola,  e  dar  aVizeuahonra  de 
I  a  haver  produzido  n'ura  completo  isolamento 
—isso  é  inadmissível  hoje  perante  tantosqua- 
dros  notáveis  quejhano  paiz.  alguns  dos  quaes, 
p.  ex.  f,os  de.Seiubal,  são  ião  valiosos  como 
os  de  Vizeu.;  E'  esta  a  verdade,  parece-nos;, 
não  nos  deslumbremos  só  perante  o  São 
Pedro,  porque  se  este  quadro  é  de  grande 
mérito,  lá  está  o  Baptismo,  o  S.  Sebastião  (pa- 
ra não  fallar  no  Pentecostes,  de  valor  secun- 
dário) e  o  Calvário,  que  ficam  a  notável  dis- 
tancia do  primeiro,  e  não  soíTrem  o  confron- 
to com  as  grandes  taboas  do  convento  de  Je- 
sus. Robinàonprecipitou-se;  não  teve  o  cui- 
dado de  examinar  os  quadros  já  então  reu- 
nidos na  Academia  de  Lisboa;  não  se  deu. 


nunciação,  professores  da  Academia.  A  2."  ed. 
com  o  titulo  Csil  provisório  sahiu  em  1868;  o 
terceiro  cMlogo provisório  (i\c)  é  de  1872,  e 
diz,  falsamente,  2."  edição,  porque  convinha 
abafar  a  lembrança  da* de  1862.  A  edição  de 
1883  —  a  quarta,  diz ;  —  Museu  nacional  de 
Bellas  Arte^.  Catalogo  provisório.  Secção  de 
pintura.  Lisboa,  Imprensa  nacional,  1883. 
8.*  de  vii-117  pag.  E'  digno  da  lêr-^e  o  in- 
génuo prologo  do  illustre  conde  de  Almedina 
(Delphim  Guedes);  mas  mais  preciosa  pela 
sua  franqueza,  é  a  Nota  do  redactor  anony- 
mo,  a  pag.  111 1 


1880  VIS 


VIS 


ao  trabalho  de  estudar  os  quadros  de  Tho- 
mar  e  de  Setúbal  a  dous  passos  da  capital, 
nem  sequer  os  da  Madre  de  Deus!  Não  po- 
dendo comparar  senão  Coimbra  e  Vizeu, 
chamou  tudo  para  este  ultimo  centro.  Des- 
vaneeem-se  com  a  descoberta  da  assignatura 
Velascus  —  descoberta  que  não  é  d'elle  — ; 
deixou-se  illudir  com  aphantastica  assigna- 
tura VASCO  FRZ,  ecreou  um  precursor  ao 
Grão-Vatco,  complicando  e  obscurecendo  o 
problema,  em  vez  de  o  esclarecer. 

OSr.  Prof.  Jusiiabre,  com^effeito, [uma  nova 
era  com  os  seus  estudos,  que  abrangem  qua- 
8i  todos  os  documentos  importantes,  a  quasi 
totalidade  dos  quadros,  que  era  forçoso  exa- 
minar. O  seu  methodo  seguro  e  cauteloso; 
a  sua  critica  lúcida,  minuciosa,  abrangendo 
todas  as  particularidades  technicas,  sem  per- 
der nunca  de  vista  as  relações  históricas  e  o 
ponto  de  vista  geral  da  arte;  a  sua  affeição 
ás  cousas  da  península,  cuja  historia  e  cuja 
arte  o  tem  occupado  longos  annos^;  e  emflm, 
last  not  least,  a  sua  imparcialidade,  o  seu 
animo  sereno,  desapaixonado,  que  não  se 
deixa  illudir  com  as  nossas  predilecções  par- 
ticulares, ou  com  preconceitos  nacionaes  — 
tudo  isto  lhe  assegura  o  perdurável  reconhe- 
cimento dosportuguezes.  Atra  vez  dassuaspa- 
lavras  sente-se,  quando  mesmo  desapprovam» 
a  sympathia  que  as  inspira.  ^  Façamos  votos 
para  que  oillustre  sábio  possarematar  a  sua 
obra,  após  uma  nova  viagem  a  Portugal;  os 
resultados  geraes  não  soffrerão  modificação 
sensível,  mas  o  que  podemos  e  devemos  espe- 
rar é  que  a  luz  se  faça  em  outros  centros  e  pe- 
rante outros  quadros,  que  nem  Robinson, 
nem  cscriptor  algum  estrangeiro  ou  nacio- 
nal tem  até  hoje  visitado.  Reivindicamos  es- 
«as  descobertas,  cujo  valor  não  pretendemos 
encarecer  antes  de  tempo. 

Ainda  duas  palavras.  O  Sr.  Prof.  Justi  re- 


1  O  Sr.  Prof.  Justi  prepara,  ha  muito,  uma 
monographia  sobre  Velasquez.  No  Jahrbuch 
de  lierlim  e  na  Zeitschrift  de  Lutzow  tem 
publicado  artigos  importantes  sobre  a  histo- 
ria da  pintura  hespanhola. 

^  Veja-se  a  lotroducção  geral  ao  seu  En- 
saio e  a  Conclusão. 


conhece  mesmo  a  necessidade  de  ulteriores 
investigações  no  flm  do  seu  ensaio^  quando 
diz  que  ha  ainda  outros  grupos  a  estudar,  e 
que  seria  preteneioso  querer  construir  a  his- 
toria da  pintura  portugueza  de  um  lance.  Ha 
ainda  p.  ex.  os  quadros  de  Palmella,  i  rela- 
tivos à  lenda  de  São  Thiago  ^  com  a  assignatu- 
ra Marcos.  ^  Em  Madrid,  no  Museu  do  Pra- 
do, appareee  uma  Santa  Catharina  com  a  as- 
signatura Carvalho.  Dos  quadros  de  Lamego 
já  fallámos,  de  passagem.  O  Sr.  Prof.  Justi 
deplora  não  os  ter  podido  examinar  com 
mais  soeego,  e  mais  detidamente.  ^ 


1  Sobre  estes  quadros  publicou  o  Sr.  Tu- 
bino  de  Madrid  uma  monographia  La  Pintu- 
ra  en  tabla  en  Portugal,  no  vol.  vii,  1876  do 
Museo  espanol  de  antiguedades  pag.  395-426  e 
pag.  671-673,  cousa  muito  pobre  e  muito  ba- 
nal, sem  um  facto  novo,  como  já  dissemos 
em  1881. 

2  O  Cat.  do  Museu  nacional  abandona  a 
ideia  de  que  os  quadros  sejam  allusivos  a 
Payo  Perez  Corrêa,  e  subsiitue  o  nome  do 
cavalleiro  pelo  de  S.  Thiago.  Cat.  de  1883  n.«" 
18  e  19  Sala  H. 

3  Deveríamos  dizer  antes  inscripção  em 
vez  de  assignatura.  O  nome  Marcos  ó,  prova- 
velmente, o  de  um  espadeiro.  Na  Eufrosina 
de  Jorge  Ferreira  de  Vasconcellos  (1527)  en- 
contra-se  a  seguinte  passagem :  Com  Marcus 
me  fecit  (em  griffo)  na  cinta,  para  me  pôr  al 
tablero  de  la  muerte,  por  vida  dos  Couti- 
nhos. . .  etc.  O  nome  Carvalho  appareee  tam- 
bém en  el  canal  de  la  hoja  de  la  espada,  como 
diz  Madrazo  (Catalogo  de  los  cuadros  dei  Museo 
dei  Prado,  Conpendio.  Madrid,  1873  pag.  398). 
E'  curioso  que  ambos  os  nomes  appareçam 
em  espadas,  no  canal  da  folha,  onde  os  espa- 
deiros costumavam  pôr  suas  marcas!  Carva- 
lho é  um  nome  absolutamente  desconhecido 
na  historia  da  pintura  peninsular  do  sec.  xvi, 
mas  ha  um  Carvalho  espadeiro,  com  obras 
datadas  de  1633.  O  Cat.  do  Museu  nacional 
aíBrma  que  a  letra  M  «inicial  do  nome  que 
appareee  na  espada»  se  vê  em  duas  ban- 
deiras, levadas  por  cavalleiros  christãos;  mi- 
cial  do  nome,  porquê?  não  pôde  ser  Maria, 
que  appareceu  a  São  Thiago?  E' precisa- 
mente o  assumpto  do  outro  quadro  n."  18. 

^Os  quadros  de  Lamego  representam 
1.  Annunciação,  2.  Visitação,^. Apresentação 
no  templo,  4.  Circumcisão,  e  5.  A  Creação  do 
mundo. 

Não  pudemos  tirar  dimensões  exactas  se- 
não do  primeiro  l.'"72X0,89;  do  quarto 


VIS 


VIS  1881 


Erfí  tres  pequenos  capilulos  discute  ainda 
sábio  escriptor  os  seguintes  assumptos: 
1.»  A  ornamentação  dos  quadros  portugue- 
zes,  sob  o  ponto  de  vista  da  arehiteetura  e 
da  arte  industrial. 

2.  "  A  questão  :  Existiu  uma  antiga  escola 
portugueza  de  pintura  ? 

3.  °  Os  maneiristas,  i,  é.  os  partidários  e 
imitadores  da  escola  italiana. 

O  Sr.  Justi  admira,  como  nós,  og  trabalhos 
dos  ourivezes^  as  jóias,  as  armas,  os  bordados, 
os  estofos,  emfim,  os  productos  da  arte  indus- 
trial, que  os  quadros  portuguezes  nos  reve- 
lam em  toda  a  sua  belleza,  e  n'uma  varieda- 
de inexgotavel.  Na  arehiteetura  descobre  a 
influencia  da  Renascença  florentina  uma 


^,'"'!3X0m  e  do  quinto  1^68X0,84;  to- 
davia parece-nos  serem  restos  de  dous  tr.pty- 
ehos.  A  Annunciação  e  a  Visitação,  de  muito 
merecimento,  teem  pontos  de  contacto  com  os 
quadros  de  Vi7:eu,  da  Sacristia  e  do  Cabido. 
O  quadro  da  Creação,  que  representa  o  Pa- 
dre eterno,  abençoando  o  mundo  animal:  o 
Cavallo,  o  unicórnio,  veado,  boi,  urso,  ele- 
phante,  ovelha^  lobo,  muitas  aves  (entre  el- 
las  o  papagaio)  e  outros  animaes,  perfeita- 
mente caracterisados.é  curiosíssimo.  A  época 
dos  primeiros  quatro  quadros  será  de  1510- 
1520.  Pintura  sobre  grossas  taboas  de  casta- 
nho de  0,4  eent.  de  espessura.  Poucos  reto- 
ques, boa  conservação.  Estavam  na  sala  das 
sessões  capitulares  do  Paço  episcopal. 

A  origem  nacional  d'estes  quadros  não  sof- 
fre  duvida;  typos,  paisagem,  arehiteetura, 
os  aecessorios,  tudo  é  portuguez ;  vejam-se 
as  peças  de  cerâmica,  o  cesto  de  vime,  o  car- 
ro de  bois  (1)  etc.  na  Visitação  ;  o  fogareiro 
Annunciação;  a  arehiteetura  extremamente 
earacterisiica :  na  Annunciação  gothica  e  do 
Renascimento;  na  Circumsição  manoelina 
etc. 

1  A  primeira  data  que  encontramos  nos 
quadros  portuguezes,  marcando  um  lavor 
arohitectonico  da  Renascença  è  1529  (Museu 
n."  2;  Gat.  1872;  n.»  212  —  Laurent  679). 
Exemplos  de  construcções  como  as  do  qua- 
dro da  Visitação  (Museu  n.'=  10;  Cat.  1872 
n-o  225  — Laurent  686)  o  alpendre  com  ar- 
cos de  volta  redonda,  assentes  sobre  colum- 
nas,  e  galeria  ou  loggia  sobreposta,  encon- 
trál-os-ha  o  Sr.  Justi  a  cada  passo  em  Évora, 
e  sobretudo  em  Estremoz,  Villa  Viçosa  etc. 
Do  mesmo  modo  as  janellas  altas  geminadas, 
com  elegantíssima  columna  de  mármore  ao 


Renascença  relativamente  precoce  ;i  crê  que 
os  pintores  copiaram  do  natural^  e  que  as 
obras  que  vemos  não  são  de  pura  imaginação. 
Assim  será,  em  certos  casos;  mas  é  diíBcil 
provar  que  o  género  de  arehiteetura,  repre- 
sentado pelos  pintores,  foi  logo  ensaiado  pra- 
ticamente pelos  architeetos,  contando  mesmo 
com  a  intervenção  de  Andrea  Contucci.  Este 
illustre  arehitecto  e  esculptor  esteve  em  Por- 
tugal nove  annos  no  reinado  de  El-rei  D.  João 
II  (1481-1495)  e  executou  bastantes  obras 
que  desappareceram  em  grande  parte;  em 
compensação,  abundam  obras  da  Renascen- 
ça que  denunciam  a  influencia  duradoura 
de  um  grande  mestre  sobre  numerosos  dis- 
cípulos em  centros  importantes  como  Coim- 
bra (cidade  e  todo  o  districto),  Guarda,  Évora 
etc.  Esta  Renascença,  a  dos  discípulos,  è,  em 
geral,  posterior  a  1535  e  prolonga-se  até  fim 
do  sec.  xví;  mas  apparece  raras  vezes  nos 
quadros. 

A'  pergunta  Houve  uma  antiga  escola  por- 
tugueza de  pintura?  responde  o  Sr.  Prof- 
Justi  affirmativamente.  Não  são  as  moedas, 
os  fogareiros  e  quejandas  bagatellas  que  de- 
cidem a  questão. 

E'  o  modo  de  sentir  os  assumptos,  de  tra- 
duzir ahistoriasagradan'um  realismo,  repas- 
sado de  poesia,  quetransformaaiendareligi- 


meio.  Outro  typo  de  loggia  encontra  se  na 
Beira  (Guarda)  em  bonitos  solares  do  see. 
XVII,  em  estylo  da  Renascença,  com  datas  que 
avançam  até  16801 

1  Precoce  (Friihrenaissance)  relativamen- 
te, para  Portugal,  se  considerarmos  a  data 
1529  (v.  supra);  porque  o  primeiro  período 
da  Renascença  na  Itália  abrange  as  datas 
1420-1500.  As  datas  mais  antigas  que  conhe- 
cemos em  fragmentos  architeetonicos  impor- 
tantes são  os  seguintes,  em  Évora:  1529, 
(Capella  do  Esporão,  na  Sé);  Convento  do 
Paraizo,  1535;  1536  e  1537  portal  de  S.  Do- 
mingos, hoje  entrada  do  cemitério;  Loyos, 
1536;  Graça  1537.  Em  Faro,  1539  Convento 
de  freiras;  em  Vizeu,  na  Sé  1544  e  1567.  A 
transformação  do  estylo,  desde  o  manoelino, 
pôde  estudar-se  no  convento  de  S.  Marcos 
perto  de  Coimbra,  onde  se  encontram  sete 
datas  do  sec.  xvi  (desde  1510-1588)  e  duas 
do  sec.  xvn  (1692  e  1696).  Vid.  o  nosso  estu- 
do Da  arehiteetura  wanoeíína.  Coimbra,  1885. 


1882  VIS 

sa  em  episódios  da  vida  coramura  de  familia. 
É  a  caracierisaçãodas  physiognomias,  o  ges- 
to, o  dialogo  e  a  mimiea  peninsular;  é  a  pai- 
sagem toda,  a  luz  e  o  ar,  a  natureza  meri- 
dional; emíim  :  a  architectura  e  a  habitação 
humana,  o  vestuário  e  os  aceessorios. 

Oi  artistas  portuguezes  educados  em  Flan- 
dres, fornecem  o  maior  numero  de  quadros  e 
os  melhores.  Os  estrangeiros,  os  pintores  fla- 
mengos mesmo,  como  Frey  Carlos,  não  po- 
dem subtrahir-se  á  influencia  do  meio  ; 
acompanham  os  portuguezes,  seguindo  na- 
turalmente a  corrente,  nacionalisam-se,  até 
certo  ponto.  A  technica,  o  estylo  de  pintar,  é 
flamengo,  sem  duvida;  mas  sem  a  seccura, 
as  figuras  inteiriçadas,  a  feição  mesquinha  e 
desgraciosa  dos  artistas  flamengos  de  segun- 
da ordem ;  os  portuguezes  movem-se  airo- 
samente, com  a  simplicidade,  graça  e  elegân- 
cia no  gesto  e  nos  ademanes  que  é  natural 
nos  povos  românicos. 

O  gosto  pela  belleza  da  paizagem  apren- 
deram-no  em  Flandres, assim  como  a  paixão 
pelos  detalhes,  o  amor  aos  mil  episódios  do 
pintor  miniaturista.  A  architectura  é  tosca- 
na ou  florentina,  em  geral.  Estamos  longe, 
felizmente,  dos  processos  summarios  e  ex- 
pedientes dos  maneiristas,  das  receitas  e  lo- 
gares  eommuns  dos  partidários  da  pintura 
italiana,  diluida  em  pincel  flamengo  —  até 
n'isto,  conelue  o  Sr.  Justi,  quiz  a  fonuna  fa- 
vorecer o  pequeno  reino,  na  época  em  que 
elle  deu  leis  ao  mundo  !  Livrou-o  de  eahir 
nas  mãos  dos  pseudo-italianos  e  na  triviali- 
dade. 

São  estas,  em  summa,  as  conclusões  do 
sábio  professor.  Traduzimos  as  ideias,  não  lit- 
teralmente  as  palavras;  e  confessamos  que  te- 
mos de  corrigir  o  juizo  que  formulámos  ha 
annos  a  respeito  de  certos  quadros  da  Aca- 
demia de  Lisboa.  ^  Pareceram-nos,  em  ge- 


^  A  pintura  porttigueza  nos  see.  xv  e  xvi 
Porto  1881,  passim.  Dizemos  quadros  da 
Academia  e  não  do  Museu  nacional,  porque 
esta  collecção  é  bastante  differente  da  pri- 
meira, e  contém  muitos  quadros  novos,  que 
éstavam  nos  depósitos  da  Academia;  era 
compensação,  faltam  outi'os  que  o  Cat,  de 
1872  menciona;  por  isso  fazemos  sempre  a 
referencia  aos  dois  catálogos. 


VIS 

I  ral,  menos  importantes,  mais  amaneirados. 

com  excepção  de  um  ou  outro  grupo,  co- 
j  mo  p.  ex.  o  de  Frey  Carlos,  cujo  valor  é  in- 
I  discutível.  Os  quadros  da  Sacristia  de  Santa 
Cruz,  principalmente  o  Calvário  eo  Pentecos- 
tes e  os  de  Setúbal  absorveram  talvez  a  nos- 
sa attenção,  a  ponto  de  sermos  menos  justos 
com  os  da  Academia.  Ainda  assim,  o  perío- 
do de  duração  da  escola  portugueza  de  pin- 
tura fica  limitado  aos  reinados  de  D.  Manoel 
e  D.  João  III,  isto  é,  a  meio  século  apenas, 
correndo  de  1500-1550,  máximo  1560,  por^ 
que  já  em  1562  temos  os  trabalhos  de  Vas- 
co Pereira,  que  é  um  maneirista,  um  parti- 
dário das  receitas  e  processos  italianos. 

Da  época  de  1560-1580  ha  não  poucos 
maneiristas,  cujos  quadros  se  podem  vêr  nas 
salas  do  Paço  do  Arcebispo  em  Évora  e  na 
Sé,  nos  altares  das  naves  lateraes. 

A  solução  de  continuidade  que  havíamos 
apontado  em  1881,  desde  a  visita  de  Van- 
Eyck  em  1428  até  1500,  subsiste.  ^ 

Em  Hespanha,  porém,  não  faltam  os  elos 
intermédios,  e  os  artistas  do  século  xvapre- 
sentam-se,  desde  logo,  de  uma  maneira  tão 
imponente  e  ião  característica,  que  não  é 
difflcil  calcular  o  que  hão  de  ser  d'ahi  a  cin- 
coenta  annos:  os  precursores  dos  grandes 
mestres  do  sec.  xvii.  2 


1  Já  em  1877  apontámos  para  a  existência 
de  quadros  flamengos  em  Portugal,  antes  da 
vinda  de  Jean  Van-Eyck  Ern  1415  mandou 
o  Duque  Jean  sans  Peur  de  Borgonha  (1404- 
1409)  o  seu  retraio  a  El  Rei  D.  João  I,  feito 
por  Jehan  Malwel  ou  Melluel,  que  foi  pintor 
oíficial  do  Duque  de  1397  a  1415,  anno  em 
que  morreu,  lendo  coneluido,  pouco  antes, 
o  retrato.  Arch.  artist.  fase.  IV  p.  87.  Cha- 
mamos aqui,  novamente,  a  attenção  do  leitor 
para  o  retrato  d'El-Rei  D.  João  1,  que  está 
no  museu  Ambraser-Sammlnnç  de  Vienna, 
e  que  é  da  Escola  de  Van-Eyi-k;  na  mesma 
collecção  dois  bellos  retratos  da  Infanta  D. 
Leonor,  filha  di-"  D.  Duarte,  e  neta  de  D.  João 
I ;  casou  com  Frederico  IIÍ,  Imperador  da 
Aileraanha  em  1452  e  morreu  era  Vienna  em 
1467.  Esies  tres  retratos  foram  citados  por 
nós  pela  primeira  vez  em  1877. 

2  Mencionaremos  apenas  um  grande  ar- 
tista hespanhol,  evidentemente  discípulo  de 
Van-Eyck,  o  aucíor  do  grande  retavolo  de 


VIS 


VIS  1883 


Apesar  do  que  diz  o  Sr.  Prof.  Justi  em 
seolido  relativamente  tão  favorável,  o  appa- 
recimento  da  pintura  porlugueza  do  sec.xvi 
é  como  o  de  um  meteoro. 


Na  breve  analyse  dos  trabalhos  de  Vasco 
Pereira  com  que  o  Sr.  Justi  fecha  o  geu  En- 
saio dá-nos  a  conhecer  cinco  quadros,  sen- 
do o  mais  importante  uma  Annmciação  na 
egreja  de  S.  Juan  de  Marchena  e  o  Santo 
Onophrio  da  Galeria  deDresden,  que  apre- 
sentámos aos  leitores  da  Archeologia  Ar- 
tística em  1877.  Vasco  Pereira,  que  se  inti- 
tula ora  de  Évora,  ora  de  Lisboa  foi  um 
pintor  de  bastante  mérito,  sabedor  do  seu 
ofQcio,  e  que  honrou  o  nome  portuguez  em 
Hespanha. 

D'este  pintor  fizeram  Cean  Bermudez  e 
depois  Loureiro  e  Raezynski  ainda  outro 
artista:  Vasquez  Lusitanus,  sem  razão  de 
ser,  como  se  verá  na  lista  das  suas  obras. 
São,  resumindo  as  diíTerentes  citações  de 
Cean  Bermudez,  Raezynski  e  do  Sr.  Justi 
as  seguintes : 

1.  São  Sebastião,  na  egreja  de  S.  Lucar 
de  Barrameda.  Assignado  :  TVNG  DISCE- 
BAM  VASCPE  I  REA  LVSITAN'DE  |  VRBE 
LIX  I  BONESlSAnno  1562.  Apud  Justi,  que 
o  examinou;  Cean  Bermudez  cila  diíTerente- 
mente:  Vazquez  Lusitanus  tunc  incipiebam 
anno  1562.  (Vol.  V  pag.  142),  i 

2.  Descimento  da  Cruz  ;  apud.  Cean  «casi 
perdido»  no  principio  d'este  século,  sem 
data. 

3.  A  Annunciaç.ão,  na  egreja  de  S.  Juan 
de  Marchena.  Assignado  : 

VASCVS  PEREIRA  i  ELBORENSISLVSI 
!  TANVS  FACIEBAT  {  CIq.  D,  LXXVI  (o  Iv 
na  quarta  palavra,  ligados).  Apud  Justi, 
que  o  examinou. 


Barcelona  Luis  Dalmau,  assignado  e  data- 
do, 144o.  O  Sr.  Prof  Justi  analysa  este  qua- 
dro 6  os  de  outros  hespanhoes  discípulos  da  : 
escola  flamenga,  pertencentes  ao  sec.  xv  Vid.  j 
Zeitschrift  e^Jahrbuch. 

1  A  apostrophe  depois  do  C  e  iV  representa  \ 
a  abreviatura  ?ís;  o  E  da  ultima  palavra  com  j 
til. 


4.  S.  Pedro  e  S.  Paulo.  No  Museu  nacio- 
nal, Cat.  de  1883  n.«  896.  Sala  F.  Assigna- 
do: V.  P.  Lzíno  1575,  segundo  o  mesmo  ca- 
talogo. O  Sr.  Justi  leu  1579. 

5.  Santo  Onophrio.  Na  Galeria  real  de 
Dresden,  Cat.  Ved.  frane.  de  1868,  pag.  170. 
Assignado:  VASCO  PEREIRA  |  PICTOR, 
1583. 

6.  Um  quadro  com  a  Adoração  dos  Pas- 
tores e  a  Epiphania.  Foi  visto  por  Stirling 
{Annals  of  the  artists  of  Spain)  em  Sevilha; 
apud  Justi  s.  d. 

7.  Um  quadro  de  1575,  que  Raezynski  viu 
em  Sevilha  na  coUecção  Bravo  ;  não  diz  o 
que  representava  (Les  arts  pag.  505). 

No  Diction  p.  229,  cita  outras  duas  pintu- 
ras de  1594  e  1598,  existentes  na  mesma  ci- 
dade, sem  indicar  os  assumptos ;  provavel- 
mente essas  duas  obras  são  as  citadas  por 
Cean  (p.  141)  com  as  mesmas  datas. 

De  Cean  Bermudez  aecrescentaremos, 
além  de  diííerentes  frescos,  os  Quatro  douto- 
res da  Egreja,  na  cartuja  de  Santa  Maria  de 
las  Cuevas,  e  uma  Annunciação  no  collegio 
de  S.  Hermenegildo  (pàg.  142).  Segundo  o 
mesmo  auctor  Vasco  Pereira  morreu  no  prin- 
cipio do  see.  xvii. 

VISEU,  povoação  (aldeia)  da  freguezia  de 
Paços,  concelho  de  Cabeceiras  de  B^sto. 
V.  Paços,  tomo  6."  pag.  393,  col.  2." 
Esta  freguezia  eomprehende  também  as 
aldeias  seguintes: — Fundo  de  Villa, Cimo  do 
Villa,  Portella,  Vinhal,  Quiniã,Bandeira,  Boa 
Vista,  Cruz,  Ribeira,  Paço,  Penedo,  Val  de 
Chãos,  Tojeira,  Souto  Meio,  Ribeirinhas,  Ca- 
nhoteira,  Cancella  e  a  quinta  do  Prado,  — 
segundo  se  lê  na  Chrographia  Moderna,  mas 
contando  esta  freguesia  pelo  ultimo  recen- 
seamento apenas  81  fogos,  as  taes  18  aldeias 
devem  ser  muito  pequenas! . . . 

VISEU,  quinla  ou  casal  da  freguezia  à' Al- 
verca no  concelho  de  Villa  Franca  de  Xira. 

V,  Alverca  e  Sobral,  tomo  1.°,  pag.  177, 
col.  2.» 

Esta  parochia,  alem  da  villa,  comprehen- 
;  de  os  legares  ou  aldeias  seguintes: — Aree- 
í  na.  Sobral,  outr'ora  curato,  A  dos  Potes,  A 
I  dos  Melros,  Sobralinho,  Adarce,  Moinho  do 
I  Vento,  Proverba,  Termo  ou  Ponto,  Verdelha, 
'  Bom  Suecesso ;  —  os  casaes  de  Barreiras, 


1884  VIS 


VIS 


Monte  Gordo,  Robarias,  Bandeira,  Valinho, 
Polycarpa,  Entroga,  Fonte,  Boa  Vista,  da  Es- 
colástica, da  Alegria,  da  Carvalha,  da  Fun- 
cheira,  da  Regueira,  da  Tapada,  Cova,  Fi- 
dalgo, Pardieiro,  Graciosa,  da  Oliveira,  dos 
Anjos,  de  Santo  Antonio,  de  S.  Fernando, 
Brejo,  Moledo,  Torres,  Drogas,  Pedreiros, 
Carapito,  Rio  Secco,  Areias,  Fonte  Santa, 
Lages,  Portella,  Casal  Novo,  Batoquinho, 
Carcaça,  Fondogos,  Moinho  d' Alem,  Val  de 
Ranas,  Cova  da  Rita,  do  Bastos,  das  Empare- 
dadas, Ventoso,  da  Valentina,  da  Serra,  da 
Corte,  da  Mourisca,  da  Olmeira,  do  Val  de 
D.  Maria,  Casal  Novo  da  Serra,  do  Covão,  da 
Matia,  da  Costa,  Vendas  Novas,  Mangareira, 
Sapinho,  Brandoa,  Palacio  da  Brandoa,  Ma- 
lha Miiho,  Bello,  Val  de  Ranas  e  Casal  Novo 
da  Portella;— os  casaes,  quintas  e  azenhas 
Valioso  e  do  Batoque; — as  quintas  do  Moinho 
de  Ferro,  do  Duque  da  Terceira,  do  Canana, 
Pardieiro,  Formigueira  —  e  a  estação  de 
Alverca  no  caminho  de  ferro  do  norte. 
Do  exposto  se  vé  que  esta  fregueziaé  mui- 


rinha,  Outeiro,  Cubida,  Cega,  Valle,  Abegoa- 
ria,  Beata,  Vendinha  de  Cima,  Namorada, 
Herdadinha  e  Furada; — as  quintas  ou  hor- 
tas de  Teixoeira,  Herdadinha,  Horta  Fura- 
da, Monte  da  Egreja,  Carreirinha  e  Callado, 
— e  o  casal  ou  sitio  de  Monie  Baldinho. 

A  população  d'esta  parochia  está  muito 
dispersa  pelos  montes  (casas)  das  diversas 
herdades,— e  a  egreja  era  sitio  isolado. 

Pelo  ultimo  recenseamento  contava  ape- 
nas 100  fogos. 

VISEU,  sitio,  casal  e  horta  na  freguezia  e 
concelho  de  Villa  Real  de  Santo  Antonio,  dis- 
tricto  de  Faro. 

V.  Villa  Real  de  Santo  Antonio,  tomo  11,% 
pag.  915,  col.  1.» 

Esta  parochia  comprehende  também  os 
casaes  (hortas)  segumtes:  —  Val  da  Muda, 
Cabeça  Perdida,  Val  de  Corgos,  Traz  das  Vi- 
nhas, Areias,  Lagar,  Cerca  Nova,  Palmeiri- 
nha.  Bem  Parece,  Branquinho,  Portal^  Poço 
Fuzeiro,  Bem  Vides,  Val  Verde,  Rocha  do 
Vau,  Semedeiro,  Caga  Jones,  (o  nome  è 


to  importante.  Pelo  recenseamento  de  1878  j  indecentel)  Fronteira,  Serra  cu  Cerra  Bodes, 
contava  404  fogos,  mas  hoje  deve  contar  Contendas,  Barranco  d'Agua,  Hortas  do  Vau, 
cerca  de  425  ou  mais.  I  Ribeiro  do  Pereiro,  Monte  da  Córte,  Espra- 

VISEU,  quinta  ou  herdade,  na  freguezia  \  galinho,  Monte  da  Medronheira,  Monte  dos 


de  Pigeiro,  concelho,  comarca  e  districto  de 
Évora. 

V.  Pigeiro,  tomo  7."  pag.  24,  col.  2.^ — e  no- 
te-se  que  ali  houve  salto  na  impressão,  pois 
tanto  esta  freguezia  como  a  de  Pigeiros,  con- 


Valles,  Monte  da  Sé,  Monte  dos  Leões,  Mon- 
te da  Atalaia,  Monte  Velho,  Monte  Alto,  Mon- 
te do  Estanqueiro,  Portella  da  Vaqueira;  os 
2  casaes  e  moinhos:  —  Moinho  da  Rocha  e 
Moinhos  de  Arão, — ela  celebre  Caso  da^íT- 


celho  da  Feira,  deviam  ser  descriptas  no  diencia 


mesmo  tomo  Ifi  pag.  22, —  entre  Piedade 
(Cova  da)  e  Pilar  (Serra  do). 

Note-se  lambem  que  hoje  (1888)  esta  fre- 
guezia de  Pigeiro  está  civilmente  annexa 
ã  de  S.  Manços,  do  mesmo  concelho  d'Evora. 

V.  Tomo  5.»  pag.  48,  col.  2.« 

A  mencionada  freguezia  de  Pigeiro  está 
na  margem  esquerda  da  ribeira  de  Degebe, 
da  qual  a  matriz  da  parochia  dista  5  kil.  para 
E;  2  da  estrada  d'Evora  a  Reguengos,  para 
S.,  —  e  7  da  cidade  d'Evora  para  E.  N.  E. 

Além  da  herdade  de  Viseu,  comprehende 
33  seguintes:— Pero  Escuma,  Val  de  Ferrei- 
ros, Montes  Claros  i.  Pego  do  Lobo,  Correi- 


Quasi  todas  estas  hortas  *  são  habitadas  e 
coraprehendem  actualmente  230  fogos. 


Não  se  confunda  esta  herdade,  com  o  si- 


tio Montes  Claros,  onde  se  feriu  a  grande 
batalha  em  1665. 

V.  Montes  Claros,  tomo.  5.°,  pag.  535,  col. 

2.» 

1  No  Al  garve  denominam-se  hortas  o  que 
no  Alemtejo  denominam  hortas  e  montes  — 
e  ao  norte  do  nosso  paiz  casaes  e  quintas. 

Também  no  Alemtejo  denominam  Montes 
as  povoações  que  na  Beira,  Douro  e  Minho 
se  denominam  aldeias,  togares  e  povos— e  no 
districto  de  Bragança,  nomeadamente  nos 
concelhos  de  Vimioso,  Miranda  e  Mogadou- 
ro, se  denominam  quintas,  sendo  algumas 


VIS 


VJS  1885 


YISEU  (do)— casal  da  parocbia  e  conce- 
lho e  comarca  de  Leiria. 
V.  Leiria,  tomo  4.»,  pag,  69,  col.  2.* 
Alèm  d*este  casal  do  Viseu,  compreiíende 
esta  parocbia  osseguiotes:— Mourão,  Guerra 
Fontainhas  e  Santo  Antonio  do  Carrascal;— 
as  quintas  de  Santo  Amaro,  Porto  Moniz, 
Lagar  d'EI-Rei,  Val  de  Lobos,  S.  Venâncio, 
S.  José,  Fagundes,  Paraíso,  Pa teiro.  Tavares, 
S.  Bàrthíílomeu,  Vieiro.  Matta,  Seixal,  Isi- 
dras,  Barro  Ruivo,  Porleila  e  Capuchos  ; — 
08  sitios  do  Terreiro,  Portella.  Nossa  Senho- 
ra da  Encarnação  (formoso  saociuario)  Rego 
Travesso  e  Cabeça  d'El  Rei.  Comprehende 
lambem  a  povoação  do  Arrabalde,  que  por 
decreto  de  20  de  maio  de  1871  foi  desanoe- 
xada  da  freguezia  de  Marrases  e  unida  á  de 
Leiria. 

VISEU  DE  BAIXO,-e  VISEU  DE  CIMA,— 

aldeias  da  freguezia  de  Carvalhal,  concelho 
da  Certã,  districto  de  Castello  Branco. 

V.  Carvalhal,  tomo  2.',  pag.  134,  col.  2.* 

A  matriz  demora  na  povoação  do  Carva- 
lhal, cerca  de  2  kilomeiros  a  S.  E.  da  mar- 
gem esquerda  do  Zêzere  e  dista  da  villa  da 
Certã  10  kil.  para  N.  O. 

Esta  freguezia  foi  da  apresentação  do 
grão  prior  do  Crato  no  termo  da  villa  de 
Pedrogam  Pequeno;  depois  passou  para  o 
patriarchado  e  desde  1882,  data  da  ultima 
circumscripção  diocesana,  pertence  ao  bis- 
pado de  Purtalegre. 

Além  das  3  povoações  mencionadas  supra 
comprehende  as  seguintes: — Aldeia  Cimei- 
ra, Aldeia  Fundeira,  Aldeia  Metade,  Aldeia 
das  Mulheres,  Casal  do  Bispo,  Casal  do  Ses- 
mo,  Eira  do  Sesmo,  Amieira,  Amieirinha, 
Casal  d'Escusa,  Ramalhos  de  Cima,  Rama 
lbo«  de  Baixo,  Horta  Cimeira  e  Sobral. 

Esta  freguezia  pelo  ultimo  censo  contava 
142  fogos  e  foi  erecta  depois  de  1708, 
pois  Carvalho  não  a  mencionou,  mas  somen- 


d'el]as  povoações  com  capella  publica  e  10  a 
20  fogos,  ou  mais  ? ! . . . 
'  Na  freguezia  de  Miranda  do  Douro,  p.  ex. 
ha  uma  quinta  (povoação)  tão  important*', 
que  o  prior  de  Miranda  ali  vae,  com  previa 
auctorisação  do  prelado,  dizer  uma  missa 
DOS  domingos  e  dias  santos,  antes  de  cele- 
brar a  missa  conventual  na  cidade. 

TOLma  XI 


te  o  logar  de  Carvalhaes  no  termo  da  villa 
de  Pedrógão  Pequeno,  onde  havia  uma  ca- 
pella com  a  mesma  invocação  da  padroeira 
— Nossa  Senhora  do  Amparo. 

VISEUS,  aldeia  da  freguezia  de  Santa 
Barbara  dos  Padrões,  concelho  de  Castro 
Verde,  districto  d«  Beja. 

V.  Padrões,  tomo  6.»  pag.  409,  col.  2.* 

A  povoação  de  Santa  Barbara,  séde  da  pa- 
rocbia, está  em  campina,  3  */i  kil.  a  E.  da 
margem  direita  do  rio  Cobres,  sobre  uma  pe- 
quena ribeira  aííluen te  do  mencionado  rio,na 
estrada  antiga  de  Castro  Verde  para  Mértola. 

Dista  de  Castro  V-erde  14  kil.  para  S.  E. 

Comprehende  esta  freguezia  as  aldeias  se- 
guintes:—Rolão,  Viseus,  Lombarda,  Sete  Al- 
çarias,— e  os  casaes,  montes  e  herdades  do 
Corvo,  doNfves,  Bringelinho,Espancha,  Ro- 
sa Gorda,  Bosa  Magra,  Monte  Novo,  Monte 
da  Rosa  e  Montinhos. 

Todos  estes  casaes,  herdades  e  montes  são 
habitados,  e  pelo  ultimo  recenseamento  com- 
prehendia  esta  parocbia  ao  todo  38i  fogos- 

Era  em  população  a  2.'  d'este  con''elhOj 
sendo  a  1.»  a  villa  de  Ca«tro  Verde,  que  ao 
tempo  contava  876  fogos  e  3:600  habitantes. 

Temos  pois  differentes  Viseus  era  lodo  o 
nosso  paiz; — na  Beira  Alta,  na  Beira  Baixa, 
no  Minho,  na  Extremadura,  no  Alemtejo  e 
no  Algarve  ?  I . . . 

Também  outr*ora  se  denominou  Visêa  ou 
Viseia  na  província  do  Douro  uma  das  fre- 
guezias  do  bispado  do  Porto,  como  já  disse- 
mos no  artigo  Viseu,  cidade,  tomo  U.",pag. 
1716,  col.  1.» 

Com  vista  aos  forjadores  e  amadores  de 
etyraologias,—  e  aos  que  pretendem  derivar 
o  nome  Vi<ieu  de  viso,  cumiada  de  monte^ 
muito  respeitosamente  lembramos  que  devem 
ir  ver  todos  os  Viseus  indicados  supra,  para 
saberem  se  estão  em  cumiadas  ou  planícies. 
O  passeio  é  bastante  longo,  mas  per  áspera 
ad  astral . . . 

Também seráconveniente  darem  umavolta 
pela  Hespanha,  irmã  gémea  de  Portugal,  pois 
assim  como  lá  se  encontram  muitas  terras  e 
povoações  com  os  mesmos  nomes  das  nossas, 
é  possível  e  até  provável  que  por  làencontrem 
alguma  com  o  nome  de  Viseu  também. 

119 


índice  ' 

DO 

ARTIGO  VISEU 

TopicoSj  paginas  e  columnas 


pag.  col. 

Abra  vezes   1539,  1.» 

Aeclaraação  d>lrei  D.  João  IV...  1835,  2.» 
Aírostinho  de  Mendonça  Falcão...  1826,  l.« 

Albuquerques   1727,  2.» 

Alcaides  mores   1709,  1.» 

Almeidas  da  Calçada   1728,  !.« 

Almeidas  Vaseoncellos   1740,  1.» 

Alvelloã  (MHIos  Lemos)   1728,  2.» 

Antas  e  dolmeos   1699,  2  • 

Antiguidade  de  Viseu   1709,  2.» 

Antonio  d'AlmPÍda  Campos   1826,  1  • 

José  Pereira,  1845,  1.»  e.  1851,  1.» 

Moreira  Cabral   1827,  1.» 

Apoplexias  no  aee.  xv.. ........ .  1608,  1.» 

Arcas  e  cubas   1585,  2.» 

•     e  orcas   1699,  2." 

Armas  de  Visen  e  a  lenda  de  D. 

Ramiro   1674,  1  » 

Artistas  notáveis   1844,  1.» 

Azylo  dTnfancia  desvalida   1671,  l.« 

»    de  Inválidos   1670,  2.» 

»    de  Mendicidade  (nota)  1736, 

col.  1.»  e   1799,  1.» 


1  Por  descuido  da  impressão  não  vae  este 
Índice  no  logar  próprio. 
Desculpem. 

Também  pelo  mesmo  motivo  reservamos 
para  o  svppi emento  as  rectificações  que  ten- 
cionávamos publicar  no  fim  d'e8te  longo  ar- 
tigo» Viseu,  -  antes  do  índice, — e  que  bem  ne- 
cessárias eram,  porque  todo  este  longo  artigo 


B 

pag.  col. 

Bacharéis,  filhos  de  Viseu   1725,  2." 

Baga  de  sabugueiro   1759*  ii« 

Banco  Agrícola   1554^  i.» 

Barbeiro  modesto   1723,'  2!* 

Barreiro,  concelho  extineto   1533*  2!" 

Barros  Campos,  de  Farminhão. . .  1752,  2!* 
Berardo  (José  d'01iveira)  1815, 

col.  2.»  e   1847,  2.« 

Bispado  de  Vizeu   1792,  l.« 

Bispo  Azul   i(j07|  l.« 

»  eleito  de  3  annos   1621,  2.» 

»   que  remendava  as  suas  vestes  1624,'  1." 

»    de  treze  annos   1611,  l.« 

Bispos  de  Viseu   1589,  2.* 

Veja  se  também  o  tit.  Prelados, 
infra. 

Botelho  Pereira  (Dr.  Manoel)  1805, 

col.  1.»  e   1825,  2.» 

Brandões  de  Midões   1790,  2.» 

Braz  Luiz  d'Abreu   18OO,'  2!» 

Brito,  Higuera,  Lavanha  e  Lousa- 
da, 1681,  col.  1.»  e   1682,  1.» 

Bulhas  do  cabido,  1587,  col.  1.»  e.  1632*  2."' 


foi  escripto  aujour  le  jour  no  Porto,  a  dis- 
tancia de  192  kilometros  de  Viseu,  e  publi- 
cado muito  precipitadamente  em  Lisboa  a 
distancia  de  337  kilometros  do  Porto. 

Por  vezes  tinha  original  no  prelo  para 
dois  fascículos,  o  que  me  difficultava  as  re- 
ferencias e  me  expoz  a  lapsos,  de  que  peço 
desculpa. 


VIS 


VIS 


1887 


c 


Calçadilha  

Cantigas  d'Almeida  Garrett  

Capellas  de  Vineu  

Captiveiro  de  Viseu  

Gasa  d'el  rei  D.  Duarte,  n."  7. . 

»       »  »       o.*  11, 

Gasa  dos  Paes  

Casas  6  famiiias  notáveis  

»    e  quintas  •   


Castanhas  

Gaialogo  dos  bispos  de  Viseu  

Cailiedral  e  dspeodencias  

»       factos  importantes  

Cava  d(>  Viriato  

Gavalgata  impoaente  

Cavalhada  dos  moleiros  

Cavallo  de  Maio  

Cemiieno  

Gliaves,  família  nobre  

Ghrystovam  Rebello  de  Macedo.. 

Clima  de  Vis^u  

Comarca  de  Viseu  

Concelho  de  Viseu  

Conde  de  Santa  Eulália  

Gonveutos,  1542,  2.»;  1648,  2.»; 

1657,  1.»  e  

Gorregedor  exeommungado  

Côrte  e  côrtes  

Costas  Homens  

Couto  da  Sé  

Gramol  

r> 


Descantes  populares  

Desordem  na  Sé  

Diocese.  V.  Bispado. 

Districto  de  Vi^^eu  

Dolmens.  V.  Monumentos  prehisto- 
ricos. 

Duques  e  senhores  de  Viseu  


Edifieios  brasonados. 


»  principaes  

Emparedadas  

Emygdio  Navarro  

Ernestos  de  Viseu  

Eseriptor  e  artista  notável. 

Eseriptores  

Estevam  Gonçalves  

Estradas.  V.  Viação. 

Etymologia  da  Beira  

Etymologia  de  Vi-eu  

Eugenia  INunes  Viseu  

Excessos  lamentáveis  

Execuções  


pag.  col. 
1609,  1. 
1678,  1. 
1559,  2. 
1716,  2. 

1551,  2. 

1552,  2. 
1742,  1. 
1748.  2. 
1748,  2. 
1741,  1. 
1765,  2. 
1589,  1. 
1571,  1. 
1585,  2 
1690,  2. 
1628,  2. 
1537,  2. 
1690,  1. 
1669,  1 
1729,  2 
1696,  2. 
1747.  2. 
1753.  1 
1744,  1. 

1737,  2.» 

1661,  1.» 
1624,  2." 

1721,  1.» 

1738,  2." 
1723,  2.» 

1722,  2.» 


1541,  1.»  , 
1587,  1.» 

1754,  l.« 
1721,  2.' 


1551,  1.» 
1549,  l.« 
1843,  1.» 
1843,  2.» 
1736,  2.» 
1819,  1.» 
1802,  2  * 
1852,  1.» 

1796,  1.»  i 
17i4,  1.»  I 
1798,  1.»  j 
1790,  2.»  ! 
1784,  1.'  ! 


F 

pag.  col 

Fabrica  de  moagem   1726,2 

Factos  importantes   1586,1 

Famiiias  nobres  na  actualidade...  1727,  1 

»  »     nos  arrabaldes..  1748,  2 

»  »     extinctas   1737,  2 

Feira  franca   1554,  1 

Fetal  (S.  Miguel  do)   1565,  2, 

Foraes  de  Viseu  i   1686,  1, 

Fernão  Lopes   1831,  1 

Forneiras   1722,  1 

Forte  Gato   1828,  2. 

Fortificações  de  Viseu   1706, 1. 

Francisco  Cardoso  Pereira   1827,  2. 

»      Manoel  Correia   1820,  1. 

Freiras  de  Pinhel   1586,  2 

.   1628,2 

Freiraticos   1662,  1 

Fundação  de  Viseu  •   1709,2 

Fusilamentos  ,   1784,1 


G 


Gaspar  Barreiros   1803,  2.» 

Gonçalo  Pires  Bandeira   1840,  i.'' 

Grande  conflicto  de  prelados   1602,  1  ■ 

Grandes  motins,  1632.  2.»e   1660,  1.» 

»      tempestades,  1615,  1.»  e 

2.»;  1619,  l.«;  1621, 2.»;  1628, 1.»  e  1662,  2.» 

Grão  capitão   1738,2." 

i*    Vasco,  1539,  2.«,-e  1854  a.  1883.2 


II 


Hospitaes   1666,  1. 


Igrejas  e  capellas   1559,  1.» 

Imprensa  em  Viseu  no  sec.  xvi...  1826,  2.» 

Incêndio  no  paço  da  Sé   1629,  2." 

Inseri pções  romanas,  1563,  1."; 

1568,  l.«;  1693,  2.«;  1694,  l.«; 

1706,  l.';e   1709,  l.« 

Instracção  publica   1641,  2.» 


1  O  foral  do  bispo  D.  Pedro  Gonçalves, 
encontra- se  textualmente  no  Elucidário  de 
Viterbo,  lit.  Ferraduras. 

2  Por  descuido  da  impressão  vae  também 
n'este  appenso  a  columna  que  devia  ser  a 
1.»  da  pag.  1871  na  esplendida  Memoria  do 
sr.  Joaquim  de  Vasconeellos,  a  quem  pedi- 
mos desculpa  d'este  lapso. 

Os  editores 


1888  VIS 


VIS 


jr 

pag.  col. 

João  de  Barros   1802,2.» 

Joaquim  de  Vasconcellos   i854,  2.» 

José  d'Almeida  Furtado    1849,  2.' 

»        .        e  Silva   1851,  2.* 

»  Ribeiro  de  Carvalho   1841,  2.* 


Judiaria   1743,  1.» 

Lavanha,  Lousada,  Fr.  Bernardo 
de  Brito  e  o  Nobiliário  do  conde 
D.  Pedro  julgados  por  A.  Her- 


culano, 1681,  1.»  e   1682. 

Largos  e  praças   1557, 1.» 

Lemos  de  S.  GemiJ,  1731,  l.»  e. . .  1752,  2.» 

Lenda  de  D.  Ramiro   1674, 1  * 

Linho.   1763.2' 

Loureiros   1731,  1.» 

.     1738,  2.«e   1740,  1.» 

Lourosa  da  Telha  (casas  nobres), 

1750, 1751  e   1752. 

Lyeeu   1643,  1.» 

M 

Madeira   1765,  1.» 

Marçiies  de  Foscôa   1791,  1.» 

Marechaes   1606,  2.» 

Mestres  d*obra3   1845.  1  * 

Minas.   1/62,  1." 

Misericórdia   1665,  1.* 

Monte- Viseu.  V.  Orgens  n'este  art. 

e  Monie  Viseu,  tomo  5.»  pag.  533, 

col.  l.»,i 

Monumentos  prehistoricos   1699,  S  » 

Morgados  de  Santa  Chrieitina         1742,  2  • 

Mossamedes   1345,  1  * 

Movimento  jornalislico   1640,  1.» 

Músicos   1846,  1.» 

N 

Nápoles  da  Prebenda   1730,  1.» 

Narciso  Pereira  Cabral   1851,  2.» 

Nicolau  P.  de  Mendonça,  1590,  1.»; 

1591,  1.»  e   1748,  2.» 

Nobiliário  do  conde  D.  Pedro   1674,  2.» 

•  .  .....  1681,  1.» 

Nomes  dados  a  Viseu   1714,  1.» 

Nunes  de  Carvalho  (dr.)   1806,  1.» 


1  Como  reetifleação  ao  que  o  meu  bene- 
mérito antecessor  disse  ali,  note-.«e  que  o 
convento  de  Orgens  foi  sempre  autónomo 
até  1834 — e  não  vígairaria  do  de  Santo  An- 
tonio de  Viseu. 


O 

pag.  col. 

Obras  à'&Tle:— abobada  dos  nôs..  1577,  2.» 

>        »     escada  dos  Nerys. . .  1654,  1.* 

»        »     esculpiuras   1631,  2.» 

»       >     órgão  da  Sé  1584, 

1.»  e   1632.  2.» 

»        »     pelicano   1671,  2.» 

»       »    pinturas.  V.  Grão- 

Vasco. 

Orcas,  arcas,  antas  e  dolmens. . . .  1699,  2.» 

Ordens  3.»»   1663,  1.* 

Orgens   1542,  1." 

I? 

Paço  de  Fontello   1724,  2.'» 

Paços  do  concelho   1673,  2.» 

Padre  ladrão   1618,  2.» 

»    Leonardo  de  Sousa   1820,2.» 

»    Moura   1847,  2." 

Pedro  Ferreira   lí^32.  2.» 

Pelicano  da  Sé   1671,  2.» 

Penajoia.  1579,  1.»  e   179J,  2.» 

Penedos  baloiçanles   1699,  2.» 

Pepino  (Antonio  Jerouymo)   1542,  2.» 

Pessanhas   1732,  1.» 

Phylloxera   1756,  1.» 

Pintores..   1849,  2.» 

Poços  do  Douro   1704,2.» 

Poetas   1828,  1.» 

Policia  civil   1726,  2.» 

Prelado  amante  d'obra8  d'artp   1631,  2." 

»      muito  enérgico,  n.»  81...  1636,2.» 

»     muito  esmoler,  n.»  71   1627,1.» 


»  muito  espiriiuo.io,  muito 
generoso  e  por  vezes  tam- 
bém muito  rigoroso  n."  70  1625,  2.» 


»      piedosíssimo,  n  •  64   1617,  1.» 

»      que    ordenou  mais  de 

20:000  sacerdotes   1622,2.» 

»      que  percorreu  mais  de 

5:000  legoas.  n.»  65   1619,  1.» 


»      de  Viseu  que  entrou  em 

Viseu  já  morto,  n."  66. . .  1621,  1.» 
Prelados  pouco  felizes,  15H0,  1.», 
1605,  1.»  n.»  45;  1610.  2.»  d.»  55; 
1630,  2.»,  n.»  72;  1636,  1.»  n.» 

80;  ei   1663,  1.» 

Prelados  que  foram  insignes  bem- 
feitores  da  Misericórdia,  col.  1.» 
e  segpintes   1666. 


1  Veja-se  lambfm  no  supplemento  a» 
longas  e  intere.«santes  biographias  do  car- 
deal D.  Miguel  da  Silva  e  do  bispo  D.  Julio 
Francisco  de  Oliveira. 


VIS 


VIS 


1889 


pag.  col, 


Prime  (casa  nobre)   1752,  2  * 

Procissão  dao  foroeiras  —  1722,  2/ 

Província  da  B^íra  Alta   1793,  i." 

Púlpito,  p*as  e  altar  de  porpbydo 

1561,2.%  1624,  l.«e   1669,  2/ 

Q 

Queima  da  pólvora.  •   1788,  1.» 

Queiroses   1732.2.» 

Quinehães  e  Figueira.   1816,  1.* 

Quinta  de  Marzuvellos   17 2.* 

>•     da  Medrouhosa.  •   1750,  1* 

»     regional   1762  1.* 

.     de  S.  Salvador   1748,  2.» 

•     de  Tundeiínha   1750,  1.* 

R 

Raios  que  caíram  na  Sé   1628,  1.* 

D.  Ramiro  de  Leão   1674, 

Ranhados   1531,  1.» 

Rio  de  Loba   1530,  1  • 

Rios  e  ribHiroí»  do  concelho   1745,  1  * 

Rios  e  montanhas  do  districto...  1755,  1.* 

Rodrigo  dri  Sou^a  Tudella   1833,  2.' 

D.  Ruy  Lopes  de  Sousa   1741,  2.* 

.    1830,  2.» 

S.  Salvador,  fríguezia   1533,  2.» 

»       quinta   1748,  2.» 

Schisma   1633,  2.» 

Seda..   1764,2.» 

Segurança  publica   1782,  2,» 

Seminário  diocesano   1643,2.» 

•      de.Hcrip'  ão  da  escadaria  1654,  L» 

Senhores  de  Vis-u^   1721,  2.» 

Sepulturas  em  rocha   1743,  2 » 

Serras  da  Beira  Alta  ^   1735,  2.» 


*  V.  Santarém,  tomo  8."  pag.  SOO,  col.  2.» 
e  segg. 

2  V.  também  Monte  Muro,  tomo  5.'  pag. 
523,  2.%— e  Monte  Raso,  tomo  5.»  pag.  527, 
col.  1.» 


pag.  col. 

Silvas  Mendes   1733,  2.» 

Sinval   1812,  1.» 

T 

Távora  e  Taboáço   1757,  !•• 

.    1759,  1.» 

Templos  da  cidade   1559,  1.» 

Tumulo  de  D.  Rodrigo   1565,  2.» 

»     — outro   1571,  1.» 

Tenente  rei  fusilado   1734,  2.» 

V 

Vasco  Fernandes,  V.  Grão-Vasco. 

Viação  do  concelho   1639,  1." 

»     do  districto:  romana   1766,  1.» 

t           •       antiga  .-  1772.  2.» 

.            t       actual   1776,  2.* 

Vil  de  Moinhos   1S:{7.  2.» 

Viriato,  o  grande   1830,  1.» 

Visconde  do  Taveiro   1751,  2.« 

Visconde.ssa  de  S  Caetano   1798,  1.» 

FíS(?M- principio  do  artigo   1527,  2,» 

»      como  se  escreve  (nota). . .  1527,  2.» 

»      sua  eiymulogiâ   1714,1.» 

»      sua  situação   1528,  1.» 

»      freguezias  da  cidade   1528,  1,» 

»      freguezias  annexas   1528,  1.» 

»      labyrinto   1547,  2.» 


»      editicios  mai.4  notáveis.. . .  1549,2.» 

»      grandes  proprietários. .. .  1639,2.» 

»      local  amigo  e  moderno. . .  1716,  1.» 

Visienses  illustres:  Mooarchas. . .  1798,  1.» 

t            »       —Senhoras  ,.  1798,  1.» 

.      -Bispos   1802,  1.» 

»            »      — Escriptores.  1802,  2.» 
»            »      —pelas  I*  ttras, 
mas  não  es- 
criptores. . .  1822,  1.» 
»            »      —pelas  armas  1830,  1.» 
„           >.      —pela  sua  po- 

— siçào  social .  1839,  2.» 
„           •      —pelas  virtu- 


des  1842,  1.» 

,  .      —estadistas  . .  1843,  2.« 

•       tristemente  celebres... .  1843,2.» 

Visoi   1715,2.» 


1890  VIS 


VIS 


VISINHO  ou  VIZINHO  —  que  mora  com 
outros  Da  mesma  casa,  na  mesma  rua,  oa 
mesma  povoação  ou  na  mesma  freguezia. 
Os  amigos  historiadores  e  chorographos 
denominavam  visinhos  o  que  iioje  denomi- 
namos fogos,  familias; — não  almas  ou  habi- 
tantes. 

V.  Fogo,  tomo  3.»  pag  203,  col.  2.» 

Também  antigamente  se  chamaram  visi- 
nhos os  que  eram  àdmittidos  a  terem  bens 
no  termo  d'algumas  villas,  concelhos  ou  ci- 
dades. Eram  ordinariamente  pessoas  da  pri- 
meira nobreza  e  chegadas  ao  throno,  para 
serem  na  corte  seus  protectores. 

Em  tempo  de  D.  ÁtTonso  III  os  seus  gran- 
des vahdos  D.  João  d'Aboim,  D.  Esteve-An- 
nes  e  D.  João  Moniz  foram  pelos  concelhos 
de  Évora,  Beja  e  outros  nomeados  seus  vi- 
sinhos com  todos  os  privilégios  próprios  dos 
dictos  concelhos. 

No  anno  de  1211  o  concelho  de  Mesãofrio 
(Mansionis  frigidae)  vendeu  a  Affonso  Pires 
uma  herdade  em  Villa  Marim.i  hoje  paro- 
chia  do  mesmo  concelho,  e  juntamente  o  fi- 
zeram seu  visinho,  para  que  os  ajudasse  e 
defendesse  de  quem  os  inquietasse. 

Doe.  de  Tarouca. 

A  D.  Abril  doou  nos  mesmos  termos  o 
concelho  de  Numão  também  uma  grande 
herdade  no  anno  de  1238. 

V.  Numão,  tomo  6.»  pag.  179,  col.  2.». 

Não  consentia  n'estas  cartas  e  doações  de 
visinhança  o  concelho  de  Pinhel,  pelo  que 
teve  grandes  questões  com  o  celebre  mare- 
chal Gonçalo  Vasques  Coutinho. 

V.  Pinhel,  tomo  7.»  pag.  63,  col.  !.■  pag. 
67.  col.  1.»  também;  e  pag.  70,  col.  2.» 

El-rei  D.  Pedro  I  não  permittia  na  sua 
corte  pessoa  alguma  obrigada  ou  visinha  dos 
concelhos,  para  que  o  seu  vâlimento  não  pre- 
judicasse a  rectidão  da  justiça. 


1  O  dito  concelho  havia  comprado  aquella 
herdade  a  D.  Rodrigo  Mendes,  o  qual  a 
houve  de  Miguel  Picon,  que  a  perdeu  por 
haver  assassinado  aleivosamente  Garcia  Paes, 
mordomo  de  D.  Rodiigo  Mendes. 


Estes  visinhos  também  se  chamavam 
naturaes  dos  dictos  logares,  villas  e  cida- 
des. 

VISITA  —  pensão  que  antigamente  se  im- 
punha em  alguns  prasos  e  consistia  em  um^ 
presente  ou  mimo  de  cousas  comestíveis  que 
o  emphyteuta,  caseiro  ou  colono  devia  dar 
uma  ou  mais  vezes  por  anno  ao  directo  se- 
nhorio. 

E  nos  fareis  visita  huma  vez  no  anno  cot» 
o  que  tiverdes.  Praso  de  1479. 

Em  outros  prasos  se  estipula  a  mesma  vi- 
sita duas  vezes  por  anno. 

VISITAÇÃO  —  certo  fôro  ou  tributo  qufr 
09  vassallos  outr'ora  pagavam  ao  rei  e  os 
emphyteutas  ao  senhorio. 

V.  Colheita,  vol  2.»  pag.  358,  col.  2.» 

Também  se  denominou  visitação  a  visita 
que  os  prelados  costumavam  fazer  pessoal- 
mente ou  por  commissão  ás  diversas  fregue- 
zias  das  suas  dioceses  todos  os  annos,  pelo 
que  era  algumas  parochias  aindahoje  se  en- 
contram livros  com  as  actas  d'aquellas  vi- 
sitas, denominados  Livros  das  Visitações^ 
sendo  para  lamentar  que  a  maior  parte 
d'elles  se  perdesse,  pois  eram  muito  cu- 
riosos e  muito  interessantes  para  a  historia 
local. 

V.  Villar  d^ Andorinha,  tomo  11»  pag.  1167, 
col.  2."  e  seguintes,  onde  se  encontra  men- 
ção e  longo  extracto  de  um  dos  taes  li- 
vros. 

VISITAÇÃO  —  quinta  ou  casal  na  fregue- 
;  zia  de  Villa  Verde  dos  Francos,  concelho 
i  d'Alemquer. 

V.  tomo  11.»  pag.  1115,  col.  1.» 

VISO  —  cume,  collina,  logar  eminente 
com  vasto  horisonte,  pplo  que  alguém  pre- 
tende que  a  cidade  de  Viseu  tomou  este  no- 
me, por  estar  em  uma  eminência  ou  viso  de 
um  monte.  * 

É  certo  que  pela  eminência  em  que  demo- 
ram temos  em  Portugal  com  o  nome  de  Viso 
nada  menos  de  28  aldeias,  3  casaes,  2  qnin- 

I 


1  V.  Viseu,  tomo  11."  pag.  1715,  vol.  2.» 


VIS 


VIS  1891 


tas,  vários  outeiros  e  montes,  e  differentes 
santuários  e  eapellas;  —  mais  um  casal  com 
o  nome  de  Viso  de  Cima,  outro  com  o  de  Viso 
de  Baixo,  outro  com  o  nome  de  Viso  Gran- 
de, outro  com  o  de  Viso  Pequeno  e  2  aldeias 
com  o  nome  de  Visos!  Para  não  fatigarmos 
os  leitores,  mencionaremos  apenas  os  Visos 
seguintes. 

VISO  —  aldeia  e  monte  (logradouro  com- 
mum)  da  freguezia  de  Fontellas,  concelho  e 
comarca  do  Peso  da  Regoa,  disiricto  de  Vil- 
la Real  de  Traz-os-Montes. 

V.  Fontellas,  tomo  3.»  pag.  209,  col  1.» 

Demora  esta  importante  freguezia  era  ter- 
reno muito  saudável,  vistoso  mimoso  e  fér- 
til no  centro  da  região  denominada  por  jus- 
tos titulos  coração  do  Douro. 

V.  Villa  Jusão,  tomo  xi.  pag.  771,  vol  1.» 

A  sua  producção  principal  desde  a  institui- 
ção da'poderosa  Companhia  dos  vinhos  do  Al- 
to Douro  foi  vinho  de  feitoria  ou  de  embar- 
que. V.  Villa  Jmão.  loc.  cit.=Em  1840  pro- 
duziu ella  1:323  pipas  de5601itros  cada  uma, 
e  ainda  hoje  (1888)appzar  da  phylloxera,  pro- 
duz muito  vinho,  como  todas  as  fregupzias  do 
concelho  da  Regoa,  e  dos  de  Lainego,  Pena- 
guião, Villa  Real  e  Mesão  frio,  porque  o  chão 
d'e8tes  concelhos  é  mais  fundo  e  menos  ar- 
dente do  que  o  do  Alto-Douro. 

V.  Villarinho  de  Cotas,  Villarinho  dos 
Freires  e  Villarinho  de  S.  Romão. 

Esta  freguezia  pertenceu  judicialmente  á 
comarca  de  Penaguião,  da  qual  passou  para 
a  da  Regoa;  —  ecclesiasticamente  pertenceu 
ao  bispado  do  Porto,  do  qual  passou  para  o 
dT^Lamego  em  1882  com  todas  as  d'este 
concelho,  bem  como  as  dos  concelhos  de  Me- 
sãofrio,  Penaguião,  Sabrosa,  Murça,  Alijó  e 
duas  do  de  Villa  Real. 

Também  outr'ora,  ainda  no  principio  d'es- 
te  século,  pertenceu  à  provedoria  de  La- 
mego. 


Freguezias  limitrophes:  Jugueiros,  ou  S 
José  do  Godim,  e  Loureiro,  ambas  do  conce- 
lho da  Regoa,  e  Oliveira  —  do  concelho  de 
Mesãofrio. 

Comprehende  as  aldeias  seguintes :— No- 


gueira, Estremadouro,  Poriella,  Souto,  Quin- 
ta, Brunhedo,  Paço,  Viso,  Caldas  do  Molledo, 
Costa,  Quartas,  Neto,  Palia,  Moreira,  Mouri- 
nho, Outeiro,  Outeiro  de  Baixo,  Outeiro  de 
Cima,  Revoltinha,  Canal,  Corredoura,  Gan- 
cello,  Ranha,  Rocio,  Poças,  Palheiros,  Alena 
da  Fonte,  Sobre  a  Fonte,  Lojas,  Pinheiro, 
Cederma  ou  Aciderma,  Carvalho,  Egreja, 
Villa  Boa;  —  e  as  quintas  do  Neto,  Corre- 
doura, Tinoco  e  Praso,  —  e  a  estação  das 
Caldas  do  Molledo. 

A  quinta  do  Neto  pertence  hoje  á  familia 
Champalimaud,  de  Cidadelhe,  concelho  de 
Mesãofrio,  mas  até  1834  pertenceu  aos  pa- 
dres Loyos,  de  Lamego,  que  n'ella  fizeram 
um  luxuoso  pomar  de  larangeiras  cora  al- 
!  tos  muros  de  bem  trabalhado  granito  — 
j  e  no  leito  do  Douro  uma  grande  pesquei - 
!  ra,  ainda  hoje  denominada  pesqueira  dos 
\  Loyos. 

A  quinta  das  Caldas,  que  pertenceu  á  fa- 
milia Cambiasso  e  hoje  pertence  á  opulenta 
familia  Ferreirinhas,  da  Regoa  (V.  Villa  Real 
de  Traz-os-Montes,  tomo  xi,  pag.  I:i03,  col. 
1«.)  é  hoje  absolutamente  a  mais  importante 
d'esta  freguezia.  Além  de  ter  mimosos  cam- 
pos regadios,  um  bom  pomar  de  larangeiras 
e  luxuosos  vinhedos  que  já  teem  produzido 
180  pipas  de  vinho  de  embarque  ou  de  ex- 
portação, comprehende  todo  o  estabeleci- 
mento ihermal  e  vários  prédios  urbanos  da 
povoação  das  Caldas,  avultando  entre  elles 
o  elegante  e  magestoso  palacete  mandado  fa- 
zer no  fim  do  3 "  quartel  d'este  século  pelo 
2.°  marido  da  sr.«  D.  Antónia  Adelaide  Fer- 
reira,—  o  par  do  reino  Francisco  José  da 
Silva  Torres.  Custou  lhe  cerca  de  oitenta 
contos  de  réis;  —  tem  nas  lojas  um  bom  ar- 
mazém com  uma  soberba  coUecção  de  toneis 
de  castanho  e  tampos  de  vinhatico,  —  e  na 
extremidade  E.  uma  lindíssima  capella  con- 
tigua, com  a  porta  franca  ao  publico. 

É  o  palacete  mais  luxuoso  que  ha  nas 
duas  margens  do  Douro  actualmente  desde  o 
i  Porto  até  á  Hespanha. 

Foi  muito  mais  luxuoso  o  palácio  do  Frei- 
xo, na  freguezia  de  Campanhã,  fundado  pe- 
los marquezes  de  Távora  no  meiado  do  ulti- 
mo século,  mas  tem  passado  por  cruéis  alter- 
nativas I  No*"  rincipios  d'e8te  século  eslevft 


1892 


VIS 


VIS 


®m  grMode  abandono  e  arvorado  em  arnia- 
z«m  de  salga  e  deposito  de  peixe^ I. . . 

No  meiado  d'este  século  comprou-o  o  ba- 
rão de  Velado,  capitalista  brazUeiro,  depois 
visconde  do  Freixo,  que  o  restaurou  e  mo- 
bilou ricamente.  Foi  a  casa  mal'<[luxuo9ado 
Porto  alguns  anoos,  mas  por  morte  do  vis- 
conde passou  para  a  viuva  e  d'esia  para  es- 
tranhofi,  achando-se  novamente  em  mísero 
estado  ?  I . . . 

V.  Campanhan  tomo  2."  pag.  58, —  e 
Freixo  (quinta  do)  tomo  3.»  pag.  233, 
col.  1.» 


A  quinta  das  Caldas,  quando  o  sr.  Torres 
a  comprou,  aproximadamente  em  4850,  era 
muito  mais  pequena  e  estava  quasi  toda  in- 
culta; mas  aquelle  grande  capitalista,  ópti- 
mo agricultor  e  o  1.*  negociante  de  vinhos 
de  Portugal  no  seu  tempo,  i  addicionou-lhe 
por  compra  muitas  propriedades,  —  replan- 
tou-a  toda, —  e  restaurou  também  o  estabe- 
lecimento thermal,  que  é  hoje  um  dos  mais 
limpos  e  mais  concorridos  do  nosso  paiz,  já 
pela  variedade  e  excellencia  das  suas  aguas, 
já  porque  a  linha  férrea  do  Douro  lhe  deu 
estação  própria  na  extremidade  leste  da  po- 
voação, lornando-a  muito  accessivel  a  men- 
cionada linha  que  passa  a  N.  e  montante  das 
casas,  tocando  em  algumas  d'ellas.  Além 
d'isso  corre  pelo  meio  da  povoação  a  estrada 
real  do  Porto  á  Rngoa,  formando  uma  estra- 
da— rua,  e  a  jusante  a  via  fluvial  do  Dou- 
ro, que  nas  enchentes  cobre  alguns  ba- 
nhos. 

Não  ha  em  todo  o  nosso  paiz  outro  es- 
tabelecimento thermal  tão  accessivel  como 
«8te. 


^  Era  natural  da  freguezía  de  Dois  Portos, 
concelho  de  Torr*^s  Vedras;^ — nos  seus  vas- 
tos armazéns  de  Villa  Nova  de  Gaya  chegou 
a  ter  um  deposito  de  15:000  pipas  de  oinho 
d'embarque  —  e  deixou  uma  fortuna  avalia- 
pa  em  seis  mil  contos!. . . 


I  V.  Molledo,  aldeia,  tomo  5.»  pag.  372,  col. 
2.*,  —  e  Villa  Marim,  tomo  xi,  pag.  780  e 
781,  com  as  suas  respectivas  notas,  onde  já 
fizemos  varias  rectificações  aos  2  menciona- 
dos artigos  Molledo  e  Rede,  eseriptos  pelo 
meu  benemérito  antecessor,  i  que  foi  n*elles 
muito  infeliz,  por  não  conhecer  a  locali- 
dade. 

Aproveitando  pois  o  ensejo,  completare- 
mos aquellas  rectificações. 

Principiando  pelo  art.  Molledo,  cumpre- 
nos  dizer  o  seguinte: 

1  •  Aquella  povoação  está  como  a  da  Cur- 
vaceira,  junto  da  margem  esquerda  do  Dou- 
ro, naas  distam  uma  da  outra  cerca  de  2 
kilometros  — 3ío//gdo  a  jusante  (0.)  e  Cur- 
vaciira  a  montante  (E  )  das  Caldas,  —  mes- 
mo era  frente  da  actual  estação  do  Molledo, 
ou  das  Caldas  de  Molledo. 

2.  *  A  velha  povoação  do  Molledo  que  deu 
o  nome  ás  ditas  Caldas,  não  demora  no  de- 
clive da  serra  de  Villar,  nem  de  serra  algu- 
ma, mas  na  baixa  e  a  meio  da  grande 
freguezia  de  Penajoia.  A  serra  de  Villar 
muito  impropriamente  dita,  pertence  á  fre- 
guezia de  Barrô,  limítrophe  e  visinha  da 
Penajoia,  e  distante  do  Molledo  2  a  3  kil- 
para.  O. 

3.  »  A  ponte  do  Piar^  também  dista  da 
antiga  povoação  de  Molledo  2  a  3  kilo- 
metro»  para  O.  —  a  jusante  de  Villar  e  Me- 
sãofrio. 

4.  *  Como  dissemos  em  Villa  Marim,  loc. 
cit.  as  aguas  thermaes  estão  na  freguezia  de 
Oliveira,  concelho  de  Mesàufrio,— e  o  resto 
da  povoação  (quasi  toda)  na  freguezia  de 
Fontellas. 

5.  *  A  povoação  da  Rêde,  como  também  já 
dissemos  no  art.  Villa  Marim,  pertence 


^  Nós  acceitámos  a  continuação  d'este  dic- 
cionario,  depois  de  principiado  o  art.  Vianna 
do  Castello. 

Suum  cuiqne. 

>  Da  vetha  ponte  já   pouco  existe; 
resta  porem  o  ponto  do  Piar.  V.  Pon- 
tos  do  Douro,  vol.  7.*  pag.  199,  col. 
n.«  2i. 


VIS 


VIS  1893 


áqufUa  freguezia  e  à  de  Santa  Christina  de  j 
Mesâufrío.  Nada  tem  com  as  Caldas  do  Mol-  j 
ledo  e  dista  d'ella8  3  kil.  por  O.  metteudo-  | 
se  de  permeio  toda  a  parte  baixa  da  fre-  | 
guezía  de  Villa  Marim  e  parte  da  de  Oli- 
veira. 

6.  *  A  Villa  de  Mesãofrio  está  sobranceira 
não  á  povoação  das  Caldas,  mas  á  da  Rêde. 

7.  "  As  antigas  diligencias  do  Porto  à  Re- 
goa  (acabaram,  logo  que  se  inaugurou  a  li- 
nha do  Uouro)  não  passavam  perto  das  Cal- 
das, mas  pelo  meio  da  povoação  d'esie  nome. 

8.0  Os  banhos  da  Lameira  foram  muito 
humildes  e  d'tlks  se  utilisaram  com  prefe- 
rencia os  pobres,  mas  hoje  estão  restaura- 
dos e  mesmo  aceiados,  e  d'eiles  se  utilisam 
os  pobres  e  os  ricos. 

9.»  Antes  de  se  abrir  ao  tranzito  a  linha 
do  Douro,  podia  ir-se  em  diligencia  não  só 
até  perto  das  Caldas,  mas  até  á  porta  de  to- 
das as  habitações  das  Caldas— e  até  á  porta 
de  todos  os  banhos,  exceptuando  os  da  mar- 
gem do  no. 

IO*  Na  povoação  das  Caldas  não  ha  so- 
mente uma  boa  hespedaria  e  uma  loja  de 
mercearia  bem  sortida,  mas  bastantes  casas 
para  os  banhistas^  algumas  espaçosas  e  mui 
to  decentes,— uma  boa  pharmacia,  um  ta- 
lho de  carnes  verdes,  3  capellas  particula- 
res, mas  com  porta  franca  ao  publico,  sen- 
do uma  dVlIas  inaugurada  ainda  esteanno^ 
— uma  pholographia,  differentes  estabeleci- 
mentos de  sapateiros,  funileiros,  relojoeiros 
6  barbeiros,  4  ou  5  lojas  de  mercearia  e  fa- 
zendas brancas,  eic,  todas  bem  sortidas, 
—caixa  de  correio,  5  tabernas,  e  na  es- 
tação balnear  um  pequeno  mercado  mi- 
moso de  excelleule  fructa,  fornecida  pela 
grande  freguezia  de  Penajoia,  que  está  de- 
fronte, n^  outra  margem  do  Douro,  e  que  é 
talvez  a  freguezia  de  Portugal  que  produz 
mais  e  melhor  fructa. 

No  verão  aquella  vasta  freguezia,  que  de 
leste  a  oeste  cou) prebende  6  kiiomelrose  de 
norte  a  sul  4  a  o,  parece  toda  um  pomar, 
um  jardiml . . . 


Paliemos  agora  do  artigo  Rêde: 


Além  das  rectificações  já  feitas  supra  e  no 
art.  Villa  Marim,  loc.  cit.  apontaremos  as  se- 
guintes: 

1.  »  Como  já  dissemos,  aquella  povoação 
não  pertence  á  freguezia  de  Fontella*,  mas 
às  duas  de  Villa  Marim,— e  Santa  Christina, 
do  concelho  de  Mesãofrio. 

O  amigo  apeadeiro,  hoje  estação  da  Rêde, 
pertence  á  freguezia  de  Santa  Christina,  e 
dista  não  5,  mas  8  kil.  da  Regoa;  95  do 
Porto;  20  de  Lamego  pela  estação  da  Regoa 
— e  432  de  Lisboa. 

De  Lamego  para  as  Caldas  só  algum  po- 
bre segue  ainda  hoje  a  antiga  estrada  di- 
recta de  6  kilometros.  Todos  preferem  a 
viagem  pela  estação  da  Regoa  e  p'la  nova 
estrada  a  macadam  de  Lamego  á  Regoa,  que 
tem  d'extensão  12  kil.  e  foi  feita  não  para 
sub'tituir  a  velha  estrada  direcia  para  as 
Caldas,  mas  a  antiga  estrada  de  Lamego  á 
Regoa,  que  tinha  também  6  kilometros  de 
extensão,  com  declives  de  10  a  12  por  cento 
e  6  a  8  metros  de  largura.  Foi  uma  estrada 
luxuosa  em  outro  tempo,  quando  o  melhor 
transporte  eram  as  liteiras. 

2.  »  Antes  de  se  desenvolver  a  povoação 
das  Caldas,  muitos  banhistas  occupavam  as 
casas  fronteiras  pertencentes  ás  quintas  da 
Penajoia,  na  margem  esquerda  do  Douro, 
mas  nunca  foram  habitar  a  povoação  da 
Rêde,  distante  3  kilometrosi . . . 

3.  *  Alem  da  antiga  e  nobre  casa  da  Rêde, 
solar  dos  Alpoins,  huuve  ali  outra  muito 
mais  antiga  e  mais  nobre,  denominada  tam- 
bém casa  da  Rêde,  que  foi  dos  Peixotos 
Pinto  Coelhos,  representantes  d  Egas  Moniz. 
O  edificio  era  humilde,  mas  o  casal  opulen- 
to, pois  comprehendia  muitas  terras  em 
volta,  hoje  todas  perdidas  e  possuídas  por 
estranhos. 

O  palacete  da  nobre  família  Alpoim  é  hoje 
sem  contestação  o  l.»  da  localidade  e  foi 
feito  no  sec.  xvii. 

Também  ali  tiveram  nobre  solar,  —  diffe- 
rentes casas  e  muitos  bens,  eomprehenden- 
do  o  palacete  de  S.  Thiago,— os  Soares  de 
Albergaria,  hoje  alliados  com  um  dos  repre- 
sentantes d'Egas  Moniz  Coelho. 
V.  Albergaria,  tomo  1."  pag.  48.  col.  2.* 
1  —Villa  Marim,  loc.  cit.  pag.  779,  col.  o 


i894  VIS 


VIS 


segg. — e  pag.  78S,  col.  2.»— e  Villa  Jusã  no 
mesmo  vol.  pag.  771,  col.  1.» 
Prosigamos. 

As  primeiras  casas  da  povoação  das  Cal- 
das do  Molledo  foram  as  da  quinta  onde  bro- 
tam. Feita  a  estrada  marginal  da  Rede  até 
a  Regoa  pela  Companhia  dos  Vinhos  (V. 
Villa  Jusã  loc.  cif.)  em  substituição  da  ve* 
lha  estrada  de  sirga,  que  era  um  carreiro  de 
cabras,  tornaram-se  os  banhos  muito  mais 
accessiveis  e  mais  concorridos,  e  logo  se 
fizeram  uns  humildes  quartéis  a  0.  dos  ba* 
nhos  da  estrada  e  a  N.  d'e3ta,  —  quartéis 
que  ainda  hoje  lá  se  vêem. 

Depois  o  capitão  Isidro,  da  Regoa,  fez  uma 
boa  casa,  com  capella,  para  os  banhistas. 
Tem  3  pavimentos  e  ainda  hoje  conserva  o 
nome  de  quartéis  do  Sidro.  Também  por 
esse  tempo  um  tal  Manoel  d'Almeida  fun- 
dou uma  estalagem  a  montante  da  nova 
estrada  e  junto  do  ribeiro  que  vem  deFon- 
lellas, — estalagem  que  foi  muito  concorrida 
e  bem  conhecida  como  estalagem  do  Almeida 
até  ser  expropriada  e  demolida  para  a  con- 
strucção  da  linha  térrea. 

Depois  d'aquellas  3  casas  construiram-se 
gradualmente  outras  e  assim  se  formou  a 
povoação. 

Junto  da  estalagem  do  Almeida  (lado  O.) 
se  estabeleceu  no  %'  quartel  d'esie  século 
como  ferrador  um  bom  homem  e  um  gran- 
de artista,— José  Pereira,  —  que  foi  um  dos 
ferradores  mais  acreditados  e  mais  afregue- 
zados  que  houve  entre  o  Porto  e  a  Regoa. 
Casou  com  uma  fílha  do  dono  da  estalagem, 
por  nome  Josepha  d'Almeida,  que  ainda  vi- 
ve, já  viuva;  os  dois  fizeram  differentes  ca- 
sas na  povoação  e  tiveram  differentes  filhos, 
entre  elles  um,  de  nome  João  dos  Santos 
Pereira  que,  apesar  de  ser  surdo  mudo,  de-  j 
senha  e  pinta;  tem  tirado  muitos  retratos  a  I 
oleo  e  é  também  photographo^  excellente  < 
pessoa  e  muito  intelligente. 

Foi  âlumno  do  collegio  de  Surdos  Mudos 
que  o  chorado  rei  D.  Pedro  V.  montou  na 
Casa  Pia,  em  Lisboa,  e  depois  frequentou 
também  algum  tempo  a  Academia  de  Bellas 
Artes,  no  Porto. 

Outro  filho  do  ferrador  José  Pereira  se- 


guiu a  profissão  do  pae.  Chama-se  Manoel 
dos  Santos  Pereira  e  foi  elle  quem  fez  a  no- 
va Capella  (do  Coração  de  Maria)  que  este 
anno  se  benzeu  e  inaugurou  com  uma  pom- 
posa festividade  em  cumprimento  de  certa 
voto. 

Demora  a  dita  capella  entre  a  estação  e  a» 
Caldas,  muito  perto  do  sitio  onde  o  funda- 
dor nasceu. 

Também  na  povoação  das  Caldas  se  esta- 
beleceu com  um  talho  de  carnes  verdes  an- 
tes de  1850  Marcos  Correia,  homem  agigan- 
tado, muito  enérgico  e  muito  valente,  mas 
muito  traiavel  e  excellente  pessoa.  Ahi  tem 
feito  interesses  e  construiu  uma  das  melho- 
res casas  da  povoação;  montou  também  ali 
uma  boa  mercearia  e  tem  sido  dos  últimos 
tpmpos  arrendatário  dos  banhos. 

Também  no  melado  d'este  século  um  ne- 
gociante e  capitalista  de  Lamego,  —  Custo- 
dio Correia  da  Rocha, —  mandou  ali  fazer 
um  grande  hotel^  que  ainda  hoje  é  o  pri- 
meiro das  ditas  Caldas. 

Esta  parochia  de  Fontellas  confina  aa 
norte  com  o  monte  Mourinho,^  e  ao  sul  com 
o  rio  Douro,  na  extensão  de  1/2  kilometro, 
aproximadamente,  desde  o  pequeno  ribeiro 
das  Caldas,  linha  divisória  entre  os  conce- 
lhos da  Regoa  e  Mesàofrio,  até  o  ribeiro  da 
Palia  na  extremidade  O.  da  freguezia  de 
Jugueiros.2  Comprehende  no  Douro  o  cele- 
bre ponto  da  Curvaceira,  que  tomou  o  no- 
me da  vistosa,  mas  pequena  povoação  que 
está  na  margem  esquerda,  freguezia  da  Pe- 


1  N'este  monte  ha  uma  capella  de  S.  Gon- 
çalo  muito  antiga,  com  festa  e  romagem  to- 
dos os  annos,  mas  pertence  á  freguezia  de 
Loureiro,  qne  parte  com  a  de  Fontellas. 

2  O  ribeiro  da  Palia  dpsagua  no  Douro 
junto  da  barca  do  Carvalho  e  vai  só  até  ali, 
pela  margem  do  Douro  a  freguezia  de  Fon- 
tellas, mas  avança  muito  mais  para  o  nas- 
cente contra  a  freguezia  de  Jugueiros  por 
uma  linha  convencional  a  montante  da  es- 
trada nova  e  da  linha  férrea,  —  sem  descer 
até  o  Douro. 


VIS 


VIS  1895 


Dajoia,— mesmo  em  frente  da  estação  do 
Molledo. 

V.  Pontos  do  Douro,  tomo  7. o  pag.  199, 
col.  n.»  26, — e  Corvaceira  n'e8te  diccion. 
e  DO  supplemento. 

Na  margem  direita  do  dito  ponto  e  nas 
aguas  d'esta  freguezia  se  montou  aproxima- 
damente em  1852  um  moinho  com  3  rodas, 
dentro  de  um  grande  barco;  junto  d'este 
moinho  se  fez  depois  outro  e  ambos  ali  tra- 
balharam muitos  annos;  por  vezes  foram  rio 
abaixo  d'envoita  com  as  cheias,  mas  ainda 
lá  se  vé  um  com  2  rodas  dentro  de  um  bar- 
co—e 2  feitos  de  pedra  ou  azenhas  que  tra- 
balham só  no  verão. 

Ha  também  nos  limites  d'estã  parochia 
uma  barca  de  passagem  sobre  o  Douro,  bem 
conhecida  como  barca  do  Carvalho.  Cruza 
o  Douro  entre  esta  freguezia,  no  sitio  da 
Palia,  cerca  de  300  metros  ao  nascente 
da  actual  estação  do  Molledo,  e  a  fre- 
guezia de  Samodães,  no  sitio  do  Car- 
valho. D'ella  fez  menção  o  cónego  ter- 
eenario  Ruy  Fernandez,  em  1532,  na  sua 
Descripção  do  terreno  em  volta  de  Lamego 
duas  léguas,  e  pertencia  n'aquelle  tempo  á 
quinta  do  Loureiro,  que  ainda  hoje  lá  se 
vé  com  uma  capella  na  margem  esquerda 
do  Douro,  termo  da  freguezia  de  Samodães, 
a  montante  do  tal  sitio  do  Carvalho.'  De- 
pois, não  sabemos  quando,  passou  para  a 
camará  de  Lamego  que,  antes  de  se  abrir 
á  circulação  a  linha  férrea  do  Douro,  cos- 
tumava arrendar  a  dita  barca  por  réis 
l:200i|i000  annualmente,  livres  para  a  ca- 
mará, ficando  a  cargo  dos  barqueiros  a 
construcção  e  reparação  das  barcas,  etc— 
E  os  barqueiros  faziam  interesses,  pois  nós 
conhecemos  n'esse  tempo  dois:  —  Manoel 
Marques,  já  falleeido,— e  Joaquim  Marques, 
ainda  vivo,  irmãos,  excellentes  pessoas. 


í  Inedit.  de  Hisí.  Port.  tomo  5.»  in  fine. 

O  auctor  simplesmente  diz  que  a  barca 
do  Carvalho  era  de  hua  quinta;  suppomos, 
porém,  ser  a  tal  quinta  do  Loureiro,  por- 
que é  muito  antiga  e  demora  junto  da 
barca. 


muito  tratáveis  e  muito  generosos.  Não  ac- 
ceitavam  um  real  dos  habitantes  dos  povos 
visiohos,  Curvaceira,  Caldas,  etc. — e  apesar 
d'Í8so  o  1."  construiu  uma  boa  casa  na  Pal- 
ia—e  o  outro  um  bom  prédio  nas  Caldas 
do  Molledo,  onde  vive. 

Depois  da  barca  da  Begoa,  a  barca  do 
Carvalhoera  a  mais  importante,  de  mais  mo- 
vimento e  mais  rendimento  que  havia  em 
todo  o  Douro,  desde  que  a  Companhia  dos 
Vinhos  fez  a  estrada  do  Porto  até  à  Regoa, 
pois  passou  para  a  barca  do  Carvalho  qua- 
si  todo  o  movimento  da  antiquíssima  barca 
do  Molledo  (a  povoação  que  deu  o  nome  às 
Caldas,  ou  do  Por  Deus.)  ' 

Todos  os  viandantes,  cavalleiros  e  almo- 
creves que  transitavam  entre  o  Porto,  Mi- 
nho, Lamego  e  Beira  abandonaram  o  anti- 
go itinerário  pela  Íngreme  ladeira  da  Pena- 
joia,  Santiaguinho  e  serra  d'Avões  —  e  se- 
guiam pela  barca  do  Carvalho,  Cambres  e 
Lamego,  ou  pela  barca  da  Regoa,  mas  pre- 
feriam a  do  Carvalho  por  duas  rasões:— 
i.»  porque  encurtavam  6  kilometros : — 2.* 
por  ser  ali  a  passagem  mais  commoda,  mais 
rápida  e  mais  segura. 

Na  Regoa  a  passagem  era  morosa  e  pe- 
rigosa, principalmente  no  inverno.  Ainda 
n'esttí  século,  aproximadamente  em  1850, 
ali  se  submergiu  uma  grande  barca  com- 
pletamente carregada,  perecendo  muitas 
pessoas,  em  quanto  que  no  Carvalho  não  ha 
memoria  de  naufrágio  algum!  O  rio  presta- 
se  admiravelmente  para  a  passagem; — o 
serviço  era  bem  feito— e  tinham  barcas  so- 
berbas! Nós  ainda  ali  conhecemos  uma  que 
recebia  10  cavalgaduras  carregadas — ou  3 
carros  de  bois  a  um  tempo,  carregados  e 
sem  desapporem  ou  desprenderem  os  bois, 
levando  conjuntamente  grande  namero  de 
pessoas,  etc. 

Fecharemos  este  tópico  mencionando  um 
facto  importante,  horroroso,  tristíssimo,  que 
se  deu  na  barca  do  Carvalho. 


1  V.  Villa  Jusã,  tomo  li.»  pag.  768,  col. 
i.»;— Villa  Marim,  no  mesmo  vol.  pag.  782, 
col.  2.%— e  Viseu,  pag.  1775,  col.  e  sua 
respectiva  nota. 


1896  VIS 


VIS 


Em  1827  a  1829,  com  as  perturbações  po- 
liticas esteve  algum  tempo  a  dita  barca  sem 
ser  arrendada,  coDliDuando  os  antigos  bar- 
queiros a  fazer  o  serviço  e  auferindo  inte- 
reíses.  Com  a  mira  na  gauanciaum  proprie- 
tário visinho,  Manoel  Pinto  Pereira  Borges, 
da  povoação  da  Cederma  ou  Aciderma,  ofiB- 
«iai  do  sr.  D.  Miguel,  mandou  fazer  barcas 
suas  e  cellocou-as  ao  lado  das  outras,  em 
competência  com  ellas;  mas  o  povo  indigna- 
do não  poz  pé  nas  novas  barcas  e  continuou 
a  demandar  somente  as  velhas.  O  tal  senhor, 
vendo  maliograda  a  sua  torpe  e  vil  especu- 
lação, mandou  baixar  os  preços  das  passa- 
gens nas  su»s  burcas;  mas,  nada  conseguiu- 
do,  escolheu  para  barqueiros  homens  per- 
versos e  deu  ih^s  ordem  para  coagirem  os 
transeunte:^.  S-guiram-se  alguns  espanca- 
mentos que  maÍ8  afugentaram  ainda  o  publi- 
co. Indignado  o  tal  senhor  e  abusando  da 
sua  posição  como  offidal  miguflista,  cer- 
ta noite  reuniu  um  bando  de  partidários 
seus,  —  arrombou  a  machado  as  portas  da 
casa  onde  dormiam  os  antigos  barqueiros; 
assassinou  barbaramente  um  e  espancou  e 
feriu  os  restantes,  deixando-os  em  perigo  de 
vida.  Depois  dirigiu-se  às  barcas  d'elles;  — 
lauçou-lhes  o  fugo;  —  soltou-as  —  e  ellas  lá 
foram  ardendo  pelo  rio  abaixo?!  • . . 

Eu  aiuda  conheci  o  tal  heroe. 

Foi  procesi>ado;  andou  homisiado  muito 
tempo;  compr  ometteu  a  sua  casa  para  se  li- 
vrar do  crime  e  morreu  pobre,  amaldiçoa- 
do e  despresado  por  todosi . . . 

A  dita  barca  hoje  rende  apenas  SOOiílOOO 
réis,  porque  a  linha  do  Douro  levou  para  a 
estação  da  Regoa  todo  o  movimento  entre  o 
Porto,  Mmho  e  Lamego  ;  —  acabou  com  os 
almocreve»  que  pejavam  a  dila  barca — e 
amorteceu  a  navegação  do  Douro,  o  que 
prejudicou  muito  a  barca,  pois  os  barcos 
rabellos,  quasi  sempre  tirados  por  bois  na 
viagem  ascendente,  seguem  na  maior  parte 
do  anno  pela  margem  esquerda  do  Douro 
até  o  Carvalho  e  ali  cambam  para  a  margem 
direita,  passando  os  bois  na  dita  barca.  Nas 
cheias  cambam  um  pouco  mais  abaixo, 
mesmo  deffonte  ã»  estação  do  Molledo,  mas 
os  bois  passam  também  na  mesma  barca. 
Ali  passavam  outr'ora  por  vezes  em  um  dia 


mais  de  30  juntas  de  bois,  em  quanto  que 
hoje  esse  movimento  é  muito  limitado. 

Também  outr'ora  não  era  permittida  a 
passagem  n'ouiros  barcos  até  certa  dístan- 
cia,  emquanto  que  hoje  entre  o  eaes  da  Car- 
vaceira  e  a  estação  do  Molledo,  para  serviço 
d'esta  cruzam  o  D>)uro  constantemente  com 
passageiros  e  mercadorias  muitos  barcos. 

Também  esta  em  projecto  uma  ponte  so- 
bre o  Duuro  juQio  da  estação  de  Molledo  e, 
logo  que  ella  se  construa,  —  adeus  barca  do 
Carvalho! . . . 

Uma  poderosa  companhia  estrangeira  pro- 
põe-se  construir  9  pontes  sobre  o  Douro,^ 
ficando  uma  d'ellas  na  estação  da  Rêde,  mas 
nós  trabalhamos  para  que  a  dicia  ponte  se 
faça  junto  da  estação  de  Molledo  (entre  ella 
e  a  povoação  da  Cu r vaceira,  minha  terra  na- 
tal) porque  ali  lera  muito  maior  movimento 
e  é  de  mais  facil  cousirucção,  como  já  fize- 
mos ver  em  um  longo  artigo  publicado  em 
differented  joroaes  da  Regoa,  de  Lamego,  do 
Porto  e  de  Lisboa,— artigo  que  ninguém  im- 
pugnou, por  ser  de  rigorosa  justiça  o  que 
n'elle  expendo  e  peço.  E  ao  mencionado  ar- 
tigo hãode  seguir -se  outros!. . . 

Tenho,  pois,  bem  fundadas  esperanças  de 
ver  construída  ali  a  ponte. 

A  questão  é  de  tempo. 

Mencionaremos  também  aqui  outro  facto 
importante  e  ho.'^roroso  que  em  1837  se 
deu  junto  da  dita  barca. 

Foi  o  seguinte; 

Morava  a  N.  da  estrada  real,  em  uma  hu- 
milde choupana,  defronte  da  avenida  que 
desce  para  a  barca,  uma  familia  por  alcu- 
nha Miséria,  que  tiuha  uma  moça  nova  e 
sympathica;  e  havia  então  em  Fonieltas  um 
moço  de  boa  família,  por  nome  Antonio  de 
Seixas,  muito  valente  e  muito  desordeiro, 
que  requestava  a  dita  moça  e  a  visitava  re- 


1  Hoje  (1888)  ha  sobre  o  Douro  as  5  pon- 
tes seguintes:  í  no  Porto,  ambas  de  ferro, 
sendo  uma  de  dois  tabuleiros,  —  e  3  de  pe- 
dra e  ferro:— uma  na  foz  do  Tâmega,  outra 
na  Regoa  e  outra  no  Alto -Douro. 


VIS 


VIS  1897 


petidas  vezes  Tinha  ella  também  um  irmão, 
Manoel  da  Silva  Borges,  de  pelle  diubi,  que 
resolveu  desíazer-se  do  tal  Seixas  e  uma 
noite,  quando  este  denteia  de  Fontellas  para 
cumprimentar  a  menina,  o  irmão  esperou-o 
em  um  recanto  da  estrada,  cerca  de  300  me- 
tros a  montante  da  choupana  que  habita- 
vam;—deu-lhe  um  tiro  à  qu-^ima-roupa  e  o 
matou  mslantaneamente,  deixando-oem  mí- 
sero estado,  porque  o  apanhou  pelo  centro 
do  corpo,  Incendiando-se  os  cartuxos  que 
trazia  em  uma  canaoa  e  o  assaram  e  quei 
maram  horrivelmente,  pois  vinha  bem  ar- 
mado!. . . 

Eu  era  então  muito  creança,''  vivia  com 
meus  paes  na  povoação  da  Hurvaceira,  qua- 
si  defronte,  e  ainda  me  recordo  de  ouvir  a 
detonação  do  tiro  e  a  narração  do  facto, 
etc.  etc. 

Houve  n'e9ta  freguezia  de  Fontellas,  entre 
a  barca  do  Carvalho  e  a  estação  do  Molledo, 
um  santuário  aniiquiasimo,  alcandorado  so- 
bre o  Douro  no  cume  de  um  grande  morro 
de  schisto,  pelo  que  tomou  a  invocação  de 
Senhor  da  Fraga.  Ignoramos  o  nome  do 


*  Contava  apenas  cinco  annose  meio,  pois 
nasci  em  14  de  novt  mbro  de  1832  e  o  lai 
Seixas  foi  morto  na  noite  de  24  de  maio  de 
1837. 

Vivia  ainda  então  o  meu  avô  materno  Jo- 
sé Bodrigues  Curvaceira,  com  o  qual  eu  ia 
subindo  da  margem  do  Douro  para  a  nossa 
casa,  a  casa  da  cnpella.  A  meio  caminho  en- 
contrámos Fr.  Venâncio  Pmto  da  Silva, 
egresso  b^nedictino  e  nosso  visinho.  então 
meu  professor  de  instrucção  primaria,  que 
nos  deteve  um  pouco,  palestrando  com  o 
meu  avô  N'esse  momento  ('Stou  bem  cer- 
to!...) ouvimox  o  grande  tiro  alem-Douro; 
—depois  recolhemo  nos  ás  nossas  casas  e 
no  dia  seguinte  (se  b^m  me  recordo  era  um 
domingo)  espalhou  se  a  noticia  da  tal  morte. 

Foram  pronunciados — como  auctnr  o  tal 
Miséria  e  como  mandante  o  tal  Fr.  Venan 
ao  (?)  que  andou  homisiado  muito  tempo  e 
gastou  muito  dinheiro  para  livrar  se  do 
crime.  Elie  era  então  ainda  novo  e  tinha 
apenas  ordens  menoreí";  mais  tarde,  porém, 
ordenou  se  e  já  falleceu  ha  bastantes  annos. 
S.  T.  T.  L. 


\  fundador,  bem  como  a  data  e  o  motivo  da 
I  fundação,  mas  suppomos  que  seria  fundado 
pelos  marinheiros  rabellos,  por  estar  a  mon- 
tante do  ponto  da  Curvaceira,  que  outr'ora 
foi  um  medonho  sorvedouro  de  barcos  e  de 
vidas.  Pelo  mesmo  motivo  elles  fundaram 
diiferentes  capellas  junto  d'uutros  pontos^ 
nas  margens  do  Douro. 

Tinha  este  santuário  uma  capellinhá  no 
alto  dos  rochedos;— vários  nichos  com  san- 
tos; uma  gruta  para  o  ermitão,  nos  mesmos 
rochedos,— e  uma  escadaria  dupla  por  on- 
de se  subia  para  o  pequeno  santuário;  mas 
quando  a  Companhia  dos  Vinhos,  nos  fins  do 
ultimo  século,  mandou  fazer  a  estrada  do 
Porto  á  Regoa,  expropriou  e  demoliu  a  Ca- 
pella e  a  maior  parte  do  morro,  por  estarem 
no  alinhamento  da  estrada  e  por  ser  o  dito 
morro  uma  excellente  pedreira,  embora 
de  schisto,  d'onde  extrahiram  muita  pedra 
para  os  grandes  muros  de  supporte  da  es- 
trada. 

Desappareceu,  pois,  o  santuário  nos  fins 
do  ultimo  século;  no  meiado  d'e8te  ainda 
nós  vimos  a  gruta  do  ermitão  e  parte  da  es- 
cadaria, cuja  pedra  os  visiiihos  foram  rou- 
bando; por  ultimo  até  o  próprio  morro  des- 
appareceu com  a  exploração  da  p^dra  para 
a  construeção  da  linha  férrea  do  Douro. 

Pelos  annos  de  18S0  e  no  rigor  da  estia- 
gem foi  visto  com  surpresa  um  grande  sô- 
Iho  junto  da  barca  do  Carvalho;  passados 
dias  alguns  habitantes  da  Curvaceira  viram- 
no  descendo  pelo  ponto  d'este  nome,  porque 
!  a  agua  ali  no  verão  tem  pouco  fundo,  —  é 
transparente— e  o  sôlho  alem  de  ser  grande 
tinha  o  dorso  escuro.  Os  taes  meus  visinhos 
foram  rapidamente  a  suas  casas;— levaram 
armas  de  fogo  e  dispararam  sobre  elle  al- 
guns tiros,  mas  não  conseguiram  matal-o. 
O  solho  mergulhou  e  pouco  depois  appare- 
ceu  nadando  alguns  centos  de  metros  mais 
abaixo  entre  a  estação  do  Molledo  e  a  po- 
voação da  Curvaceira,  cujos  habitantes  se 
alvorotaram  e  correram  ao  Dt»uro,  também 
armados  com  espingardas,  pólvora  e  chum- 
bo. Saltaram  para  differenies  barcos  e  fize« 
j  ram  contra  o  pobre  sôlho  uma  verdadeira 
I  monteria,  divertimento  estranho  que  durou 


1898  VIS 


VIS 


algumas  horas.  Apenas  o  lobrigavam,  faziam 
fogo;  elle  mergulhava  e  sumia-se;  d'ahi  a 
pouco  apparecia  novamente  e  seguia-se  nova 
descarga.  Durou  bastante  tempo  o  tiroteio 
e  já  muitos  dos  caçadores  se  haviam  retira- 
do esmorecidos,  quando  o  pobre  solho  ap- 
pareceu  boiando  morto.  Levaram -no  para 
a  povoação  da  Curvaceira;  collocaram-no 
em  um  taboleiro  coberto  com  um  lençol  e 
ao  som  de  um  tambor  andaram  passeando 
com  elle  pelos  povos  visinhos;  depois  divi- 
diram-no  por  todos  os  que  haviam  tomado 
parte  na  brineadeira.i 

Parecia  um  grande  atum.  Tinha  de  com- 
primento cerca  de  2  metros;  pesou  sessenta 
e  tantos  kilos— e  apenas  recebeu  dois  feri- 
mentos de  bala. 

Os  solhos,  oriundos  do  mar,  costumam 
subir  pelo  Douro  e  alguns  ali  permanecem 
nos  grandes  poços,  taes  como  o  da  Pedra 
Caldeira,  Saião  e  Pocinho,  a  montante  da 
Regoa,2— e  aquelle  de  lá  veiu  desnorteado. 
Hoje  uo  Douro  são  raríssimos,  mas  parece 
que  outr'ora  eram  ali  vulgares  e  muito  es- 
timados, pois  d'elles  fazem  menção  os  fo- 
raes  antigos,  eonsiderando-os  peixe  real  e 
como  taes  pertencentes  ao  senhor  da  terra. 

V.  nos  Ined.  de  Hist.  Port.  o  antigo  foral 
de  S.  Martinho  de  Mouros  e  a  Descripção  do 
terreno  em  volta  de  Lamego  duas  legoas,  es- 
cripta  em  1532  pelo  cónego  tercenario  Ruy 
Fernandes,  o  qual  diz  textualmente  o  se- 
guinte: «Ha  também  (nas  duas  léguas  em 
volta  de  Lamego)  alguns  solhos,  ainda  que 
a  mór  caotidade  morrem  daqui  pera  cima 
em  villa  nova  de  fazcôa.  Estes  solhos  que 
aqui  morrem  são  peixes  de  10,  14,  15  pal- 
mos (?)  e  muy  grossos,  e  sám  peixes  reaes; 


1  Nós  vimos  os  touros  de  palanque,— ãaíS 
janellas  da  minha  casa, — a  casa  da  capella, 
que  demora  no  meio  da  povoação  da  Cur- 
vaceira e  domina  um  grande  tracto  do 
Douro. 

Não  tomámos  parte  na  funcção,  mas  ain- 
da assim  os  taes  senhores  brindaram-nos 
com  uma  grande  postal 

2  V.  tomo  XI  (art.  Viseu)  pag,  1704,  col. 
2.»  e  seg. 


e  quando  morrem  he  por  serem  grandes 
dorminhocos,  e  dormindo,  por  acerto  vam 
dar  em  os  canaes  onde  dam  em  séco;  e  os 
outros,  que  matam  no  dito  Douro^  em  villa 
nova,  morrem  pelo  mesmo  theor  em  arma- 
dilhas; e  os  pescadores  os  tem  á  sirgua  ata- 
dos no  Douro  15,  20  dias,  e  quanto  querem 
atee  que  vem  pessoas,  que  os  compram. 
Sam  peixes,  que  vale  cada  hu  1:000, 1:200, 
1:500  réis,  porque  ha  hi  peixes  que  pesam 
50,  60,  80  arrates  cada  hu,  e  dam  o  arrátel 
por  20  reis  (sic):  e  quando  os  tiram  da  au- 
gua,  deitam-lhe  hua  canada  de  vinho  bran- 
co polia  boca,  com  que  os  levam  dous  diás 
VIVOS,  e  os  que  morrem  neste  eercoito  em 
canaes,  que  sam  poucos,  sam  do  Senhor  da 
terra,  por  serem  peixes  reaes;  ainda  que  el- 
les  comem  os  menos,  porque  quando  os 
acham  os  pescadores,  furtam-nos,  e  vendem- 
nos,  e  delles  comem.» 

Inéditos,  tomo  V,  pag.  562. 

Parece  que  o  arrátel  m  illo  tempore  era 
muito  maior  que  o  de  hoje,  pois  ali  (pag. 
571)  o  mesmo  autor  diz  que  as  vaccas  de 
criação  pesavam  5,  6,  7  arrobas'^!. . . 

Outro  facto  também  curioso  e  observado 
também  por  mim,  quando  vivia  na  Curva- 
ceira, minha  terra  natal.i— mesmo  em  fren- 
te da  estação  de  Molledo,  ou  do  sitio  que 
ella  hoje  occupa. 

Aproximadamente  em  1850  fez-se  uma 
pequena  casa  de  tabique  entre  as  Caldas 
do  Molledo  e  a  estalagem  do  Almeida,  a 
montante  da  estrada  nova  e  cerca  de  8  me- 
tros afastada  do  alinhamento  d'ella. 

Depois  o  dono  reconsiderando  e  queren- 
do-a  no  alinhamento  da  estrada,  reuniu  um 
bando  de  homens  todos  armados  com  pan- 
cas e  alavancas;— atiraram-se  á  pobre  casa 
e  levaram-na  de  rojo  para  o  novo  alinha- 
mento, com  grande  pasmo  do  publico! 

Também  defronte  d'aquelle  sitio,  pelos 
aunos  de  1838  a  1840,  deu-se  um  facto  de 


2  V.  Corvaceira  e  Miragaya,  tomo  5.* 
pag.  250,  col.  1." 


VIS 


VIS  1899 


grande  risota,  que  podia  ter  serias  conse- 
qneDciast. . . 

Andando  a  celebre  musica  da  Penajoia  a 
folgar  DO  Douro  em  barcos,  alguns  d'elles 
com  senhoras,  tocando  e  cantando  o  arrom- 
ba, arromba,  arrombou  se  o  barco  das  se- 
nhoras! —  Tomaram  banho  sem  quererem, 
terminando  a  festança  em  gritaria. 

V.  Villa  Real  de  Traz  os  Montes,  tomo 
II.»  pag.  1006,  col.  1.*— e  Viseu  no  mesmo 
vol.  pag.  i791,  col.  2.»  in  fine. 

Cortam  esta  freguezia  na  extensão  de  1/2 
kilometro  de  leste  a  oeste  pela  sua  extremi- 
dade sul  a  estrada  real  do  Porto  á  Regoa  e 
a  linha  férrea  do  Douro,  aqui  parallelas  e 
beijando-se. 

Está  também  quasi  construída  uma  es- 
trada municipal  a  maeadam  de  Godim  para 
a  matriz  de  Fontellas. 

O  vinho  d'esta  freguezia  é  do  melhor  do 
Baixo  Douro,  por  estar  voltada  ao  sul  e  ser 
bastante  iogreme  e  muito  batida  do  sol.  É 
muito  superior  ao  das  3  freguezias  que  lhe 
ficam  fronteiras  alem-Douro:— Cambres,  Sa- 
modães  e  Penajoia;  mas  em  compensação 
estas  3  freguezias  são  muito  mais  mimosas 
e  mais  abundantes  d'agua,  de  cereaes  e  de 
fructa. 

No  caminho  das  Caldas  para  Fontellas  ha 
uma  quinta  apparatosa  com  boa  casa  e  Ca- 
pella da  invocação  de  Senhora  do  Amparo. 
Foi  do  benemérito  bispo  do  Porto— D.  João 
de  Magalhães  e  Avellar  —  filho  da  pequena 
povoação  de  Arneiroz,  junio  de  Lamego. 

V.  Arneiroz  e  Villa  Nova  de  Souto  d'El- 
Rei,  tomo  XI,  pag  872,  col.  2." 

Houve  em  Fontellas  um  homem  impor- 
tante, dono  da  nobre  casa  do  Estremadouro. 
Chamava-se  Antonio  Felisberto  da  Silva  e 
Cunha;— foi  governador  de  Villa  Real,  etc. 
— e  falleceu  já  depois  do  meiado  d'este  se- 
culo.i 


1  Era  parente  próximo  do  sr.  dr.  Jerony- 
mo  da  Cunha  Pimentel,  actual  director  da 
Penitenciaria  em  LÍ!*boa,  mas  natural  de 
Provezende,  no  Douro,  representante  da  no- 
bre casa  da  Calçada.  V.  Provezende. 


Esta  parochia,  alem  da  sua  matriz,  que  é 
um  bom  templo,  tem  as  capellas  seguiu* 
tes: 

1.  » — S.  Francisco,  a  mais  luxuosa  de  to- 
das, pertencente  ao  palácio  que  mandou 
fazer  nas  Caldas,  Francisco  José  da  Silva 
Torres. 

2.  " — Senhora  da  Saúde,  também  nas  Cal- 
das, pertencente  aos  quartéis  do  Sidro,  (IiU 
dro)  mencionados  supra. 

3.  '— Coração  de  Maria,  também  nas  Cal- 
das e  pertencente  ao  seu  fundador  Manoel 
dos  Santos  Pereira. 

4.  »- SenAora  do  Amparo,  junto  das  mes- 
mas Caldas  e  pertencente  à  quinta  da  Re- 
voltinha,  que  foi  do  bispo  D.  João  de  Ma- 
galhães e  Avellar. 

5.  *— Espirito  Santo,  pertencente  à  quinta 
da  Corredoura. 

6.  "— S.  Francisco  (outro)  em  Cimo  da 
Fonte,  na  quinta  que  foi  do  Champalimaud, 
de  Cidadelhe,  e  que  é  hoje  do  Banco  da  Ré- 
gua. 

7.  « — Senhora  das  Dares,  nas  Lageas,  per- 
tencente aos  herdeiros  de  D.  Marianna  de 
Azevedo  Leal. 

8  » — Senhora  da  Lembrança,  na  povoação 
do  Pinheiro,  pertencente  a  Antonio  José  de 
Carvalho  Borges. 

9.  *— Senhora  do  Carmo,  na  Portella,  per- 
tencente a  Manoel  Alvares  Pereira  Carnei- 
ro Leal. 

10.  » — Senhora  das  Preces,  no  Estrema- 
douro, pertencente  a  Luiz  da  Silva  Cunha 
Leite. 

11.  '— Santo  Antonio,  nas  Quartas,  perten- 
cente ao  dr.  Rodrigo  Telles  de  Meneses,  de 
Penafiel. 

12.  «— Sanío  Antonio  (outra)  na  povoação 
de  Moreira,  pertencente  a  Antonio  Ignacio 
Vieira  Borges. 

Todas  estas  12  capellas  são  particulares. 

13.  »— S.  Paulo. 

É  publica  e  estava  no  monte  do  Viso, 
donde  foi  transferida  para  o  cemitério  pa- 
rochial,  quando  este  se  fez,  em  1880.  É  um 
bom  cemitério,  distante  da  matriz  cerca  de 
V2  kilometro. 

Tiveram  também  os  Loyos  uma  capella 
na  sua  quinta  do  Neto,  mas  foi  profanada  ha 


1900  VIS 


VIS 


muito — e  também  jà  desappareceu,  como 
dissemos,  o  santuário  do  Senhor  da  Fraga. 

A  navegação  do  Douro  vae  em  grande 
decadência  depois  que  se  abriu  á  circulação 
a  linha  férrea  marginal;  mas  oulr'ora  foi 
muito  importante.  Muitos  arraes  fizeram 
boas  casas;  alguns  ordenaram,  formaram  e 
doutoraram  os  filhos*— e  pertenceu  a  esta 
parochia  um  dos  ultimes  arraes  do  Douro 
mais  iniportanieS;,  mais  considerados  e  mais 
ricos,  bem  conhecido  desde  o  Porto  até  à 
Hespanhã  como  José  Ignacio  da  Palia,  por 
que  o  seu  nome  era  José  Ignacio  Vieira 
Borges  e  morou  muitos  annos  na  pequt^na 
povoação  da  Palia,  junto  da  barca  do  Car- 
valho; mas  depois  viveu  e  falleceu  em  1880 
na  sua  bella  quinta  da  Corredoura  (a  mon- 
tante da  Palia)  que  comprou  por  doze  con- 
tos de  réis  e  que  é  hoje  dos  seus  filhos. 

Era  hnmem  muito  honrado  e  generoso,— 
um  cavalheiro  no  seu  procedimento,—  e  ti- 
nha uma  soberba  colleeção  de  barcos,  sen- 
do um  d'elles  (nós  o  vimos  muitas  vezes)— 
o  maior  do  Douro  no  seu  tempo.  Carregava 
80  pipas  de  557  litros  cada  uma. 

Mencionaremos  também  aqui  um  outro 
filho  d'esta  parochia  de  Fontellas,  contem- 
porâneo de  José  Ignacio  da  Palia  e  que  foi 
também  como  elle  muito  honrado  e  muito 
trabalhador. 
Chamava-se 

José  Pedro  d' Oliveira 
vulgo 

José  Pedro  de  Fontellas 

Foi  muito  conhecido,  muito  respeitado  e 
muito  considerado  no  Douro,  no  Porto  e  en- 
tre o  Porto  e  o  Douro,  porque  no  2.*  quar- 
tel d'este  século,  antes  de  se  estabelecerem 
na  província  as  agencias  bancarias,  foi  mui- 
tos annos  consecutivos  recoveiro  de  dinheiro 
e  só  de  dinheirofl . . . 

Levava  do  Porto  para  os  lavradores  (pro- 


*  Nó"  conhPcemos  um  par  do  reino  e  len- 
te da  Universidade  filho  de  um  arraes  do 
Douro.  Ainda  vive. 


prietarios)  do  Douro  a  importância  dos  seu» 
vinhos,  mediante  o  premio  de  30  réis  em 
moeda  de  iéSOO  réis,— ou  50  réis  de  premio, 
tomando  sobre  si  todo  o  risco. 

Assim  conduziu  do  Porto  para  o  Douro 
cargas  e  cargas  de  dinheiro  em  ouro  e  prata» 
no  valor  de  centos  de  centos^  e  estando  ao 
tempo  a  estrada  do  Porto  coberta  de  saltea- 
dores, principalmente  desde  Amarante  até 
Mefãofrio, — nunca  lhe  roubaram  um  real 
nem  deu  um  real  de  prejuiso  aos  seus  com- 
mitenies,  pelo  que  fez  bons  interesses  e,  alem 
de  um  nome  impoluto,  deixou  boa  fortuna. 

Casou  e  teve  filhos,  dos  quaes  ainda  hoje 
(1888)  vivem  tres: — José  Pedro  na  sua  casa 
de  Fontella8;=Z).  Delfina  no  Porto— e  D. 
Thereza  em  Amarante. 

Gaspar  Borges  d^Avellar 

Fecharemos  este  artigo  mencionando  um 
dos  homens  mais  illustrados  que  esta  paro- 
chia tem  produzido  até  hoje,— Gaspar  Bor- 
ges d'Avellar, — distincto  professor,  redactor 
e  escriptor  publico,  parente  do  benemérito 
bispo  do  Porto  D.  João  de  Magalhães  e  Avel- 
lar,  mencionado  supra,  que  morreu  na  sua 
casa  de  Arneiros  com  uma  indigestão  de  ce- 
rejasfl . . . 

Gaspar  Borges  d'Avellar  nasceu  na  casa 
solarenga  da  Arrenha,  a  29  de  fevereiro  de 
1844,  e  foram  seus  paes  Henrique  da  Silva 
Avellar  e  D.  Anna  Ludovina  de  Magalhães 
Avellar. 

Na  Regoa,  onde  seu  pae  era  empregado 
da  Companhia  dos  Vinhos,  estudou  instruc- 
ção  primaria  e  os  primeiros  rudimentos  de 
latim  com  o  professor  Manoel  Mendes  Oso- 
rio, irmão  mais  velho  de  João  Mendes  Oso- 
rio, hoje  capitalista,  residente  no  Porto  e  ali 
muito  considerado. 

Aos  11  annos  o  nosso  biographado  foi 
para  o  Porto  como  alumno  interno  do  Col- 
legio  de  S.  Sebastião,  onde  esteve  até  os  15 
annos  e  completou  o  curso  dos  lyceus,  pelo 
que  tem  o  diploma  de  bacharel  em  lettras- 

Matriiíulou-se  nà  escola  polytechnica  do 
Porto  aos  16  annos-,  cursando  o  1.»  anno  de 
I  mathematica,  em  que  foi  approvado  nemine 
'  discripante,  e  chimica,  em  que  obteve  o  1.» 


VIS 


VIS  1901 


premio  honorifico.  No  anno  seguinte  fre- 
quentou botânica,  obtendo  o  l.'  accessit. 

Por  falta  de  saúde  abandonou  os  estudos. 

Casou  em  22  de  fevereiro  de  1865  com  D. 
Maria  Henriqueta  d' Almeida  Navarro,  filha 
de  Daniel  d'Almeida  Navarro,  antigo  dire- 
ctor do  collegio  Instituto  Portuense.  Pouco 
depois  o  nosso  biographado  assumiu  a  di- 
recção do  dito  collegio,  dedicando-se  ao  en- 
sino, que  ainda  hoje  exerce,  das  línguas 
portugueza,  franceza  e  iogleza,  litteralura, 
geographia  e  historia. 

Publicou  uma  selecta  da  lingua  ingleza, 
que  durante  alguns  annos  foi  adoptada  no 
lyceu  e  no  Instituto  Industrial  do  Porto,  — 
e  tem  inéditas  duôs  grammaticas — uma  fran- 
ceza e  outra  ingleza,  que'  se  propõe  publi» 
car  brevemente. 

Encetou  a  sua  carreira  jornalística  escre- 
vendo no  antigo  periódico — A  Justiça.  An- 
nos depois  fundou  com  Urbano  Loureiro  o 
celebre  Diário  da  Tarde. 

Algum  tempo  depois  entrou  para  a  redac- 
ção do  Commereio  Portuguez,  do  qual  é  ain- 
da hoje  (1888)  um  dos  prineipaes  redacto- 
res,— e  tem  collaborado  em  differenlés  pu- 
blicações litterarias. 

Foi  um  dos  sócios  fundadores  da  Socieda- 
de de  Geographia  Commercial  e  da  Associa- 
ção dos  jornalistas  e  homens  de  lettras  do 
Porto,  sendo  actual  presidente  d'e8ta  ulti- 
ma. 

Tem  escripto  muito  para  o  theatro.  Mais 
de  150  composições  suas  se  teem  represen- 
tado no  Porto,  em  Lisboa,  nas  províncias  e 
no  Brazil,  sendo  algumas  originaes  e  outras 
adaptações  e  traducções.  Das  ditas  peças  es- 
tão publicadas — Os  filhos,  Os  Parasitas,  etc. 

Tem  feito  também  para  os  jornaes  muitas 
traducções  de  romances  franeezes  e  ingle- 
zes,  achando-se  algumas  d'ella8  publicadas 
em  volume,  taes  como': — Julia  de  Trêcoeur, 
de  Octávio  Feuillei;  Os  Invisíveis  de  Paris, 
de  Gustavo  Aymard;  O  gato  de  bordo,  de  Er- 
nesto Capendu;  Vinte  mil  legoas  sub-mari- 
nas,  de  Julio  Verne,  etc. 

Teve  2  irmãos  mais  novos — Manoel  e  Hen- 
rique— ambos  já  fallecidos. 

VOLUME  XI 


O  pae  era  natural  do  Porto,  filho  do  an- 
tigo almotacel  Manoel  de  Avellar  Barbedo 
Cerveira,  e  frequentou  a  Universidade,  que 
abandonou  para  seguir  a  causa  de  D.  Mi- 
guel, em  cujo  exercito  militou.  Depois  da 
convenção  retirou  se  para  Fontellas,  onde 
casou  com  sua  prima,  e  falleceu  no  Porto 
em  1865. 

A  mãe  do  nosso  biographado  ainda  vive. 
É  natural  de  Lagos,  no  Algarve,  donde  foi 
em  tenra  idade  para  casa  de  uns  tios  que 
tinha  em  Fontellas,  donos  da  casa  da^  Arre- 
nha,  e  que  lhe  deixaram  a  dieta  casa  e  so- 
lar, hoje  pertencentes  a  estranhos. 

O  benemérito  bispo  D.  João  de  Magalhães 
e  Avellar  era  tio  de  Henrique  da  Silva  Aval- 
iar, que  com  elle  viveu  algum  tempo. 

O  nosso  biographado  também  durante  4 
annos  regeu  a  cadeira  de  portuguez  (!,•  e 
2.*  parte)  no  lyceu  do  Porto,  como  profes- 
sor interino. 

Escreve  com  muita  facilidade, —  é  muito 
intelligente,  —  muito  trabalhador  —  e  sócio 
da  U Ex&ursionista,  de  Barcelona,  associa- 
ção catalã  de  excursões  scientifleas,  etc. 

P.  S. 

Á  ultima  hora  soube  que  a  povoação  da 
Cederma,  ou  Aciderma,  não  pertence  a  esta 
freguezia  de  Fontellas,  mas  á  de  Godim,  soa 
limiirophe — bem  como  parte  da  quinta  do 
Neto,  que  foi  dos  Loyos. 

VISO— aldeia  da  freguezia  de  Villa  Verde 
dos  Francos,  no  concelho  de  Alemquer. 

V.  tomo  XI,  pag.  1:115,  col.  1.» 

VISO— eminência  da  freguezia  de  Fontes, 
concelho  de  Santa  Martha  de  Penaguião. 

V.  Fontes,- yol  3."  pag.  211.  col.  1.» 

Pelo  censo  de  1878  contava  576  fogos  e 
1:962  habitantes  esta  importante  freguezia, 
que  è  a  mais  populosa  do  concelho  de  Pe- 
naguião e  bem  merecia  que  ampliássemos 
j  as  poucas  linhas  que  o  meu  benemérito  an- 
tecessor lheidedicou;  mas,  para  não  abusar- 
mos da  paciência  dos  editores,  guardemos  a 
tarefa  para  o  supplemento  e  consignemos 
agora  aqui  apenas  o  seguinte." 

Ha  n*esta  parochia  um  monte  denominado 
monte  do  Viso,  coroado  por  uma  capella 
que  d'elle  tomou  a  invocação  de  Nossa  Se- 

120 


i902  VIS 


VIS 


nhora  do  Viso,'  e  que  tem  i)omposa  festa, 
romagem  e  feira  annual  do  ultimo  domingo 
d'âgosto. 

Já  em  1716  o  auctor  do  Sanctuario  Ma- 
riano (tomo  5.»  pag.  131  a  135)  failando 
d'esta  mesma  capella,  dizia: 

«O  conceliio  de  Penaguião  flea  em  a  co- 
marca de  Sobre-Tamegaji  da  parte  do  nas- 
cente, olhando  para  a  cidade  do  Porto,  don- 
de dista  15  legoas.  He  senhor  d'este  conce- 
lho o  marquez  de  Fontes,  conde  de  Pena- 
guião, e  elle  apresenta  in  solidum  todos  os 
seus  OfiBcios.  Tem  este  cc-ncelho  14  fregue- 
zias  de  diversas  apresentações.  A  de  San- 
tiago de  Fontes,  de  donde  os  marquezes  tem 
o  titulo,  he  vigairaria  confirmada,  que  apre- 
senta o  comraendador  da  ordem  de  S.  João 
de  Malta,  a  qual  rende  tres  mil  cruzados. 
Tem  a  villa  de  Fontes  mais  de  300  visi- 
nhos. 

«No  districto  d'esta  freguezia  se  vê  o  san- 
tuário de  Nossa  Senhora  do  Viso,  casa  de 
muito  concurso  e  romagem.  He  este  santuá- 
rio muito  antigo,  e  na  estruciura  é  obra  ma- 
gnifica, porque  tem  de  longitude  setenta 
palmos,  e  de  latitude  trinta. 

«Tem  3  altares,  o  mayor  aonde  se  vê  col- 
Ipcada  a  imagem  de  Nossa  Senhora  do  Vi- 
so, cooao  patrona  daquella  casa,  e  douscol- 
lacteraes,  hum  dedicado  e  N.  S.«  com  o  ti- 
tulo das  Candeias;  o  outro  a  N.  S.»  das  Ne- 
ves: os  quaes  2  altares  ou  capellas  reedifi- 
cou o  commendador  d'aquella  commenda 
Fr.  André  Pinto,  em  acção  de  graças  pelos 
muytos  beneflcios  que  da  Mãy  de  Deos  ha- 
via recebido,  principalmente  nas  viagens  de 
Malta,  de  donde  invocava  sempre  a  Senhora 
do  Viso  em  seu  favor. 

«As  duas  imagens  da  Senhora,  assim  a 
das  Candeas,  como  a  das  Neves,  são  de  es- 
cultura de  madeyra,  e  estofadas  preciosa- 
mente, e  a  sua  estatura  são  5  palmos;  e  am- 


*  Referia-se  ás  comarcas  ecclesiasticas  da 
diocese  do  Porto,  que  até  1882  comprehen- 
dia  os  concelhos  da  Regoa  (só  as  freguezias 
da  margem  direita  do  Corgo)  Mesãofrio  e 
Penaguião. 


bás  tem  o  Menino  Deos  em  seus  braços.  A 
Senhora  do  Viso  também  tem  em  seus  bra- 
ços a  Deos  Menino,  e  he  da  mesma  propor- 
ção das  mais,  e  tem  ambas  as  imagens,  Mãy 
e  Filho,  coroas  de  prata  muyto  ricas  na  câ*- 
beça,  e  tem  também  hum  frontal  da  mesma 
prata  batida  C)  cou?a  muyto  preciosa  em 
custo,  e  feitio;  e  tem  riquíssimos  ornamen- 
tos, tudo  ministrado  por  aquelle  seu  devota 
comraendador;  e  todos  os  mais  ornatos  e 
peças  do  culto  divino  são  ricas  e  perfeitas. 

«He  este  templo  grande,  espaçoso,  e  muy- 
to perfeito,  não  só  quanto  á  architectura, 
mas  quanto  ao  ornato.  Está  todo  azulejado^ 
e  o  teclo  apaynelado  com  muyto  ricas  pin- 
turas dos  Mysterios  da  Senhora. 

«Tem  2  arcos  de  pedra  lavrada  e  4  pias 
de  agua  benta  de  jaspe  (?)  porque  tem  3 
portas. 

•Tão  generoso  se  mostrou  o  commenda- 
dor, que  levantou  casas  não  só  para  os  er- 
mitães, mas  para  os  peregrinos,  e>omeyros 
porque  são  muytos  os  que  de  varias  e  dis- 
tantes terras  concorrem  a  venerar  aquella 
milagrosa  Senhora,  que  sempre  está  como 
de  atalaya  vendo  e  vigiando  sobre  o  bem 
dos  seus  devotos. 

«Não  só  os  moradores  de  Fontes  continua- 
mente frequentão  aquelle  santuário,  e  casa 
da  Senhora  do  Viso,  mas  outros  muytos  que 
vivem  bem  distantes. 


•A  sua  festividade  se  celebra  a  8  de  se- 
tembro, dia  da  Natividade  da  Senhora,*  e 
nessa  occasião  se  faz  huma  grande  e  nume- 
rosa feira  por  espaço  de  3  dias. 

«Os  milagres  e  maravilhas  que  obra,  são 
muytos  e  continues . . . 


1  Depois  mudou-se  para  o  ultimo  domin- 
go d'agosto,  por  se  fazer  a  8  de  setembro  a 
grande  festa,  feira  e  romagem  de  Nossa  Se- 
nhora dos  Remédios,  em  Lamego,  —  festa 
muito  mais  concorrida  e  que  é  ha  muitos 
annos  a  1.*  nas  duas  margens  do  Douro  e 
em  toda  a  província  da  Beira  Alta. 

V.  Lamego  n'e3te  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 


VIS 


VIS  1903 


«o  exm.*  marquez  de  Fontes,  D.  Rodrigo 
Pedro  Anes  de  Sá,  confessa^  que  sendo  me- 
nino, o  levarão  seus  pays  à  Senhora  do  Vi- 
so em  hum  grande  aehaque  que  padecia,  e 
que  a  Senhora  lhe  dera  perfeitissiraa  saúde. 


•Como  esta  casa  da  Senhora  do  Viso  he 
muyto  antiga,  e  tanto  que  se  achão  noticias 
de  haver  sido  egreja  parochial  com  o  titulo 
de  abbadia,  por  isso  se  nào  sabe  dizer  nada 
da  sua  origem ...  O  que  só  consta  he  que 
D.  Diniz  dera  esta  casa  da  Senhora  aos  ea- 
valleirõs  de  Rhodes,  hoje  de  Malta . . .  e  que 
sendo  antigamente  abbadia,  já  no  tempo  da- 
quelle  grande  Rey  o  não  era. 


«Dizem  aquelles  moradores  de  mayor  dis- 
curso, e  capacidade,  que  esta  capella  foi  a 
matriz  da  povoação  de  Fontes  em  seus  prin- 
cipiios;  porem  como  esta  se  foy  augmentan- 
do  muyto  no  terreno  em  que  hoje  se  vê,  e 
o  santuário  da  Senhora  lhe  ficava  distante 
mais  de  hum  quarto  da  legoa,  e  em  terreno 
muy  escabroso,  resolverão  edificar  outra 
nova  matriz  mais  próxima  » 

Termina  dizendo  que  dos  commendado- 
res  de  Fontes  o  que  mais  protegeu  e  benefi- 
ciou este  santuário,  foi  o  eommendador  Fr- 
André  Pinto,  da  casa  de  Felgueiras,— e  nós 
terminaremos  consignando  um  facto  medo- 
nho que  suecedeu  aqui  na  véspera  da  festi- 
vidade em  1886,  pelas  11  horas  da  noite: 

Principiavam  a  queimar  o  fogo;  estava  a 
musica  tocando  em  palanque  próprio  no 
adro  e  o  monte  coberto  por  milhares  de 
pessoas,  quando  por  fatalidade  se  incendiou 
o  deposito  de  foguetes,  rebentando  as  bom- 
bas todas  a  um  tempo?! . . . 

Tremeu  a  montanha;  apagaram-se  instan- 
taneamente todas  as  luzes  da  illurainação, 
do  arraial  e  da  feira;  abateu  o  palanque  da 
mu?ica;  fendeu- se  a  capella  e  ficaram  mui- 
tas pessoas  feridas,  da»  quaes  logo  ali  pere- 
ceram 4  mulheres  e  2  homens.^ 


1  Também  ao  tempo  ali  estava  um  meu 
irmão,  Jorge  Augusto  Ferreira,  que  por  for- 
tuna ficou  iocolume! . . . 


O  povo  era  compacto  e  a  mortandade  se- 
ria muito  maior,  se  os  foguetes  em  vez  de 
estarem,  como  felizmente  estavam,  em  um 
recanto  e  voltados  contra  uma  grossa  pa- 
rede, estivessem  voltados  para  o  lado  op- 
posto  e  corressem  atravez  da  multidão. 

Foi  uma  scena  iristii^simal 

Em  tão  negra  conjunetura  prestou  gran- 
des serviços  o  alferes,  commandante  da  for- 
ça destinada  a  policiar  o  arraial,  posto  que  " 
também  ficou  gravemente  ferido. 

O  meu  irmão  estava  um  pouco  distante 
da  catastrophe,  sentado  em  uma  cadeira. 
Sentiu  tremer  o  chão  e  nas  costas  um  abalo 
como  se  recebesse  uma  pancada!  Voltando 
a  si  de  repente,  viu  todo  o  arraial  ás  escu- 
ras e  no  mais  profundo  silencio;  mas  em 
breve  se  levantou  um  grito  geral,  horroro- 
so, e  se  explicou  tão  estranha  occorren- 
cia. 

VISO— monte  da  freguezia  de  Numão, 
concelho  de  Villa  Nova  de  Foseôa. 

Também  ali  ha  um  bom  santuário  de 
Nossa  Senhora  do  Viso. 

V.  Numão,  tomo  G."  pag.  181,  col.  1.» 

VISO—  monte  da  freguezia  de  Mascare- 
nhãs,  concelho  de  Miraadella. 

V.  Mascarenhas,  tomo  5.*  pag.  120,  col. 

Em  1716  havia  também  no  dito  monte 
uma  capella  de  Nossa  Senhora  do  Viso,  cer- 
cada de  muros  e  barbacãs,  a  modo  de  forta- 
leza, o  que  nos  leva  a  crer  que  o  dito  mon- 
te foi  outr'ora"fortificado. 

Também  consia  que  se  fundou  ali  a  dita 
capella,  porque  ali  apparecera  a  Virgem  a 
um  pastor,  —  e  que  no  mesmo  sitio  reben- 
tára  uma  fonte,  mas  já  em  1716  estava 
secea. 

Pelos  annos  de  1698  fundou-se  na  diU 
capella  uma  irmandade,  que  rapidamente  se 
desenvolveu  e  passados  apenas  6  annos  já 
contava  400  irmãos,  cada  um  dos  quaes  era 
obrigado  pelo  estatuto  a  assistir  ao  funeral 
dos  que  falleciam  e  a  dar  50  réis  para  missas 
e  sufl^ragios  pela  alma  d'elles. 

A  imagem  da  Senhora  era  de  roca  e  ves» 
tidos;  —  tinha  5  palmos  à'aUura  —  grand 
festa  na  2.'  oitava  da  Paschoa  das  flores. 

V.  Sant.  Mariano^  tomo  5.»  pag.  373, 
576. 


1904  VIS 


VIS 


Segundo  se  lé  na  Monarch.  Lusit,  tomo 
4.»  1. 15,  eap.  46,  ó  muito  antiga  esta  povoa- 
ção de  Mascarenhas,  pois  jà  em  1207  D. 
Sancho  I  a  doou  com  o  titulo  de  villa  (tal- 
vez na  aceepção  de  granja,  casa  de  campo) 
a  Estevam  Rodrigues,  que  fundou  a  egreja 
matriz  d'esta  paroehia,  a  qual  o  mesmo  rei 
lhe  couiou  e  assim  passou  aos  seus  descen- 
dentes», mas  D.  João  I  a  uniu  à  coroa,  se- 
gundo se  lô  na  obra  cit.  tomo  5."  1.  17, 
cap.  1.® 

Não  sabemos  se  ainda  existe  e  em  que  es- 
tado se  acha  a  dita  capella. 

VISO—  monte  da  íreguezia  de  Senhorim, 
concelho  de  Nellas. 

Também  ali  ha  uma  capella  com  a  invo- 
cação de  Nossa  Senhora  do  Viso,  que  já  em 
1716,  segundo  se  lê  no  Sant.  Mar.,  tomo  5.» 
pag  329,  era  muito  antigal 

Não  sabemos  em  que  estado  se  acha  no 
momento. 

V.  Senhorim,  voi.  9."  pag.  144,  col.  1.' 

VISO—  monte  da  íreguezia  de  Carvalhal 
Redondo,  no  mesmo  concelho  de  Nellas. 

V.  Carvalhal  Redondo,  tomo  2."  pag.  135, 
col.  1.' 

Ha  também  ali  uma  capella  antiquíssima 
com  a  invocação  de  Nossa  Senhora  do 
Viso. 

Jà  em  1716  não  havia  memoria  da  sua 
fundação!  Apenas  constava  ler  sido  matriz^ 
e  n'ella  se  haviam  encontrado  sepulturas 
com  muitas  ossadas  humanas,  quando  se  la- 
geou  o  pavimento. 

A  própria  architeclura  ja  então  revelava 
grande  antiguidade. 

A  imagem^da  Senhora  era  de  pedra,  mas 
muito  bem  cinzelada;  linha  de  altura  pou- 
co mais  de  3  palmos  e  o  Menino  Jesus  nos 
braços.  Também  tinha  irmandade  própria 
era  1716  e  grande  festa  e  romagem  no  dia 
15  de  agosto. 

V.  Sant.  Mar.  tomo  5.»  pag.  228. 

VISO—  quinta  e  monte  na  íreguezia  de 
Ranhados,  concelho  de  Viseu. 

V.  Ranhados,  tomo  8.»  pag.  46^  col.  2.»  - 
6  Viseu  tomo  XI,  pag.  1532,  col.  1.»  in  prin- 
cipio. 

VISO— monte  e  4  quintas  na  íreguezia  de 
Rio  de  Loba,  concelho  de  Viseu  também. 


i  V.  Rio  de  Loba,  tomo  8."  pag,  194,  col.  i.« 
1  — e  Viseu,  tomo  XI,  pag.  1530,  col.  2.* 

Alguém  prentende  que  o 
nome  da  cidade  de  Viseu  pro- 
vem d'e8tes  últimos  2  Visos, 
V.  Viseu,  tomo  XI,  pag. 
1714,  col.  1.»  e  segg. 
VISO  (Alto  do)— serra  e  monte  na  íregue- 
zia de  Nossa  Senhora  da  Annunciada  de  Se- 
túbal, cerca  de  2  kilometros  a  O.  d'e8ta  ci- 
dade. 

Alto  do  Viso  é  o  ponto  culminante  da 
serra  do  Viso,  que  se  prolonga  de  norte  a 
sul,  passando  a  N.  d'ella  a  antiga  estrada 
de  Coina,  hoje  estrada  d' Azeitão,  e  a  S.  o 
pequeno  valle  das  Pedreiras,  d'onde  se  tiram 
grandes  pedras  para  mós  e  para  outras  ap- 
plieações.i 

Ha  na  serra  do  Viso  muitos  moiohos  de 
vento,  a  maior  parte  dos  quaes  se  inutilisou 
depois  que  se  introduziram  os  moinhos  a 
vapor, 

Quasi  toda  a  dita  serra  é  formada  de  ro- 
chas calcareas,  cobertas  de  solo  argiloso  de 
pequena  espessura  e  por  isso  em  grande 
parte  inculto,  exceptuando  a  vertente  Occi- 
dental, onde  estão  2  casaes,  denominados 
Viso  Grande  e  Viso  pequeno.^ 

O  casal  do  Viso  Grande  tem  boas  casas 
de  habitação,  onde  esteve  o  quartel  general 
do  conde  de  Vinhaes  em  1847,  quando  se 
feriu  a  acção  do  Alto  do  Viso,  que  adiante 
descreveremos.[Pertencia  então  o  dito  casal 
a  Manoel  Severo  Correia  de  Brito  Guedes, 
tenente  coronel  reformado  que  foi  governa- 
dor do  forte  de  Albarquel,  em  Setúbal,  e 
também  governador  militar  d'esta  cidade, 


í  O  foral  novo,  dado  por  D.  Manoel  a  Se- 
túbal em  27  de  junho  de  1514,  mandou  que 
se  pagasse  de  portagem  das  mós  de  barbei- 
ro 2  reaes;  das  de  moiohos  ou  atafonas  4 
reaes— e  das  de  mão  para  pão  ou  mostarda 
1  real,  exceptuando  as  que  fossem  levadas 
por  qualquer  pessoa  do  termo  para  seu  uso. 

*  Por  estes  sitios  casal  significa  proprieda- 
de rural,  composta  de  casa,  arvoredo  e  ter- 
ras de  cultivo.  Diífere  do  que  chamam  hor- 
ta ou  quinta,  por  não  ter  chãos  regadios. 


VIS 

etc.  Alguns  annos  depois  do  seu  /allecimento 
os  herdeiros  venderam  a  dita  propriedade  a 
Eduardo  Augusto  de  Sousa,  capitão  da  nos- 
sa marinha  mercante,  o  qual  depois  foi  para 
Sião,  onde  falleeeu  ha  poucos  mezes,  como 
ofBcial  da  marinha  de  guerra  siamesa  e 
muito  considerado  pelo  governo  d'aquella 
nação,  que  o  distinguiu  com  varias  mercês 
honoriflcas. 

O  valente  oflBcial  da  marinha  siamesa  dei- 
xou na  posse  do  dito  casal  a  esposa— D.  Ma- 
ria Salomé  da  Conceição  e  Souza,— senhora 
bastante  illustrada,  que  se  tornou  tristemen- 
te celebre,  porque  não  só  se  filiou  na  ma- 
çonaria em  Lisboa,  mas  montou  uraa  loja 
maçónica  de  senhoras  (?)  intitulada  Filippa 
de  Vtlhena;  laes  desatinos,  porem,  eommet- 
teu,  que  foi  maçonicaraente  processada  e 
expulsa  da  maçonaria  com  grande  escânda- 
lo, segundo  disseram  differentes  jornaes. 

O  Século,  por  exemplo,  jornal  maçónico  e 
ultra-republicano  de  Li-iboa,  no  seu  n.»  1:402 
de  8  de  agosto  de  1885,  publicou  na  sua  in- 
tegra o  famoso  decreto  d'expulsào,  docu- 
mento estranho  e  muito  curioso.. 

É  o  seguinte: 

«Gran  Delegacion  en  Portugal 
dei 

Grande  Oriente  de  Espana 


VIS 


1905 

14.« 


cion  de  Ley  segun  art.«  293,  §§  1.',  9. 
y  15.» 

Esta  Gran  Gomision  de  Justicia  unanime- 
mente ha  pronunciado  el  seguiente  Decreto: 

Considerando:  Estar  plenamente  probada 
la  infraecion  de  Ley,  segun  Acta  de  acusa- 
eion; 

Considerando:  Que  el  gr.  superior  de  la 
Ré  no  la  puede  exhimir  de  penalidade  en 
las  faltas  y  delitos  cometidos; 

Resultando:  Ser  reincidente  y  condenada 
ya  por  un  Guerpo  Masonico  más  ó  menos 
regular. 

Venimos  en  aplicarle  por  medio  deste 
Nuestro  Decreto,  la  imposicion  de  la  Pena 
Mayor,  o  sea  la  Irradiaeion  ó  Expulsion  de 
la  Òrden  donde  cuenta  as  Sup.  • .  Cons.  • . 
ySup.-.  Gr.-.  Log.-.  Sim.-,  dei  Gr.-. 
Oriente  de  Espana,  asi  como  á  todos  los 
Or.  • .  regulares,  segun  pratica  y  uso. 

Lisboa,  sala  dei  Sup.  • .  Tribunal  de  Jus- 
ticia á  los  27  dias  dei  mes  de  Julio  de 
1885. 

El  Presidente  Isidro  Villarino;  el  Vice- 
Presidente  Cesar  Augusto  Falcão,  Lamarti- 
ne;  el  Fiscal  Joaquim  Pires,  Marquez  de 
Pombal;  Consejeros:  João  José  Teixeira  Jú- 
nior, Lamartine;  Alberto  Máximo  Pereira 
Torres,  João  de  Barros;  Antonio  Augusto 
Carvalho,  Alexandre;  el  Gran  .  •  .  Canciller* 
Leandro  Queirós  Navarro,  Tibério  Graco.* 

Pobre  Filippa  de  Vilhena\ . . . 


A.-.  M.-.  T.-.  O.-.  S.-.  A.-.  G.-. 
Ordo— Ab— chao 
El  Supremo  Tribunal  — Gran  Gomision  de 
Justicia 

Envia 

A  todos  los  Masones,  Logias,  Capítulos  y 
demás  centros  masonicos  regulares  y  le- 
galmente constituídos 


\  Acção  do  Alto  do  Viso 

O  que  deu  notoriedade  a  este  monte  foi  a 
acção  que  n'elle  se  feriu  em  i  de  maio  de 
1847  enire  as  forças  militares  da  rainha,  ali 
acampadas  e  commandadas  pelo  conde  de 
Vinhaes,— 6  as  tropas  da  Junta  do  Porto^ 
commandadas  pelo  visconde  de  Sá  da  Ban- 
deira, que  occupavam  Setúbal.^ 


S.  .  A.-.  P.- 


Sabé:— Que  procesada  masonicamente  D. 
Mana  Salomé  da  Conceição  e  Sousa,  de 
nombre  sinb.  • .  Filippa  de  Vilhena,  gr.  • . 
33  ex  Ven.  • .  Maes.  - .  de  la  log.  • .  de  se- 
noras  Filippa  de  Vilhena,  n.»  31,  por  infra- 


1  V.  Porto,  vol.  7.»  pag.  366,  cêl.  2.»,  on- 
de nas  epheraerides  relativas  ao  anno  de 
1846  se  encontram  algumas  çotieias  da 
guerra  da  Junta  do  Porto,  ou  da  Patuleia, 
ou  da  Maria  da  Fonte. 


1906  VIS 


VIS 


As  numerosas  victimas  sepultadas  no  Al- 
to do  Viso  foram  saeriflcadas  ao  brio  irre- 
flectido, ou  antes — à  maior  das  imprudên- 
cias. 

Não  foram  só  os  académicos,  a  quem  o 
verdor  dos  annos  e  o  fogo  da  juventude  le- 
varam a  fazer  instancias  menos  prudentes  e 
que  resolveram  o  sr.  visconde  de  Sá  Ban- 
deira a  dar  aquella  acção  (diz  o  sr.  João 
Carlos  d'Almeida  Carvalho):  a  vontade  de 
sair  a  campo  e  de  atacar  as  forças  do  Alto 
do  Viso  era  manifestada  por  toda  a  divisão. 

A  principio  era  só  a  vontade;  depois  veiu 
a  naurmuração,  e  bem  depressa  se  seguiram 
as  declamações  nas  praças  e  ruas^  pronun- 
ciando-se  a  indisciplina  e  a  desordem.  A 
soldadesca  chegou  a  fallar  de  um  modo  se- 
rio e  tumultuario,  e  alguns  d'aquelles  que 
a  podiam  conter  . . .  concorriam  desgraça- 
damente para  que  mais  lavrasse  o  exalta- 
mento  das  paixões  irreflectidas.  O  visconde 
de  Sá  da  Bandeira  foi  d'isto  avisado  pelo 
conde  de  Mello,  e  o  nobre  visconde  mani- 
festou a  resolução  de  se  demiitir,  se  a  di- 
visão se  insubordinasse  pretendendo  im- 
por-lhe  ordens. 


«Nas  vésperas  do  i.»  de  maio,  quando 
Setuba  trona  quasi  prompta  a  sua  linha  de 
efega,  e  as  forças  que  a  guarneciam  ha- 
zm  tomado  melhor  ordem,  o  sr.  visconde 
de  Sá  da  Bandeira  sabia  que  tropas  tinha 
pela  frente...— alem  d'isto  não  daria  nem 
podia  dar  a  acção  pelas  ponderosas  rasões 
que  lhe  não  era  possível  revelar. 


«No  dia  27  de  abril  já  o  nobre  visconde 
havia  sido  instruído  por  sir  H.  L.  Bulwer, 
ministro  inglez  em  Madrid,  de  que  no  dia 
18  o  governo  hespanhol  e  inglez  tratavam  de 
ama  convenção,  que  lhe  dizia— ser  conve- 
niente e  honrosa  tanto  para  S.  M.  a  rainha, 
como  para  a  junta  do  Porto;  e  que  assim  re- 
corria a  elle  visconde  a  fim  de  que  não  le- 
vasse os  Negócios  a  extremos,  çwe  podiam 
er  fataes  á  causa  que  s.  ex.*  seguia. 


«No  dia  29  entrava  no  Sado  o  vapor  de 


guerra  Polyphemus,^  de  bordo  do  qual  o  co- 
ronel Wilde  participou  ao  sr.  visconde  de 
Sa  da  Bandeira  que  o  governo  da  rainha 
havia  aeeeitado  a  mediação  da  Inglaterra, 
para  se  pôr  termo  á  guerra  civil  —  e  con- 
cluia  propondo  a  s.  ex.*  uma  suspensão  de 
hostilidades.*  


O  visconde  entendia  não  dever  dar  a  ac- 
ção, mesmo  porque  lhe  faltavam  munições. 
Não  tinha  pólvora!. . .  Mas  a  imprudência 
exaltava  cada  vez  mais  os  soldados.  Os  aca- 
démicos foram  em  corporação  instar  com 
Sá  da  Bandeira  para  que  atacasse  o  inimi- 
go; alguns  commandanles  d'outros  corpos 
secundaram  os  académicos  e  declararam  que 
não  se  responsabilisavam  pela  disciplina  se 
a  acção  se  não  desse,  pelo  que  muito  violen- 
tado e  por  assim  dizer  arrastado, —  anuuiu, 
para  evitar  maiores  desgostos. 

A  tropa  recebeu  com  grande  satisfação  a 
noticia  de  qué  estava  marcado  o  dia  seguin- 
te, 1."  de  maio,  para  o  combate. 

Os  soldados  em  magotes  percorriam  as 
ruas  e  praças  entoando  cânticos  guerreiros; 
á  noite  os  ofiQciaes  agruparam-se  defronte 
do  quartel  general  dando  vivas  a  Sá  da  Ban- 
deira, ao  conde  de  Mello  e  ao  tenente  coro- 
nel Galamba,  e  as  musicas  tocavam  hymnos 
naeionaes  e  patrióticos. 

O  conde  de  Vinhaes  foi  prevenido,  mas 
não  acreditou  tal  noticia,  por  ter  a  certeza 
de  que  Sá  da  Bandeira  não  ignorava  as  ne- 
gociaçõés  pendentes  e  foi  quasi  surprehen- 
dido  com  o  rompimento  das  hostilidades. 


Pelas  6  horas  dá  manha  de  1  de  maiOi 
pouco  depois  do  conde  de  Vinhaes  ter  feito 
a  descoberta  sobre  Setúbal  e  recolhido  aos 
seus  entrincheiramentos,  rompeu  Sá  da  Ban- 
deira as  hostilidades  na  fórma  seguinte: 

As  suas  tropas  formaram  em  duas  colum- 


í  V.  o  Livro  Azul,  ou  correspondência 
relativa  aos  negócios  de  Portugal,  traduzi- 
do do  inglez  em  1847. 


VIS 

nas:  a  1.*  composta  de  caçadores  3,  fusilei- 
ros  da  liberdade,  movei  de  Coimbra,  arti- 
Iheria  de  campanha  e  120  eavallos,  devia 
apoderar-se  da  íorie  posição  em  que  o  iai- 
migo  apoiava  a  sua  direita,  e  ganhar  a  po- 
sição sobranceira  á  esquerda  inimiga,  para 
ali  montar  a  artilheria  e  proteger  a  colum- 
Da  da  direita  composta  dos  batalhões  1.°  de 
caçadores,!  emigração  lisbonense,  2."  da  le- 
gião, companhia  de  Cintra  e  60  eavallos. 
Esta  columna  devia  atacar  a  esquerda  ini- 
miga, destruir  o  seu  reducto  e  operar  d'ac- 
cordo  com  a  outra  columna. 

Além  d'esta3  disposições  ordenou  que  o 
6."  de  caçadores,^  eommandado  pelo  major 
Freire,  descesse  de  Palmella  e  fosse  postar- 
se  de  reserva  junto  a  S.  Paulo,  ameaçando 
a  estrada  e  a  rectaguarda  inimiga,— e  que  a 
brigada  do  Algarve  formasse  a  reserva  prin- 
cipal e  se  postasse  junto  da  linha  de  defesa. 

Aquella  brigada  era  composta  dos  bata- 
lhões de  atiradores— !.•  de  Faro,  sobo  com- 
mando  do  tenente  coronel  José  Coelho  de 
Carvalho;  2.*  d' Albufeira,  sob  o  commando 
do  tenente  coronel  Júdice  Samora,— e  parte 
do  3."  de  Lagos. 

Ordenou  também  que  o  movei  d'Evora  e 
SO  eavallos  assegurassem  as  posições  da 
quinta  dos  Bonecos  e  Alto  de  Branca  Annes 
onde  eslava  o  forte  Barrete  de  Clérigo, 
guarnecido  por  atiradores  do  Algarve. 

Deu  também  ordem  aos  navios  de  guer- 
ra, sob  o  commando  de  Salter,  para  prote- 
gerem o  movimento,  fazendo  fogo  sobre  o 
inimigo. 

A  columna  da  direita  marchou  pela  es- 
trada d' Azeitão,— e  a  da  esquerda,  para  cha- 


1  Era  o  batalhão  organisado  no  Algarve 
sob  o  commando  do  coronel  Neutel,  que  se 
denominou  Leaes  Caçadores,  por  ser  com- 
posto em  grande  parte  de  soldados  de  caça- 
dores 5,  fngidos  depois  de  ficarem  prisio- 
neiros na  acção  de  Torres  Vedras. 

*  Era  o  batalhão  movei  de  Portalegre,  de- 
nominado pela  junta  —  Conquistador  da  li- 
berdade. 


VIS  1907 

mar  ali  a  attenção  do  inimigo  e  coadjuvar 
a  operação,  marchou  a  coberto  pelo  cami- 
nho próximo  do  castello  de  S.  Filtppe. 

A  rapidez  do  ataque  fez  com  que  o  inimi- 
go perdesse  a  forte  posição  da  sua  direita. 
Caçadores  S,  sob  o  commando  do  valente 
major  Constantino  d'Azevedo,  correu  a  apo- 
derar-se da  extrema  direita;— o  tenente  co- 
ronel Joaquim  Guedes,  á  frente  do  movei  de 
Coimbra,  avançou  a  proteger  a  artilheria  e, 
apesar  de  gravemente  ferido,  continuou  a 
partilhar  as  gentilezas  do  seu  batalhão. 

Por  seu  turno>  conde  de  Vinhaes,  ape- 
nas soube  que  era  atacado  e  que  já  tinha 
perdido  as  primeiras  posições  tão  vantajo- 
sas, reuniu  immediatamente  a  sua  divisão. 
Ordenou  que  a  1.»  brigada,  composta  de 
infantaria  i  e  2,  —  de  uma  companhia  da 
guarda  municipal  de  Lisboa  e  de  um  es- 
quadrão de  cavallaria  5,  marchasse  logo 
pelas  ladeiras  que  subiam  ás  altas  posi- 
ções da  direita.  Entretanto  a  artilheria  de 
Sá  da  Bandeira,  postada  nas  alturas,  fulmi- 
nava o  inimigo,  cuja  divisão  soífreu  logo 
muita  perda,  ficando  feridos  entre  outros 
officiaes  o  coronel  Marcelli,  commandante  da 
1.»  brigada,  o  coronel  Barreto  e  o  tenente- 
coronel  Pereira,  commandantes  dos  regi- 
mentos 1  e  23. 

Engajou-se  então  um  fogo  vivíssimo  en- 
tre as  duas  divisões  e  ambas  se  batiam  ga- 
lhardamente. 

Morreram  logo  na  1."  carga  o  tenente- 
eoronel  Castello  Branco  e  o  tenente  Panca- 
da,i  aos  golpes  do  corajoso  tenente  coronel 
Galamba,  que  destemidamente  correu  a  vin- 
gar a  morte  do  seu  camarada. 

As  forças  da  junta,  protegidas  pela  sua 
artilheria,  repelliam  com  vigor  o  ataque  e 


1  Era  tenente  de  cavallaria  das  forças  da 
junta  e  foi  sepultado  no  acampamento.  Cas- 
tello Branco,  tenente  coronel  da  mesma  ar- 
ma, das  tropas  da  rainha,  foi  sepultado  na 
1  Capella  de  Santa  Efigênia,  na  quinta  d'esta 
I  denominação,  ao  norte  do  Alto  do  Viso. 


1908  VIS 


VIS 


sustentavam  as  posições  da  direita.  N'esta 
conjunetura  a  guarda  municipal  correu  para 
caçadores  5,  bradando:  Vimos  entregar-nosl 
Este  corpo,  composto  em  grande  parte  de 
soldados  novos  e  tendo  apenas  um  diminuto 
numero  de  officiaes,  não  obstante  as  reite- 
radas advertências  d'estes  e  as  vozes  para 
atacar,  dadas  pelo  seu  intrépido  comman- 
àante,~deixou-se  ílludir,  vendo-se  bem  de- 
pressa envolvido  pela  infantaria  e  carregado 
pela  cavallaria  inimiga,  pelo  que  retirou  em 
desordem,  não  escutando  a  voz  de  firmei 
dada  repetidas  vezes  pelo  valente  major  Aze- 
vedo Cunha,  recnrdando-lhe  ao  mesmo  tem- 
po as  gloriosas  iradições  do  5  de  caçado- 
res. 

Os  Fuzileiros  da  Liberdade,  que  estavam 
de  reforço,  sustenlaram-se  com  admirável 
firmesa  e  dariam  logar  a  caçadores  5  para 
se  formar  de  novo  e  volver  ao  ataque,  mas 
infelizmente  os  fuzileiros  haviam  recebido 
nas  vésperas  armamento  novo,  apprehendi- 
do  no  vapor  Royai  Tar,  e  a  maior  parte 
das  armas  errava  fogo,  por  terem  os  canos 
sujos,  ou  os  ouvidos  entupidos,  pelo  que 
muitos  dos  pobres  fuzileiros  com  o  desespe- 
ro quebraram  as  armas  e  outros  iam  para  a 
retaguarda.  Inda  assim  o  corpo  continuou  a 
bater-se  com  o  mesmo  denodo,  ficando  fora 
do  combate  muitos  oíFiciaes  e  soldados. 


O  conde  de  Vinhaes  empregou  então  es- 
forços superiores  e  toda  a  sua  cavallaria.  As 
forças  da  junta,  por  esta  circumstancia  e 
por  falta  de  pólvora,  foram  cedendo  em  or- 
dem, protegidas  pelos  fogos  do  Castello  de 
S.  Filippe  e  dos  vapores  de  guerra,  até  que 
finalmente  caçadores  5,  fuzileiros  e  o  movei 
de  Coímftra» abandonaram  as  suas  posições. 

O  corpo  académico,  levando  á  sua  frente 
o  bravo  capitão  Fernando  Mousinho  d' Al- 
buquerque e  tendo  avançado  com  o  maior 
denodo,  foi  atacado  por  forças  superiores  e 
obrigado  também  a  retirar,  deixando  no 
campo  alguns  mortos  e  feridos,  entre  estes 
o  seu  eommandanle.  Os  briosos  académicos 
teriam  deixado  o  campo  juncado  de  cadáve- 
res se  por  um  movimento  rápido  não  se  aco-  ' 


lhessem  no  castéllo  de  S.  Filippe,  cuja  ar- 
tilheria,  jogando  sem  cessar,  os  salvou.  Era 
governador  do  castello  o  major  Gamitto,  que 
n'e8ta  conjunetura  deu  mais  uma  prova  da 
sua  intrepid'ez.1 


Emquanto  as  coisas  assim  se  passavam 
na  esquerda,  a  columna  direita  da  junta  não 
mostrava  menor  valor. 

O  2."  da  legião  (Serginos  de  Braga)  sob  o 
commando  do  tenente  coronel  Montalverne, 
—uma  companhia  do  lisbonense,  comman- 
dada  pelo  capitão  Manoel  de  Jesus  Coelho, 
e  a  companhia  dos  cintrenses,  que  eram  por 
assim  dizer  os  Zuavos  da  divisão,— repelli- 
ram  as  primeiras  forças  inimigas,  que  es- 
tavam emboscadas.  O  major  Montenegro  su- 
biu com  estes  atiradores  á  montanha,  e  com 
igual  intrepidez  caçadores  1,  que  chegou  ao 
mesmo  tempo  ao  reducto  inimigo,  parallelo 
ao  forte  Velho,  começando  a  sua  destruição 
debaixo  de  vivo  fogo.  Mandou  logo  o  conde 
de  Vinhaes  em  defesa  d'esta  importante  po- 
sição a  2.»  brigada,  composta  de  caçadores 
5,  de  infanteria  6,  2  peças  d'artilheria  e  60 
cavallos.  Travou-se  então  vivíssimo  fogo  em 
toda  a  linha  por  mais  de  duas  horas  com 
muitas  baixas  e  vários  successos  em  um  e 
outro  campo.  Foi  chamada  a  brigada  de  re- 
serva da  junta,  que  se  portou  com  distinc- 
ção,  sendo  afinal  repellidas  as  tropas  da 
rainha. 


Sá  da  Bandeira,  com  a  sua  natural  placi- 
dez d'animo,  parecia  assistir  às  continências 
d'uma  parada  no  meio  do  troar  constante 
da  artilheria  e  fuzilaria,  correndo  a  todos  os 
pontos  e  apresentando -se  em  toda  a  parte. 
.  O  conde  de  Mello  mostrou  também  ser  o 
bravo  defensor  da  bateria  do  Bomfim  no 
cerco  do  Porto  e  o  valente  general  em  fren- 


1  Antonio  Candido  P.  Gamitto,  natural  de 
Setúbal,  também  se  immortalisou  em  uma 
expedição  ao  interior  da  Africa,  deseripta 
fielmente  no  livro  intitulada  Muata  Cazembe. 


VIS 


VIS  1909 


te  dos  muros  de  Estremoz,  tendo  ferido  a 
seu  lado  o  ajudãDte. 

Portaram-se  também  com  galhardia  os 
oflBciaes  do  estado  maior:— os  coronéis  Gi- 
ton  e  Bustorf;  o  tenente  coronel  Mendes 
Leite;  o  major  José  Estevam;  os  capitães 
Pinto  Carneiro,  Carlos  Ribeiro,  Domingos 
Ardisson  e  José  Xavier  de  Bastos;  os  tenen- 
tes Abreu  Vianna  e  Palma  Reis;  os  alferes 
Vasco  Guedes,  D.  João  de  Menezes,  Manoel 
Eniauz,  Antonio  Maria  da  Cunha  e  Carlos 
Costa.  Mas  a  ala  direita  das  forças  da  junta 
já  havia  cedido  terreno  e  oecupava  outras 
posições,  apoiada  pelo  Forte  Velho,  do  qual 
saia  um  fogo  vivíssimo,  dirigido  pHo  go- 
vernador Pinto  e  Horta.  Começou  então  a 
escaeear  a  pólvora  e  de  toda  a  parte  a  requi- 
sitavam ao  visconde  de  Sá  da  Bandeira  os 
commandantes  dos  differentes  corpos,  bra- 
dando com  a ueieásíáe  —  venha  pólvora!  E 
o  general  respondia  a  todos— lá  vae,  — 
sabendo  que  não  a  tinha?! . . . 


Westa  conjunetura  foi  ao  acampamento  e 
se  apresentou  a  Sà  da  Bandeira  o  capitão 
inglez  Mac  Cleverty,  o  qual,  em  nome  do 
coronel  "Wilde,  convidou  o  illustre  general  a 
suspender  as  hostilidades  e  lhe  entregou  o 
seguinte  oíflcio: 

«A  bordo  do  navio  de  S.  M.  B.  Polyphe- 
mus — Setúbal  1  de  maio  de  i8i", — às  7  ho- 
ras da  manhã.  Urgente.  ! 

Sr.  visconde.— N'este  momento  sou  infor-  I 
mado  de  que  as  forças  debaixo  do  eomman- 
do  de  V,  ex.»  vão  marchando  com  o  intento 
de  atacai-  as  tropas  da  Rainha.  Penso  por- 
tanto que  é  de  justiça  informal-o,  que  tendo 
S.  M.  F.  acceitado  a  mediação  da  Inglaterra, 
se  V.  ex.*  ficar  victorioso,  tprá  provavel- 
mente de  encontrar  as  forças  britannicas 
que  estão  no  Tejo,  preparadas  para  defen- 
der a  capital  e  opporem-se  á  passagem  do 
rio.  E  por  outro  lado  se  v.  ex.»  for  derrota- 
do, tornar-se-ha  um  dever  para  mim  o  re- 
eommendar  que  as  tropas  que  estão  debaixo 
do  seu  eoramando,  sejam  excluidas  do  be- 
neficio da  amnistia,  que  segundo  informei 
hontem  a  v.  ex.*,  S.  M.  F.  tem  tenção  de 


promulgar.!  Tenho  a  honra,  etc,  —  Wilde, 
coronel.» 


A  acção  ainda  continuava  cora  empenho, 
mas  o  visconde  de  Sá  da  Bandeira,  rece- 
bendo do  capitão  Mac.  Cleverty  a  promessa 
de  que  Yinhaes  mandaria  immediatamente 
cessar  o  fogo,  deu  ordem  para  que  cessasse 
também  da  sua  parte. 

Eram  9  horas  da  manhã  e  o  campo  já  es- 
tava coberto  de  mortos  e  feridos,  sendo  o 
maior  nemero  das  forças  de  Vinhaes,  em 
consequência  das  vantagens  que  as  de  Sá  da 
Bandeira  haviam  ganhado  no  principio  da 
acção,— e  dos  fogos  da  esquadra,  castello  de 
S.  Filippe  e  Forte  Velho. 

Em  poi*co  tempo  as  forças  de  ambas  as 
partes  recolheram  às  suas  antigas  posições. 

Sá  da  Bandeira,  elogiando  no  seu  oflftcio 
0  denodo  das  suas  tropas,  dizia*  «O  corpo 
académico  tinha  solicitado  a  honra  de  fazer 
a  guarda  avançada,  e  nada  ha  que  eguale  o 
seu  valor.» 

E  no  discurso  que  recitou  sobre  a  campa 
d'um^d'esses  bravos,  disse: 

— iDuranie  a  acção  todos  se  portaram 
com  admirável  valor,  ficando  parte  fóra  do 
combate.  O  primeiro  ferido  que  observei  no 
campo  da  batalha  foi  um  academieo.2 


1  O  decreto  de  amnistia  foi  publicado  poste- 
riormente, mas  tem  a  data  de  28  d'abril, 
como  se  vê  a  pag.  303  do  Livro  Azul,  já  ci- 
tado. 

A  amnistia  comprehendeu  todos  os  crimes 
políticos  commettidos  desde  6  d'outubro  de 
1846,  como  se  estipulou  na  Convenção  Ae 
Gramido;  mas  ainda  assim,  depois  da  con- 
venção e  do  desarmamento  da  junta,  mui- 
tos partidários  d'esta  soffreram  bastantel... 

V.  Porto,  vol.  7.»,  pag.  370  e  371,— e  Gra- 
mido, tomo  3.»  pag.  316,  col.a." 

^  Os  académicos  de  Coimbra,  que  na  dita 
acção  formavam  a  linha  de  atiradores,  com- 
mandados  pelo  capitão  de  Fuzileiros  da  Li- 
berdade, Fernando  Mousinho  d'Albuquerque, 
foram  os  seguintes: 

Tenente— Mhuoel  Fialho  d'Abreu,  morto 
no  campo  da  batalha. 

Alferes— íosé  Maria  Tavares  Ferreira. 


1910  VIS 


VIS 


No  seu  otficío  dizia|tambem:  «O  regímen-  | 
to  de  Fuzileiros  correspondeu  ao  juizo  que  I 
d'elle  furmãVã.  O  tenente  coronel  Galamba, 
carregando  com  alguns  cavallos,  em  poucos 
minutos  fez  retrogradar  a  cavallaria  inimiga, 
matando-ihe  o  seu  commandante.» 

Por  seu  turno  o  conde  de  Vinhaes  recom- 
mendava  o  valor  da  sua  divisão  em  geral, 
nomeadamente  o  major  Barrote,  comman- 
dante da  guarda  municipal,  e  o  comman- 
dante da  cavallaria,  tenente  coronel  Castello 
Branco. 

Terminado  o  combate,  foi  o  conde  de 
Mello,  como  chefe  do  estado  maior  da  divi- 
são da  junta,  conferenciar  com  o  conde  de 
Vinbaes  sobre  os  artigos  da  suspensão.  Dis- 


Voluntarios 
— Agostinho  Leite. 

— Amónio  Aives  de  Macedo,  ferido  em 
uma  perna. 
— D.  Antonio  da  Gosta  de  Sousa  Macedo. 
— Antonio  José  de  Barros  e  Sá. 
—Antonio  Maria  de  Lemos. 
— Antonio  dos  Santo»  Pereira  Jardim. 
— Augusto  José  Gonçalves  Lima. 
— Augusto  Zefermo. 

— Ayres  d'Araujo  Pitta  Negrão,  morto  de 
um  ferimento,  no  dia  2. 

— Candido  Maria  Cau. 

— Carlos  Honorio  Borralho. 

— Domingos  Antonio  Ferreira,  ferido,  pri- 
sioneiro e  morto  depois. 

— Eugénio  da  Costa  e  Almeida. 

— Francisco  Pimentel  de  Macedo. 

— Frederico  Augusto  Jansen  Verdades. 

—Guilherme  de  SanfAnna  e  Miranda. 

— José  Antonio  de  Macedo  Ferraz. 

—João  Antonio  dos  Santos  Silva. 

— João  Pereira  Ramos  Brun  do  Canto. 

— João  Ribeiro  Barreira. 

— Joaquim  Guilherme  de  Seixas. 

— Joaquim  de  Pinho  e  Sousa,  contuso  em 
um  braço. 

—José  Antonio  Carlos  Madeira  Torres, 
morto  no  catopo  da  batalha. 

— José  Gouveia  de  Sousa,  ferido  em  um 
joelho. 

— Manoel  Gomes  Pinto. 

—Manoel  Ignacio  Brun  do  Canto,  ferido 
em  uma  mão. 

—Pedro  Joyee. 

— Raymundo  Cesar  Borges  e 

— Xisto  Caetano  Moniz  Barreto. 


se-lhe  Vinhaes:  «Se  eu  soubesse  o  estado 
em  que  se  achavam,  sem  terem  pólvora,  ti- 
nham de  certo  hoje  levado  uma  boa  Ução  e 
pago  cara  a  ousadia  do  ataquei . . .  • 


Eis  aqui  muito  em  resumo  o  que  foi  a 
acção  do  Alto  do  Viso,  segundo  se  lô  no  in- 
teressante opúsculo  do  sr.  João  Carlos  d'Al- 
meida  Carvalho,  escriptor  consciencioso  e 
esclarecido,  muito  conhecedor  d'aquelle  fa- 
cto. 

O  mencionado  opúsculo  foi  publicado  em 
1863  e  tem  por  titulo  tDuas  palavras  ao  au- 
ctor  do  Esboço  Histórico  de  José  Estevão^  ou 
refutação  da  parte  respectiva  aos  aconteci- 
mentos de  Setúbal  em  1846  a  1847,  e  a  ou- 
tros que  com  aquelles  tiv-ram  relação.» 

V.  também  Setúbal,  vol.  9."  pag.  232,  col. 
2.*— anno  1847,  e  Santarém,  vol.  8.»  pag. 
520,  col.  1.*,  onde  o  meu  antecessor,  que 
foi  também  militar  de  D.  Miguel  e  da  Jun- 
ta do  Porto,^  tratou  bem  cruamente  o  vis- 
conde de  Sá  da  Bandeira?! . . . 

Finalmente  agradeço  ao  sr.  Manoel  Maria 
Portella,  illustrado  filho  de  Setúbal,  os  apon- 
tamentos que  se  dignou  enviar  me,  como 
enviou  outros  muitos  ao  meu  benemérito 
antecessor,  para  o  artigo  Setúbal,  pois  nin- 
guém conhece  hoje  aquella  cidade  melhor 
do  que  s.  ex.»— já  por  ser  fllho  d'ella  e  n'ella 
1.»  ofQeial  da  camará,— já  por  ser  um  dis- 
tincto  escriptor  publico.  Tem  redigido  di- 
versos jornaes  e  collaborado  em  outros  mui- 
tos,— e  também  já  publicou  3  livros  de  ver- 
sos:—Ensaios  poéticos  -Eccos  do  Ermo — e 
Lyricas  e  Lendas,  sendo  este  ultimo  impres- 
so no  Brazil. 

V.  Setúbal,  vol.  9°  pag.  210,  col.  1.» 

VISOI  ou  VISOY.— nome  próprio  de  ho- 
mem, bastante  vulgar  na  idade  media  em 
Portugal  e  na  península. 


1  V.  Sabroso,  tomo  S."  pag.  283,  coL  l.«e 
segg.; — Vianna  do  Castello,  tomo  10.°  pag. 
461,  col.  l.«  e  segg.  —  e  Vimieiro,  freguezia 
do  concelho  d'Arrâyolos,  tomo  11.»  pag.  1457 
col.     e  segg.  lambem. 


VIS 


VIS  mi 


Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  art. 
Viseu,  tomo  XI,  pag.  i715,  col.  2.* 

Também  por  vezes  assignavam  Vizoi  e  Vi- 
zoy—e  parece  que  a  formula  feminiiaa  era 
Visèa,  ou  Vizêa,  ou  Vizeia.  Assim  se  deno- 
miuava  no  sec.  vi  uma  das  freguezias  do 
bispado  do  Porto,  como  dissemos  no  logar 
citado. 

VISONHA,— portuguez  antigo,— visão,  es- 
pectro, apparição  de  figura  repellenlel 
iOh  Jesus  que  má  visonhal» 
Cane.  fl.  207. 

VISO  REI,— depois  Vice-rei—e  anterior- 
mente Vis -rei,  ou  Yiz  rei. 

Assim  se  denominava  outr'ora  o  nosso 
governador  geral  da  índia. 

VISTA  ALEGRE,  —  fabrica  muito  impor- 
tante de  vidros  e  porcelana,  fuudada  em 
1824  no  concelho  e  parochia  de  Ílhavo,  dis- 
tricto  de  Aveiro. 

V.  Ílhavo,  tomo  3.»  pag.  387,  col.  2.%  onde 
o  meu  antecessor  já  indicou  a  dita  fabrica; 
mas  tanto  avulta  ella  em  todo  o  nosso  paiz, 
que  bem  merece  um  tópico  especial. 

Temos  sobre  a  nossa  mesa  de  estudo  lar- 
gos apontamentos  com  relação  a  esta  grande 
fabrica^  principiando  pelo  bello  artigo  que  í 
D.  José  de  Urcullu  em  1837  lhe  dedicou  na 
sua  Chorographia,  tomo  2.»  pag.  90,  acom- 
panhado de  duas  primorosas  gravuras  re- 
presentando-a;- a  vista  da  parte  da  ter- 
ra;— a  2  •  vista  da  parte  do  rio;  mas,  como 
desde  aquella  época  tem  progredido  e  au- 
gmentado  muito  este  grande  estabelecimen- 
to industrial,  transformando  inclusivamente 
a  quinta  e  fabrica  da  Vista  Alegre  em  uma 
risonha  e  alegre  povoação^  aproveitaremos 
a  Memoria  que  em  1883  lhe  dedicou  o  sr. 
Marques  Gomes,  d' Aveiro. 

Vamos  pois  fazer  da  dita  Memoria  um  le- 
ve extracto,  já  que  não  podemos  dal-a  na 
sua  integra. 

«A  menos  de  2  kilometros  de  Ílhavo  e  so- 
branceira ao  braço  da  ria  d' Aveiro,  que  li- 
ga a  chamada  Calle  da  Villa  com  o  Bócco, 
fica  a  Vista  Alegre.  Quadra  bem  este  titulo 
á  risonha  povoação  em  que  um  dos  homens 
mais  prestimosos  e  emprehendedores  que 


Portugal  tem  conhecido  no  presente  século» 
veio  fundar  a  fabrica  de  porcelanas,  que  do 
locat  toma  o  nome. 

A  Vista  Alegre  como  povoação  em  si,  tem 
também  como  o  importante  estabelecimen- 
to que  a  tornou  conhecida,  tanto  no  paiz  co- 
mo no  estrangeiro,  uma  historia  sua,  de 
quem  a  lenda  por  mais  de  uma  vez  se  apos- 
sou ja,  deturpando -a. 

JNâo  nos  caoçaremos  em  lhe  procurar  a 
etymologia,  pois  ó  fóra  de  duvida  que  o  no- 
me lhe  proveio  do  foruiosissimo  panorama, 
que  a  contorna^  moldurando-lhe  o  rosto 
gentil. 


t  Anteriormente  á  fundação  da  fabrica,  a 
Vista  Alegre  não  linha  fôros  de  povoação. 
Era  uma  quiata  apenas.  Um  templo  formo- 
síssimo e  uma  casa  modesta  que  servia  de 
habitação  aos  proprietários  da  quinta,  eram 
os  únicos  ediflcios,  que  ali  existiam  e  isto 
ainda  no     quartel  do  sec.  xix. 

A  fundação  de  um  tão  bello  templo,  co- 
mo é  o  de  Nossa  Senhora  da  Penha  de  Fran- 
ça,  n'um  sitio  tão  ermo,  como  era  a  Vista 
I  Alegre^  fez  com  que  muitos  principiassem  a 
architetar  romances  mais  ou  menos  verosí- 
meis. Imaginaram-se  desterros  e  deporta- 
ções, e  bem  assim  fofo  ninho  de  criminosos 
amores  d'um  prelado  illustre  com  uma  da- 
ma de  elevado  nascimento  e  freira  professa 
n'um  convento  de  Lisboa. 

Não  longe  da  Vista  Alegre,  a  um  kilome- 
tro  para  o  sul,  fica  o  antigo  solar  da  Ermi- 
da, Villa  e  concelho  até  1834,  a  quem  D. 
Manoel  deu  foral  em  8  de  junho  de  1514.1 
N'esta  povoação  houve  um  praso,  cuja  ori- 
gem data  de  séculos,  tendo  por  cabeça  vima 
grande  quinta  denominada  o  Paço  da  Er- 
mida. Este  praso  e  quinta  andava  no  se- 
nhorio dos  Mouras- Manoeis,  família  muito 
illustre,  pois  trazem  a  sua  descendência  de 


1  V.  Ermida,  tomo  3."  pag.  47,  col.  2.»  in 
fine- 

P.  A.  Ferreira. 


1912  VIS 


VIS 


D.  Branca  de  Sousa,  filha  de  Lopo  Dias  de 
Sousa,  grào  meslre  da  Ordem  de  Christo. 

Alguns  escriptores  teera  confundido  a 
quinta  da  Ermida  cora  a  da  Vista  Alegre,  e 
aflBrmado  que  foi  seu  proprietário  o  bispo 
de  Miranda,  D.  Manoel  de  Moura  Manoel. 

Nem  a  quinta  da  Vista  Alegre  já  foi  co- 
nhecida por  quinta  da  Ermida,  nem  tão 
pouco  aquelle  prelado  foi  dono  de  qualquer 
d'ellas. 

É  fora  de  duvida  que  D.  Manoel  de  Mou 
ra  Manoel  vinha  frequentes  vezes  passar  al- 
guns dias,  e  ás  vezes  mezes  até,  á  quinta  da 
Ermida,  que  conjuntamente  com  o  praso  do 
mesmo  nome  pertencia  a  seu  irmão  primo- 
génito Ruy  de  Moura  Manoel.  Durante  a  sua 
estada  aqui,  travou  relações  com  o  proprie 
tario  da  quinta  da  Vista  Alegre,  o  dr.  Ma- 
noel Furtado  Botelho,  relações  que  se  foram 
tornando  cada  vez  mais  intimas,  de  sorte 
que,  passados  annos,  edificou  em  terrenos 
dependentes  da  mesma  quinta  a  capelia  de 
Nossa  Senhora  da  Penha  de  FrançaA 


«Por  morte  de  Ruy  de  Moura  Manoel, 
passou  a  quinta  da  Ermida  para  seu  filho 
Rodrigo  de  Moura  Manoel,  que  tendo  casado 
com  D.  Rosalia  da  Silva,  Qlha  de  Luiz  Lobo 
da  Silva,  governador  e  capitão  general  de 
Angola,  morreu  sem  successão,  pelo  que  os 
seus  bens  passaram  para  suas  irmãs.  A  Er- 
mida pertenceu  a  D.  Maria  Maximiliana, 
casada  com  Jeronymo  de  Castilho.  Por  mor- 
te dVstp,  ficou  sendo  senhor  d'ella  seu  filho 
Jerónimo  Antonio  de  Castilho  que,  coojun- 
ctamente  com  sua  mulher  D.  Joaquina  Isa- 
bel Freire  de  Castro,  a  vendeu  por  escri- 
ptura  lavrada  nas  notas  do  tabellião  da  en- 


1  Fica  assim  rectificado  o  que  disse  o  meu 
benemérito  antecessor  nos  artigos  Ílhavo  e 
Penha  de  França. 

P.  A.  Ferreira. 


:  tão  Villa  d' Aveiro,  em  15  de  janeiro  de  1727, 
I  a  Zeferino  Rodrigues  Caudello.  Em  17  de 
março  de  1812  fez  venda  da  mesma  quinta 
ao  sr.  José  Ferreira  Pinto  Basto,  D.  Bernar- 
da Thereza  Umbelina  Caudello  de  Mariz 
Sarmento,  neta  do  referido  Zeferino  Rodri- 
gues Caudello. 

O  proprietário  da  quinta  da  Vista  Alegre 
dr.  Manoel  Furtado  Botelho,  tendo  fallecido 
em  9  de  setembro  de  1733,  dispoz  dos  seus 
j  bens  como  se  vê  da  parle  do  seu  testamen- 
j  to  que  passamos  a  transcrever  do  livro  dos 
óbitos  da  freguezia  de  Ílhavo,  no  aono  de 
1733: —  «que  seria  sepultado  na  capelia  de 
Nossa  Senhora  da  Penha  de  França,' e  dei- 
xava entre  outras  missas,  50  pela  alma  do 
seu  amigo  o  sr.  Bispo  que  foi  de  Miranda. 
Instituía  por  sua  universal  herdeira — D. 
Theodora  de  Castro  Maria  Manoel,  de  seua 
bens,  e  que  esta  poderia  vender  d'elles  o 
que  lhe  parecesse  para  dividas  e  ser  freira 
sem  constrangimento  de  pessoa  alguma; 
nem  justiça  alguma  lhe  tomaria  conta,  nem 
fariam  inventario;  e  os  bens  que  ficassem 
por  sua  morte  d'ella,  iriam  ao  usufructo  do 
seu  testamenteiro  o  padre  licenciado  Do- 
mingos Ferreira  da  Graça,  cura  de  Ílhavo, 
e  por  morte  d'este  a  Nossa  Senhora  da  Pe- 
nha de  França  da  Vista  Alegre,  que  entran- 
do na  posse  seria  obrigada  a  fabrica  da  ca- 
pelia a  fazer  uma  festa  á  dita  Senhora  em 
8  de  setembro  de  cada  anno,  da  qual  o  ca- 
pellão  daria  contas  ao  dr.  Vizitador.» 

Não  foram,  ao  que  parece,  totalmente  cum- 
pridas as  disposições  do  testador,  pois  é 
certo  que  os  seus  bens  tiveram  um  destino 
muito  differente  do  que  o  que  lhe  havia 
marcado. 


«D.  Theodora  de  Castro  Moura  Manoel, 
era,  como  o  próprio  nome  o  indica,  —  filha 
do  bispo  de  Miranda,  a  quem  pertencia  tam- 
bém o  appelido  Castro,  pois  o  houve  de  sua 
mãe^  D.  Maria  de  Castro.  Aquella  senhora, 
destinada  segundo  parece  para  a  vida  claus- 
trai,  não  tomou  o  habito,  nem  tão  pouco 
chegou  a  casar,  mas  teve  um  filho,  a  quem 
deu  o.nome  de  seu  pàe,  d'ella,  Manoel  Fe- 


VIS 


VIS  1913 


reira  de  Moura  Manoel,  que  ordenando-se 
foi  abbade  da  freguezia  de  S.  Romão  (?)  de 
Guimarães. 

O  appellido  Pereira,  do  mesmo  modo  que 
o  de  Castro,  era  também  pertença  do  Bispo» 
pois  era  2.°  neto  de  João  Rodrigues  da  Gos- 
ta e  de  sua  mulher  D.  Isabel  Pereira. 

O  abbade...  morreu  ainda  em  vida  de 
sua  mãe,  mas  não  sem  deixar  sueceísáo/ 
pois  teve  uma  filha  de  D.  Clara  Maria  de 
Barros,  natural  de  Gondar,  no  concelho  de 
Guimarães,  D.  Josepha  Gaetana  de  Gastro, 
que  casou  em  20  de  novembro  de  1748  com 
o  capitão  Manoel  Alvares  Brandão,  de  Santa 
Maria  de  Taboa,  no  bispado  de  Coimbra. 
D'este  consorcio  nasceram  duas  filhas  e  um 
fllho^  que  todos  foram  baptisados  na  egreja 
de  S.  Salvador  de  Ílhavo,  a  cuja  parochia 
pertence  a  Vista  Alegre. 

D.  Theodora  de  Gastro...  falleceu  em 
1767,  sendo  sepultada  na  capella  de  Nossa 
Senhora  da  Penha  de  França,  quaes  porem 
as  suas  disposições  testamentárias,  se  as 
deixou,  são  desconhecidas. 

«O  testamenteiro  do  dr.  Manoel  Furtado 
Botelho,  o  padre  licenciado  Domingos  Fer- 
reira da  Graça,  para  quem  devia  passar  o 
usufrueto  da  herança  que  aquelle  havia  dei- 
xado a  D.  Theodora  de  Gastro  de  Moura 
Manoel,  sobreviveu  ainda  a  esta,  pois  só  fal- 
leceu em  7  de  maio  de  1772;  mas  se  elle 
usufruiu  ou  não  a  herança  é  que  é  ponto 
muito  duvidoso,  sendo  certo  porém  que  tal 
herança  por  venda  fletieia  ou  por  outro 
qualquer  meio,  nunca  chegou  a  pertencer  á 
fabrica  da  capella  de  Nossa  Senhora  da  Pe- 
nha de  França,  pois  passou  para  o  capitão 
Manoel  Alvares  Brandão  e  d'este  para  seus 
filhos,  um  dos  quaes,  Alexandre  da  Costa 
Brandão,  que  foi  capitão- mór  de  Cantanhe- 
de, vendeu  em  1815  a  quinta  e  capella  da 
Vista  AUgre  ao  sr.  José  Ferreira  Pinto 
Basto. 


1  Qui  viget  in  foliis,  venit  e  radicibus  hu 
mor?!. . . 

P.  A.  Ferreira. 


'     «Esboçámos  a  historia  da  Vista  Alegre: 
!  agora  resta-nos  reunir  aqui  alguns  aponta- 
mentos biographicos  do  fundador  da  capei- 
la. . .  e  fazer  uma  deseripção  ainda  que  rá- 
pida da  mesma  capella. 

O.  Manoel  de  Moura  Manoel  nasceu  em 
Serpa,  sendo  seus  paes  Lopo  Alvares  de 
Moura  e  D.  Maria  de  Gastro.  Filho  segando 
de  uma  casa  vinculada  como  era  a  sua,  e 
não  querendo  seguir  a  carreira  das  armas, 
abraçou  a  que  lhe  restava,  segundo  o  seu 
nascimento,  —  a  ecelesiastica.  Seguindo  os 
estudos  superiores  na  Universidade  de  Coim- 
bra, doutorou-se  em  cânones,  e  na  qualida- 
de de  oppositor  a  uma  das  cadeiras  d'esta 
faculdade,  foi  eleito  colleglal  do  Real  GoUe- 
gio  de  S.  Paulo  em  28  de  julho  pe  1658, 
sendo  reitor  do  mesmo  o  dr.  Ambrósio  Tri- 
gueiros Semmedo. 

Em  17  de  dezembro  de  1660  foi  nomeado 
cónego  doutoral  da  Sé  de  Lamego,  donde 
passou  para  a  de  Braga  por  promoção  que 
obteve  no  1.»  de  maio  de  1666.  ^ 

Nomeado  deputado  da  Inquisição  d'Evora, 
passou  para  Inquisidor  de  Coimbra  em  13 
de  outubro  de  1665,  e  a  deputado  do  con- 
selho geral  do  Santo  OfiBeio  em  13  d'abril 
de  1674. 

.  Eleito  em  lista  tríplice  para  reitor  da  Uni- 
versidade, foi  provido  n'este  logar  por  el  rei 
D.  Pedro  II,  em  25  d'agosto  de  1685,  que  o 
nomeou  por  essa  occasião  sumilher  da  cor- 
tina. Havendo  prestado  juramento  em  16  de 
novembro  d'aquelle  anno,  governou  a  Uni- 
versidade até  o  l."  de  fevereiro  de  1690  em 
que  foi  eleito  o  seu  suceèssor  D.  Nuno  da 
Silva  Telles. 


Etecolhido  para  bispo  de  Miranda  em  28 
d'abril  de  1689,  foi  sagrado  em  outubro  do 
mesmo  anno  na  egreja  parochial  de  Nossa 
Senhora  dos  Anjos  de  Lisboa,  pelo  cardeal 
D.  Veríssimo  de  Lencastre,  sendo  assisten- 
tes D.  Fr.  Luiz  da  Silva,  bispo  da  Guarda,  e 
D.  Simão  da  Gama,  bispo  do  Algarve. 

Fazendo  jornada  para  as  Caldas  de  S.  Pe- 
dro do  Sul,  adoeceu  gravemente  nos  Fer- 


1914  VIS 


VIS 


reiros,*  próximo  a  Vizeu,  e  ali  falleeeu  a  7  | 
de  setembro  de  1699* 

Durante  a  doença  foi-lhe  enfermeiro  o  bis- 
po d'aquella  diocese,  D.  Jerónimo  Soares, 
que  assistiu  também  ao  seu  funeral  e  orde- 
nou que  fõsse  sepultado  na  capella-mor  da 
egreja  d'aquella  freguezia,  d'onde  as  suas 
cinzas  foram  trasladadas  para  a  Vista  Ale- 
gre em  1706. 

«Ignora-se  o  anno  em  que  D.  Manoel  de 
Moura  Manoel  mandou  edificar  a  capella  de 
Nossa  Senhora  da  Penha  de  França,  mas 
ainda  assim  parece  não  haver  duvida  que 
foi  já  depois  de  estàr  bispo  de  Miranda. 

Ê  bella  de  aspecto  a  frontaria  do  templo, 
avistando-se  a  algumas  legoas  de  distancia 


1  Ferreiros,  pequena  povoação  da  fregue- 
lia  de  Serrazes,  concelho  de  S.  Pedro  do  Sul, 
a  7  kilom^tros  d'esta  villa  para  O.  S.  O.,  na 
margem  direita  do  Vouça  —  em  frente  dos 
Banhos  de  S.  Pedro  do  Sul,  cujas  aguas  bro- 
tam na  Aargem  esquerda  do  mesmo  rio,  na 
antiquíssima  villa  e  couto  do  Banho,  hoje 
simples  aldeia  pertencente  à  freguezia  de 
Várzea  de  Lafões,  do  mesmo  concelho  de  S. 
Pedro  do  Sul,  bispado  de  Viseu. 

Suppõe-se  que  D.  Manoel  de  Moura  ali 
adoeceu  estando  a  banhos,  ou  indo  em  via- 
gem de  Miranda  para  a  Vista  Alegre,  tal- 
vez pelo  Mogadouro,  Moncorvo,  Pocinho, 
Penedono,  Moimenta  da  Beira  e  S.  Pedro  do 
Sul.  O  caminho  era  mau.  mas  o  trajecto  era 
o  mais  curto  entre  Miranda  do  Douro  e  a 
Vista  Alegre.— e  por  qualquer  outro  itine- 
rário m  illo  tempore  as  estradas  pouco  me- 
lhores seriam. 

A  tal  povoação  dos  Ferreiros  dista  de  Vi- 
seu cerca  de  30  kilometros  para  N.  O.  pela 
estrada  real  n."  7  de  Viseu  a  S.  Pedro  do 
Sul— e  pela  real  n.«  41  de  S.  Pedro  do  Sul  á 
Ponte  do  Banho  e  Aveiro. 

P.  A.  Ferreira. 

2  Alguém  diz  que  foi  envenenado  por  um 
medico  judeu  (christão  novo)  para  vingar  a 
morte  da  mãe  que  havia  sido  queimada  pela 
inquisição,  sendo  aquelle  prelado  inquisidor. 

V.  Vista  Alegre,  nas  Memorias  do  sr.  Bri- 
to Aranha,  pag.  308. 

P.  A.  Ferreira. 


j  os  corucheos  das  suas  duas  torre?.*  O  inte- 
rior não  é  menos  elegante.  As  paredes  do 
corpo  da  capella  são  forradas  d'aIto  a  baixo 
de  bons  azulejos,  todos  coevos  da  sua  funda- 
ção— fins  do  sec.  xvii; —  a  abobada  é  ornada 
de  boas  pinturas  a  fresco.  Tem  dois  altares 
lateraes  de  boa  talha  dourada,  dedicados 
ambos  á  virgem,  sob  a  invocação  do  Rosa- 
rio e  da  Conceição. 

O  retábulo  e  altar  da  capella-mor  são  tra- 
balhos primorosos  em  fino  mármore  de 
Itália. 

Embebido  na  parede  da  mesma  capella  e 
do  lado  da  epistola  está  o  tumulo  do  funda- 
dor, fabricado  primorosamente  de  granito  de 
Ançã. 

A  urna  funerária  é  sustentada  por  3  leões 
de  farta  juba,  que  parecem  prestes  a  ser  es- 
magados pelo  seu  peso. 
No  centro  da  urna,  levantado  em  altore- 
(  levo,  está  um  escudo  oval  partido,  com  as 
armas  dos  Mouras  Manoeis,  tendo  por  tim- 
bre um  chapéu  episcopal. 

Sobre  ella  «stá  a  figura  do  bispo,  de  ves- 
tes prelaticias,  meia  deitada,  com  a  mão  es- 
querda sobre  o  peito  e  a  direita  estendida 
como  que  a  apontar  para  o  tempo,  que  está 
ao  fundo  sobraçando  o  panno  mortuário  que 
deve  cobrir  o  sarcophago. 

A  execução  é  primorosa,  eonhecendo-se 
até  nos  mais  pequenos  lavores  o  primor  do 
cinzel  que  o  trabalhou. 

O  povo  rude  das  aldpias  visinhas  acredi- 
ta que  tal  obra  não  podia  ser  executada  po 
mãos  de  horaení»,  e  por  isso  attribue-a  ao 
diabo,  creando  uma  lenda  que  o  sr.  Brito 
Aranha  reproduziu  já  no  seu  bello  livro — 
Memorias  Mstorico-estatisticas  de  algumas 
villas  e  povoações  de  Portugal^ 


1  Esta  linda  capella  vê-se  muito  bem  de- 
senhada de  frente  na  1."  gravura  da  Choro- 
graphia  de  Urcullu. 

P.  A.  Ferreira. 

2  N'este  livro,  publicado  em  1871,  se  en» 
contra  também  uma  descri  peão  da  Vista 
Alegre,  desde  pag.  29o  até  333. 

Para  ali  remettemos  os  leitores,  porque 


VIS 

o  nome  do  escaiptor  Cláudio  de  Laplada 
cahiu  coro  effeito  no  olvido,  de  sorte  que  o 
forasteiro,  que  visitando  a  Vista  Alegre  per- 
guntasse quem  havia  feito  o  tumulo  do  bis- 
po, recebia  sempre  em  resposta  aquella 
lenda. 


«Fronteiro  a  este  tumulo,  está  um  outro, 
muito  mais  modesto,  sem  duvida,  mas  ain- 
da assim  digno  de  ser  apreciado,  como  obra 
^ue  é  do  mesmo  artista.  Sobre  uma  urna  fu- 
nerária, onde  se  vê  também  um  escudo 
com  as  armas  dos  Castros  .está  sentada  uma 
figura  de  mulher,  sustentando  na  mão  es- 
querda um  baixo  relevo,  representando  uma 
cabeça  de  freira,  aliuf^ào  sem  duvida  á  vida 
monachnl  que  o  bispo  desejava  que  sua  fi- 
lha D.  Theodora. . .  abraçasse,  pois  era,  co- 
mo as  i3  arruellas  dos  Castros  do  escudo  o 
indicam,  para  ella  destinado  o  moimento. 

Por  debaixo  d'e9te  tumulo  e  por  tanto 
fronteiro  ao  do  bispo  está  uma  grande  lapi- 
de de  mármore  branco,  tendo  gravada  a  se- 
guinte inscripçào  latina: 

Deo  opt.»  Max.» 
Deiparae  virgini 
Diei  ultimae 


A  tal  inscripçào  é  enormel 

Coroprehende  nada  menos  de  73  linhas, 
pelo  que  nos  falta  coragem  para  a  transcre- 
vermos; pode  porem  ver-se  o  texto  latino, 
bem  eomo  a  traducção  portugueza,  na  Me- 
moria do  sr.  Marques  Gomes,  pag,  13  a  18, 
— e  mais  correcto  e  mais  completo  ainda 
nas  Memorias  do  sr.  Brito  Aranha,  pag.  303 
a  307. 


ali  se  narra  muito  bem  a  lenda,  segundo  as 
tradições  que  o  sr.  Brito.  Aranha  colheu  na 
localidade. 

Também  ali  se  encontram  documentos  e 
Dotas  estatisticas  muito  interessantes  com 
relação  á  grande  fabrica. 

P.  A.  Ferreira. 


VIS  1915 


«Um  outro  monumento  antigo  da  Vista 
Alegre  (diz  o  sr.  JUarques  Gomes)  é  a  fonte 
do  Carapichel,  hoje  quasi  soterrada,  manda- 
da construir  em  1696  pelo  bispo  Q.  Manoel 
de  Moura  Manoel,  e  notável  pela  sua  fôrma 
e  excellente  agoa,  e  mui'o  principalmente 
por  uma  inscripção  em  caracteres  gothicos 
e  que  é  a  que  passamos  a  transcrever: 

Esta  fonte,  ó  navegante, 
cuja  liquida  cnrpente 
cristaes  pródiga  desata, 
attenções  vistosa  prende. 


 1 

Os  portuguezes  que  haviam  sido  os  pri- 
meiros povos  da  Europa,  que  introduziranoi 
a  porcelana  oriental  nacoramercio  doocci- 
dente,  foram  quasi  que  os  últimos  a  ensaia- 
rem o  seu  fabrico.  Datam  apenas  do  ultimo 
quartel  do  século  xviii  estes  ensaios,  reali- 
sados  em  Li.«boa  pelo  brigadeiro  Bartholo- 
meu  da  Costa  e  no  Rio  de  Janeiro  pelo  pro- 
fessor régio  João  Manso  Ppreira. 

Parece  que  as  experiências  de  Bartholo- 
meu  da  Costa  para  obter  a  porcelana  dura, 
foram  feitas  na  antiga  fabrica  do  Rato,  em- 
pregando como  matéria  prima  differentes 
barros  explorados  nas  visinhanças  d'Aveiro. 

Ignora-se  quaes  seriam  estes  barros,  não 
obstante  affirmar-se. . .  que  foi  o  de  Taboa- 
della,  concelho  d' Albergaria.  O  que  é  certo 
porem  é  que. . .  foi  o  preferido  para  a  edi- 
ficação do  forno  onde  se  deluiu  o  metal 
para  a  estatua  de  D.  José  I.  . 

As  qualidades  refractárias  d'este  barro 
eram  conhecidas  já  então,  pois  havia  annos 
que  um  chimieo  francez,  —  Drout,  o  havia 
descoberto,  fazendo  até  com  elle  magníficos 


1  Ficaremos  por  aqui,  pois  é  irmã  gémea 
da  do  tumulo.  Comprehende  ao  todo' 83  li- 
nhas e  pólie  também  ver-se  nas  duas  cita- 
das Memorias. 

P.  A.  Ferreira. 


1916  VIS 


VIS 


tijolos  refractários,  para  o  que  estabeleceu 
um  forno  nas  proximidades  d'Aveiro,  se- 
gundo afiirma  Ratoo.» 


«Forain  quasi  nulias  as  tentativas  de  Bar- 
tholomeu  da  Costa.  Depois  fizeram-se  outras 
em  Coimbra  com  o  mesmo  fim,  mas  sem 
melhor  resultado,  até  que  o  sr.  Jose  Ferrei- 
ra Pinto  Basto  estabeleceu  um  pequeno  la- 
boratório ehimico  no  jardim  do  seu  palácio 
do  largo  das  Duas  Egrejas  em  Lisboa,  em 
1820  ou  1822,  afim  de  descobrir  barros  com 
os  requisitos  necessários  para  fabricar  por- 
celana. 


Foram  segundo  consta  pouco  animadores 
08  resultados  obtidos. . .  mas. . .  resolveu 
proseguir  as  experiências  iniciadas,  fundan- 
do desde  logo  uma  grande  fabrica. 

O  local  aprazado  foi  Aveiro,  e  isto  por  a 
tradição  indicar  como  sendo  d'aqui  o  bar- 
ro de  que  Bartholomeu  da  Costa  obteve 
a  sua  chamada  porcelana. 

Apesar  de  possuir  as  duas  magnificas 
propriedades  da  Ermida  e  da  Vista  Alegre..,- 
quiz  estabelecer  a  nova  fabrica  na  própria 
cidade,  e  para  isso  entabolou  negociações 
com  o  proprietário  da  quinta  dos  Santos 
Martyres,  para  a  adquirir,  o  que  não  pôde 
conseguir,  por  esta  propriedade  fazer  parte 
d'um  antigo  vinculo.  Attenta  esta  difBcul- 1 
dade,  resolveu  eoião  estabelecer  a  fabrica 
na  Vista  Alegre. . . 

Foi  em  janeiro  de  1824,  que  principiaram 
os  trabalhos. . . 

Uma  das  obras  que  primeiro  se  concluiu 
foi  um  pequeno  forno  para  coser  louça,  feito 
segundo  as  indicações  e  immediata  direc- 
ção de  Domingos  Raimão,  oleiro  de  uma  fa- 
brica de  Coimbra. 

Em  abril  fizeram-se  as  primeiras  expe- 
riências para  obter  a  porcelana.  Realisou-as 
Bento  Fernandes,  mestre  de  olaria  na  fabri- 
ca do  Rato,  com  o  barro  de  Util,  concelho 
de  Cantanhede; — e  o  de  Talhadella,  conce- 
lho d' Albergaria. 

Foi  pouco  satisfatório  o  resultado  obtido, 
mas  ainda  assim...  o  sr.  José  F.  P.  Basto 


pediu  a  el-rei  D.  João  VI  qne  lhe  fossem 

concedidos  os  privilégios  de  que  gosava  a 
fabrica  de  vidros  da  Marinha  Grande,  o  que 
obteve,  como  consta  dos  documentos  que  se- 
guem. 


São  muito  lisongelros  para  o  benemérito 
eraprehendedor,*  mas  bastante  ex^tensos,  e 
por  isso  08  omitlimos;  podem  porem  ver-se 
nas  duas  citadas  Memorias. 

O  1.»  é  de  1  de  julho  de  1822— e  o  2.»  de' 
3  de  março  de  1826. 


•  Estava  portanto  fundada  a  fabrica  de 
porcelana,  mas  restava  descobrir  o  kaulin 
de  que  ella  se  obtém.  Fabricava-se  louça,  ó 
verdade,  mas  esta  louça  era  má  faiança  em 
vez  de  boa  porcelana.  Procura vam-se  bar- 
ros em  differentes  pontos  do  paiz  e  construi - 
ram-se  novos  fornos  conforme  as  plantas 
vindas  de  Sevres,  mas  nada  d'Í8to  deu  o  re- 
sultado que  se  desejava,  de  sorte  que  em 
1826  o  fundador  contractou  na  Saxonia  3 
artistas  para  virem  dirigir  o  fabrico  da  por- 
celana e  ensinal-o  aos  operários  portugue- 
zes. 

Dos  3  só  vieram  2,  sendo  apenas  verda- 
deiro artista  um,  José  ScÕrder.  . .  modela- 
dor de  mérito,  que  prestou  importantes 
serviços  à  fabrica,  creaodo  bons  discípulos 
que  lhe  perpetuaram  o  nome. 


O  sr.  Ferreira  Pinto  Basto  em  1830  man- 
dou seu  filho  Augusto  Ferreira  Pinto  Basto 
a  França,  a  fim  de  estudar  na  fabrica  de 
Sevres. . .  os  melhores  processos  e  meios  de 
investigação.  Ali  recebeu  aquelle  cavalheiro 


1  Falleceu  em  julho  de  1875  na  sua  gran- 
de quinta  da  Foja,  freguezia  de  Ferreira  a 
Nova,  concelho  da  Figueira,  e  foi  sepultado 
com  grande  pompa  no  cemitério  Occidental 
de  Lisboa,  no  dia  10  do  dicto  mez  e  anno. 

P.  A.  Ferreira. 


VIS 


VIS  1917 


sábios  conselhos  e  preciosas  indicações  do 
iirecior  d*aquellâ  importante  fabrica  o  il- 
lustre  Brogniart,  que  lhe  fez  ver  a  completa 
impossibilidade  de  se  fabricar  porcelana, 
sem  o  kaulin,  que  era  o  que  faltava  na  Vis- 
ta Alegre. 

O  sr.  Augusto  Ferreira  Pinto  regressou  a 
Portagal  trazendo  amostras  do  kaulin  em- 
pregado em  Sevres,  e  depois  da  sua  chega- 
da os  ensaios  e  experiências  continuaram  in- 
cessantemente na  Vifta  Alegre,  mas  sempre 
sem  melhor  resultado,  até  que  em  1834  se 
descobriu  o  verdadeiro  kaulinl . . . 


«O  sr.  Ferreira  Pinto  tinha  mandado  vir 
de  differentes  pontos  do  paiz,  por  intermé- 
dio dos  administradores  do  contrato  do  ta- 
baco, de  que  elle  era  arrematante,  amostras 
de  quantos  barros  havia  mais  ou  menos  co- 
nhecidos, a  fim  de  vêr  se  entre  elles  se  en- 
contrava o  desejado  kaulin.  Estes  barros 
eram  todos  submettidos  a  um  exame  chi- 
mico,  mas  com  resultado  sçmpre  nega- 
tivo . . . 

Ao  mesmo  tempo ...  ura  aprendiz  de  olei- 
ro, fazia  por  conta  própria  algumas  expe- 
riências não  só  com  aquelles  barros,  mas 
com  outros  que  a  pedido  seu  lhe  eram  tra- 
zidos por  operários  que  dos  concelhos  d'0- 
var  e  Feira  vinham  trabalhar  nas  construç- 
ções  que  na  Vista  Alegre  se  estávam  fazen- 
do. Entre  estes  barros  veiu  o  kaulin  de  Val 
Rico,  d'aquelle  ultimo  concelho.*  Trouxe-o 
um  trolha  e  foi  reconhecido  pelo  aprendiz 
oleiro,  que  no  meio  da  sua  humilde  obscu- 
ridade prestou  o  grandiosíssimo  serviço  á 
fabrica  de  lhe  descobrir  a  matéria  prima 
para  o  fabrico  da  porcelana. 

O  descobridor...  foi  Luiz  Pereira  Capote, 
natural  de  Ílhavo,  que  falleceu  em  1870. 


1  Val  Rico  é  uma  aldeia  da  freguezia  do 
Souto,  concelho  da  Feira  e  distante  d  esta 
Villa  f)  kilomeiros  para  S.S.O. — e  7  da  esta- 
ção d'Ovar  no  caminho  de  ferro  do  Norte. 

V.  Souto,  vol.  9.»  pag.  443. 

P.  A.  Ferreira. 

VOLUME  XI 


Descoberto  o  kaulin,  principiou  desde  en- 
tão a  fabrica  a  produzir  porcelana  dura, 
datando  por  tanto  de  1834  o  seu  fabrico, 
que  se  foi  aperfeiçoando  gradualmente,  de 
fórma  que  em  1840  principiou  a  Vista  Ale- 
gre a  poder  conppetir  em  qualidade  com  as 
fabricas  estrangeiras,  o  que  não  succedeu  nos 
preços,  pois  produzia  caro. 

O  elevado  dos  preços  difiicultou  alguns 
annos  a  extracção  da  louça,  tornando  a 
pouco  conhecida.  Os  armazéns  da  fabrica 
estavam  atulhados  de  louça,  quando  em 
maio  de  1846  rebentou  no  Minho  a  revolu- 
ção popular.  Os  proprietários  da  fabrica,  re- 
ceiosos  de  queella  fosse  victima,  annunciaram 
a  venda  por  lotes  de  toda  a  louça  em  depo- 
sito, venda  que  se  realisou  por  preços  bas- 
tante convidativos,  o  que  fez  com  que  os 
productos  da  Vista  Alegre  se  espalhassem, 
divulgando  se  o  seu  bem  acabado  e  a  sua 
bâratesa.  Estava  aberto  um  novo  período  de 
prosperidade  para  a  fabrica  


Prosperando  sempre  de  anno  para  anno, 
a  fabrica  chegou  ào  apuro  em  que  hoje  es- 
tá, apresentando  largas  tendências  para  pro- 
gredir, tal  é  a  activa  e  intelllgente  direcção 
que  hoje  tem. . .  Os  seus  productos  tem  si- 
do premiados  em  todas  as  exposições  de 
Londres,  Paris,  Philadelphia,  Vienna  d'Aus- 
tria.  Rio  da  Janeiro  e  Porto. 

Do  consummo  que  teem  obtido  os  mes- 
mos productos  são  prova  irrefutável  os  se- 
guintes algarismos,  importância  da  louça 
fabricada: 

Em  1860   21:949:000 

.  1870   26:994  000 

»  1880...   40:750:000 

»  1881   51:828:740 

.  1882   52:200:900 

»  1883   54:817:090 

.  1884   54:500:800 

.  1885   55:000:660 

«  1886   58:400:180 

.  1887   58:725:500 

Fabrica  de  vidros  e  cristaes 

Da  mesma  Memoria  extractaremos  ainda 
o  seguinte: 

121 


1918  VIS 


VIS 


•  Gonjuncta mente  com  a  fabrica  de  porce- 
lana, fundou  o  sr.  José  Ferreira  Pinto  Bas- 
to na  Vista  Alegre  e  no  mesmo  anno  de  1824 
uma  outra  de  vidro  e  cristal,  que  lhe  ficou 
annexa.  Os  primeiros  trabalhos  foram  diri- 
gidos por  nm  allemão,  Francisco  Miller,  que 
havia  annos  já  estava  dirigindo  a  do  Côvo, 
no  concelho  de  Oliveira  d'Azemeis,i  o  qual 
foi  substiiuido  em  1826  por  João  da  Cruz  e 
Costa,  de  Lisboa,  que  esteve  a  dirigir  o  fa- 
brico do  vidro  até  1854. 

Foram  desde  logo  bastante  satisfatórios 
os  resultados  obtidos,  de  sorte  que  o  fun- 
dador procurou  pôl-a  a  par  das  melhores 
do  estrangeiro,  mandando  vir  mestres  ex- 
perimentados para  as  diflerentesoíiicinas  da 
lapidação  e  floristagem.  Para  aquella  con- 
traetou  em  1826  na  Inglaterra  Samuel  Hun- 
les,  que  veiu  ganhar  2iíí400  réis  diários,  e 
ali  esteve  até  1828,  deixando  bons  discí- 
pulos. 

O  mestre  de  floristagem  era  italiano  e  não 
passou  de  Lisboa. . .  por  alguém  lhe  aflBr- 
mar  que  era  muito  miasmatico  o  clima  da 
Vista  Alegre.  Para  Lisboa  pois  foram  os 
aprendizes  d'esla  offleina,  que  ao  fim  de  tres 
annos  de  pratica  foram  dados  por  promptos, 
aflQrmando  o  mesire  que  um  d'elles  —  João 
Ferreira  Ribeiro,  de  Vagos,  estava  já  mais 
mestre  dq  que  elle,  o  que  não  era  sem  fun- 
damento; e  foi  para  a  Vista  Alegre  dirigir  a 
officina  de  flonsiagem  com  grande  proficiên- 
cia.» 


Desde  1837  até  1840  foi  enorme  a  produc- 
ção  de  vidro,  todo  da  melhor  qualidade  e 
algum  de  perfeição  inexcedivel;  mas  ao  pas- 
so que  desde  aquelle  anno  principiou  a  pro- 
gredir o  fabrico  da  porcelana,  foi  decaindo 
o  do  vidro,  até  que  cessou  de  todo  em  1846, 

Em  meados  de  1848  continuou  afabricar- 
se,  mas  em  menor  quantidade  e  sô  liso,  por- 
que os  lapidarios  e  floristas  durante  aquelle 


1  V.  Côvo,  tomo  2.»  pag.  436,  col.  2.«,— e 
Villa  Chã,  tomo  li."  pag.  684,  col.  2.»  tam- 
bém. 


interregno  uns  foram  para  a  fabrica  da  Ma- 
rinha Grande,  outros  appliearam-se  a  diffe- 
rentes  misteres,  de  fórma  que  os  tempos 
áureos  da  fabricação  do  vidro  na  Vista  Ale- 
gre passaram  para  nunca  mais  voltarem. 

Em  1880  acabou  de  todo  a  fabrico  de  vi- 
dro, demolindo-se  o  respectivo  forno!. . . 

Annexo  à  fabrica  de  porcelana  e  vidro 
houve  também  un  laboratório  ehimico.  Foi 
fundado  igualmente  em  1824  e  de  1827  a 
1832  teve  por  director  D.  Euzebio  Roiz,offl- 
cial  de  cavallaria  hespanhol  e  ehimico  mui- 
to dislincto,  que  viera  para  Portugal  emi- 
grado em  1826.  Depois  da  sua  saida  acabou 
o  laboratório. 


De  1827  a  1835  foram  os  productos  da  fa- 
brica marcados  com  V.  A.  entre  duas  pal- 
mas rematadas  por  uma  coroa.  Esta  marca 
era  gravada  em  um  carimbo,  aberto  por 
Manoel  de  Moraes.  De  1838  a  1861  não  foi 
geralmente  marcada  a  louça;  desde  1861 
tem  sido  toda  marcada  cem  V.  A.  em  azul. 


.  Com  o  fim  de  crear  artistas  hábeis  fundou 
em  1826  o  sr.  José  Ferreira  Pinto  Basto  na 
Vista  Alegre  um  collegio  com  internato,  on- 
de"se  ensinava,  alem  dos  misteres  das  offl- 
cinas,  iostrucção  primaria  e  musica. 
Os  primeiros  alumnos  íoraijfi  13,  e  o  di- 
j  reetor  José  Vicente  Soares,  de  Penafiel;  aca- 
I  bou  porem  tão  santa  e  util  instituição  em 
1842,  chegando  a  ler  nos  últimos  annos  4Q 
alumnos. 


Como  dependência  do  grande  estabeleci- 
mento fabril,  ha  também  na  Vista  Alegre 
um  pequeno,  mas  elegante  theatro,  que 
alem  da  galeria  ou  camarote  para  os  pro- 
prietários da  fabrica,  tem  plateia  com  180 
logares. 

Foi  fundado  em  1851.  O  panno  de  bocca 
e  o  tecto  foram  pintados  por  Chartier  Rous- 
seau, director  da  ofiQcina  de  pintiira.  Aquel- 
le representa  a  vista  da  Praia  Grande  de 
Macau;  este  Apollo  e  as  9  musas. 


VIS 


VIS  1919 


Anteriormente  houve  ali  2  theatros,  sen-  [ 
do  o  i.o  fundado  em  1826  ou  1827.  | 

Ha  também  na  grande  fabrica  uma  phi- 
larmoniea  privativa,  composta  exclusiva- 
mente de  operários  d'ella. 

Foi  tocar  ao  Porto  no  Palacio  de  Cristal 
em  1882,  quando  a  Sociedade  de  Instrucção 
do  Porto  ali  realisou  uma  importante  expo- 
sição de  cerâmica,  na  qual  oecupou  logar 
distincto  a  fabrica  de  Vista  Alegre  e  lhe  foi 
dado  o  i.°  premio.i 


Em  1846  os  proprietários  d'esta  grande 
fabrica  adheriram  a  revolução  do  povo;  fe- 
charam a  fabrica  e  formaram  um  batalhão 
de  voluntários  com  os  seus  artistas  e  al- 
guns visinhos,  pelo  que  se  denominou  haia- 
Ihão daVista  Alegre.  Foi  commandante  d'elle 
um  dos  proprietários  e  administrador  da  fa- 
brica—Alberto Ferreira  Pinto  Basto,— e  ma- 
jor o  director  da  mesma  fabrica— João  Ma- 
ria Rissoto. 

Apresentou-se  á  junta  do  Porto  em  28  de 
outubro  de  1846;  tomou  parte  na  acção  de  Val 
Passos  em  16  de  novembro  do  mesmo  anno 
— e  capitulou  com  todo  o  exercito  da  junta 
na  convenção  de  Gramido  em  24  de  junho 
de  1847. 

V.  Gramido  e  Val  Passos. 


No  dia  13  de  cada  mez  ha  na  povoação 
da  Vista  Alegre  um  importante  mercado, 
conhecido  pela  tríplice  denominação  de 
Feira  dos  treze,  da  Ermida — e  do  Bispo. 

Este  mercado  foi  estabelecido  a  petição 
do  juiz,  vereadores  e  povo  das  villas  da  Er- 
mida e  Ílhavo,  por  alvará  de  IS  de  junho  de 


1  A  mesma  banda  de  musica  também  foi 
tocar  a  Lisboa  nas  grandes  festas  do  casa- 
mento do  nosso  principe  D.  Carlos  com  a 
princezà  D.  Maria  Amélia  v^'Orleans,  nos  dias 
22  a  30  de  maio  de  1886. 

P.  A.  Ferreira. 


1693,  que  ordenou  fosse  este  mercado  an- 
uual  no  dia  13  de  setembro,  dia  da  invoca- 
ção da  padroeira  da  capella  da  Vista  Alegre 
—Nossa  Senhora  da  Penha  de  França,  cO' 
mo  já  dissemos. 

As  matérias  primas  empregadas  no  fabrico 
da  porcelana  são  argilas  kaulinicas,  o  quar- 
tzo e  o  feldspalho,  —  aquellas  provenientes 
de  Val  i?íCo;— estes  de  Villa  Meã,  Mangualde 
e  Porto. 

As  argilas  kaulinicas  são  aqui  lavadas  e 
passadas  por  peneiras,  a  fim  de  se  separa- 
rem os  corpos  em  diversos  estados  d'aggre- 
gação,  sendo  empregadas  como  quartzo  as 
areias  grossas  que  deixam. 

O  quartzo  e  o  feldspalho  são  escolhidos 
primeiramente  também,  a  fira  de  se  evitar 
que  levem  grandes  porções  d'oxido  de  fer- 
ro, que  ordinariamente  lhe  anda  unido.  De- 
pois calcinam-se  e  levarç-se  para  as  galgas. 

Os  differentes  materiaes  que  hão  de  com- 
por a  porcelana,  depois  de  moidos  e  lavados, 
são  compostos  e  em  seguida  levados  ás  mós 
horisontaes,  para  os  moerem  e  triturarem— 
e  depois  guardados  em  depósitos  até  adqui- 
rirem certo  grau  de  consistência.  D'e3tes  de- 
pósitos vae  a  massa  para  a  casa  da  amassa- 
dura  onde  é  lançada  em  vasos  debarro  poroso 
de  fórma  de  pyramides  cónicas  troneadas,  a 
que  dão  o  nome  de  coques.  D'e8tes  é  a  mas- 
sa levada  para  uma  larga  banca  de  pedra, 
onde  é  amassada  a  pés  por  dois  ou  mais 
homens.  Depois  dividem-na  em  fracções  com 
a  fórma  de  cones,  a  que  chamam  pélas,  as 
quaes  em  seguida  são  levadas  para  a  ofiS- 
eina  das  rodas  de  oleiro,  onde  são  separa- 
damente amassadas  á  mão  sobre  uma  pe- 
quena banca  de  mármore,  etc. 


O  methodo  aqui  empregado  na  execução 
das  differentes  peças  de  porcelana  é  o  de 
encher  e  o  de  moldar. 

As  caixas  refractárias  (gazetas)  onde  se 
metlem  as  peças  para  serem  levadas  aos 
fornos,  são  feitas  por  moldes  de  gesso. 

Depois  de  bem  seccas  as  peças  que  sai- 


4 


1920  VIS 


VIS 


ram  da  roda  do  oleiro  ou  dos  moldes,  pro- 
cede-se  ao  enfornameoto,  mettidas  nas  ga- 
zetas, ou  sem  eilas.  Levadas  ao  forno  são 
collocadas  no  2.«  pavimento,  pois  agora  só 
recebem  calor  brando,  ou  chacota,  — e  de- 
pois d'esta  cozedura,  vão  para  a  officina  de 
vidrar. 

O  vidrado  é  por  immersao  das  peças  den- 
tro de  uma  grande  lina  onde  se  acham  di. 
luidos  em  agua  os  corpos  que  compõem  o 
esmalte. 

As  peças  mettem-se  e  liram-se  rapida- 
mente, ficando  logo  seccas,  como  se  não 
houvessem  recebido  banho  algum.  Depois 
tira-se  o  vidrado  dos  pontos  de  contacto  e 
dá-se  nos  pontos  em  que  a  peça  não  o  pôde 
receber  na  parte  coberta  pela  mão.  Os  re- 
toques são  feitos  a  pinct-l. 

Mettidas  novamente  dentro  das  gazetas, 
em  cujo  fundo  se  lança  alguma  areia,  são 
outra  vez  enfornadas,  mas  agora  no  outro 
pavimento  do  forof,  afim  de  receberem  o 
grande  calor  que  termina  a  cozedura,  sendo 
as  gazelas  collocadas  umas  sobre  outras  a 
toda  a  altura  do  forno,  a  que  se  dá  o  nome 
de  fios. 


Feito  o  enfornaraento,  accendem-se  as  4  I 
fornalhas  que  tem  o  forno,  havendo  tòdo  o 
cuidado  para  que  a  inieniàdade  do  lume  se- 
ja a  mesma  em  todas  as  fornalhas  e  unifor- 
me a  teríperaiura. 

Passadas  10  horas  de  lume  brando,  ou  de 
esquenta,  tapam-se  as  boecas  dos  fornos  com 
tijolos  refractários,  afim  de  concentrar  a 
força  do  calor  interiormente.  Começa  então 
o  grande  calor,  ou  lume  de  calda,  renovan- 
do suceessivamente  a  lenha  nas  fornalhas  e 
conservando-se  o  fogo  bem  activo  e  unifor- 
me 24  a  36  horas. 

Completa  a  cozedura,  tira-se  a  lenha  das 
fornalhas,  diminuindo  gradualmente  d'este 
modo  o  calor  dentro  do  forno,  conservando- 
se  a  louça  dentro  dVlIe  até  que  eâteja  com- 
pletamente fria.  Só  então  se  começa  a  des- 
enfornar. 

De  entre  as  peças  vidradas  separam-se  as 
que  tem  de  ser  piotadas,  para  o  que  se  con- 


duzem a  um  armazém  conliguo  ás  salas 
pintura. 

São  muitas  as  cores  usadas  na  pintura  da 
porcela.na,  quasi  todas  vitrificáveis  e  obtidas 
pela  combinação  de  óxidos,  saes  metalíicos 
e  fundentes. 

Os  óxidos  empregados  de  preferencia  são 
03  de  choromio,  ferro,  uramio,  zinco,  man- 
ganez,  cobalto,  antimonio,  iridium,  estanho 
e  cobre;— os  saes  são  o  chromalo  de  ferro, 
de  barita,  de  chumbo  e  algumas  vezes  o 
chioreto  de  prata. 

Pintada  a  louça,  vae  á  estufa  para  secca- 
rem  as  tintas:  depois  ê  mettida  em  muflas 
I  para  se  fixarem  as  tintas,  gaohando'a3  res- 
pectivas cores,  as  quaes  se  verificam  com 
os  fundentes. 

Resenha  do  pessoal  superior 
Ua  grande  fabrica 

Administradores:— Augvisio  Ferreira  Pin- 
to Basto,  1824-1828;  Alberto  Ft-rrnra  Pinto 
Basto,  1829-1855;  Duarte  Ferreira  Pinto 
Basto,  1856-1861;  Domingos  Ferreira  Pinto 
Basto,  1861-1882;  e  depois  suceessivamente 
—Duarte  Ferreira  Pinto  Basto  Júnior,  Theo- 
doro  Ferreira  Pinto  Basto,  Gustavo  Ferreira 
Pinto  Basto  e  Duarte  Ferreira  Pinto  Basto, 
administrador  actual  (1888). 

Directores:— Anionio  d'Almeida  Ferreira 
Duque,  1836-1840;  João  Maria  Ripoto,  1840- 
1878;  Duarte  Pinto  Basto  Juuior,  1878- 
1882;  João  Antonio  Ferreira  de  i5  de  maio 
de  1882  até  hoje,  novembro  de  1888. 

Mestres  de  pintura  :  — Victor  Francisco 
Chartier  Rousseau,  1836-1856;  Filippo  For- 
tier,  1857-1860;  Gustavo  Fortier,  1861- 
1865;  Joaquim  d'01iveira,  1866-1881;  Fran- 
cisco da  Rocha  Freire,  de  1881  até  hoje. 

Mestres  de  porcelana:— íoão  da  Silva  Mon- 
teiro, 1826-1833;  João  da  Silya  Monteiro  Jú- 
nior, 1833-1838;  João  Antonio  Ferreira 
1838  até  maio  de  1882,  data  em  que  foi  sup- 
primido  o  cargo  de  mestre  de  porcelana,  fi- 
cando a  fazer  as  vezes  d'elle  2  contra-mes- 
ires. 


VIS 


VIS  1921 


A  fabrica  tem  uma  maebina  a  vapor  da 
força  de  14  cavalios. 

Foi  feita  em  Lisboa  por  Baehelay — e  mon- 
tada em  1855. 

A  chamioé  tem  14  metros  d'altura  e  foi 
construida  em  1879  por  operários  do  esta- 
belecimento. 

Ha  4  fornos  para  coser  a  porcelana,  todos 
de  forma  cylindrica  e  feitos  com  tijolos  re- 
fractários fabricados  no  estabelecimento.  Ca- 
da um  tem  4  fornalhas  e  2  andares. 

Ha  também  8  muflas,  oa  fornos  mais  pe- 
quenos, destinados  a  fixar  as  tintas.  São  cai- 
xas feitas  d'argila  refractária,  separadas 
umas  das  outras  por  paredes  de  igual  natu- 
reza, e  com  fornalhas  independentes. 

Do  exposto  se  vê  que  é  muito  complica- 
do e  melindroso  o  fabrico  da  porcelana} 


Em  1880  empregavam-se  n'e8ta  grande 
fabrica  127  homens,  25  mulheres  e  27  ra- 


1  Ainda  não  está  bem  averiguada  a  ori- 
gem d'este  nome  porcelana.  Suppòe  se  que 
a  sua  etimologia  é  portuguesa,  como  se  lô 
na  Memoria  da  Vista  Alegre  pelo  sr.  Brito 
Aranha.  Diz  elle: 

«A  primeira  louça  da  China  e  do  Japão 
veio  para  Portugal  no  1.°  decénio  do  sec. 
XVI.  Transportou-a,  segundd  a  tradição,  um 
navio  de  que  era  coramandante  um  antigo 
marítimo  por  nome  Pero  Solano.  Soube-se  ! 
isto  na  Europa,  e  da  Hespanha  e  França 
vieram  para  Lisboa,  dentro  d«  pouco  tem- 
po, pedidos  de  louça  deP^ro  Solano.  D'aqui 
nasceria  pois  por  corrupção  do  vocábulo,  a 
persolana,  que  encontramos  desde  as  mais 
antigas  memorias  transformada  na  palavra 
porcelana. 

«A  inlroducção  d'esta  espécie  de  louça  na 
Europa  causou- tal  admiração. . .  que  desde 
então  se  começaram  as  experiências  para 
imitar  o  precioso  artefacto  oriental,  mas  só 
passados  2  séculos  é  que  se  obtiveram  re- 
sultados satiâfactorios,  porque  vemos  que  a 
celebre  fabrica  deSaxonia  principiou  a  pro- 
duzir regularmente  porcelana  depois  de 
1711,  a  de  Vienna  em  1720.  a  de  Bt-rlim  em 
1751,  a  de  Sévres  em  1765  e  a  Worcester 
em  1768.. 


pazes;  hoje  (1888)  empregam -se  —  homens 
160;  mulheres  24;  rapazes  40. 

Os  trabalhos  são  quasi  todos  feitos  de  em- 
preitada, e  08  salários  variam  conforme  a 
natureza  do  trabalho.  Nas  offlcinas  de  por- 
celana e  pintura  os  homens  ganham  por  dia 
600  a  1^000  réis;  nos  outros  serviços  300 
a  500  réis;  as  mulheres  e  rapazes  120  a  240 
réis. 

Consome  pinho  no  valor  de  7  a  8  contos 
de  réis  por  anno— e  320  tonelladas  de  car- 
vão de  pedra. 

Vende  toda  a  producção,  não  dando  por 
vezes  aviamento  ás  encomroendas;— tem  por 
mercado  todo  o  continente  e  ilhas,  nomea- 
damente a  cidade  d'Elvas.* 

Os  preços  da  porcelana  branca  são  muito 
diminutos.  Apresentam  chávenas  de  39  a  35 
réis  cada  uma  —  e  pratos  de  70  a  80  réis; 
mas  a  porcelana  dourada  e  pintada  sobe  até 
alto  preço,  na  proporção  do  tamanho  e  do 
trabalho  artisti -o.  , 

Entre  as  peças  mais  notáveis  que  a  gran- 
de fabrica  produziu  até  hoje  merecem  espe- 
cial menção  dois  grandes  vazos  de  porcela- 
na, que  o  sr.  bispo  conde  de  Coimbra  man- 
dou expressamente  fazer  em  1887  para  dar 
a  S.  Santidade  Leão  Xlíl  por  occasião  das 
grandes  festas  do  seu  jubileu  sacerdotal  (31 
de  dezembro  do  dicto  anno.)  Os  vasos  me- 
diam 0°',86  de  altura  e  eram  de  íórma  ele- 
gantíssima, verdadeiras  obras  d'arte  feitas  a 
capricho  e  primorosamente  acabadas. 

Em  uma  das  faces  tinham  o  retrato  de 
Leão  XHI  emmoldurado  em  um  festão  d'ou- 
ro;  na  outra  as  armas  do  mesmo  pontífice 
com  as  cores  próprias;  no  pedestal  os  bra- 
zões  do  bjspo  conde  e  da  cidade  de  Aveiro, 
em  fundo  verde-claro, — e  em  cada  uma  das 
faces  da  baâe,  que  era  quadrangular,  tinham 
a  seguinte  legenda:— 3i  decembris  J887  — 
Observantiae  pignus — Amoris  argumentum 
Olf.  Ep  Conimbricensis. 

Os  dois  vasos  custaram  duzentos  mil 
réis. 


A  ■  familia  Pinto  Basto  é  muito  numerosa 
e  muito  considerada  no  nosso  paiz. 
José  Ferreira  Pinto  Basto,  fundador  da 


1922  VIS 


VIS 


grande  fabrica  da  Vista  Alegre,  filho  de  Do- 
mingos Ferreira  Pinto  Basto  e  de  sua  mu- 
lher D.  Maria  do  Amor  Divino  Costa,  nas- 
ceu no  Porto  a  16  de  setembro  de  1774;  ca- 
sou com  D,  Barbara  Innoceneia  Felicidade 
Allen  em  14  de  janeiro  de  1801;  falleceu 
em  Lisboa  no  dia  23  de  setembro  de  1839; 
foi  senador,  caixa  do  contracto  do  tabaco, 
deputado  ás  cortes,  membro  do  conselho  de 
família  por  fallecimento deel-rei D.João  VI, 
provedor  da  Cana  Pia  de  Lisboa,  ete.  ete. 

Teve  9  irmãos  e  15  filhos,  dos  quaes  a 
maior  parte  deixou  successão. 

Numerosa  familial. . . 

Os  irmãos  foram:  Antonio,  Maria,  Eufrá- 
sia, Anna,  Quitefia,  Helena,  Isabel,  Fran- 
cisca e  João. 

Fillws:  José,  Duarte,  Theodora,  Felicida- 
de, Augusto,  Alberto,  Julio,  Maria,  Domin- 
gos, Joaquim,  Emilia,  Justino,  Anselmo, 
Guiomar  e  Frederico?! . .  • 

Alem  da  grande  fabrica  da  Vista  Alegre, 
deixou  muitas  e  valiosos  propriedades,  en- 
tre ellas  a  quinta  de  Ceítè  no  concelho  de 
Paredes,  quinta  que  abrange  o  antiquíssimo 
convento  e  cerca  dos  frades  benedictínt>s  de 
Ceííí,  hoje  muito  embellesada,  muito  bem 
arborisada  e  uma  das  vivendas  mais  pitto- 
rescas,  mais  mimosas  e  mais  luxuosas  do 
districto  do  Porto;  as  quintas  da  Gafanha  e 
Cantanhede;— a  grande  quinta  de  Foja,  q\ie 
foi  dos  cruzios,  junto  da  Figueira; — a  quin- 
ta do  Rol,  junto  de  Coimbra;— a  quinta  de 
Malvedo,  na  Tua;— a  casa  do  Correio  e  mui- 
tas propriedades  em  Cabeceiras  de  Basto; 
— muitos  prédios  em  Lisboa  e  Belém  e  mui- 
tas propriedades  em  Queluz,  ele. 


A  fabrica  da  Vista  Alegre  ainda  hoje  per- 
tence aos  descendentes  do  fundador,  os 
quaes  em  numero  de  12  formaram  em  1882 
uma  parceria  para  a  explorarem  com  o  ca- 
pital de  64:8004000  réis,  entrando  cada  um 
com  5:400^000  réis. 
Os  12  parceiros  são  os  seguintes: 
—D.  Felicidade  Firmina  Teixeira  Pinto 
Basto. 

—Custodio  Teixeira  Pinto  Basto. 


— Reynaldo  Ferreira  Pinto  Basto. 
— Th€cdoro  Ferreira  Pinto  Basto. 
—Duarte  Ferreira  Pinto  Basto. 
—Gustavo  Justino  Ferreira  Pinto  Basto. 
— Vasco  Ferreira  Pinto  Basto.^ 
—D.  Maria  Helena  Ferreira  Pinto  Basto. 
—D.  Barbara  Camilla  Ferreira  PintoBasto. 
—D.  Joaquina  d'Avilez  Teixeira  Pinto 
Basto. 

—Alberto  Ferreira  Pinto  Basto  e 
—D.  Joanna  Victoria  de  Sousa  Correia. 
VISTA  ALEGRE,— quinta,  pertencente  à 
freguezia  de  Covas  do  Tiouro,^  concelho  de 
Sabrosa,  districto  de  Villa  Real  de  Traz  os 
Montes. 

V.  Covas  do  Douro,  tomo  2.*'  pag.  427,  col. 
2.»  tambem.^e  Poiares,  tomo  7.»  pag.  123, 
col.  1." 

Esta  freguezia  de  Covas  foi  uma  das  mais 
ricas  do  Douro,  porque  demorava  na  região 
do  PoTt-Wine  e^só  a  freguezia  de  Poiares^ 
citada  supra  e  pertencente  ao  concelho  da 
Regoa,  produzia  mais  vinho,  posto  que  mui- 
to mais  inferior.  Em  1840,  p.  ex.  a  fregue- 
zia de  Poiares  produziu  3:930  pipas;  esta  de 
Covas  2:870;  a  de  Cambres  2:657;  a  da  Re- 
goà  2:573— e  a  de  Godim  ou  Juqueiros  2:494, 
todas  de  557  litros  cada  uma.  Na  região  do 
Port-  Wine  eram  estas  as  5  freguezias  do  Dou- 
so  que  produziam  mais  vinho,  sendo  muito 
superior  em  qualidade  e  preço  o  d'e3ta  de 
Covas,  pelo  que  era  muito  rica,  mas  hoje, 
depois  que  o  phylloxera  destroçou  os  seus 
vinhedos,  é  uma  das  mais  pobres  do  Douro, 
pois  talvez  que  hoje  não  produza  300  pipas 
— e  de  vinho  fino  com  certeza  não  produz 
100?!... 


1  É  um  cavalheiro  de  muito  merecimento 
e  neto  do  fundador.  Casou  com  D.  Maria 
Helena,  u  na  das  sobrinhas  e  herdeiras  d'Al- 
varo  Leite  Pereira  de  Mello  e  Alvim,  e  mo- 
ra no  Porto,  no  palácio  de  S.  João  Novo, 
que  foi  do  dicto  Alvaro  Leite,  palácio  quei 
d*elle  herdou  a  mencionada  sobrinha. 

V.  Nicolau  (S.)  do  Porto,  voL  6.»  pag.  89, 
col.  2  • 

2  Assim  se  denominou  sempre  e  denomina 
ainda  hoje;  não  Covas  do  Rio,  como  se  le  na: 
Chorogr.  Moderna. 


VIS 

V,  Villarinho  de  Cotas  e  Villarinho  de  S. 
Romão,  onde  descrevemos  o  estado  presen- 
te do  Douro. 

Esta  freguesia,  alem  da  povoação  de  Co- 
ros do  Douro,  séde  da  matriz  e  situada  em 
uma  cova,  sitio  abafado  e  fundo,  ardentíssi- 
mo no  verão,  comprehende  as  povoações  de 
Donelio,  Poça,  Pesiniio,  Chancelleiros,i  _  e 
as  quintas  da  Vista  Alegre,  Agua  Alta,  E?pi- 
nhal,  Veiga,  Pomar,  Ferrão,  Larangeira, 
S.  Fins,  Ceira,  Boa  Vista,  Bateiras,  Cachu- 
cha,^  Quiuta  Nova,  Porto,  Formigosa,  Ujó, 
Oliveirinha,  Sopas,  Moura,  Goutelho,  Tran- 
cada e  Bom  Dia.  Estas  ultimas  4  (eu  já  as  vi- 
sitei) pertencem  ao  meu  amigo  Alexandre 
Augusto  Pereira  de  Barros,  de  Donelio,  que 
era  um  dos  melhores  proprietários  d'esla 
freguezia,  mas  depois  que  a  phylloxera  a 
destroçou,  vive  no  extincto  convento  de  S. 
Pedro  das  Águias,  bella  residência  quepos- 
sue  na  freguezia  de  Távora,  concelho  de  Ta- 
boaço,  na  outra  margem  do  Douro. 

Das  quintas  mencionadas  supra,  as  3  me- 
lhores eram  as  seguintes?  !.■  Ferrão,  da  fa- 
mília Pess^nhas;  2.»  Quinta  Nova,  de  José 
Paulo  de  Abambres;  3.»  Cachucha,  que  foi 
dos  SúMvedras,  de  Provezende. 

V.  Monte  Coxo  e  Távora,  vol.  9.»  pag. 
516,  col.  1."  —  Note-se  que  o  dito  convento 
in  illo  tempere  pertencia  ao  sr.  José  Cons- 
tantino, irmão  do  actual  possuidor.  Aquelle 
ainda  vive  em  Donelio  e  está  solteiro;  é  muito 
illustrado  e  talentoso,  mas  muito  excêntri- 
co. Só  convive  com  os  livros;  devemos-lhe 
porem  a  fineza  de  palestrar  muito  comnos- 
co,  quando  éramos  abbade  em  Távora. 

A  quinta  de  Gontelho  está  no  caminho  do 
Douro  para  Covas  e  era  um  dos  sitio?  do 
vinho  mais  afamado,  pelo  que  ali,  ao  longo 


1  D'aqui  é  oriundo,  aqui  tem  uma  boa 
casa  e  d'ella  tomou  o  titulo  o  actual  viscon- 
de de  Chani".elleiros. 

Vi  Villa  Verde  dos  Francos,  tomo  11.»  pag. 
iH9,  col. 

*  I)'ella  tomou  o  nome  o  celebre  ponto  da 
Cachucha.  V.  Pontos  do  Douro,  n.*  43. 


VIS  1923 

da  estrada,  os  proprietários  da  freguezia  fi- 
zeram differentes  armazéns,  que  parecem 
um  povo,  onde  tinham  em  deposito  os  seus 
vinhos. 

A  quinta  do  Ferrão,  pertencente  à  nobre 
família  Pessanhas.  deu  o  nome  e  o  ser  à  es- 
tação actual  do  Ferrão,  na  linha  do  Douro, 
pois  a  estação  demora  em  sitio  deserto  e  foi 
feita  ali,  junto  da  mencionada  quinta,  em 
attenção  aos  donos  d'ella. 

Tem  esta  quinta  lagares  soberbos  com  os 
maiores  tampos  que  ha  era  todo  o  Douro! 

V.  Monte  Coxo,  loc.  cit.—e  Villa  Nova  de 
Foscoa,  tomo  11.»  pag.  840,  col.  1.» 

Um  pouco  a  montante  da  dila  estação  vae 
construir-se  uma  ponte  sobre  o  Douro,  na 
testa  da  estrada  dístrictal  n."  40,  de  ViseU 
á  foz  do  Távora,  por  Taboaço,  Távora  e  Moi- 
menta da  Beira. 

V.  Vicente  (S.)  sitio,  tomo  IO.»  pag.  516, 
col.  2.»— e  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1778,  col. 
2.*  n.»  2. 

VISTA  ALEGRE. -quinta  da  freguezia  da 
Fontéllo,  concelho  d' Armamar. 

V.  Fontéllo,  tomo  3.»  pag.  209,  col.  2.* 

Alem  da  povoação  de  Fontéllo,  séde  da 
matriz,  comprehende  esta  parochia  as  po- 
voações seguintes  :  —  Balteíro,  Commenda, 
Villar,  Serro  do  Maio— e  as  quintas  da 
Lapa,  Vista  Alegre,  Bagauste,  Villar,  Talha- 
douro  e  3  na  Pedra  Caldeira. 

Era  Bagauste,  na  margem  esquerda  do  ri- 
beiro d'este  nome  e  no  termo  da  freguezia 
de  Parada  do  Bispo,  ha  outra  grande  quinta 
com  Capella  e  casa  nobre,  pertencente  aos 
herdeiros  de  Luiz  Pinto  de  Sousa  Vahia. 
Comprehende  largos  vinhedos,  parte  dos 
quaes  estão  em  terreno  que  oulr'ora  foi 
comprado  ou  emprasado  à  extincta  camará 
de  Parada  do  Bispo,  e  o  dito  emprasaraento 
ou  título  de  venda  foi  assignado  apmaspe/o 
escrivão  da  dieta  camará,  declarando  que 
não  assignavam  os  íllustres  vereadores  — 
por  não  saberem  escrever?  ■  •  • 

O  sitio  de  Bagauste,  onde  demoram  as 
mencionadas  quintas,  é  conhecido  desde 
tempos  muito  remotos,  pois  houve  ali  um 
convento  antiquissirao! 

V.  Bagauste  n'este  diccionario— e  Bacalar 
em  Viterbo. 


1924  VIS 

Suppôe-se  que  o  dicto  convento  estava  no 
sitio  onde  hoje  se  vê  a  quinta  dos  Vahias, 
pois  quando  no  meiado  d'este  século  se  fez 
a  grande  casa  e  se  restaurou  a  capella,  ali 
se  encontraram  sepulturas  anliquissimas. 

O  mencionado  ribeiro  de  Bagauste  divi- 
de a  freguezia  de  Parada  da  de  Fontello— 
e  na  foz  d'elle  ha  uma  barca  de  passagem 
.  sobre  o  Douro,  barca  que  outr'ora  foi  dos 
bispos  de  Lamego. 

Na  foz  do  mesmo  ribeiro  ha  uma  boa 
ponte  de  cantaria  de  granito,  feita  pelo 
meiado  d'este  século  na  estrada  marginal 
do  Douro—e  em  frente,  na  margem  direita 
do  rio,  ha  um  apeadeiro  denominado  de  Ba- 
gauste, na  linha  férrea  do  Douro. 

Demora  também  a  jusafite  de  Bagauste  o 
ponto  d  "este  nome— e  a  montantè  o  poço  da 
Pedra  Caldeira. 

V.  Pontos  do  Douro,  tomo  7.*  pag.  199, 
col.  n."  30  e  31,— e  Viseu,  tomo  11.»  pag. 
1704,  col.  2.' 

A  quinta  de  Villar  pertence  ao  sr.  Duarte 
Huet  e  delia  já  fizemos  menção. 

V.  Yillar,  aldeia. . ,  tomo  11."  pag.  1175, 
col.  2.» 

VISTA  ALEGRE,  —  quinta  e  casa  nobre, 
pertencente  à  freguezia  de  S.  Thiago  de 
Piães,  concelho  de  Sinfães. 

V.  Piães,  tomo  7.»  pag.  8,  col.  1.» 

Esla  importante  freguezia  comprehende 
as  aldeias  seguintes:— Casconhe,  Queixada, 
Oleiros,  Villar  d'Arca,  Santo  Antonio,  Ven- 
tozellas.  Cimo  de  Villa,  Cabo  de  Villa,  Cru- 
tello,  Quinta,  Preguinho,  S.  Pedro.  Santa 
Comba.  S.  Martinho,  Lagea,  Vermilhos,  Pa- 
ço de  Sanfins,  Barreiros,  Govaes,  Outeiro 
do  Mouro,  Seixos,  Castro,  Bouça,  Riscas  Ve- 
lhas, Villa  Verde,  Amial,  Torneiros,  Ante- 
mil,  Cancella,  Pereira,  Lamas,  Folhadal, 
Areial,  e  Feira;— os  casaes  de  Joanne,  Luz, 
Benecal,  Sobr.-ira,  Val  do  Mendo,  Areial, ' 
Costa  da  Pereira,  Cavada,  Souto,  Espadanai, 
Outeiro,  Arge,  Lameiras,  Rebolho,  Cabrel- 
la.  Estriga,  Regada  d'01ho— e  as  quintas  de 
Murjon,  Soalheira,  Residência,  Cardaes, 
Moinho  do  Cubo,  Ribeira,  Devesa,  Lama, 
Bouça  d'Affon8o,  Presa,  Povoa,  Casal  See- 
00,  Penna  do  Anjo,  Casas  Novas,  Quinta, 


VIS 

j  Fojo,  Poreas,  Ganal,  S.  Juste,  Reguengo, 
Quebrada,  Fontellas,  Prado,  Barras,  Aviler- 
ma.  Juncal  e  Vista  Alegrei.. . 

Na  sua  casa  e  quinta  da  \ista  Alegre  fai- 
leceu  em  novembro  de  1882  o  dr.  Diogo 
Leite  de  Castro  Pinto  Castello  Branco,  juiz 
da  relação  dos  Açores,  magistrado  integer- 
rimo  e  cavalheiro  digníssimo. 

VISTA  ALEGRE,— quinta  da  freguezia  de 
Tarouquella,  concelho  e  comarca  de  Sin- 
fáes. 

V.  Tarouquella,  vol.  9.»  pag.  494,  col.  2.» 

Comprehende  esla  freguezia  as  aldeias 
de  Urbão,  Pinheiro,  Casaes,  Fontes,  Granja, 
Paços,  Barral,  Mosteiro,  Torre,  Outeiro,  Re- 
gadas, Val  de  Vez,  Sobrado  de  Baixo  e  So- 
brado de  Cima.  — 03  casaes  da  Corredoura, 
Alqueve,  Palheiros,  Campo  Grande,  Tapa- 
dos, Abobreira  e  Candeira;— as  quintas  de 
Crasto  (Castro)  Cadeia,  Cantarioho,  "Lamei- 
ras, Carril,  Sele  ou  Cêtle,  Gouja,  Picota, 
Adega,  Aido,  Eira,  Fraga,  Figueiró,  Boa 
Vista  e  Vista  Alegre. 

VISTA  ALEGRE,— quinta  da  freguezia  e 
Villa  de  Palmella,  concelho  de  Setúbal. 

V.  Palmella,  tomo  7.»  pag,  431-440. 

A  freguezia  de  Palmella,  oragò  S.  Pedro, 
é  muito  populosa  e  uma  das  mais  extensas 
do  paiz,  porque  absorveu  e  representa  mais 
duas:— a  de  Santa  Maria  do  Castello  e  a 
de  S.  Pedro  de  Marateca,  distante  mais  de 
20  kilomeiros  para  o  nascente  e  que  tinha 
pequena  população,  mas  uma  area  vastís- 
sima. 

V.  Marateca,  tomo  5.«  pag.  59,  col.  2.» 

A  freguezia  de  Palmella,  representando 
aquellas  3  freguezias,  tem  de  bombordo  a  es- 
tibordo cerca  de  40  kilomeiros  (?!,..)  e  com- 
prehende além  da  villa  as  povoações  de  Ca- 
banas, Penteado,  Barris,  Venda  do  Alcaide, 
Pinhal  Novo,  Carregueira,  Lagoinha,  Olhos 
d'Agua,  Carrasqueira,  Fontainhas,  Ponte  da 
Vaca,  Serra,  Abreu,  Aréias,  Terrim,  Aldeia, 
do  Pinheiro,  Horta  do  Sobftjiro,  Marateca, 
Poceirão,  ^  Aguas  de  Moura;  —  os  casaes  de 


^  Este  pequeno  povoado  era  do  termo  da 
freguezia  de  Maratéea  e  d'elle  tomou  o  no- 
me a  estação  do  Poceirão  na  linha  ferrrea 
de  S.,  que  passa  a  pequena  distancia. 


VIS 


VIS  1925 


Lagoa  da  Palha,  Sesmarias,  Algeraz,  Pernuda, 
Roboredo,  Moinho  No vo^ Ferrarias,  Pego  Cla- 
ro, Asseiceira,  Lagôa  do  Calvo,  FoDte  Bar- 
reira, Agualva,  Moinhota,  Amieira,  Rio  Frio» 
Zambujal,  Seixolioha,  Guarda  Mór,  Arrabi- 
das,  Boqueirão,  Parrella,  Cano,  Cômoros, 
Ferrador,  Monte  Cortiço,  Baludes,  Boino, 
Cerrado,  Aifundão,  Buenos  Aires,  Pinhal 
Novo,  Gaitella,  Cabedo,  Safla,  Monte  Pavor, 
Salsa,  Ponte  Seeea,  Valles,  Cabeço  da  Ade- 
ga, Junçal,  Rosa,  Garcia,  Cabeço  Calado, 
Martiuheira,  Martinhal,  Serro,  Páscoa,  Por- 
tella,  Tapada,  Tremoços,  Val  de  Pereiro, 
Calhariz,  Val  do  Momho,  Carrascal,  Pande- 
ro,  Rossas,  Lago,  Pedreiro,  Pinhal  Basto,  Es- 
ponja, Casalinho  das  Rossadas,  Fornos,  Fi- 
gueiras, Moinho  da  Páscoa,  Fonte  Velha,  Ca- 
sal Branco,  Aparadas,  Bento  Pequeno, Cos- 
ta Velha,  Cova  da  Raposa,  Matta,  Cruz,  Ca- 
sal Pequeno,  Barro,  Serra  e  Lago;— as  quin- 
tas da  Feia,  dos  Bonecos,  de  Aires,  do  Bar- 
radas, Thomé  Dias,  Arcyprestes,  do  Jacob, 
do  Centeio,  do  Hilário,  das  Machadas,  Olei- 
ro, Gloria,   Camarnal,  Bréjo,  Alcáçovas, 
Quinta  Nova,  Pateo,  Queimada,  Amoreira 
de  Cima,  Amoreira  de  Baixo,  Vião.  Calvão, 
Fonte  da  Talha,  Peixoto,  Vianna,  Várzea, 
dos  Mellos,  Formas.  Val  Verde,  Samouco, 
Azenha,  Carvalhos,  Custodio,  Ferraria,  Es- 
trangeira, Escudeira,  Boa  Vista  e  Vista  Ale- 
gre;—herdades  do  Marmelinho,  Horta  do  | 
Sobreiro,  Guia,  Sant'Anna,  Vanechel  e  Mi- 
sericórdia;—os  sitios  de  Val  de  Grou,  Sa- 
lema de  Baixo,  Salema  de  Cima,  Santo  An- 
tonio, Arca  d'Agua,  Fonte  da  Pipa,  S.  Pau- 
lo, S.  Romão,  Fonte  dos  Cavalleiros,  Alfer- 
rara  e  Monte  Tinhosof  1 . . . 

Quasi  todos  estes  sitios,  herdades,  quintas 
e  casaes  são  habitados. 

Pelo  censo  de  1878  a  freguezia  de  Palmei- 
la  contava 

Fogos   1:505 

Almas  6:542 

A  freguezia  de  Maratéca: 

Fogos   104 

Almas   415 


Total  da  grande  freguezia  de  Palmelia,! 

Fogos   1:809 

Almas  6:957 


A  povoação  do  Pinhal  Novo  tem  augmen- 
tado  muito  nos  ultimes  anno!*,  já  pela  visi- 
nhanga  da  estação  do  caminho  de  ferro  do 
sul,  entroncamento  da  linha  férrea  de  Seta- 
bal,  já  porque  o  sr.  José  Maria  dos  Santos 
aqui  possue  uma  vastíssima  herdade  muito 
bem  agricultada  e  quasi  toda  plantada  de 
vinha,  onde  emprega  constantemente  cen- 
tenares de  jornaleiros  que  formam  uma 
grande  colónia.* 

Só  na  dieta  herdade  já  plantou  cerca  de 
nove  milhões  de  vides?! . .  • 

E'  o  maior  vinhedo  que  ha  hoje  em  todo 
o  Dosso  paiz. 

Os  habitantes  da  povoação  do  Pinhal  No- 
vo, distante  de  Palmella  cerca  de  8  kilome- 
tros  para  N.,  desejam  formar  ali  a  séde  de 
iima  freguezia  própria  com  algumas  povoa- 
ções mais  visinhas,  taes  são  Fonte  da  Vacca 
e  Venda  do  Alcaide,  mas  até  hoje,  a  despei- 
to de  todos  os  seus  esforços,  representações 
e  empenhos,  ainda  não  conseguiram  des* 
membrar-se  da  vastíssima  parochia  de  Pal- 
mella. 

VISTA  ALEGRE, —  quinta  pertencente  à 
freguezia  da  Sé  da  cidade  d'Evora,  capital 
do  Alemtejo. 

A  dita  cidade  tem  4  freguezias,  que  divi- 
dem entre  si  a  parte  urbana,  mas  a  fregue- 
zia da  Sé,  alem  da  parte  urbana,  compre- 
hende  extra  muros  [um  largo  termo  rural 


í  Note-se  que  actualmente  comprehende 
também  a  de  Marateca,  por  ser  muiio  pou- 
co populosa  e  não  ler  elementos  para  sus- 
tentar a  sua  autonomia. 

*  V.  Pinhal  Novo,  tomo  7.'  pag.  38, 
col.  1.» 

O  sr.  José  Maria  dos  Santos,  hoje  par  do 
reino,  tem  uma  fortuna  avaliada  em  2:000 
contos  e,  depois  da  Casa  de  Bragança,  é  o 
primeiro  proprietário  do  Alemtejo?! . . . 


1926  VIS 

com  muitos  casaes,  hortas,  herdades,  quio- 
tas  e  montes.  Podíamos  indicai- os  todos  e 
dar  minuciosa  noticia  d*elles,  porque  se  en- 
contram indicados  na  Ckorogr.  Moderna  e 
porque  desde  os  bancos  da  Universidade,  ou 
desde  1851  a  1856,  data  da  minha  formatu- 
ra, temos  boas  relações  com  o  ex.""*  e  rev. 
sr.  dr.  Alexandre  José  Freire  de  Faria  e 
Silva,  digno  parocho  actual  da  freguezia  da 
Sé,  professor  de  disciplinas  ecclesiasticas  no 
seminário  ar^hiepiscopal  eborense,  promotor 
da  diocese  e  que  por  vezes  tem  sido  gover- 
nador d'ella;  mas  não  me  atrevo  a  mencio- 
nar tantos  casaes,  hortas,  herdades,  quin- 
tas e  montes,  porque  ao  todo  são  mais  de 
quinhentasfl . . . 


A  quinta  da  Vísta  Alegre  bem  mal  mere- 
ce o  nome,  porque  está  em  sitio  fundo  e 
pouco  vistoso,  a  N.  da  cidade  d'Evora  e  dis- 
tante d'ella  apenas  1  kilometro.  Produz  vi- 
nho, azeite,  laranjas  e trigo;  é  habitada  e  tem 
casa  soíTrivel  e  pertence  actualmente  a  Luiz 
Valente  Pereira  da  Rosa,  antigo  commer- 
ciante  e  hoje  proprietário. 

Demora  esta  quinta  junto  da  estrada  de 
ArrayoUos  e  Monte-Mor  o  Novo — e  em  volta 
4'ella  ha  quintas  muito  mais  importantes, 
taes  são  as  seguintes: 

•^Quinta  do  Palha,  hoje  do  Thiago,  de 
Soure,  cora  esplendidas  vistas. 

—Quinta  dos  Frades  da  Graça,  também 
muito  vistosa,  pois  abrange  um  horisonte 
de  50  kilometros  talvez. 

— Quinta  do  Chantre. 

— Quinta  de  S.  Bento  eas  quintas  deJlíti- 
nisola  (hoje  do  visconde  da  Esperança)  — 
Ramalho,  Santo  Antonio,  Saramago,  Escri- 
vão, Parreira,  Qumta  Grande,  Torralva, 
Cartucha  (dos  herdeiros  de  Jose  Maria  Eu- 
génio, que  a  comprou  por  24  contos  de 
réis)— Quinta  da  Moura,  Valboeira,  Espa- 
da, S.  José,  S.  Pedro  e  outras  de  somenos 
importância,  todas  a  N.  da  cidade,  não  fal- 
tando nas  muitas  que  demoram  ao  nascen- 
te, poente  e  sul,  algumas  a  12  kilometros 
de  distancia,  lodsts  pertencentes  à  freguezia 
da  Sé. 


VIS 


o  reverendo  dr.  Alexandre  José  Freire 
de  Faria  e  Silva  nasceu  em  2  de  setembro 
de  1828  na  aldeia  de  Ceres  ou  Ceras,  fre- 
guezia de  S.  Pedro  de  Alviubeirà,  hoje  con- 
celho de  Thomar,*  e  é  filho  legitimo  de  Ale* 
xandre  José  Freire  e  de  D.  Anna  Ignacia 
da  Silva, — elle  da  mesma  aldeia  de  Ceras— 
e  ella  da  povoação  de  Freixo,  freguezia  de 
Alviubeirà,  filha  do  afamado  clinico  Tho- 
maz  de  Faria  Leitão,  que  teve  mais  3  filhos; 
—Thomaz  de  Faria  e  Silva,  também  medico, 
falleeido  ha  poucos  annoã  em  Lisboa,  sendo 
ali  director  do  hospital  da  Marinha;— Ber- 
nardo de  Farii  e  Silva,  doutor  em  medi- 
cina, mas  falleeido  pouco  depois  de  douto- 
rado,—e  Diogo  de  Faria  e  Silva,  que  foi  có- 
nego—fabriqueiro  da  Sé  arehiepiseopal  de 
Évora  durante  45  annos  e  falleceu  não  ha 
muito.  Era  uma  excellente  pessoa;  ganhou 
muito  dinheiro,  porque  as  conezias  d'Evora 
foram  muito  rendosas  e  são  ainda  hoje  abso- 
lutamente as  melhores  do  nosso  paiz,  e  po- 
dia deixar  uma  fortuna  colossal,  mas  des- 
pendeu muito  cora  a  educação  dos  seus  nu- 
merosos sobrinhos: 

1." — Paulo  Godinho  da  Silva. 

Casou  com  uma  irmã  do  nosso  biographa- 
do  e  tem  4  filhos:— José  Carlos  Godinho  de 
Faria  e  Francisco  Godinho  de  Faria,  ambos 
médicos,  residindo  o  2.o  em  S.  Mamede  de 
Infesta,  na  Maia;  —  Guilherme  Godinho  de 
Faria,  medico  em  Ferreira  do  Zêzere  —  e 
João  Gualberto  Godinho  de  Faria,  capitão 
de  marinha. 

O  2,"  sobrinho,  educado  pelo  reverendo 
conego-lhezoureiro,  foi  o  nosso  biographado. 


i  V.  Alviubeirà,  tomo  1.»  pag.  184,  —  e 
Cêras,  tomo  2.»  pag.  241,  col;  1.» 

A  povoação  de  Cêras  está  junto  da  estra- 
da que  liga  Thomar  a  Coimbra;  tem  cerca 
de  40  fogos  e  mais  de  1  kilometro  d'exien- 
são— e  é  cortada  pela  ribeira  de  Cêras,  que 
tem  ali  uma  ponte  e  divide  a  parochia  de 
Alviubeirà,  concelho  de  Thomar,  dá  de  Nos- 
sa Senhora  da  Graça  de  Areias,  coheelho 
de  Ferreira  do  Zêzere. 


VIS 


VIS  1927 


Principiou  03  seus  estudos  em  Lisboa. 
Nomeado  o  tio  cooego  d'Evora  em  1841,  foi 
elle  para  esta  cidade  e  ali  cursou  os  prepa- 
ratórios no  lyeeu;  em  185á  foi  para  Coim- 
bra, onde  esteve  até  1857,  data  em  que  con- 
cluiu a  formatura  em  Ttieologia.  Em  setem- 
bro do  mesmo  anno  foi  nomeado  professor 
de  sciencias  ecclesiasticas  para  o  seminário 
eborense,  cargo  que  muito  dignamente  exer- 
ceu durante  28  annos,—  e  desde  1857  tem 
sido  promotor  dojuiso  ecelesiaslico,  desem- 
bargador da  relação  archiepiscopHl,  defen- 
sor dos  matrimónios  e  profissões  religiosas, 
examinador  pro-syoodal  e  por  differentes 
vezes  governador  da  diocese,  merecendo 
sempre  dos  seus  superiores  e  do  governo 
portarias  e  attestados  muito  honrosos. 

O  3.»  sobrinho  educado  pelo  benemérito 
cónego,  foi  o  reverendo  Carlos  de  Faria  da 
Silva  Freitas,  natural  da  mesma  parochia 
de  Alviubeira. 

Cursou  o  lyceu  e  o  seminário  eborense  e 
é  parocho  de  S.  Miguel  de  Machede,  a  I5ki- 
lometros  d'Evora,  desde  1857. 

4.  " — Jofié  Ribeiro  de  Faria. 

Cursou  também  o  lyceu  d'Evora;  depois 
formou-se  na  escola-mediea  de  Lisboa,  e  é 
clinico  e  guarda-mor  de  saúde  em  La- 
gos. 

5.  ° — Bernardo  de  Faria  e  Silva,  irmão 
do  antecedente. 

Cursou  também  o  lyceu  d'Evora  e  depois 
a  escola  do  exercito  em  Lisboa;  tem  o  cur- 
so de  artilheria,  actualmente  é  capitão  da 
arma. 

Auxiliou  também  outros  sobrinhos  que 
por  desleixo  se  não  formaram  e  no  seu  tes- 
tamento deixou  50011000  réis  annuaes  para 
a  educação  litteraria  de  um  sobrinho  mais 
novo,  muito  intelligente,  que  já  tem  o  4.*  an- 
no do  lyceu  d'Evora  e  se  destina  à  enge- 
nharia civil. 

Do  exposto  se  vê  que  o  reverendo  cónego 
foi  um  bom  tio  e  bom  cidadão. 

Nós  tivemos  a  honra  de  o  conhecer  em 
1878,  quando  visitámos  o  Alemtejo  e  Évora, 
pois  foi  elliò  quem  nos  franqueou  e  mostrou 
o  thesouro  da  cathedral  e  do  cabido. 

Deus  o  tenha  em  bom  logar. 

VISTA  ALEGRE,  —  sitio  na  freguezia  de 


Lordello  do  Ouro,  bairro  oceideutal  da  ci- 
dade do  Porto. 

V.  Lordello  do  Ouro,  tomo  4.*  pag.  439, 
col.  !.■  in  fine. 

O  meu  benemérito  antecessor  foi  pouco 
generoso  para  com  esta  freguezia,  pois  de- 
dicou-lhe  apenas  38  linhas,  merecendo  ella 
bem  mais,  por  ser  muito  populosa,  muito 
industrial,  muito  mimosa  e  fértil  e  ura  ar- 
rabalde do  Porto,  parte  integrante  d'aquel- 
la  cidade;— por  ter  um  estaleiro,  o  Estalei- 
ro do  Ouro, — onde  desde  tempos  muito  re- 
motos se  canstruiram  muitos  barcos  da 
nossa  marinha  de  guerra  e  mercante — ^^e 
ainda  recentemente  a  galera  mercante  Ame- 
rica, um  dos  maiores  e  mais  formosos  na- 
vios que  tem  a  praça  do  Porlo. 

Foi  também  Lordello  do  Ouro  pátria  do 
bondoso  e  saudoso  capitalista  conde  da  Sil- 
va Monteiro,  ete.  etc. 

Bem  merecia  pois  esta  parochia  um  lon- 
go artigo — e  o  meu  antecessor  por  certo  lh'ó 
dedicàra,  se  soubesse  que  n'ella  tinha  de 
passar)  como  passou,  os  últimos  annos  da 
vida;  quen'ella  tioha  de  escrever,  como  es- 
creveu, parte  d'este  dieeionario;  que  n'ella 
tinha  de  expirar,  como  expirou,  na  rua  de 
Serralves,  n.»  39J,  —  e  que  no  cemitério 
d'ella  tinha  de  jàzer,  como  jazt. . . 

V.  Viannado  Castello,  tomo  10.»  pag.  461, 
col.  1.» — e  Vimieiro  de  Arrayollos,  tomo  II.» 
pag.  1457  a  1464. 

A  terra  lhe  seja  leve! 

VISTO— Formula  escripta  em  algum  acto 
e  que,  assignado  por  pessoa  para  isso  aucto- 
risada,  torna  esse  acto  authentico. 

Para  se  formar  ideia  do  que  eramoulr'ora 
os  vistos  de  muitos  corregedores,  veja-se  o 
que.  dissemos  no  art.  Villa  Jíanm,  tomo  li.* 
pag.  782,  col.  2.»  in  p,né  e  segg. 

Risum  teneatis. 

VISTORES,  portuguez  antigo. 

Assim  se  denominavam  no  sec.  xiv  os 
louvados,  vedores  e  apegadores  que  iam  ver 
as  terras  e  quaesquer  propriedades,  fructos» 
bens  moveis  ou  de  raiz,  para  se  averiguar 
a  verdade  ou  se  decidirem  duvidas  e  con- 
tendas. 


1928  VIT 


VIV 


VITA, — portuguez  antigo, — fita  com  que 
atavam  em  redor  das  fontes  as  eorOas,  os 
cabellos,  as  flores,  etc. 

Costa,  Georg  3. 

Era  quasi  synonimo  de  venda,  na  acee* 
pção  de  faxa. 

VITANDO,- termo  frequente  na  discipli- 
na ecciesiastica. 

Excommungado  vitando  é  aquelle  com 
quem  se  não  deve  conversar,  associar  se, 
ajuntar-se  em  sessões,  conferencias,  etc. 

VITARÃES,  —  Assim  se  denominava  ou- 
tr'ora  a  freguezia  de  Bitarães,  concelho  de 
Paredes. 

V.  tomo  1.»  pag.  402,  col.  2.»~e  Aguiar 
de  Sousa  no  mesmo  vol.  pag.  40,  col. 

VITATORIO,— portuguez  antigo. 

Pregno  vitatorio  era  o  que  dava  o  pre- 
goeiro, antes  de  se  executar  no  padecente  a 
pena  ultima. 

Gil  Vicente, — Anto  da  Barca  do  Inferno. 

Felizmente  a  pena  de  morte  foi  abolida 
em  Portugal  por  decreto  de  1  de  julho  de 
1867,  ou  ha  21  annos,  pois  estamos  em  ou- 
tubro de  1888. 

Nas  Memorias  do  tempo  passado  e  presen- 
te para  lição  dos  vindouros  pelo  dr.  Anto- 
nio Luiz  de  Sousa  Henriques  Secco,*  pode 
▼er-se  de  pag.  227  a  798  uma  extensa  lista 
das  execuções  de  pena  ultima  que  Portugal 
presenciou. 

Leia  quem  tiver  corageml . . . 

VITELLIO,— imperador  romano. 

Foi  a  vergonha  da  humanidade,  mas  ta- 
lis  Vita,  finis  ital . . . 

Era  descendente  de  uma  das  mais  illus- 
tres  famílias  de  Roma— e  explorou  succes- 
sivamente  a  intemperança,  a  crueldade,  as 
dissoluções  e  os  vieios  dos  imperadores  Ti- 
bério, Calígula,  Cláudio  e  Nero. 

Não  decahiu  na  amisade  dos  seus  patro- 
nos, como  succedeu  a  outros  favoritos.  Pas- 
sou por  todos  os  cargos  do  império  e  ga- 
nhou os  soldados  com  dadivas.  Estando  á 
frente  do  exercito  na  Germânia,  quando 


»  Coimbra,  Imprensa  da  Universidade, 
1880,-8.«  de  804  pag. 


Olhão  foi  proclamado  imperador,  Vitellio 
foi  igualmente  revesfido  da  purpura  pelos 
soldados  e  marchou  contra  Olhão.  Segui- 
ram-se  3  grandes  batalhas  em  que  Vitellio 
foi  batido,  mas  na  4.»,  entre  Mantua  e  Cre- 
mona,  ficou  senhor  do  campo  e  do  império. 
Depois  praticou  as  maiores  crueldades,  en- 
tregou-se  aos  maiores  excessos  e  chamou 
sobre  si  a  indignação  publica.  Sendo  pro- 
clamado imperador  Vespasiano  e  enviado 
Primo,  seu  ministro,  para  assassinar  Vitel- 
lio, este  se  escondeu  debaixo  da  cama  do 
seu  guarda-porião,  mas  ahi  mesmo  foi  pre- 
so; alaram-lhe  as  mãos  atraz  das  costas  e 
depois  foi  conduzido  nú  pelas  ruas  mais  pu- 
blicas de  Roma,  com  a  ponta  de  uma  espa- 
da por  baixo  da  barba,  para  o  obrigar  a  le- 
vantar a  cabeça.  SoíTreu  os  maiores  insul-. 
tos  da  plebe  e  por  ultimo  foi  suppliciadono 
anno  69  da  era  ehristã,  depois  de  um  reina- 
do de  11  mezes  e  19  dias  apenasl. . . 

VITULA,— deusa  dos  romanos,  que  exci- 
tava a  alegria. 

VITUMNO  ou  VITUNO,— certo  deus  que 
os  pagãos  adoravam,  crendo  que  era  elle 
que  dava  a  vida  ás  ereaturas  no  ventre  da 
mãe. 

S.  Agost.  De  Civit.  Dei,  1.  7.' 

VIVENDA,— portuguez  antigo,— modo  de 
vida,  subsistência  ou  praso  para  viver. 

«E  antre  os  foros,  que  pagam,  e  o  que 
Ihys  assi  filham,  nom  podem  h&ver  vivenda.* 

Documento  da  camará  municipal  de  La- 
mego com  data  de  1358. 

Também  significava  outr'ora — vida,  com- 
portamento, conducta. 

•  Devemos  muito  trabalhar,  que  nosso  po- 
vo faça  vivenda,  que  seja  muito  a  serviço 
de  Deus,  e  a  sua  prol;  assy  que  quando  Ibe 
pedirem  graça  pera  acrescentamento  dos 
bens  temporaaes,  e  prol  de  suas  almas,  o 
possam  dei  gaaoçar.» 

Cod.  4//.  liv.  V,  tit.  41,  §  1.» 

Também  já  significou  o  viver,  o  passadio 
em  algum  logar. 

«Nenhum  cura  aturava  (nas  egrejas  de 
Barroso)  por  ser  a  vivenda  intolerável.» 

Vida  do  Arcebispo,  3,  6. 

VIVENTAR,  —  portuguez  antigo,  —  hoje 
aviventar. 


VIZ 

VIZâGRA,  ou  VISAGRA,  ou  VIZAGIA,  ou 
MISAGRA,~portuguez  amigo,  hoje  bisagra, 
— dobradiça,  gonzo,  êíc. 

«Armadura  cheia  de  visagras  de  ouro  e 
azul.»  Palm.  I.  c.  30. 

«Lançou  (pariu)  junto  de  huma  fonte 
duas  crianças  como  vizagras.*  Cam.  Filot. 
S,4. 

VIZELLA  ou  VISELLA. 

Este  nome  eomprehende  umas  caldas,  6 
paroehias  e  1  rio;  daremos  por  tanto  sob  o 
mesmo  titulo  Vizella  8  artigos: 

i.' — Vizella  (Caldas  de); 

i.''~Vizella  (Santo  Adrião)  freguezia; 

3.'— Vizella  (S.  Faustino)  freguezia; 

4.  " — Vizella  (S.  João)  freguezia; 

5.  » — Vizella  (S.  Jorge)  freguezia; 
ò."— Vizella  (S.  MigUf^l)  freguezia; 

7.  "— Vizella  (S.  Paio)  freguezia; 

8.  "— Vizella — rio. 

Não  se  estranhe,  pois,  que  este  tópico  se- 
ja longo,  porque  as  dietas  Caldas  são  as 
mais  importantes  do  nosso  paiz  e  datam  do 
tempo  dos  romanos;  aquellas  freguezias  são 
coevas  das  Caldas  e  por  consequência  mui- 
to antigas  também,— e  o  pequeno  rio  mere- 
ce especial  menção,  já  porque  deu  o  nome 
ás  Caldas  e  a  todas  aquellas  freguezias,— já 
porque  banha  e  fertiliza  muitos  campos,— 
já  porque  move  muitos  moinhos,  azenhas  e 
fabricas,  entre  as  quaes  avulta  uma  de  fia- 
ção d'algodão,  que  é  no  seu  género  a  1."  do 
nosso  paiz  e  a  que  maior  lucro  está  dando 
aos  seus  felizes  proprietários. 

Entremos  no  assumpto: 


Vizella  (Caldas  de). 

Esta  risonha  povoação  demora  ao  sul  de 
Guimarães,  donde  dista  9,  kil.,  —  e  no  mes- 
mo local  existiu  oulr'ora  uma  grande  po- 
voação com  o  nome  de  Suzana,  como  afiBr- 
ma  a  tradição  popular  e  como  provam  os 
muitos  vestígios  de  luxuosas  construeções, 
encontrados  ali:--muiia  pedra  lavrada,  mui- 
tos fragmentos  de  louça  e  de  telha  com  re- 
bordo, moedas  e  capiteis  de  columnas,  mo- 
saicos, ínscripções,  etc. 


VJZ 


1929 


Tudo  isto  prova  que  a  antiga  cidade  foi 
muito  importante.! 

Mencionemos  as  inscripções  de  que  pode- 
mos encontrar  noticia: 

DEDICAVIT.  T.  FLAVIVS. 
ARCHELAVS.  CLAVDIANVS. 
LEG.  AVG. 

Foi  deeoberta  pouco  depois  de  1600  e  le- 
vada pelo  celebre  jurisconsulto  Manoel  Bar- 
bosa para  a  sua  quinta  d'Aldão,  subúrbios 
de  Guimarães,  onde  se  conservou  até  1887, 
data  em  que  o  sr.  José  Martins  Ribeiro  da 
Costa,  actual  proprietário  da  quinta,  a  offe- 
receu  á  benemérita  Sociedade  Martins  Sar- 
mento, de  Guimarães,  em  cujo  museu  se 
guarda,  bem  como  as  seguintes: 

RVEC 
ENSIS 
H.  S.  E. 

Foi  encontrada  em  1884  pelo  sr.  dr.  Fran- 
cisco Martins  Sarmento. 

MEDAMVS 
CAMALI 
BORMANI 
CO.  V.  S.  L. 

Foi  encontrada  era  Vizella  junto  do  Ba- 
nho do  Medico^  em  1841. 

C.  POMPEIVS 
GAL.  CATVRO 
NIS.  FIL.  R  ECT 
VGENVS.  VX 

SAMENSIS 
DEO.  BORMA 
NICO.  V.  S.  L.  M. 
QVISQyiS.  HO 
NOREM.  AGI 
TAS.  ITA.  TE.  TVA 
GLORIA.  SERVET 
^  PRACEIPIAS 
PVERO.  NE 
LINAT.  HVNC 
LAPIDEM 


1  V.  Materiaes  para  a  archeologia  de  Gui" 
marães  oa  Revista  de  Guimarães,  n.'  4. 


1930  VJZ 


VIZ 


Esta  inseri pção  tem,  como  se  vé,  duas 
partes;  foi  encontrada  na  Lameira  e  levada 
para  a  Casa  do  Paço,  freguezia  de  S.  João,  j 
onde  se  conservou  até  os  princípios  d'este  I 
anno  de  1888. 

Perderam-se  outras  muitas  inseripções  de 
que  faliam  Mascarenhas  Neto  e  o  Agiologio 
Lusitano,  mas  o  que  fiea  apontado  e  que 
mais  detidamente  pôde  ver-se  nos  auetores 
citados  fcupra.  nomeadamente  em  Argote  e 
na  Revista,  é  bastante  para  nos  convencer 
da  importância  de  Vizella  outr'ora. 


Quanto  á  moderna  povoação,  pode  dizer- 
se  que  principiou  nos  íins  do  sec.  xviii, 
quando  se  descobriram  os  banhos  e  come- 
çaram a  affluir  os  banhistas,  ou  em  1814, 
data  em  que  o  provedor  Barroso  mandou 
fazer  as  obras  de  que  adiante  fallaremos. 

Os  grandes  e  bellos  ediflcios  que  rivali- 
sam  com  os  das  nossas  mais  populosas  ci- 
dades, datam  de  1868  por  diante. 

A  casa  em  estylo  golhieo,  a  cavalleiro  da 
ponte  velha,  foi  mandada  fazer  pelo  nego- 
ciante do  Porto — Guilherme  Wilbi, — e  pôde 
ver-se  na  gravara  que  se  encontra  no  jornal 
illustrado  Artes  e  Lettras,  collecção  de 
1872. 

Alem  do  espaçoso  e  pitloresco  parallelo- 
grammo  que  antigamente  se  chamava  La- 
meira e  hoje  Largo  da  Alameda, ,  onde  até 
1881  estava  a  maior  parte  dos  estabeleci- 
mentos thermaes,  que  então  foram  arrasa- 
dos, fiiando  ali  apenas  iftn  marco  fontena- 
rio,  comprehende  Vizella  as  seguintes  ruas: 
— Estrada  Nova.  Estrada  Velha,  Rainha  das 
Caldas,  S.  Miguel,  S.  João,  Ferreira  Caldas, 
Medico  Reis,  Ponte  Velha,  Prado,  Medico  e 
Travessa  de  S.  João. 

Possue  4  restaurantes,  muito  regulares,  e  7 
boteis: — Cruzeiro  do  Sul,  Vizellense,  Frank- 
fort,  Bragança,  Universal,  Central  e  di-ande 
Hotel  de  Vizella,— iQáoi  em  boas  condições 
sendo  mais  concorridos  o  Vizellense  ou  do 
Padre,  e  o  Cruzeiro  do  Sul. 

Tem  mais  2  pharmaeias:  Freitas  e  Silva; 
-r3  cafés  com  bilhares:  Bragança,  Prado  e 
Central,  não  contando  outros  cafés  sem  bi- 


lhares; — 10  estabelecimentos  commerciaes 
bem  montados  e  sortijjk)S,  além  d'outros  me- 
nores;—1  formoso  estabelecimento  de  cal- 
çado, 2  alquiladores  com  bons  trens;  2  ar- 
madores; 2  talhos  de  carnes  verdes;  barbei- 
ros, taberneiros,  etc. 

Também  aqui  na  estação  balnear  se  esta- 
belecem diíferentes  barracas,  lojas  de  quin- 
quilherias  e  dos  afamados  tecidos  e  borda- 
dos de  Guimarães. 

Ha  também  aqui,  no  Largo  da  Alameda, 
um  importante  mercado  ou  feira  de  cereaes, 
legumes,  louça,  gado,  etc,  nos  dias  7  e  22 
de  cada  mez  desde  janeiro  de  1835.  Foi  este 
mercado  iostituido  a  petição  dos  povos,  das 
du^s  freguezias  de  S.  João  e  S.  Miguel,  pois 
nu  termo  d'estas  duas  freguezias  demora  a 
povoação  dâs  Caldas  de  Vizella,^— e  na  épo- 
ca balnear  é  diário,  especialmente  em  legu- 
mes, leite,  hortaliça,  pão,  aves  e  frucla. 

!  _ 

Os  vizellenses,  instigados  por  alguns  es- 
tranhos, tentaram  mudar  de  concelho  e 
n'esse  sentido  representaram  ao  governo  em 
1869,  pedindo  ao  mesmo  tempo  a  S.  M.  o  se- 
guinte: 

— 1.»  Que  tomasse  o  estabelecimentò  das 
Caldas  de  Vizella  debaixo  da  sua  real  pro- 
tecção. 

—2."  Que  subtraísse  á  camará  municipal 
de  Guimarães  a  administração  das  Caldas 
de  Vizelld  e  as  considerasse  propriedade  do 
estado,  ficando  a  sua  gerência  a  cargo  do 
governo; 

—  3."  Que  não  sendo  isto  possível,  se  di- 
gnasse transferir  aquellas  duas  paroehias 
para  o  concelho  limilrophe — Lousada, — cuja 
camará  por  certo  (diziam  elles)  daria  maior 
impulso  aos  melhoramentos  de  Vizella. 

Uma  contra-representação  foi  pouco  de- 
pois enviada,  assignando  a  {credite  posteril) 
muitos  dos  signatários  da  1.%  pelo  que  ficou 
ludo  statu  quo. 


1  V.  Vizella,  (S.  João)--e  Vizella  (S.  Mi- 
guel) freguezias. 


VIZ 


VIZ  1931 


A  2.»  representação  pôde  ler-se  no  Com- 
mercio  do  Porto,  n.'  262,  do  referido  anno  de 
1869. 

Também  já  se  lembraram  de  pedir  a  ele- 
vação de  Vizella  á  cathegoria  de  villa  e  sé- 
de  do  concelho  próprio  com  um  julgado  mu- 
nicipal, etc,  mas  falta-lhes  um  homem  co- 
mo tem  sido  o  sr.  visconde  Guedes  Teixeira 
para  Lamego,  o  sr.  conde  de  Castello  de 
Paiva  para  Sobrado  de  Paiva,  e  o  sr.  José 
Guilherme  Pacheco  para  a  villa,  concelho  e 
comarca  de  Paredes,  que  ainda  em  princí- 
pios de  18i4  era  uma  simples  aldeia  da  fre- 
guezia  de  Casteltões  de  Cepeda^ . . . 


Ha  em  Vizella  uma  estação  telegrapho- 
postal  com  um  director  e  um  distribuidor, 
que  na  estação  de  banhos  faz  duas  distri- 
buições por  dia. 

O  telegrapho  inaugurou  se  a  20  de  junho 
de  1878,  mas  trabalha  unicamente  de  maio 
a  outubro. 

No  dia  31  de  dezembro  de  1883  inaugu- 
rou-se  a  secção  da  linha  férrea  de  Guima- 
rães,^ da  Trofa  a  Vizella,  dando  entrada  na 
estação  d'este  nome  às  10  horas  e  14"  da 
manhã  o  comboio  galhardamente  enfeitado 
e  conduzindo  os  representantes  da  compa- 
nhia, membros  da  imprensa  e  differentes 
convidados,  subindo  ao  ar  n'essa  occasião 
innuíneros  foguetes,  tocando  ao  mesmo 
tempo  uma  banda  de  musica  e  soltando  ca- 
lorosos vivas  a  grande  multidão  de  povo 
que  atulhava  a  estação  e  suas  dependên- 
cias, o 

A's  11  Vz  serviu-se  um  abundante  lunch 
no  Hotel  Vizellense  a  42  convidados,  reinan- 
do sempre  a  maior  satisfação  e  trocando-se 
eloquentes  brindes. 

É  uma  data  memorável  nos  annaes  da 
gentil  Vizella. 


f 

1  V.  Paredes,  tomo  6.»  pag.  479,  col.  2.* 

2  V.  Vias  férreas,  tomo  10.»  pag.  473,  col. 
2i« 


Ha  n'esta  povoação  duas  escolas  offlciaes, 
uma  para  meninos,  outra  para  meninas; — 
uma  aula  particular  nocturna  para  adultos 
e  1  iiira  também  particular  para  meninas. 

A  escola  oflQeial  para  o  sexo  masculino 
tem  a  sede  na  parochia  de  S.  Miguel;  foi 
muitos  annos  a  única  d'esta  povoação— e  ó 
a  mais  antiga.  Foi  crea^a  por  portaria  re- 
gia de  J  4  de  março  de  1821,  sendo  nomea- 
do por  provisão  de  25  de  junho  do  mesmo 
anno  o  1."  professor  —  Antonio  Pereira  da 
Silva,— qne  a  regeu  até  1860,  data  em  que 
foi  nomeado  professor  vitalieio  o  filho  d'es- 
te, — Antonio  Pereira  da  Silva  Caldas,  que  ó 
o  professor  actual. 

Conta  pois  esta  escola  desde  a  sua  insti- 
tuição em  1821  até  hoje  (1888)— ou  duran- 
te o  longo  período  de  67  annos,  apenas  2 
professores?! ... 

A  sua  frequência  é  de  60  alumnos,  termo 
médio. 

A  escola  do  sexo  masculino  com  séde  na 
freguezia  de  S.  João  foi  requerida  pela  jun- 
ta de  parochia  em' 1866,  mas  a  camará  na 
sua  informação  disse  que  era  dispensável, 
por  estar  muito  próxima  a,  da  freguezia  de 
S.  Miguel,  fieitirou  a  junta  as  suas  instancias 
até  que  obteve  informação  favorável  em  1868, 
mas  só  em  1873  começou  a  dieta  escola  a 
funccionar. 

A  escola  do  sexo  feminino  com  séde  na 
freguezia  de  S.  João  data  da  mesma  época, 
—1873. 


Com- o  fim  de  promover  a  eonstrucção  de 
um  edí  ficio  escolar  na  freguezia  de  S,  João, 
organisou-se  em  1886  uma  commissão  com- 
posta dos  cavalheiros  seguintes:— dr.  Abílio 
Torres,  dr.  Forbes  de  Magalhães,  dr.  Au- 
gusto d'Almeida,  Antonio  Tavares  Bastos, 
(estes  3  últimos  banhistas  habituaes  de  Vi- 
zella) Antonio  Vieira  da  Silva  Coutinho  e 
Joaquim  Pinto  de  Castro. 

No  dia  26  de  junho  do  dito  anno  realisoa- 
se  uma  matinée  musical,  cujo  producto  foi 
entregue  á  commissão; — em  1887  promoveu 
elia  um  grande  bazar  de  prendas  no  parque 


1932  VIZ 


VIZ 


da  companhia  dos  banhos, — e  em  1888  o 
governo  concedeu  á  junta  de  parochia  para 
o  mesmo  fim  o  subsidio  de  2:950iíi000  réis, 

Cpni  este  subsidio  e  com  o  produeto  d'a- 
quelles  e  d*oulros  donativos  está  em  cons- 
trucção  o  edificio  escolar. 

A  aula  nocturna  tem  o  titulo  de  S,  Luiz 
Gonzaga;  funcciona  em  um  bom  edifício  no 
passal  dtí  S.  João; — tem  unida  uma  peque- 
na capHila  com  a  mesma  invocação  da  es- 
cola, e  foi  inaugurada  em  15  de  dezembro 
de  1878,  lendo  sido  feita  a  casa  no  mesmo 
anno  com  esmolas  agenciadas  pelo  rev.  Jo- 
sé Joaquim  Gomes,  (irmão  do  rev.  abbade 
actual)  que  é  o  professor  da  dita  escola  e 
tem  prestado  e  está  prestando  relevantes 
serviços  à  instrucção  e  á  nossa  religião. 

Este  benemérito  e  virtuoso  sacerdote  le- 
vantou à  sua  memoria  um  padrão  immorre- 
douro. 

Desconhecido  dos  poderes  públicos;  con- 
trariado mesmo  por  muitos  infelizes  que  tão 
crêem  na  missão  civilizadora  do  catholicis- 
mo;  luctando  com  os  motejos  d'uns  e  com 
08  sorrisos  d'outros,  nada  o  demoveu.  Teve 
a  satisfação  de  levar  a  cabo  o  modesto  edi- 
ficio e  em  volta  de  si  reúne  todas  as  noites 
40  adultos,  que  d'elle  recebem  a  luz.  da  ins- 
trucção. 

A  caridade  publica  fundou,  —  sustenta  e 
conserva  a  casa — e  elle  para  si  nada  quer, 
nada  deseja.  Sente-se  feliz  no  meio  d'aquel- 
les  homens  creaoças  e  volve  para  o  ceu  os 
olhos  agradecidos,  esperando  só  de  Deus  a 
recompensa.  Nem  aos  domingos  e  dias  san- 
tificados descança,  porque  enião  reúne  as 
creancinhas  em  volta  d'elle  e,  a  exemplo  do 
divino  Mestre,  se  esforça  por  gravar  lhes  no 
coração  as  máximas  da  nossa  religião  santa. 

Da  nossa  obscuridade  enviamos  ao  bene- 
mérito sr.  padre  José  Joaquim  Gomes  o  prei- 
to da  nossa  admiração, — talium  enim  est 
regnum  coeloruml . . . 

Bombeiros  voluntários 

Havendo  aqui  um  povoado  tão  importan- 
te na  estação  balnear  e  casas  com  80  a  100 
habitantes  e  mats  cada  uma,  a  camará  de 
Guimarães,  com  o  fim  de  prevenir  alguma 


grande  desgraça,  mandou  para  aqui  em  ju- 
nho de  1865  uma  pequena  bomba  sem  pes- 
soal algum,  pelo  que  se  adestraram  no  ma- 
nejo d'ella  e  muito  generosamente  se  cons- 
tituíram em  bombeiros  voluntários  4  bene- 
méritos moços,  que  prestaram  relevantes 
serviços  aos  seus  conterrâneos. 

Em  fins  de  1876  uma  commissão  de  9 
membros,  presidida  pelo  sr.  dr.  Abilio  da 
Costa  Torres,  orgaoisou  uma  Companhia  de 
bombeiros  voluntários  com  esiatuios  pró- 
prios, approvados  em  dezembro  de  1877. 
Gompõe  se  de  30  bombeiros  sob  as  ordens 
de  Armindo  Pereira  da  Costa  (1.»  comraan- 
d^te)  e  Joaquim  Antonio  da  Silva  (2.'com- 
mandante)— todos  uniformisados. 

Possue  a  companhia  uma  bomba  grande 
de  2  agulhetas  que  custou  4501000  réis; — 
2  mangueiras  que  custaram  102iííOOO  réis; 
— um  carro  de  material  (escadas,  bicheiros, 
machados,  etc.)  que  custou  150|!000  réis; — 
fardamento  que  custou  6OO1ÍIOOO  réis; — e  to- 
da esta  despeza  foi  feita  por  donativos  que 
a  benemérita  commissão  installadora  agen- 
ciou; é  porem  de  lamentar  que  os  vizellen- 
ses  não  auxiliem  tão  sympalhiea  e  util  ins- 
tituição. Actualmente  apenas  conta  12  só- 
cios protectores,  que  contribuem  para  a  ma- 
nutensão  da  companhia,  cuja  dedicação  tem 
sido  experimentada  repetidas  vezes,  per- 
dendo em  uma  d'ellas  a  vida  um  dos  bom- 
beiros. 

São  sempre  apoucados  os  encomios.que 
se  tributam  a  estes  generosos  bemfeitores  da 
humanidade. 

Philarmonica  vizellense 

Em  janeiro  de  1882  uma  commissão  com- 
posta dos  srs.  dr.  Abilio  da  Costa  Torres, 
Antonio  da  Silva  Vieira  Coutinho  e  João  Ri- 
beiro de  Freitas  Guimarães,  organisou  uma 
philarmonica  (banda  &  capella)  que  actual- 
mente conta  22  executantes;  apresenta-se 
regularmente  em  todas  as  funcções —  e  tem 
um  vistoso  uniforme. 

Industria  , 
N'este  ramo  gosa  e  gosou  sempre  Vizella 
merecido  credito. 
Começaremos  por  mencionar  uma  fabri- 


VIZ 

ca  de  papel  de  vegetaes,  com  exclu3ão  do 
trapo,  que  nos  princípios  d'e8te  século  exis- 
tiu aqui. 

Foi  fundada,  bem  como  outra  de  tintura- 
ria, pelo  nobre  fidalgo  Francisco  Joaquim 
Moreira  de  Sá,  dono  da  illustre  casa  e  quin- 
ta de  Sá  a  1  kilometro  de  Vizella,  e  perten- 
cente à  freguezia  de  Santa  Eulália  de  Bar- 
rosas, hoje  concelho  de  Felgueiras,  e  de 
Guimarães  in  illo  tempore. 

Montou  a  diia  fabrica  no  sitio  da  Casca- 
lheira, freguezia  de  S.  João  de  Vizella,  um 
pouco  a  montante^ do  actual  estabelecimento 
de  banhos,  com  auetorisação  regia  por  aviso 
de  13  da  fevereiro  de  1802  e  alvará  de  24 
de  fevereiro  de  1803,  sendo  as  construi^ções  j 
dirigidas  pelo  habil  engenheiro  ingiez  Tho-  i 
maz  Rizhap, — e  em  lo  de  julho  do  mesmo 
anno  de  1805  por  uma  provisão  regia  foi 
nomeado  superintendente  d'esta3  fabricas  o 
provedor  da  comarca  Mauoel  Marinho  Falcão 
de  Castro,  que  devia  exercer  o  dlcto  cargo, 
emquanto  exercesse  o  de  provedor. 

Infelizmente  esta  fabrica,  tão  esperançosa 
6  tão  honrosa  para  Portugal,  pouco  tempo 
durou,  porque  o  fundador  emigrou  para  o 
Brazil  em  resultado  da  invasão  franceza;— 
os  soldados  invasores  a  destruíram  e  ar- 
rasaram e  hoje  apenas  restam  leves  indícios 
da  sua  construcção. 

Valia  bem  a  pena  (como  disse  o  sr.  Ma- 
noel Maria  Rodrigues  em  uma  correspon- 
dência de  Vizella  para  o  Com.  do  Porto)  con- 
servarem-se  e  guardarem-se  de  futuras  de- 
vastações os  restos  que  ainda  existem  do 
edifício,  collocando-se  n'elles  uma  inseri- 
pção,  para  atlestar  aos  vindouros  aquelle 
facto  memorável  e  muito  interessante  para 
a  historia  da  nossa'  industria. 

Foi  esta  a  1.»  fabrica  de  papel  vegetal  co- 
nhecida na  Europal  Os  allemães  e  franceses 
pretendem  para  si  a  gloria  do  invento,  ma» 
não  lhes  cabe  tal  honra,  como  evidentemen- 
te provou  o  illustrado  sr.  dr.  Pereira  Caldas, 
benemérito  vizellense,  em  uma  memoria  es- 
pecial:—Fmáícafão  da  prioridade  do  fabrico 
de  papel  com  massa  de  madeira. 

A  propósito  diremos  que  a  villa  (granja^ 
quinta)  da  Cascalheira,  onde  foi  construída  ' 

VOLUME  XI 


VJZ  1933 

a  fabrica,  já  era  conhecida  no  see.  x,  pois  el- 
rei  D.  Ordonho  a  doou  com  aquelle  mesmo 
nome  a  D.  Adosinda,  sua  dama  predilecta 
que,  segundo  a  tradição,  ali  viveu  e  era  964 
a  permutou,  como  diz  o  livro  de  Muma  Do- 
na, existente  na  Torre  do  Tombo. 

Também  diremos  que  o  fundador  da  fa- 
brica era  fidalgo  da  casa  real,  cavalleiro 
professo  da  ordem  de  Christo  e  poeta.  Dei- 
xou um  poema  épico — A  Queda  de  Napoleão 
— do  qual  offereceu  um  exemplar  ms.  a  D. 
João  VI  e  outro  ao  conde  dos  Arcos,  vice- 
rei  do  Brazil,— e  uma  Proclamação  aos  por- 
tuguezes,  Coimbra  1809,  imprensa  da  Uni- 
versidade— posto  que  nem  o  Dicc.  Bibi.  de 
Innocencio,  nem  o  seu  continuador  Brito 
Aranha  mencionem  tal  escriptor. 

Deixou  elle  também  um  filho:  —  Miguel 
Antonio  Moreira  de  Sá, — que  era  offlcial  de 
voluntários  eonstílucíonaes  em  1828,  pelo 
que  emigrou  para  a  Gallísa  e  d'áli  para  a 
Inglaterra,  depois  de  estar  preso  no  castello 
de  Guimarães,  donde  a  muito  custo  pôde 
evadir-se.  Foi  escriptor  notável  em  prosa  e 
verso,  sendo  muito  dignas  de  se  lerem  as 
Cartas  escríptas  do  exilio  á  sua  esposa  e  que 
ainda  se  conservam  mss.,  narrando  os  tra- 
balhos da  emigração.  Também  deixou  outro 
ms.  interessante — Historia  de  D.  João  VI  des- 
de o  seu  nascimento  até  a  sua  morte. 

Foi  vereador  de  Guimarães  em  1835  e  re- 
dactor do  iVacíowaZ,  periódico  de  Lisboa,  em 
opposição  a  Agostinho  José  Freire,  sendo 
apreciáveis  os  seus  artigos  de  fundo. 

Dr.  Antonio  Sedoso  Moreira  de  Sá,  filho 
do  antecedente,  è  também  muito  illustrado; 
medico  dístincto  e  distincto  escriptor  catho- 
lieo;  homem  muito  religioso  e  muito  cari- 
doso, mas  sem  ostentação. 

Além  de  innumeros  artigos  em  diversos 
jornaes  brazileiros,  tem  publicado  differen- 
tes  obras  de  mérito,  avultando  entre  ellas 
uma  dissertação  ou  memoria  contra  a  cre- 
mação, que  mereceu  a  honra  de  ser  tradu- 
zida em  Roma. 

D.  Anna  Amália  Moreira  de  Sá,  irmã  do 
antecedente,  é  também  muito  illustrada, 
muito  religiosa  e  mimosa  poetisa. 

122 


1934  VIZ 


VJZ 


Denodada  combatente  no  celebre  debate 
poético  sobre  a  rosa  branca  e  a  rosa  verme- 
lha, publicou  08  Murmúrios  do  Vizella  em 
1861. 

Vive  na  sua  nobie  casa  de  Sá,  em  Barro- 
sas, sendo  muito  estimada  por  todos  quan- 
tos a  conhecem,  nomeadamente  pelos  pobres 
6  desvalidos,  que  a  mãos  largas  soccorre. 
Tem  muitas  poesias  mss.,  que  por  modéstia 
se  recusa  a  publicar. 

Segundo  se  lé  no  Relatório  da  Exposição 
industrial  de  Guimarães  em  1884,  nas  duas 
parochias'de  Vizella  havia:— espingardeiro? 
(2  offlciaes);  tecidos  destinados  a  exporta- 
ção;— e  estueadores,  sendo  Vizella  a  locali- 
dade do  concelho  de  Guimarães  que  produz 
maior  numero  de  estueadores  desde  que 
este  mister,  haverá  40  annos,  aqui  foi  in- 
troduzido e  ensinado  por  um  mestre  de  AflB- 
fe,  chamado  Gonçalves,  que  aqui  se  estabe- 
leceu e  fez  escola. 

Também  aqui  apontaremos  a  fabrica  de 
papel  dos  srs.  Ribeiro  &  C  pois  embora 
não  esteja  situada  na  povoação  de  Vizella, 
está  muito  próxima,— aqui  vive  o  seu  dono 
— e  em  todo  o  nosso  paiz  é  conhecido  o  seu 
producto  com  o  nome  de  papel  das  Caldas 
de  Vizella. 

Demora  no  extremo  da  freguezia  de  Mo- 
reira dos  Cónegos  e  a  sua  fundação  foi  au- 
torisada  pela  provisão  de  9  d'agosto  de  1810, 
permittindo  a  Francisco  José  Ribeiro,  da 
freguezia  de  S.  Miguel  das  Galdas,  o  estabe- 
lecer uma  fabrica  de  papel  junto  do  rio  Vi- 
zella ou  de  qualquer  outro  da  província  do 
Minho,  com  os  mesmos  privilégios  das  ou- 
tras fabricas  idênticas  do  reino. 

Produz  papel  almasso  de  escrever,  branco 
liso,  anilado  pautado,  e  de  embrulho,  bran- 
co e  pardo. 

A  fabrica  é  movida  pela  agua  do  Vizella 
— e  tem  3  rodas  e  3  eylindros.  Emprega- 28 
operários,  que  produzem  o  valor  de  réis 
5:550^000  poranno— e  foi-lhe  conferido  na 
citada  exposição  o  diploma  de  classe. 

Ha  também  no  rio  Vizella  outra  fabrica 
de  papel. 


Pertence  á  família  Alvares  Ribeiro,  do 
Porto.  Em  virtude  de  certa  questão  judi- 
cial e  da  despedida  do  administrador,  fe- 
chou se  em  1882  ou  1883,  mas  conserva  to- 
do o  machinismo  e  utensílios  próprios. 

Esta  fabrica  é  um  pouco  mais  antiga  do 
que  a  antecedente,  pois  foi  auctorisada  a  sua 
fundação  por  alvará  de  24  de  novembro  de 
1789,  concedido  a  Antonio  Alvares  Ribeiro 
&  C.*,  da  cidade  do  Porto,  com  os  privilégios 
seguintes: 

1.  " — Mandar  vir  do  estrangeiro  mestres 
ou  oíDeiaes,  que  não  poderiam  sair  da  fa- 
brica antes  de  findar  o  tempo  do  seu  con- 
tracto, sem  que  a  causa  que  alleguem  para 
se  despedirem  fosse  julgada  pela  real  junta 
do  commercio,  impondo  ao  mesmo  tempo  a 
multa  de  400ig000  réis,  pagos  da  cadeia,  a 
quem  os  induzisse  para  outra  fabrica. 

2.  '»— Livre  transito  para  o  trapo  dentro  do 
reino; 

3.  »— Isenção  de  direitos  durante  10  annos 
para  o  papel  fabricado,  devendo  preceder  li- 
cença de  transporte,  passada  pela  junta  real 
do  commercio  para  que  este  privilegio  se  ve- 
rificasse também  nas  alfandegas  do  Brazil; 

4.  " — Marca  espetfial; 

5.  » — Isenção  de  encargos  públicos  a  todo 
o  pessoal  da  fabrica; 

6.  " — Faculdade  de  requisitar  do  correge- 
dor carros  para  transporte,  em  caso  de  ne- 
cessidade. 

7.  " — Que  a  fabrica  ficaria  sob  a  protecção 
da  real  junta  do  commercio,  para  fazer  valer 
todos  estes  privilégios; 

8.  » — Juiz  privativo  para  as  questões  da 
fabrica. 

Foi  confirmado  este  alvará  em  1799. 


Seja-nos  licito  mencionar  aqui  um  dos 
mais  illustres  membros  da  família  do  funda- 
dor da  ultima  fabrica  de  papel  mencionada 
supra,  —  mesmo  porque  falleceu  n'esta  po- 
voação de  Vizella  no  dia  2  de  setembro  de 
1868. 

Chamava-se  eWe— Joaquim  Torquato  Al- 
vares Ribeiro,  nascido  no  Porto  em  1803, 
homem  notável  pela  sua  fortuna,  pela  sua 


VIZ 

energia  e  pelos  seus  vastos  conhecimentos, 
principalmente  em  sciencias  mathemalicas, 
que  ensinou  na  academia  polytechniea  do 
Porto  desde  183S  até  que  falleceu. 

Em  -1865  começou  a  exercer  também  in- 
terinamente as  funcções  de  director  da  men- 
cionada academia  no  impedimento  de  João 
Baptista  Ribeiro,  sendo  lhe  dado  definitiva- 
mente aqaelle  cargo  em  1868. 

D'aecordo  com  o  dr.  Pedro  da  Fonseca 
Serrão  Velloso,  fundou  o  celebre  Periódico 
dos  Pobres,  do  qual  foi  proprietário  &  um 
dos  redactores,— publicação  de  combate  e 
uma  das  mais  importantes  do  seu  tempo. 
Começou  em  julho  de  i833;  findou  em  1858; 
militou  sempre  no  partido  cartista  conser- 
vador; fez  guerra  de  morte  aos  Cabraes  e 
foi  por  assim  dizer  —  a  alma  da  revolução 
popular  da  patuleia  ou  da  junta  do  Porto, 
em  1846  a  1847.1 

.  O  Ann,uario  da  Acad.  Polyt.  do  Porto, 
de  1878,  faliando  de  Joaquim  Torquato  Al- 
vares Ribeiro,  diz; 

«Foi  á  sua  pertinaz  iniciativa  e  incompa- 
rável zelo,  que  esta  Academia  deveu  o  te- 
rem-se  continuado  as  obras  do  seu  edificio, 
€  haverem -se  começado  e  adiantado  muito 
as  do  jardim  botânico,  que  quasi  se  pôde 
dizer  que  é  obra  sua. 

«Foi  director  da  Companhia  geral  da  agri- 
cultura das  vinhas  do  Alto  Douro,  à  qual 
ergueu  do  abatimento  em  que  cahira  depois 
da  extincção  dos  seus  privilégios;^  e,  ape- 
zar  de  ter  de  dividir  a  sua  attenção  por  mui- 


1  V.  Gramido,  tomo  3.»  pag.  316,  col.  2.»; 
—Porto,  vol.  7.»  pag.  366,  col.  2.»  e  segg.;— 
Santarém,  tomo  8.°  pag.  520,  col.  1.»;— Sa- 
broso  no  mesmo  vol.  pag.  283,  col.  !.■  in  fine 
e  segg.;— Faí  de  Passos,  tomo  10.»  pag.  75, 
col.  2.» — e  Viso  (Alto  do)  serra  e  monte,  on- 
de descrevemos  a  batalha  que  ali  se  deu  em 
1847  e  que  foi  a  ultima  da  revolução  da 
junla  do  Porto. 

2  As  acções  da  poderosa  companhia  dos 
vinhos  eram  de  400iíl000  réis;  depois  baixa- 
ram no  mercado  a  50^000  réis  e  ninguém 
as  queria  por  tal  preço;  hoje  dão  mais  de 
«m  conto  de  réis  cada  uma?I . . . 


VIZ  1935 

tos  negócios,  foi  um  professor  dislincto  pelo 
seu  extraordinário  talento,  sciencia  e  assi- 
duidade. 

«Escreveu  e  publicou  pela  imprensai:  Dis- 
curso recitado  na  Academia  Polytechniea  do 
Porto,  na  abertura  do  anno  lectivo  de  1846- 
47;=*^  Academia  polytechniea  e  aportaria 
do  ministério  do  reino  de  14  de  agosto  de 
1862.» 

Era  do  conselho  de  S.  M.  e  commenda>- 
dor  da  0.  de  Ch.  — e  foram  seus  paes  Anto- 
nio Alvares  Ribeiro  (o  fundador  da  dita  fa- 
brica) e  D.  Maria  Máxima  Delfina  da'  Silva. 

Deixou  successão  e  na  sala  das  sessões  so- 
lemnes  da  Academia  Polytechniea  do  Porto 
pôde  ver-se  o  seu  retrato  a  oleo. 

Uma  irmã  do  illuslre  finado  foi  condessa 
do  Bolhão  e  mãe  da  actual  duqueza  de  Sal- 
danha, hoje  viuva  e  casada  em  segundas 
núpcias,  tendo  do  matrimonio  2  filhos: 
— o  conde  d' Almoster  e  a  condessa  de  Cin- 
tra, netos  do  marechal  e  1.**  duque  de  Sal- 
danha. 

Hospital 

José  Diogo  Mascarenhas  Neto,  ha  Memoria 
sobre  as  antiguidades  das  Caldas  de  Vizel- 
la  (tomo  3.*  das  Mem.  de  Litt.  Port.)  %  38, 
expõe  a  ideia  da  fundação  de  um  hospital 
em  Vizella;  mas  por  esta  denominação  in- 
dicava apenas  um  estabelecimento  thermal 
em  que  os  enfermos  podessem  fazer  uso  dos 
banhos.  Casa  onde  se  recolhessem  os  doen- 
tes e  em  que  fossem  medicados  pelo  uso  dos 
banhos  ou  de  outros  remédios  não  tinha  elle 
em  vista. 

No  1.»  quartel  d'este  século  estabeleee- 
se  e  funccionou  em  uma  casa  do  largo  da 
Alameda,  então  Lameira,  um  hospital  ou 
antes  albergue,  fundado  e  mantido  por  uma 
commissão  de  vizellenses,  que  para  tão  ca- 
ridoso fim  agenciavam  donativos  e  ali  reco- 
lhiam e  sustentavam  na  estação  balnear  en- 
fermos pobres  que  necessitavam  de  banhos, 
installando-se  jlosteriormente  nos  altos  da 
mesma  casa  os  soldados  que  vinham  tam- 
bém tomar  banhos. 
I    Demorava  a  dita  casa  entre  o  banho  de- 


1936  VIZ 


VIZ 


nominado  Lm  cheia  e  o  Banho  Grande,  ao 
loDgo  do  caminho  da  fonte  publica  e  sobre 
os  banhos  j-omanos  intermédios,  sendo  um 
dos  principaes  promotores  d'aquella  edifi- 
cação o  sr.  Antonio  Pereira  da  Silva,  pae 
do  dislincto  professor  bracarense  Pereira 
Caldas. 

Em  1848  a  camará  de  Guimarães,  para 
explorar  uns  banhos  no  dito  local,  comprou 
á  casa  em  27  de  junho  por  260^1000  réis, 
Dão  sendo  logo  demolida,  pois  só  em  Í8S2 
procedeu  á  demolição,  promettendo  que  em 
logar  d'ella  fundaria  um  albergue  para  re- 
colher os  pobres  na  época  dos  banhos,  mas 
até  hoje  (1888)  não  cumpriu  a  promessa; 
vae  porem  dentro  em  pouco  ter  Vizella  um 
bom  hospital,  propriamente  dito, — graças  a 
um  cidadão  benemérito  que  longe  da  pátria 
não  se  esqueceu  da  miséria  e  da  pobreza.  O 
seu  nome  será  esculpido  em  lettras  d'ouro 
nos  annaes  da  caridade  christã  e  da  bene- 
merência pátria  com  caracteres  indeléveis : 
— a  gratidão  dos  pobres,  orando  a  Deus  pelo 
eterno  descanço  de  alma  tão  bem  formada. 


Aquelle  benemérito  cidadão  foi  Anto- 
nio Francisco  Guimarães,  filho  de  Manoel 
Ferúandes  Dias  e  de  D.  Maria  Francisca, 
natural  da  freguezia  de  S.  Paio  de  Moreira 
dos  Cónegos,  limitrophe  e  muito  próxima  de 
Vizella. 

Em  tenra  idade  foi,  como  tantos  patrícios 
nossos,  para  as  terras  de  Santa  Cruz  em  de- 
manda de  fortuna;  depois  de  longos  annos 
de  trabalho  persistente  e  honrado,  felizmen- 
te encontrou-a,  mas  ali  perdeu  a  vidai 

Falleceu  em  16  de  julho  de  1873  na  cida- 
de de  Campinas,  sendo  ali  sepultado  no  ce- 
mitério da  freguezia  do  Santíssimo  Sacra- 
mento. 

Viveu  e  morreu  longe,  muito  longe  da  pá- 
tria, mas  como  bom  patriota  jamais  a  es- 
queceu. Pelo  contrario,  amou  a  sempre  como 
filho  estremoso  até  os  últimos  instantes  da 
vida  e  no  seu  testamento,  feito  e  approvado 
ém  4  d'agosto  de  1868*  a  instituiu  por  her- 
deira de  uma  grande  parte  da  sua  fortuna. 

Deixou  3:000^000  réis  ao  paroeho  ne 


Moreira  dos  Cónegos  para  constituir  o  do- 
te de  12  donzellas  pobres  d'aquella  fre- 
guezia, sua  terra  natal,  preferindo  as  pa- 
rentas do  testador;  mais  2;00OiSO0O  de  reis 
áo  mesmo  paroeho  para  distribuir  aos  seus 
parochianos  pobres;  dispoz  ainda  d'outro8 
legados  e  determinou  que  o  remanescente 
da  sua  terça  fosse  dividido  em  3  parles, 
uma  das  quaes  seria  entregue  á  Misericór- 
dia de  Guimarães,  metade  para  ella  e  a 
outra  metade  para  com  o  seu  rendimento 
capitalisado  se  estabelecer  e  manter  nas 
Caldas  de  Vizella  uma  casa  de  caridade  ou 
Misericórdia,  onde  fossem  tratados  os  en- 
fermos pobres-  da  visinhança,  sendo  sem- 
pre preferidos  os  da  sua  terra  natal, — Mo- 

I*  reira  dos  Cónegos. 
Santa  applicaçãol. . . 
A  Misericórdia  de  Guimarães  liquidou 
57:656^061  réis  fortes — ea  quantia  recebi- 
da, com  os  juros  aceumulados,  montou  a» 
77:971^i78  réis. 

Para  cumprimento  da  vontade  d'aquelle 
benemérito  cidadão,  isto  é — para  escolha  do 
local,  etc,  onde  ha  de  ser  fundado  o  hos- 
pital, a  mesa  da  santa  casa  nomeou  em 
22  de  maio  de  1883  uma  commissão  que, 
segundo  consta,  não  apresentou  trabalho  al- 
gum. 

Em  1888  foi  nomeada  outra  commissão 
com  o  mesmo  fim,  composta  dos  parochos 
de  S.  Miguel,  S.  João  e  Moreira, — do  dr. 
Abílio  Torres  e  do  pharmaceutico  José  de 
Freitas  Oliveira,  a  qual  se  desempenhou  do 
seu  encargo,  apresentou  o  relatório  dos  seus 
trabalhos  à  Misericórdia,  indicando  o  sitio 
do  Outeiro  paiVai  a  fundação  do  hospital,  e 
por  isso  é  de  crér  que  Vizella  dentro  em 
pouco  veja  organisado  tão  santo  instituto, 
legado  pelo  benemérito  Antonio  Ferreira 
Guimarães. 

Non  recedat  memoria  ejusl... 

Nascentes  thermaes 

As  aguas  thermaes  de  Vizella  já  eram 
conhecidas  antes  da  dominação  romana  e  ha- 
viam até  adquirido  fama  de  miraculosas. 

Duas  inscripções  dedicadas  a  BormanicOy 


VIZ 


VIZ  1937 


deus  geotilico  das  fontes  e  deus  lusitano, 
provam  esta  affirmativa.* 

Os  costumes  dos  romanos,  para  os  quaes 
08  banhos  eram  hygiena  e  luxo,  levaram 
este  povo  a  aproveitaras  nascentes  e  acon* 
struir  numerosos  e  luxuosos  estabelecimen- 
tos thermaes,  cujos  restos  se  teem  encontra- 
do e  admirado  em  differentes  pontos  do 
nosso  paiz  e  fóra  d'elle. 

Mascarenhas  Neto,  fundado  na  inscripção 
— Dedicavit  T.  Flavius  Archelavs  Claudia- 
nvs.  Leg.  Avg.  —  suppõe  que  as  thermas  ro- 
manas datam- do  tempo  de  Domiciano,  81  a 
90  de  Ch.,  tempo  em  que  Tilo  Flávio  foi 
legado  d'e8te  imperador  na  Lusitânia. 

Parece  que  algumas  d'estas  nascentes  ain- 
da estavam  a  descoberto  no  sec.  xi,  ou  que 
pelo  menos  se  conservava  lembrança  d'ella8, 
pois  Affonso  V  de  Leão  aqui  esteve  e  in 
Oculis  Calidarum  assignou  algumas  doa- 
ções. 

Esta  mesma  denominação  conservaram 
sempre  estes  logares,  como  reminiscência 
das  suas  aguas  thermaes,  posto  que  os  edi- 
fícios, por  qualquer  circumstancia  hoje  igno- 
rada, desappareeeram  completamente  e  por 
muitos  séculos  se  ignorou  a  sua  existência. 

Também  parece  que  as  aguas,  em  maior 
ou  menor  volume,  foram  sempre  notadas 
pelos  povos  visinhos,  pois  a  Monarch.  Lusit. 
menciona  como  existentes  aqui  fontes  d'a- 
gua  quente;  o  Padre  Torquato  Peixoto  na 
Antiga  Guimarães  (1692)  diz  haver  aqui 
exeellentes  caldas, — e  o  Padre  Carvalho  na 
Chor.  Port.  tomo  l."  diz:— «n'esta  freguezia 
(S.  Miguel  das  Caldas)  em  um  lameiro  baixo 
baldio  estão  cinco  olhos  d'agua,  umas  mais 
quentes  que  outras,  e  todas  mui  medicinaes 
para  grande  quantidade  de  enfermos  que  se 
vem  curar  a  estas  Caldas  » 

Não  havia  porem  senão  uns  charcos  em 
que  se  tomavam  os  banhos,  e  por  isso  é  de 
crer  que  os  enfermos  de  que  falia  a  Choro- 
graphia  eram  apenas  os  indigentes,  pois  os 
que  tinham  meios  mandavam  conduzir  a 


1  Revista  de  Guimarães,  tomo  1."  n."  2  de 
abril  de  1881. 


agua  em  pipas  para  as  suas  habitações.  As- 
sim eram  levadas  para  o  Porto,  Guimarães 
e  outras  povoações  mais  ou  menos  distan- 
tes, como  diz  M.  Neto. 


No  começo  do  sec.  xviii  principiaram  a 
deseobrir-se  as  paredes  de  banhos  e  ruinas 
d'outros  edifícios,  cuja  descoberta  por  or- 
dem da  camará  de  Guimarães  não  conti- 
nuou. 

Segundo  dizF.  da  Fonseca  .Henriques  no 
Aquilegio  medicinal,  descobriu-se  em  1723 
um  tanque,  que  media  44  palmos  por  33. 

Os  povos  visinhos  buscavam  estas  aguas 
para  as  barreias,  porque  poupavam  tempo 
e  lenha. 

A  camará  de  Guimarães,  querendo  po- 
rem conserval-as  limpas  para  serem  utili- 
sadas  pelos  enfermos,  em  10  de  novembro 
de  1734  mandou  que  as" duas  freguezias,  S. 
Miguel  e  S.  João,  tivessem  o  cuidado  de 
conservar  o  dito  tanque  limpo,  sob  pena  de 
6^000  réis  e  30  dias  de  cadêa  aos  oíficiaes 
das  ditas  freguezias,  devendo  estes  também 
relacionar  as  pessoas  que  ali  flzessem  bar- 
reias, para  serem  castigadas. 

Em  1785,  no  -lugar  em  que  existiam  os 
charcos  e  tanque,  fez-se  uma  barraca  de  col- 
mo, e  em  1787  outra  mais  commoda  dentro 
da  qual  se  construiu  um  banho,  e  pelas  es- 
cavações se  descobriu  outro,  que  estava  so- 
terrado, apparecendo  também  por  essa  oc- 
casião  indícios  de  magnificas  construcções. 
Foi  n'esse  anno  que  as  aguas  começaram  a 
usar-se  mais  frequentemente  bebidas,  pois 
anteriormente  a  immundieie  o  não  permil- 
tia. 

Em  1788,  por  instancias  de  M.  Neto,  se 
descobriram  16  nascentes  d'agua  e  8  banhos 
construídos  d'argaraassas  diversas  e  fra- 
gmentos de  tijolo,  ladrilhados  a  mosaicol 
Descobriu-se  também  no  mesmo  anno,  no 
sitio  do  Mourisco,  chamado  ;)oço  quente,  mais 
quatro  nascentes  com  diversos  graus  de  ca- 
lor, sendo  a  agua  conduzida  por  differentes 
canos,  —  alem  de  dois  olhos  que  existiam  e 
existem  no  próprio  leito  do  rio. 

Estas  descobertas  attrahiram  grande  af- 


1938  .  VIZ 

fluência  de  enfermos  da  província  do  Mi- 
ntio,  que  colhiam  óptimo  resultado  do  uso 
dos  banhos,  alHuencia  que  continuou  nos 
annos  seguintes,  tornando-se  necessário  um 
cirurgião  que  velassç  pelos  doentes  e  lhes 
indicasse  as  aguas  mais  adaptadas  ás  diíTe- 
rentes  enfermidades.  Remediou  a  camará 
esta  falta,  ereando  aqui  um  partido  de  cirur- 
gia em  15  de  junho  de  1796,  e  foi  provido 
n'elle,  cora  o  ordenado  de  60^000  réis,  Bento 
José  da  Cunha,  da  freguezia  de  Cerzedo. 

Em  1797  eonstruiram-se  algumas  barra- 
cas d'alvenaria.  Em  1803,  por  Aviso  régio 
de  23  de  junho,  foi  nomeado  o  primeiro  ba- 
nheiro e  encarregado  da  limpeza  dos  tan- 
ques com  o  ordenado  de  60^000  réis,  sendo 
provido  n'aquelle  logar  Domingos  Teixeira 
Mendes,  que  já  oecupava  interinamente  o 
mesmo  cargo.  > 


Em  26  de  setembro  de  1804  Francisco 
José  de  Miranda  obteve  uma  provisão  regia 
conferindo-lhe  o  privilegio  de  estabelecer 
aqui  açougue,  como  já  tinha  havia  14  annos, 
devendo  a  carne  ser  2  réis  e  meio  em  arrá- 
tel mais  barata  do  que  em  Guimarães. 

No  aono  de  1811,  por  alvará  de  14  de  se- 
tembro, foi  D.  Leonor  de  Faria  Machado  au- 
ctorisada  para  construir  2  banhos  nas  duas 
nascentes  junto  á  sua  casa  nobre  da  Azenha, 
sendo  obrigada  a  fornecel-os  grátis  ao  pu- 
blico e  ficando-lhe  apenas  a  administração. 

Em  1812  eneontra-se  aqui  o  primeiro  me- 
dico. Foi  Antonio  José  de  Sousa  Basto,  no- 
meado por  provisão  de  10  de  março,  deven- 
do servir  gratuitamente  durante  a  guerra, 
conforme  promettera. 

Com  a  nomeação  de  Francisco  Barroso 
Pereira  para  o  cargo  de  provedor  da  cama- 
rá de  Guimarães,  cargo  de  que  tomou  pos- 
se em  1  de  janeiro  de  1811,  tiveram  grande 
impulso  a  exploração  das  aguas  eoaformo- 
seamento  de  Vizella. 

Em  11  de  julho  de  1812  conseguiu  que  a 
camará  mandasse  fazer  importantes  con- 
certos nos  poços  thermaes  e  alcançou  depois 
parte  da  pedra  da  Torre  Velha  dos  muros  de 
Guimarães,  eonduzindo-se  para  aqui  só  em 


VIZ 

maio  de  1814  approximadamente  300  car- 
ros?! . . . 

Chamamos  para  este  ponto 
a  attenção  dos  archeologos. 


Ao  génio  emprehendedor  do  benemérito 
Barroso  se  deve  a  extensa  e  formosa  alameda 
da  Lameira,  a  reconstrucção  de  diversos  ba- 
nhos e  a  fonte  d'agua  thermal  que  devia  ser 
coroada  por  um  formoso  obelisco,  tendo  em 
uma  das  faces  uma  inscripção  commemorati- 
va;  mas  não  chegou  a  gravar  se,  collocan- 
do-se  em  vez  d'ella  as  armas  reaes.  A  proje- 
ctada inscripção,  segundo  diz  João  Pinto  Ri- 
beiro nas  suas  Reflexões  históricas,  era  a  se- 
guinte: 

Ob  Europae  restituíam  pacem, 
Desideratissimi  principis  regentis 
Ob  reddilum  expectatum, 
Aquaeducti,  fontis,  horti 
Lineamenta  instaurata, 
Curante  provinciae,  Quaestore, 
Piarumque  Causarum  Provisore, 
Francisco  Barrosio  Pereira, 
A.  D.  MDCCCXIV. 

Em  vulgar:  «Sendo  corregedor  e  prove- 
Jor  d'e8ta  comarca  Francisco  Barroso  Pe- 
reira, foram  delineadas  e  inauguradas  as 
obras  d'e9te  aqueducto,  d'esta  fonte  e  d'este 
jardim  no  anno  de  1814,  em  commeraoração 
da  paz  que  a  Europa  acaba  de  obter  e  da 
esperança  que  temos  de  que  em  breve  re- 
gressará (do  Brazil)  o  nosso  tão  desejado 
príncipe  regente.» 

Nos  annos  seguintes  a  camará  e  o  gover- 
no foram  tomando  constantemente  diversas 
providencias  com  relação  ao  serviço  dos  ba- 
nhos, nomeando  médicos,  cirurgiões,  banhei- 
ros, etc. 

Em  7  de  maio  de  1837  lançou  se  a  con- 
tribuição de  40  réis  sobre  cada  pipa  d'ãgua 
thermal, — e  a  imposição  directa  de  SOiíOOO 
réis  sobre  os  habitantes  das  Caldas,  deven- 
do promover- se  uma  subseripção  entre  os 


VIZ 


VIZ  1939 


banhistas,  quando  as  duas  verbas  não  fossem 
sufflcientes  para  obras  nos  banhos  e  despe* 
7.as  inherentes;  e  em  27  do  mesmo  mez  foi 
nomeada  uma  comraissão  para  administrar 
as  obras  e  os  banhos. 

O  imposto  de  40  réis,  que  no  referido  an- 
no  rendeu  113000  réis,  foi  elevado  a  60  réis 
em  1840,  e  em  6  de  maio  do  mesmo  anno 
foi  elaborado  um  regulamento  provisório, 
cuja  observância  e  outras  providencias  a 
bem  da  bygiene  foram  suscitadas  em  20  de 
julho  de  1842,  a  requerimento  do  sr.  dr.  José 
Joaquim  da  Silva  Pereira  Caldas,  distineto 
professor  e  decano  do  lyeeu  de  Braga.  Este 
regulamento  foi  impresso  na  Typographia 
Bracarense  em  1840. 

Em  27  de  novembro  de  1844  foram  remet- 
tidas  para  o  governo  diversas  amostras  d'a- 
guas,  para  serem  analysadas. 

Em  24  de  março  de  1845  descobriu  se 
mais  dois  banhos  debaixo  da  varanda  da 
casa  denominada  hospital, — um  com  26  pal- 
mos e  6  oitavos  de  comprido  por  13  e  6  oi- 
tovos  de  largo;  outro  com  5  palmos  e  4  oi- 
tavos por  cada  um  dos  lados,  sendo  octogo- 
no.  Ambos  tinham  o  fundo  revestido  de  mo- 
saico e  no  primeiro  se  via  igual  revestimen- 
to nas  paredes  lateraes.  Foram  descobertos 
com  as  escavações  mandadas  fazer  pelo  ba" 
nheiro  José  Alves  da  Silva  Junror. 

Eram  27  as  nascentes  encontradas  até 
esta  data  (1845)  sendo  3  destinadas  para  be- 
bida, 21  para  banhos  e  3  para  emborcações. 
Desde  esta  data  até  1851  ainda  se  encontra- 
ram mais  nascentes,  chegando  então  o  nu- 
mero a  34. 

Em  1858  foram  construídos  2  banhos  no- 
vos. 

Em  1860  procedeu  o  engenheiro  Bartho- 
loraeu  Achilles  Dejant  a  diversos  trabalhos 
de  pesquisa  e  eaptagem  d'aguas,  por  incum- 
bência da  camará. 

Em  3  de  julho  de  1861  ordenou-se  que  o 
medico  do  partido  apresentasse  uma  estatís- 
tica dos  doentes  tratados  e  do  aproveita- 
mento havido. 

Em  25  de  fevereiro  de  1863  .Antonio  Fer- 
reira Moutinho,  do  Porto,  e  Antonio  de  Sou- 
sa Freire,  de  Louzada,  requereram  à  cama- 


rá de  Guimarões  a  concessão  das  aguas  do 
Poço  das  Pipas  e  Bica  da  Lameira,  para  as 
encanarem  para  lugar  appropriado,  onde 
construíssem  um  estabelecimento  thermal, 
o  que  lhe  foi  concedido,  devendo  a  terça 
parte  dos  banhos  ser  para  uso  franco  e  li- 
vre do  publico.  Este  projecto  porem  não 
vingou. 

Em  1866  a  camará  resolveu  que  o  refe- 
rido engenheiro  Achilles  Dejant  procedesse 
a  estudos  e  levantamento  da  planta  para  a 
construcção  d'um  estabelecimento  thermal, 
com  o  que  se  dispendeu  1:115^865  réis. 

Alguns  moradores  de  Vizella  dirigiram 
uma  representação  ao  governo  contra  o  pro- 
eto  da  camará,  e  também  se  levantou  viva 
polemica  na  imprensa,  pelo  que  o.  minis- 
tro do  reino  em  28  de  fevereiro  de  1867  en- 
viou uma  portaria  ao  governador  civil  de 
Braga,  mandando  que  este  ordenasse  à  ca- 
mará que  se  abstivesse  de  innovar  cousa  al- 
guma no  estado  actual  dos  banhos,  o  que 
fez  parar  todos  os  trabalhos. 

Em  23  de  dezembro  de  1868  a  camará  en- 
viou ao  poder  legislativo  uma  representação, 
pedindo  para  ser  auctorisada  a  adjudicar  a 
construcção  do  estabelecimento  a  uma  com- 
panhia. 

Creada  pouco  depois  a  engenharia  distri- 
etal,  o  governador  civil  enviou- lhe  a  dieta 
representação  para  ella  dar  parecer,  o  que 
só  fez  em  25  de  janeiro  de  1871,  devolven- 
do-a  á  camará  e  aconselhando  que  se  fi- 
zesse um  projecto  de  menos  avultada  des- 
peza,  pois  o  projecto  Dejant  estava  orçado 
em  327:000^000  réis. 

A  camará  resolveu  não  fazer  novo  proje- 
cto sem  esgotar  lodos  os  meios  para  appro- 
vação  d'este,  conseguindo  que  uma  eommis- 
são  presidida  pelo  sr.  conselheiro  Adriano 
Machado,  actual  reitor  da  Universidade,  e 
de  que  fazia  parte  o  benemérito  vizellense 
Antonio  José  Ferreira  Caldas,  solicitasse  da 
camará  a  adjudicação  do  projecto,  ao  que 
esta  annuiu;  difflculdades,  porem,  que  so- 
brevieram não  consentiram  que  se  levasse  a 
j  eflfeito  aquelle  plano. 

'  Durante  aquelle  período  tão  agitado  for- 
!  mulou  a  camará  dois  regulamentos.  O  pri- 


1940  VIZ 


VIZ 


meiro  foi  approvado  em  17  d'abril  de  1867 
e  por  elle  foi  encarregado  o  serviço  balnear 
a  1  facultativo  director,  1  escripturario,  1 
banheiro  e  3  ajudantes.  O  segundo  approva- 
do em  30  de  setembro  de  1868  modificou 
algumas  disposições  do  anterior. 

Os  trabalhos  de  Dejant  patentearam  no- 
vos mananciaes  d'aguâ  e  ainda  posterior- 
mente, em  1880  a  1881,  se  descobriram  mais, 
o  que  elevou  o  numero  das  nascentes  a 
5SI... 

Eram  as  aguas  conduzidas  para  os  ba- 
nhos, cobrandn-se  o  imposto  de  40  réis  por 
cada  um,  —  imposto  que  em  1869  rendeu 
654ig600  réis. 

As  casas  em  que  se  achavam  os  banhos 
tinham  a  seguinte  denominação:  banho  do 
Moreira,  quarto  crescente,  lua  nova,  lua 
cheia,  quatro  cabeças,  contra- forte,  novo,  oi- 
tavado, meia-lua,  ribeiro,  -  grande,  humani- 
dade, tanque  das  pipas,  bomba,  S.  Miguel, 
provedor,  sol,  bica  da  lameira,  Valle  menso. 
Lameira,  Medico,  porta,  fonte  dos  amigos, 
barco,  mourisco,  penedo  e  fonte  do  Abba- 
del... 

Companhia  dos  Banhos  de  Vizella 

Do  exposto  se  vé  que  o  renascimento  de 
Vizella  estava  iniciado;  a  vida  e  a  alma  fo- 
rara-lhe  dadas  pela  Companhia  dos  Banhos. 

Para  exploração  das  aguas  lhermaescon- 
slituiu-se  em  1873  uma  Companhia,  socie- 
dade anonyma  de  responsabilidade  limitada, 
com  a  séde  em  Guimarães  e  o  capital  ini- 
cial de  100:OOOiSOOO  réis,  divididos  em  1:000 
acções  de  lOOi^OOO  réis,  capital  que  podia 
ser  elevado  a  400:000iíl000  réis. 

A  9  d'outubro  do  referido  anno  discuti- 
ram-se  e  approvaram-se  em  assembleia  geral 
dos  accionistas  os  estatutos  porque  devia 
reger-se  a  Companhia,  nos  quaes  se  consi- 
gnou que  deviam  construir-se  os  estabeleci- 
mentos necessários,  conforme  a  planta  do 
engenheiro  Dejant  ou  com  as  alterações  que 
á  Companhia  e  á  camará  de  Guimarães  con- 
viesse fazer. 

Na  mesma  assembleia  se  elegeu  uma  com-  I 
missão  encarrègada  de  promover  a  instai-  ! 


I  lação  definitiva  da  companhia,  ficando  a  di- 
eta commissão  composta  dos  srs.  barão  de 
Pombeiro  de  Riba«Vizella,  Antonio  José  Fer- 
reira Caldas,  Francisco  Ribeiro  Martins  da 
Costa,  Joaquim  Ribeiro  da  Costa  e  Alberto 
da  Cunha  Sampaio. 


Em  portaria  de  11  de  setembro  de  1874 
foi  a  camará  auctorisada  a  celebrar  com  a 
Companhia  o  contracto  de  cedência  das  ther- 
mas. 

Em  16  d'outubro  do  mesmo  anno  foi  elei- 
ta a  primeira  direcção,  sendo  composta  de 
Antonio  José  Ferreira  Caldas,  Joaquim  Ri- 
beiro da  Costa  e  Alberto  da  Cunha  Sam- 
paio, e  em  18  de  novembro  do  mesmo  an- 
no foi  asslgnado  o  contracto  provisório  en- 
tre a  camará  e  a  direcção  da  Companhia. 
Por  este  contracto  a  camará  cedeu  á  Com- 
panhia todas  as  nascentes  de  aguas  tber- 
maes  e  medicinaes,  situadas  nas  freguezias 
de  S.  João  e  S.  Miguel  das  Caldas,  bem  co- 
mo todos  os  terrenos,  pedreiras  e  prédios 
municipaes,  que  ficam  a  um  raio  de  600 
metros  do  meio  da  ponte  nova  para  o  norte 
do  rio,  e  a  um  raio  de  300  metros  para  sul 
do  mesmo  rio,  e  que  fossem  necessários  para 
os  estabelecimentos  thermaes  e  seus  aeces- 
sorios,  bem  como  todos  os  direitos  e  acções 
que  a  camará  tinha  sobre  os  referidos  bens. 

A  Companhia  devia  no  praso  de  4  annos 
dispender  100:060^000  réis  com  os  estabe- 
lecimentos, podendo  fixar  o  preço  dos  ba- 
nhos, devendo  porem  ser  gratuitos  os  ba- 
nhos que  determina  a  lei  de  2  d'abril  de 
1873,  em  tanques  não  excedentes  a  dez  pes- 
soas. 

Se  passados  dez  annos  a  Companhia  hou- 
ver gasto  menos  de  110:000^000  réis,  a  ca- 
mará poderá  remir,  pagando  o  dispendido 
6  mais  10  7o;  havendo  porem  gasto  mais,  o 
direito  de  remir  só  poderá  exercer  se  passa- 
dos 300  annos.  A  camará  também  poderá 
remir  annualmente  até  4Q  acções. 

Este  contracto,  depois  de  approvado  pelas 
camarás  legislativas,  foi  mandado  executar 
pela  carta  de  lei  da  14  d'abril  de  187o. 


Acceito  este  contracto  pela  companhia  em 
19  de  maio  de  1875,  íicou  esta  definitiva^ 
mente  instailada. 

Analysadãs  as  aguas  pelo  lente  da  Escola 
polytechnica  de  Lisboa,  Agostinho  Vicente 
Lourenço,  contractou  se  o  engenheiro  Ce- 
sário Augusto  Pinto,  que  foi  a  França,  Bél- 
gica e  Allemanha  visitar  os  estabelecimen- 
tos de  banhos  mais  notáveis. 

Em  1  de  maio  de  1876  deu  se  principio  aos 
trabalhos  no  local  denominado  Bouça  das 
Pedras,  junto  do  rio  Vizella. 

O  engenheiro,  voltando  da  sua  viagem, 
apresentou  o  projecto  dos  edificios  a  cons- 
truir,'projecto  que  foi  submettido  á  appro- 
vação  da  camará  e  do  governo  e  approva- 
dos  por  portaria  de  21  d'agosto  de  1878. 

Segundo  esta  planta  o  estabelecimento 
thermal  constará  de  3  edificios,  compre- 
hendendo  11:000  metros  quadrados,  incluin- 
do terreiros,  caminhos  e  corredores  deseo- 
bertos« 

O  edifício  principal,  com  banhos  de  im- 
mersão  de  1.»,  2.»  e  3.«  classe  e  as  princi- 
paes  applieações  hydrotherapicas,  constará 
de  4  corpos  que  medem  68  metros  de  exten- 
são por  57  de  largura,  sendo  dois  dos  cor- 
pos para  homens  e  dois  para  mulheres. 
Além  de  72  tinas  para  banhos,  terá  uma 
piscina  de  natação  e  gymnastiea,  um  vapo- 
rarium,  ou  estufa  de  vapor,  para  8  pessoas, 
camas  de  massagem,  banhos  de  chuva  ver- 
ticaes  e  circulares,  estufas  parciaes,  banhos 
medicinaes  e  eléctricos  para  braços,  pernas 
e  pés,  banhos  bourbonnes,  piscinas  de  famí- 
lia, douches  de  todas  as  formas,  semicupios,  * 
banhos  hydróphoros,  etc. 

O  estabelecimento  lerá  também,  para  de- 
posito das  aguas,  uma  galeria  cujas  pare- 
des servirão  de  alicerce  a  uma  terça  parte 
do  edifício  superior,  ao  nivel  da  estrada  e 
retirado  d'e8ta  19  metros,  sendo  tudo  ajar- 
dinado. Este  edifício  destina-se  a  escriplo- 
rio  do  bilheteiro,  consultório  medico,  dois 
salões  de  espera  e  de«  leitura,  deposito  d'a- 
guas  mineraes  de  diversas  procedências  e 
estação  telegraphica.  Isto  na  frente;  no  lado 
opposto  e  sobre  as  galerias  do  deposito  fica-  I 


YIZ  1941 

rão  as  salas  de  inhalação,  pulverisação  e 
mais  dependências.  No  andar  superior  do 
corpo  cendal  haverá  um  grande  salão  e 
quartos  para  vivenda  do  guarda,  e  dois  tor- 
reões nas  extremidades'  do  edificio  para  ar- 
recadação de  materiaes  próprios,  guarda 
dos  apparelhos,  canalisação  e  rouparia. 

Na  margem  do  Vizella  e  separado  do 
grande  edifício  por  uma  rampa  de  servidão, 
ficará  o  edificio  de  4.»  classe,  que  deve  con- 
ter 4  piscinas  (duas  para  cada  sexo)  salas 
de  espera  e  de  abafo. 

O  edificio  de  5.»  classe  ficará  separado 
pelo  ribeiro  de  Paços,  convenientemente  ca- 
nalisado,  e  conterá  2  tinas,  ou  gabinetes,  2 
piscinas  para  12  pessoas  cada  uma,  sala  de 
douches  de  lança  e  verticaes,  etc. 

N'estes  edifícios,  depois  de  completos,  po- 
derão dar-se  em  10  horas  2:970  banhos  de 
todas  as  espécies. 

Até  hoje  (outubro  de  1888)  acham-se  cons- 
truídos o  1.°  corpo  do  edificio  principal  para 
banhos  de  1.%  2.*  e  3.*  classe,  e  os  edificios 
de  4.*  e  5.'*  classe.  Estão  iniciadas  apenas 
outras  construeções. 


Em  princípios  do  anno  de  1881  orgànisoa- 
se  uma  com  missão  medica  sob  a  presidên- 
cia do  dr.  José  Pereira  dos  Reis,  a  fim  de 
aconselhar  a  direcção  em  tudo  o  que  disses- 
se respeito  á  organisação  do  serviço  me- 
dico. 

Em  31  de  março  do  mesmo  anno  foi  ap- 
provado  em  assembleia  geral  o  regulamen- 
to do  serviço  de  banhos  e  contabilidade  e 
mobilados  os  edificios.  Realisou  se  a  abertu- 
ra solemne  do  estabelecimento  thermal  em 
8  de  maio  do  referido  anno,  celebrando  a 
benção  Monsenhor  Rebello  de  Menezes,  en- 
tão viee-reitor  do  seminário  de  Braga,  * 
sendo  a  inauguração  realísada  com  a  assis- 
tência de  todas  as  auctoridades  do  concelho, 


1  Hoje  (1888)  é  arcebispo  titular  de  La- 
rissa, coadjutor  e  futuro  successor  do  bispo 
de^  Lamego,  etc. 


1942  VIZ . 


VIZ 


governador  civil  do  districto  e  de  muitos  ou- 
tros cavalheiros,  sendo  também  enorme  a 
concorrência  de  povo. 

Os  banhos  fornecidos  em  188  i  foram 
71:689,  sendo  gratuitos  20:054;  a  receita, 
incluindo  aluguel  de  roupas,  montou  a  réis 
5:748iííll5. 

Até  hoje  a  media  annual  dos  banhos  tem 
sido  de  68:300  e  o  rendimento  médio  de 
6:300^000  réis. 

No  fim  da  época  balnear  de  1881  o  dire- 
ctor medico  do  estabelecimento,  dr.  Abilio 
da  Costa  Torres,  publicou  um  relatório 
admiravelmente  elaborado,  narrando,  a  par 
d'outras  curiosas  noticias,  o  resultado  obti- 
do durante  o  primeiro  anno  de  exploração. 

Os  estatutos  da  Companhia  foram  refor- 
mados em  assembleia  geral  de  18  d'outubro 
e  22  de  dezembro  de  1882,  introduzindo -se 
algumas  alterações  que  a  experiência  acon- 
selhara. 

As  obras  teem  proseguido,  embora  lenta- 
mente, cuidando-se  com  todo  o  esmero  em 
que  as  aguas  produzam  os  effeitos,  que  a 
sua  constituição  mineralógica  faz  presagiar 
e  que  a  experiência  tem  demonstrado  ha 
muito  tempo. 

De  1885  a  1886  construiu-se  o  parque, 
delineádo  e  plantado  pelo  disiincto  floricul- 
tor  e  horticultor  José  Marques  Loureiro^  e 
que  custou  4:500i^000  réis. 

A  actual  direcção  (1888)  cuida  com  todo 
o  afan  do  estabelecimento  dos  ediflcios  para 
pulverisação  e  inhalação,  cuja  falta  é  muito 
sensível. 

Não  se  deixe  a  companhia  illudir  com  os 
vaticínios  dos  pessimistas  e  o  futuro  coroa- 
rá os  esforços  do?  que  tanto  teem  trabalhado 
a  favor  da  prosperidade  de  Vizella. 


A  direcção  actual  inspira  toda  a  confian- 
ça e  sabemos  que  se  empenha  deveras  em 
rehabilitar  o  credito  da  companhia  e  das 


aguas,  bastante  abalado  até  hoje,  pelo  que 
03  capitães  e  o  publico  se  retrabiram  e  a 
empresa  tem  luctado  com  grandes  dífflcul- 
dades. 

Todas  as  direcções  transactas  foram  ho- 
nestas, mas  algumas  bastante  levianas  —  e 
muitos  banhistas  teem  demandado  outras 
therma?,  porque  temos  outras  congéneres, 
que  teem  progredido  muito  nos  últimos  an- 
nos,  taes  são  as  do  Molledo,  depois  que  se 
fez  a  linha  férrea  do  Douro,  dando-lhes  es- 
tação própria  e  toroando-as  muito  aeeessi- 
veis,— e  as  da  Felgueira,  junto  de  Nellas,  de- 
pois que  se  fez  a  linha  da  Beira  Alta  e  uma 
bella  estrada  de  6  kilomeiros  a  ligar  os  ditos 
banhos  com  aestação  de  Cannas  de  Senhorim. 
Também  ali  nos  últimos  anoos  uma  compa- 
nhia de  Lisboa  fez  um  esplendido  estabeleci- 
mento thermal — e  teem  progredido  e  estão 
progredindo  espantosamente  os  banhos  do 
Gerez.i  São  talvez  hoje  os  mais  concorridos 
de  Portugal,  pelo  que  nenhum  dos -nossos 
estabelecimentos  de  banhos  tem  tantas  e  tão 
bons  boteis,  que  tendem  a  augraen^ar  em 
capacidade  e  em  numero,— e  vae  formar-se 
uma  grande  empresa  para  elevar  aquelle  es- 
tabelecimento a  toda  a  altural . . . 

Tem  pois  Vizella  rivaes  perigosos — e  ne- 
cessita de  muito  cuidado  para  não  ser  leva- 
da de  vencida. 

As  suas  aguas  são  maravilhosas,  mas— 
segundo  dizera  alto  e  bom  som  pessoas  com' 
petentes, — estas  aguas  soffreram  muito,  de- 
pois que  juntaram  as  de  todas  as  suas  nu- 
merosas e  diversas  nascentes  em  amalgama 
e  as  levaram  para  o  novo  estabelecimento 
distante  mais  de  200  metros  e  situado  á  bet- 
ara do  rio,  sendo  a  canalisação  luxuosa  e 
dispendiosa,  mas  feita  sem  critério  algum, 
pelo  que  tiveram  de  a  modificar,  para  sus- 
terem  os  clamores  e  a  debandada  do  pu- 
blico. 

A  empresa  já  em  parte  remediou  aquelles 
inconvenientes,  mas  tem  de  remediar  ainda 
outros  e  de  ser  muito  prudente  e  sollicita» 


1  V.  Miragaya,  tomo  5."  pag.  262,  col. 
2.* 


1  V.  Villar  da  Veiga,  tomo  11."  pag.  1291 
col.  2.«  e  segg. 


VIZ  1943 


para  não  comproraetter  o  seu  fuluro  e  o  de 
Vizellal . . . 

A  direcção  actual  inspirou  toda  a  confian- 
ça e  Dão  queremos  de  modo  algum  lançar 
sobre  ella  as  faltas  que  outros  commette- 
ram.  Pedimos-lhe  até  desculpa  da  nossa  ru- 
de franqueza,  raesmo  porque  é  nosso  parti- 
cular amigo  um  dos  actuaes  directores,— o 
sr.  Eduardo  Velloso  d'Araujo,  capitalista  do 
Porto,  homem  muito  honesto,  muito  atilado 
e  muito  dedicado  pelos  interesses  daempre- 
za,  da  qual  é  um  dos  maiores  accionistas, 
mas — amicus  Flato,  sed  magis  arnica  ven- 
tas. 

Formam  com  elle  a  direcção  mais  dois 
cavalheiros  de  muito  merecimento  também; 
—o  sr.  dr.  Abílio  da  Costa  Torres,'  medico 
por  Coimbra,  natural  de  Barrosas,— e  o  sr. 
Domingos  José  de  Sousa  Júnior,  proprietá- 
rio e  negociante  de  Guimarães, 

Sabemos  que  envidam  todos  os  esforços 
para  vencerem  as  diíDeuldades  que  os  cer- 
cam e  garantirem  á  empreza  e  a  Vizella  o 
brilhante  fuluro,  a  que  uma  e  outra  teem 
júz. 

Hurrah  por  Vizellal . . . 


Desde  1881  até  1887  deram-se  n'este  im- 
portante estabelecimento  thermal  419.416 
banhos,  sendo  302  5i7  por  paga— e  116.869 
gratuitos  a  pobres  e  militares.  E  desde  1  de 
janeiro  de  1888  até  31  de  novembro  do 
mesmo  anno,  deram-se  55.692  banhos, 
sendo  44.366  por  paga  — e  11.326  gratui- 
tos a.  pobres  e  militares. 

A  companhia  tem  despendido  até  hoje 
(dezembro  de  1888)  a  quantia  de  réis 
129.515,^875. 

Foi  muito  feliz  cora  a  nova  canalisação, 
porque  as  aguas  chegam  aos  depósitos  sem 
depreciamento  algum.  Isto  animou  a  empre- 
za e  a  determinou  a  mandar  ao  estrangeiro 
o  sr.  dr.  Terra  Vianna,  distincto  engenheiro 


1  Logo  daremos  a  sua  biographia  no  tópi- 
co dos  Vizellenses  illustres. 


e  lente  da  Academia  Polytechnica  do  Porto, 
para  estudar  os  estabelecimentos  congéne- 
res mais  notáveis  e  indicar  as  modificações 
a  fazer  no  de  Vizella.  O  dicto  engenheiro  e 
professor  já  regressou  e  apresentou  o  seu 
relatório,— e  a  companhia  (honra  lhe  sejal) 
vae  fazer  no  seu  estabelecimento  todas  as 
modiQeações  indicadas,  principiando  por 
construir  salas  próprias  para  banhos  de  in- 
halação,  pulverisação,  etc.  «^te. 


A  companhia  até  hoje  (1888)  ainda  não 
distribuiu  dividendo  algum,  porque  todo  o 
rendimento  liquido  tem  sido  e  continúa  a 
ser  applicado  nas  obras. 

Só  nas  canalisações,  (!.•  e  2.«)  pesquisas 
d'agua,  etc,  gastou  2o.316iíl000  réis,— e  até 
31  do  dezembro  de  1887  gastou  no  parque, 
indicado  supra,  10.122i^000  réis,  entrando 
porém  n'esta  cifra  o  custo  de  valiosos  ter- 
renos que  estão  fôra  do  parque. 

Também  sabemos  que  vae  concluir  a  plan- 
tação do  arvoredo,  para  o  que  já  contractou 
com  o  sr.  Marques  Loureiro,  do  Porto,  a 
âcquisição  de  1.300  arbustos. 

Feliz  lembrança,  porque  o  chão  de  Vizel- 
la na  estiagem  é  muito  ardente  e  porque  a 
arborisação  é  riqueza,  belleza  e  saúde. 

Fmalmente  sabemos  que  está  disposta  a 
fazer  tudo  quanto  fôr  de  utilidade  e  recreio 
e  tendente  a  pôr  o  seu  estabelecimento  ther- 
mal ao  nivel  dos  melhores  estabelecimentos 
congéneres. 

»  Outra  vez— Hurrah  por  Vizellal 
Estabelecimento  thefmal  do  Mourisco 

Em  1788,  Mascarenhas  Netto,  deparando 
com  um  olho  d'agua  quente  no  sitio  deno- 
minado Mourisco,  na  esquerda  do  rio  Vizel- 
la, mas  próximo  a  elle,  mandou  fazer  unia 
escavação  e  encontrou  uma  espécie  de  bán- 
quetâ'de  que  se  conheciam  vestígios  até  á 
distancia  de  200  passos,  e  junto  d'ella  achou 
4  nascentes  d'agua  com  diversos  graus  de 
calor,  conduzida  por  differentes  canos. 

Esta  agua  foi  aproveitada  pelo  possuidor 
do  terreno,  que  ali  construiu  em  1840  um 


i944  VIZ 


VIZ 


banbo  de  madeira,  sendo  logo  frequentado 
por  muita  gente. 

Arruinado  este,  o  abbade  de  S.  Miguel, 
Miguel  Joaquim  de  Sá,  que  havia  comprado 
as  propriedades  ocrde  estavam  as  nascentes, 
fez  outro  banho  de  pedra,  coUoeando  as 
aguas  em  melhores  condições. 

A  affluencia  do  publico  fez  com  que  a  ca- 
mará nomeasse  para  ali  um  banheiro,  contra 
o  que  reclamou  o  proprietário,  não  conse- 
guindo porem  que  fosse  annuUada  a  nomea- 
ção, e  ainda  posteriormente  foram  nomea- 
dos mais  dois  banheiros.  O  ultimo  em  25 
d'abril  de  1866. 

Apesar  de  tudo,  o  proprietário  sempre  era 
considerado  senhor  das  aguas,  administran- 
do os  banhos  e  fornecendo-os  ao  publico. 

Em  9  de  julho  de  1873  a  camará  resolveu 
intentar  pleito  contra  o  actual  proprietário, 
Joaquim  de  Freitas  Ribeiro  de  Faria,  para 
haver  esias  nascentes  e  banhos,  terminando 
a  questão  em  1875  pela  desistência  da  ca- 
mará, feita  no  Supremo  Tribunal. 


Os  antigos  banhos  que  ali  havia  eram 
conhecidos  com  a  seguinte  denominação: 
mourisco^  baixo,  penedo  e  fonte  do  abbade. 

Finda  a  pendência,  o  proprietário  tratou 
de  construir  um  estabelecimento  thermal. 

Fica  este  situado  poucos  metros  alem  da 
ponte  nova  do  Vizella,  no  próprio  local  dos 
banhos  velhos^  dando  lhe  commuaieação  um 
ramal  de  estrada  a  macdàm. 

É  um  bonito  edifício,  coroado  de  ameias,» 
cuja  planta  foi  traçada  em  1877  pelo  enge- 
nheiro Pedro  Ignacio  Lopes,  actual  director 
da  companhia  dos  caminhos  de  ferro  do 
norte  e  leste. 

Uma  saleta  de  espera,  tendo  aos  lados  dois 
quartos,  dá  communicação  por  6  degraus 
para  os  quartos  de  banho,  que  são  6,  todos 
bem  preparados  com  tinas  de  zinco,  etc, 
Ao  lado  direito  esta  o  deposito  das  aguas 
que  alimentam  os  banhos. 

O  custo  do  estabelecimento,  completo  em 
30  d'abril  de  1878,  orçoú  por  4:O00W 
réis  approximadamente. 

A  media  dos  banhos  annualmente  pôde 


calcular-se  em  7:000,  dando  ao  proprietário 
o  rendimento  bruto  de  1:120^000  réis. 

No  fim  da  época  balnear  de  1878  íoram 
feitos  alguns  novos  trabalhos  de  captagem 
d'aguas,  e  estas  obras,  executadas  dentro  do 
perímetro  de  protecção  concedido  á  Compa- 
nhia dos  banhos  pela  portaria  de  17  de  maio 
de  1878,  deram  origem  a  um  pleito  judicial, 
que  terminou  por  composição  amigável  eÉFe- 
ctuada  em  30  de  junho  de  1879. 

O  preço  de  cada  banho  n'este  estabeleci- 
mento é  de  160  réis. 


Na  Illvstraçõo  Universal  n."  28  de  16  de 
agosto  de  1884  f^e  encontra  em  gravura  um 
dos  formosos  panoramas  de  Vizella,  mas  o 
artigo  que  a  acompanha  foi  por  certo,  con- 
sinta-se-nos  dizel-o,  escripto  em  algum  mo- 
I  mento  de  mau  humor. 

Tudo  o  que  deixamos  dito  e  que  todos 
podem  verificar,  é  um  desmentido  formal 
das  asserções  ali  feitas. 

Partido  de  cirurgia 

Foi  estabelecido  por  carta  regia  de  15 
de  junho  de  1796  com  o  ordenado  de  réis 
60i5000  e  tem  sido  occupado  pelos  seguin- 
tes: 

1.  *— Bento  José  da  Cunha,  da  freguezia 
de  S.  Miguel  de  Cerzedo,  d'esie  concelho, 
nomeado  na  mesma  data  supra. 

2.  » — José  Antonio  d" Azevedo  Varella,  no- 
meado por  provisão  de  20  de  maio  de  1824. 
Não  podemos  averiguar  quando  deixou  de 
servir  nem  encontramos  indicação  de  que 
fosse  subàtituido. 

Partido  Medico 

1.  °— Antonio  José  de  Sousa  Basto,  no- 
meado pela  provisão  supra,  em  1796. 

2.  °— João  Evangelista  de  Moraes  Sar- 
mento, nomeado  por  provisão  de  27  de  ju- 
lho de  1816  com  o  ordenado  de  100^000 
réis,  devendo  aqui  residir  4  mezes  na  epo- 
cha  balnear. 

3*— Antonio  Joaquim  Ferreira  de  Castro, 


VIZ 


VIZ  1945 


nomeado  por  provisão  de  20  de  fevereiro 
de  1827.  Abandonando  o  lugar  para  seguir 
o  partido  liberal,  foi-lhe  cassada  a  nomea- 
ção e  substituído  pelo  seguinte: 

— Antonio  José  de  Sousa  Basto,  (se- 
gunda vez),  nomeado  por  provisão  de  17 
de  julho  de  1829,  sendo  annullada  a  no- 
meação por  sentença  de  14  de  março  de 
1834,  em  execução  dos  decretos  de  27  de 
novembro  de  1831  e  3  d'ag08to  de  1833, 
foi  o  antecedente  restituído  ao  logar. 

5.  ° — Antonio  Joaquim  Ferreira  de  Castro, 
(segunda  vez).  Ignoramos  até  quando  ser- 
viu. 

6.  " —  Antonio  Ignacio  Pereira  de  Freitas,  1 
nomeado  pela  camará  em  10  de  maio  de 
1867.  É  actualmente  medico  do  partido  mu- 
nicipal de  Ponte  do  Lima. 

Hoje  Vizella  não  tem  medico  privativo. 

Vizellenses  illustres 

Abel  Pedro  Pereira  de  Freitas,  filho  de 
José  de  Freitas  e  Oliveira  e  D.  Cecilia 
Rosa  Pereira  da  Silva,  nasceu  a  1  de  agos- 
to de  1856.  Seguiu  a  carreira  eeelesiasti- 
ca,  ordenando  se  em  Braga  a  7  de  junho  de  ! 
1881.  Tem  escripto  diversos  artigos,  e  cor- 
respondências em  publicações  periódicas. 

Em  1885,  d'accordo  com  seu  primo  Bráu- 
lio, de  quem  abaixo  falíamos,  fez  imprimir 
o  jornal  único  «Basar»,  que  foi  distribuí- 
do em  Vizella,  sendo  o  producto  applicado 
em  beneficio  da  confraria  do  Senhor  da  Boa 
Morte,  da  freguezia  de  S.  Miguel.  N'este  pu- 
blicou um  artigo  exalçando  a  belleza  da 
sua  terra,  intitulado  No  jardim  do  Minho. 

Ahilio  da  Costa  Torres,  filho  de  Joaquim 
da  Costa  Torres  e  D.  Cândida  Augusta  Fer- 
reira de  Miranda,  nasceu  a  13  de  maio  de 
1846  em  Barrosas. 

Cursou  preparatórios  em  Braga  e  Coim- 
bra, terminados  os  quaes  matriculou -se  em 
medicina,  formando-se  em  30  de  julho  de 
1876.  Estabeleceu  residência  em  Vizella  e 
tem  prestado  relevantes  serviços  á  sua  pá- 
tria adoptiva.  É  sócio  installador  da  compa- 
nhia de  bombeiros  voluntários  e  da  philar- 
monica  vizellense;  membro  da  commissão 
recenseadora  eleitoral  de  Guimarães;  dire- 


I  ctor  teehnico  do  estabelecimento  thermal  e 
hydrotherapico  de  1881  a  1882,  etc. 

Escreveu:  «As  aguas  sulfurosas  de  Vizel- 
la, estatística  medica  do  estabelecimento 
thermal  e  hydroterapieo  de  Vizella.»  Porto, 
typ.  Central,  1882. 
É  um  medico  distincto  e  hábil  operador. 
Alfredo  José  dos  Reis.  Este  espingardei- 
ro de  renome,  filho  de  José  Antonio  dos 
Reis  e  de  Maria  do  Livramento,  nasceu  em 
Chaves,  mas  veiu  para  Vizella  aos  17  annos 
de  edade  e  aqui  tem  vivido  até  hoje  quasi 
sempre,  entregaodo-seá  arte  que  lhe  alcan- 
çou fama,  dirigido  pelo  espingardeiro  e  fo- 
gueteiro Joaquim  Antonio  Gallado,  que  de- 
pois foi  seu  sogro. 

Em  1862  eslabúleceu-se  por  conta  pró- 
pria e  em  1865  fabricou  a  «primeira  espin- 
garda de  carregar  pela  culatra»  não  haven- 
do n'ella  uma  peça  uniea,  desde  a  mais  sin- 
gela até  á  mais  complicada,  que  nSo  fosse 
fabrico  seu.  Foi  esta  no  seu  género  a  pri- 
meira espingarda  que  se  fez  em  Portugal, 
como  se  lê  no  Catalogo  da  Exposição  inter- 
nacional do  Porto,  de  1865,  a  pag.  59  do 
Supplemento. 

Em  1861  fabricou  a  «primeira  espingar- 
da» de  systema  central^  nas  mesmas  condi- 
ções de  fabrico  todo  seu. 

Em  1872  fabricou  uma  machina  de  cortar 
mortalhas  para  cigarros,  feitas  de  folha  de 
milho,  em  maços  de  50  e  100. 

Depois  de  ter  ofiicina  durante  alguns  an- 
nos em  Vizella,  foi  para  Guimarães,  onde 
esteve  7  annos,  voltando  para  aqui  em  se- 
tembro de  1885  e  estabelecendo -se  na  rua 
da  Estrada  Nova,  junto  à  estação  do  cami- 
nho de  ferro. 

Antonio  Ignacio^  Pereira  de  Freitas,  filho 
de  José  de  Freitas  e  Oliveira  e  D.  Cecilia 
Rosa  Pereira  da  Silva,  nasceu  em  1  de  feve- 
reiro de  1842. 

Cursoii  os  preparatórios  em  Braga,  obten- 
do sempre  honrosas  classificações.  Em  1858 
matriculou-se  na  Academia  polyteehnica  do 
Porto  e  em  1861  na  escola  medíco-cirurgi- 
ca  da  mesma  cidade,  concluindo  a  forma- 
tura em  1866. 

A  these  que  defendeu  no  fim  do  curso 
tem  o  seguinte  titulo;  «Das  aguas  mineraes 


1946  VIZ 


VIZ 


cm  geral  e  da  sua  applicaçâo  em  particular 
ao  tratamento  das  moléstias  cirúrgicas... 
Porto  1866,  4.»  gr.» 

Depois  de  exercer  a  clinica  aqui  e  em 
Fafe,  íoi  em  1869  para  Ponte  do  Lima,  on- 
de exerce  o  cargo  de  facultativo  municipal. 
Tem  escripto  cm  diversos  jornaes  muitos 
artigos  sobre  a  importância  das  aguas  de 
Vizella  e  existe  publicado  em  opúsculos: 
tAos  senhores  capitalistas:  noções  acerca 
do  projectado  estabelecimento  thermal  de 
Vizella  e  conveniência  da  sua  construcção 
por  meio  d'uma  companhia,  Braga,  1868.» 

É  indefeso  propagador  do  systema  dosi- 
métrico,  bem  como  do  hypnolismo,  como 
agente  therapeutieo. 

Antonio  José  d'Azevedo  Varella,  filho  de 
Antonio  d'Azevedo  Varella  e  de  Josepha  Joa- 
quina da  Costa.  \ 

Nasceu  a  12  d'agosto  de  182S  em  Santa  j 
Eulaliítde  Barrosas.  Cirurgião  pela  antiga  j 
escola,  estabeleceu  residência  por  muitos 
annos  em  Inflas,  e  desde  IS  annos  a  esta 
parte  em  Vizella.  Tem  sido  vereador  em 
Guimarães  por  mais  que  uma  vez  e  poderia 
hoje  ter  avultada  fortuna,  se  não  fosse  tão 
desprendido  d'ambição.  É  parente  do  cele- 
bre frade  Domingos  Varella,  distincto  orga- 
nista de  quem  se  falia  no  artigo  Victoria, 
tomo  10.»  pag.  623,  col.  2.» 

Antonio  José  Ferreira  Caldas,  nasceu  a 
16  de  novembro  de  1816  na  quinta  do  Paço 
de  Gominhães,  filho  de  Francisco  José  Ribei- 
ro e  Thereza  Maria  Ferreira. 

Seguiu  a  carreira  commercial  em  Guima- 
rães com  muita  probidade  pelo  que  seus 
conterrâneos  o  elegerem  vereador  da  cama- 
rá, repetidas  vezes. 

Membro  da  eommissão  . recenseadora  elei- 
toral, da  junta  de  repartidores,  etc,  cor- 
respondeu ao  conceito  que  d'elle  se  forma- 
va; alcançou  porem  inolvidável  memoria 
pelos  relevantes  serviços  que  tem  prestado  á 
terra  que  lhe  foi  berço. 

É  sem  duvida  a  Ferreira  Caldas  que  Vi- 
zella deve  os  importantes  melhoramentos 
que  hoje  a  enriquecem.  Grande  parte  de 
seus  haveres,  sua  saúde,  seu  credito,  sua 
actividade,  tudo  dedicou  durante  o  longo  es. 
paço  de  17  annos  á  realisação  da  sua  idéa 


tão  querida:  o  estabelecimento  thermal  de 
Vizella. 

Em  Guimarães,  Porto  e  Lisboa  trabalhou 
constantemente  e,  apesar  de  muitas  dece- 
pções e  muitas  contrariedades,  conseguia  a 
formação  da  companhia:  viu  levantar  o  edi- 
ficio  dos  banhos;  assistiu  á  sua  abertura, 
contemplando  a  sua  obra,  e  o  sorriso  da  sa- 
tisfação lhe  assomou  aos  lábios. 

A  camará  municipal  de  Guimarães,  em 
sessão  de  5  de  maio  de  1881,  como  testemu- 
nho dos  serviços  prestados  pelo  incansável 
Ferreira  Caldas,  deu  a  uma  das  novas  ruas 
de  Vizella  o  nome  do  benemérito  cidadão. 

Em  um  artigo  sobre  a  exposição  indus- 
trial Guimarães,  publicado  no  Jornal  do 
Commercio,  lê-se  o  seguinte,  que  é  a  confir- 
mação do  que  levamos  dito:  «A  existência 
da  Companhia  e  dos  novos  estabelecimen- 
tos deve-se  á  união  de  esforços  de  muitos 
cidadãos  vimaranenses,  mas  distíngue-se  en- 
tre todos,  pelo  trabalho  e  até  pelo  sacrificio, 
o  prestimoso  cidadão  Antonio  Ferreira  Cal- 
das. > 

Pôde  afiBrmar-se,sem  receio  do  errar,  que 
à  devoção  de  Ferreira  Caldas  pelos  melho- 
ramentos de  Vizella,  desde  1869,  se  devem 
os  novos  estabelecimentos.»  (Relatório  da 
Exposição,  pag.  249). 

Antonio  Pereira  da  Silva  Caldas,  filho  de 
Antonio  Pereira  da  Silva  e  D.  Maria  José  Al- 
ves, nasceu  a  4  de  fevereiro  de  1828. 

Cursou  preparatórios  em  Coimbra,  matri- 
culando-se  depois  nas  faculdades  de  mathe- 
matica  e  philosophia,  mas  não  chegou  a 
concluir  o  curso. 

Depois  matriculou-se  na  escola  medico- 
cirurgica  do  Porto,  mas  a  nostalgia  da  pá- 
tria não  o  deixava  viver  longe  de  Vizella. 

Recolhido  de  vez  á  sua  terra  natal,  entre- 
gou-se  ás  doçuras  da  familia  e  á  educação 
dos  filhos,  que  o  honram. 

É  actualmente  professor  da  escola  prima- 
ria na  freguezia  de  S.  Miguel,  como  em  ou- 
tro lugar  disemos,  e  acerca  das  suas  func- 
çòes  escolares  eis  aqui  o  que  se  lê  no  sema- 
nário lisbonense  A  Federação,  vol.  vu.  n.»  1, 
de  11  d'abril  de  1863,  n'um  artigo  intitula- 
do a  Instrucção  primaria  em  Portugal.  «O 
professor  do  logar  da  Lameira,  freguezia  de 


VIZ 


VIZ  1947 


S.  Miguel,  concelho  de  Guimarães,  lecciona 
os  discípulos,  durante  o  inverno,  em  uma 
casa  que  lhe  emprestam  para  esse  fim;  mas, 
durante  o  verão,  n'um  quintal,  debaixo  de 
uma  ramada,  porque  a  casa  é  alugada  aos 
banhistas.  No  entanto  este  ó  um  dos  bons 
professores  do  districto,  que  cumpre  exacta- 
mente o  regulamento  escolar.  Ensina  e  ex- 
plica o  sysiema  métrico,  e  fiscalisa  escru- 
pulosamente a  frequência,  que  regula  por 
35  a  40  alumnos,  de  63  que  estão  matricu- 
lados, 51  do  sexo  masculino  e  12  do  sexo 
feminino. 

Estes  bons  serviços,  que  todos  louvam,  só 
a  junta  de  parochia  e  a  camará  municipal 
desconsideram,  pois  que  ainda  não  presta- 
ram casa  e  mobilia  para  a  escola  d'este  pro- 
fessor, que  tão  dignamente  exerce  o  magis- 
tério.! 

De  vez  em  quando  o  distincto  professor 
envia  escriptos  para  diversos  jornaes.  Assim 
no  Murmúrio,  n.»  12,  de  15  de  junho  de 
1856,  folha  mensal  bracarense,  encontra- se 
um  cora  o  titulo:  A  lingm  hespanhola  e  os 
autores  que  mais  a  aperfeiçoaram.  Ê  um 
artigo  interessante.  Na  Borboleta,  jornal  bra- 
carense, n."  841  de  1876,  escreveu:  Áppari- 
ção  de  uma  Hóstia  no  Cea  em  Braga  em  1640. 
No  n.»  10  de  15  do  mesmo  mez  escreveu: 
Conspiradores  portuguezes  em  1640,  etc,  ele. 

O  artigo  publicado,  no  numero  8  da  Bor- 
boleta foi  impresso  em  fascículo,  de  que  ape- 
nas se  fez  tiragem  de  poucos  exemplares 
em  cartão.  É  o  titulo:  «Silva- Caldas,  Appari- 
ção  d'uma  Hóstia  no  Céo  em  Braga  em  1640.» 
—Braga,  imprensa  commercial,  1879,  8.»  gr. 
com  6  pag.  innumeradas. 

Antonio  Raphael  Dias  Pereira  de  Freitas. 
filho  de  Manoel  Dias  Pereira  de  Freitas  e  D- 
Guilhermina  Cândida  Dias  Pereira  de  Frei- 
tas, nasceu  a  15  de  fevereiro  de  1849. 

A  vida  commercial  a  que  se  destinava  no 
Brazil  não  lhe  roubou  a  vocação  que  tinha 
para  as  lettras. 

No  Rio  de  Janeiro  redigiu  um  periódico  O 
Povo  e  publicou  dois  bellos  romances  Am- 
brosina e  Honra  d'um  caixeiro. 

A  morte  surprehendeu  ha  pouco  este  nos- 
so benemérito  compatriota,  colhendo-o  en- 
tregue ás  lides  litterarias.  Dava  a  ultima  de-  ' 


mão  a  um  volume  de  versos.  E  litou  três 
das  obras  de  seu  irmão  Domingos,  de  quem 
adiante  nos  occuparemos. 

Uma  saudade  á  memoria  do  desditoso 
maii'ebo. 

Armindo  de  Freitas  Ribeiro  de  Faria,  fi- 
lho de  Joaquim  de  Freitas  Ribeiro  de  Faria, 
nascido  em  1866.  Ê  quintanista  da  escola 
medica  do  Porto. 

Avelino  Antonio  Gaitado,  filho  de  Joaquim 
Antonio  Callado  e  Joaquina  Salgado,  nas» 
ceu  a  4  de  junho  de  1859.  Dirigido  por  seu 
pae,  tornou-se  um  artista  de  nome,  e,  como 
seu  cunhado  Alfredo,  de  quem  já  se  fallou, 
fabrica  espingardas  de  todas  as  espécies  e  os 
utensílios  indispensáveis  para  o  seu  traba- 
lho. 

Não  pôde  acabar  opportunamente  uma 
espingarda  para  carga  por  tres  systemas» 
que  destinava  á  Exposição  Industrial  de 
Guimarães  em  1884,  onde  por  certo  seria 
devidamente  apreciada  como  invento  cu- 
rioso. 

Este  artista  actualmente  dirige  a  ofiScína 
que  foi  de  seu  pae,  e  concerta  quaesquer 
artefactos  de  serralheria,  por  mais  com- 
plicados que  sejam. 

Bráulio  Lauro  Pereira  da  Silva  Caldas^ 
filho  de  Antonio  Pereira  da  Silva  Caldas  e 
D.  Francisca  Emilia  Pereira  da  Cunha. 

É  bacharel  formado  em  theologia  e  ba> 
charel  em  direito. 

Tem  publicado  em  differentes  jornaes 
muitos  artigos  e  muitas  poesias  que  lhe 
hão  grangeado  o  credito  de  esperançoso 
poeta. 

No  anuo  de  1885  escreveu  e  fez  impri- 
mir Bouquet  de  Sonetilhos,  que  offereceu  á 
commissão  vimaranense  promotora  de  soc- 
corros  para  as  victimas  da  Andaluzia,  mi. 
mo  que  foi  avidamente  procurado. 

E'  sócio  correspondente  da  Sociedade  de 
Geographia  de  Lisboa. 

No  mesmo  anno  de  ,1885,  por  iniciativa 
soa  e  de  seu  primo  Abel,  de  quem  já  se  fal* 
lou,  imprimiu-se  em  Guimarães  uma  folha 
única— Bazar,  em  beneficio  da  confraria  do 
Senhor  da  Boa- -Morte,  da  freguezia  de  S. 
Miguel. 


1948  yiz 


VIZ 


E'  redactor  da  Alvorada,  jornal  litterario 
bracharense,  etc. 

Domingos  Maria  Pereira  Dias  de  Freitas, 
filho  de  Manuel  Dias  Pereira  de  Freitas  e 
D.  Guilhermina  Cândida  Dias  Pereira  de 
Freitas  nasceu  a  10  de  fevereiro  de  Í852. 

Cursou  preparatórios  no  lyceu  de  Braga, 
entregando-se  conjuntamente  à  vida  jorna- 
lística. 

As  columnas  do  antigo  Bracharense  rece- 
beram suas  primícias  litterarias  e  nos  ulti- 
mes tres  annos  d'este  jornal  foi  um  dos  seus 
redactores. 

Durante  15  annos  nunca  deixou  de  es- 
crever para  os  jornaes,  dirigindo  e  redigin- 
do em  Braga,  o  Jornal  Académico,  Diário 
do  Minho,  Commercio  do  Minho  e  Borbo- 
leta. D'este  formoso  hebdomadario  de  litte- 
ratura  existem  publicados  tres  volumes. 

Collaborou  também  assiduamente  na  Ata- 
laia do  Vez  (Arcos)  e  no  Imparcial  (Guima- 
rães), ete. 

Em  todos  estes  jornaes  publicou  poesias 
e  pequenos,  mas  bellos  romances,  sendo 
para  lastimar  que  não  estejam  colleeciona- 
dos. 

Collaborou  também  nos  jornaes  religio- 
sos de  Braga:  União  Catholica  e  Semana 
Religiosa  Bracharense.  N'este  ultimo  publi- 
cou, anonyma,  entre  outros  trabalhos,  a  ver- 
são da  magnifica  obra  de  Jorge  Romain  — 
VEglise  catholique—Vniquepuissance  tole- 
rante et  libérale,  começando  a  publicação  no 
nfi  117  de  17  d'agosto  de  1877  e  terminan- 
do no  n.«  166  de  julho  de  1878. 

Tem  publicado: 

Premidas,  1  vol.  Arcos,  1870. 

Inspirações  do  Vizella,  l  vol.  Porto,  1871. 

Goivos,  (romance)  principiado  a  publicar 
sob  pseudonymo  no  Commercio  do  Minho 
e  editado  por  seu  irmão  Antonio,  no  Rio  de 
Janeiro,  1877. 

Rosinha  (romance).  Idem,  1880. 

Solidões  (opúsculo).  Idem,  1880. 

Suspiros  de  Santo  Agostinho  {wersã.o)  Coim- 
bra, 1884. 

É  sócio  correspondente  da  Real  Associa- 
ção dos  Architectos  e  Archeologos  Portu- 
guezes,  sócio  ordinário  da  Sociedade  de 


•  GeographiaCommercial  do  Porto  e  sócio  be- 
nemérito da  Associação  Penafidelense  de 
Inslrucção. 

Exerceu  durante  o  anuo  de  1884  e  188S  o 
magistério  no  collegio  da  Formiga  e  actual- 
mente reside  em  Braga  entregue  ás  lides 
jornalísticas,  havendo  durante  a  sua  perma- 
nência na  Formiga  traduzido  os  primeiros 
fascículos  do  Anno  Chrislão  de  João  Cros- 
set,  que  foi  editado  no  Porto  por  Antonio 
Dourado. 

lllidio  Floro  Pereira  de  Freitas,  filho  de 
José  de  Freitas  e  Oliveira  e  D.  Cecília  Rosa 
da  Silva  Pereira,  nasceu  a  22  de  dezembro 
de  1846. 

Depois  de  cursar  os  preparatórios  em 
Braga,  matriculou-se  na  academia  polyte- 
chnica  do  Porto  e  depois  na  escola  medico- 
cirurgica  da  mesma  cidade,  concluindo  os 
seus  trabalhos  escolares  em  julho  de  1869  e 
havendo  sido  premiado.  A  sua  these  final 
tem  por  título  Da  hydrotherapia  e  suas  ap- 
plicações  therapeuticas.  Porto,  1869,  4.»  gr. 

Despachado  em  1869  facultativo  naval  de 
2.*  classe,  embarcou  na  canhoneira  D.  Maria 
Anna,  indo  para  Moçambique,  onde  cuidou 
dos  inflccionados  do  cholera  que  por  3  ve- 
zes ali  se  manisftístou  e^  voltando  à  pátria  em 
1873,  valeu  a  muitos  atacados  de  varíola, 
que  então  griissou  intensamente  em  Vizella. 
Publicou  diversas  poesias  e  alguns  trabalhos 
scientificos  em  jornaes,  almanachs  e  revis- 
tas htterarias. 

Despachado  em  novembro  de  1873  facul- 
tativo de  classe,  embarcou  nohyate  ilía- 
rinha  Grande  e  falleceu  a  dois  dias  de  via- 
gem de  Caeheu,  em  2  de  julho  de  1874. 

Joaquim  Antonio  Callado,  filho  de  Ray- 
mundo  Antonio  Callado  e  Joanna  Mendes, 
nasceu  a  6  de  janeiro  de  1822  e  falleceu  a 
6  de  março  de  1880. 

Deixou  grande  renome  como  espingardei- 
ro e  fogueteiro. 

Manoel  Ribeiro  de  Castro,  filho  de  Fran- 
cisco José  Ribeiro  e  Antónia  Luiza,  nasceu 
a  10  de  dezembro  de  1807.  Présbjtero 
ordenado  em  Lisboa,  nunca  fez  uso  de 


m 

suas  ordens  e  é  proprietário  da  fabrica  de 
papel  das  Caldas,  de  que  em  outro  lugar 
DOS  occupamos. 

Paulino  Antonio  Callado,  filho  de  Joaquim 
Antonio  Caliado  e  Joaquina  Salgado.  Entre- 
gou-se  no  Brazil  á  especialidade  da  e»pm- 
garderia,  que  è  o  património  dos  seus,  — e 
falleceu  haverá  10  annos. 

Pedro  Vaz  Cirne  de  Sousa,  fllho  do  morga- 
do de  Gominhães,  Manoel  Cirne  Pereira,  e 
de  sua  esposa  D.  Antónia  de  Sousa  Alcofo- 
rado. Embora  nascesse  em  Guimarães,  tem 
cabimento  aqui,  porque  a  sua  casa  solar  era 
na  freguezia  de  S.  João  e  aqui  residiu  gran- 
de parte  do  tempo. 

Casou  este  illustre  fidalgo  com  D.  Antó- 
nia de  Madureira  e,  depois  de  assegurar  a 
descendência  de  sua  nobre  casa,  fallecendo 
sua  mulher,  fez- se  cavalleiro  da  Ordem  de 
S.  João. 

Mandou  construir  a  capella  da  sua  casa, 
como  em  outro  logar  diremos,  e  legou  às  le- 
tras duaâ  obras,  uma  das  quaes  (a  seguil- 
da),  diz  o  nosso  bibliographo  Innocencio, 
é  muito  rara.  Foram  ellas:  —  Relação  do 
que  fez  a  villa  de  Guimarães  no  tempo  da 
felice  acdamação  de  sua  magestade  até  o  mez 
de  outubro  'de  1641.  —  Relação  do  que  tem 
obrado  Rodrigo  Pereira  de  Souto  Maior,  ca- 
pitão e  alcaide-mór  da  villa  de  Caminha,  etc. 

Roque  Francisco. 

Este  notável  ourives  e  escriptor  nasceu 
a  16  d'agosto  de  1659,  sendo  seus  paes 
Domingos  Francisco  e  Isabel  Fernandes. 
Foi  baptisado  na  egreja  da  S.  Miguel. 

Transcrevamos  o  que  na  folha  única,  Jn- 
dustria  Vimaranense,  publicada  por  occasião' 
da  Exposição  industrial  de  Guimarães  em 
i884,  se  lé  e  que  é  devido  á  penna  do  nos- 
so chorado  amigo  José  Caldas  (que  tinha 
sangue  de  Vizella,  pois  seu  pae,  Antonio 
José  Ferreira  Caldas,  de  quem  já  se  fallou, 
é  d'aqui  natural).  tRoquo  Francisco,  descan- 
çindo  radiante  sobre  um  plinto  de  metaes 
preciosos  e  encimando^he  a  fronte  as  asas 
úo  génio,  com  ellas  voa  a  paizes  extranhos, 
onde  fôra  recebido  com  summo  respeito  e 

VOLUME  XI 


VIZ  1949 

veneração  profunda,  como  primeiro  eunieo 
aquilatador  do  ouro  e  prata,  até  então  conhe- 
cido. É  ainda  o  vimaranense^  ennobrecido 
com  o  encargo  honrosissimo  de  ensaiador- 
mór  das  casas  da  moeda  nos  reinos  de  Por- 
tugal, t 

Publicou  o  nosso  vizellense:  Verdadeiro 
resumo  do  valor  do  ouro  e  da  prata,  obra 
pouco  vulgar,  segundo  afflrma  Innocencio, 
e  teve  3  edições  ;—  1694,  1739  e  1757. 

Thomaz  Antonio  Callado,  filho  de  Joa- 
quim Antonio  Callado. 

Vive  no  Brazil,  onde  exerce  e  arte  de  es- 
pingardeiro—com tal  proficiência,  que  uma 
fabrica  belga  o  premiou  por  uma  espingar- 
da que  elle  fez. 


José  Joaqhim  da  Silva  Pereira  Caldas. 
Deixámos  para  coroa  e  remate  d'este  tópico 
o  mais  illustre  filho  de  Vizella. 

Nasceu  na  freguezia  de  S.  Migael  a  26  de 
janeiro  de  1818,  sendo  seus  paes  Antonio 
Pereira  da  Silva  e  D.  Maria  José  Alvares. 
Em  Guimarães  e  arrabaldes  fez  os  seus  pri- 
meiros estudos,  tendo  por  professor  de  la- 
tim o  padre  mestre  José  Antonio  Ferreira, 
parocho  de  Polvoreira  (entre  Vizella  e  Gui- 
marães), que  foi  também  mestre  de  todos 
os  que  n'aquelle  tempo  e  n'este3  contornos 
se  dedicaram  ás  lettras. 

Pereira  Caldas  tornou-se  muito  notável 
entre  os  seus  condiscípulos.  A  alguns  d'e8- 
tes  ouvimos  dizer  que  elle  decorara  o  dic- 
cionario  lalinol . . . 

Matrieulando-se  na  Universidade,  foi  pre- 
miado nas  faculdades  de  mathematica,  phi- 
losophia  e  medicina,  que  frequentou,  toman- 
do o  grau  de  bacharel. 

O  distincto  professor  de  mathematica,  phi- 
losophia  e  inlroducção  é  sócio  honorário  de 
varias  sociedades,  academias  e  institutos, 
sócio  correspondente  d'outras  associações 


1  Vizella  como  j  á  dissemos  pertence  ao 
concelho  de  Guimarães. 

123 


1950  VIZ 


VIZ 


do  reino,  Açores,  da  Academia  Real  das 
Scieocias,  etc. 

A  sua  biographia  extensamente  escripta 
eo  longo  cathalogo  de  suas  obras  encontram- 
se  no  Diccionario  de  Innoceneio,  tomo  4.» 
pag.  395,  onde  oecupam  19  paginas.—e  no 
tomo  13.»  pag.  42,— não  estando  ainda  todas 
mencionadas,  porque  depois  escreveu  al- 
gumas outras. 

Das  suas  obras  mencionaremos  aqui  so- 
mente as  que  dizem  respeito  a  Vizella:' 

Noticia  d'uma  escavação  archeologica  nas 
Caldas  de  Vizella,— Revista  Universal  Lisbo- 
nense, tomo  4.»  pag.  557,  e  Periódico  dos  Po- 
bres do  Porto,  n.»  107  de  1845. 

Esboço  topographico  das  Caldas  de  Vizella, 
— Jornal  da  Sociedade  Pharmaceutica  Lusi- 
tana serie  2.%  tomo  4."  pag.  318  a  355. 

Noticia  archeologica  das  Caldas  de  Vizella, 
Braga,  1858.  ^ 

Indiculo  genérico  das  tdrtums  curativas 
das  aguas  sulphurosas  das  Caldas  de  Vizella, 
Braga,  1854. 

Noticia  resumida  das  Caldas  de  Vizella, 
Panorama,  tomo  11,  1854,  n."  32. 

Vindicação  da  prioridade  do  fabrico  de  pa- 
pel com  massa  de  madeira,  como  descoberta 
portugueza,  sendo  o  seu  fabrico  intentado  no 
principio  d'este  século  nas  Caldas  de  Vizella, 
etc.  Braga,  1867. 

Caldas  de  Vizella,  artigo  publicado  em  ju- 
lho de  1885  na  folha  única  Bazar,  a  que  já 
nos  referimos. 

Noticia  histórica  sobre  a  espingarderia  vi- 
zellense,  com  indicações  geraes  sobre  a  es- 
pingarderia portugueza,  Braga,  1885, 8.»  gr. 
de  25  pag,  Tiragem—SO  exemplares  para 
brindes. 

Não  podemos  ver  ainda  esta  obra  e  por 
isso  não  podemos  dizer  se  é  á  mesma,  como  ' 
suppomos,  que  foi  inserta  no  Relatório  da 
Exposição  industrial  de  Guimarães  em  1884, 
pag.  55  e  seguintes,  a  que  o  erudito  pro- 
fessor deu  o  titulo:  Noticia  summaria  (Es- 
pingarderia). 

D'e8te  ultimo  artigo  extrahimos,  quasi 
textualmente,  os  dados  relativos  a  alguns 
artistas  vizellenses. 

A  estes  escriptos  especiaes  podem  ajun- 
tar  se  ainda  do  mesmo  auctor,  como  attí-  j 


nentes  ao  mesmo  assumpto,  em  trechos  ac- 
cideniaes,  os  seus  tres  escriptos  seguintes: 

*  Apontamentos  genéricos  sobre  os  objectos 
mais  notáveis  do  districto  de  Braga  e  dignos 
d'attrahir  a  attenção  de  SS.  MM.  e  AA,  na 
sua  visita  pelo  mesmo  districto  em  1852.» 
Braga,  1852,  folio  oblongo. 

«Noticia  topographica  das  Caldas  das  Tai- 
pas no  concelho  de  Guimarães»  Braga,  1854 
8"  gr. 

Noções  therapeuticas  solrre  o  uso  das  aguas 
sulphurosas,  Porto,  1852,  16.»  gr. 

O  dislincto  professor  Pereira  Caldas  é  de 
per  si  sufiflciente  para  nobilitar  não  só  a  pe- 
quena povoação  de  Vizella,  mas  todo  o  con- 
celho a  que  ella  pertence,  como  está  nobili- 
tando a  própria  capital  do  districto. 

Ditosa  pátria  que  tal  filho  tevel . . . 


Alem  de  ser  um  sábio  profundo  e  distin- 
cto  escriptor,  é  muito  patriota,  como  provam 
OÈ  escriptos  supra,  dedicados  a  Vizella  —  e 
duiros  muitos  dedicados  a  Luiz  de  Camões 
e  ao  seu  inimitável  poema— os  Lusíadas. 

É  também  s.  ex.«  muito  notável  bibliophilo 
e  bibliographo,  e  possue  a  melhor  livraria 
particular  que  temos  hoje  ao  norte  do  nosso 
paiz?! ...  *  . 

Talvez  seja  melhor  de  que  a  grande  livra- 
ria que  deixou  o  conde  d^Azevedo,  no  Por- 
to, e  que  ó  hoje  do  sr.  conde  de  Samodães,* 
— notando -se  que  o  fallecido  conde  de  Aze- 
vedo dispunha  de  grande  fortuna,  em  quan- 
to que  o  sr.  Pereira  Caldas  não  tem  fortuna 
própria.  Vive  do  seu  modesto  ordenado  de 
professor. 

Ê  uma  livraria  muito  numerosa  e  muito 
escolhida.  Tem  exemplares  raríssimos,— ver- 
dadeiras preciosidades  bibliographicas!  E 
tão  patriota  é  o  venerando  ancião,  que  já 
oíTereceu  á  camará  de  Braga  a  sua  precio- 
sa livraria,  apenas  com  duas  condições: — 1.* 
tel  a  em  ediíicio  próprio;— 2.»  dar  uma  pe- 


1  V.  Porto,  vol.  7.»  pag.  499,  col.  2.»  in 
principio. 


YIZ 

qaeoã  peoção  annual  ao  benemérito  doador; 
mas  a  dieta  camará — vergonha  eternal— re- 
cnsou  e  não  acceitou  a  doaçãofl . . . 

Note-se  também  que  o  sr.  dr.  Pereira  Cal- 
das 6  viuvo  e  não  tem  suecessão,  porque 
falleceu  ha  poucos  annos  e  solteira  a  sua  fi- 
lha única,  também  mmtú  illustradal 

O  venerando  ancião  vive  pois  só,  entreti- 
do a  ler  e  manusear  os  seus  livros,  que  por 
serem  muitos  e  a  casa  não  grande,  (amda 
assim  tem  3  andares)  a  cobrem  e  revestem 
interiormente  ioda,— salas,  quartos,  escadas, 
corredores,  etc. 

Ao  muito  rev.  e  muito  illustrado  sr.  João  j 
Gromes  d'01iveira  Guimarães,  que  foi  paro- 
cho  de  Mascotellos  e  hoje  é  abbade  de  Ta- 
gilde,  a  pequena  distancia  do  Vizella,  agra- 
deço os  apontamentos  que  se  dignou  enviar- 
me. 

Y.  Vicente  de  Mascotellos  (S.)  tomo  10.» 
pag.S56,  col.  1.»  esegg. 
>  VIZELLA  —  fSanto  Adrião),  freguezia  do 
concelho  e  comarca  de  Felgueiras,  districto 
e  diocese  do  Porto,  província  do  Douro.  Ora- 
go  Santo  Adrião,  martyr,  de  quem  faz  men- 
ção o  Breviário  Romano  a  8  de  setembro. 
Tem  139  fogos.  A  chorographia  do  padre  Car- 
valho deu -lhe  80. 

Era  abbadia  da  mitra  e  tinha  annexa  a 
freguezia  de  S.  Jorge  de  Vizella,  onde  apre- 
sentava o  vigário;  e  não  eram  duas  fregue- 
zias  unidas,  curadas  por  um  só  parocho^  co- 
mo diz  o  Port.  sacro  ■profano. 

Pertencia  ao  antigo  termo  de  Guimarães; 
depois  ao  extincto  concelho  de  Barrosas,  e 
desde  1853  a  Felgueiras.  Até  1882  foi  do  ar- 
cebispado de  Braga,  passando  então  pela  no- 
va circumscripção  para  o  Porto,  e  pertence 
ao  vicariato  da  vara  do  2.»  districto  d'Ama- 
rante. 

É  limitada  a  Norte  pelas  freguezias  de  Ta- 
gilde  e  S.  Miguel  das  Caldas  de  Vizella;  Sul 
pelas  de  Bavinhade  e  Santa  Eulália  de  Bar- 
rosas; Nascente  pela  de  Santa  Combil  de 
Regilde;  Poente  pela  de  S.  João  das  Caldas 
de  Vizella.  Entre  as  aldeias  e  casaes  que  a 
compõem  são  mais  povoados  os  seguintes: 
Monte  da  Santa,  Alfeixim  e  Cruz. 

Está  quasi  toda  na  margem  esquerda  do 


VIZ  1951 

rio  Vizella,  tendo  apenas  um  pequeno  logar 
na  direita,  Lagoas,  que  é  alternadamente 
d'esta  freguezia  e  da  de  S.  Miguel  das  Cal- 
das de  Vizella,  isto  só  ecclesiasticamente» 
anomalia  que  a  ultima  circumscripção  bem 
podia  terminar. 

Dista  11  kilometros  de  Felgueiras,  5  de^ 
Barrosas  e  2  de  Vizella. 

Deve  esta  freguezia  ser  atravessada  pelâ 
estrada  districtal  em  projecto,  de  Felgueiras 
a  Vizella,  que  passará  no  adro  da  egreja  pa- 
rochial,  e  poucos  metros  antes  d'elle  partirá 
um  ramal  para  a  Ponte  Nova  de  Tagilde, 
sobre  o  Vizella. 
j  A  egreja  matriz  é  um  templo  antiquíssimo 
e  sagrado,  talvez  anterior  ao  século  xi  e, 
apesar  d'algumas  reconstrueçòes,  ainda  cla- 
ramente demonstra  a  sua  muita  antigui- 
dade. A  chorographia  de  Carvalho  diz  que 
por  uns  algarismos,  que  estão  em  uma  pe- 
dra nas  costas  da  egreja,  seria  sagrada  em 
1262.  Não  encontramos  tal  daia,  mas  na  pia 
baptismal  vé  se  a  seguinte:  f.  1110  a.  Sen- 
do exacta  esta  era,  que  supponho  ser  de  Ce- 
sar, a  pia  accusa  o  anno  de  1072.  Na  parte 
externa  da  pia,  inferiormente  e  como  segu- 
rando-a,  encontram-se  umas  figuras  em 
alto  relevo  de  anjos  ou  o  que  quer  que  seja, 
uma  das  quaes  é  singular  pela  sua  posição 
pouco  decente. 

Não  podem  examinar-se  todas  as  figuras, 
porque  parte  da  pia  está  metlida  na  pa- 
rede. 

Tem  a  egreja  4  altares:  Mór,  Nossa  Se- 
nhora  do  Rosario,  Trindade  e  Almas.  N'es- 
te  ultimo  vé-se  um  retábulo,  cuja  pintura 
me  parece  d'algum  merecimento  e  como  tal 
tem  sido  appreciada  pelos  touristes  que  na 
epocha  balnear  visitam  esta  egreja. 

Acha-se  erecta  unicamente  a  confraria  do 
Santíssimo  Sacramento,  havendo  antiga- 
mente outras  que  se  extinguiram,  como  a 
do  Rosario,  S.  Sebastião^  Santo  Antonio,  etc. 

Em  veneração  ha  unicamente  a  capella 
de  Nossa  Senhora  da  Tocha,^  também  outr'ora 


1  Tem  o  mesmo  titulo  a  capella  real  de 
Madrid  extra  muros  e  que  foi  egreja  dos 
frades  dominicanos. 


1952  VIZ 

chamada  Nossa  Senhora  do  Castro  ou  CraS' 
to  (de  que  adiante  fallaremos)  e  a  de  S. 
Cláudio,  (vulgarmente  S.  Crau),  no  logar  de 
Lagoas,  e  que  pertence  a  Manoel  Dias  de  Car- 
valho. Foi  esta  capella  construída  em  1751 
como  se  vê  da  inscripção  gravada  na  pa.' 
dieira:  Francisco  d' Araujo  m.  fazer  era 
1151. 

Houve  antigamente  muitas  outras,  d'algu- 
mas  das  quaes  nem  vestígios  já  restam,  mas 
d'ellas  se  faz  menção  no  livro  do  Registro 
dos  Visitadores;  foram: 

S.  Gonçalo,  em  terreno  dos  passaes,  insti- 
tituida  pelo  abbade  dr.  Gonçalo  da  Silva. 
Desde  muito  profanada,  foi  ultimamente  des- 
truída e  no  seu  lugar  e  com  a  sua  pedra  se 
fez  uma  casa  de  habitação. 

Santa  Cruz,  edificada  por  Manoel  Teixei- 
ra, da  qual  era  administrador  em  1742  Ben- 
to Teixeira  Borges. 

Nossa  Senhora,  no  logar  do  Casal,  limites 
de  Regilde,  a  qual  existia  em  1761. 

A  da  casa  nobre  de  Lamellas,  que  ainda  es- 
tá de  pé,  mas  servindo  de  palheiro,  e  cuja 
invocação  não  pude  descobrir. 

A  da  casa  nobre  do  Paço  Velho,  de  que  ape- 
nas restam,  bem  como  do  Paço,  uma  vaga 
tradição  e  algumas  pedras  dispersas. 


A  nobre  casa  de  Lamellas,  grandiosa  con- 
strucção  apalaçada,  demora  um  pouco  abai- 
xo da  residência  parochial,  junto  ao  rio  Vi- 
zella. 

Esta  rica  propriedade  foi  em  1549  em- 
prasada  por  Aleixo  de  Freitas,  abbade  d'es- 
ta  fregueziá,  por  um  pequeno  fôro,  a  seu  ir- 
mão Alvaro  de  Freitas,  nobre  fidalgo  de 
Guimarães,  e  conservada  na  sua  família  até 
que  nos  principies  d'este  século,  por  com- 
pra, herança  ou  doação,  passou  para  os  Na- 
varros  de  Guimarães,  sendo  seu  ultimo  pos- 
suidor Jeronymo  Vaz  Vieira  de  Mello  Al- 
vim e  Nápoles,  pelo  seu  casamento  com  D 
Maria  Antónia  Navarro,  por  morte  do  qual 
foi  vendida,  em  1885,  com  as  demais  proprie- 
dades e  casas. 

D'esta  familia  era  também  pertença  o  pa- 
lacete de  Guimarães,  denominado g  das  La-  ' 


m 

I  mellas,  sito  na  rua  do  mesmo  nome  e  onde 
actualmente  se  acham  installadas  as  repar- 
tições publicas. 

Este  palacete  era  cabeça  do  morgadio  das 
Lamellas,  instituído  pelo  dr.  Rui  Gomes 
Golias,  filho  de  Ambrósio  Vaz  Golias  e  Ignez 
de  Guimarães,  abbade  de  Villa  Nova  de  San- 
de e  mestre  escola  da  collegiada  de  Guima- 
rães, provido  n'esta  dignidade  em  7  d'abril 
de  1629,  havendo  permutado  a  abbadia  pela 
dignidade  com  seu  irmão  o  dr.  Sebastião 
Vaz  Golias. 

Nomeou  o  morgado  em  seu  sobrinho  o 
dr.  João  dos  Guimarães,  procurador  ás  cor- 
tes em  1643,  embaixador  á  Suécia  e  Hol- 
landa,  moço  fidalgo,  commendador  de  S. 
Miguel  de  Caparosa,  no  bispado  de  Viseu, 
que  era  da  Ordem  de  Chrislo;  da  Mesa  da 
Consciência  e  dos  Aggravos,  ete.  Casou  este 
com  D.  Maria  de  Mello,  que  ficando  viuva  e 
sem  filhos,  melleu-se  freira  em  Santa  Clara 
de  Guimarães. 

O  morgado  passou  aos  irmãos  do  dr.  João 
dos  Guimarães,  Ambrósio  Vaz  Golias,  abba- 
de de  S.  Pedro  d'Abragão,  concelho  de  Pe- 
nafiel, e  a  D.  Ignez,  D.  Catharina,  D.  Maria 
e  outras,  freiras  no  mosteiro  de  Vairão,  os 
quaes  o  nomearam  em  seu  parente: 

Antonio  Peixoto  de  Miranda,  senhor  e 
possuidor  da  quinta  da  Lamella  d'estã  fre- 
gueziá, pela  doação  feita  em  23  de  novena- 
bro  de  1670,  dando  áquelles,  para  o  escolhe- 
rem entre  os  demais  parentes,  8  mil  crusa- 
dos:  4  para  os  doadores  e  4  para  accrescen- 
tamento  do  morgado,  conforme  a  instituição. 
A  este  sueeedeu  seu  filho: 

Antonio  Peixoto  de  Miranda,  casado  com 
D.  Mafalda  Luiza  Leite  d' Azevedo.  A  este 
seu  filho: 

Manoel  Peixoto  de  Miranda  Golias  dos  Gui- 
marães. Morreu  solteiro^  nomeando  o  mor- 
gado em  seu  parente: 

Fernarjído  da  Costa  de  Mesquita,  que  falle- 
ceu  sem  tomar  estado  e  o  nomeou  em 

F. . .  sua  irmã. 

Houve  então  varias  demandas  entre  a  ca- 
sa de  Porcados  e  a  do  Tanque  sobre  a  suc- 
cessão  do  morgado,  vencendo  a  casa  do  Tan- 
que, que  em  1829  se  achava  de  posse  d'elle, 
como  pôde  vér-se  no  jornal  Correio  do  Porto, 


VIZ 


VIZ  1953 


n.°  92,  de  1829,  sendo  administrador  Aoto- 
nio  de  Vasconcellos  Leite  Pereira  d'Abreu 
de  Lima  Abraldes  Oca  e  Novaes,  que  foi,  ao 
que  parece,  o  que  vendeu  as  propriedades 
aos  Navarros. 

A  nobre  casa  do  Paço  Velho,  à  quai  era 
foreíra  quasi  toda  a  freguezia,  ha  muito  que 
não  existe.  Algumas  pedras  dispersas,  que 
hão  sido  aproveitadas  por  alguns  morado» 
res,  nos  dão  a  conhecer  sua  antiga  opulên- 
cia. 

É  tradição  que  um  possuidor  d'esie  Paço, 
conde  d'Almada(?)  por  um  crime  de  bestia- 
lidade em  que  encontrou  sua  esposa  na  pró- 
pria casa  nobre,  fez  arrasar  o  palácio,  cas- 
tigou gravemente  a  criminosa  e  cúmplice 
(um  cavallol)  e  se  retirou  para  a  capital. 
Que  haverá  de  verdade  em  tudo  isto? 

Carvalho  na  sua  Chorographia  diz  que 
esta  quinta  produz  boas  fructas  e  admira» 
veis  pecegos. 

A  melhor  casa  de  habitação  d'esta  fre- 
guezia é  a  da  Quinta,  pertencente  à  ex.'" 
sr.»  D.  Joanna  Lopes  Martins  Brandão,  que 
n'ella  reside. 

O  Vizella,  que  passa  n'esta  freguezia, 
serve  de  motor  a  diversas  azenhas,  empre- 
gadas na  moagem  de  cereaes.  Também  íina- 
lisa  n'esta  parochia,  dístribuindo-se  pelos 
campos,  o  regato  de  Barusude,  que  divide 
esta  parochia  da  de  Regilde  e  que  ha  annos, 
cerca  de  30,  ficou  memorável  pelos  grandes 
estragos  que  a  sua  corrente  causou  por  oc- 
casião  de  uma  grande  tempestade,  levando 
d'envolta  duas  pobres  mulheres,  que  dias  de- 
pois se  encontraram  mortas  no  Vizella 

As  produeçõôs  d'esta  freguezia  são  espe- 
cialmente milho,  centeio  e  vinho  verde,  mas 
este  não  prima  pela  qualidade.  Também  me- 
rece menção  a  manufactura  de  aguardente 
pela  queima  do  bagaço,  pois  com  difiQculda- 
de  se  encontra  um  proprietário  que  não  pos- 
sua um  ou  dois  alambiques. 


Entre  as  pessoas  notáveis  d'esta  freguezia 
oecorrem-nos  as  seguintes: 


João  Gouveia  da  Rocha,  (ilho  de  Pedro  Vaz 
de  Gouveia  e  de  Isabel  da  Rocha.  Foi  eleito 
collegial  do  Real  CoUegio  de  S.  Paulo  de 
Coimbra,  sendo  já  lente  de  Instituta,  em  o  e 
tomou  posse  a  9  de  junho  de  1660,  sendo 
reitor  o  dr.  D.  Luiz  de  Sousa. 

Regeu  a  cadeira  de  código;  foi  desembar- 
gador da  Relação  do  Porto  e  da  Casa  da 
Supplicação  e  dos  Aggravos,  chanceller  do 
Porto  e  desembargador  do  Paço,  etc. 

Dr.  Pedro  da  Rocha  de  Gouveia,  irmão  do 
antecedente.  Foi  desembargador  do  Brazil  e 
da  casa  darSupplicação,  cavalleíro  da  Ordem 
de  Christo,  etc. 

Francisco  Xavier  Camello.  Era  major  em 
1808. 

Manoel  Antonio  da  Silva  Bravo.  Foi  capi- 
tão de  milícias  e  falleceu  a  8  de  fevereiro  de 
1822. 

Actualmente  vivem: 

Padre  Firmino  Antonio  da  Silva  iBravo^ 
fllho  de  Antonio  Joaquim  da  Silva  Bravo  e 
de  D.  Joaquina  Peixoto,  nascido  a  1'2  de 
maio  de  1852,  professor  no  coUegio  de  San- 
ta Quitéria,  concelho  de  Felgueiras. 

Padre  João  da  Rocha  e  Silva,  natural  de 

Ravinhade,  ex-encommendado  de  S.  Paustí- 
* 

no  de  Vizella. 

José  Manoel  Martins  Camello.  Tem  sido 
vereador  da  camará  de  Felgueiras  repetidas 
vezes  e  è  um  dos  40  maiores  contribuintes 
do  concelho . 


Ha  uma  escola  offlcial  do  sexo  masculino, 
regida  pelo  professor  José  Eugénio  Ferreira 
Guimarães,  que  lecciona  cerca  de  40  alum- 
nos.  Data  já  de  tempos  afastados. 

Os  proprietários  mais  importantes,  aqui 
residentes,  são:  José  Manuel  Martins  Camel- 
lo, de  que  acima  fallei,  Manuel  Joaquim 
Pinto  e  Antonio  Joaquim  da  Silva  Bravo. 

Conservam-se  n'esta  parochia  tres  objé- 


1954  VIZ 


VIZ 


ctos  dignos  de  apreciação  e  que  muito  hão 
sido  admirados  pelos  peritos,  entre  outros 
pelo  fallecido  Marquez  de  Sousa  Holestein. 
dr.  Martins  Sarmento  e  cónego  Alves  Ma- 
theus. São:  um  thuribulo  de  latão  no  es- 
tylo  gothieo,  uma  cruz  processional  do 
século  XVI  e  uma  bacia  de  cobre,  talvez 
destinada  para  a  cerimonia  do  Lavapedes, 
que  outr'ora,  bem  como  as  demais  festivi- 
dades da  semana  santa,  aqui  se  celebra- 
vam com  bastante  lusimeuto,  como  se  de- 
prehende  dos  livros  das  Visitas. 

Ainda  não  tem  cemitério  parochial,  achan- 
do-se  todavia  já  demarcado  n  uma  esplana- 
da, junto  á  Capella  de  Nossa  Senhora  da 
Tocha. 

Abbades.  Sabemos  dos  seguintes: 

Pedro  de  Freitat  Peixoto  o  Velho,  filho  3." 
de  Mendo  ACfonso  Peixoto  e  de  sua  mulher 
D.  Ignez  Pires  de  Freitas.  Foi  casado  com  ; 
D.  Magdalena  Fernandes  d' Almeida,  de  quem 
deixou  descendência.  Fallecendo  sua  mu- 
lher, fez-se  clérigo  (1500?)  e  foi  abbade 
n'esta  freguezia. 

Aleixo  de  Freitas,  1548,  mencionado  su- 
pra, no  tópico  da  casa  de  Lamellas.  Quan- 
do em  1S49  se  executou  o  breve,  que  au- 
ctorisava  o  emprasamento  da  dita  quinta  e 
de  qne  foi  executor  o  D.  Abbade  de  Pom- 
beiro,  D.  Antonio  de  Mello^  era  já  fallecido 
o  abbade,  todavia  foi  citado  para  dizef  de 
sua  justiça  e  declarar  se  concordava! 

Isto  é  facto  e  consta  da  própria  escriptu- 
ra  de  emprazamento,  que  o  meu  illustrado 
informador  leu. 

Os  abbades  que  se  seguem  constam  d'uma 
nota  exarada  no  fim  do  livro  dos  Usos: 

Dr.  Gonçalo  da  Silva,  que  fez  a  capella  de 
S.  Gonçalo,  como  já  dissemos. 

Salvador  Lopes. 

Jeronymo  Lopes,  irmão  do  antecedente. 
Paulo  Lopes  da  Rocha. 
José  de  Moura  Coutinho,  natural  de  Lame- 
go, fallecido  a  12  de  fevereiro  de  1712.^ 


1  Era  homonymo  do  sr.  D  José  de  Moura 
Coutinho,  penúltimo  bispo  de  Lamego^  fal- 
lecido em  1861.  V.  Telho. 


Antonio  Felgueiras  de  Lima,  natural  de 
Vianna  do  Castello,  depois  cónego  preben- 
dado na  Sé  de  Braga  e  governador  do  arce- 
bispado no  tempo  de  D.  Rodrigo  de  Moura 
Telles.  Foi  abbade  3  annos. 

Verissimo  Ferreira  Marques,  natural  de 
Braga;  tomou  posse  a  8  de  dezembro  de 
1715  e  renunciou  era  1732. 

Ignacio  Unrqms  Ferreira^  irmão  do  ante" 
cedente.  Tomou  posse  a  3  de  maio  de  1732. 

José  Monteiro  Vaz. 

Antonio  Fernando  Pereira  Pinto  d' Aze- 
vedo. 

Antonio  'José  Monteiro,  renunciou  no  se- 
guinte: 

José  Peixoto  Monteiro,  fallecido  a  12  d'a- 
gosto  de  1818. 

Luiz  Vicente  de  Barros  e  Castro.  Tomou 
posse  em  dezembro  de  1818  e  morreu  em 
11  de  maio  de  1820.  Era  natural  de  Santa 
Maria  de  Passos,  concelho  de  Sabrosa,  e  foi 
desembargador  da  Relação  ecclesiaslica  de 
Braga. 

João  Evaristo  Dias  da  Costa,  foi  secreta- 
rio do  ex.»»  D.  Fr.  Miguel  da  Madre  Deus, 
arcebispo  de  Braga.  Renunciou  no  seguinte: 

Francisco  Joaquim  Cardoso,  natural  d'e8ta 
freguezia,  filho  de  José  Custodio  Cardoso  e 
D.  Anna  Maria  Nogueira  Camello.  Nasceu  a 
30  de  janeiro  de  1801;  foi  abbade  coadju- 
ctor  desde  1829  a  1830  e  n'este  anno  abba- 
de collado  pela  renuncia  do  anterior. 

Esteve  algum  tempo  ausente  do  beneficio 
na  occasião  do  scisma  bracharense,  sendo 
aqui  por  essa  epocha  encommendado  (in- 
truso) Bernardo  de  Menezes  Miranda  Maga- 
lhães. Entrando  de  novo  o  abbade  Cardo- 
so, aqui  se  conservou  até  á  morte,  1882, 
mas  não  trabalhava  desde  1870,  por  se  achar 
paralítico  e  quasi  cego. 

José  Pereira  de  Sousa,  parocho  encommen- 
dado, naiural  da  freguezia  de  Salvador  do 
Campo,  concelho  de  Barcellos,  filho  de  Ma- 
nuel Pereira  de  Sousa  e  Thereza  Pinheiro. 
Nasceu  a  6  de  novembro  de  1840;  ordenou- 
se  de  presbytero  a  22  de  dezembro  de  1866; 
foi  cerca  de  quatro  annos  capellão  da  no- 
bre casa  de  Sá,  na  visinha  freguezia  de  San- 
ta Eulália  de  Barrosas,  pertencente  á  dís- 
tincta  e  maviosa  poetisa  do  poético  debate 


VfZ 


VIZ  1955 


da  Rosa  branca  e  Rosa  vermelha  e  dos  Mur- 
múrios do  Vizella. 

Bento  José  da  Silva  Bravo,  natural  d'efila 
fregaezia,  fílho  de  âdIodío  Joaquim  da  Sil- 
va Bravo  e  D.  Joaquina  Peixoto.  Foi  paro- 
cho  eDcomaieD.dado  até  1885  e  actualmente 
é  abbade  de  S.  João  Baptista  de  Codeços, 
concelho  de  Paços  de  Ferreira. 

Francisco  Maciel  da  Costa,  actual  abbade. 
Foi  apresentado  em  3  de  fevereiro  de  1885, 
tomando  posse  em  1886.  Era  prior  de  San- 
ta Maria  de  Carvoeiro,  concelho  de  Vianna 
do  Castello. 

Westa  freguezia,  em  uma  elevação  pouco 
distante  da  egreja  parochial,  existe  uma  Ca- 
pella sob  a  invocação  de  Nossa  Senhora  da 
Tocha,  no  sitio  onde  outr'ora  esteve  uma 
povoação  pre-romana,  um  Castro,  como  in- 
dicam numerosos  vestígios  que  ainda  hoje 
ali  se  vêem. 

A  lenda  de  Santa  Capelliida,  imagem  que 
se  encontra  na  dita  capella,  advogada  das 
parturientes,  tanto  chrislãs  como  gentias  e 
mouras,  é  conservada  viva  entre  todos  os 
moradores  do  Castro.  Quando  estavam  em 
vésperas  d'alliviar-se,  as  mouras  apegavam- 
se  com  a  santa,  clamando;  Santa  Capelluda 
me  valha\  Santa  Capelluda  me  valhal  mas  li- 
vres do  susto,  punham -se  a  varrer  a  casa» 
gritando:  Capelluda  fora!  Capelluda  fóral 

Uma  moura  vive  encantada  na  capella  e 
tem  sido  vista  por  mais  d'uma  vez  sob  a  fi- 
gura d'uma  cobra  amarella,  —  diz  a  lenda. 

Uma  pedra  branca,  disputada  por  dois  la- 
vradores para  os  seus  trabalhos  de  gradar 
a  terra,  atirada  ao  Vizella  transformou  se 
n'uma  rapariga,  que  foi  salva  pelos  coiKen- 
dores.— Santa  gentef . . . 

A  Senhora  da  Tocha,  hoje  padroeira  da 
capella,  é  muito  venerada  pelos  povos  das 
paroehias  visinhas  e  mesmo  de  longas  dis- 
tancias. 

Grande  numero  de  clamores  iam  ali  anti> 
gamente  e  ainda  hoje  ali  vão  alguns  de  Fa- 
fe, Paços  de  Ferreira,  etc. 

Junto  à  egreja,  n'um  degrau  da  escada 
que  sobe  para  um  cômoro,  onde  se  vé  um 


cruzeiro  de  curiosa  esculptura,  representan5 
do  o  mysterio  da  Trindade  e  o  marlyrio  de 
S.  Sebastião,  ha  um  cutelo  em  relevo.  Se- 
gundo a  tradição  é  o  alfange  do  ultimo  rei 
mouro  4ue  governou  o  Castro,  ou  a  espada 
do  general  christão  que  expulsou  do  Cas- 
tro 03  mouros. 

Na  parede  da  capella  mór  acha-se  uma 
ínscripção  funerária  que  Hubner  copiou 
d'Argote  e  por  isso  incompleta  e  errada. 

É  ella,  segundo  o  ex."»  sr.  Martins  Sar- 
mento: 

D.  M.  s. 
PROVINCIVS 
NEBEVS.  P.  I. 
PROVINCIALI 
PROTIDI.  CO 
NIV61  KARISSI 
MAE.  AN.  XXVI 

Revista  de  Guimarães,  n.*  4,  de  1885. 


Ao  meu  illustrado  amigo  e  collega— João 
Gomes  d'01iveira  Guimarães,  abbade  de  Ta- 
gilde,  agradeço  os  apontamentos  que  se  di- 
gnou enviar-me. 

VIZELLA  (S.  Faustino),  freguezia  do  con- 
celho e  comarca  de  Guimarães,  districto  e 
diocese  de  Braga,  província  do  Minho,  per- 
tencendo até  de  1882  ao  arciprestado  de 
Barrosas  e  hoje  ao  de  Guimarães,  d'onde 
dista  7  kilometros  e  5  de  Vizella,  a  cujo  jul- 
gado ordinário  pertence. 

Era  abbadia  da  mitra,  tendo  annexa  a  vi- 
gairaria  de  S.  Cypriano  de  Taboadello,  cujo 
vigário  apresentava.! 

Tem  actualmente  80  fogos.  O  padre  Car- 
valho na  Qhorographia  dá-lhe  50.  O  Portu- 
gal sacro-profano  mencionou  a  sob  o  titulo 
Riba  de  Vizella  e  deu-lhe  16  fogos  em  1768- 
Não  vem  mencionada  hm  Memorias  resusci- 


1  V.  Cima-Wizelh,  tomo  2.»  pag.  300.  col. 
1,»— e  seja-nos  licito  desenvolver  um  pôueo 
mais  tão  microscópico  artigo. 


1956  VIZ 


VIZ 


tadas  da  Antiga  Guimarães,  do  P.  Torquato 
Peixoto  d'Azevedo,  sem  [duvida  por  esque- 
cimento, facto  que  também  se  dá  com  a  sua 
aonexa. 

O  orago  d'esta  freguezia  é  S.  Fautto  e  não 
Faustino.  Assim  é  nomeada  em  antigos  do- 
cumentos e  nas  ioquirições  de  1220,  era  de 
Cesar.  Não  sabemos  quando  lhe  alteraram 
o  padroeiro.  No  tomlío  feito  em  1548  é  ain- 
da nomeado  S.  Fausto  e  em  1710  já  era  S. 
Faustino.  Esta  mudança  nos  documentos  of- 
ficiaes  e  no  vulgo  não  fez  porem  apear  do 
seu  throno  o  verdadeiro  titular  da  egreja, 
pois  a  freguezia  o  venera  a  13  d'outubro  e 
d'elle  resam  os  paroehos  e  n'este  dia  effe- 
etivamente  no  Breviário  hespanhol  se  deve 
encontrar,  segundo  uma  nota  no  Livro  dos 
Usos  d'e8la  parochia.  Se  fôra  S.  Faustino,  de- 
via ser  festejado  a  15  de  fevereiro,  dia  em 
que  o  commemora  o  Breviário  Romano. 

Seu  nome  é  citado  no  voluaie  8.»,  pag. 
620;  foi  um  dos  nobres  cavalleiros  mariy- 
risados  em  Saragoça  com  Santa  Engrácia. 


É  limitada  a  norte  pelas  freguezias  de 
Pentieiros  e  Abbação  (S.  Christovam);  Sul 
pela  de  Tagilde;  Nascente  pelas  de  S.  Paio 
e  Tagilde;  Poente  pelas  de  Tagilde  e  Taboa- 
dello. 

Das  aldeias  d'esta  freguezia  as  mais  po- 
voadas são:  Valborreiro  e  Outeiro  ;  —  as 
quintas  principaes:  Lamalide;  Enlre  as  Vi- 
nhas, de  José  Ribeiro:  Vengada,  de  Fran- 
cisco Diogo  de  Sousa  Cyrne  de  Madureira, 
do  Poço  das  Patas,  no  Porto. 

A  Egreja  matriz  antigamente  estava  uifi 
pouco  mais  abaixo  e  a  nascente  da  actual. 
E'  um  templo  acanhado,  cuja  construc- 
ção  deve  datar  do  século  xvii  e,nada  tem 
que  a  recommende,  alem  do  altar  mór  e 
da  tribuna,  que  são  de  talhí,  mas  pouco 
vasada,  e  que  talvez  já  pertencesse  á  antiga 
egreja.  Alem  do  altar-mór  tem  mais  dois  al- 
tares: Nossa  Senhora  das  Dores  e  Nossa  Se- 
nhora das  Candeias  ou  da  Purificação.  Este 
ultimo  tem  uma  irmandade  própria  já  anti- 
ga; é  a  única  da  freguezia;  tendo  estatutos 
approvados  em  1771.  Estes  2  altares  lateraes 


foram  feitos  em  1806— e  pintados  em  1867. 

Anteriormente  serviam  os  da  egreja  ve- 
lha. 

Houve  também  n'esla  freguezia  3  capei- 
las: 

Sanfo  Antonio,  particular. e  antiga,  per- 
tencente à  casa  de  Sub  paço.  Ainda  existe, 
mas  profanada.  Tinha  uma  grande  ima- 
gem de  Nossa  Senhora  da  Hora. 

S.  Pedro,  publica.  Os  seus  únicos  vestígios 
são  algumas  pedras  dispersas. 

S.  Simão,  publica,  nos  limites  d'esta  fre- 
guezia com  Pentieiros,  cujos  abbades  tinham 
n'ella  jurisdieção.  ílm  1548,  quando  se  fez 
o  tombo,  já  ella  estava  em  ruinas. 


A  «Chorographia  Portugueza»dlz  quen'e8- 
ta  parochia  estava  o  Paço  de  Carvalhaes,  de 
que  era  senhor  Manuel  Barbosa  Cabral,  ca- 
pitão-mór  de  Gestaçô;  que  era  o  solar  d'es- 
ta  família  e  que  tinha  por  armas:  escudo 
vermelho  partido  em  pala,  no.  primeiro  sem 
carvalho  verde,  no  segundo  uma  torre  de 
prata  sobre  um  pé  d'agua  e  por  timbre  a 
torre  com  um  ramo  de  carvalho  em  cima. 

Parece  que  o  padre  Carvalho  foi  mal  infor- 
mado. No  tempo  em  que  elle  escreveu  não 
existia  aqui  tal  paço.  Quer  sem  duvida  re- 
ferir -se  a  casa  do  Subpaço^  assim  chamada 
antes  d'aquelle  tempo,  mas  d'esta  não  era 
senhor  n'aquella  occasião  o  referido  capitão 
mór.  Dos  Jivros  da  parochia  consta  o  se- 
guinte: 

Pelos  annos  de  1700  era  senhora  d'esta 
casa  e  quinta  Maria  Fernandes  de  Carvalho, 
casaca  com  Manuel  de  Meirelles  Leite,  os 
quaes  não  tendo  filhos  a  deixaram  a  seu  so- 
brinho o  licenciado  João  «Luiz  Alvares  Ri- 
beiro de  Carvalho,  filho  do  irmão  da  possui- 
dora, Manuel  Fernandes  de  Carvalho,  resi- 
dente em  Galão,  próximo  d'Amarante,  o  qual 
licenciado  veiu  viver  para  esta  casa;  d'elle 
foi  filha,  nascida  a  27  de  setembro  de  1768» 
Maria  Joanna  de  Carvalho,  que  foi  a  senho- 
ra da  casa,  e  d'esta  nasceu  a  31  d'agosto  de 
1808  José  Maria  de  Freitas,  fallecido  em 
1888,  deixando  filhos. 

Esta  casa  nobre  tinha  capella  com  a  io- 


VIZ 


VIZ  1957 


vocação  de  Santo  Antonio,  como  já  disse- 
mos, devendo  a  capella  ser  construida  pelo 
meiado  do  secalo  xviii  ou  antes,  pois  em 
176S  foi  invocada  Nossa  Senliora  da  Hora, 
como  madrinha  da  já  referida  filha  do  li- 
cenciado, e  no  respectivo  assento  se  diz:  foi 
madrinha  Nossa  Senhora  da  Hora,  sita  na 
sua  capella  de  Subpaço.  Também  foi  madri- 
nha do  actual  possuidor  que,  apesar  d'i3so, 
deixou  cabir  no  abandono  a  capella! . . . 


Passa  aqui  um  pequeno  riacho  anonymo, 
que  move  durante  algum  tempo  do  anoo  6 
moinhos. 

Os  parochianos  mais  importantes  na  actua- 
lidade são:  Francisco  Lopes  Leite  de  Faria 
e  Antonio  Lopes  Leite  de  Faria. 

A  matriz  está  collocada  n'uma  belia  si- 
tuação, especialmente  a  casa  da  residência. 
Tem  amplas  e  formosas  vistas. 

Era  também  outr'ora  bastante  rendoso 
este  beneficio,  pelo  que  durante  muitos  an- 
no8  foi  como  que  património  da  nobre  fa- 
mília dos  Coutos,  de  Guimarães,  como  se  ve- 
rá pela  nota  dos  seus  abbades,  que  abaixo 
publicamos  e  de  que  podemos  achar  noticia 
no  arehivo  parochial. 

Vinham  aqui  a  geito  as  expressões  e  cla- 
mores, tantas  vezes  soltados  pelo  virtuoso  e 
sábio  D.  Fr.  Caetano  Brandão,  mas. . .  pro- 
sigamos. 

Abbades 

Em  1548  era  aqui  abbade  o  venerável 
Christovão  Fernandes,  rico  de  virtudes  e  de 
sciencia.  Fez  o  tombo  d'estaegreja,  bem  co- 
mo da  de  S.  Cypriano  de  Taboadello,  sua 
annexa. 

Desde  1700  contam-se  os  seguintes: 

José  de  Moura.  Deu  á  egreja  um  cruxifixo 
de  marfim,  feito  na  índia.  Está  boja  na  ban- 
queta do  altar- mór. 

Amaro  José  de  Passos  Leite.  Fez  parte  da 
celebre  Academia  Vimaranense  fundada  a  3 
de  dezembro  de  1724,  e  n'ella  exerceu  o 
cargo  de  secretario. 

Diversas  composições  poéticas  d'este  eru- 
dito abbade  se  encontram  nos  dois  tomos  do 


Guimarães  agradecido,  que  narra  os  feste 
jos  e  academias  celebradas  em  1747  e  48 
por  occasião  da  permanência  do  arcebispo 
D.  José  de  Bragança  «m  Guimarães,  sendo 
de  presumir  que  deixasse  outras  composi- 
ções. 

Aquellas  são  differentes  romances  herói' 
cos,  glosas  e  sonetos  em  homenagem  ao  ar- 
cebispo. 

João  do  Couto  Ribeiro.  O  primeiro  d'esta 
familia. 

Antonio  do  Couto  Ribeiro  d'Abreu. 

Dr.  Amaro  do  Couto  Ribeiro. 

José  Maria  do  Couto  Ribeiro  d' Abreu.  Este 
no  tempo  do  schisma  esteve  auzente,  paro- 
chiando  então  como  encommendados  (inte- 
rinos) Manoel  José  Esteves  da  Gaia  Queiroi 
e  Francisco  José  Rodrigues  de  Carvalho, 
até  1841,  data  em  que  voltou  o  abbade. 

Joaquim  de  Freitas  Costa,  encommendado. 

Bacharel  Prophirio  Coelho  de  Sousa  Leal- 
Encommendado. 

João  da  Rocha  e  Silva,  ultime  encommen- 
dado. 

Bernardino  José  Carneiro,  abbade  actual. 
Colou-se  em  26  da  maio  do  corrente  anno 
de  1888  e  tomou  posse  a  31  do  dito  mez. 


Ha  n'esta  parochia  um  sitio  denominado 
Souto  dos  Mortos,  que  foi  ontr'ora  cemitério, 
segundo  diz  a  tradição. 

Ao  meu  illustrado  amigo  e  eollega— João 
Gomes  d'Oliveira  Guimarães,*  abbade  de  Ta- 
gilde,  agradeço  os  apontamentos  que  se  di- 
gnou enviar-rae. 

VIZELLA  (S.  João  Baptista  das  Caldas  de) 
Ao  que  fica  dito  a  paginas  42  do  tomo  2.* 
addicionaremos  o  seguinte: 

Esta  egreja  foi  até  1553  abbadia  da  apre- 
sentação do  D.  Prior  da  Collegiada  de  Gui- 
marães, pasi^aodo  então  para  a  coroa  pela 
doação  que  fez  o  D.  Prior,  D.  Gomes  Affon- 


1  V.  Vicente  de  Mascotellos  (S.)  tomo  10.» 
pag.  556,  col.  !.•  e  2.«  e  Tagilde  n'este  dic- 
cíonario  e  no  supplemento. 


Í958  m 


VIZ 


80,  á  iofaota  D.  Isabel,  em  recoDheeimeDto 
dos  bons  serviços,  que  esta  lhe  bavia 
prestado^  especialmeote  para  a  nomeação 
d'elle. 

Chamava-se  outr'ora  5.  João  de  Gominhães, 
nome  sem  duvida  tomado  da  nobre  casa  e 
Paço  de  Gominhães,  silo  n'esta  freguezia.  A 
Corographia  Port.  deu  lhe  70  fogos  e  o  Porl. 
Sacro  e  Profano  101. 

É  limitada  a  norte  pela  freguezia  de  S 
Mguel  das  Caldas  de  Vizella;  sul  pela  de 
Santa  Eulália  de  Barrosas;  nascente  pela  de 
Santo  Adrião  de  Vizella  e  S.  Miguel:  poente 
pelas  de  Villarinho  e  Moreira  de  Çonegos. 
Tem  actualmente  230  fogos  e  980  habitan- 
tes. 


A  egreja  parochial,  templo  muito  peque- 
no para  a  freguezia,  é  sobretudo  acanhadís- 
simo na  época  balnear,  pelo  que  se  torna 
urgente  a  construcção  d'outro  mais  amplo. 
Tem  quatro  altares:  mór,  Senhora  do  Rosa- 
rio, Senhora  das  Dores  e  Coração  de  Maria. 
Ha  aqui  uma  irmandade  de  Nossa  Senhora 
do  Bosano  com  breve  de  indulgência  plená- 
ria, concedido  por  Pio  IX  e  visado  pelo  ar- 
cebispo D.  João  Chrisostomo  d'Amorim  Pes- 
soa em  16  de  dezembro  de  1875.  Ha  tam- 
bém a  confraria  do  Santíssimo  Sacramento, 
cuja  festa  se  celebra  com  bastante  pompa 
no  domingo  immediato  ao  dia  de  S.  João. 
Os  estatutos  do  Rosario  foram  approvados 
em  21  de  fevereiro  de  1735  e  os  do  Sacra- 
mento em  13  de  agosto  do  mesmo  anno. 

Além  da  capella  do  Paço,  houve  antiga- 
mente junto  á  ponte  velha  uma  outra,  dedi- 
cada a  Nossa  Senhora  da  Lapa,  hoje  profa- 
nada e  servindo  de  casa  de  habitação. 

Os  tres  proprietários  mais  importantes 
d'esta  freguezia  são  os  seguintes: 

Joaquim  de  Freitas  Ribeiro  de  Faria,  viu- 
va Coelho  e  Joaquim  Pinto  de  Sousa  e  Cas- 
tro. As  tres  melhores  quintas :  Cascalhei 
ra,  dos  herdeiros  do  falleeido  Chrislovam 
José  Fernandes  da  Silva,  o  Cidade,  de  Gui- 
marães; Paço,  de  Francisco  Diogo  de  Sousa 
Cyrne  de  Madureira,  do  Porto;  Villar,  de  D. 
Albina  Nelto. 


Demora  n'esta  freguezia  a  nobre  casa  do 
Paço  de  Gominhães,  a  qual  antigamente  foi 
honra,  coutada  com  parle  do  rio  Vizella,  por 
D.  João  I  e  conãrmada  por  D.  Duarte  em  27 
d'agosto  de  1434. 

A  um  Francisco  Soares  d 'Aragão  conce- 
deu D.  Diniz  para  elle  e  descendentes,  em  2 
de  setembro  de  1317  (1279  de  Christo)  o  fo- 
ro de  fidalgo  de  solar  conhecido,  com  todas 
as  honras  e  jurisdicções  d'e8les  reinos,  gra- 
ça?, liberdades,  privilégios,  isenções  e  pre- 
rogativas,  que  os  príncipes  e  infantes  costu- 
mam gosar.  E  ainda  que  elle  ou  algum  dos 
seus  descendentes  praticasse  crime  ou  vicio 
de  qualquer  qualidade  que  fosse,  não  per- 
deria por  isso  sua  nobresa,  nem  fidalguia, 
nem  beos?l. . . 

Esta  carta  de  honra  foi  confirmada  por 
D.  João  111  em  2  de  março  de  1534  a  um 
descendente  d'aquelle,  por  nome  também 
Francisco  Soares,  que  era  almoxarife  do 
Porto  e  que  foi  senhor  d'esta  quinta. 

Téve  uma  filha  única  e  herdeira  D.  Phil- 
lipa  Brandão  Soares,  que  casou  com  Manuel 
Cirne  da  Silva,  de  quem  foi  2.»  mulher. 

Succedeu  na  casa  de  Gominhães  o  filho 
d'esles— Pfdro  Vaz  Soares  Ciiite,  que  casou 
com  D.  Maria  Pereira. 

A  estes  succedeu  o  filho  Manoel  Cirne 
Soares,  que  casou  com  D.  Antónia  de  Sousa. 

A  estes  succedeu  o  filho  Pedro  Vaz  Cirne 
de  Sousa,  que  vivia  em  1640  e  foi  capitão- 
mór  de  Guimarães,  como  já  dissemos  no  ar- 
tigo Vizella  (Caldas  de)  tópico  Vizellenses 
illustres. 

.  Casou  com  D.  Antónia  Madureira;  de-  . 
pois  de. viuvo  íez-se  cavalleiro  de  S.  João  e 
foi  o  que  mandou  fazer  a  capella  da  casa. 

A  este  succedeu  o  úlho  Antonio  de  Sousa 
Cirne,  que  casou  com  D.  Maria  d'Azevedo. 
Vivia  em  1683,  pois  n'este  anno,  segundo 
um  manuscripto  que  examinei  o  que  me  pa- 
rece ser  da  mesma  penna  que  escreveu  a 
Antiga  Guimarães,  foi  enviada  contra  este  e 
contra  seu  filho  um  alçada  dobrada,  presi- 
dida pelo  juiz  Sebastião  Rodrigues  de  Bar- 
ros, desembargador  dos  aggravos  e  verea- 
dor do  senado  de  Lisboa,  por  constar  que 


VIZ 


VIZ  1959 


elles  mandaram  cortar  as  orelhas  e  o  nariz 
ao  juiz  do  couto  de  Negrellosfl . . . 

  este  succederam  por  sua  ordem  os  se- 
guintes: 

-  Francisco  de  Sousa  Cirnej  casado  com  D. 
Rosa  Maria  Madureira. 

Francisco  Diogo  de  Sousa  Cirne  Madureira, 
casado.com  D.  Antónia  de  Sousa. 

José  Cirne  de  Sousa  Madureira,  casado 
com  D.  Maria  Victoria  de  Mello  Sampaio. 

Francisco  de  Sousa  Cirne  de  Mello  Alcofo- 
rado, casado  com  D.  Rita  Soares  d'Alberga- 
ria. 

Francisco  Diogo  de  Sousa  Cirne  Madureira 
Alcoforado. 

Casou  com  D.  Maria  Isabel  de  Rourbon  e 
tiveram  os  3  filhos  seguintes: 

Francisco  de  Sousa  Cirne  de  Madu- 
neira.  Casou  com  D.  Maria  Anna  Teixeira 
d'Azevedo  Cabral  Canavarro,  e  tiveram  fl- 
Ihosj  dos  quaes  existem  tres:— Antonio  d'A- 
zevedo  Cabral  de  Sousa  Cirne,  Maria  Isabel 
do  Espirito  Santo  dd  Sousa  Cirne  e  José  de 
Sousa  Cirne; 

2.  '— José  Cirne  de  Sousa  Madureira; 

3.  °— D.  Maria  da  Purificação  de  Sousa  Cir- 
ne Madureira,  já  faliecida. 

Casou  com  o  dr.  Manoel  de  Carvalho  Re- 
bello,  filho  primogénito  da  nobilíssima  casa 
do  Poço,  de  Lamego,  de  cujo  matrimonio 
houveram  3  filhos:  —  Maria  dos  Prazeres, 
Antonio  e  Francisco  de  Carvalho  Rebeilo 
Teixeira  Cirne,  sendo  aquella  hoje  (1888) 
casada  com  João  de  Rettencourt,  filho  do 
visconde  de  Rettencourt,  de  cujo  casamento 
já  existe  uma  filha— D.  Maria  dos  Prazeres. 


A  casa  do  Poço  das  Patas  pertenceu  aos 
filhos  de  Francisco  de  Sousa  Cirne  de  Madu- 
reira, os  quaes  a  venderam  aos  Cardosoa» 
donos  do  convento  de  Villar  de  Frades  em 
Rarcellos. 

A  casa  e  quinta  do  Poço  das  Patas,  com- 
prebendando  os  campos  do  Rey  mão  e  os  do 
Prado  do  Repouso,  pertenceram  aos  filhos 
de  Francisco  de  Sousa  Cirne  de  Madurei  • 
ra,  os  quaes  em  1882  venderam  este  sober* 
bo  prédio  por  noventa  e  cinco  contos  de  reis 


I  aos  Cardosos  de  Sacaes,  donos  do  convento 
6  cerca  de  Villar  de  Frades,  em  Rarcellos, 
e  da  luxuosa  casa  e  quinta  de  Sacaes,  no 
Porto,  junto  da  casa  e  quinta  do  Poço  das 
Patas,— e  pouco  depois  se  formou  um  syn- 
dicato  para  a  construeção  d'um  bairro  novo 
na  quinta  que  foi  dos  Cirnes,  bairro  que 
está  em  começo. 
V.  Porto,  tomo  7.»  pag.  300,  col.  1.» 


Na  casa  e  paço  de  Gominhães  viveram  em 
1559,  desde  18  de  junho  a  fevereiro  do  auDO 
seguinte,  as  freiras  de  Santa  Clara  de  Gui- 
marães, fugindo  da  peste  que  então  ali  gras- 
sou. Fernão  Manias  de  Sousa  foi  o  que  con- 
seguiu que  se  desse  esta  quinta  ás  religiosas. 

A  Capella  d'e9ta  casa,  de  que  já  se  falioa 
no  2.»  voi.  d'e9te  diceionario,  pag.  42,  col. 
2'»,  artigo  Caldas  de  Vizella,—eslàL  em  aban- 
dono, mais  ainda  não  profanada.  Tem  na 
fronteria  as  armas  da  casa  e  a  seguinte  ins- 
eri pção; 

Esta  Capella  mãdou 
fazer  P.  Vaz  Cirne  de  Sousa 

No  meio  do  pavimento  encontra-se  tam- 
bém gravada  a  seguinte  inseripção,  bastante 
difficil  de  ler: 

O  Doutor  Simão  d  ar."  de  Carneyro  da 
V.*  de  B."'  deu  o  t."  a  esta  capela  e  agra- 
desido  a  esta  casa  mandou  sepultar  seus 
hosos  nela  e  quoatro  misas  cada  som.* 
obriga  dizer  a  S.  Marg.*  Cam.'*  Basto  ditas 
nesta  cap.'  anno  1664. 


N'esta  parochia  foram  abbades,  entre  ou- 
tros de  que  não  pude  achar  noticia,  os  se- 
guintes: 

D.  Theoíonio  de  Bragança,  filho  do  duque 
D.  Jayme,  que  em  1578  foi  elevado  a  arce- 
bispo d'Evora. 

Antonio  da  Fonseca.  Legou  200:000  réis 
á  junta  de  parochia  (hoje)  com  a  obrigação 
de  por  sua  alma  se  celebrar  annualmente  1 


1960  VIZ 


VIZ 


terno  de  missas  do  Natal  e  uma  outra  na 
egreja  de  S.  Domingos,  de  Guimarães. 

Luiz  Antonio  de  Sousa,  encommendado 
em  1797. 

Antonio  Manuel  Pinheiro  de  Magalhães, 
Francisco  d' Araujo. 

Domingos  José  Lopes.  Encommendado  no 
tempo  do  schisma,  acabado  o  qual  voltou  no* 
vãmente  o  abbade  Francisco  d'Araujo 

Antonio  José  Felix  Gomes,  parocho  actual. 

Nasceu  na  freguezia  de  S.  Martinho  d'E8- 
pinho,  concelho  e  diocese  de  Braga,  e  é  Olho 
de  Francisco  José  Esteves  e  de  D.  Antónia 
Maria  Gomes-  Nasceua  10  de  janeiro  de  1829; 
ordenou-se  de  presbyiero  em  Braga  e  to- 
mou posse  d'estã  egreja  a  9  de  setembro  de 
1855. 

Esta  freguezia  era  obrigada  a  cumprir  8 
clamores,  que  hoje  se  fazem  todos  na  egreja. 

Espera-se  o  decreto  auctorisando a  expro- 
priação do  terreno  para  a  construcçao  do 
cemitério,  que  deverá  ser  commum  à  fre- 
guezia de  S.  Miguel  das  Caldas,  se  se  resol- 
verem as  difficuldades  que  tem  surgido. 


Ao  muito  rev.  e  muito  ilíustrado  sr.  João 
Gomes  d'Oliveira  Guimarães,  meu  prestimo- 
so amigo  e  collega,  abbade  de  Tágilde  e  que 
anteriormente  foi  reitor  de  Mascotellos,  agra- 
deço os  apontamentos  que  se  dignou  en- 
viar-me. 

V.  Mascotellos,  tomo  5.»;  Vicente  de  MaS' 
cotellos  (S.)tomo  IO.»  pag.  556,  col.  1.»  e  2.* 
e  Tagilde  n'e8te  diccionario  e  no  supple- 
mento. 

VIZELLA  (S.  Jorge)  —  freguezia  do  con- 
celho e  comarca  de  Felgueiras,  districto  e 
diocese  do  Porto,  província  do  Douro.  Tem 
actualmente  64  fogos.  O  Portugal  sacro  e 
profano  deu-lheõO,— -e  o  censo  de  1878  deu- 
lhe  6o  fogos  e  240  habitantes. 

Era  outr'ora  apresentada  pelos  abbades 
de  Santo  Adrião  de  Vizella,  que  recebiam 
os  dízimos. 

Pertenceu  ao  antigo  termo  de  Guimarães 
e  ao  arcebispado  de  Braga  até  1882. 

Esta  freguezia  encontra-se  mencionada 


I  nas  Inquirições  de  1220  (1182  de  Gh.).  sob 
o  nome  de  S.  Jurgio  de  Ripa-  Vixella. 

Tem  entre  outras  as  seguintes  aldéas: 
Cruzeiro,  Bom-viver,  Gozende  (a  mais  po- 
voada), Paredes,  Nogueira,  Sub-Vinha,  Her- 
dadinha.  Casas  Novas,  Cella,  Anções^  Pre- 
zas e  Assento. 

A  Egreja  tem  3  altares  e  um  antigo 
quadro  a  oleo,  representando  o  padroeiro, 
—quadro  de  muito  merecimento. 

Houve  n'esta  freguezia  uma  capella  de- 
dicada a  S.  Thiago,  hoje  completameníe 
arruinada. 

O  Vizella  banha  a  extremidaJe  d'esta 
freguezia  e  ha  no  seu  termo  5  moinhos  e 
duas  azenhas  para  moagem  de  cereaes. 

Parochos  desde  os  princípios  d'este  sé- 
culo: Antonio  Luiz  de  Carvalho,  Antonio 
da  Costa  Mello,  Joaquim  José  Dias,  Domin- 
gos José  Ribeiro,  Manoel  Gonçalves  de  Cam- 
pos, encommendado,  e  João  Manoel  Gon- 
çalves até  maio  de  1888,  sendo  então  an- 
nexa  ecciesiasticamente  a  de  S.  Martinho 
de  Penacova. 


A  lenda  de  S.  Jorge,  matando  o  dragão  pa- 
ra salvar  a  menina,  é  localisada  n'esta  fre- 
guezia. tS.  Jorge  (dizia  o  meu  cicerone),  vi- 
nha d'ali  (apontando  o  cammho  que  vem 
do  lado  do  monte  e  por  onde  devem  cor- 
rer no  inverno  formidáveis  enxurradas);  a 
menina  estava  acolá  (apontava  para  o  pe- 
nedo das  pégãdas).  S.  Jorge  viu  a  menina  a 
chorar  e  perguntou-lhe  o  que  tinha.  Ella 
respondeu-lhe  que  não  tardaria  a  ser  comi- 
da por  uma  serpente.  S.  Jorge  disse-lhe  que 
não  tivesse  cuidado;  que  viesse  para  a  sua 
beira;  a  menina  veiu  e  depois  veiu  a  ser- 
pente d'alli  (mostrando  um  regueirão  do  la- 
do do  monte),  e  S.  Jorge  atirou-se  a  ella 
com  o  Cavallo  e  matou-a  n'aquella  pedra  (o 
penedo  das  pégadas.» 

No  adro  da  egreja,  ao  pé  d'alguma8  tam- 
pas de  sepulturas  antigas,  appareceu  uma  das 
celebres  estatuas,  que  alguns  chamam ^a^/f- 
gas  e  outros /ustíanas,  segundo  o  auctorisa- 
do  testemunho  do  sr.  dr.  Martins  Sarmento. 
Remontam  ao  período  romano.  A  dita  esta- 


m 

tua  acha-se  hoje  no  Museu  da  Sociedade 
Martins  Sarmento,  de  Guimarães. 

Veja  se  «Revista  de  Guimarães»  n.»  4, do 
auno  de  1884. 

É  pois  terra  muito  antiga. 

Deve  ser  atravessada  pela  estrada  a  mac- 
dam,  que  parte  da  estrada  real  n.»  27  para 
Vizella  e  cuja  construcção  já  foi  arrema- 
tada. 


Ao  rev.  sr.  João  Gomes  d'01iveira  Guima- 
rães, abbade  de  Tagilde,  e  que  anteriormen- 
^  foi  reitor  de  Mascotellos,  agradeço  os 
apontamentos  que  se  dignou  enviar  me. 

V.  Mascotellos,  tomo  5.";  Vicente  de  Masco-  | 
tellos  (S.)  tomo  10.»pag.556,  col.  1.»  e  2.»— e  i 
Tagilde  n'este  diccionario  e  no  snpplemento. 

VIZELLA  (S.  Miguel  das  Caldas  de)— Ao 
que  fiea  dito  no  volume  2.°  pag.  41  art.  Cal- 
das de  Vizella,  a ccrescen taremos  o  seguinte: 

Esta  abbadia  foi  antigamente  apresenta- 
da pela  eorôa  e  depois  pelo  prior  de  Santa 
Marinha  de  Lisboa,  com  reserva.  Segundo  o 
P.  Torquato  Peixolo  d'Azevedo,  que  escre- 
veu em  1692,  era  abbadia  de  renuncia  e  em 
1757,  segundo  se  lé  no  Portugal  Sacro  e 
Profano,  era  apresentada  pelo  arcebispo  de 
Braga. 

Orago  S.  Miguel  Arehanjo,  a  29  de  setem- 
bro. É  limitada  a  norte  pelas  freguezias  de 
Inhas  e  Taboadello;  a  sul  pelas  de  S.  João 
das  Caldas  de  Vizella  e  Sanio  Adrião  de  Vi- 
zella; nascente  pela  de  Tagilde,^  poente  pelas 
de  Conde  e  Moreira  de  Cónegos.  A  Chorogra- 
phia  Port.  deu-lhe  115  fogos,  o  Portugal 
Sacro  e  Profano,  168;  actualmente  tem  120 


1  N'esta  parochia  de  Tagilde  è  actualmen- 
te abbade  o  meu  informador  e  muito  illus- 
trado  collega,  João  Gomes  de  Oliveira  Gui- 
marães, natural  da  freguezia  de  S.  Vicente 
de  Mascotellos,  onde  foi  alguns  annos  rei- 
tor. 

V.  Mascotellos,  tomo  5";  Vicente  de  Mas- 
cotellos (S.)  tomo  10.°  pag.  556,  col.  1.»  e2.» 
— e  Tagilde  n'este  diccionario  e  no  supple- 
mento. 

Aqui  agradeço  a  9.  ex,'  os  apontamentos 
que  se  dignou  euviar-me. 


VIZ  i961 

e  é  a  séde  d'um  dos  julgados  ordinários  em 
que  está  dividida  a  comarca  de  Guimarães. 

É  uma  das  mais  antigas  parochias  do  ar- 
cebispado  de  Braga,  pois  na  divisão  feita 
pelo  concilio  de  Lugo,  anno  de  569,  no 
tempo  dos  suevos,  é  esta  uma  das  freguezias 
que  se  menciona  como  da  jurisdicção  de 
Braga.  Assim  o  attesta  Argote,  que  nos  diz 
ser  esta  parochia  chamada  Oculis,  era  rasão 
d'un8  olhos  d'âgua  quente  que  n'ella  havia. 

Na  era  de  1052  (annos  de  Christo  1014) 
D.  Aflonso  V  de  Leão,  a  14  d'agosto,  assi- 
gnou  n'estã  parochia  varias  doações,  datan- 
do-as  assim:  —  in  ecclesia  Sancti  Michae' 
lis  in  Oculis  Calidarum  


A  Egreja  parochial  tem  5  altares:  mór, 
Senhora  das  Candeias  ou  Purificação,  Se- 
nhora da  Boa  Morte,  Almas  e  Senhora  do 
Rosario.  A  capella-mór  foi  reformada  no 
auno  de  1727,  como  indica  a  àsLl&.=^A  1727 
=gravada  n'uma  pedra  do  lado  exterior.  O 
corpo  da  egreja  soiTreu  também  reforma  em 
1765,  como  indica  a  data  gravada  na  padieí- 
ra  da  porta  principal.  Ultimamente  em  1882 
foi  toda  a  egreja  forrada,  sendo  lhe  também 
accrescentada  a  altura  de  1  metro. 

Han'esta  freguezia  uma  capella  publica 
de  S.  Bento  no  alto  do  monte  do  mesmo  no- 
me, a  nascente  e  montante  da  egreja,  com 
um  soberbo  e  largo  panorama. 

Esta  Capella  é  meeira  com  Tagilde  e  cele- 
bram-se  aqui  duas  romarias:  uma  no  dia  da 
Pascboa,  dutra  a  11  de  julho  chamada  S. 
Bento  das  Peras.^ 


Banha  esta  freguezia  o  rio  de  Paços  (ô 
não  Pomheiro,  como  se  lê  no  2."  volume  ci- 
tado supra)  que  nasce  na  quinta  d'este  no- 


í  Com  o  mesmo  titulo  de  S.  Bento  das  Pe- 
ras ha  também  no  mesmo  dia  uma  grande 
romagem  na  freguezia  de  Rio  Tinto,  conce- 
lho de  Gondomar. 


i962  VIZ 


VIZ 


me  na  vísinha  parocbia  de  Infias.  Também 
n*esta  freguezia  oasce  nos  campos  da  quin- 
ta da  Portella  o  pequeno  riacho  d'este  no- 
me e  que  atravessa  encanado  a  povoação  de 
Vizella,  indo  morrer  no  de  Paços,  que  por 
seu  turno  "morre  no  Vizella. 

As  tres  quintas  mais  importantes  d'esta 
freguezia,  são:  Fonte  d'Alem,  de  José  Maria 
da  Costa  Dias;  Portella,  de  Domingos  José 
de  Sousa  Ribeiro;  Porta,  de  D.  Alcina  Netto. 

Abbades 

Encontramos  noticia  dos  segaiotes; 

João  Gonçalves,  abbade  em  1405  e  cóne- 
go da  collegiada  de  Guimarães,  como  refere 
Estaço  nas  suas  Antiguidades. 

Desde  1760: 

Manoel  Marques.  Foi  aqui  parocho  mais 
de  40  annos,  sendo  n'aqqelle  anno  Visitador 
das  egrejas  da  Visita  da  parte  de  Sousa  e 
Teixeira. 

Mguel  Joaquim  de  Sá  Brandão  Moreira^ 
da  nobre  casa  de  Sá,  freguezia  de  Santa  Eu- 
lália de  Barrosas. 

D.  Manoel  da  Mãe  de  Deus,  egresso  cru- 
zio,  encommendado  no  tempo  do  schisma, 
findo  o  qual  voltou  de  novo  o  antecedente. 
Exerceu  o  cargo  d'arcipreste  de  Guimarães 
desde  li  de  agosto  de  1837  a  12  de  novem- 
bro de  39, 

•Francisco  José  da  Cunha.  Em  1853  per- 
mutou com  o  seguinte: 

João  Evangelista  da  Costa  Veiga,  actual 
abbade,  natural  da  freguezia  deS.  Victor  da 
cidade  de  Braga,  filho  do  capitão  de  milicias 
Antonio  José  da  Costa  Veiga  e  de  D.  Maria 
Xavier  da  Veiga.  Nasceu  a  15  de  setembro 
de  1823;  ordenou-se  em  Lamego  com  dimis- 
sorias  de  D.  Pedro  Paulo  nas  têmporas  do 
Natal  de  1849;  foi  abbade  de  Forraariz,  no 
concelho  de  Coura,  e  em  1863  permutou  com 
o  antecedente  abbade,  tomando  possé  n'e8se 
mesmo  anno. 


Ha  n'esta  egreja  14  clamores,  sendo  digno 
de  especial  menção  o  de  Nossa  Senhora  das 
Candêas,  celebrado  sempre  com  grande  pom- 


pa, musica,  andor  da  Senhora,  irmandades 
etc,  no  primeiro  domingo  de  julho,  indo  á 
egreja  parochial  de  Tagilde, 

Notaremos  aqui  um  facto  muito  curioso  e 
que  nos  dà  a  conhecer  a  fid  execução  das 
nossas  leis: 

E'  presidente  actual  da  junta  de  parochia 
d'esta  freguezia  um  individuo  que  ha  mais 
de  dois  annos  reside  na  freguezia  de  S. 
João?I . , . 

Parece  que  está  eliminado  o  ariigo  268'do 
Código  Administrativo— ou  que  volvemos  á 
idade  media. 

Segundo  resa  a  tradição,  a  antiga  egreja 
parochial  era  situada  em  lugar  mais  eleva- 
do do  que  a  actual,  no  Monte  da  Barrosa  ou 
dos  Santinhos. 

Existe  aqui  erecta  a  confraria  do  Santís- 
simo Sacramento,  cujos  estatutos  foram  re- 
formados em  1870,  sendo  n'es8e  mesmo  an- 
no approvados  pelo  governador  civil. 

Ha  também  aqui  a  irmandade  de  Nossa 
Senhora  das  Candêas  muito  florescente,  ele- 
vando-se  o  capital  a  mais  de  4.000^000 
réis.  Tem  estatutos  approvados  pelo  prove- 
dor da  comarca  a  12  de  maio  de  1755. 

Modernamente  instituída,  existe  a  irman- 
dade do  Senhor  da  Boa  Morte,  tendo  esta- 
tutos approvados  em  30  de  abril  de  1880. 


A  torre  d'esta  egreja  foi  construída  em 
1777,  sendo  a  cornija  e  cunhaes  feitos  com 
pedra  fina,  encontrada  nas  escavações  dos 
alicerces.  Por  esta  occasião  appareceram 
vestígios  de  velhas  construcções,  sepulturas^ 
etc.  Vid.  nas  Mémorias  de  Litteratura  da 
Academia,  tomo  3.»,  a  Memoria  de  Mascare- 
nhas Neto. 

Em  17  de  junho  de  1798  esteve  aqui  de 
visita  o  venerando  arcebispo  de  Braga,  D. 
Fr.  Caetano  Brandão. 

Em  4  d'abril  de  1885  foi  collocado  *na 
torre  um  novo  sino,  pertencente  à  confraria 
do  Senhor  da  Boa-Mocte.  Custou  approxi- 
madamente  300^000  réis* 


Em  19  d'agosto  de  1888  foi  arrematada  a 
construcçào  do  cemitério  paroehial  d'e8ta 
freguezia,  a  qaal  não  concorda  com  a  factu- 
ra do  projectado  cemitério  commum  á  de 
S.  João,  sua  limilrophe  e  tão  próxima,  que 
33  duas  deviam  formar  uma  só,  conslruindo- 
se  uma  nova  egreja  matriz  muito  mais  am- 
pla e  nm  amplo  terreiro  arborisado  no 
ponto  mais  central  com  relação  às  duas  pe- 
quenas freguezias.  —  Devera  também  ser 
por  essa  oceasião  elevadas  á  cathegoria  de 
Villa,  sède  de  ura  concelho  próprio  e  de  ura 
julgado  municipal,  tirando-se  na  circumfe- 
rencia  algumas  parochias  aos  concelhos  vi- 
sinhos. 

HurraM  pela  nova  villa,  que  deve  deno- 
minâr- se— Villa  Nova  de  Yizella  e  que  pela 
sua  antiguidade  e  tradições,— pela  belleza  « 
fertilidade  do  seu  solo— pela  sua  abundância 
d*agua  e  pelo  seu  abençoado  clima,  —  pela 
sua  industria  fabril  que  pôde  augmentar  im- 
mensamente,  —  pelo  seu  importante  estabe- 
lecimento thermal  e  pelas  numerosas  e  ma- 
gestosas  edificações  quejápossue,— tem  ele- 
mentos para  supplantar  muitas  das  nossas  j 
villas  e  algumas  das  nossas  cidadesl . . . 

Outra  vez:— Hurrahl  pela  nova  villa,  que 
deve  denominar-se  Villa  Nova  de  Vizella. 


Fecharemos  este  tópico  dizendo  que  o  con- 
celho que  pedimos  não  é  uma  innovação, 
mas  restauração,  pois  já  existia  no  sec.  xiv 
o  concelho  das  Caldas  de  Vizella,  como 
prova  um  pergaminho  do  cartório  da  Uni- 
versidade. —  pergaminho  que  pertenceu  ao 
mosteiro  de  Roriz.  Versa  sobre  privilégios; 
— é  uma  provisão  do  infante  D.  João,  filho 
d'el  rei  D.  Pedro  I;— faz  parte  da  contenda 
que  houve  entre  o  dieto  mosteiro  e  o  conce- 
lho das  Caldas  de  Riba  de  Vizella  (diz  elle) 
— e  tem  a  data  de  1405,  era  de  Cesar, — an- 
no  1367. 

V.  Catalogo  dos  Pergaminhos  do  cartório 
da  Universidade  de  Coimbra,  feito  pelo  sr. 
Gabriel  V.  M.  Pereira,  distincto  archeologo, 
e  publicado  em  Coimbra,  na  Imprensa  da 


VIZ 

Universidade  em  1880.  Encontra -se  Indica* - 
do  a  pag.  46,  n.»  20. 

É  um  documento  interessantissimo  para  á 
historia  de  Vizella  e  bem  estimaríamos  vel-o 
publicado,  porque  até  ho  e  —  dezembro  de 
1888— já  atravessou  521  annos  e,  por  ser 
exemplar  único,  pôde  desapparecer  de  um 
momento  para  o  outro! ... 

Com  vista  aos  illustrados  fi- 
lhos de  Vizella,  nomeadamen- 
te ao  sr.  dr.  Pereira  Caldas. 

VIZELLA  (S.  Payo)— freguezia  do  conce- 
lho e  comarca  de  Guimarães,  districto  e  dio- 
cese de  Braga,  província  do  Minho,  perten- 
cendo anies  de  1882  ao  arcipre«fado  de  Bar- 
rosas e  hoje  ao  de  Guiraarãe?,  d'onde  dista 
8  kilometros  e  de  Vizella  6. 

Era  abbadia  da  mitra  e  tem  actualmente 
128  fogos.  A  -Chorographia  Port.  deu  lhe  60. 
Não  vem  mencionada  nas  Memorias  resus- 
citadas  da  Antiga  Guimarães,  sem  duvida  por 
esquecimento,  pois  já  era  freguezia  desde 
longa  data  e  a  referida  obra  d'ella  falia  re- 
pelidas vezes. 

O  orago  é  S.  Paio  ou  Pelagio  martyr, 
que  se  commemora  a  26  de  Junho.* 

Confina  ao  norte  com  as  freguezias  de 
Gémeos  e  S.  Christovam  de  Abbação;  sul  com 
as  de  S.  Jorge  de  Vizella  e  Regilde;  nascen- 
te com  as  de  Gémeos  e  Villa  Fria;  poente 
com  as  de  Tagilde  e  S.  Faustino  de  Vizella. 


O  documento  mais  antigo  que  conheço , 
em  que  se  falia  d'e8ta  freguezia,  é  do  anno 
de  1182  (era  de  1220)  pois  as  inquirições 
d'este  anno  dizem  que  a  ordem  da  Malta 
possuia  aqui  3  easaes  e  meio.  O  meio  casal 
restante  era  leprosorum  Vimaran,  —  da  ga- 
faria, ou  hospital  dos  leprosos,  de  Guiffla* 
rães. 

As  aldôas  mais  povoadas  d'esta  freguezia 
são:  Penso,  Barroco  e  Subcarreira;  as  quin- 
tas principaes:  Vinho,  de  Mano3l  Leite  Fa- 


1  V.  Santos  Portuguezes,  tomo  8.» 
628,  col.  l.« 


1964  yiz 


VJZ 


ria  d'01iveira;  Subribas,  de  D.  Maria  Aoto- 
nia  de  Mello  Freitas  e  Castro;  VilValva,  do 
bacharel  Joaquim  Coelho,  de  Souzella. 


A  egreja  parochial  é  um  templo  singelo  e 
muito  acaobado,  mas  muito  antigo,  sendo  a 
porta  principal  de  arco  de  volta  inteira.  Tem 
3  altares:  mór,  Nossa  Senhora  do  ttosario  o 
S.  Gonçalo  e  um  oratório  com  a  imagem  de 
Coração  de  Jesus,  recentemente  erecto  e  que 
veia  ainda  toroar  mais  acanhadas  as  di- 
mensões do  pobre  templo. 

A  ultima  obra  mais  importante  feita  na 
egreja  data  de  1855,  anno  em  que  foi  re- 
telhada,  campada  e  forrada;  em  1857  foi 
pintada  e  em  1868  foi  feito  o  altar-mór 
que  custou  100^000  réis. 

Houve  n'e8ta  freguezia  (só  restam  as  pa- 
redes) uma  Capella  particular,  dedicada  a 
Santo  Antonio,  pertenceute  á  casa  de  Sub- 
ribas e  de  que  era  administrador  em  1708 
o  capitão  João  Leitão  de  Mesquita,  que  a  22 
de  julho  d'aquelle  anno  registrou  a  escri- 
ptura  da  fabrica  no  Livro  15.°  do  Registro 
das  Capellas,  em  Braga,  a  folhas  <i40  v. 
Devia  pois  ter  sido  edificada  pouco  antes. 

Este  mesmo  capitão  em  1709  alcançou 
licença  para  ali  se  dizer  missa.  Também  so- 
licitou permissão  de  sepultura,  o  que  lhe  não 
foi  concedido. 

Ha  na  egreja  uma  confraria  única,— a  do 
S.S.  Sacramento,  tendo  havido  outras  que  se 
extinguiram. 

É  celebre  a  romaria  de  S.  Gonçalo,  pre- 
cedida da  costumeira  dos  tremoços  na  vés- 
pera á  tarde,  9  de  janeiro.  Um  carro  de  tre- 
moços cortidos,  postado  junto  ao  cruzeiro 
da  freguezia,  é  distribuído  pelo  povo  e  jun- 
tamente uma  boa  porção  de  vinho.  Quanto 
mais  brioso  é  o  juiz  da  festa,  mais  tremoços 
e  vinho  dá. 


A  melhor  casa  de  habitação  é  a  de  Carral, 
modernamente  reconstruída  e  pertencente 
ao  sr.  Quirino  da  Costa  Vaz  Vieira.  A  casa 
de  Subribas  embora  arruinada,  também  me- 


rece menção,  por  ser  bastante  espaçosa  e 
muito  antiga. 

Limita  esta  parochia  o  Vizella,  que  tem 
um  pontilhão  no  logar  da  Senra.  Passa  tam- 
bém aqui  um  ribeiro,  cujas  aguas  são  dis- 
tribuídas para  rega  dos  campos  marginaes. 

Producções  dominantes:  —  cereaes,  legu- 
mes e  óptimo  vinho  verde,  que  produz  a 
quinta  denominada  Vinho. 

É  muito  apreciado  em  todo  o  concelho. 

O  cruzeiro  denota  muita  antiguidade.  É 
de  pedra  e  tem  a  imagem  de  Christo  mal 
esculpida  e  toscamente  pintada  a  roxo  rei 
em  1858.  Antecedem-no  e  seguem-no  cru- 
zes de  poflra  que  vão  terminar  n'uma  eleva- 
ção próxima,  denominada  Calvário,  sitio 
aprazível  com  extenso  e  formoso  panorama, 
cuja  bellissima  situação,  invocada  como  a 
melhor  da  ribeira,  serviu  em  1736  para  os 
freguezes  alcançarem  do  Visitador  licença 
in  perpetuum  para"  fazerem  suas  procissões. 


Entre  os  factos  notáveis  d'esta  freguezia 
mencionaremos  os  seguintes: 

Visita  do  arcebispo  D.  Rodrigo  de  Moura 
Telles  em  1  de  junho  de  1709. 
!    Erecção  do  Sacrário  e  collocação  do  S. 
Sacramento  pelos  annos  de  1713  a  1714. 

Collocação  da  imagem  de  Nossa  Senhora 
da  Lapa  em  1759. 

Dadiva  da  estola  rica  de  S.  Gonçalo,  feita 
no  Rio  de  Janeiro  e  dada  em  1860  por  Fran- 
cirtco  José  Gomes  da  Silva,  que  viveu  na 
freguezia  de  Nespereira. 

Reforma  da  residência  parochial  em  1869 

Collocação  da  imagem  do  Sagrado  Cora- 
ção de  Jesus.  No  dia  28  de  outubro  de  1884 
foi  esta  imagem  solemnemente  benzida  jun- 
to ao  alto  de  S.  Simão,  próximo  da  egreja 
parochial  de  Santa  Eulália  de  Pentieiros, 
sendo  ofQciante  o  arcipreste  do  districio 
ecclesiastieo  de  Guimarães.  Celebrada  missa 
em  altar  nd  hoc  em  presença  de  enorme 
multidão  de  ppvo,  talvez  6:000  pessoas,  foi  a 
imagem  conduzida  proeessionalmente  atra- 
vez  das  freguezias  de  Penlieiros,  Abbação 
(S.  Thomé  e  S.  Christovam)  e  Gémeos,  acom- 


VIZ 


VIZ  1965 


paDhada  de  13  andores  com  as  imagens  dos 
Padroeiros  das  quatro  mencionadas  fregae- 
zias  e  das  de  Calvos,  S.  Faustino,  S.  Payo, 
S,  Jorge  (todas  de  Vizella),  Tagilde,  Villa 
Fria,  Bagilde  e  algumas  outras  imagens,  en- 
tre as  quaes  a  de  S.  Gonçalo,  outr'ora  abba- 
de  d'esta  parochia,  e  que  do  ceu  devia  con- 
templar benigno  a  piedade  do  seusuccessor 
e  dos  descendentes  d'aquelies  a  quem  pas- 
toreou. O  caminho  tapetado  de  flores;  ar- 
cos triumphaes  levantados  de  espaço  a  es- 
paço; cinco  bandas  marciaes;  innumeros  fo- 
guetes; as  irmandades  das  freguezias  que 
acompanhavam;  o  clero  e  o  povo  tornaram 
este  acto  solemnissimo  e  inolvidável  re- 
cordação, acto  que  findou  com  muito  e  va- 
riado fogo  d'arti-ticio,  queimado  á  noite,  e 
brilhante  illuminação  em  todas  as  fregue- 
zias da  ribeira. 

Por  voto  antigo  cumpre  esta  parochia  13 
clamores,  hoje  todos  na  egreja,  mas  outr'ora 
dirigiam-se  aos  seguintes  logares:  1.°  a  San- 
ta Catharina  da  Serra,  na  sexta  feirada 
quaresma;— 2.*  a  S.  Romão  de  Mesãofrio,  na 
2.»  sexta  feira;— 3°  a  Nossa  Senhora  do 
Castro,  em  Santo  Adrião  de  Vizella,  na  3.» 
sexta  feira;—  4.»  ao  Cruzeiro  da  freguezia, 
no  1."  domingo  da  quaresma; — S."  ao  Salva- 
</or,em  Guimarães,  no  dia  de  Nossa  Senhora 
dos  Prazeres;  —  6."  a  S.  Thiago  Novo,  a  16 
d'abril,  devendo  o  juiz  da  freguezia  dar  de 
beber  às  pessoas  que  fossem; ~7.°  a  S.  Gon- 
çalo d' Amarante,  a  23  d'abril;— 8."  a  S.  Pe- 
dro de  Azuresno,  no  3.»  dia  das  ladainhas; — 
9.»  a  Nossa  Senhora  da  Lapinha,  no  dia  de 
S.  Marcos,  25  d'abril;— 10.°  á  mesma  Senho- 
ra, a  1 1  de  junho; — 11. ao  Cruzeiro,  a  26  de 
junho; — 12.»  a  S.  Bartholomeu  em  Bombeiro, 
a  24  d'agosto;  —  13."  a  Nossa  Senhora  do 
Castro,  a  29  de  setembro. 

Também  se  celebrava  o  cerco  ou  ronda  de 
S.  Sebastião,  cuja  licença  foi  renovada  em 
171S.1 


1  Estes  cercos  ou  ronto ainda  hoje  (1888) 
se  usam  em  varias  paroehias  do  Minho.  Si- 
mulam um  exercito  assaltando  um  castello, 
ordinariamente  representado  pela  capellinha 

TOLUME  XI 


Ábbades  d'esta  parochia.  Encontrámos 
notícia  dos  seguintes: 

V.  S.  Gonçalo.  Amarante,  voi.  !.•  pag.  188 
e  238,  col.  2.*,  e  Santos  portuguezes,  vol.  8." 
pag.  622.  E,  aproveitando  o  ensejo,  rectifi- 
caremos o  que,  sem  duvida  por  falsas  infor- 
mações, o  meu  antecessor  disse  no  tomo  1.* 
pag.  238,  QQ,  artigo  Arriconha. 

N'este  logar  existe  uma  capella,  mas  não 
foi  fundada  pelo  santo  nem  é  dedicada  a 
Nossa  Senhora.  É  dedicada  ao  dito  S.  Gon- 
çalo e  foi  fundada  em  1657.  Na  fachada  tem 
as  seguintes  inscripçòes  (lado  esquerdo): — 
Esta  ermida  se  fez  com  esmolas  de  devotos, 
sendo  agentes  os  Padres  Bento  de  Carvalho 
e  Francisco  Fernandes.  Era  de  Í657.  —  (la- 
do direito):  Nesta  aldeia  acima  nasceu  S. 
Gonçalo  d^Amarante. 

Seguiu  se  por  abbade  o  sobrinho  de  S. 
Gonçalo,  que  por  malas  artes  adquiriu  a 
abbadia,  Vid.  o  citado  volume. 

Segundo  uns  apontamentos  manuscri- 
ptos,  que  deixou  o  P.  Torquato  Peixo- 
to d'Azevedo,  auetor  das  Memorias  resus- 
citadas  da  Antiga  Guimarães,  seguiu-se  por 
abbade  fr.  Estevão  Giães,  frade  franciscano 
de  Guimarães,  o  qual  depois  parochiou  Ta- 
gilde. O  sobrinho  do  santo  renunciou  n'esle. 

Fernão  Leitão,  abbade  em  1549.  A  13  de 
maio  fez  o  tombo  da  egreja. 


de  S.  Sebastião  que  se  ergu«  na  eminência 
d'um  monte. 

Immenso  povo  cerca  o  dito  monte  e  avan- 
ça por  eUe  acima,  levando  na  frente  muitas 
caixas  de  rufo  e  tambores  enormes,  por  ve- 
zes mais  de  30,  rufando  constantemente  e 
bravamente,  até  se  acercarem  da  capella. 
ouvindo-se  a  grande  distancia  o  asparo  som 
das  caixas  e  tambores  e  o  vozear  da  multi- 
dão. 

E  as  mães  que  o  son  terribil  escutaram 
Ao  peito  os  filhinhos  apertaram!. . . 

Estes  cercos  deixam  a  perder  de  vista  os 
estrondos  que  se  usam  em  algumas  roma- 
gens da  Beira.  Y.  Viseu,  tomo  11.»  pag. 
1541,  col.  1.* 

124 


1966  VIZ 


VIZ 


o  dr.  Jorge  Vieira.  Foi  aqui  abbade,  sen- 
do provido  pelo  arcebispo  D.  fr.  Agostinho 
de  Jesus,  que  governou  a  arehidiocese  des- 
de 1S88  a  16u9.  Este  abbade  foi  desembar- 
gador da  Relação  ecciesiastiea  de  Braga  e 
instituidor  d'um  morgado  na  freguezia  do 
Salvador  de  Briteiros,  d'e8t6  concelho  de 
Guimarães,  morgado  que  nomeou  em  seu 
irmão  Francisco  Vieira  d'Andrade. 

Francisco  de  Sousa.  Foi  abbade  pelos  an- 
nos  de  1662  e,  conforme  se  lê  no  Tombo 
dos  Legados  da  Misericórdia  de  Guimarães, 
deixou  a  esta  corporação  o  casal  de  Car- 
ral Telhado,  sito  n'esta  freguezia,  com  a 
obrigação  de  24  missas  annuaes  por  sua 
alma. 

Dr.  João  Marques  da  Silva^  abbade  em 
1700. 

Seguiram-se  os  seguintes: 
Antonio  da  Graça  Lopes. 
Francisco  da  Costa  Lemos. 
Pedro  da  Costa  Lemos. 
Luiz  Manoel  Alvares  Torres,  eneommen- 
dado. 

Rodrigo  Vieira  Borges  de  Campos. 
José  Luiz  de  Carvalho  Pinheiro  e  Araujo. 
Manoel  Alvares  d' Araujo  Pranto.  Encora- 
mendado. 

Rodrigo  Antonio  Leite.  En  com  mendado 

José  Manoel  Teixeira  Moreira,  natural  de 
Basto,  falleeido  a  4  de  janeiro  de  1872. 

Muito  respeitado  pelas  suas  virtudes,  não 
só  pelos  parochianos  como  por  todos,  falle- 
ceu  com  fama  de  santidade,  offertando  lhe 
ainda  hoje  os  povos,  velas,  etc.^  como  ex  vo- 
tos,  e  attribuindo-lhe  milagres.  • 

Antonio  José  Gonçalves  da  Silva,  encom- 
mendado,  natural  de  Santa  Marinha  de  Vil- 
lar, em  Terras  de  Bouro,  filho  de  José  Luiz 
Gonçalves  da  Boavista  e  de  Rosa  Simões. 
Nasceu  a  8  d'agosto  de  1832;  ordenou-sede 
presbytero  em  Lamego  com  dimissorias  de 
D.  Pedro  Paulo,  a  22  de  setembro  de  1855; 
foi  encommendado  em  Santa  Eulália  de  Ba- 
lasar  (Povoa  de  Varzim)  em  1859;  em  Ma- 
tamà  (Guimarães)  em  1868,  e  —  tomou 
posse  aqui  em  janeiro  de  1872.  Este  paro- 
cho  tornou  se  benemérito  pelas  dadivas 
feitas  à  egreja.  Deu-lhe  um  paramento  com- 
pleto para  as  festas,  que  custou  ISOj^OOO 


réis;  uma  cruz,  caldeira,  campainha  e  vaso 
para  a  agua,  o  que  tudo  custou  22i^500  rs.; 
mandou  fazer  de  lousa  o  soco  da  egreja;  re- 
formou as  escadas  do  púlpito  e  fez  o  orató- 
rio do  padroeiro,  o  que  tudo  custou  réis 
lOOi^OOO.  Foi  parocho  até  22  de  dezembro 
de  1885. 

João  José  de  Moura. 

Ê  o  parocho  actual,  encommendado. 

Os  3  paruchiànosmais  importantes  d'e3ta 
freguezia  são: 

— Manoel  Leite  de  Faria  Oliveira,  José 
Joaquim  Simões  de  Sampaio  e  José  Dias 
Teixeira  de  Gouveia. 


Entre  os  usos  particulares  d'esta  fregue- 
zia são  notáveis  os  seguintes,  de  que  não 
conheço  exemplo  em  outra  qualquer  fregue- 
zia d'este  concelho.  Acham-se  mencionados 
no  Livro  dos  Usos  por  estas  palavras: 

•  Ha  n'esta  freguezia  costume  antiquíssi- 
mo de  se  fazerem  resas  ou  orações  no  tem- 
po da  quaresma  nos  domingos,  depois  da 
missa  conventual,  a  que  deve  assistir  uma 
pessoa  de  cada  casa.  Estas  orações  constam 
de  12  rodas,  que  se  podem  resar  todas  no 
mesmo  domingo,  ou  seis  cada  domingo.  O 
modo  de  as  resar  é  um  P.  N.  e  uma  A.  M. 
por  cada  cabeceira  de  cada  casa  que  fizer 
fogo,  seja  homem  seja  mulher,  applicando 
d'esta  fórma:  — pela  vida  e  accrescentamento 
de  F...  correndo  os'fogo8  todos  da  freguezia 
doze  vezes,  principiando  no  primeiro  e  aca- 
bando no  ultimo. 

Também  se  faz  na  quaresma  outra  resa  a 
que  chamam  resa  dos  santos;  esta  é  uma  só 
roda.  A  sua  applicação  é  d'est,a  fórma:  Se  a 
pessoa  por  quem  se  hade  resar  se  chama 
Joaquim,  se  ha  de  dizer: — Em  louvor  de  S, 
Joaquim  por  tenção  de  Joaquim  de...  e  as- 
sim se  correm  as  cabeceiras  uma  só  vez, 
que  é  o  que  se  entende  por  uma  roda,  e  se 
faz  em  um  só  domingo  e  nada  mais. 

Ha  outra  reza  que  chamam  dos  Clamores^ 
a  qual  se  hade  fazer  em  outro  domingo  da 
quaresma  e  é  também  uma  só  roda  e  se  ap- 
plica  d'esta  fórma; — Em  louvor  de  S.  Salva- 
dor por  tenção  de  F. . .  Advirta-seque  tanto 


VÍZ 


VIZ  1967 


%  resa  dos  clamores,  como  a  dos  Santos  é  só 
applicada  pelas  pessoas  que  estiverem  pre- 
sentes, de  modo  que  se  estiverem  2  ou  3 
pessoas  de  cada  casa  por  todas  se  hade  re* 
aar  e  a  das  orações  é  por  cada  cabeceira,  ou 
«steja  presente  ou  não. 

Ha  outra  resa,  que  se  faz  por  qualquer 
pessoa,  que  morre,  sendo  de  communhão, 
logo  no  domingo  seguinte  ao  seu  enter- 
ro e  se  applica  d'esta  forma: — Pela  alma  do 
nosso  irmão  F.  ou  irmã  F. . .  Advirta  se 
que  sendo  casado  tem  60  P.  N.  e  A.  M  e 
sendo  solteirq  30,  e  depois  de  se  dizer  a  pri- 
meira vez:  pela  alma  do  nosso  irmão  F.  nas 
outras  só  se  diz:  pela  sua  alma,  até  se  com- 
pletar a  resa  toda.» 


Differentes  lendas  relativas  a  S.  Gonçalo 
se  encontram  n'esta  freguezia,  como  o  pe- 
nedo em  que  deixou  impressos  os  signaes 
dos  joelhos  e  dos  pés,  etc.  Veja-se  a  Revista 
de  Guimarães,  n.»  4  de  1884,  onde  a  tal  res- 
peito se  lé  um  artigo  do  sr.  dr.  M.  Sarmen- 
to. Accrescentaremos  que,  segundo  as  noti- 
cias qne  colhemos,  o  penedo  das  pégadinhas 
foi  eíTeetivamente  quebrado  ha  annos,  dan- 
do-se  o  caso  de  que  o  pedreiro  qae  o  que- 
brou, tempos  depois  foi  atacado  de  paraly- 
sia  e  assim  falleceu,  o  que  o  povo  attribue 
a  castigo,  por  elle  haver  destruído  as  péga- 
das  de  S.  Gonçalo. 

Refiramos  também  a  origem  do  epitheto 
casamenteiro  das  velhas,  como  n'esta  fregue- 
zia  se  conta,  attribuido  a  S.  Gonçalo  e  de 
que  falia  a  cantiga  popular: 

S.  Gonçalo  d'Amarante, 
Casamenteiro  das  velhas,  , 
Porque  não  casaes  as  novas? 
Que  mal  vos  fizeram  ellas? 

Conta-se  assim:  Era  aqui  abbade  o  San- 
to e  na  sua  faina  pastoral,  percorrendo  a 
freguezia  encontrou  uma  sua  parochiana  já 
velha,  pobre  e  que  só  inspirava  compaixão, 
á  qual  dirigiu  a  palavra,  e  lhe  perguntou 
porque  não  havia  ella  de  casar  (era  solteira) 


para  ter  quem  a  amparasse.  Tão  estranha 
pergunta  deixou  attonita  a  velha  e  não 
soube  responder.  ^A^^  primeiro  homem  que 
encontrares,  volve  o  santo,  falia- lhe  em  ca- 
samento.» Dito  isto  continuou  deu  caminho. 

A  mulher  foi  pensando  no  que  o  abbade 
lhe  havia  dito  e  poucos  passos  andados  vé 
um  joven,  filho  d'uma  das  primeiras  casas 
da  freguezia.  Avistando-o  rompeu  em  es- 
trondosas gargalhadas. 

Aturdido  o  mancebo  com  as  risadas  da 
velha,  quiz  saber  a  rasào;  por  seu  turno 
teve  conhecimento  das  palavras  do  santo 
abbade,  e  respondeu:  tudo  pode  ser;  nin- 
guém diga  d'esia  agua  não  beberei. 

Poucos  dias  depois  a  parochia  assistia  ao 
casamento  da  pobre  velha  cora  o  rico  pro- 
prietário, unidos  e  abençoados  pelo  santo 
abbade. 

E  as  bênçãos  do  ceu,  diz  a  lenda,  cahiram 
n'aqueli'a  casa^  pois  com  o  sábio  governo  da 
sua  nova  dona  prosperou  e  augmentou  con- 
sideravelmente. 

VIZELLA  (rio)  —  oulr'ora  Avicella,  como 
aílirma  Argote,  assim  chamado  como  dimi- 
nutivo de  Ave,  pela  visinhança  que  com  este 
tem  e  no  qual  desagua  e  morre.i 

Ainda  lhe  era  dado  tal  nome  nos  fins  do 
século  XVII,  pois  Avizella  lhe  chama  o  P. 
Torquato  Peixo»o  de  Azevedo,  dizendo  que 
este  nome  provem  do  logar  de  Avisella 
na  freguezia  de  Travassos.^ 

Hoje,  perdendo  o  ^,  é  chamado  Vizella,^ 
nome  que  ?ó  muito  àquem  do  Travassos 
elle  toma,  não  parecendo  por  tanto  muito 
segura  a  affirmativa  do  P.  Torquato. 

Nasce  na  serra  de  Pedraido,  freguezia  do 
concelho  de  Fafe,  e,  depois  de  um  percurso 


1  V.  Memorias  para  a  Hisl.  Eccl.  de  Bra- 
ga, tomo  3°  pag.  310. 

2  Mem.  ressussit.  da  ant.  Guimarães,  pag. 
500. 

O  mesmo  diz  Carvalho  na  Chorographia 
Portugueza. 

3  Antes  de  1692  também  já  se  chamava 
sinnple<»meDte  Vizetla. 

V.  Phoènix  da  Lusitânia  por  Manoel  Tho- 
maz. 


1968  VIZ 


VIZ 


de  5  léguas  approximadameDte,  junta-se  ao 
Ave  no  limite  da  freguezia  de  S.  Miguel 
das  Aves,  concelho  de  Santo  Thyrso,  onde  se 
acha  hoje  lançada  a  ponte  metálica  da  via 
férrea  de  Guimarães,  sem  duvida  a  obra 
d'arte  mais  importante  d'esta  linha. 


Alem  de  diversas  pontes  que  não  mere- 
cem especial  menção,  é  o  Vizella  atravessa- 
do pelas  seguintes:  Pontido,  na"  freguezia  de 
Queimadella;  S.  Vicente  de  Paços,  m  fregue- 
zia d'este  nome;  Santo  Ovidio,  na  estrada 
real  n.«  32,  aberta  ao  transito  em  31  de  mar- 
ço de  1864,  dando  passagem  para  Fafe,  etc; 
Bouças,  na  antiga  estrada  de  Fafe;  S.  João* 
junto  á  Capella  d'este  titulo  na  freguezia 
de  Figueiras;  Nova  de  Pombeiro  ou  Na- 
bainhos,  na  estrada  real  n.°  27,  aberta  ao 
transito  em  10  de  julho  de  1868,  dando  pas- 
sagem para  Felgueiras,  etc;  (d'este  ponto 
em  diante  é  que-  vulgarmenié  lhe  é  dado  o 
nome  de  Vizella)  Velha  de  Pombeiro,  na 
antiga  estrada  para  Traz -os  Montes  e  que 
divide  a  freguezia  de  Pombeiro  da  de  Cer- 
zedo,  tendo  no  meio  da  ponte  o  marco  com 
as  armas  do  antigo  couto  benedictino  de 
Pombeiro;  (é  aqui  o  terminus  d'uma  estra- 
da municipal  em  projecto  a  partir  de  Gui- 
marães); Tagilde  (chamada  vulgarmente 
ponte  nova,  por  substituir  uma  de  madeira, 
que  ainda  se  acha  lançada  a  juzante  d'esta 
e  que  offerece  diffieil  passagem)  onde  deve 
vir  terminar  um  ramal  da  projectada  estra- 
da districtal  de  Felgueiras  a  Vizella;  Yizella 
(nova)  na  estrada  real  n.«  36,  construída  (a 
ponte)  era  1872,  dando  passagem  para  Lou- 
sada, etc ;  Yizella  (velha)  na  antiga  estrada 
de  Guimarães  para  Barrosas,  etc;  Negrel- 
los  (S.  Mamede),  dando  passagem  para 
a  freguezia  de  S.  Mamede  de  Negrellos,  etc; 
Negrellos  (nova)  ou  da  Curvaceira,  na  estra- 
da real  n."  32,  dando  passagem  para  Santo 
Thyrso,  etc;  Negrellos  (S.  Thomé)  um  pouco 
a  juzante  da  anterior,  communieando  a  fre- 
guezia de  S.  Thomé  de  Negrellos  com  a  de 
S.  Miguel  das  Aves,  em  cujo  termo  desagua 
e  morre  o  Vizella  no  Ave. 


Curvaceira  * 

A  ponte  da  Curvaceira,  mencionada  su- 
pra, tomou  o  nome  da  pequena  povoação 
da  Curvaceira,  que  è  uma  das  muitas  que 
constituem  a  freguezia  de  S.  Thomé  de  Ne* 
grellos,  concelho  de  Santo  Thyrso. 

Ha  também  não  muito  longe,  no  concelho 
de  Guimarães,  outra  povoação  denominado 
Curvaceiras  (no  plural)  pertencente  à  fre- 
guezia de  S.  João  d'Ayrão,  na  margem  di- 
reita do  Ave.  Dista  da  Curvg.ceira  de  Ne- 
grellos, concelho  de  Santo  Thyrso,  aproxi- 
madamente 10  kilometros  para  N.  N.  O. 

Temos  também  no  nosso  paiz  outras  mui- 
tas Curvaceiras.  Occorrem-nos  as  seguintes; 

Curvaceira,  povoação  da  freguezia  de 
Santa  Eufemia  de  Prazins.,  no  mesmo  con- 
celho de  Guimarães. 

Curvaceira,  povoação  da  freguezia  de  Ali- 
viada, hoje  annexa  à  de  Várzea  d'Ovelha, 
no  concelho  de  Canavezes. 

Curvaceira,  povoação  da  freguezia  de 
Chans  de  Tavares,  concelho  de  Mangualde. 

Curvaceira, — a  minha  terra  natal— povoa- 
ção da  freguezia  da  Penajoia,  concelho  de 
Lamego. 

V.  Corvaceira,  já  citada.^ 


1  Nós  desde  creança  habituamo  nos  a  es- 
crever Curvaceira,  mas  outros  escrevem 
CoruaceíVa..  Ignoramos  a  etymologia  d'este 
nome  e  por  isso  não  sabemos  qual  das  duas 
formas  seja  mais  segura. 

V.  Corvaceira  n'este  diecionario  e  no  sup- 
plemento. 

2  D'e8ta  minha  Curvaceira  tomou  indire- 
ctamente o  nome  a  povoação  da  Curvaceira 
que  hoje  (1888)  existe  no  Dondo,  província 
de  Loanda,  na  Africa. 

No  ultimo  século  Antonio  Rodrigues  de 
Carvalho,  meu  bi?avô  materno,  natural  da 
minha  Curvaceira,  casou  na  povoação  do  Ba- 
calar,  freguezia  e  concelho  d*Armamar,  on- 
de era  conhecido  pela  alcunha  de  Curvacei- 
ra,  pelo  que  os  filhos,  netos  e  bisnetos  que  ali 
deixou  se  appellidaram  o  appeilidam  ainda 
hoje  Curvaceiras.  Um  d'aquelles  bisnetos 
(meu  primo  eo-irmão)  Albino  Rodrigues 
Cardoso  Curvaceira,  ôlho  de  Antonio  Car- 


VIZ 


VIZ  1969 


Curvaceira,  casal  da  freguezia  de  Treixe- 
do,  coDcelho  de  Santa  Comba-Dão. 

Curvaceira,  3  casas  oa  fregaezia  de  Ca- 
dafaes,  coDcelho  de  Âlemquer. 

Curvaceira,  casal  da  freguezia  de  Folha- 
da, concelho  de  Canaveses. 

Curvaceira,  casal  da  fregaezia  de  Castel- 
lo, concelho  de  Coura. 

Curvaceira,  quinta  na  freguezia  e  conce- 
lho de  S.  João  da  Pesqueira. 

Curvaceira,  sitio  muito  vistoso*  com  uma 
Capella  de  Santa  Barbara,  no  antigo  castello 
da  Villa  e  fregaezia  de  Marialva,  hoje  conce- 
lho da  Meda. 

Curvaceira,  sitio  também  mUito  vistoso, 
na  freguezia  de  Poyares,  concelho  da  Re- 
goa. 

Curvaceira,  sitio  na  freguezia  de  Santa 
Maria  de  Rebordões,  concelho  de  Ponte  de 
Uma. 

Curvaceira,  sitio  na  freguezia  de  Carra- 
zedo de  Montenegro,  concelho  de  Val-Pas- 
sos. 

Curvaceira,  sitio  e  habitação  no  termo  da 
freguezia,  villa  e  concelho  de  S.  Pedro  do 
Sal. 

Curvaceira,  monte  no  antigo  termo  da 
Villa  de  Paredes,  hoje  concelho  de  S.  João 
da  Pesqueira,  como  se  vê  do  foral  que  D. 
Fernando  I  de  Leão  deu  á  mencionada  villa 
de  Paredes  no  amo  de  1055,  depois  confir- 
mado por  difTerentes  reis  nossos. 


doso  Curvaceira,  já  fallecido,  e  de  D.  Joanna 
Cardoso  de  Jesus  Maria,  hoje  viuva,  tendo-se 
dedicado  ao  commercio  no  Porto,  um  bello 
dia  lembrou-se  de  ir  tentar  fortuna  na  Afri- 
ca. Estabeleceu- se  no  Dondo  e  ali  fundou 
um  bom  estabelecimento  commercial,  que 
d'elle  tomou  o  nome  de  Curvaceira,  com- 
prehendendo  casas  de  habitação,  armazéns, 
lojas,  etc.  Depois  ali  se  fundaram  outros  es- 
tabelecimentos  e  assim  se  fundou  a  povoa- 
ção que  tem  já  certa  importância  e  conser- 
va o  nome  do  meu  primo  —  Curvaceira,  — 
casado  e  com  successão,  hoje  (1889)  residen- 
te em  Lisboa,  mas  ainda  senhor  da  sua  ca- 
sa da  Curvaceira,  no  Dondo,  onde  tem  um 
sócio. 

*  Olha  para  E.  e  domina  todo  o  Cima- 
Côa,  Pinhel,  Traz  os  Montes  e  grande  exten- 
são da  Hespanha. 


Na  confirmação  de  D.  Sancho  I  com  data 
da  era  1236  (anno  1198)  se  indica  muito 
minuciosamente  o  termo  d'aquella  villa  por 
estas  palavras: 

.  ..Deinde  per  caput  da  Coruaceyra.  Em 
vuigar:  «...Depois  pelo  alto  do  monte  da 
Curvaceira.» 

V.  Portugal.  Monum.  liv.  Foralia,  pag. 
347, — e  Paredes  da  Beira  n'este  dicciona- 
rio  e  no  supplemento. 

Temos  mais: 

Curvaceiras  Grandes  e 

Curvaceiras  Pequenas,— aAàehs  da  fregue- 
zia de  Paialvo,  concelho  de  Thomar. 


No  Vizella  desaguam  os  seguintes  rios: 
Sá,  Paços,  Arquinho,  Fundêtho  e  Fojo,  alem 
d'outros  menores  anonymos. 

As  terras  que  este  rio  banha,  especial- 
mente desde  a  ponte  de  Nabainhos  ou  Nova 
de  Pombeiro,  onde  toma  o  nome  de  Yizella, 
até  Negrellos,  denominadas  ribeira  do  Vi- 
zella, são  fertilissimas.  Mascarenhas  Neto  na 
sua  Memoria  sobre  as  antiguidades  das  Cal- 
das de  Wizella,  §  40,  diz  que  rendem  cada  an- 
no mais  de  milhão  e  meio  nos  productos 
d'agricaltura,  gados,  e  mão  d'obra  das  fa- 
zendas de  linho,  feito  o  calculo  pelos  dízi- 
mos e  exportação  das  referidas  fazendas. 
Isto  em  1788. 

Offerecem  a  espaço  estas  margens  encan- 
tos e  bellezas  que  muito  atlrahem  os  touris- 
tes  na  estação  balnear.  As  ilhotas  tapetadas 
de  relva,  adornadas  de  lindos  fetos  e  som- 
breadas pela  ramaria  de  formoso  arvoredo, 
que  se  encontram  principalmente  desde  o 
sitio  da  Cascalheira  .até  à  ponte  velha  das 
Caldas,  são  o  enlevo  dos  banhistas,  e  Camil- 
lo C-  Branco  ahi  collocou  algumas  scenas 
d'uma  das  suas  noveiias,  que  se  conglobam 
sob  o  titulo  de  Novellas  do  Minho.  São  os 
Gracejos  que  matam. 

Muitas  famílias  nobres  nos  primeiros  tem- 
pos da  nossa  monarchia  tiveram  os  seus  so- 
lares n'esta  ribeira.  A  familia  dos  de  Riba- 
Visella,  de  quem  falia  o  conde  D.  Pedro 
no  titulo  45,  é  o  tronco  de  muitas  famí- 
lias nobres  de  Portugal.  Os  Mellos Sampaios^ 


i970  VIZ 


VIZ 


os  Sás,  etc.  ainda  se  nos  manifestam  pelos 
vesligios  de  sua  antiga  representação  e  po* 
derio. 

FABRICA  DE  FIAÇÃO  DE  NEGBELLOS 

As  aguas  do  Vizella  movem  também  gran? 
de  numero  de  moinhos  de  pão  e  fabricas  de 
azeiíe,  linho  e  papel  ée  Aute- Villar,  avul- 
tando entre  todas  a  fabrica  de  fiação  de  Ne- 
grellos. 

Esta  importante  fabrica  de  fiação  d'algo- 
dão  e  de  parceria  mercantil  demora  na  mar- 
gem esquerda  do  rio  Vizella,  na  freguezia 
de  S.  Thomé  de  Covellas.  Dista  2  kilome- 
tros  da  matriz  d'esta  parochia  para  N.;  1  da 
estação  de  Negrellos  na  linha  férrea  de  Gui- 
marães; 6  da  Villa  de  Santo  Thyrso  —  e  11 
das  Caldas  de  Vizeila. 

Os  seus  edificios  e  dependências  occupam 
uma  superfície  de  12:000  metros  quadra- 
dos. 

O  seu  motor  ordinário  é  a  agua  do  rio 
Vizella,  no  qual  tem  um  açude  de  4  melros 
d'aIto,  20  d'extensão  e  2  turbinas,  sendo 
uma  da  força  de  80  cavallos  e  outra  de  180 
— e  tem  mais  duas  machinas  a  vapor,  como 
auxiliar  na  estiagem,  sendo  uma  da  força 
de  350  cavallos;  outra  de  375,  ambas  do 
systema  Wood,  feitas  na  Inglaterra  e  ali 
compradas— a  l."em  1888— e  a  2.»  em  1875. 

Principiou  a  consirueção  d'esta  fabrica 
em  1843  e  a  sua  exploração  em  1845. 

Foram  seus  fundadores  de  parceria  ou 
compartes  os  8.  capitalistas  seguintes: 

—Antonio  José  Cabral, 

— Manoel  Joaquim  Machado, 

—João  Antonio  da  Silva  Guimarães, 

—Antonio  Martins  dos  Santos, 

—Paulo  José  Soares  Duarte, 

— José  Antonio  da  Silva  e  Sousa, 

— Antonio  José  Gonçalves  Vasquese 

— E.  Cauchoix. 

Na  auctualidade  (janeiro  de  1889)  perten- 
ce aos  compartes  seguintes: 

— D.  Emilia  Rosa  Cabral,  viuva  do  par  do 
reino  José  Pereira  da  Costa  Cardoso.* 


— D.  Maria  Emilia  de  Jesus  Magalhães 
Cabral; 

—Felisberto  de  Moura  Monteiro  ^ 

— Francisco  Cardoso  Valente; 

— António  Gualberto  Soares; 

— Diogo  José  Cabral  e 

— Honoré  Vavasseur.  (?) 

Tem  hoje  33:000  fusos,  mas  não  todos  em 
movimento. 

O  seu  capital  é  de  374  contos;  o  primiti- 
vo era  de  80. 

Occupa  550  pessoas  d'ambos  os  sexos  e  é 
administrada  por  um  director  tecbnico  e  por 
um  dos  compartes. 

O  deposito  e  a  séde  estão  no  Porto,  Da 
amiga  Casa  do  Correio,  Largo  dos  Cléri- 
gos, n."  100. 

Esta  fabrica  nos  primeiros  annos  luctou 
com  difflculdades,  mas  hoje  vive  muito  des- 
afegadamente  e  é  invejada  por  todos.  Tem 
dado  e  está  dando  pasmosos  dividendos  e  no 
seu  género  é  talvez  hoje  a  primeira  de  Por- 
tugalfl ... 

Felizes  compartes!. . . 


Este  rio,  cuja  formação  M.  Neto,  (citada 
Memoria,  §  12)  conjectura  ser  posterior  á 
construcção  dos  banhos  romanos  das  Caldas 
de.  Vizella,  tem  sido  decantado  por  muitos 
dos  nossos  poetas  antigos  e  contemporâneos. 

Citaremos  apenas: 

«Corre  el  Vizella  amado 
Progresso  sonoroso 
O  chrystallino  parto  d'uma  pena 
A  ser  favor  de  um  prado.» 

Fonte  de  Aganipe,  parte  7."  canção  5.«. 


«Vem  os  que  gosam  do  Vizella  frio. 
Em  a  ribeira  amena,  as  aguas  claras. 
Grato,  aprazível,  brando,  fresco  rio. 
Senhor  que  as  trutas  dá  no  sabor  raras; 


*  V.  Miragaya,  loc.  cit.  col.  1." 


voe 


VOG  1971 


Qae  o  sitio  corre  alegre  mais  sombrio, 
De  pomares  e  quiotas  naoca  avaras, 
Pois  08  fructos  lhes  dam,  por  seus  haveres, 
A  Bromio  em  vinho,  em  louro  trigo  a  Ceres.» 

Phaenix  da  Lusitânia,  liv.  7.*  est.  67. 


Ao  muito  reverendo  sr.  João  Gomes  d'0- 
liveira  Guimarães,  abbade  de  Tagilde,  agra- 
deço 03  apontamentos  que  se  dignou  enviar- 
me. 

VÓCA,  ou  BÓCA,— aldeia  da  freguezia  de 
Gião,  concelho  de  Villa  do  Conde. 

Comprehende  mais  esta  freguezia  as  al- 
deias de  Gião  de  Cima,  Gião  do  Fundo,  Gião 
Meão  (do  meio)  Tresval,  Martinhães,  Santo 
Estevam,  Egreja,  Carvalho,  Jondinae  Roxio. 

V.  Gião,  tomo  3."  pag.  279,  col.  2.* 

VÓCA  ou  BÓCA,  aldeia  da  freguezia  de  S. 
João  de  Vizella,  concelho  de  Guimarães. 

VÓCA,  ou  BÓCA,— aldeia  da  freguezia  de 
Fradellos,  concelho  de  Villa  Nova  de  Fama- 
licão. 

Temos  também  com  o  no- 
me de  Bóco  15  freguezias,  2 
casaes,  3  quintas  1  sitio  e  um 
monte,  —  e  uma  aldeia  com  o 
nome  de  Bocos.  • 

V.  Bôco,  tomo  1.»  pag.  406, 
e  Cliorog.  Mod.  tomo  6."  pag. 
69. 

Do  exposto  se  vô  que  os  nomes  Bóco  e 
Boca  {Vóca  no  Minho,  pela  mudança  do  B 
em  V)  foram  triviaes  antigamente. 

Também  temos  11  aldeiaà,  2  casaes,  3 
qaintas,  1  monte  e  1  sitio  com  o  nome  de 
Bôca  ou  Bôcca—Q  aldeias,  1  casal  e  2  siiios 
com  o  nome  de  Bôcas  ou  Bôccas,  —  e  Bôca 
da  Lapa,  Bôca  da  Matta,  Bôca  da  Villa,  Bôca 
do  Frade,  Bôca  do  Sousa,  Bôca  do  Valle,  e 
Bôca  Negra,  aldeias,  casaes,  quintas  e  her- 
dades. 

V.  Chorogr.  Mod.  loc.  cit. 

VODA,  ou  BODA,— noivado,  festim  de  nu, 
peias,  do  hebraico  boddah,  alegrar-se, — ou 
do  árabe  bodoo,  boda. 

Diccion.  de  Moraes,  6.'  edição. 

VODO,  port.  ant.  hoje  Bôdo,  festim  de  co- 


mer, que  antigamente  se  fazia  nas  egrejas  e 
capellas  por  occasião  de  alguma  solemnida- 
de,  cumprimento  de  votos,  etc.  Welles  co- 
miam os  pobres  e  os  festeiros.  • 

Os  vodos  também  sigDíficavam  votos  que 
se  faziam  a  algum  santo,  promessas,  roma  • 
rias  que  davam  occasião  a  grandes  come- 
sainas  e  desordens,  pelo  que  foram  só  tole- 
rados com  a  condição  de  não  haver  banque- 
tes nas  egrejas,  etc. 

«Dia  era  de  hum  gram  vodo, 

que  a  hum  santo  se  fazia.» 

Bernardim  Ribeiro,  Egl.  2.» 

Até  o  seCk  XVI  foram  muito  triviaes  nq 
nosso  paiz,  mas  pelos  excessos  de  toda  a  or- 
dem que  os  acompanhavam,  el-rei  D.  Ma- 
noel os  extinguiu,  exceptuando  os  bodos  do 
Espirito  Santo,  instituídos  pela  rainha  Santa 
Isabel. 


Foram  muito  importantes  os  bodos  ou  vo- 
dos ou  votos  de  S.  Thiago  de  Compostella, 
feitos  a  este  apostolo  em  toda  a  Hespanba 
pela  Victoria  alcançada  contra  os  mouros. 
Consistiam  na  prestação  de  certa  porção  de 
trigo, — prestação  obrigatória,  que  durante 
muitos  séculos  foi  considerada  como  tributo 
legal,  comprehendendo  entre  nós  também 
todo  o  terreno  que  medeia  entre  o  Lima  e 
o  Minho. 

N'este  diceionario  já  se  fez  menção  de  diffe- 
rentes  bodos,  entre  os  quaes  avultam  o  da 
Senhora  da  Lomba,  na  freguezia  de  Pinhan- 
ços,  concelho  de  Ceia,— e  o  do  Espirito  San- 
to, em  Leiria. 

V.  Pinhançns,  tomo  7.»  pag.  38,  col.  2.»-— 
e  Leiria,  tomo  4.»  pag.  74,  col,  2.»  — N'esle 
xi\úíO(hbodo  se  matavam  e  distribuíam  7  a 
8  bois! . . . 

V.  lambem  no  Elucidário  da  Viterbo  os 
interessantes  artigos:  —  Ladairo,  Açôres  e 
Bodivo,  nomeadamente  este  ultimo. 

VOGADO,— port.  ant —advogado. 

VOGARIA,— port.  ant.— advocacia. 

VOLIARÇ  A,— ribeira. 

Nasce  na  freguezia  de  S.  Brissos,  concelho 
de  Beja,  e  correndo  de  O.  a  E.  morre  no 
Guadiana,  passando  entre  Beja  e  Cuba. 

VOLOBRIGA,  —  cidade  antiquíssima,  ca- 


1972  VOL 


VOL 


beça  dos  povos  nemetanos,  segundo  a  inter- 
pretação de  Ptolomeu  por  Molecio,— ou  ne- 
meíaíos,  segundo  a  interpretação  de  Bercio- 

Estava  na  chancellaria  romana  de  Braga 
e  DO  tempo  de  Tibério  já  tinha  as  honras 
de  municipio,  como  consta  de  uma  medalha 
que  aponta  Goltzio,  citado  porEzequielSpan- 
phemio  na  Exercitação  l.*á  Constituição  do 
imperador  Antonino^  col.  48. 

Não  podemos  indicar  com  precisão  o  sitio 
da  tal  Volobriga,  posto  que  Ptolomeu  na  2.* 
taboa  da  Europa,  cap.  6."  pag.  44,  lhe  assi- 
gna  6  gr.  de  longitude  e  42  gr.  e  6  minutos 
de  latitude. 

Bercio  era  vez  de  Volobriga  1  ê  Volobria, 
mas  no  indice  aponta  Volobriga. 

O  nome  era  nacional. 

V.  Metn.  d" Argole,  tomo  l.'  pag.  412^  e  3.» 
pag.  160. 

VOLTA,~aldeia  da  freguozia  de  Sequia- 
de,  concelho  de  Barcellos. 

Temos  no  nosso  paiz  mais  4  aldeias,  1 
quinta,  1  herdade,  1  sitio  e  1  moinho  com  o 
nome  de  Volta — e  differentes  aldeias  e  casaes 
com  os  nomes  de  Volta  d' Agua,  Volta  da  To- 
cha ^  Volta  de  Casaes,  Volta  de  Mendo,  Volta 
do  Carro,  Volta  do  Valle,  Volta  do  Vau  e 
Volta  Grande,  sitio,  na  antiga  estrada  do 
Porto  para  a  Regoa,  entre  Quintella  e  Me 
zãofrio. 

A  estrada  ali  era  muito  declivosa  e  sem 
parapeito  ou  guardas  do  lado  inferior,  pelo 
que  ali  até  1858  se  despedaçaram  algumas 
liteiras—e  desde  i858  algumas  diligencias, 
entre  ellas  uma,  em  que  ia  do  Porto  para  a 
Regoa  o  humilde  auctor  d'estas  linhas,  com 
14  passageiros  mais,  alem  do  cocheiro  e  con- 
duetor.  Felizmente  só  se  desmanchou  o  jo- 
go dianteiro.  O  carro  não  tombou,  «ias  lá 
ficou,  e  DÓS  tivemos  de  ir  a  pó  para  Mesão- 
frio,  donde  em  outro  carro  seguimos  para  a 
Regoa. 

V.  Villa  Jusã,  tomo  11.»  pag.  768,  epl.  2.% 
onde  já  demos  noticia  d'aquella  medonha 
estrada. 

Sensi  in  fronte  meo  se  arripiare  cabel- 
los\ .  .  . 

VOLTA,— port.  ant.— briga,  discórdia,  fe- 
rimento, desassocego,  turbação,t  umulto,  as- 
suada,  desordem. 


«Haver  hi  volta  e  eixeco,  e  peleja,  e  elle 
querendo  partir  esto,  etc  » 

Doe.  de  Santo  Thyrso,  de  1340. 

VOLTEIRO,  —  homem  revoltoso,  suscita- 
dor de  discórdias,  brigas  e  contendas. 

«Salvo  se  esse  preso  fôr  traidor,  ou  alei- 
voso, ou  volteiro  publico,  e  ameudi,  ou  ma- 
tador, ou  chagador  de  chagas  perigosas,» 

Cortes  de  Santarém  de  1325. 

D'aqui  —  terra  avoUa,  desinquieta,  cheia 
de  ladrões  e  malfeitores. 

«Ou  a  terra  andar  avolta,  que  sc  temam 
de  filharem  os  meus  dinheiros. 

Capit,  especiaes  de  Santarém. 

VOLTDMNA,  ou  VOLTUNNA,  ou  VUL- 
TURNA,  —  deusa  dos  romanos,  particular- 
mente reverenciada  pelos  etruscos,  em  cujo 
paiz  tinha  um  famoso  templo,  onde  se  re- 
uniam para  tratarem  os  negocies  do  es- 
tado. 

VOLUMNO  e  VOLUMNA,— divindades  dos 
romanos,  as  quaes  presidiam  á  boa  vontade. 
Eram  invocadas  particularmente  nas  cere- 
monias  dos  casamentos^  para  conservarem 
a  amisade  e  harmonia  entre  os  nubentes. 

VOLÚPIA,— deusa  dos  romanos,  que  pre- 
sidia aos  prazeres  sensuaes  e  dissoluções. 

Tinha  um  templo  em  Roma,  onde  era  re- 
presentada na  figura  de  uma  formosa  mu- 
lber«bem  vestida,  tendo  debaixo  dos  pés  a 
Virtude. 

VOLUTINA,  —  deusa  dos  romanos,  parti- 
cularmente reverenciada  pelos  camponezes 
e  lavradores,  que  a  invocavam  para  preser- 
var os  casulos  que  envolvem  o  grão  do 
trigo. 

VOMIL, — port.  ant. — hoje  gomil. 

Vem  do  latim  vomo  (eu  vomito)  porque 
os  gomis,  outr'ora  de  gargalo  muito  estreito 
pareciam  estar  vomitando  a  agua  para  as 
mãos  como  a  lufadas. 

«It.  hum  vomil  quebrado.» 

Inventario  dos  moveis  de  D.  Fr.  Salvador, 
bispo  de  Lamego,  no  anno  de  1350. 

VOMITARIA,  ou  VOMITÓRIO,  —portug. 
antigo. 

Assim  se  denominavam  os  adros  das  egre- 
jas  e  as  entradas  dos  theatros,  porque  a 
grande  multidão  saindo,  tinha  parecenças 
com  a  agua  jorrando  ou  saindo  do  vomil. 


VON 


VOU  1973 


VONTADES,  ou  VOONTADES,  port.ant. 

Assim  se  denominaram  os  moveis  e  al- 
faias de  casa  qne  cada  um  compra  ou  man* 
da  fazer. 

No  anno  de  1211  doaram  ao  mosteiro  de 
Alpendurada  uma  quinta  em  Nodar  cwn 
sms  searas,  et  suas  voluntates. 

Doe.  de  Pendorada. 

«Sete,  ou  oyto  porcos,  e  cubas,  e  arcas,  e 
outras  voontades,  que  era  mantimento  da 
casa.t 

Doe.  de  Tarouca  de  1326. 

VOSQUO. — port.  ant  — comvosco. 

tE  taes.  Senhor,  est.-jvam  aló  vosquo,  que 
tinham  na  terra  a  maior  parte  de  sas  lan- 
ças. • 

Cortes  de  Coimbra  de  1385. 
VOTO.  V.  Vodo. 

O  voto  que  fez  el-rei  D.  João  IV  à  Virgem 
e  que  por  ordem  d'elle  foi  gravado  nas  por- 
tas das  nossas  villas  e  cidades,  encontra- 
se  no  art.  Porto,  vol.  7.»  pag.  382,  eol. 

VOUGA,— rio. 

Como  já  dissemos  no  artigo  Viseu,  pag. 
1745,  col.  1.*,  este  rio  nasce  no  Chafariz  da 
Lapa,  junto  do  santuário  d'esle  nome  (V. 
Lapa)  concelho  de  Sernancelhe;  corre  de 
E.  N.  E.  a  O.  S.  O.;  banha  na  sua  direita  a 
villa  de  S.  Pedro  do  Sul  e  as  extinctas  vil- 
las d'Angeja  e  Serem;— -na  margem  esquer- 
da passa  a  juzante  das  villas  de  Vouzella 
e  de  Oliveira  de  Frades;  banha  as  extin- 
ctas villas  do  Banho  e  do  Vouga  —  e  des- 
agua na  ria  d*Aveiro,  a  N.  da  cidade  d'es- 
te  nome,  tendo  de  curso  total,  com  as  mui- 
tas voltas  que  descreve,  mais  de  loO  kilo- 
metros. 

Desde  a  nascente  até  á  povoação  e  ponte 
do  Pecegueiro,  na  estrada  real  n."  41  d'Avei 
ro  a  S  Pedro  do  Sul,  em  geral  corre  fundo 
e  por  entre  margens  escabrosas,  principal- 
mente desde  S.  Pedro  do  Sul  até  o  Pece- 
gueiro; mas  d'ali  até  á  sua  fuz,  nomeada- 
mente desde  Jafafe,  cerca  de  6  kil.  a  jusan- 
te de  Pecegueiro,  tem  margens  amplas,  am- 
plíssimas, pois  corre  atravez  d'uma  vasta  e 
formosa  campina,  que  alaga  e  feriilisa  no  in- 
verno, cobrindo-a  na  extensão  de  algumas 
legoas  quadradas  e  deixando-lbe  gordos  na- 
teiros, a  flor  da  terra  que  traz  dos  campos  e 


encostas  da  sua  grande  bacia  hydrogra- 
pbica. 

Aa  mencionadas  campinas  são  em  geral 
muito  planas  e  cortadas  em  diversas  direc- 
ções por  valias  de  esgoto  para  enchuga- 
mento  dos  campos,  as  quaes  formam  muitas 
ILHAS  (assim  se  denominam  grandes  lotes 
dos  dictos  campos);  e  algumas  valias,  a  O. 
da  linha  férrea— são  navegáveis  em  barcos 
próprios  que,  vistos  de  distancia,  quando 
vão  á  vela,  ofTerecem  um  aspecto  interes- 
santíssimo e  único  em  Portugal,  porque  o 
rio  e  as  valias  de  longe  não  se  veem  e  pa- 
rece que  os  barcos  deslisam  sobre  os  cam- 
pos. 

V.  Angeja,  tomo  !.•  pag.  215. 
• 


Recebe  differentes  rios  tributários,  avul- 
tando entre  elles — na  margem  direita  o  Sul, 
que  dá  o  nome  á  villa  de  S.  Pedro  do  Sul , 
T-e  o  Caima,  que  vem  das  serras  d' Arouca 
8  passa  na  freguezia  de  Val-Maior,  não  lon- 
ge de  Albergaria  Velha; — na  margem  es- 
querda o  Zella,  que  vem  da  serra  de  La- 
fões e  com  o  Vouga  dà  o  nome  á  villa  de 
Vouzella,  por  estar  junto  da  confluência  dos 
dois  rios  Vôuga  e  Zella. 

Também  recebe  na  margem  esquerda,  lo- 
go abaixo  da  ponte  da  Rata,  o  rio  Agueda, 
depois  d'este  ler  recebido  nas  alturas  de  Re- 
queixo  as  aguas  do  Certema  ou  da  pateira 
de  Fermentellos,  que  é  uma  grande  lagôa 
formada  pelas  aguas  do  Certema  junto  da 
sua  foz  ou  da  entrada  no  rio  Agueda. 

O  Certema  vem  de  Formoselha  e  do  Bus- 
saco— e  toca  na  viila  da  Maaíhada,  outr'ora 
Vasaíiça,  pelo  que  também  já  se  denominou 
rio  da  Vacariça. 

O  Agueda  é  formado  pelos  rios  Alfusquei- 
ro  e  Agaião,  que  se  juntam  a  montante  da 
villa  d' Agueda  cerca  de  2  kilometros;  — e  é 
desde  esse  ponto  que  toma  o  nome  de  rio 
Agueda,  outr'ora  Agada. 

V.  Caima,  Certoma,  Sul,  Alfusqueiro, 
Agueda  e  Zella. 


O  Vouga,  a  jusante  do  Pecegueiro,  até 


1974  VOU 


VOU 


Sarrazola,  termo  do  rio  novo,  aberto  à  na- 
vegação em  1821^^  tem  aproximadameote 
50  kílometros  de  curso — e  do  rio  novo  até  o 
mar  tem  aproximadameote  10  kilometros, 
comprehendendo  a  largura  da  na  d  Aveiro 
e  a  barra  por  onde  entra  no  oceeano,— de- 
nominada barra  nova,  7  kilometros  a  O.  de 
Aveiro, 

Já  não  existe  a  barra  ou  barreia  da  Va- 
gueira,  que  estava  cerca  de  10  kilometros 
ao  sul  d*aguella  e  8  ao  poente  de  Vagos, 
pela  qual  também  entravam  no  Oceano  as 
aguas  do  Vouga.  Foi  tapada  aproximada- 
mente em  1880  pelo  disiineto  engenheiro 
Silvério  Augusto  Píreira  da  Silva,  sendo  di- 
rector das  O.  P.  d' Aveiro.  Tapou-a  fazendo 
umas  portas  d^a^ua,  que  se  abriam  e  fecha- 
vam com  o  impulso  das  marés,  obstando  ao 
fluxo  e  refluxo;  e  assim  a  tal  barreta  em 
breve  assoriou  de  forma  que  já  não  entra 
por  ella  a  agua  do  mar. 

Foi  esta  a  ultima  dãs  alterações  por  que 
teem  passado  as  barras  d'Aveiro,  —  altera- 
ções que  devem  ter  influído  nos  povos  do 
líttoral.  A  ellas  talvez  se  deva  a  substituição 
de  Talabriça  pela  villa  e  comarca  de  Es- 
gueira— e  posteriormente  a  d'esta  villa  pela 
Villa  e  comarca,  hoje  cidade,  Aveiro. 


Tem  muitos  poços  ou  pégos  fundos,  tanto 
a  montante  como  a  juzante  do  Pecegueiro. 
Os  principaes  d'este  ultimo  lote  são  os  se- 
guintes, descendo: 

1.°— Poço  de  S.  Thiago,  imto  da  povoação 
do  Pecegueiro,  termo  superior  da  navega- 
ção; 

%" — Caes  de  Jafafe  ou  Somada; 
3.*—  Caes  da  ponte  de  Wouga; 
L'— Pontinha; 

5  * — Pedreiras  d'Eirol  ou  da  Ponte  da  Ra- 
ta, com  a  qual  confina. 
Este  pôço  é  formado  pelas  aguas  do  rio 


1  A  juzante  de  Sarrazola  ainda  se  vê  o  no 
velho,  lambem  navegável  nas  marés  vivas, 
porque  já  ali  chega  a  agua  salgada. 


Agueda,  em  cujo  leito  se  acha,  antes  da 
juni-ção  com  o  Vouga;  mas  no  inverno,  com 
as  cheias,  as  aguas  do  Vouga  entram  no  di- 
to poço,  galgando  o  paredão  que  ali  separa 
os  dois  nos  e,  tomando  grande  altura  sobre 
os  olhaes  da  ponte  da  Rata,  impede  a  na- 
vegação  e  a  passagem  na  ponte,  por  have- 
rem errado  (coisas  nossasl.  .)  o  calculo  do 
nivsl  das  aguas,  quando  se  reformou  a  dita 
ponte  e  fez  a  nova  estrada  a  macadam  de 
Aveiro  a  Agueda,  em  1870. 

O  paredão  entre  os  dois  rios  foi  feito  pou- 
co depois  de  1821  com  o  6m  de  os  obrigar 
a  correrem  parallelos  até  o  ponto  da  sua 
juncção,  porque  até  ali  o  Agueda  cabia  qua- 
si  perpendicularmente  no  Vouga,  e  este,  co- 
mo mais  caudaloso,  fazia  retroceder  o  Ague- 
da naoccasião  das  cheias,  tornando  alagadi- 
ços os  campos  das  freguezias  à'Eirol,  Tra- 
vaçô  o  Ois  da  Ribeira.  As  coisas  a  este  res» 
peito  pouco  melhoraram,  porque  não' se 
concluiu  o  paredão,  nem  se  lhe  deu  a  devi- 
da altura,  bem  como  Ik  pontel . . . 

6." — Poço  do  Ferro,  junto  de  S.  João  de 
Loure; 

7.0 — Angeja; 

8.''—Sarrasola  até  Villarinho. 


É  navegável  e  navegado  na  extensão  de 
50  a  60  kilometros  desde  a  sua  foz  até  á 
povoação  de  Pecegueiro,  um  pouco  a  ju- 
zante da  ponte  por  onde  passa  a  estrada 
real  n  •  41,  mas  por  meio  de  comportas  não 
era  difiicil  prolongar  a  navegação  até  á  villa 
de  S.  Pedro  do  Sul. 

No  inverno  os  barcos  que  vão  até  o  Pe- 
cegueiro são  de  fundo  chato,  como  os  do 
Mondego,  mas  um  pouco  mais  pequenos- 
Costumam  levar  6  a  8  pipas  de  560  litros — 
e  DO  verão  ou  na  estiagem  apenas  2  a  3  pi- 
pas, ou  peso  correspondente,  porque  o  seu 
leito  está  muito  assoriado,^  ou  alteado  com 


1  Este  termo  é  vulgar,  mas  não  o  encon- 
tro nos  meus  diccionarios. 


vou 


vou  1975 


as  enchentes.  Tem  mesmo  em  alguns  pon- 
tos mudado  o  curso  do  rio.^ 

Os  barcos  na  viagem  ascendente  condu- 
zem sal,  peixe  fresco  e  salgado,— e  na  des- 
cendente conduzem  madeira,  lenhá^  pedra 
de  scbisto  e  granito,  laranjas  e  cortiça. 

Também  durante  longos  annós  conduzi- 
ram muito  carvão  de  pedra  para  as  minas 
do  Braçal  e  d'esta8  muito  minério,  mas  ho- 
je esse  movimento  é  nullo,  porque  infeliz- 
mente quasi  que  parou  a  exploração  d'a- 
quellas  minas. 

Tinham  ellas  na  margem  direita  do  Vou- 
ga, em  Rio  Mau,  a  juzante  do  Pecegueiro, 
um  eaes  próprio,  ligado  ás  minas  por  uma 
linha  férrea  americana.  Silicet  magna  com- 
ponere  partis,  correspondia  o  diio  caes  ao 
de  Pomarão  nas  minas  de  S.  Domingos. 

V.  Vias  férreas,  tomo  10.»  pag.  473,  col. 
2.» — e  pag.  479,  col.  2.»  também. 


A  jusante  do  Pecegueiro  banha  na  mar- 
gem esquerda  as  povoações  de  Jafafe,  Maci- 
nhata  do  Vouga,  Vouga,  Trofa,  Segadães, 
Pontinha,  Almear,  Eiról,  Eixo,  Taboeira,  Ca- 
cia e  Sarrasola;— na  margem  direita  Serem^ 
Mesa,  Villa  Verde,  Alquerubim,  Pinheiro, 
S.  João  de  Loure,  Frossos  e  Angeja. 

Alem  das  valias  atravez  da  campina,  tem 
um  canal  desde  a  barca  d'Angeja  até  Fros- 
sos na  extensão  de  1  kilometro. 

Denomina-se  pateira  de  Frossos. 


1  A  tradição  locai  diz  que  outr'ora  este 
rio  foi  navegável  para  barcos  de  maior  lota- 
ção, inclusivamente  navios,  até  á  ponte  e 
Villa  de  Vouga, — e  talvez  que  esta  villa  e  a 
velha  cidade  romana  que  ali  alguém  sitúa 
decahissem  com  o  assoriamenlo  do  Vouga 
e  tolhimento  da  navegação. 

Também  outr'ora  os  navios  foram  pelo 
Cavado  até  Barcellos;  pelo  Leça  até  Gui- 
fòes;  por  um  esteiro  do  Mondego  alé  Tava- 
rede;  pelo  rio  de  Silves  até  à  cidade  d'este 
nome — e  pelo  Ave  ainda  n*e8te  século  foram 
muitos  navios  carregados  até  Villa  do  Con- 
de, em  quanto  que  hoje  mal  podem  sair  em 
lastro  os  que  ali  se  construem. 


As  produeçòes  principaes  das  margens  do 
Vouga  a  montante  do  Pecegueiro  são  milho 
grosso,  vinho  verde,  hervagens  e  frueta,  in- 
clusivamente laranjas  excelleutes  na  fregue- 
zia  do  Pecegueiro,  concelho  de  Sever  do 
Vouga,  districto  d'Aveiro,  margem  direita 
d'este  rio,— e  em  frente,  na  margem  opposta, 
freguezia  de  Ribeiradio,  concelho  d'Ohveira 
de  Frades,  distrfcto  de  Viseu. 

A  jusante  do  Pecegueiro,  depois  que  en- 
tra na  campina,  as  suas  margens  produzem 
milho,  algum  arroz  e  muiioibunhaes  e  chou- 
ças  para  pastagem  e  creação  de  gado  eaval- 
lar  e  bovino.  Também  produz  muito  moliço 
para  estrume  e  muito  peixe.^ 

O  Vouga,  a  jusante  de  Pecegueiro,  banha 
muitos  campos,  entre  os  quaes  merecem  es- 
pecial menção  os  de  Maeiohata,  Ouvêdo, 
Couto,  Trofa,  Segadães,  Almargem,  Ponti- 
nha, Eixo,  Angeja  e  Cacia — na  margem  es- 
querda;—^na  direita  os  campos  de  Serem, 
Mesa,  Ponte  do  Vouga,  Villa  Verde,  Alque- 
rubim, Pinheiro  e  S.  João  de  Loure,  Frossos 
e  Angeja. 

Estes  campos  estão  divididos  em  muitas 
glebas  e  não  constituem  prédios  notáveis. 


1  Os  nossos  diccionaríos  mal  indicam  es- 
tes termos— ôonAo  ou  bunho,  chousa  ou  chou' 
ça  e  moliço, — termos  próprios  d'esta  locali- 
dade e  que  no  districto  d'Aveiro  represen- 
tam artigos  muiio  importantes!. . . 

O  bunho  ou  palha  tabúa,  que  deu  o  nome 
á  povoação  de  Tabueira,  tem  differejates  ap- 
plicações.  Em  verde  é  óptima  pastagem;  de- 
pois de  secco  serve  para  tanoarias,  para 
capas  de  garrafas  e  para  mobiliário.  Com 
elle  se  fazem  esteiras  variadíssimas,  col- 
chões, cadeiras  d'eaeo8to.  etc. 

Do  tal  bunho  tomou  o  nome  a  povoação  e 
freguezia  do  Bunheiro,  concelho  de  Estí^r- 
reja. 

V.  Brunheiro,  tomo  l."  pag.  498,  col. 
2.» 

Também  temos  no  nosso  paiz  difTerentes 
aldeias  casaes  e  quintas  com  os  nomes  de 
Bunho,  Bunhosa,  Bunheira  e  Bunheiros. 

Também  ha  muita  palha  tabiia  no  baixo 
Mondego,  em  alguns  campos  marginaes  ala- 
gadiços. 


1976  VOU 


VOU 


exceptuando  os  seguintes:— campo  rfa  Trofa, 
pertencente  á  viuva  D.  Engrácia  Coelho  dos 
Reis  e  Qlhos,  de  Serem;  campo  da  Fontinha, 
pertencente  ao  dr.  João  Eduardo  Nogueira, 
d*Alquerubim;  outro,  o  do  Areinho,  perten- 
cente a  José  Martins,  de  S.  João  de  Loure,  e 
o  da  casa  de  Villannho,na  freguezia  de  Ca- 
cia, pertencente  a  Francisco  Manoel  Cou- 
ceiro da  Costa. 

As  marés  vivas  do  Oceano  apenas  sobem 
pelo  Vouga  até  á  distancia  de  iO  a  11  kilo- 
metros. 

Ha  sobre  este  rio  muitas  pontes.  Occor- 
rem-nos  as  seguintes: 

!.•  Na  linha  férrea  do  iVoríí,  aproximada- 
mente no  sitio  por  onde  passava  a  estrada 
romana  de  Braga  ao  Porto  e  Lisboa,  indica- 
da no  roteiro  de  Antonino  Pio,  estrada  de 
que  logo  fallaremos  no  artigo  seguinte,  Vou- 
'ga,  pretendida  cidade  romana. 

2.  *  Ponte  de  Angeja,  na  estrada  nova  a 
macâdam  de  Aveiro  a  Estarreja. 

3.  *  Ponte  do  Vouga,  ao  nascente  da  villa 
de  Vouga  e  junto  d'ella,  na  estrada  real  a 
macadam  de  Lisboa  ao  Porto. 

4.  *  Ponte  do  Pecegueiro,  na  estrada  real 
n.*  41,  de  Aveiro  a  Viseu,  por  Vouzella  e  S. 
Pedro  do  Sul. 

5.  *  Ponte  da  villa  do  Banho,  na  mesma 
estrada  n.*  41,  que  ali  passa  da  margem  es- 
querda para  a  direita  do  Vouga. 

6.  *  Ponte  de  S.  Pedro  do  Sul,  na  mesma 
estrada  n.*  41,  que  ali  passa  da  margem  di- 
reita para  a  esquerda  do  Vouga  e  ali  en- 
tronca e  morre  na  estrada  real  n  •  7  de  Vi- 
seu a  Villa  Real  de  Traz  os  Montes  por  Cas- 
tro d'Ayre,  Lamego  e  Regoa. 

V.  Viseu,  tomo  ll.»pag.  1776,  coL  2.»n.» 
i,  e  pag.  1777,  col.  1.»  n.«  4. 

7.  »  Ponte  de  Cota,  na  estrada  distrietal 
n.»  40  de  Viseu  à  foz  do  Távora,  por  Moi- 
menta da  Beira  e  Taboaço. 

.V.  Vtseu,  tomo  11.»  pag.  1778,  col.  2.» 
n.»  2. 

8.  "  Ponte  do  Almargem  na  estrada  muni- 
cipal a  macadam  de  Viseu  a  Castro  d'Ayre. 

V.  Viseu,  tomo  H.*  pag.  1780,  col.  1." 
n.M. 

9.  *  Ponte  do  \ouga  (2.')  na  estrada  real 
antiga  de  Viseu  a  Moimenta  da  Beira.  I 


Demora  na  freguezia  de  Ferreira  d' Aves 
e  é  uma  ponte  muito  importante. 

10.  "  Ponte  de  Villa  Bôa,  também  junto  de 
Ferreira  d'Aves. 

11.  »  Ponte  do  Senhor  dos  Caminhos^  a 
montante  d'aquella. 

12.  »  Ponte  do  Convento  da  Fraga,  a  mon- 
tante e  pouco  distante  do  dieto  convento, 
que  foi  de  capuchos  Antoninos  da  Conceição 
e  é  hoje  um  exceliente  coUegio  ou  casa  de 
educação  de  meninas^  dirigido  por  irmãs  de 
Santa  Thereza,  que  n'elle  teem  feito  muitas 
obras  e  na  egreja,— templo  magestoso,  mui- 
to bem  tratado  e  atè  muito  aceiado,  o  que 
tudo  se  deve  ás  beneméritas  irmãs  de  San- 
ta Thereza.  Se  não  fosse  a  dedicação  d'ellas, 
o  venerando  convento  em  breve  cahiriaem 
ruínas  e  se  nivelaria  com  o  chão,  como  tem 
succedido  a  tantos  outros  e  talvez  succeda 
ao  magestoso  e  real  convento  d'Arouca,  ho- 
je extincto,  fechado  e  em  completo  abando- 
no, por  haver  fallecido  a  ultima  abbadessa  e 
ultima  religiosa  em  1887,  —  se  bem  me  re- 
cordo. 

V.  Ferreira  d' Aves,  tomo  3.*  pag.  172,  col. 
1.»— e  Arouca  n'esie  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 

Talvez  tenha  mais  pontes  já  construídas, 
que  nós  não  conhecemos— e  está  em  proje- 
cto outra  ponte  sobre  o  Vouga,  na  estrada 
distrietal  n.*  41  de  Mangualde  e  Viseu  á  es- 
tação de  Freixo  de  Numão,  na  linha  férrea 
do  Douro. 

V.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1779,  col.  1." 
n.»  4. 

Todas  as  pontes  mencionadas  supra  são 
de  cantaria  de  granito,  exceptuando  a  l.*, 
que  é  formada  por  taboleiros  de  ferro  sobre 
pegões  tubulares  de  ferro  também— e  a  2.*, 
que  é  de  madeira. 

Também  este  rio  tem  muitos  açudes,  mui- 
tos moinhos  e  alguns  barcos  de  recreio  e  de 
passagem  nos  sitios  onde  não  ha  pontes. 


No  verão,  exceptuando  as  represas  dos 
açudes,  é  quasi  microscópico  e  em  alguns 
pontos  se  atravessa  a  pé  enchuto,  como  nós 
o  atravessámos  muitas  vezes  na  cascalheirc 


vou 


vou  1977 


janto  da  villa  do  Banho,  mas  no  inverno 
alteia  inamenso;— torna-se  imponente  e  ma- 
gestoso;  só  nas  pontes  se  atravessa— e  ain- 
da est'anno  de  1888,  no  dia  12  do  corrente 
roez  de  novembro  n'elle  hoave  uma  enorme 
cheia. 

Com  data  de  13  do  corrente  diziam  de  S. 
Pedro  do  Sul: 

«—Tem  chovido  estes  dias  torrencial- 
mente. Os  rios  Vouga  e  Sul  encheram  por 
tal  fórma,  na  noite  de  domingo  para  segun- 
da-feira,  como  não  lembra  ha  mais  de  qua- 
renta annos! 

Foram  destruídos  muitos  moinhos,  derri- 
bados muitos  muros,  inundadas  muitas 
propriedades,  ete. 

Hontem  (2.»  feira,  12)  de  manhã  correu 
muita  gente  a  ver  a  corrente  dos  rios,  e 
n'essa  occasião  viam -se,  arrastados  pela 
agua,  muitos  moveis  de  casas,  animaes  do- 
mésticos, utensílios  de  lavoura,  troncos  de 
arvores,  etc. 

Hontem  não  veio  o  correio  de  Nellas  nem 
de  Estarreja,  devido  também  ao  mau  tem- 
po.» 

Effectivamente  a  tal  cheia  do  Vouga  no 
dia  12  d'este  mez  ultrapassou  a  de  1860, 
que  foi  a  maior  d'e8te  século  no  Vouga,  no 
Douro  e  nos  outros  rios  ao  norte  do  nosso 
paiz,  em  quanto  que  ao  sul,  no  Tejo  e  no 
Guadiana,  etc.  foi  maior  a  de  1876. 

Também  esta  de  1888  em  alguns  dos  ou- 
tros nossos  rios  e  ribeiros  ultrapassou  a  de 
1860,  mas  no  Douro  foi  muito  inferior  e  em 
geral  causou  muito  menos  prejuízo,  porque 
a  tormenta  cessou  no  dia  12  e  logo  o  tempo 
estiou,  emquaoto  que  nos  annos  de  1860  e 
1876  a  chuva  foi  muito  mais  duradoura. 

Esta  de  1888  deixou  assignalada  a  sua 
passagem  no  Vouga,  pois  destruiu  a  ponte 
de  Cota,  n.«  7  da  nossa  lista. 

Também  a  mesma  tempestade  nos  dias 
He  12  interrompeu  em  alguns  pontos  a 
circulação  dos  comboyos  nas  nossas  linhas 
férreas  do  Norte,  do  Douro  e  do  Tua,  mas 
no  dia  13  todos  volveram  ao  seu  estado  nor- 
mal, sem  perda  de  uma  só  vida. 

É  para' lamentar  que  em  todo  o  Vouga, 
«endo  aliás  um  dos  rios  mais  importantes 
da  nosso  paiz,  até  hoje  se  não  montasse  uma 


fabrica  única  de  lanifícios,  ou  ds  papel,  ou 
de  fiação  d'algodão, — fabricas  que  abundam 
em  alguns  rios  nossos  de  muito  menor  vo- 
luni*>. 

V.  Ceia,  Gouveia  da  Beira  Baixa,  Padro- 
nellu,  Pera,  Thomar  e  \izella,  rio. 


Terminaremos  dizendo  que— na  opinião 
de  vários  auctores— -o  rio  Vouga  àniigamen- 
te  se  denominou  Vácua  e  tomou  o  nome  da 
cidade  romana  Vacca,  sita  na  Cava  de  Vi- 
riato, em  Viseu,  ou  na  exlincta  villa  de 
Vou^a. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  ar- 
tigo seguinte: 

VOUGA— villa  extincta  e  extincta  cidade 
romana,  (?)  hoje  simples  aldeia  da  freguezia 
de  Lamas,  concelho  d'Agueda^  districio  de 
Aveiro. 

Este  tópico  é  muito  nebuloso  e  dava  as- 
sumpto para  uma  Memoria  académica.  Va- 
mos apenas  esboçal-o,  dividindo-o  para 
maior  clareza  era  3  partes:— na  1.»  fallare- 
mos  da  povoação  ou  aldeia  actual  de  Vou- 
ga;—m  2.«  fallaremos  da  villa  e  do  conce- 
lho;—usl  3.«  da  cidade  romana  Vacca,  séde 
dos  vacceos,  como  dizem  alguns  auctores.  A 
l.«  parte  é  clara;  a  2.»  bastante  nebulosa— 
e  mais  nebulosa  ainda  a  3."  pois  tot  capita, 
tot  sententiae!. . . 


PARTE  1.» 


A  povoação  ou  aldeia  actual  de  Youga 


N'esta  data— novembro  de  1888— com  pre- 
bende apenas  20  a  2S  fogos  e  60  a  70  habi- 
tantes. Demora  na  margem  esquerda  do  rio 
Vouga,  que  nas  enchentes  banha  a  parte 
baixa  da  povoação,  situada  em  planície.  As 
casas  restantes  demoram  na  encosta  de  um 
monte,  cuja  pendente  N.  desce  até  o  Vouga, 
que  tem  ali  uma  soberba  ponte  de  pedra  na 
estrada  real  a  macadam  de  Lisboa  e  Coim- 
bra ao  Porto,  seguindo  pelo  mesmo  leito  da 


1978  VOU 


VOU 


estrada  mourisca,  ou  feita  pelos  mouros,*  era 
substituição  da  vellia  estrada  romana  que 
muito  provavelmente  in  illo  tempore  o  Vou- 
ga e  o  mar  tinham  arruiíiado,  pois  seguia 
mais  a  0.  e  junto  do  littoral,  aproximada- 
mente pelo  traçado  que  hoje  segue  a  linha 
férrea  do  Norte,  tocando  em  lalabrica 
(Aveiro  ou  Cacia)  segundo  se  lé  no  roteiro 
d' Antonino  Pio. 

V.  Estradas  romanas,  tomo  3."  pag.  73, 
col.  2  »;  Itinerário  d' Antonino,  no  mesmo 
vol.  pag.  401;  Vias  férreas,  tomo  li."  pag. 
467  6  segg.  e  Aveiro. 


A  povoação  ou  aldeia  de  que  no  momen- 
to nos  occupamos  dista  apenas  alguns  me- 
tros da  margem  esquerda  do  "Vouga  e  da 
mencionada  ponte: — 1  kilometro  ao  norte 
do  sitio  do  Mamei,  hoje  despovoado,  onde, 
como  logo  diremos,  esteve  a  antiga  matriz 
d'esla  parochia  de  Lamas  2  e  da  povoação  e 
Villa  de  Vouga;  1  kilometro  também  a  N. 
E.  da  sua  actual  egreja  matriz;— -8  da 
villa  d'Agueda,  hoje  a  séde  do  concelho,  pa- 
ra o  norte;  13  a  14  de  Peeegueiro  para  S. 


1  Ainda  hoje  lá  se  vê  ao  longo  da  dieta 
estrada,  no  termo  da  freguezia  da  Trofa^  a 
S.  e  não  longe  da  villa  de  Vouga,  uma  al- 
deia denominada  Mourisca. 

V.  Mourisca,  tomo  5.»  pag.  580,  eol.  1." 
n'esle  diecionario  —  e  em  Viterbo  Estrada 
Mourisca. 

2  As  paroehias  limitrophes  d'e8ta  são  as 
seguintes. 

Maeinhata  do  Vouga  a  N.  — ■  Vallongo  e  a 
mesma  de  Maeinhata  a  E.;~S.  Salvador  da 
Trofa  (antigamente  Covellasl...)  aS.,  —  e 
Alquerubim,  antigamente  Alcarouvim;  a  0. 

Na  aldeia  do  Ameal  d'e8te  ultima  fregue 
zia,  mora  o  sr.  dr.  José  Correia  de  Miranda, 
distineto  jurisconsulto,  muito  illuslrado, 
muito  conhecedor  d'estes  sitios  e  o  meu 
principal  informador  n'esle  emmaranhado  e 
nebuloso  artigo. 

Também  devo  alguns  apontamentos  ao  sr. 
dr.  José  Joaquim  da  Silva  Pinho,  de  Jafafe, 
aldeia  da  freguezia  de  Maeinhata  do  Vouga, 
— cavalheiro  muito  illustrado  também  e 
muito  conhecedor  da  localidade. 


O.  e  15  a  17  d'Ayeiro  e  da  linha  férrea  do 
Norte,  para  E. 

A  freguezia  de  Lamas  hoje  apenas  com- 
prehende as  i  povoações  seguintes;— Lama*, 
séde  actual  da  parochia,  Pedaçães  e  Vouga, 
na  margem  esquerda  do  rio  Vouga, — e  Vil- 
la Verde  na  margem  direita.* 

A  povoação  de  Vouga  foi  villa  e  séde  de 
concelho,  mas  nunca  foi  séde  de  parochia. 
Era  parte  integrante  da  parochia  de  Santa 
Maria  de  Lamas  do  Vouga  ou  do  Mamei, 
cuja  matriz  estava  na  antiga  povoação  e  vil- 
la de  Mamei,  hoje  sitio  deserto,  talvez  por 
ser  muito  pantanoso  e  doentio.  Por  esta 
mesma  rasão  transferiram  a  séde  da  paro- 
chia para  a  aldeia  de  Lamas,  não  sabemos  em 
que  data,  mas  talvez  ha  muitos  séculos. 

Os  escotnbros  da  velha  matriz  desappare- 
ceram  ha  pouco  tempo.  Faziam  parte  do 
passal  d'esla  freguezia  de  Lamas,  que  pela 
lei  de  desamortisação  foi  posto  em  praça  e 
arrematado  pelo  cónego  Manoel  Homem  de 
Macedo  da  Camara  Motta,  e  hoje  constituem 
com  o  dito  passal,  antiga  cerca  do  antiquís- 
simo convento  de  Santa  Maria  de  Lamas  ou 
do  l^arnel,  um  prédio  ou  quinta  importan- 
te, pertencente  ao  dicto  cónego. 

V.  Lamas  do  Vouga,  tomo  4."  pag.  32,  col. 
2.";  Maeinhata  do  Vouga,  tomo  5.''  pag.  17, 
— e  Mamei  no  mesmo  vol.  pag.  87,  col. 
e  2.» 


*  Na  povoação  de  Lamas  demora  a  egre- 
ja matriz,  cuja  padroeira  hoje  é  Nossa  Se- 
nhora da  Assumpção.  Também  lá  se  vê  ain- 
da a  imagem  da  antiga  padroeira  — -  Santa 
Maria,  —  que  estava  na  antiga  egreja  mo - 
nasterial  e  parochial  da  Santa  Maria  de 
Lamas,  d'onde  foi  transferida  para  a  egreja 
actual,  anteriormente  simples  capella  de 
Nossa  Senhora  da  Assumpção. 

Em  Pedaçães  ha  também  uma  capella  de 
S.  Lourenço — e  na  extincta  villa  de  Vouga 
uma  capella  do  Espirito  Santo,  muito  anti- 
ga e  bem  conservada,  porque  foi  ha  poucos 
annos  restaurada  a  expensas  de  alguns  de- 
votos. 

Também  me  dizem  que  na  egreja  actual 
de  Lamas  está  uma  inscripção  gothica  em 
uma  pedra  que  foi  da  velha  matriz  e  que 
''allude  à  fundação  ou  sagração  d'ella. 


vou 


vou  1979 


De  pafsagem  diremos  que  a  freguezia  de 
Macinhata  do  Vouga  está  na  esquerda  e  não 
na  direita  d'e9te  rio,  como  di88e  por  lapso  o 
meu  antecessor. 

Estão  effectivamente  na  esquerda  do  Vou- 
ga a  matriz  e  algumas  povoações  e  terrenos 
d'e8ta  freguezia;  mas  na  margem  direita  oc- 
cupa  também  larga  zona  e  ali  tem  algumas 
aldeias,  taes  são  —  Gandara,  Serem,  RoxíOj 
Mesa,  etc. 

Também  a  lagôa  do  Mamei  está  toda  na 
freguezia  de  Lamas  do  Vouga — e  não  na  de 
Macinhata  do  Vouga,  como  disse  o  meu  an- 
tecessor no  citado  art.  Marnel, — artigo  aliás 
muito  interessante  e  muito  digno  de  ler-se. 


Como  ali  se  diz  e  prova,  o  Marnel  foi  po- 
voação acastellada  e  muito  importante  no 
sec.  XI,  pois  em  um  dtieumenlo  de  Lorvão 
se  lhe  dá  o  titulo  de  cidade  —  e  em  outro  o 
de  Villa;  note-se  porem  que  outr*ora  esies 
termos  não  tinham  a  significação  hodierna. 
Por  vezes  as  cidades  —  inclusivamente  o 
Porto  e  Lisboa — se  denominavam  villas,  em 
quanto  que  Ceia,  Gouveia  da  Beira  Baixa  e 
outras  villas  se  denominavam  cidades. 

Veja  seoart.  Villa,  tomo  l!.»pag.  663^ 
eol.  2.'  —  e  Lusitânia,  tomo  4.0  pag.  492, 
col,  1.» 

Note-se  também  que  Lamas  e  Marnel  são 
quasi  syaonimos,— paíííVa,  lamaçal,  terreno 
alagadiço— e  outr'ora  emprega vam -se  indis- 
tinctamente,  pelo  que  hoje  mal  podemos  sa- 
ber quando  os  velhos  documentos  fallavam 
da  povoação  de  Lamas,  propriamente  dieta, 
—ou  da  de  Marnel. 

Na  lagôâ  do  Marnel  desagua  o  rio  d'este 
nome,  que  nasce  no  concelho  de  Sever;  atra- 
vessa parte  das  freguezias  de  Macinhata  e 
Vallongo  do  concelho  d'Agueda;  tem  cerca 
de  15  kilometros  de  curso — e  na  lagôa  do 
Marnel  uma  boa  ponte  nova — e  outra  anti- 
ga, abandonada. 

Também  desagua  na  mesma  lagôa  do  Mar- 
nel e  campo  da  Trofa  outro  rio  ou  ribeiro 
que  vem  da  serra  das  Talhadas  e  tem  de 
curso  igualmente  cerca  de  IS  kilometros. 


Ámbos  vão  ter  ao  Vouga  por  uns  riachos 
não  navegáveis  nem  fluciuaveis. 

A  ponte  do  Vouga  é  differente  da  do 
Marnel;  demora  cerca  de  1  kilometro  a  N. 
junto  da  povoação  ou  villa  do  Vouga — e  tem 
7  ou  8  grandes  arcos  de  pedra  de  dlfferen- 
tes  estylos,  sendo  uns  ogivaes,  outros  de 
volta  inteira  e  outros  de  volta  abatida,  se- 
gundo as  diversas  rflconstrucçòes  A  ultima 
reconstrueção  data  de  1713  e  foi  ordenada 
por  D.  João  V,  segundo  se  lê  em  uma  ins  • 
cripção  gravada  no  meio  da  dieta  ponte. 
Apenas  lhe  fizeram  alguns  reparos  aproxi- 
madamente em  1858,  quando  se  fez  a  estra- 
da real  a  macadam  de  Coimbra  ao  Porto. 

Os  pegões  dos  arcos  estão  muito  soterra- 
dos com  as  areias,  mas  ainda  assim  devem 
terem  alguns  pontos  cerca  de  20  metros  de 
altura  até  o  ta  boieiro — e  e?te  cora  as  ave- 
nidas tem  de  extensão  aproximadamente 
200  metros.  ■ 

A  ponte  actual  ào  Marnel,  por  onde  passa 
também  a  mesma  estrada  real  de  Coimbra 
ao  Porto,  foi  feita  junto  da  velha  ponte,  al- 
guns melros  para  O.  Principiou  a  construo- 
ção  em  12  de  janeiro  de  1858  sob  a  direc- 
ção do  distincto  engenheiro  José  Diogo 
Mousinho  —  e  terminou  em  novembro  dé 
1859.  Custou  19:384i^920  réis  — e  os  seus 
materiaes  são  grés  e  calcareo,—  a  pedra  da 
localidade. 


As  pontes  do  Marnel  e  do  Vouga  devem 
datar  do  tempo  em  que  os  mouros  fizeram 
a  estrada  por  este  sitio,  mas  tanto  uma  co- 
mo a  outra  toram  reconstruídas  varias  ve- 
zes, já  por  se  arruinarem  com  as  enchentes 
dos  dois  rios  e  com  o  peso  dos  séculos,  já 
porque  muito  provavelmente  foram  destrui-, 
das  por  oceasião  das  batalhas  que  junto 
d'ellas  se  feriram  desde  tempos  muito  re- 
motos. V.  Mamei. 

Nos  fins  do  sec.  xii,  por  exemplo,  estava 
em  ruínas  e  talvez  em  reconstrueção  a  pon- 
te do  Vouga,  como  se  deprehende  do  testa- 
mento de  Gonçalo  Gonçalves,  chantre  do 
Porto  e  de  Coimbra,  testamento  feito  em  12 
d'abril  de  1262,  (era  1300)  pois  n'elle,  entre 
outros  muitos  legados,  deixou  ás  pontes  da 


1980 


VOU 


VOU 


Vouga,  Agueda,  Ceira,  Albia  e  Canavezes— 
ancipitrem  meum. . .  meos  panos  de  tirita- 
nta,  annulum  meum  de  Robibalais.^ 

Dissert.  Chtonol.  de  João  Pedro  Ribeiro, 
tomo  V,  pag.  81. 

Parece  que  no  anuo  de  1300  ainda  a  pon- 
te do  Vouga  não  estava  reconstruida,  por- 
que u'aquella  data  o  bispo  do  Porto  D.  San- 
cho legou  também  certa  quantia  para  se  aca- 
barem a»  pontes  de  Canavezes,  Agueda  e 
Vouga,  como  se  lé  no  Catalogo  dos  bispos 
do  Porto,  pag.  1 12.2 

Em  1708  03  rios  Vouga  e  Marnel  haviam 
alteado  tanto  os  seus  leitos,  que  as  duas 
pontes  e.<itavam  quasi  soterradas. 

Paliando  da  villa  de  Vouga,  diz  a  Choro- 
gr.  Port.  —  «Tem  sobre  o  Vouga  hua  pon- 
te de  pedra  de  muitos  olhaes,  mas  já  tão 
areada,  que  em  tempo  de  cheias  se  passa 
em  barcos,  e  he  estrada  publica  de  Coimbra 
para  o  Porto,  que  passa  por  dentro  da  villa. 
Ha  também  outra  ponte  d'arcos  sobre  o  rio 
Marnel,  que  no  tempo  do  inverno  e  cheias 
se  não  passa.» 

Era  isto  em  1708,  pelo  que  em  1713  D. 
João  V  mandou  reconstruir  a  ponte  do  Vou- 
ga e  talvez  a  do  Marnel  também. 


O  local  da  povoação  de  Vouga  é  pitto- 
resco,  muito  arborisado  e  muito  fértil,  prin- 
cipalmente na  parte  baixa.  Produz  muito 


milho  e  vinho— e  até  meiado  doeste  século, 
antes  de  adoecerem  os  nossos  pomares  de 
larangeiras,  produzia  também  muita  e  ópti- 
ma laranja,  mas  o  seu  clima  é  muito  insa- 
lubre, já  pela  visinhança  dos  gràndf^s  pân- 
tanos, já  porque  não  tem  agua  potável.  Be- 
be a  do  rio  Vouga,  pelo  que  a  sua  popula- 
ção tende  a  desapparecer,  como  pelas  mes- 
mas rasões  já  desappareceu  completamente 
a  da  villa  do  Marnel,  —  villa  antiquíssima, 
que  foi  matriz  dos  povos  circumvi.ainho3 
até  grande  distancia.  Segundo  reza  a  tradi- 
ção foi  inclusivamente  a  matriz  da  villa  de 
Esgueira,  distante  cerca  de  17  kilometros 
para  0.^  villa  que  durante  muitos  annos 
foi  sf^de  (ia  comarca  a  que  pertenciam  os 
concelhos  de  Aveiro,  Anadia,  Estarreja,  Vou- 
ga e  outros  muitos. 
V.  Esgueira. 


PARTE  2.» 


A  villa  e  o  concelho  de  Vouga 


»  A  ponte  de  Albia  muito  provavelmente 
era  a  ponte  da  Murcella,  sobre  o  rio  Alva, 
na  estrada  da  Beira,  de  Coimbra  a  Celorico 
pela  m.  e.  do  Mondego. 

V.  Alva  e  Murcella. 

2  O  sr.  Marques  Gomes  na  sua  descripção 
do  Districto  de  Aveiro,  pag.  48,  menciona  o 
mesmo  legado,  mas  assigna-lhe  a  data  de 
1292,  o  que  foi  lapso,  pois  o  bispo  D.  San- 
cho falleceu  no  anno  de  1300  e  fez  o  seu 
testamento  no  dia  7  de  janeiro  do  mesmo 
anno. 

Também  o  sr.  Marques  Gomes  loc.  cit. 
confunde  a  ponte  do  Vouga  cora  a  do  Mar- 
nel, sendo  vizinho  diambas  e  devendo  co- 
Dhecel-as  muito  melhpr  do  que  eu. 


E'  innegavel  que  esta  povoação  de  Vouga 
foi  villa  e  séde  de  concelho  desde  tempos 
muito  remotos  até  1853. 

D.  Manoel  lhe  deu  foral  em  Lisboa  a  18 
de  março  de  1314. 


1  Não  se  estranhe  isto,  pois  com  a  inva- 
são dos  bárbaros  no  sec.  v,  com  a  dos  mou- 
ros no  sec.  VIU  e  com  as  guerras  posteriores 
rarearam  muito  em  Portugal  e  na  península 
as  egrejas  parochiaes.  Assim  também  consta 
que  a  eapella  de  Nossa  Senhora  do  Sabrosa, 
junto  da  villa  de  Barcos,  concelho  de  Ta- 
boaço,  a  egreja  de  Carquere,  era  Rezen- 
de, e  a  de  Anciães  em  Traz  os  Montes,  etc, 
foram  matrizes  dos  povos  circumvisinhos 
até  muitas  legoas  de  distancia. 

V.  Fí7/aiíía/ííeTraz-os-Montes,  tomo  11.® 
pag.  963  col.  2.» 

Também  nos  artigos  próprios  já  dissemos 
que  no  sec.  vi,  os  bispados  de  Braga,  Porto, 
Lamego,  Viseu,  Guarda  e  Coimbra,  então  to- 
dos pertencentes  à  proviocia  da  Galliza,  es- 
tavam reduzidos  a  um  limitado  numero  de 
parochias,  como  se  vé  das  actas  do  concilio 
de  Lugo,  celebrado  no  anno  de  569, 


vou 


vou  1981 


Livro  de  Foraes  da  Estremadura,  fl.  84, 
V.  col. 

V.  o  processo  para  este  foral  na  Gav.  20, 
maço  12,  n.»  47. 

Estranhamos  que  não  tivesse  foral  antigo. 
Pelo  menos  Franklin  não  o  menciona  nem 
o  encontramos  no  Portugaliae  Monumenta; 
mas  é  ionegavel  que  este  concelho  de  Vouga 
já  era  muito  importante  e  se  regia  por  fo- 
ros sevs  próprios  no  anno  de  1117,  coma  se 
vê  da  carta  do  couto  que  a  rainha  D,  The- 
reza  deu  m  illo  tempore  à  villa  de  Ossella, 
hoje  simples  parochia  do  concelho  de  Oli- 
veira d'Azemeis. 

V.  Os&ella,  tomo  6.»  pag.  299,  col.  l.«— e 
aquelle  interessante  documento  no  Sm  does- 
te tópico. 

O  concelho  de  Vouga  era  muito  extenso 
nos  princípios  da  nossa  monarehia, — segun- 
do se  lê  na  memoria  sobre  o  Dislricto  de 
Aveiro  pelo  sr.  Marques  Gomes,  e  assim  se 
conservou  até  o  reinado  de  D.  Fernando  I, 
data  em  que  foi  muito  cerceado  e  reduzido 
a  um  pequeno  numero  de  parochias. 

Pelo  decreto  de  28  de  junho  de  1833  com- 
punhã-se  das  freguezias  de  Alacinbata  do 
Vouga,  Valloogo  e  Valle  Maior.  Posterior- 
mente foram-lhe  annexadas  as  de  Agadão, 
Castanheira  do  Vouga,  Macieira  d*Alcoba, 
Préstimo,  Agadães  e  Trofa.  Por  decreto  de 
28  janeiro  de  1835  foi  lhe  tirada  a  fregue- 
sia de  Valle  Maior  e  annexada  ao  concelho 
d'Albergaria  Velha;— finalmente  por  decre- 
to de  St  de  dezembro  de  i853  foi  extincto 
o  concelho  de  Vouga — e  as  freguezias  de 
que  se  compunha  ficaram  pertencendo  ao 
concelho  d'Agueda.  » 


Assim  desappareceu  o  antigo  concftlho  de 
Vouga,  que  chegou  a  ter  bastante  impor- 
tância,^ mas  a  villa  desde  que  ha  memoria 


1  Os  seus  habitantes  gosavam  os  foros, 
privilégios  e  regalias  de  cavalleiros  villões, 
como  diz  Alexandre  Herculano,  Hist.  de  Port. 
tomo  3.»  pag.  324  e  330. 

YOLUMB  XI 


d'ella  foi  sempre  insignificantet  Em  1708, 
por  exemplo,  contava  apenas  IS  fogos  —  e 
hoje  poucos  mais  conta,  nem  ostenta  ruínas 
ou  vestígios  de  maior  população  e  de  edifi* 
cações  notáveis. 

O  concelho  na  data  supra  tÍDha  2  juizes 
ordinários,  dos  orphãos  e  das  sisas,  2  ve- 
readores, 1  procurador,  1  escrivão  da  ca- 
mará, 4  escrivães  do  publico,  2  almotacés, 
1  alcaide  e  3  capitães  d'ordenanças,  alem 
de  1  carcereiro  e  outros  empregados  meno- 
res. Do  exposto  se  vê  que  os  taes  15  fogos 
da  Villa,  ou  todos  os  seus  habitantes,  eram  os 
funccionarios  públicos?! ; . .  E  muito  pro- 
vavelmente alguns  ã'elles  viviam  fóra  da 
villa.  Também  esta,  como  já  dissemos,  nun- 
ca foi  parochia,  mas  uma  simples  aldeia  da 
parochia  de  Santa  Maria,  hoje  Nossa  Se- 
nhora da  Assumpção,  de  Lamas  ou  Marnel, 
onde  estava  a  matriz,  que  foi  transferida 
com  a  imagem  da  padroeira  para  a  povoa- 
ção de  Lamas,  como  já  dissemos. 

O  pelourinho,  a  casa  da  camará  e  a  ca- 
deia estavam  na  villa  e  desappareceram  ha 
pouco  tempo. 


Si  licet  magna  componere  parvis,  dava-se 
n'este  concelho  o  mesmo  que  se  dava  no  de 
Viseu  até  1836,^  pois  dentro  da  sua  circum- 
scripção  este  de  Vouga  tinha  como  o  de  Vi- 
seu encravados  outros  concelhos  autónomos 
com  justiças  próprias,  taes  eram  os  seguin- 
tes: 

1.  "  Aguieira,  villa  extincta,  hoje  simples 
aldeia  da  freguezia  de  Vallongo,  n*este  con- 
celho d'Agueda. 

V.  Aguieira,  tomo  1.»  pag.  40,  col.  2.* 

2.  »  Brunhido,  também  villa  extincta,  hoje 
simples  aldeia  da  mesma  parochia  de  Val- 
longo. 

V.  Brunhido  no  mesmo  tomo,  pag.  499, 
col.  1.» 

Note-se  que  na  aldeia  da  Arrancada^  per- 


»  V.  Viseu,  tomo  XI,  pag.  1744,  col.  l.*— 
e  1746,  col.  2." 

125 


1982  VOU 


VOU 


tencente  á  dieta  parochia  de  Vallongo,  se 
faziam  em  1708  por  costume  antigo  as  arre- 
matações que  a  lei  mandava  fazer  no  pelou- 
rinho da  villa  e  concelho  de  Vouga.  Faziam- 
se  ali  as  arrematações,  por  ser  a  dita  povoa- 
ção muito  mais  populosa  e  muito  mais  im- 
portante do  que  a  villa  de  Vouga,  pois  con- 
tando esta  em  1708  apenas  15  fogos,  a  po- 
voação de  Arrancada  linha  209  fogos,  11 
sacerdotes  e  2  capellas  publicas:  —  uma  de 
Nossa  Senhora  da  Conceição,  com  irmanda- 
de própria  importante,  outra  de  Santo  An- 
tonio— 6  no  meio  da  povoação  um  cruzeiro 
coberto  d'abobada  em  um  largo,  onde  se 
faziam  as  taes  arrematações. 

V.  Vallongo  do  Vouga,  tomo  10.»  pag.  182 
col.  2.»— e  a  Chor.  Port.  tomo  2.»  pag.  161, 
edição. 

A  villa  da  Aguieira  n'aquella  data  conta- 
va 50  fogos  —  e  a  de  Brunhido  70.  Da  2." 
diz  Carvalho: 

«Este  povo  d'esta  villa,  e  seu  termo  está 
mettido  dentro  do  concelho  do  Vouga,  e  tem 
juiz  ordinário,  e  dos  orphãos,  vereador  al- 
motacel  e  procurador,  todos  por  eleição  de 
pelouro,  e  confirmados  pelo  ouvidor  de  Mon- 
te Mór. . . » — Da  villa  de  Aguieira  diz  entre 
outras  coisas  o  seguinte:  —  «Tem  juiz  ordi- 
nário e  dos  orphãos,  vereador,  almotarel  e 
procurador  confirmados  pelo  corregedor  da 
comarca  de  Esgueira,  que  he  o  de  Coimbra. 
D.  Manoel  de  Azevedo  e  Ataíde  he  senhor 
dos  foros,  e  raçoens  da  dita  villa,  e  seu  ter- 
mo, que  he  ametade  do  logar  da  Mourisca 
para  o  nascente  da  dita  villa,  e  para  o  poen- 
te he  da  villa  da  Trofa.  Está  a  dita  villa  de 
Aguieyra  metida  entre  o  dito  concelho  do 
Vouga  do  norte,  e  sul,  e  do  nascente  passa 
hum  ribeyro  pelo  meyo,  que  faz  a  dita  di- 
visão, o  qual  se  mele  no  rio  Mamei,  ficando 
a  villa  da  Aguieyra  para  o  poente,  e  o  lu- 
gar da  Aguieyra,  que  he  do  termo  da  villa 
de  Vouga,  para  o  nascente. .    Tem  mais  a 


villa  de  Vouga  o  lugar  da  Dos  Ferreiros,^ 
que  he  da  freguezia  de  Santiago  do  Présti- 
mo, annexa  á  de  S.  Pedro  de  Vallongo,  jan- 
to ao  rio  Alfusqueiro,  no  qual  está  huma 
grandiosa  ponte  de  hum  só  olhai,  muito  al- 
ta, de  pedra  de  cantaria,  que  do  rio  mal  se 
chega  com  huma  pedra  acima,  assentada 
em  lagedo  muito  firme,  e  larga.» 

V.  Alfusqueiro  u'e8te  diccionario  —  e  a 
Chor.  Port.  cujo  auctor  parece  que  visitoa 
detidamente  o  extincto  concelho  do  Vouga, 
pois  falia  d'elle  cora  gronde  minuciosidade. 

E'  muito  interessante  tudo  o  que  diz  das 
freguezias  de  Vallongo  e  de  Macinhata  do 
Vouga,  freguezias  já  então  muito  populosas. 
Pelo  ultimo  reeenceamento  (1878)  a  1.» 
contava  587  fogos  e  2:069  habitantes;  a  2.* 
430  fogos  e  1687  habitantes,  mas  deve  ser 
hoje  muito  maior  a  sua  população. 

N'aquella  data  a  freguezia  de  Vallongo 
pertencia  a  3  concelhos— firtíwAíáo,  Aguiei- 
ra e  Vouga,  comprehendendo  o  do  Vouga  a 
maior  parte.  A  de  Macinhata  era  também 
do  concelho  do  Vouga  in  illo  tempore,  exce- 
ptuando as  aldeias  de  Monquim,  Chãs,  Car- 
voeiro. Povoa  das  Furadas,  que  pertenciam 
ao  concelho  de  Recardàes  e  eram  meieiras 
com  a  freguezia  de  Val  Maior. 

V.  Recardàes,  tomo  8."  pag.  71,  col.  i.» — 
artigo  muito  interessante  e  que  honra  o  meu 
benemérito  antecessor. 

Note-se  também  que  até  1834  a  povoação 
de  Lamas  e  as  visinhanças  do  Mamei,  onde 
estavam  as  ruinas  do  convento  e  da  egreja 
de  Santa  Maria  de  Lamas,  não  eram  do 
termo  de  Vouga,  posto  que  eram  da  mesma 
freguezia.  Pertenciam  ao  concelho  d' Aveiro, 
como  diz  o  sr.  dr.  José  Correia  de  Miranda, 
di  Alquerubim,  homem  muito  illustrado  e 
muito  conhecedor  da  localidade. 

Vamos  transcrever  a  carta  do  couto,  que 


1  Ainda  em  1836  e  nos  anoos  seguintes  |  ^  Atravessámos  esta  povoação  muitas  ve- 
08  aetos  camarários  e  judiciaes  do  concelho  j  zes  durante  a  nossa  formatura  (1851-1856) 
do  Vouga  se  faziam  na  povoação  de  Arran-  \  porque  tocava  n'ella  a  antiga  estrada  de 
cada  e  também  algum  tempo  se  fizeram  j  Coimbra  a  Lamego;  e  em  1854  ali  passámos 
na  povoação  de  Aguieira,  na  parte  que  era  ,  a  galope  bravio!. . . 
do  termo  de^ouga.  !    V.  Nilta  Maior, iomo  11.»  pag.  775. 


vou 


vou  1983 


a  rainha  D.  Thereza  deu  em  1117  à  villa  de 
Ossella,— documento  interessantíssimo  para 
a  dieta  parochia  e  para  a  de  Romariz,  bem 
como  para  o  extincto  concelho  de  Vouga  e 
para  os  de  Oliveira  d' Azeméis,  Albergaria 
Velha  e  Villa  da  Feira. 

O  citado  documento  eocontra-se  na  sua 
integra  em  latim  nas  Dissertações  Chrono- 
lógicas,  tomo  1.»  pag.  243,  sob  o  n.*  36,  mas, 
para  não  fatigarmos  os  leitores,  vamos  dal-o 
em  porluguez  e  por  extracto: 

tNoverint  universi,  ad  quos  preens  scri- 
ptura  pervenerit. .  .—Em  vulgar: 

«Saibam  todos  os  que  virem  esta  escri- 
ptura,  que,  tentando  nós  D.  Egas,  bispo  de 
Coimbra  reformar  a  velha  Albergaria  de  Me- 
sãofrio,^ D.  Mourão  da  villa  de  Vouga  (de 
burgo  de  Vouga)  nos  mostrou  certa  carta 
sem  rasuras  nem  defeito  algum,  e  não  can- 
cellada  nem  abolida,. . .  cujo  theor  é  o  se- 
guinte: 

«In  nomine  Sande,  et  Individue  Trinita- 
tis...— Em  nome  da  Santíssima  Trindade. 
Padre,  Filho  e  Espirito  Santo,  amen.  Esta  é 
a  carta  de  couto  que  eu  a  infanta  D.  There- 
za, rainha  de  Portugal,  mandei  dar  a  ti 
Gonçalo  Eiriz  para  a  tua  villa  de  Ossella: 

<Primeiramente  dou  à  mencionada  villa 
08  termos  seguintes:  partirá  com  as  terras 
de  Santa  Maria  (Villa  da  Feira)  por  um  la- 
do, s.  pela  estrada  que  vem  de  Portugal 
(Porto)  direita  à  Pedra  d' Águia  e  d'ahi  pelo 
meio  de  Mata  talada;  depois  vae  á  Mata 
da  Ussa,  que  antigamente  se  denominou  Ma- 
ta da  Brava;  d'ali  á  Mamoa  negra,  que  tam- 


1  Albergarie  veteris  de  Meigonfrio. 

Assim  se  denominava  então  a  velha  al- 
bergaria, núcleo  à'Albergaria  Velha,  hoje 
villa  e  sóde  de  concelho. 

Não  se  confunda  com  a  outra  albergaria 
e  behetria  que  houve  também  in  illo  tempo- 
re  na  villa  e  concelho  pe  Mesãofrio,  hoje  co- 
marca da  Regoa. 

V.  Mesãofrio,  tomo  5.»  pag.  196,  col.  2.»e 
Villa  Jusã,  tomo  H.°  pag.  766,  eol.  2.»  tam- 
bém. 

V.  Ttmbem  Mamei  no  tomo  5.»  pag.  88, 
eol.  2."  in  fine,  e  Mesãofrio,  pag.  198. 


hem  já  se  denominou  Mamoa  arida;^  d 'ali 
a  Romariz,^  depois  vae  pelís  outras  partes, 
ao  íerrao  de  Vouga;  passa  o  rio  de  Ossejla  ; 
vae  Á  Jarneca;  depois  dá  volta  pelos  valles 
de  Ossella  e  vae  direito  á  Fonte  Fria,  ou- 
tr'ora  denominada  Fontainha  de  Mesãofrio 
{Foctanini  de  Meigonfrio);  depois  segue  pela 
estrada  até  á  Pedra  d^Aguia,  onde  princi- 
piou a  demarcação. 

«E  vos  faço  este  couto  na  villa  de  Ossel- 
la (Osse/o/a)  pelas  divisões  supra,  s.  — da 
mesma  villa  até  o  marco  do  couto,  que  man- 
dei por  ao  norte,  junto  da  estrada  do  Porto, 
e  outro  tanto  para  o  poente  e  sul  na  direc- 
ção dos  valles  de  Ossella,  para  alem  do  rio 
d'este  nome,  dando  volta  até  à  Fonte  Fria  e 
ao  sobreiro  marcado^  (Suverario  asignato); 
depois  atravessa  a  estrada  publica  para  o 
nascente  e  vae  direito  pelo  termo  de  Val 
Maior  ao  Val  pequeno,  onde  costumam  rou- 
bar e  matar  os  viandantes;  e  d'ali,  da  pri- 
meira fonte  que  está  a  jusante  da  estrada 
publica,  vae  direito  ao  norte  até  á  sêde  do 
couto. 

tE  assim  vós  e  os  vosáos  descendentes 
que  herdarem  a  villa  de  Ossella  possuireis 
todo  este  couto  pelo  açor  que  desteis  a  D. 
Mendo  Boíino,  pelo  cavallo  que  desteis  ao 
meu  escudeiro  Artaldo,  pe]o  gavião  que  des- 


1  Parece  qne  no  dicto  locai  existiu  algum 
dolmen. 

2  V-  Romariz,  parochia  do  concelho  da 
Feira,  tomo  8."  pag.  242,  eol.  2." 

A  carta  de  couto  diz  textualmente: 
«. .  .deinda  ad  Romariz,  et  deinde  de  alis 
partibus  ad  terminum  de  Vaga...* 

Era  muito  grande  o  tal  couto,  porque  Ro- 
mariz dista  da  Villa  da  Feira  llkilometros 
para  N.  E.— e  cerca  de  20  kilometros  da 
freguezia  de  Ossella  para  N.  N.  O.  —  Com- 
prehendia  pois  grande  parte  dos  actuàes 
concelhos  da  Feira,  Oliveira  d' Azeméis  e 
Albergaria  Velhafl . . . 

3  Parece  que  havia  ali  um  sobreiro  que 
ficou  servindo  de  marco,— a  talvez  que  to- 
masse d'elle  o  nome  a  aldeja  actual  do  So- 
breiro, pertencente  á  freguezia  d'Albergaria 
Velha  e  distante  da  villa  cerca  de  3  kilome- 
tros para  O. 


1984  VOU 


VOU 


teis  a  Godinho  Viegas*  e  pela  albergaria 
qne  nós  os  dois  combÍDámos  fundar  no  di- 
eto  couto  sobre  a  estrada  publica;  pelas  nos- 
sas almas  e  dos  nossos  maiores. 

0  1."  albergueiro  será  Gonçalo  de  Christo 
e  por  morte  d'elle  vós  nomeareis  outros  e 
lhes  dareis  para  seu  sustento  e  da  alberga- 
ria uma  parte  da  mesma  herdade,  s.—des- 
de  a  primeira  lagôa  dos  Sovereiros  pela  es- 
trada que  vae  para  Ossella  em  direcção  ao 
rio  d'e8te  nome  até  o  mesmo  rio;  d'ali  pela 
lagôa  ate  á  primeira  Mamoa^  que  está  jun- 
to da  estrada,  até  á  Fonte  Fria;  depois  pela 
outra  parte  do  termo  de  Val  Maior  eu  e  tu 
e  nossos  successores  lhes  damos  o  terreno 
comprehendido  na  linha  qne  vae  para  o  nas- 
cente por  cima  da  Petra  Cava  em  direcção 
á  primeira  fonte  a  jusante  da  estrada  e  d'ali 
à  Fonte  Fria,  mencionada  supra. 


•  Além  d'isto  concedo  ao  albergueiro  os 
privilégios  seguintes:  Se  alguém  o  ferir,  pa- 
gar-lhe-ha  500  soldos;  e  elle  não  pagará 
contribuição  alguma  em  todo  o  meu  reino  a 
mim  nem  a  concelho  algum. 

E  a  tua  villa  de  Ossella  será  honra. . .— e 
aquelle  que  n'ella  commetter  algum  delicto 
será  obrigado  a  pagar- te  as  sommas  corres- 
pondentes per  fórum  Vaugam  (segundo  o 
foral  ou  /bros,  usos  e  costumes  de  Vouga.  ^ 


1  Na  freguezia  de  Val  Maior  ha  uma  al- 
deia com  o  nome  de  Açores  e  outra  com  o 
de  Gavião.  Talvez  que  estes  nomes  prove- 
nham áo'açor  e  do  gavião  mencionados  pela 
rainha  D.  Thereza,  mesmo  porque  a  fregue- 
zia de  Vál  Máior,  já  existia  in  illo  tempore, 
pois  na  dita  caria  de  couto  se  toma  como 
balisa,  em  quanto  que  a  de  Albergaria  Ve- 
lha, hoje  Villa,  séde  de  concelho  ede  julga- 
do municipal,  é  muito  mais  nova;  provem 
da  albergaria  fundada  em  1117 — e  foi  ere- 
cta no  termo  da  freguezia  de  Val  Maior,  cu- 
jo paroeho  ainda  em  1834  era  o  de  Alber- 
garia Velha,  onde  apresentava  um  cura  ou 
paroeho  amovível. 

2  Ouiro  dolmenl . . . 

'  Do  exposto  se  infere  que  já  in  illo  tem- 
pore  (1117)  Vouga  era  um  concelho  notável  i 


•Et  omnes  homines  Vavguenses  (todos  os 
homens  ou  auctoridadesdo  concelho  de  Vou- 
ga) qui  cautum  istum  honoraverint — que 
honrarem  este  conto,  i.  é. — que  protegerem 
e  beneficiarem  a  mencionada  albergaria,  te- 
rão jus  a  todos  os  benefícios  d'ella. 

D.  Hugo,  bispo  do  Porto,  confirma. 

Foi  feita  esta  carta  de  couto  na  terra  (vil- 
la) de  Santa  Maria,  denominada  Feira,  no 
mez  de  novembro,  era  MCLV  (anno  1117). 
Eu  a  infanta  D.  Thereza,  Rainha  de  Portu- 
gal  

Regina  Dona  Tarasia  Regina.^ 


e  antigo,  porque  os  foros  (usos  e  costumes) 
para  terem  força  de  lei  demandavam  diu- 
turnidade de  tempo,  taes  eram  os  fóros  de 
Beja,  Guarda,  Gravão,  Torres  Novas,  Castel* 
lo  Bom;,  Castello  Rodrigo,  Castello  Melhor, 
Alfaiates,  Santarém,  S.  Maninho  de  Mou- 
ros, ele. 

Effeclivamente  o  concelho  do  Vouga  já 
existia  no  reinado  de  D.  Alfonso  VI  de  Leão, 
pae  da  Rainha  D.  Thereza  (1:072—1:109) 
pois  Alexandre  Herculano  dá  noticia  de  uma 
demanda  in  illo  tempore  entre  Lorvão  e  Vac- 
cariça,  dizendo; 

«Entre  os  inquiridores  que  o  conde  (de 
Coimbra)  Fernando  mandou  examinar  e  re- 
solver o  negocio  foram  Atan  (Hailham) jMÍjS 
do  Vouga,  e  o  arcediago  Zoleima.» 

Hist.  de  Port.  tomo  3.»  pag.  428,  in  fine. 

Do  exposto  se  vê  que  também  já  pelos  an- 
nos  de  1072  a  villa  de  Vouga  era  arcedia- 
gado  da  Sé  de  Coimbra,  dignidade  que  ain- 
da hoje  (1888)  lá  se  conserva, — embora  no- 
minal, em  quanto  que  outr'ora  o  dicto  arce- 
diago era  o  parodio  próprio  da  egreja  de 
Santa  Maria  de  Lamas  do  Vouça  ou  do 
Mamei,  onde  tinha  residência  e  passaes;  e 
recebia  dizimos  e  pensões  não  só  d'aquella 
freguezia,  mas  d'ouiras  circumvisinhas,  até 
á  extincção  dos  dizimos  em  1834. 

Hoje — 1888— tem  o  titulo  de  arcediago  do 
Vouga  o  rev.  Antonio  José  da  Silva,  actual 
vice-reitor  do  seminário  episcopal  de  Coim- 
bra. 

1  Do  exposto  se  vê  que  já  em  1117  a  ca- 
pital das  Terras  de  Santa  Maria  se  deno- 
minava Feira,  hoje  Villa  da  Feira. 

V.  Feira,  tomo  3.»  pag.  153,  col.  2." 

Também  do  mesmo  documento  se  vê  que 
ainda  não  existiam  os  concelhos  *d'Ovar, 
nem  de  Albergaria  Velha,  nem  de  Oliveira 


vou 


vou  1985 


•E  para  que  isto  com  o  tempo  não  oCfe- 
reça  duvidas  e  para  que  a  dieta  carta  se  não 
perca  em  detrimento  da  mencionada  alber- 
garia, DÓS  a  fizemos  publicar  perante  homens 
de  toda  a  consideração  e,  depois  de  timbra- 
da com  o  sello  das  nossas  armas,  a  mandá- 
mos guardar  no  thesoaro  d'esta  cathedral 
de  Coimbra, 

tE  eu  Gonçalo  Mendes,  tabellião  publico 
da  cúria  episcopal  de  Coimbra,  assisti  á  pu- 
blicação da  dieta  carta,  examinei-a,  copiei-a 
fielmente  e,  depois  de  a  reduzir  a  publica 
fôrma,  a  assignei  e  firmei  com  o  meu  signal 
publico.  Egreja  de  Santa  Maria  de  Lamas^ 
XIII  kal.  Maii,  Era  de  1296  (18  d'Abril  de 
1258).  .L-tígar  do  signal  publico.  Lugar  do 
sello  pendente,  t 

Cart.  do  Mosteiro  de  S.  Bento  da  Ave 
Maria  do  Porto,  Pergaminho  n.»  167. 

Este  mesmo  documento  se  acha  em  Carta 
Regia  de  conGrmaçao  com  data  de  abril  da 
era  1212  (anno  de  1174)  a  Mendo  Fernandes, 
neto  de  Gonçalo  Eriz,  no  Cartório  da  Fa- 
zenda da  Universidade. 


Dn  exposto  ísej  vê  que  já  em  1238  esta 
freguezia  se  denominava: — Santa  Maria  de 
Lamas  (hoje  Nossa  Senhora  da  Assumpção). 
Parece  pois  que  já  então  tinha  a  sua  séde 
no  povo  de  Lamas.  Isto  leva  a  duvidar  de 
que  anteriormente  esteve  no  sitio  do  Mar- 
nel,  como  diz  a  tradição  e  affirmam  ainda 
boje  os  homens  mais  illustrados  da  locali- 
dade; note-se  porem  que  Lamas  e  Mamei 
são  synonimos. 

Eis  ahi  na  sua  integra  a  carta  de  couto 
dada  pela  rainha  D.  Thereza  á  villa  de  Os- 


d'AzemeÍ8.  Todo  o  território  desde  a  mar- 
gem esquerda  do  Douro  até  muito  além  da 
margem  esquerda  do  Vouga  pertencia  aos 
concelhos  da  Feira  e  do  Vouga  in  illo  tem- 
pore. 


sella, — documento  interessante  e  auclorisa- 
do  por  João  Pedro  Ribeiro. 

Alguém  pretende  que  a  dieta  carta  se  re- 
íere  —  não  à  freguezia  de  Ossella,  mas  uni- 
camente á  velha  albergaria,  núcleo  de  Al- 
bergaria Velha, — e  que  a  séde  do  couto  era 
a  Villa  {casa  de  campo)  hoje  denominada 
Assilhó  e  antigamente  Osselôa,  pertencente 
á  freguezia  de  Albergaria  Velha  e  distante 
da  villa  actual  apenas  1  kilomeiro  para  S. 
Corroboram  isto  com  a  denominação  de  pa- 
ço, que  ainda  hoje  tem  uma  casa  obscura 
da  dicia" aldeia,  suppondo  que  ali  morou 
Gonçalo  Eriz  e  talvez  também  algum  tempo 
a  rainha  D.  Thereza. 

Tambera  dizem  que  o  mencionado  couto 
se  restringia  a  uma  quinta,  que  foi  patri- 
mónio da  velha  Albergaria. 

A  isto  se  reduz  a  opinião  de  um  illuslra- 
do  filho  da  localidade  e  muito  conhecedor 
d'ella;ma8  nós  estamos  convencido  de  que  a 
séde  do  couto  foi  a  parochia  de  Ossella,  na 
margem  esquerda  do  Calma,  distante  de 
Oliveira  d' Azeméis  cerca  de  8  kilometros 
para  E.  S.  E.,  fundados  nas  rasões  seguintes: 
Porque  nas  demarcações  do  couto 
mencioua-se  claramente  do  lado  norte  Ra- 
mariz,  que  julgamos  ser  a  freguezia  actual 
d'este  nome,  distante  da  Villa  da  Feira,  a 
cujo  concelho  pertence,  8  kilometros  para 
E.  N.  E.— e  cerca  de  20  de  Ossella,  para  N. 

2.  «— Porque  a  dieta  carta  de  couto,  de- 
pois de  indicar  a  freguezia  de  Ro-nariz  co- 
mo termo  do  couto,  diz  que  elle  linha  outro 
tanto  para  o  sul  e  poente,  —  alind  tantum 
ad  Affricam  et  occidentem.  Ora,  estando  co- 
mo está  Romariz  cerca  de  33  kilometros  a 
N.  de  Albergaria  Velha  ou  de  Assilhó,  se 
fosse  esta  aldeia  a  séde  do  couto,  elle  pas- 
saria o  Vouga  e  se  estenderia  para  o  sul, 
aproximadamente  até  Oliveira  do  Bair- 
ro?l... 

Tudo  porém  se  harmonisa,  logo  que  tome- 
mos como  séde  do  couto  a  freguezia  de  Os- 
sella,  porque  demora  aproximadamente  a 
meia  distancia  entre  Romariz  e  Albergaria 
Velha  na  linha  norte-sul. 

3.  '— Porque  na  dieta  carta  do  couto  se 
mencionam  claramente  Romariz  e  Ossella, 


1986  VOU 


VOU 


— e  no  concelho  d'Albergaria  Velha  não  ha 
nem  consta  que  houvesse  jamais  povoação 
alguma  denominada  Romariz. 

Ao  sul  do  Douro  apenas  temos  aquella 
Romariz — e  Romariz  d'Alem  e  Romariz 
d' Aquém,  povoações  da  freguezia  do  Burgo, 
no  concelho  d'Arouca,  junto  da  villa  d'es- 
te  nome,  distantes  de  Ossella  mais  de  20 
kilometros  .para  N.  E.  mettendo-se  de  per- 
meio muitas  serras,  montes  e  rios  que  o 
foral  {carta  de  couto)  não  menciona. 

Não  menciona  mesmo  terras  algumas  ao 
nascente  da  villa  de  Ossella,  mas  só  a 
N.,  S.  e  O.,— o  que  nos  leva  a  crer  que  a 
Villa  de  Ossella,  freguezia  antiquíssima 
(outr'ora  cidade  com  presidio  romano?)  en- 
tão residência  de  Gonçalo  Eriz,  já  era  bem 
conhecida  e  talvez  honrada  e  coutada,  —  e 
que  a  rainha  D.  Thereza  apenas  a  ampliou 
addiceionando-lhe  o  grande  couto  para  N. 
S.  e  O. 

V.  Ossella  n'este  diccionario  e  no  sup- 
plemento— ea  3.»  parte  d'este  artigo  Vou- 
ga, in  fine. 

4."— Porque  não  deve  aterrar- nos  a  gran- 
deza do  dicto  couto,  attendendo  ao  estado 
lastimoso  em  que  ao  tempo  deviam  achar- 
se  as  terras  que  eomprehendia.  Talvez  con- 
tasse 35  kilometros  de  norte  a  sul  e  20  de 
nascente  a  poente;  mas  foi  ainda  maior  o 
condado  (ouvidoria)  da  Feira  —  e  com  as 
aturadas  luetaá  entre  os  mouros  e  chris- 
tãos,  depois  das  luetas  dos  romanos  com 
os  suevos  e  godos  e  d*estes  uns  contra  os 
outros,  as  terras  entre  o  Douro  e  o  Mon- 
dego soffreram  muito  e  em  1117  deviam 
estar  ainda  em  grande  par le  incultas  e  des- 
povoadas!... 


5.»— Porque  na  dita  carta  se  mencionam 
dislinetamente  os  termos  do  grande  couto— 
8  depois  03  da  quinta,  património  da  Al- 
bergária. 

A  mencionada  quinta  foi  bem  conhecida 
até  1834.  Tinha  de  diâmetro  cerca  de  3 
kilometros  e  em  toda  a  eircumferencia  mar- 
cos de  granito.  Foi  dividida  em  muitas  gle- 
bas, as  quaes  todas  pagavam  oitávos  para 


sustento  da  albergaria,  que  esteve  aberta  e 
teve  administração  própria  até  1834;  fe- 
chou-se  porém  n'esta  data,  porque  a  pre- 
texto de  se  haverem  extinguido  os  oitávos 
com  a  extincção  dos  dizimos,  os  que  pos- 
suíam as  terras  obrigadas  aos  oitávos,  não 
mais  os  pagaram, — fizeram  desappareeer  os 
tombos  6  documentos — e  foram  arrancando 
os  marcos  da  quinta  para  maior  limpeza  e 
tranquillidade  das  suas  consciências?! . . . 

O  mesmo  succedeu  a  outras  albergarias, 
nomeadamente  á  do  Molledo,  na  freguezia 
de  Penajoia. 

V.  Molledo,  tomo  V,  pag.  373,— e  Penajoia 
n'este  diccionario  e  no  supplemento. 

Desculpem  nos  a  digressão. 


Parece  que  a  villa  de  Vouga  teve  armas 
próprias,  mas  o  sr.  Vilhena  Barbosa  não  as 
menciona— e  o  códice  n."  273  da  Biblio- 
theca  publica  do  Porto,  dando  aliás  muitos 
brazões  de  villas  nossas  alem  dos  que  o 
sr.  V.  Barbosa  menciona,  com  relação  á 
villa  de  Vouga  apenas  dá  o  contorno  do 
brasão  e  o  texto  seguinte: — «D.  Manoel 
deu  foral  a  esta  villa.  Tem  no  termo  os  la- 
gares de  Arrancada  e  Macinhata  que  são 
mayores  que  a  villa  que  tomou  o  nome 
do  rio  Vouga.» 

O  auctor  do  dicto  códice  é  anonymo  e 
deixou  o  incompleto  e  sem  data,  mas  a  let- 
tra  é  do  see.  xvn. 

V.  o  catalogo  dos  manuscriptos  da  Bibi. 
do  Porto,  relativo  a  este  anno  de  1888. 


PARTE  3.' 

A  cidade  romana 

VACCA 

Na  opinião  de  vários  auctores,  a  villa  de 
Vouga  foi  a  antiga  cidade  romana  Vacca; 
outros  a  situam  em  Viseu;  outros  perto  de 


vou 


vou  1987 


Miranda  do  Douro,— e  outros  junto  dos  Pi- 
reneu3?l . . 

£'  pois  muito  nebuloso  este  tópico  e  não 
sabemos  quando  se  fará  luz  que  dissipe 
completamente  as  trevas  em  que  jaz. 

O  dr.  Manoel  Botelho  Ribeiro  Pereira,  no- 
tável escriptor  e  antiquário  visiense,*  pu- 
gnando pro  domo  tua,  tractou  a  questão  co- 
mo ninguém  até  hoje,  sustentando  que  Vi- 
seu é  a  legitima  representante  da  cidade 
romana  Vacca.  Não  transcrevemos  aquelle 
tópico  dos  seus  Diálogos,  porque  é  muito 
extenso  e  só  elle  daria  talvez  â  fasciculosi 
Ardendo  em  zelo  peias  glorias  da  sua  terra 
natal,  insurge-se  contra  os  que  sustentam 
opinião  opposta,  nomeadamente  contra  o 
distínctissimo  geographo  Gaspar  Barreiros, 
(ambem  filho  de  Viseu  e  seu  parente,^  por 
dizer  que  a  séde  de  Vacca  foi  a  villa  de  Vou- 
ga; mas  o  sábio  cónego  Berardo,  também 
visiense,^  despresa  a  opinião  dos  que  situara 
Vacca  tanto  em  Viseu,  como  na  villa  de 
Vouga  e  mostra-se  disposto  a  crer  que  ella 
esteve  junto  dos  Pireneus.^ 

D.  Jeronymo  Contador  d'Argote  falia  mui- 
to dos  povos  vacceos,  como  povos  muito  im- 
portantes, repetidas  vezes  mencionados  por 
Strabão,  Ptolomeu  e  Plínio,  sendo  todos  con- 
cordes em  dizer  que  elles  demoravam  junto 
das  nascentes  do  Douro,  aproximadamente 
desde  Zamora  até  Freixo  de  Espada  á  Cinta. 

Argote  diz  que  os  vacceos  confinavam 
com  os  astures,  tendo  por^linba  divisória  o 
rio  Esla. 

Strabão  no  livro  3  »  pag.  1S2  e  162  diz  o 
mesmo  e  são  d'elle  estas  palavras:  «...  in- 
de  vetones  et  vaccei,  per  quos  Durius  labitur, 
ad  Confiam  urbem  vacceorum  transitum  fa- 
ciens. 


1  V.  Viseu,  tomo  li.»  pag.  1690  (tit.  Cava 
de  Viriato)  col.  2.»  e  segg. — nomeadamente 
pag.  1693  (nota)  1693,  1714  e  1715. 

2  V.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1805,  col.  1.» 

3  V.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1803,  col.  3.» 

*  V.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1815.  col.  2.»  e 
aegg. 

*  V.  Viseu,  tomo  11."  pag.  1715,  col.  1.* 


Em  vulgar:  «ali  começa  a  região  do  veto* 
nes  o  vacceos,  por  entre  os  quaes  segue  o 
Douro  até  Cmcia,  (Miranda  do  Douro)  ci- 
dade dos  vacceos.» 

Também  eram  cidades  d'elle3  as  seguia* 
tes: 

—Intercacia,  distante  15  legoas  d' Astor- 
ga, no  caminho  de  Valhadolid,  perto  de 
Cauca  e  de  Palença;^ 

— Sentica,  hoje  talvez  Zamora; 

— SarabriSj  hoje  talvez  Toro; 

—Pincia,  hoje  Valhadolid; 

—Rauda,  hoje  talvez  Aranda,  no  caminho 
de  Astorga  para  Saragoça,  por  Cantábria. 

Elles  confinavam  com  os  arevacos  e  astU' 
reSj  ou  asturianos. 

Demoravam  pois  nas  margens  e  nascen- 
tes do  Douro,  não  do  Vouga. 

V.  Memorias  d' Argote,  tomo  1.*  pag.  150, 
160,  198,  442,  443,  444,  446,  447,  451  e 
452. 

E*  isto  o  que  diz  e  prova  muito  bem  o 
sábio  académico  Argole;  mas  è  também  de 
grande  peso  a  opinião  de  Gaspar  Barreiros: 
— que  a  cidade  Vacca  esteve  junto  da  ponte 
do  Vouga, — opinião  que  seguiu  e  sustentou 
com  muita  erudição  em  um  dos  seus  arti- 
gos Oppida  restituta  o  sr.  Antonio  Cardoso 
Borges  de  Figueiredo,  no  Boletim  da  Socie- 
dade de  Geographia  de  Lisboa  (5.»  serie, 
n.*  6—1885)  da  qual  è  bibliothecario. 

Aquelle  interessante  artigo  veiu  dar  uma 
nova  face  á  questão  e  ó  textualmente  o  se- 
guinte: 

VÁCUA 

{Cabeço  de  Vouga) 
I 

«Informa  o  fidedigno  Gaspar  Barreiros 
que  n'um  códice  da  Historia  Natural  de 
Piinio  se  encontra  menção  d'um  oppidum 


1  Pallencia,  hoje  Palençá,  foi  também  ci- 
dade dos  vacceos  no  tempo  de  Plinio,  maa 
no  tempo  da  Hespanha  primitiva  pertencia 
aos  arevacos. 

Memorias  S Argote,  tomo  1.°  pag.  76  e 
443. 


1988  VOU 


VOU 


lusitano  denominado  Vacca.  Exprime-se  do 
modo  seguinte  o  notável  archeologo: 

«em  hum  arcbetypo  Toletano  sta  scripto 
âa  maneira  que  dixe.  s  flwnen  Vacca,  oppi- 
ium  Vacca,  oppidum  Talabrica,  etc.  A  qual 
liçam  Fernando  Píntíano  cõmendador  de 
Salamanca  cita  nas  suas  castigações  Plinia- 
nas.>* 

Parece  ser  aquelle  o  único  códice  da  obra 
de  Plínio  em  que  se  encontra  noticia  do 
oppidum  Vacca,  pois  não  vi  ainda  nas  va- 
riantes de  edição  alguma,  por  mais  comple- 
ta,,apontada  esta  particularidade;  e  isto  pô- 
de levar  a  conriuir  o  serem  aquellas  pa- 
lavras uma  intercalação  de  copista.  Despre- 
sar,  porem,  sem  exame  aquella  versão  do 
alludido  códice,  simplesmente  por  ser  úni- 
ca, é  grave  erro  de  quem  olha  as  coisas  su- 
perficialmente e  não  tem  aptidão  para  os 
estados  archeologicos.  Demais,  outros  escri- 
ptores  antigos  mencionaram  a  povoação  de 
que  se  trata,  como  se  verá,  e  a  sua  posição 
é  fácil  de  determinar. 

Antes  de  proseguir,  direi  que  a  verdadei- 
ra forma  do  nome  ó  Vácua  e  não  Vacca  nem 
Vagia,  como  se  encontra  em  exemplares  de 
Plinio  e  nos  restantes auctores latinos.  Aquel- 
la verdadeira  fórma,  designando  o  rio  Ova- 
xova^  (em  grego),  é  comprovada  pela  que  ap- 
parece  nos  documentos  medievos,  do  ix  ou 
XII  século,  Vauga  e  Vouga,^  d 'onde  a  forma 
moderna  Vouga.  O  termo  parece  de  origem 
celta,  como  nota  o  meu  amigo  Adolpho Coe- 
lho,* devendo  com  elle  comparar-se  nomes 
análogos,  que  se  têem  lido  em  inscripçòes  e 
que  se  encontram  na  obra  de  Cesar. 

Posto  isto,  e  advertindo  que  apenas  nas 
trtxscripções  empregaria  fórma  incorrecta, 
vou  apontar  qnaes  as  noticias  que  nos  res- 
tam assim  ácerca  da  povoação  como  do  rio 
seu  homonymo. 


*  G.  Barreiros,  Chorog.  p.  51. 
2Strab,  111,3;  4. 
'  Port.  Mon.  Hist.,  Dipl.  et  Charí.,  doe. 

XII  de  897. 

*  Ad.  Coelho,  Sur  la  forme  de  quelques  j 
noms  geographiques  de  la  peninsule  Iberique,  ! 
Helanges  Gaux,  1882.  j 


II 

«N'um  pequeno  tratado  cosmographico, 
que  não  tem  merecido  grandes  attenç5es,  e 
que  por  muito  tempo  foi  attribuido  a  Aethi- 
co,  vem  mencionado  um  oppidum  Vacca. 

Lé-se  na  apontada  obra:  *occeanus  occi- 
dentalis  habet  famosa  oppida:  Bracura,  La- 
sura,  Augusta,  Vacca,  Celtiberia,  Caesarea 
Augusta,  Tarracona. .  .^>'  E' evidente  quan- 
ta corrupção  ha  n'esie  texto.  Entendo  toda- 
via que  não  olTerece  diífieuldades  a  sua  re- 
constituição. 

Parece  á  primeira  vista  que  o  auctor  at- 
tribue  ao  occeano  occidental  as  sele  cidades 
que  ílcam  transcriptas;  mas  não  é,  não 
pôde  de  modo  algum  ser  essa  a  intelligen- 
cia  verdadeira  d'aquella  passagem.  Creio 
que  a  interpretação  racional  d'ella  é  do  se- 
guinte moáo:—* occeanus  occidentalis  habet 
famosa  oppida:  Bracara,  Lucus  Augusti, 
Vacca;  Celtiberia  (habet  famosa  oppida:) 
Caesarea  Augusta,  Tarracona. . .»  Isto  não 
sô  porque  de  maneira  nenhuma  caberia  re- 
ferir ao  occeano  occidental  as  duas  ultimas 
povoações  que  pertenciam  á  Celtiberia,  e 
por  conseguinte  ao  mar  interior,  senão  lam- 
bem porque  a  palavra  Celtiberia  não  tem 
caracter  de  nome  de  povoação,  sabendo-se 
muito  pelo  contrario  que  ella  designava 
uma  região  do  oriente  da  península. 

A  duvida  que  resta  é  sobre  o  terceiro  op- 
pidum do  occeano  occidental. 

Era  a  mesma  cidade  mencionada  no  có- 
dice pliniano  de  Toledo,  ou  era  uma  povoa- 
ção dos  Vacceusf 

Não  me  parece  que  se  possa  defender  a 
segunda  hypothese,  porque,  comquanto 
n'esse  caso  o  oppidum  estivesse  na  bacia 
do  um  rio  tributário  do  occeano  Atlântico, 
ficaria  muito  no  interior  para  dever  contar- 
se  entre  as  cidades  occidentaes  como  Bra- 
cara e  Lucus  Augusti.  Não  caberia  também 
mencional-a  a  ella  sô,  como  cidade  dos  Vac- 


^  Cosmographia  olim  Aetici  dieta,  col.Riese 
Heibronnae,  1878,  p.  80 


vou 


vou  1989 


ceus,  quando  se  não  fallava  de  Palancia,  a 
principal  das  povoações  d'aqaelle  povo.^ 
Alem  d'isso  a  honoonymia  chama  para  a 
margem  do  rio  Vácua  a  povoação,  e  não  ha 
a  mais  leve  duvida  de  que  este  rio  é  o  que 
boje  se  chama  Vouga. 


«A  falta  d'ordem  geographica  na  menção 
das  tres  cidades  occidentaes  não  deve  tam- 
bém servir  de  argumento  em  conirario;  por 
que  o  auctor  seguiria  quanto  a  ellas  a  or- 
dem da  importância  das  terras,  e  sabe-se 
eíTeeti  vãmente  que  Br  acara  era  mais  im- 
portante que  Lucus  Augusti,  cabendo  só  de" 
pois  d'esta  o  fallar  de  Vácua.  E'  pois  de  ra- 
são  o  considerar  idênticos  o  oppidum  de 
Plínio  e  o  da  cosmographia  anonyma. 

Um  eseriptor  hespanhol  do  século  v,  Pau- 
lo Orosio,  traz  o  nome  de  Baccia  aiiribuido 
a  uma  cidade  da  Lusitânia,  ao  fallar  daslu- 
ctas  dos  corajosos  habitantes  d'e8ta  região 
com  os  romanos. 

Diz  o  eseriptor  christão;  tlgitur  Fabius 
cônsul  contra  Lusitanos  &  Yiriatum  dimi- 
cans  Bacciam  oppidum,  quod  yiriatus  obsi- 
debat...^»  Esta  povoação  é  sem  duvida  a 
mesma  de  que  tenho  fatiado.  Em  primeiro 
logar,  o  nome  Baccia  approxima-se  muito  e 
naturalmente  da  forma  Vagia  que  vimos 
achar-se  em  Plioio,  sendo  desnecessário 
apontar  as  rasòes  que  determinam  esta  iden- 
tificação. Em  segundo  logar  os  succesnos  de 
que  Orosio  se  occupa  n'aquelle  ponto  da  sua 
historia  tiveram  por  theatro  o  occidente  da  ' 
península. 


III 

«A  situação  de  Vácua,  segundo  Gaspar 
Barreiros,  é  a  «Ponte  de  Vouga-  s.  Pote  de 
Vacca,  nam  por  causa  do  rio  se  nam  por 


causa  do  nome  do  logar,  como  dizemos  Põte 
do  Arcebifpo  ou  Ponte  d' Alcantara.* 

Conforme  diz  Carvalho  da  Gosta  •  He  tra- 
dição, que  no  cabeço  de  Vouga  esteve  anti- 
gamente huma  Cidade  chamada  Vacca,  & 
ainda  hoje  se  acham  tijolos,  &  pedras  la- 
vradas, &  outros  vestígios  de  edifícios.  N'el- 
le  está  agora  huma  Ermida  do  Espirito 
Santo.ii 

Não  se  pôde  em  verdade  afastar  o  antigo 
oppidum  da  actual  villa  de  Vouga,  conside- 
rando ter  existido  no  monte  da  ermida  do 
Espirito  Santo,  ou  Cabeço  do  Vouga,  a  ca- 
valleiro  d'e8ta  terra.  Restos  da  antiga  po- 
voação por  um  lado,  por  outra  o  próprio 
nome,  confirmam  a  identificação:  Vouga 
Vauga,  metathese  da  Vagua  (Vácua);  com 
que  se  deve  comparar  a  fórma  popular  auga 
por  agua;  anauga  por  anágua,  èuga  por 
égua,  léuga  por  tegua,  révga  em  vez  de  rc- 
gua,  etc.2 

Se  Vouga  durante  algum  tempo  mereceu 
o  cognome  de  famosa  ou  ao  menos  o  de 
notável,  cedo  perdeu  o  esplendor.  Foi  por- 
ventura estação  do  itinerário  entre  Eminio 
e  Lancobriga;  mas  em  breve  foi  supplanta- 
da  e  substituída  pela  sua  visinha  Talabriga, 
que  se  engrandeceu  facilmente,  e  com  rasão 
pela  sua  mais  vantajosa  posição  á  beira- 
mar,  o  que  lhe  proporcionava  o  desenvolvi- 
mento da  industria  e  do  eotnmereio;  a  in- 
dustria da  pesca  e  do  sal;  o  commercio  d'es- 
tes  dois  productos  e  de  outros  que  recebia  e 
armazenava.» 


Respeitamos  muito  a  opinião  do  sr.  Bor- 
ges de  Figueiredo  e  não  queremos  impu- 
gnai a;  suppomos  porem  que  não  disse  a 
ultima  palavra  sobre  o  assumpto; 

1."— Porque  o  mesmo  sr.  Figueiredo 
mostrou  repugnância  em  acceitar  a  lição  de 
um  códice  de  Plínio  differente  da  lição  de 
todos  os  outros  códices  do  mencionado  geo- 
grapho; 


1  Appiano,  VI,  74. 
»  Orosio,  Hi8.,  y.  2. 


*  Chorog:  port.  II,  p.  161. 
2  Ad.  Coelho,  op;  cit. 


1990  VOU 

2.  *--Porque  o  mesmo  sr,  Figueiredo  diz 

que  não  tem  merecido  grandes  attenções  o 
pequeno  iractado  cosmographico  anonymo, 
altribuido  a  Aetico; 

3.  »— Porque  temos  difliculdade  em  crer 
que  a  'Baugia  de  Paulo  Orosio  fosse  o  pre- 
tendido oppidum  Vacca  da  villa  de  Vouga, 

4.  »— Porque  até  hoje  (que  nós  saibamos) 
ninguém  ali  encontrou  cippos  ou  lapides 
com  inscripçòes,  muralhas,  torres,  estatuas, 
ou  quaesquer  outros  vestígios  da  famosa 
cidade  romana.  Apenas  o  padre  Carvalho  (?) 
indica  umas  bagatellas. 

5.  "— Porque  a  posição  geographica  e  es- 
tratégica da  Villa  e  monte  do  Vouga  é  rela- 
tiva à  estrada  que  atravessa  ali  a  ponte, 
mas  essa  estrada,  como  geralmente  se  diz, 
foi  feita  pelos  mouros  em  substituição  da 
velha  estrada  romana  que  seguia  pelo  lit- 
toral,  muito  mais  ao  poente.  Logo  a  dieta 
cidade  no  tempo  dos  romanos  era  uma  ci- 
dade sertaneja:  não  podia  ser  estação  ou 
castro  do  roteiro  de  Antonino  —  nem  n'elle 
se  encontra  como  tal  nas  rectificações  de 
Parlhy  e  Pinder. 

6  '  —  Porque  os  vacceos,  como  dizem  o 
dr.  Manoel  Botelho  Ribeiro  e  outros,  toma- 
ram o  nome  da  famosa  cidade  romana 
Vacca,— e  elles  demoravam  muito  longe  do 
Vouga,  como  já  dissemos  supra  e  diz  tam- 
bém o  sábio  Fr.  Felippe  de  la  Gandra  nas 
Armas  y  Trmmphos  de  Gallicia: 

»0s  vaceos,  hoje  campesinos,  tinham  por 
capital  Pallencia  e  soffreram  também  cruel 
assedio  durante  a  guerra  de  Numancia. 

Palencia  era  já  então  cidade  importante  e 
tanto  que,  apesar  do  cerco,  os  romanos 
commandados  por  Luculo  tiveram  de  re- 
tirar, sendo  perseguidos  pelos  palentinos 
até  ás  margens  do  Douro. 

Passados  2  annos  foi  Palencia  outra  vez 
sitiada  por  Marco  Emilio  Lépido  cônsul,  e 
outra  vez  os  romanos  tiveram  de  levantar  o 
cerco.» 

Op.  cit.  supra,  pag.  19  e  20. 


O  sr.  Borges  de  Figueiredo  podia  tam- 
bém citar  em  favor  da  sua  opinião  o  Mappa 


VOU 

de  Abrahão  Ortelio  que  s.  ex.»  na  Memoria 
sobre  Eminium  citára  com  muito  louvor  pou- 
co antes,»  pois  no  dicto  Mappa  se  encontra 
o  pretendido  oppidum,  junto  da  villa  de 
Vouga;  mas  teria  também  pouca  força  tal 
argumento,  porque,  segundo  diz  Argote, 
fallando  do  Juliobriga,  cidade  romana  con- 
génere, Ortelio...  não  tem  auctoridade  em 
matéria  tão  antiga.^ 
E  que  vemos  nós  no  dicto  Mappa'^ 
Siiúa  bem  Conimbrica,  hoje  Condeixa 
Velha,— e  Eminium,  a  Coimbra  actual, 
mas  foi  muito  infeliz  em  outros  pontos. 
Silúa,  por  exemplo,  Brocara  Augusta  em 
Barcellos,  na  margem  direita  do  Cavado; 
o  Lima  no  seu  local  próprio,  entre  o  Mi- 
nho e  o  Cavado,—  e  o  Fórum  Limicorum, 
(Ponte  de  Lima)  aproximadamente  em  San- 
ta Martha  de  Penaguião,  no  disiricto  de 
Villa  Real  de  Traz  os  Montes;  Lameca  (La- 
mego) na  margem  direita  do  Douro,  ao 
>  poente  de  Baião  e  não  longe  da  foz  do  Tâ- 
mega; dá  o  rio  Vouga  como  aíiluente  do 
Agueda  e  põe  a  famosa  Vacca  a  jusante 
da  confluência  dos  dois  rios,  na  margem 
direita  do  Vouga,  etc.  etc. 


Também  o  sr.  B.  de  Figueiredo  podia 
citar  o  Mappa  Breve  da  Lusitânia  Antiga 
do  Padre  Francisco  do  Nascimento  Silveira, 
auctor  do  Côro  das  Musas,  etc.  pois  no  § 
XLIÍ  da  Taboa  III,  pag.  239,  diz  textual- 
mente: 

*  Vacea.  Foi  cidade  antiga  da  Lusitânia,  e 
exislio  em  hum  sitio  alto,  e  forte  por  natu- 
reza, entre  as  pontes  do  Vouga  e  Mamei; 
porque  ali  se  vem  vestigios  de  muros  anti' 
gos,  e  signaes  de  huma  magestosa  grande- 
za..  .—MgA- se,  (\[xe  destruída  Vacca,  se 
deo  ás  suas  ruinas  o  nome  de  Mamei,  que 
conserva  até  o  presente. . . » 


*  V.  Oppida  restituía  no  Boletim  da  So- 
ciedade de  Geographia  de  Lisboa,  7."  se- 
rie, n.«  2—1884. 

2  Mem.  de  Braga,  tomo  1.",  pag.  392,  n.* 
643,— e  pag.  394,  n.«  645. 


vou 


vou  1991 


Apoia  se  em  Fr.  Bernardo  de  Brito,  que 
na  Monarchia  Lusit.  Parte  II,  I.  V,  cap.  i." 
fl.  2,  V.  diz  effeetivamente  quasi  o  mesmo  e 
dá  uma  inscripção  encontrada  por  elle 
no  valle  de  Ossella  em  o  muro  de  um  cam- 
po, a  qual,  se  não  é  faotasia  do  auctor,  pa* 
rece  resolver  o  problemal . . . 

A  dieta  inscripção,  n."  278,  do  Portuga- 
Itae  inscriptiones,  é  a  seguinte:  • 

Imp.  Caes.  d.  Avg.  inter 
Div.  Bel.  cohor.  pRAEsm. 
Vace.  Occel.  Lanço.  Calbn 

AeM.  LEG.  X.  FBETENS 
ElUS.  N\M.  SPECTACVLA 
Et  LVD.  GLADIAT.  E.  V. 

Vrbes  Lvsit.  L.  a, 
exp.  et.  hecat0mb.  d.  d.* 

Em  vulgar:  «As  capitanias  da  legião  deci- 
ma, chamada  Freteuse,  que  estavam  de  pre- 
sidio em  Vouga  {Vacca)  em  Ossella,  na  Fei- 
ra, no  Porto,  e  em  Agueda,^  por  voto  parti- 
cular celebrarão  speetacuios,  e  jogos  de 
gladiadores  á  divindade  do  imperador  Cesar 
Augusto,  contado  já  no  numero  dos  Deoses» 
e  as  cidades  da  Lusitânia  acima  nomeadas 


1  Esta  mesma  inscripção,  forjada  ou  des- 
coberta por  Fr.  Bernardo  de  Brito,  foi  apro- 
veitada pelo  seu  contemporâneo  e  correli- 
gionário Manoel  de  Faria  e  Sousa  na  Euro- 
pa Portugueza,  tomo  1."  pag.  250.  sem  di 
zer  como  houve  tal  preciosidade,  pois  ado- 
ptou o  sysiema  de  não  se  iacommodar  com 
citações,  caminhando  avante  estribado  na 
auctoridade  própria. 

Fr.  Bernardo  da  Brito  era  mais  modesto, 
porque  ordinariamente  se  apegava,  ao  bor- 
dão do  seu  Laimundo. 

A'  mesma  inscripção  se  referiu  também 
posteriormeute  Jeronymo  Soares  Barbosa  no 
Epitome  da  Hist.  da  Lusit.  cap.  6.» 

2  Fr.  Bernardo  de  Brito  traduziaEwímMm 
por  Agueda,  mas  está  hoje  demonstrado  que 
Eminium  é  a  Coimbra  actual,  em  virtude 
de  uma  inscripção  encontrada  em  Coimbra 
recentemente,  a  qual  se  refere  a  Eminium 
como  situada  ali. 

V.  Coimbra  n'este  dicoion.  e  no  supple- 
mento. 


fizerãd  os  gastos  d'estas  festas,  e  celebrarão 
Hecatombas  com  grande  liberalidade.» 

Em  seguida  faz  muito  judiciosas  conside- 
rações sobre  a  dieta  lapide  e  aponta  outra 
que  achou  entre  Albergaria  Velha  e  o  Pi- 
nheiro (da  Bemposta?)  no  monte  denomina- 
do Castello  de  S.  Gião,  onde  viu  restos  de 
muros  e  fortificações  e  uma  pedra,  na  qual 
apenas  (diz  elle)  pôde  ler  o  seguinte: 

: : : :  cos.  vi.  : : : : 
:  :  :  :  p.  IX.  p.  F.  :  : :  : 
:  :  : :  VAa  xii.  p.  m. 

Suppõe  ser  fragmento  de  um  marco  mil- 
liar,  onde  esteve  o  nome  de  um  imperador 
que  foi  cônsul  seis  vezes  e  que  teve  o  poder 
tribunieio  nove  vezes.  Também  lhe  davam 
03  titules  de  piedoso  e  afortunado,  aceres - 
centando  que  d'ali  á  cidade  de  Vacca,  (pre- 
sidio romano,  como  diz  a  outra  inscri- 
pção) havia  a  distancia  de  doze  mil  passos^ 
«os  quaes  se  achão  ao  justo  nas  3  legoas 
que  ha  de  hua  parte  à  outra»— diz  o  mes- 
mo Fr.  Bernardo  de  Brito,  continuando  a 
fazer  muito  sensatas  considerações  sobre  as 
duas  lapides,  até  o  fim  do  mencionado  ca- 
pitulo. 

Lamentamos  profundamente  o  despresti- 
gio de  tão  illustrado  auetor.  Se  tivesse  a 
auetoridade  de  Herculano  ou  de  João  Pe- 
dro Bibeiro,  ustavamorta  a  questão,  mas  in- 
felizmente demanda  grande  desconto  o  que 
diz  Fr.  Bernardo  de  Britol. . 


O  assumpto  é  nebuloso  e  vasto  e  não  po- 
demos dar-lhe  mais  desenvolvimento  em 
um  simples  tópico.  Terminaremos  dizendo 
que,  assim  como  houve  na  península  diffe- 
renies  cidades  romanas  com  o  mesmo  nome, 
talvez  houvesse  também  com  o  mesmo  nome 
de  Vacca  diíferenies  cidades  em  pontos  dis- 
tantes. 


1  V.  Viseu.tomo  pag.  1570,  col.  1.»— 
6  1682,  col.  i.*  também. 


1992  VOU 


VOU 


Aos  ex."""  8rs.  drs.  José  Joaquim  da  Sil- 
va Pinho,  de  Jafafe,  e  José  Correia  de  Mi- 
randa, d'Alquerubim^  agradeço  os  aponta- 
menlos  que  se  digDaram  enviar-me. 

VOUZELLA  —  quinta  da  freguezia  de  6. 
Miguel  da  villa  e  concelho  de  Penella,  dís- 
tricto  de  Coimbra. 

Vê-se  de  Penella; — dista  cerca  de-5  kilo- 
metros  da  villa  para  S.  E. — e  foi  proprie- 
dade e  residência  de  Barlholomeu  d'Almei- 
dã  Mexia,  um  dos  homens  da  governança, 
vereador  mais  velho  da  villa  de  Penella^  ser- 
vindo de  juiz  de  fóra,  no  anno  de  1717  e, 
sendo  capitão  de  ordenanças,  morreu  na  di- 
ta quinta  em  1737.* 

Em  1828  pertencia  ao  desembargador 
José  Maria  Mendonça  d'Almeida  Bârbarino,^ 
que  teve  a  satisfação  de  ver  Ires  dos  seus  fi- 
lhos formados  em  direito  e  despachados 
juizes  de  fóra. 

Um  outro  seu  filho  —  Antonio  Maria  de 
Mendonça  e  Sousa  d'Almeida  Barbarino, 
sendo  alferes  de  infanteria  n.«  li,  casou  no 
Rio  de  Janeiro  com  D.  Maria  Peregrina  de 


1  V.  Noticias  de  Penella,  pag*.  66  e  118. 

Este  formoso  e  curioso  livro  foi  publica- 
do em  1884  pelo  coramendador  Delfim  José 
d'01iveira,  tenente  coronel  reformado,  sócio 
da  Real  Associação  dos  architeclos  civis  e 
archeologos  portuguezes,  cavalheiro  bastante 
illustrado  e  um  dos  filhos  mais  beneméritos 
da  villa  de  Penella  na  actualidade. 

O  mesmo  sr.  publicou  em  1886  um  Addi- 
iamento  ás  suas  Noticias  de  Penella — e  tem 
no  prélo  Novo  Additamento. 

Também  s.  ex.*  escreveu  e  se  dignou  offe- 
recer-nos  um  interessante  folio: — Diário  da 
Viagem  de  Lisboa  a  Te  te  {1859-1860)  de 
Delfim  José  d" Oliveira, —  Diário  que  conser- 
vamos ms.  e  muito  presamos,  pois  n'elle  se 
encontram  muito  curiosas  e  conscienciosas 
noticias  das  nossas  possessões  africanas,  on- 
de militou,  nomeadamente  do  districto  de 
Tete,  onde  foi  governador. 

V.  Penella  n'esle  diecionario  e  no  supple- 
mento. 

*  Noticias  de  Penella,  pag.  184. 


Figueiredo,  natural  de  Lisboa,  em  25  d'a- 
gosto  de  1818.1 

A  11  de  fevereiro  de  1831  seguiu  viagem 
para  Cacheu  na  charrua  Orestes,  para  cum- 
prir a  pena  de  seis  annos  de  degredo,  em 
que  fôra  condemnado  por  ser  achado  escon- 
dido no  convento  de  Jesus  e  ter  roubado  um 
coto  de  cera? 

«  _ 

Seus  paes,  o  referido  desembargador  e 
mulher — D.  Marianna  Emilia  Ludovina  Leal 
de  Seixas  Cardoso  —  o  desherdaram  e  des- 
naturalisaram  da  família  ea  toda  a  sua  des- 
cendência, em  escriptura  feita  no  anno  de 
1827,  confirmada  por  outra  em  1841,— j)or 
se  ter  casado  na  tenra  idade  de  dezesete  an- 
nos sem  licença  nem  consentimento  de  seus 
paes} 

Francisco  de  Mendonça  Mexia  d'Almeida 
Barbarino  e  D.  Maria  Augusta  de  Mendonça 
Barbarino,  filhos  do  desembargador,  vende- 
ram a  quinta  de  Vouzella,  aproximadamen- 
te em  1860,  a  Antonio  Lopes  da  Costa 
Braz,  da  freguezia  do  Avellar,  concelho  de 
Figueiró  dos  Vinhos.  Actualmente  pertence 
aos  filhos  e  netos  do  mesmo  Braz  de  Figuei- 
ró, representados  por  Francisco  Simoes, 
viuvo. 

A  mencionada  quinta  de  Vouzella  foi  uma 
propriedade  esplendídal  Tinha  boa  casa  de 
habitação,  construída  no  actual  século,  boa 
mobilia,  jardim,  lagos,  pomares,  campos,  vi- 
nhas, olivaes,  ete.  Hoje  está  em  decadência, 
mas  ainda  assim  vale  4  a  5  coutos  de  réis. 

Vouzella  é  o  nome  vulgar  e  ofiBcial  d*es- 
ta  quinta,  mas  o  povo  também  a  denomina 
Bouzella  pela  propensão  que  tem  para  tro- 
car o  V  por  b,  como  na  província  do  Minho. 

A  cinco  kilomelros  d'esta  quinta  de  Vou- 
zella para  o  sul,  na  pendente  occidental  da 


1  Inventario  da  quinta  de  Vouzella,  1845, 
existente  no  cartório  do  escrivão  Arnaud 
em  Penella. 

2  Ibidem. 

3  Ibidem. 


vou 


vou  1993 


cordilheira  de  S.  João  d'AleoDehel,  a  mon- 
taote  da  povoação  das  Grosinas  e  junto  da 
ribeira  d'este  nome,  se  encontra  a  aldeia  de- 
nominada Bouça,  pertencente  á  freguezia  da 
Cumieira,  concelho  de  Penella  também.  Met- 
te-se  de  permeio  entre  a  quinta  de  Vouzella 
e  o  povo  de  Bouça  a  cordilheira  d'Aleonchel, 
que  se  prolonga  de  norte  a  sul  e  —  coinci- 
dência notável — também  se  prolonga  de 
norte  a  sul  um  monte  que  divide  a  ribeira 
de  Bouçã  da  ribeira  outr'ora  denominada 
Vouzella  ou  Bouzella  (hoje  Noudel  ou  Nodel) 
as  quaes  desaguam  na  margem  direita  do 
Zêzere,  cerca  de  15  kilometros  a  S.  E.  da 
Bouçã  da  Cumieira  e  18  a  20  da  quinta  de 
Vouzella  supra. 
Logo  fallaremos  d'aquellas*duas  ribeiras. 


Na  dieta  aldeia  da  Bouçã  houve  uma 
quinta  do  mesmo  nome,  pertencente  a  Ma- 
noel José  Ferreira  Tuna  e  hoje  a  diversas 
pessoas. 

O  Tuna,  alto,  corpulento  e  carpinteiro 
muito  hábil,  foi  o  director  da  celebre  wttii- 
ca  de  Penella,  que  se  tornou  notável  em 
1828.  Ainda  hoje  ali  se  falia  na  musica  do 
Tuna. 

O  carpiotéiro  tocava  um  grande  clarine- 
te feito  por  elle  próprio;  José  Dueça  tocava 
fagote — e  Manoel  Joaquim,  pintor  (de  Pe- 
nella) tocava  um  enorme  zabumba. 

Por  occasião  das  festas  que  na  villa  de 
Penella  se  fizeram  em  honra  do  sr.  D.  Mi- 
guel no  dicto  anno  de  1828,  a  musica  do 
Tuna,  composta  d'aquelles  3  bravos  migue- 
listas somente,  deu  brado  e  attrahiu  grande 
numero  de  pessoas  do  concelho  de  Penella  e 
dos  concelhos  visínhos;  mas  ao  passo  que 
exultavam  os  miguelistas,  choravam  os  libe 
raes  de  Penella,  pois  foram  cruelmente  per- 
seguidos, sendo  muitos  presos  e  mettidos 
nas  cadeias  do  Porto,  Lamego,  Almeida  e 
S.  Julião  da  Barra, — outros  degredados  — e 
a  todos  sequestrados  os  bens?l... 

V.  Noticias  de  Penella,  tilt.  Devassa  e  Pro- 
nuncia, pag.  151  a  164. 

Ao  sr.  Delfim  José  d'01iveira  agradeço  os 

apontamentos  que  se  dignou  enviar-me. 


VOUZELLA— rio  ou  ribeiro  confluente  do 
Vouga  e  uma  das  suas  nascentes. 

Prova-se  isto  com  o  foral  que  D.  AfTon* 
so  III  deu  á  villa  e  ao  concelho  d' Aguiar 
da  Beira  no  anno  de  1258,  pois  indicando 
o  termo  (demarcações)  do  dicto  concelho 
diz: 

«Primo  sicut  incipit  in  Capita  de  Mouzaes: 
et  inde* . .» 

Em  vulgar :  ^  —  «Principia  no  cabeço  de 
Mouzaes;  vae  d'ali  à  portella  do  Viso,  aguas 
vertentes  para  o  rio  de  Arados,^  limite  de 
Caria  e  Sernancelhe;  d'ali  vae  á  fonte  de 
Paus;  depois  segue  pela  ribeira  dos  Açores 
até  o  rio  Távora;  depois  segue  pelo  Távora 
acima  até  o  ribeiro  que  limita  o  concelho  de 
Trancoso;  segue  depois  até  á  Lagea  de  Gar- 
cia ;)í»íí/a,  aguas  vertentes  para  o  termo  de 
Carapito;  d'ali  vae  ao  Olho  da  Mó  {ad  ocu- 
lum  de  mola);  d'ali  ao  Ninho  do  Corvo;  d'ali 
ao  ribeiro  de  Aon  (?)  limite  de  Pena  Verde; 
depois  vae  pela  ribeira  de  Aon  até  o  Porto 
d' Aguiar;  d'ali  até  o  cabeço  do  Tojal, ^  vae 
depois  ao  Braceiro  {Baraceyrnm);  d'ali  à 
Pedra  Furada,  limite  de  Gulfar;*  d'ali  ao 
ribeiro  dos  Asnos  {ad  aquam  de  portu  de 
azinis);  vae  depois  pela  dieta  ribeira  até  à 


1  Desculpem  as  heresias,  já  porque  não  ô 
fácil  a  traducção  do  latim  bárbaro  d'aquelle 
tempo,  já  porque  os  nomes  próprios  das  ter- 
ras, montes  e  rios  que  o  foral  menciona  de- 
vem ser  hoje  muito  diflerentes  —  e  nós  não 
conhecemos  a  localidade. 

2  Banha  os  campos  que  ainda  hoje  se  de- 
nominam Lameira  de  Arados  e  demoram  a 
4  kilometros  da  villa  d'Aguiar  da  Beira,  in- 
do para  Sernancelhe. 

3  Suppomo3  que  o  dicto  cabeço  demora 
junto  da  aldeia  do  Tojal,  parochía  de  Villa 
da  Egreja,  concelho  de  Sattam,  onde  houve 
um  convento  de  freiras,  com  a  invocação  de 
Nossa  Senhora  da  Oliva,  extincto. 

V.  Tojal,  vol.  9.»  pag.  587,  col.  e  Vil- 
la da  Egreja,  tomo  11.*  pag.  717,  col,  2.» 

*  A  Pedra  Furada,  vulgo  Pedra  do  Nicho, 
demora  entre  o  concelho  d'Âguiar  da  Beira 
e  o  de  Sattam,  que  hoje  comprehende  os  de 
Gulfar  e  Ferreira  d'Aves,  exlinctos. 

V.  Gulfar,  tomo  3.»  pag.  270,  col.  2.*— e 
Villa  da  Egreja,  tomo  11.»  pag.  717,  coL2.* 
também. 


1994  VOU 


VOU 


àe  Vouzella,  na  qual  morre  (deinde  quo- 
modv  intrat  ipsa  aqua  in  Vouzela);  de- 
pois vae  pelo  alio  da  portella  que  está  sobre 
a  aldeia  do  Pinheiro,  aguas  vertentes  para  o 
rio  Vouga;  d'ali  à  Pedra  Frieira,  limite  de 
Ferreira  d'Ave8;i— d'ali  vae  até  o  Vouga; 
depois  se%ue  rio  acima  até  à  fonte,  onde 
nasce  o  rio  Vouga ,2  na  extrema  do  concelho 
de  Caria;  segue  depois  finalmente  até  o  ca- 
beço de  Mouzaes,  onde  principiou  a  demar- 
cação.» 

V.  Portug.  Monumenta,  l.  Foralia,  pag. 
687,  onde  se  encontra  na  sua  integra  o  fo- 
ral em  questão. 


Do  exposto  se  vê  que  o  concelho  de 
Aguiar  da  Beira  ainda  hoje  tem  a  mesma 
circumscripção  que  tinha  em  1258.  Nada 
recebeu  nem  perdeu,  porque  os  concelhos 
então  limilrophes  :  —  Gulfar  e  Ferreira 
d'Aves—íoT3im  unidos  ao  de  Sattam,  —  e  o 
de  Caria  ao  de  Sernancelhe. 

A  ribeira  que  o  foral,  denomina  Vouzela 
(sic)  denomioa-se  hoje  BrazeWa.  Nasce  jun- 
to de  Vallagão  e  da  Pedra  Frieira; — banha 
a  parochia  de  Santo  Antonio  do  Pinheiro— 
e  desagua  no  Vouga,  junto  do  convento  de 
Ferreira  d' Aves. 

Ao  revereodissimo  sr.  João  Antonio  Nu- 
nes^ parocho  da  villa  de  Aguiar  da  Beira, 
agradeço  as  informações  que  se  dignou  en- 
viar-me. 

VOUZELLA  ou  BOUCELLA— ribeira  eon- 


1  A  Pedra  Frieira,  ainda  l)oje  assim  de- 
nominada, demora  effectí vãmente  junto  da 
povoação  do  Pinheiro,  sede  da  parochia  de 
Santo  Antonio  do  Pinheiro,  concelho  de 
Aguiar  da  Beira,  e  distante  d'esta  villa  3 
kilom. 

V.  Pinheiro  (art.  interessante)  vol.  7.» 
pag.  49,  col.  2.' 

2  E'  a  fonte  do  sanctuario  de  Nossa  Se- 
nhora da  Lapa,  que  demora  na  fregueziade 
Quintella,  ou!r'ora  concelho  de  Caria  e  hoje 
de  Sernancelhe. 

V.  Lapa,  tomo  4.°  pag.  49,  col.  2.«  — 
Quintellq  da  Lapa,  tomo  8."  pag.  35,  —  e 
Vouga  rio,  supra. 


fluente  do  Zêzere  no  concelho  de  Figueiró 
dos  Vinhos,  segundo  se  lê  no  foral  que  D. 
Pedro  Affonso,  irmão  de  D.  Sancho  I  e  fi- 
lho de  D.  Affonso  Henriques,  deu  á  mencio- 
nada villa  de  Figueiró  no  anno  de  1204. 
Demarcando  o  dieto  concelho,  diz  elle: 
«In  primo  per  foz  de  mazanas,  et  inde 
aas  Cabezas  de  ferro  acuto ...» 
Em  vulgar: 

«Principia  na  foz  da  ribeira  de  Maçãs; 
d'ali  vae  aos  cabeços  de  Ferro  Agudo  (de 
ferro  acuto)  hoje  serra  e  freguezia  de  Agu- 
da; d'ali  â  Cumieira  dos  montes  de  nadavis 
talvez  Nabaes,  hoje  Singraes;  depois  segue 
a  dicla  cumiada  por  entre  os  ribeiros  de 
Bouçã  e  Boucella  ou  Vouzella,  até  o  Zêzere; 
d'ali  pelo  Zêzere  atè  á  ribeira  d'Alge  (algiá) 
como  vem  da  foz  da  de  Maçãs,  onde  princi- 
piou a  demarcação.» 

Expliquemos  isto  d'alguma  fórma,  con- 
soante a  inspecção  dos  mappas,  a  leitura 
d'este  foral  e  a  dos  foraes  que  o  mesmo  D. 
Pedro  Affonso  in  tilo  tempere  deu  ás  villas 
e  concelhos  limilrophes — Arega  e  Pedrogam, 
que  eram  também  d'elle. 

A  ribeira  d'Alje,  de  que  já  se  falloui  nas- 
ce na  serra  da  Louzã,  cerca  de  5  kil.  ao  sul 
da  villa;  corre  a  S.  S.  O.;  banha  nas  abas 
da  serra  a  freguezia  de  Carapello,  no  extre- 
mo N.  do  concelho  de  Figueiró  dos  Vinhos; 
cerca  de  15  kil.  a  jusante  passa  3  kil.  a  E. 
da  freguezia  de  Avellar;  volta  depois  para 
S.;  passa  1  kil.  a  E.  da  freguezia  de  Agúda, 
nas  abas  da  serra  d'esle  nome, — e  4  kil.  ao 
poente  de  Figueiró  dos  Vinhos;  depois  2 
kil.  a  E.  de  Maçãs  de  D.  Maria;  2  kil.  a  ju- 
sante passa  na  foz  da  ribeira  de  Maçãs;  des- 
creve ali  uma  grande  curva  para  E.;  reto» 
ma  a  linha  N.  S.;  passa  2  kil.  a  E.  da  villa 
de  Arega  e  5  kil.  a  jusante  morre  na  m.  d. 


1  V.  Alje,  tomo  1.»  pag.  126,  col.  2  %  e 
como  rectificação  note-se: 

4.o_A  dieta  ribeira  não  pertence  á  Beira 
Alta,  mas  á  Estremadura,  porque  está  qua- 
si  toda  no  districto  de  Leiria. 

2.«_ Nasce  muito  longe  da  villa  de  Agúda. 


vou 

do  Zêzere  no  silio*da  Foz  d'Alje,  tendo  de 
curso  total  cerca  de  40  kilometros. 


A  ribeira  de  Maçãs,  que  alguém  confun- 
de com  a  d'Alje,  atravessa  as  freguezias  de 
Haçãs  de  D.  Maria,  à  esquerda,  e  Maçãs  do 
Laminho,  à  direita,  as  quaes  tomaram  o  no- 
me da  dieta  ribeira  de  Maçãs^  corre  de 
poente  a  nascente  (direcção  geral)  —  e  de- 
sagua na  ribeira  d'Alge  (m.  d.)  no  sitio  que 
o  foral  denomina  Foz  de  Maçãs,  tendo  de 
curso  total  cerca  de  10  kilometros. 


O  termo  da  villa  e  concelho  de  Figueiró 
principiava  pois  na  ribeira  d'Alje,— no  sitio 
da  foz  da  ribeira  de  Maçãs;  d'ali  avançava 
pela  dita  ribeira  de  Maçãs  alguns  kil.  para 
O.  ou  S.  0.2,  depois  seguia  para  N.  até  os 
taes  cabeços  de  Ferro  Agudo,  hoje  serra 
de  Aguda,  abundaste  jasigo  de  ferro,  já  ex- 
plorado em  parte,  como  logo  provaremos; 
depois  caminhava  para  E.  pelos  taes  mon- 
tes de  nadavis,  hoje  Singraes,  que  limitam 


1  Também  Maçãs  de  Caminho  tomou  o  seu 
cognome  da  antiga  estrada  de  Santarém  a 
Miranda  do  Corvo  por  Thomar,  estrada  que 
atravessa  a  dieta  freguezia  e  serve  de  termo 
a  O.  no  foral  velho  de  Arega  de  1201,— e  a 
N.  no  foral  velho  de  Pedrogam  de  1206. 

2  E  isto  o  que  se  deprehende  do  foral  que 
o  mesmo  D.  Pedro  Affonso  em  1201  deu  á 
villa  e  concelho  de  Arega,  — concelho  que 
partia  com  o  de  Figueiró  a  nascente  pela 
ribeira  d'Alge— e  a  norte  pela  de  Maçãs. 

O  termo  do  concelho  d'Arega  era  o  se- 
gumte:  •  Primeiramente  o  cabeço  de  Beras 
{beras);  depois  seguia  pela  estrada  publica 
(a  tal  de  Santarém  a  Miranda  do  Corvo;  até 
o  cabeço  de  ar^.  .  (o  nome  está  incomple- 
to); depois  pela  dieta  estrada  aíè  á  ribeira 
de  Maçãs;  depois  pela  ribeira  de  Maças  até 
á  ribeira  á'Alje  e  por  esta  até  o  Zêzere  e 
Porto  de  Paio  Perro  (ad  portum  pelagii 
perro);  d'ali"até  oesmoludorio  de  madeira(^) 
e  d'ali  pela  mencionada  via  publica  até  o 
cabeço  de  Beras,  onde  principiou  a  demar- 
cação.» 

V.  Portug.  Monum.  l.  Foralia,  pag.  517. 


VOn  1995 

a  N.  e  N.  E.  o  concelho   e  Figueiró  com  o 
j  chão  da  freguezia  de  Campelto,  na  qual  se 
I  encontrara  as  aldeias  de  Singrai  Simeiro  e 
j  Singrai  Fundeiro  nas  abas  do  monte  Sin- 
grai, e  as  aldeias  d'Alje  e  Ponte  Fundeira 
nas  margens  da  ribeira  d'Alje,  que  ali  tem 
ou  teve  pelo  menos  duas  pontes,  como  re- 
vela a  onomostica. 

Depois  caminhava  para  S.  pelo  alto  do 
monte  que  corre  por  entre  as  ribeiras  de 
Bouça,  a  O.— e  Boucella  ou  Vouzella,  a  E., 
—até  entrar  no  Zêzere. 

O  dicto  monte  limitava  pois  o  concelho 
de  Figueiró  dos  Vinhos  a  E. 

Não  sabemos  como  hoje  se  denomina  a 
tal  ribeira  de  bauceela,  Boucella  ou  Vouzel- 
la.^ A  de  Bouçã  ainda  tem  o  mesmo  nome 
e  na  sua  foz  ha  no  Zêzere  a  barca  de  Bouçã. 

Paliemos  agora  dos  jazigos  de  ferro  da 
Serra  Aguda: 


Na  freguezia  de  Aréga,  no  sitio  e  aldeia 
da  Foz  d'Alje,  houve  uma  fabrica  d'artilhe- 
ria,  como  já  disse  o  meu  antecessor  no  ar- 
tigo Arêga.  Também  Carvalho  a  mencionou 
como  existente  em  1708,  e  conservou-se  até 
os  fins  do  ultimo  século,  segundo  se  lô  na 


1  Á  ultima  hora  consta-me  se  chama  No- 
dei?!. . . 

Ha  também  junto  da  dicla  ribeira  uma 
povoação  denominada  Nodeirinhos,  diminu- 
tivo de  Nodel,  pertencente  à  freguezia  da 
Graça,  concelho  de  Pedrogam.  Temos  tam- 
bém na  freguezia  de  Bemfica,  junto  de  Lis- 
boa, a  povooção  de  Nodar  ou  Noudar,  —  e 
assim  se  denominou  também  uma  freguezia 
e  villa  do  Alemtejo,  hoje  simples  e  pequena 
aldeia  da  freguezia  e  concelho  de  Barran- 
cos. 

V.  Nodar,  tomo  5.»  pag.  102,  col.  2.» 

Como  ali  se  diz,  Nodar  vem  do  árabe  Nua- 
dar,  bem  como  Nuadel  ou  Nodel.  Suppo- 
mos,  pois,  que  a  dieta  ribeira  já  era  assim 
denominada  pelos  mouros  e  que  prevaleceu 
o  antigo  nome  ao  de  Boucella  ou  Vouzella, 
que  se  encontra  no  foral  de  1204. 

Também  suppomos  que  tem  a  mesma 
etymologia  a  povoação  de  Noéda,  perten- 
cente á  freguezia  de  Campanhan,  junto  do 
Porto. 


1996  VOU 


VOU 


Topographia  Medica  do  sr.  dr.  A.  A.  da  Cos- 
ta SiODÕPS.l 

«Da  fabrica  da  Foz  d'AIje  (diz  elle)  cha* 
mada  Engenho  de  Machuca,  falia  Carvalho; 
e  consta  por  tradição  que  em  1760,  por  or- 
dem do  M.  de  Pombal,  em  uma  noite,  a  um 
signal  dado  por  foguetes,  foram  presos  e 
mandados  para  o  Ultramar  7  mestres  fabri- 
cantes, escapando  José  Lavaxe  por  ser  es- 
trangeiro. Dizem  que  o  fim  era  ensinarem 
a  fabricação  de  ferro  no  Ultramar.  As  famí- 
lias receberam  uma  pensão  de  300  réis  diá- 
rios aié  o  falleei  mento  dos  mesmos,  excepto 
de  um  que  fugiu  do  degredo:  quanto  a  este 
o  governo  suspendeu  a  pensão  à  familia, 
mas  não  procedeu  contra  elle^  signal  de  que 
Dão  tinha  commettido  crime. 

«José  Lavaxe  estabeleceu-se  em  Vendas 
de  Maria,  na  estrada  de  Cabaços,  freguezia 
de  D.  Maria. 

«A*  fabrica  ainda  se  conservou  montada 
com  todas  as  machinas  e  apparelhos  por 
mais  de  30  annos,  como  ainda  a  viram  Ju- 
lião Simões  e  Manoel  Simões,  octogenários, 
do  logar  de  Moninhos  Fundeiros,  com  quem 
fallei  em  1848. 

»Hoje  (1860)  apenas  restam  paredes  ar- 
ruinadas, signaes  de  fornos,  e  a  valia  do 
escoamento  das  aguas. 

«Ainda  havia  outra  fabrica  menor  que 
produzia  artigos  de  ferro  fundido  e  forjado. 
Esta  foi  fechada  em  1834. 

>A  mina  de  ferro  para  esta  fabrica  era  a 
das  Barrancas,  próxima  da  povoação  d'este 
nome  e  do  Alqueidão  de  Maçans,  que  ficam 
Da  freguezia  de  Maçans  de  D.  Maria  * 


1  Topographia  medica  das  cinco  villas  e 
Arega  ou  dos  concelhos  de  Chão  de  Couce  e 
Maçãs  de  D.  Maria  em  1848— com  o  respe- 
ctivo mappa  topographico  e  carta  geológica, 
por  A.  A.  da  Costa  Simões,  —  Coimbra,  Im- 
prensa da  Universidade,  1860. 

í  um  livro  muito  curioso,  muito  interes- 
sante e  muito  digno  de  consultar-se  com 
relação  ao  concelho  de  Figueiró  dos  Vinhos 
6  d'elle  fareoaos  longo  extracto  no  supple- 
menlo*a  este  diccionario. 


A  fabrica  pequena  supra,  onde  »&  faziíam 
'pregos  e  outras  peças  para  a  artilheria  e  ar- 
madas reaes,  etc,  estava  no  termo  da  ifre- 
guezia  á^Avellar,  nas  abas  da  serra  de 
Aguda. 

Também  a  onomástica  prova  que  na  (dita 
zona  teve  grande  importância  a  industtria 
da  exploração  e  fabrico  de  ferro,  pois.  no 
termo  da  freguezia  de  Figueiró  dos  Vinihos 
se  encontram  os  casaes  denominados  /í^Vr- 
reiros  da  Ribeira,  Ferreiros  de  Baixo,  Wer- 
leiros  de  Santarém,  Ferreiros  da  Bairr<ada 
e  a  quinta  da  Fabrica  da  Foz  d^Alje; — ee  na 
parochia  de  Maçãs  de  D.  Maria  os  caisaes 
dos  Serralheiros  e  das  Ferrarias. 

Também  na  freguezia  da  Cumieira,  cson- 
celho  de  Penella,  mas  visinha  de  Avellar  «e  da 
Serra  Aguda,  ha  um  povo  denominado  IFer- 
raria  de  S.  João. 

Nós  não  conhecemos  a  localidade  e  ttive- 
mos  um  trabalho  insano  para  escrever  esstas 
linhas,  mas  do  exposto  se  vé  que  a  Seerra 
Aguda  e  suas  dependências  são  um  víasto 
jazigo  de  ferro- 


0  concelho  de  Figueiró  dos  Vinhos  tem 
por  limiirophe  ao  nascente  o  de  Pedrojgam 
Grande.  Vamos  pois  indicar  o  termo  amtigo 
d'este  para  melhor  firmarmos  o  d'aquelUe. 

No  foral  que  o  mesmo  D.  Pedro  AfTosnso 
em  1206  deu  a  Pedrogam  (Petrogontum) 
diz: 

tOs  seus  termos  são  os  seguintes: 
A  oriente  a  foz  de  Unhaes;  d'ali  vae3  rio 
acima  até  á  sua  nascente  {usque  dum  noasci- 
tur);^  a  O.  os  taes  cabeços  de  nadavis,  lhoje 
Singraes,  e  d'ali  vae  direito  ao  alto  do  maon- 
te  de  Bouçã. . .  ;  —  ao  norte  a  estradsa  de 
Santarém  {per  viam  que  ducitur  ai  sanicta- 


*  Não  era  qualquer  coisa,  porque  o  rio 
de  Unhaes  tem  mais  de  40  kilometross  de 
curso! ... 

V.  Unhaes,  tomo  10.«  pag.  11,  col.  l.«* 


vou 


vou  mm 


ren); — ao  sul  o  rio  Zêzere  (m  africo  per  oze- 
zar)  i 

Desculpem  dos  a  digressão,  que  bastante 
trabalho  Âos  deu,—e  desculpem-nos  tam- 
bém os  lapsos,  porque,  repetimos,  não  co- 
nhecemos a  localidade. 

VOUZELLA,  ~  Villa  e  freguezia,  ?éde  de 
concelho  e  de  comarca,  no  distrieto  e  bis- 
pado de  Viseu,  província  da  Beira  Alta. 

Vigairaria. 

Orago— Sanía  Ifona,  ou  Nossa  Senhora 
da  Assumpção. 

Rodrigo  M.  da  Silva  em  1675  deu  lhe 
200  fogos;  o  padre  Carvalho  em  1708  deu- 
Ihe  140;  D.  Luiz  G.  de  Lima  em  1736  deu- 
lhe  141:  o  Port.  S.  e  Prof.  em  1768  deu-lhe 
142;  o  Flaviense  em  1852  deu-lhe  182;  o 
censo  de  1864  deu-lhe  186  fogos  e  724  ha- 
bitantes; o  de  1878  deu-lhe  230  fogos  e  967 
habitantes — e  hoje  (1889)  conta  approxima- 
damente  240  fogos  e  1.000  habitantes. 

Demora  na  estrada  real  a  maeadam  n.'  41 
d'Aveíro  a  S.  Pedro  do  Sul  e  Viseu,  a  qual 
atravessa  a  villa,  formando  uma  estrada  — 
rua.  É  também  atravessada  na  sua  extremi- 
dade O.  pelo  rio  Zella,  confluente  do  Vou- 
ga, distando  d'este  ultimo  rio  (m.  e.)  1:500 
metros  para  S.;  3  kilometros  das  Caldas  e 
8  da  Villa  de  S.  Pedro  do  Sul  para  S.  O.;  18 
de  Viseu  para  N.  O.  pela  estrada  directa, 
dislrictal  n."  36,  em  construcção, — e  29  por 
S.  Pedro  do  Sul;  60  da  estação  de  Estarre- 
ja (a  mais  próxima)  na  linha  férrea  do  Nor- 
te; 109  do  Porto  pela  dieta  estação  —  e  348 
de  Lisboa. 

A  freguezia  de  Vouzella  eomprehende 
além  da  villa  as  aldeias  de  Valgode,  Igreja  e 
Caritel;  os  casaes  de  Linhares,  Cabrella,  Ri- 
beirinha, Candieira,  Pombal,  S.  Paio,  Foz, 
Crujo,  Ermida,  Ermidinha,  Cavada,  Pinhei- 
ro, Matias  e  Costeira,— e  as  quintas  de  Sar- 
nada,  Continha,  Lamas,  Costeira,  Mattas, 
Regadas,  Caritel,  Poldras,  Portello,  Porto - 
Salto,  Cavallaria,  Valgode,  Avellar  e  Linha- 
res. 

A  villa 

Nunca  foi  murada  nem  acastellada,  mas 
tinha  a  pequena  distancia  differentes  castel- 

YOLUME  XI 


los  e  outras  obras  de  defesa,  de  que  logo 
fallaremos. 

Tem  bons  edifícios  e  varias  ruas,  avul* 
tando  entre  ellas  a  rua  Direita,  qne  foi,  co- 
mo todas  as  runs  Direitas,  bastante  torta  e 
ainda  hoje  o  seu  aliobamento  está  muito 
longe  da  recta,  mas  foi  alargada  e  mui- 
to melhorada  para  passagem  da  estrada 
a  maeadam  e  em  seguida  se  construíram 
n'ella  alguns  prédios  novos  e  se  reconf  trui- 
ram  e  alinharam  outros,  com  o  que  muito 
lucraram  a  dieta  rua  e  a  vilh. 

É  também  digna  de  menção  a  rua  da  Pon- 
te, porque,  embora  velha,  torta,  estreita  e 
Íngreme,  tem  nada  menos  de  5  edifícios  par- 
ticulares brasonados!  Foi  outr'ora  a  rua  da 
nobresa,  como  a  rua  Chã  no  Porto,  a  dos 
Cavalleiros  em  Trancoso,  e  a  dos  Fidalgos 
em  Villa  Viçosa. 

Tem  duas  praças  com  os  nomes  de  Praça 
de  Cima  ou  Praça  Velha  e  Praça  de  Baixo 
ou  Praça  Nova,  hoje  Largo  de  Mcyraes  Car- 
valho,—  e  entre  a  villa  e  a  egreja  matriz  o 
Largo  da  Comdowra,  bastante  espaçoso  e 
cora  algumas  arvores,  mas  pouco  alinda- 
do  e  muito  irregular.  Ali  se  fazem  as  feiras 
da  viíla,  para  o  que  tem  alguns  aipéndres  e 
bancos. 

Feira 

Data  de  tempos  muito  remotos  a  feira 
d'esta  villa.  D.  Manoel,  estando  aqui  e  as* 
sistindo  a  uma  das  dietas  feiras  em  1  de 
março  de  1514,  lhe  concedeu  grandes  pri- 
vilégios, mas  a  dieta  feira  já  datava  dos 
princípios  do  àec  xiv. 

Foi  concedida  a  feira  mensal  de  Votízella 
por  mercê  d'el-rei  D.  Diniz,  cora  data  do 
anno  1307,— era  de  1345. 

Dissert.  Chronol.  de  João  Pedro  Ribeiro, 
tomo  V,  pag.  385. 

Commercio  e  industria 

Na  villa  ha  bons  estabelecimentos  com- 
merciaes  de  toda  a  ordem,  duas  pharmacias 
e  difTerentes  offlcinas  de  ferreiros,  serralhei- 
ros, sapateiros  e  alfaiates, — e  grande  nume- 
ro de  mulheres  se  emprega  na  tecelagem  de 
panno  de  linho,  estopa  e  burel  para  consu- 

126 


1998  VOU 


VOU 


EDO  próprio  e  venda  nas  feiras  e  mercados. 

Também  ha  na  vilIa  4  fornos  de  pôia,  on- 
de se  cose  pão  de  toda  a  qualidade  a  40  réis 
por  alqueiré.i 

Ha  também  muitos  moinhos  e  pisoe»  no 
Tio  Zellá,  e  muitos  moinhos  no  Vouga.  Es- 
tes últimos  trabalham  todo  o  anno;— os  do 
rio  Zella  suspendem  a  laboração  na  estia- 
gem. 

Mencionaremos  lambem  a  industria  agri- 
col»,  a  mais  importante  d'e8ta  freguezia  e 
d'este  concelho,-^e  a  da  creação  de  gado 
bovino,  óptimo  para  trabalho  e  precioso  pa- 
ra alimento. 

V.  Lafões,  tomo  4.»  pag.  l\,  col.  1.% — e 
Viseu,  tomo  11.°  pag.  1761,  col.  2.» 

Templos 
i."— Igreja  matriz. 

Demora  am  sitio  isolado,  mettendo-se  de 
permeio  entre  ella  e  a  villa  o  cemitério  e  o 
campo  da  feira  ou  da  Corredoura,  mas  é 
um  templo  venerando  pela  sua  antiguida- 
de e  architectura. 

Não  se  sabe  quando  nem  por  quem  foi 
feita,  mas  data  dos  principios  da  nossa  mo- 
narchia.—Altribue-se  aos  templários — enós 
inelinarao-nos  a  esta  opinião,  porque  esta 
igreja  foi  commenda  da  ordem  de  Christo 
e  todos  sabem  que  esta  ordem  foi  ereada 
por  D.  Diniz  era  substituição  da  dos  templá- 
rios e  dotada  com  ps  bens  d'elle8. 

Outr'ora  foi  collegiada  e  talvez  que  na  sua 
origem  fosse  convento  dos  templários,  como 
parece  indicar  o  seu  isolamento  da  vílla. 

Tem  uma  só  nave;  um  bello  pórtico  de 
estylo  ogival;  uma  porta  lateral  no  mesmo 
estylo  do  lado  do  evangelho;  muitas  figuras 
esquisitas  de  caras  humanas  e  cabeças  de 


1  Poia  ou  Poya,  do  árabe  poia,  significa 
o  pão  que  paga  quem  cose  o  seu  em  forno 
alheio. 

Foram  triviaes  no  nosso  paiz  os  fornos 
de  poia  e  ainda  se  usam  n*esta  villa  e  em 
outras  povoações,  mas  em  algumas,  em  vez 
do  pão,  denominado  poia,  dão  o  equivalente 
em  dinheiro,  comò  succede  aqui. 


irraeionaes  ao  longo  da  cornijà;  um  o  óculo 
também  na  parede  do  lado  do  evangigelho, 
tudo  de  solido  granito — e  em  frente  da!a  por- 
ta principal,  a  pequena  distancia  dVella  e 
como  que  servindo  de  ante-paro  ou  guaiarda- 
vecto,  um  grande  campanário  com  doiois  si- 
nos, —  campanário  (não  torre)  de  cantntaria 
de  granito,  muito  velho  e  muito  sojolido, 
posto  que  baloiça  quando  dobram  os  si  sinos. 
Tem  9  metros  de  largura,  18  d'altura,  .,  1  Vz 
d'espessura  e  no  patamar  um  gradeammenio 
de  ferro. 

No  sino  maior  se  lé:  Jesus  Maria  Joiosé, — 
Santus  Deus,  Santos  Fortes,  Santos  í  Mor- 
taes  (sic)  Santa  Barbara  Miserere  ninobis, 
1722. 

I  A  egreja  interiormente  tem  altar  mmor  e 
differentes  altares  lateraes  com'  boas  d  deco^ 
rações  de  talha  dourada  antiga. 

Entrando  pela  porta  principal,  encíoiontra- 
se  á  direita,  ou  do  lado  da  epistola,  a  pipia  do 
baptismo,  em  quanto  que  nas  nossas  e  egre- 
jas  parochiaes  costuma  occupar  o  ladolo  op- 
posto. 

Em  seguida  á  pia  baptismal  vô-se  e  uma 
Capella  muito  antiga  que  foi  dos  Almeueidas, 
senhores  da  nobre  casa  e  quinta  da  Cdlaval- 
lana,  da  qual  fallaremos  adiante. 

A  dieta  Capella  tem  um  poriico  ogivra/al  co- 
mo os  da  egreja;  prolonga- se  para  fc)rjra  do 
templo  com  a  mesma  architectura  d'eill(lle  ou 
ornamentada  no  mesmo  estylo;  ioterioirnrmen- 
te  tem  um  altar  com  a  imagem  do  Gr-uruclfl- 
cado  no  centro  e  aos  lados  outras  imapigens. 
N'e8ta  Capella  se  guarda  o  Saniissimioso  —  e 
na  parede  lateral,  do  lado  do  evangellhlho,  se 
vé  uma  inscripçâo  gothica,  na  qual  ssese  diz 
que  Fernão  Lopes  d'Almeida,  senhor  oiída  ca- 
sa da  Câvallaria,  fallecido  em  23  de  dtelezem- 
bro  de  1512,  deixou  certos  foros  á  dicjtcta  Ca- 
pella. 

Proseguindo  com  a  descripção  da  nnaaatriz, 
— segue-se  à  dieta  capella  do  Santissiinimo  o 
altar  de  Nossa  Senhora  do  Rosario,,  >,  com 
uma  linda  imagem  da  Virgem  ;  —  dejpcpois  o 
arco  cruzeiro; — a  porta  que  dá  para  a  a  sa- 
cristia—e por  ultimo  a  capella-mór  co)rom  um 
bom  retábulo  encimado  pela  imagem  cdsda  pa- 


vou 


vou  1999 


droeira,  tendo  aos  lados  as  imagens  de  S. 
Joaquim  e  SanfAnna. 

Entrando  pela  porta  principal,  encontra- 
se  á  esquerda,  ou  do  lado  do  evangelho — 
o  palpito,  a  porta  travessa^  o  altar  da  Se- 
nhora do  Carmo  e  o  grand«  óculo  que  dá 
luz  ao  templo, — oeulo  que  nos  outros  tem- 
plos costuma  estar  na  fronteria. 

O  pavimento  ainda  conserva  as  antigas 
sepulturas  e  nas  tampas  d'algumas  d'ellas 
se  vêem  ioscripçòes  já  gastas  e  emblemas 
de  cavalleiros  com  brasões. 

O  adro  é  irregular  e  n'elle,  do  lado  norte 
da  egreja,  se  vé  um  grande  cedro  que  tem 
cerca  de  40  metros  d'ãltura  e  consta  que  foi 
plantado  em  1795. 

A  egreja  foi  sagrada  não  sabemos  quando, 
mas  ainda  conserva  nas  paredes,  tanto  do 
lado  interior  como  exterior,  as  cruzes  da 
sagração. 

Indiquemos  agora  os  outros  templos: 


2.'  —  Egreja  da  Misericórdia  na  Praça  de 
Cima. 

É  um  templo  espaçoso,  muito  limpo  e 
muito  lindo.  Tem  4  altares  com  bellas  ima- 
gens. São  os  seguintes:  —  Senhor  dos  Pas- 
sos, Senhora  da  Soledade,  Senhor  da  Canna 
Verde  e  Senhora  das  Dores. 

Aqui  se  fazem  com  grande  pompa  as  fes- 
tas da  Semana  Santa  e  da  Rainha  Santalsa' 
bel. 

A  Misericórdia  tem  numerosa  irmandade 
e  um  bom  hospital  novo,  principiado  em 
1846  e  inaugurado  em  29  de  junho  de  1848 
com  3  enfermarias: —  uma  para  os  irmãos, 
—outra  para  homens -e  outra  para  mulhe- 
res. 

Demora  este  hospital  em  sitio  lindíssimo, 
alto,  arejado  e  com  amplas  vistas,  dominao- 
do  um  horisonte  de  mais  de  30  kilometros 
de  raio  para  N.,  0.  e  S.  O. 

Esta  santa  instituição  tracta  muitos  doen- 
tes no  seu  hospital,  e  fornece  a  muitos 
pobres  remédios  e  subsídios  pecuniários. 

Z^-^Cajptlla  de  S.  Fr.  Gil. 


É  um  bom  templo  em  fórma  de  egreja 
com  torre  e  sinos.  Demora  na  Praça  Nova 
ou  Praça  de  Baixo,  em  frente  do  tribunal 
e  da  cadeia,  e  foi  construída  pelos  parentes 
de  S.  Fr.  Gil,  muito  dignamente  represen- 
tados ainda  hoje  pelos  nobres  marquezes  de 
Penalva,  residente  em  Lisboa,  mas  é  admi- 
nistrada pela  junta  de  parochia  de  Vou- 
zella. 

Tem  missa  todos  os  domingos  e  dias  san- 
tos e  3  altares  com  boas  decorações  de  ta- 
lha antiga  dourada,  estando  no  altar-mor  a' 
imagem  de  S.  Fr.  Gil;  nos  lateraes  as  de  S. 
Lourenço  e  S.  João  Nepomoceno. 

O  padroeiro  é  festejado  annualmente  com 
grande  pompa  no  dia  14  de  maio,  ou  no 
domingo  seguinte,  precedendo  as  respecti- 
vas novenas. 

Na  dieta  capella  se  vé  e  guarda  ainda 
hoje  com  toda  a  veneração  a  pia  baptismal 
em  que  foi  baptisado  S.  Fr.  Gil,  como  logo 
diremos,  quando  fallarmos  dos  vouzellenses 
illustres. 

í." — Capella  de  S.  Sebastião. 

Está  junto  do  hospital ;  é  muito  antiga; 
pertence  á  junta  de  parochia  e  foi  recons- 
truída por  ella  em  1887. 

b."— Capella  de  S.  João. 

Está  defronte  da  Misericórdia;  —  é  parti- 
cular e  muito  antiga — e  pertence  k  casa  das 
ameias. 

São  estes  os  templos  da  villa,  mas  fóra 
d'ella  ha  no  seu  termo  os  segumtes: 

6.' — Capella  de  Nossa  Senhora  da  Espe- 
rança, ou  do  Castello,  vulgarmente  assim 
denominada,  porque  se  ergue  no  alto  do 
monte  Lafão,  onde  outr'ora  existiu  um  Cas- 
tello árabe,  ou  talvez  anterior  á  occupação 
árabe,  cuja  pedra  se  empregou  na  construc- 
ção  do  templo,  conservando-se  apenas  al- 
guns restos  da  antiga  fortiScação. 

Demora  a  1  kilomeiro  da  villa  em  sitio 
aito,  pittoresco,  alegre  e  muito  vistoso,  e  foi 
feita  pelos  habitantes  de  Vouzella.  Tem  3 
altares.  No  mór  está  a  bella  imagem  da 
padroeira,  entre  as  de  Santa  Rita  e  San- 


2000  VOU 


VOU 


ta  Luzia;— nos  2  lateraes  a  do  Senhor  da 
Agonia  e  a  de  Santa  Catharina. 

E  muito  numerosa  a  irmandade  da  Se- 
nhora do  Castello.  Comprehende  lioje  260 
irmãos,  representados  por  um  juiz^  1  secre- 
tario, 1  ihesoureiro  e  4  mordomos  de  elei- 
ção annual.  Festejam  pomposamente  a  sua 
padroeira  no  dia  5  d'agosio,  ou  no  domin- 
go seguinte,  liavendo  por  essa  oecasião 
grande  romagem,  A  festa  dura  3  dias  e  no 
3.*  lia  confissões,  communhão  geral,  sermão 
•e  responsos  fúnebres  com  muitas  indulgên- 
cias pelos  irmãos  falleeidos. 

É  sempre  muito  grande  a  concorrência 
dos  devotos  tanto  da  villa  e  freguezia  de 
Vouzella  coroo  dos  povos  circumvisinhos 
até  grande  distancia,  pois  todos  depositara 
grande  fé  na  Senhora  da  Esperança  e  no 
Senhor  da  Agonia,  cujas  imagens  abrilhan- 
tam sempre  as  procissões  da  villa.  que  são 
actualmente  as  seguintes:— Corpo  de  Deus, 
S.  Fr.  Gil,  Senhora  do  Carmo,  Senhora  do 
Rosario,  Sexta  feira  Santa,  Pasehoa  da  Res- 
surreição e  alguns  annos  Trindade. 

Também  nas  grandes  procissões  da  villa 
por  oecasião  de  calamidades  publicas  vão 
sempre  em  andores  próprios  as  imagens 
da  Senhora  do  Castello,  S.  Fr.  Gil,  Senhor 
da  Agonia,  S.  Sebastião^  etc. 


O  Santuário  Marianm,  tomo  S.»  (pag.  262 
a  272)  publicado  em  1716,  dedicou  a  este 
templo  de  Nossa  Senhora  do  Castello,  ou 
da  Esperança,  um  longo  artigo,  no  qual,  en- 
tre outras  coisas,  se  lê  o  seguinte: 

«Em  quanto  à  origem,  e  princípios  d'esle 
santuário,  não  pude  descobrir  coisa  alguma 
com  certeza. 


tNão  tem  a  Senhora  irmandade  alguma 
(referia-se  ao  anno  de  1708);  mas  a  grande 
devoção  dos  moradores  de  Vouzella  os  mo- 
ve a  que  a  sirvão  e  festejem  nos  dias  das 
suas  festividades. 

«Tem  um  ermitão  perpetuo,  apresentado 
pelo  parocho  de  Vouzella  e  confirmado  por 
provisão  dos  senhores  bispos  de  Viseu.  Este 
tem  a  sua  casa  mais  abaixo  da  ermida  hum 


tiro  de  pedra;  e  tem  huma  cercasinha  a  com 
horta,  pomar,  e  muitas  flores,  e  não  t  tendo 
aquelle  sitio  agua,  ainda  assim  se  criria  alli 
tudo  perfeitamente... 

«Não  tem  capellão  próprio,  mas  te  tem  os 
beneficiados  de  Vouzella  obrigação  de  e  dize- 
rem nove  missas  nos  nove  dias  antes  d(do  Na- 
tal, eu  de  as  mandar  dizer;  e  são  obrigigados 
à  satisfação  da  esmola  d'ellas  os  herdeyrvros  de 
Manoel  Homem,  do  logar  de  Asneyroros,  ou 
Calvos,  da  freguezia  de  Folgosa. 

«Na  ultima  oitava  da  Pasehoa  he  obrlrigado 
o  parocho  da  villa  de  Vouzella,  a  ir.emtn  pro- 
cissão com  os  seus  freguezes  a  visitar  y  a  Se- 
nhora com  cruz  levantada,  e  esta  romararia  se 
finalisa  com  missa  resada. 

•Também  no  ultimo  sabbado  da  seremana 
das  Ladainhas  repete  o  mesmo  parochoio  esta 
procissão,  e  na  mesma  fórma  os  moracadores 
da  freguezia  de  Passos,  annexa  a  parorochia 
de  Vouzella,  tem  ido  por  muitas  vezezes  em 
procissão  de  preces  a  Senhora  do  Casaslello, 
pedindo-lhe  sol  no  tempo  de  muitas  chihuvas, 
e  agua  nos  tempos  secos.  Na  mesma  fc  fórma 
tem  ido  a  freguezia  de  Cambra,  e  no  o  anno 
de  1707  forãoos  freguezes  das  mesroasis  fre- 
guezias  era  procissão  a  pedir  á  Senhorora  em 
o  mez  d'agosto,  agua  para  os  seus  milhlhos,  e 
logo  no  seguinte  dia  choveu  em  abundaiancia. 

•  Também  todos  os  annos  nas  quartaâas  fei- 
ras das  Ladainhas  vay  em  procissão  á  á  Se- 
nhora do  Castello  a  parochia  da  Ventoâosa. 


•  He  o  monte  da  Senhora  do  Castello  lo  mui- 
to empinado;  e  assim  de  huma  parte  e  don- 
de he  mais  despenhado  tem  hum  muroro  que 
lhe  serve  de  resguardo  para  mais  seguguran- 
ça  dos  que  frequenlão  este  caminho  do  lo  san- 
tuário. No  principio  da  subida,  que  vayay  em 
lanços,  ou  em  voltas,  se  vê  hum  forormozo 
cruzeiro,  e  logo  mais  acima  está  hum  ni  nicho, 
aonde  se  vê  huma  imagem  de  S.  João  lo  Ba- 
ptista. 

•Mais  aditinte  em  outro  lanço  do  camkninho 
se  vê  outro  nicho,  e  n'elle  huma  imagenem  de 
Santo  Amaro;  e  ultimamente  perto  da  a  casa 
da  Senhora  está  outro  nicho  com  a  imaoagem 
de  Santo  André.  • 


vou 


vou  2001 


«Muitos  são  os  milagres  e  as  maravilhas 
que  esta  milagrosa  Senhora  tem  obrado  em 
favor  dos  seus  devotos.  Entre  estas  referi- 
rei um  successo  lastimoso,  em  que  parece 
resplandece  muito  a  sua  piedade,  e  resplan- 
deceu a  favor  do  contador  mór  d'este  reyno 
João  de  Castanheda  e  Moura,  alcaide-mór 
da  Villa  de  Celorico  de  Basto  e  commenda- 
dor  das  commendas  de  S.  Salvador  de  Ser- 
razes  e  de  S.  Payo  de  Oliveira  de  Frades, 
ambas  do  bispado  de  Viseu,  e  da  de  S.  Sal- 
vador de  Pinheiro  nos  confins  do  bispado 
de  Lamego,  todas  da  ordem  de  Christo,  as 
quaes  as  possuiu  depois  seu  filho  o  conta- 
dor-mór  Plácido  de  Castanheda  e  Moura, 
como  as  possue  hoje  ^  também  seu  neto,  o 
contador-mòr  Luiz  Manoel  de  Castanheda  e 
Moura. 


•Vivia  em  Lisboa  o  contador-mór  João 
de  Castanheda  pelos  annos  de  1660,  aonde 
era  muito  bem  visto  pelo  sereníssimo  se- 
nhor D.  Affonso  VI,  e  no  mesmo  tampo  es-  j 
tava  preso  no  Lymoeiro  hum  homem  indi- 
gno de  se  lhe  saber  o  nome;  ingrato  a  Deos 
e  aos  homens;  facinoroso  e  que  por  suas 
maldades  e  delictos  o  tinha  a  justiça  da  ter- 
ra condemnado  à  forca. 

•  Nos  apertos  em  que  este  miserável  se  via 
recorreo  à  piedade  d'este  fidalgo  João  de 
Castanheda,  pedindo-lhe  que  lhe  valesse,  e 
elle  se  empenhou  tanto  em  o  livrar  da  for- 
ca, que  se  lhe  revogou  a  sentença,  e  se  lhe 
eommutou  em  degredo,  e  até  este  a  pieda- 
de do  seu  patrono  não  só  lho  comprou,  mas 
o  poz  solto  e  livre.  Sobre  estes  grandes  be- 
nefícios o  recolheu  em  sua  casa,  fazendo-lhe 
favores  que  elle  não  merecia,  aecomòdan- 


1  Refere-se  a  1708,  porque  a  data  da  im- 
pressão do  mencionado  volume  é  de  1716, 
mas  as  licenças  teem  as  datas  de  1709  e 
1710.  Logo  o  auctor,  Fr.  Agostinho  de  San- 
ta Maria,  escreveu  o  originai  antes  de  1709. 


do-o  no  foro  de  seu  gentil-homem\  tratan- 
do-o  com  taes  favores,  que  a  não  ser  conhe- 
cido pelo  seu  nada  avultado  nascimento,  o 
poderião  julgar  por  seu  parente,  segundo 
a  estimação  que  d'elle  fazia,  porque  passea- 
va em  hum  cavallo  e  vivia  vida  deprincipel 
A  estes  grandes  favores  lhe  accumulou...  a 
mercê  do  habito  de  Christo  com  sua  tensa; 
e  segundo  a  benevolência  e  piedade  de  seu 
amo,  e  a  sua  muita  liberalidade,  ainda  lhe  fa- 
ria favores  maiores  pelo  discurso  do  tempo.* 


«Resolveu-se  o  contador-mór  João  de  Cas- 
tanheda a  passar  à  Beyra,  a  ver  as  com- 
mendas e  a  cobrar  dos  seus  rendeiros  o 
rendimento  d'ellas;  e  entre  os  criados  que 
levou  em  sua  companhia  foi  hum  d'elles 
este,  o  qual,  como  era  malévolo  e  não  ha 
vião  feito  n'elle  móça  as  misericórdias  de 
Deus,  quiz  que  hum  dos  rendeiros  lhe  fir 
zesse  hum  favor  que  ou  não  podia,  ou  lhe 
não  conviria  fazer-lho.  Cheio  de  raiva  e 
ira,  parece  que  o  quiz  descompor.  Acodio  o 
amo,  que  vendo  o  seu  mão  termo,  o  repre- 
hendeo  asperissimamente  e  como  elle  mere- 
cia, dizendo- lhe  algumas  palavras  ásperas. 

«Dissimulou  o  ingrato  e  traidor  malévolo 
o  seu  intento.  Depois,  querendo  o  contador 
mor  passar  a  Serrazes,  que  não  distava 
muiio,^  carregou  este  criado  hum  bacamar- 
te e  meteo-lhe  huma  grande  quantidade  de 
quartos.  Estranhou  o  amo  aquella  curiosi- 
dade e  lhe  mandou  que  o  não  fizesse,  por 
ser  cousa  escusada  em  aquellas  terras,  mas 
elle  não  fez  caso  do  que  lhe  mandava  o  amo, 
porque  já  o  demónio  lhe  havia  tomado  pos- 
se do  coração. 


1  A  transcripção  é  longa  (desculpem)  mas 
o  facto,  como  os  leitores  vão  ver,  é  muito 
digno  de  registrar-se  e  prende  com  as  ter- 
ras de  que  no  momento  nos  occupamos. 

2  A  freguezia  de  Serrazes  demora  em 
frente  e  a  N.  de  Vouzella,  no  m.  d.  do  Vou- 
ga, concelho  de  S.  Pedro  do  Sul,  mas  já  per- 
tenceu ao  concelho  de  Vouzella. 


2002  VOU 


VOU 


tSabiodo  da  estalagem,  ou  da  casa  em  que 
baviam  pousado,  para  a  freguezia  de  Ser- 
razes,  e  estando  já  em  distancia  de  alguma 
meia  legoa  do  logar,  persuadio  ao  amo  a 
que  mandasse  o  outro  companheiro  que  o 
acompanhava  de  Cavallo,  a  que  se  adiantas- 
se a  dar  aviso  ao  rendeiro^  para  que  lhe 
mandasse  fazer  de  cear.  Fello  assim  o  amo, 
e  indo  já  perto,  chegando  junto  a  hum  cas- 
tanheiro aonde  chamão  o  Valle,  não  longe 
do  ribeiro  das  Caninhas  e  da  estrada  que 
vem  do  Banho,  armou  o  traidor  o  gatilho  ao 
bacamarte.  E  advertirão  humas  mulheres, 
que  estavão  afastadas  do  caminho,  que  duas 
vezes  errara  fogo;  mas  na  terceira  disparou 
6  lhe  meteo  pelas  costas  ao  commendador 
todas  as  balas  do  bacamarte. 

tEra  este  fidalgo  muito  valente.  Vendo -se 
ferido,  ainda  assim  puxou  pela  espada  e 
correo  atraz  do  traidor  distancia  de  hum  ti- 
ro de  mosquete,  dizendo, espera  traidor,  es- 
pera; até  que  já  sem  alento...  eahio  em 
terra,  pedindo  confissão.  E  posto  de  joelhos 
defronte  da  casa  da  Senhora  do  Castello, 
que  lhe  ficava  defronte  e  á  vista,  ainda  que 
distante  meia  legoa,  a  começou  a  invocar... 
e  expirou. 

€  N'eáte  lugar  mandou  depois  seu  filho  Plá- 
cido de  Castanheda  levantar  huma  fermosa 
cruz  de  pedra  lavrada  com  seu  pedestal,  a 
qual  se  vê  hoje  (1708)  no  chão,  pela  haver 
derribado  huma  grande  tempestade. 


que  pode,  porque  o  não  podião  passar,  por 
trazer  um  colete  muito  bom  de  anta,  que 
lhe  havia  dado  seu  amo  (que  tinha  sido  d'el- 
rei  D.  Afifonso).  Depois  lhe  meterão  um  es- 
toque por  uma  costura  do  colete,  que  o 
atravessou,  e  todos  raivosos  lhe  derão  tan- 
tas feridas  até  que  o  matarão,  e  com  o  sen- 
timento dos  muitos  males  que  havia  feito, 
não  havia  mal  que  lhe  não  desejassem.  Lao- 
çarão-lhe  pela  boca  muita  pólvora  e  lhepo. 
zerão  o  fogo  


«Está  esta  Senhora  collocada  em  o  seu 
altar  raór,  porque  não  tem  aquella  egreja 
outro.i 

<He  esta  santíssima  imagem  formada  em 
pedra  de  boa  escultura.  A  sua  estatura  se- 
rão 4  para  5  palmes.  Tem  em  seus  braços 
o  Menino  Deos,  e  ambas  as  imagens  tem  co- 
roas de  prata.  Na  manufactura  desta  sagra- 
da eíBgie  se  está  vendo  a  sua  muita  anti- 
guidade. Os  rostos  são  encarnados  e  as  rou- 
pas pintadas  ao  antigo  com  perfiz  de  ouro.* 

Do  exposto  se  vê  que  a  dieta  capella  e  a 
dieta  imagem  eram  muito  anteriores  a  1708. 

Nós  não  visitámos  este  templo.  Apenas  o 
vimos  da  estrada  real  que  passa  a  jusante — 
e  da  Villa ;  mas  suppomos  que  a  imagem 
actual  é  de  madeira,  pois  se  fôra  a  de  1708, 
feita  de  pedra  e  tendo  4  a  5  palmos  de  al- 
tura, mal  podia  ir,  como  vae,  repetidas  ve- 
zes nas  proeiosões  da  villa.^ 


tAcodirão  logo  todos  aquelles  moradores 
sentidíssimos  do  suecesso,  pelo  muito  que» 
amavão  ao  seu  commendador.  Fez-se-lhe  o 
enterro  com  a  maior  pompa  que  permittem 
aquellas  terras.  ' 

«Dando-se  depois  do  suecesso  no  alcance 
do  criado,  elle  se  recolheo  a  hum  palheiro, 
aonde  acodío  a  justiça  para  o  prender,  mas 
disparou  o  mesmo  bacamarte  contra  o  juiz, 
e  o  matou,  e  acodindo  outro  ministro  tam- 
bém o  ferio,  disparando  contra  elle  huma 
pistola.  Quizerão  pôr  o  fogo  ao  palheiro, 
mas  elle  teve  tanta  resolução  que  sábio  pelo 
telhado,  e  descendo  abaixo  se  defendeo  o 


O  facto,  que  extrahi  do  Sant.  Marian.,  re- 
corda-nos  outro  não  menos  triste,  que  pren- 
de com  Vouzella. 


1  O  templo  actual  tem  3  altares.  É  pois 
reftdiíieação  posterior  a  1708. 

2  O  meu  jnformador  diz  que  a  imagem 
actual  ainda  é  a  me.«ma  de  pedra  e  que  es- 
colhem sempre  os  moços  mais  valentes  para 
conduzirem  o  andor. 

A  imagem  tem  na  peanha  a  data  1660. 
mas  a  capella  com  certeza  é  muito  anterior, 
pois  em  1708,  como  diz  o  Sant.  Mar.  —  já 
não  havia  memoria  da  fundação  d'el]a. 


vou 


vou  2003 


Foi  o  seguiDte: 

Em  1835  ou  prin;ipio3  de  1836,  um  mp- 
ço  de  20  ânuos  de  idade,  per  nome  Domin- 
gos Baptista,  de  Villa  Real  de  Traz  os  Mon- 
tes, roubou  e  matou  um  homem  em  Viseu  e 
outro— Jose  dos  Santos—  no  sitio  da  Povoa 
do  Castanheiro,  fregu€zia  e  serra  de  Manhou- 
ce,  concelho  de  S.  Pedro  do  Sul,  comarca  de 
Vouzella,  pelo  que  era  9  de  julho  de  1836  foi 
cohdemnado  a  pena  ultima  e  em  23  de  julho 
de  1838  foi  enforcado  no  Porto,  —  execução 
que  muito  impressionou  a  cidade  inteira,  já 
porque  o  reu  era  muito  novo,  já  porque  ao 
lançarem  no  á  cova  deu  signaes  de  vida?I... 
Foi  recolhido  ao  hospital  da  Misericórdia— 
e  lá  íieou  em  observação  e  iraetamento,  mas 
o  povo  que  formava  o  prestitt),  constando- 
Ihe  que  abriam  as  veias  ao  infeliz  para  aca- 
barem de  o  matar,  amotinou  se  e  tentou  in- 
vadir o  hospital,  ete. 

Ainda  hoje  (1889)  vivem  no  Porto  teste- 
munhas presenciaes  e  fidedignas. 

Veja-se  o  art.  Victoria,  freguezia  do  Por- 
to, vol.  10.0  pag.  60i,  col.  2.»  e  segg.,  onde 
eu  contei  minuciosamente  aquelle  facto. 


Concluiremos  este  tópico  dos  templos  de 
Vouzella,  mencionando  mais  dois: 

T."— Capella  de  S.  Pedro,  em  ruinas. 

Pertence  à  quieta  de  Valgode,  dos  Mala- 
faias  de  Serrazes,  quinta  que  demora  na 
margem  esquerda  do  Vouga  e  tem  um  bom 
edifieio  brazonado. 

8.» — Capella  de  Santa  Catharina,  perten- 
cente á  quinta  e  casa  nobre  da  Sernada. 

N'ella  se  diz  mig.sa  nos  domiogos  e  dias 
santos. 

Fontes 

Em  Vouzella  ha  3,  sendo  duas  de  arco  : 
— a  da  Pepina  e  outra,  cujo  nome  ignoro. 

A  da  Pepina  era  brazonada,  mas  tem  as 
armas  picadas,  ou  por  vandalismo,  ou  por 
ordem  superior,  como  foram  picados  os  bra- 
zões  que  os  Tavoras  tinham  n'esta  viila,  cu- 
jo parocho  foi  algum  tempo  da  apresentação 
d'elles.  Em  1708,  segundo  se  lê  na  Chor. 
Port.,  o  parocho  (vigário)  de  Vouzella  era 


apresentado  pelo  nobre  Ruy  Pires  de  Távo- 
ra,— e  os  2  beneficiados,  coadjutores  do  di- 
cto  vigário  e  que  formavam  com  elle  a  col- 
legiada  de  Vouzella,  eram  apresentados  pelo 
bispo  de  Viseu. 

Em  1768,  segundo  se  lô  no  Portúg.  S.  e 
Prof.,  o  dicto  vigário  era  da  apresentação  do 
padroado  real  e  linha  2  curas  —  parocho^ 
com  o  titulo  de  beneficiados,  que  eram  da 
apresentação  da  mitra,  vencendo  cada  um 
lO.OOO  réis  por  anno. 

Do  exposto  se  vô  que  os  Tavoras  tinham 
interesses  em  Vouzella  e,  sfjgundo  diz  o  meu 
informador,  também  tiveram  na  villa  um 
edifieio  brazonado  para  residência  temporá- 
ria d'elles  e  talvez  dos  vigários  da  villa, 
apresentados  por  elles. 

Veja-se  o  tópico  Edificios  brazonados,  in- 
fra. 

Uma  das  3  fontes  d'esta  villa  demora  na 
margem  esquerda  do  rio  Zella,  a  montante 
da  ponte  e  da  rua  da  Ponte,— e  actualmen- 
te ensombrada  por  uma  grande  nogueira, 
(má  visinhançal. . .)  pelo  que  nós,  quando 
ali  estivemos  em  agosto  de  1880,  a  denomi- 
námos Fonte  da  Nogueira. 

É  de  fabrica  humilde;  tem  uma  pequena 
bica.  um  pequeno  tanque,  um  arco  de  gra- 
nito de  volta  inteira;  no  fecho  do  arco  um 
escudo  com  as  armas  reaes  portuguezas  das 
quinas  e  7  castellos  e  em  volta  do  escudo 
esta  legenda: 


LUDOVICVS.  PORTVGALIE  INFANTIS. 


Este  infante  D.  Luiz,  que  mandou  fazer 
esta  fonte,  uma  ponte  no  rio  Sul  e  outra  no 
Vouga,  junto  da  villa  de  S.  Pedro  do  Sul, 
foi  senhor  de  todo  o  concelho  e  território 
de  Lafões  no  sec.  xvi,  como  logo  diremos,  e 
era  4.o  filho  do  2.o  matrimonio  d'el-rei  D 
Manoel, 

Entre  a  dieta  fonte  e  a  rua  Ponte  ha 
um  bom  edifício  particular  dos  mais  antigos 
da  villa,  ao  longo  do  rio  Zella;  tem  uma  fa- 
ce voltada  para  elle  e  outra  para  a  dieta 
rua. 


2004  VOU 


VOU 


Pontes 

Hâ  sobre  o  rio  Zella  duas  pontes  de  gra- 
nito, muito  antigas,  sendo  uraa  d'ella3  a 
meacioDada  supra. 

Tem  ura  só  arco^  não  muito  alto,  mas  de 
grande  abertura,  e  junto  d'elle,  na  margem 
esquerda  do  rio,  á  direita  de  quem  sae  de 
Vouzella,  um  bom  edifício  brazonado  e 
muito  bem  traetado,  cora  mimosa  cerca  e 
jardim. 

Edifícios  brazonaios 

Com  rasão  se  orgulha  Vouzella  de  ter 
dado  o  berço  a  muitas  familias  nobres,  e  as- 
sim o  attestam  os  muitos  edifícios  brazona- 
dos  que  ainda  hoje  possue. 

Só  na  mencionada  rua  da  Ponte  conlktaos 
nós  5,  todos  particulares  e  antigos;  teve  ou- 
tro na  rua  Direita,  que  foi  demolido  já  de- 
pois do  meiado  d'este  século  para  alinha- 
mento e  alargamento  da  dieta  rua  e  passa- 
gem da  nova  estrada  real  a  macadam,  —  e 
tem  mais  ainda  4  edifícios  brazonados  par- 
ticulares. 

Ao  todo  eram  pois  10. 

Também  são  brazonados  os  edifícios  pú- 
blicos seguintes: 

l.'— Hospital  da  Misericórdia; 

Í.'—A  egreja  da  Misericórdia; 

3.  '— A  Fonte  da  Nogueira,  mencionada  su- 
pra; 

4.  '— O  tribunal  judicial  d'esta  comarca. 
E'  um  bom  edifício,  com  grande  sala  para 

as  audiências^  cadeia  para  ambos  os  sexos, 
habitação  do  carcereiro  e  família,  etc. 

Demora  na  Praça  Nova,  em  frente  da  Ca- 
pella de  S.  Fr.  Gil  e  da  estatua  de  Moraes 
Carvalho. 

Logo  fallaremos  d'este  be- 
nemérito vouzellense. 
Tem  pois  esta  villa  ainda  hoje  13  brazões 
d'arma8. 

Os  9  particulares  pertencem  a  diversas 
familias,  algumas  já  extinctas  e  outras  ain- 
da existentes,  taes  são  a  dos  marquezes  de 
Penalva,  antigos  senhores  da  casa  da  Ca- 
»a//am,— descendentes  de  S.  Fr.  Gil,  a  dos 
Gamas  e  Moraes  Carvalho,  ele. 


I    Das  extinctas  merece  especial  menção  a 
dos  Tavoras,  cujo  brazào  foi  mutilado  por 
i  ordem  de  el-rei  D.  José  I. 

V.  Chão  Salgado,  tomo  2.'  pag.  271. 
Um  dos  edifícios  particulares  brazonados 
é  guarnecido  de  ameias. 

Fóra  da  villa,  mas  no  termo  d'esta  fregue- 
zia,  ha  3  edifícios  particulares  brazonados: 
—a  casa  da  quinta  de  Valgode,  pertencente 
aos  Malafaias  de  Serrazes, — e  a  da  quiatá  da 
Sernada,  que  foi  do  dr.  Gil  Alcoforado  e  é 
hoje  dos  seus  filhos,— e  a  celebre  casa  e  quin- 
ta da  Cavallaria. 

Casa  da  Camara 

Posto  não  seja  brazonada,  é  um  soberbo 
edifício  com  boa  sala  para  sessões  da  cama- 
rá, guarnecida  por  grandes  cadeiras  de  coi- 
ro com  botões  amarellos,  —  outra  sala  para 
as  sessões  do  juiso  ordinário,— outra  para  a 
administração  do  concelho,  —  outra  para  a 
repartição  de  fazenda,  —  outra  para  a  con- 
servatória e  ainda  ontras  mais  pequenas 
para  o  archivo  e  secretaria  da  camará,,  re- 
partição de  pesos  e  medidas,  etc. 

Clima 

Embora  mais  frio  do  que  ardente,  é  tem- 
perado e  muito  saudável  o  clima  de  Vouzel- 
la. Não  ha  memoria  de  ter  entrado  ali  algu- 
ma epidemia,  nem  ali  ha  doenças  predomi- 
nantes, porque  não  tem  pântanos.  Demora 
em  sitio  alto,  arejado  e  muito  arborisado— e 
é  abundantíssima  d'excellente  agoa  potável 
e  de  rega  e  por  estar  em  chão  declivoso  e 
granítico  entre  os  rios  Vouga  e  Zella,  nas 
faldas  da  grande  serra  do  Caramulo. 

Já  em  1696  o  dr.  Antonio  Pires  da  Silva, 
faliando  das  Caldas  de  Lafões,  disse:  — • 
«D'esta  parte  meridional  (sul  do  Vouga) 
distancia  de  hum  quarto  de  legoa,  costa  aci- 
ma está  a  Villa  de  Vouzella,  e  distancia  de 
bua  legoa,  continuada  a  serra,  chamada  do 
1  Caramulo;  e  da  parte  do  norte  distancia  de 
duas  legoas,  huma  de  terra  baixa  e  outra 
costa  acima,  está  outra  serra  que  chamão 
de  Manhouce,  ambas  altíssimas  e  muito 
frias.  Da  de  Manhouce,  por  ficar  na  parte 


vou 


vou  2005 


septentrioDaljVein  o  norte  frígidissimo,  e  por 
estas  serras  serem  tão  altas,  e  estarem  qua- 
si  sempre  Duvens  encostadas  a  ellas,  e'  ser 
breve  a  distancia  entre  serra  e  serra,  são  os 
ares  da  terra  frios,  se  bem  o  centro  da  villa 
do  Banho,  onde  estão  as  caldas^  por  estar 
muito  em  baixo,  e  não  ser  tão  combatido 
dos  ventos  norte  e  sul,  he  mais  quente,  mas 
com  assim  ser,  por  estarem  os  banhos  en- 
costados ao  meio-día,  he  o  sitio  sujeito  a 
geadas.  Correndo  vento  suão,  he  necessário 
haver  cautella,  porque  pela  garganta  do  rio 
Vouga  corre  com  muita  fúria.  O  vento  ma- 
reiro  alguma  impressão  faz,  mas  não  tanta;! 
o  meridional  não  molesta,,  e  o  norte  no  ve- 
rão he  desejado,  porque  como  tenho  dicto, 
o  sitio  he  baixo  (refere-se  ás  Caldas)  e  6- 
cando  a  serra  de  Manhouee  da  sua  parte 
passa  por  alto.^» 


Tudo  isto  é  applicavel  a  Vouzella,  por- 
que tem  a  mesma  exposição  da  villa  do  Ba- 
nho, mas  demora  em  sitio  alto,  cerca  de  200 
metros  sobre  o  uivei  do  Vouga,  e  olhando 
francamente  para  o  norte,  em  quanto  que  a 
villa  do  Banho  está  quasi  ao  nivel  do  Vou- 
ga, em  terreno  fundo,  abafado  e  ardentíssi- 
mo no  verão,  como  a  villa  de  S.  Pedro  do 
Sul,  cerca  de  4  kilometros  a  montante,  na 
confluência  do  rio  Sul  com  o  Vouga,  pelo 
que  o  seu  chão, — aliás  encantador,  mimosis- 
simo  e  fertllissimo,  —  é  lambem  muito  ar- 
dente e  alem  d'Í8S0  bastante  afafado  e  hú- 
mido e  atreito  a  sezões,  mas  facilmente  po- 
dem remover  este  contra.  Basta  que  arbo- 
risem  a  villa  e  as  suas  estradas  e  ruas  com 
eucalyptos;  pois  todos  sabem  que  estas  lin- 
díssimas arvores,  hoje  tão  baratas  e  tão  vul- 
gares no  nosso  paiz,^  alem  de  serem  uma 


1  Aqui  o  vento  mareiro,  ou  do  mar,  é  o 
vento  do  lado  O. 

2  Chronographia  Medicinal,  cap.  6.»  pag. 
122. 

3  Os  eucâlyptos  foram  introduzidos  em 
Portugal  no  meiado  d'e3te  século  e  a  prin- 
cipio eram  caros.  Venderam-se  alguns  a 


riqueza  florestal,  teem  a  virtude  de  afugen- 
tar as  sesões,  que  são  hoje(mercôde  Deus!) 
a  única  epidemia  que  peza  sobre  algumas 
terras  do  nosso  paiz.^ 

V.  Vil  de  Mattos,  tomo  11.*  pag.  66  i,  col. 
2.»  e  segg. 

Vouzella  tem  bons  campos  e  hortas,  mas 
08  de  S.  Pedro  do  Sul  são  multo  mais  boni- 
tos, mais  planos,  mais  mimosos  e  mais  fér- 
teis. Em  compensação  Vouzella  é  mais  sau- 
dável, o  que  Dão  obsta  a  que  a  villa  de  S. 
Pedro  do  Sul,  embora  mais  moderna,  segun- 
do dizem  uns,  ou  mais  antiga,  como  dizem 
outros,  tenha  prosperado  e  esteja  prospe- 
rando mais. 

Vouzella,  como  já  dissemos,  ainda  hoje 
conta  apenas  240  fogos  e  1:000  habitantes» 
emquanto  que  a  villa  de  S.  Pedro  do  Sul  já 
em  1708,  segundo  se  lô  na  Chorogr.  Port., 
contava  330  fogos;  em  1768,  como  se  lé  no 
Portugal  S.  e  Profano,  contava  334  fogos; 
em  1852  o  Flaviense  deu  lhe  SIO  fogos ;  o 
censo  de  1864  deu  lhe  os  mesmos  510  fo- 
gos,— e  o  censo  de  1878  deu-lhe  551  fogos 
e  2:387  habitantes.^ 


1^000  réis,  mas  hoje  (1889)  já  se  vende  o 
cento  a  menos  de  2^000  réis.  Temos  wt- 
IhÕes  d'elltís  em  todo  o  nosso  paiz  e  junto  do 
Abrantes,  não  longe  da  estação  d'este  nome 
da  linha  férrea  de  leste,  na  margom  esquer- 
da do  Tejo,  ha  uma  matta  de  eucâlyptos  que 
é  a  maior  de  Portugal— e  talvez  da  Euro- 
pa!. . . 

Conta  10  a  12  annos  e  400  a  500  mil  pés 
— e  foi  plantada  qnasi  toda  por  Wiliam  Tait, 
negociante  inglez,  residente  no  Porto,  me- 
diante o  arrendamento  de  uma  grande  her- 
dade a  praso  largo,  feito  com  certo  proprie- 
tário d  Abrantes,  o  qual  por  seu  turno  plan- 
tou também  de  conta  própria  milhares  de 
eucâlyptos. 

1  A  variola  mata  mais  gente,  principal- 
mente creaoças,  mas  não  tem  persistência 
nem  localidade  própria  e  combate-se  bem 
coro  íi  vâccioâ* 

*  V.  S.  Pedro  do  Sul,  vol.  9.»  pag.  16,  col. 
2.» — e  note-se  que  o  meu  antecessor  em 
1880  lhe  deu  700  fogos,  devendo  dar-lhe 
apenas  551,  população  marcada  no  censo  de 
1878. 


2006  VOU 


VOU 


A  difierença  é  pois  muito  seosivel  e  tal- 
vez que  a  explicação  seja  a  seguinte: 

Vouzella  demora  em  sitio  mais  alto,  mais 
áspero,  mais  deserto  e  menos  frequentado- 
Era  apenas  servida  pela  antiga  estrada  de 
S.  Pedro  do  Sul  a  Aveiro,  Agueda  e  Coim- 
bra, estrada  pouco  importante  e  de  pequeno 
movimento, —  e  hoje  apenas  toca  em  Vou- 
zella, atravessando  a  víIla,  a  estrada  real  a 
macadam  de  Viseu  a  Estarreja  e  Aveiro,  — 
emquanto  que  a  posição  geographiea  de  S. 
Pedro  do  Sul  fui  sempre  mais  vantajosa. 

Ali  passavam  as  antigas  estradas  de  Avei- 
ro e  Coimbra  para  Castro  d'Ayre  e  Lamego 
— e  as  de  Lamego,  Castro  d'Ayre,  Aveiro  e 
Porto  para  Viseu,  pelo  que  S.  Pedro  do 
Sul,  mesmo  na  antiga  viação,  era  entron- 
camento de  muitas  estradas  e  tinha  uma 
boa  hospedaria,  cujos  donos  fizeram  fortu- 
na,—hospedaria  onde  eu,  durante  a  minha 
formatura,  (1851-18S6)  nas  viagens  entre 
Lamego  e  Coimbra,  pousei  muitas  vezes,  em 
quanto  que  nunca  parávamos  em  Vouzella 
nem  nos  consta  que  ali  houvesse  hospedaria 
alguma  digna  de  menção. 

A  de  S.  Pedro  do  Sul  era  absolutamente 
a  melhor  que  se  encontrava  entre  Lamego  e 
Coimbra  e  entre  o  Porto,  Aveiro  e  Viseu. 


Com  a  moderna  viação  também  lucrou  S. 
Pedro  do  Sul  muito  mais  do  que  Vouzella, 
porque  ali  cruzam  as  novas  estradas  a  ma- 
cadam d'Aveiro  e  Estarreja  a  Viseu  —  e  de 
Viseu  a  Lamego,  servidas  por  diligencias 
diárias, — e  ali  deve  passar  e  lèr  estação  pró- 
pria a  linha  férrea,  já  decretada  e  estudada, 
de  Viseu  ao  Porto  pelo  valle  do  Paiva,  foz 
do  Tâmega  e  estação  de  Recarey,  na  linha 
do  Douro. 

Deve  lucrar  e  prosperar  muito  com  a  men- 
cionada linha  férrea  a  villa  de  S.  Pedro  do 
Sul — e  mais  ainda  logo  que  se  construa  o 
ramal  em  projecto  d'ali  para  Lamego,  a  en- 
troncar as  linhas  da  Beira  Alta  e  Viseu  na 
de  Lamego  à  estação  da  Regoa,  na  linha  do 
Douro,  e  da  estação  da  Regoa,  a  Villa  Real 
de  Traz  os  Montes,  Pedras  Salgadas,  Vidago 
e  Chaves,— e  de  Lamego  para  Moimenta  da 


Beira,  Villa  da  Ponte,^  Trancoso  e  Villa 
Franca  das  Naves,  na  linha  da  Beira  Alta- 

Vão  pois  cruzar  em  S.  Pedro  do  Sul  duas 
linhas  férreas  importantes,  que  lhe  darão 
muita  vida.  Vouzella  também  lucrará,  mas 
muito  menos,  por  estar  mettida  no  sertão, 
alcandorada  sobre  o  Vouga  e  distante  de  S. 
Pedro  do  Sul  e  das  mencionadas  linhas  fér- 
reas cerca  de  8  kilometros;  consta  porém,  à 
ultima  hora,  que  o  sr.  Frederico  Pereira  Pa- 
lha, associado  com  alguns  capitalistas  de 
Lisboa,  pediu  concessão  ao  governo  para 
construir,  sem  subvenção  alguma,  um  ca- 
minho de  ferro  de  via  reduzida  que,  partin- 
do de  Esmoriz,  n^  linha  férrea  do  norte,  si- 
ga pela  viliã  da  Feira,  S.  João  da  Madeira, 
Oliveira  de  Azeméis,  Sever  do  Vouga,  Cou- 
to de  Esteves,  Oliveira  de  Frades,  Vouzella 
e  Viseu,  indo  terminar  na  linha  da  Beira 
Alta,  próximo  da  villa  de  Mangualde. 

Com  esta  linha  ganhavam  muito  Vouzella 
e  Oliveira  de  Frades.  Deus  queira  se  rea- 
lise. 

Quintas 

Já  no  principio  d'este  artigo  indicámos 
muito  summariamente  as  quintas  d'esta  fre- 
guezia;  seja-nos  licito  agora  dar  leve  noticia 
d'algumas. 

1." — Quinta  de  Lamas. 

E'  hoje  uma  das  mais  notáveis  e  de  mais 
valor.  Tem  um  bom  palacete,  um  bom  jar- 


^  Esta  pequena  villa  tem  deante  de  si 
auspicioso  futuro,  já  porque  muito  prova- 
velmente vae  ser  para  ella  transferida  a  sé- 
dedo  concelho  Ue  Sernancelhe,  já  por  que  ali 
toca  a  estrada  real  a  macadam  de  Lamego 
a  Trancoso  e  Celorico,  e  d'ali  parte  uma  es- 
trada a  macadam  para  a  villa  da  Pesqueira, 
— já  porque  d'ali  deve  partir  outra  linha 
férrea  para  a  estação  do  Pocinho,  na  linha 
do  Douro,  emquanto  que  a  villa  de  Sernan- 
celhe, alcandorada  em  um  pináculo  agreste 
sem  vias  de  communicação,  tende  a  decair 
e  morrer!  E  accelerou-lhe  a  decadência  e  a 
morte  o  incêndio  que  em  1888  devorou  os 
seus  paços  do  concelho. 

V.  Sernancelhe  e  Villa  da  Ponte  n'e3te  die- 
cionario  e  no  supplemento. 


vou 

dim,  bons  campos  e  vinhedos  e  muita  agua. 

Foi  do  benemérito  vouzellense  de  quem 
logo  fallaremos, —  Fructuoso  José  da  Silva 
Ayres,  por  morte  do  qual  passou  para  o  fi- 
lho dr.  José  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia 
Osorio  6  é  hoje  da  viuva  d'e8te. 

Ha  n'e8ta  quinta,  em  um  outeiro  junto  da 
matta,  um  grande  penedo  digno  de  menção. 
tE'  todo  lurado  por  dentro  com  differentes 
buracos  e  escaninhos.  Parece  que  foi  lurado 
pelos  ratos,» — di?  o  meu  informador.* 

2.  * — Regadas  e 

3.  '—Caritel. 

Foram  do  mesmo  sr.  Fructuoso  José  da 
Silva  Ayres,  que  as  deu  em  dote  a  sua  filha 

D.  Maria  Isabel  Ayres  de  Gouveia,  quando 
casou  com  o  sr.  dr.  Antonio  Maria  Alcofo- 
rado, da  nobre  casa  e  quinta  da  Sernada, 
aos  quaes  hoje  pertencem. 

4.  * — Sernada. 

Foi  do  dr.  Gil  Alcoforado,  hoje  de  seus  fi- 
lhos, um  dos  quaes  é  o  mencionado  supra; 
— outro,— José  Gil  Alcoforado  da  Costa  Vel- 
loso,— agricultor  intelligentissimo,  casou  e 
vive  em  Lourosa  da  Telha  e  d'elle  já  fizemos 
menção. 

V.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1750,  col.  2.*  n.« 
7,— e  os  tópicos  supra  —  Edifícios  brazona- 
dos  e  Templos. 

Esta  quinta  da  Sernada  ou  Sarnada  é 
uma  das  mais  importantes  de  Vouzella.  De- 
mora a  pequena  distancia  da  viila  para  N. 

E.  — a  jusante  e  muito  próxima  da  nova  es- 
trada real  a  macadam  d'AYeiro  a  S.  Pedro 
do  Sul  por  Vouzella. 


1  Lura,  lurar  e  lurado  são  termos  trivia- 
lissimos  na  Beira,  mas  não  se  encontram 
nos  díccionarios. 

Lura,  significa  ali  muito  expressamente 
cova  feita  pelos  ratos  no  pão  cozido,  ou  pe- 
las toupeiras  e  coelhos  na  terra. 

Também  ali  o  termo  lórca,  menos  trivial, 
designa  a  cova  da  toupeira  ou  qualquer  ou- 
tra subterrânea;  lôrca  ou  lorcada,  termos 
trivialíâsimos,  indicam  ali  as  peras  que  pas- 
sam de  maduras,  mas  não  estão  podres;  fi- 
nalmente lôro  ou  lôra,  termos  pouco  tri- 
viaes,  significam  também  ali  objectos  vãos 
por  dentro,  ou  lurados. 


VOU  2007 

Tem  um  bom  edifício  brazonado,  capella, 
jardins,  mimoso  pomar  de  fructa  e  vastos 
campos  e  vinhedos  que  se  estendem  até  o 
Vouga. 

5.' — Valgode. 

E*  também  uma  das  melhores  quintas  de 
Vouzella  e  pertence  á  nobre  familia  Mala- 
faias  de  Serrazes,  freguezia  do  concelho  de 
S.  Pedro  do  Sul,  na  margem  direita  do  Vou- 
ga, mas  tem  chãos  nas  duas  margens  d'esle 
rio,  Capella,  casa  brazonada,  jardins,  etc. 

V.  os  tópicos  supra  —  Edifícios  brasona' 
dos  e  Templos  A 

Quinta  da  Cavallaria. 

Demora  hoje  no  termo  da  freguezia  de 
Vouzella,  a  pequena  distancia  da  villa. 
e  pela  sua  antiguidade  e  tradições  é  abso- 
lutamente a  quinta  mais  notável  doesta  paro- 
chia  e  d'este  concelho. 

Foi  couto  e  honra  e  outr'ora  os  seus  no- 
bilíssimos donos  foram  também  senhores  do 


*  Em  agosto  de  1880,  estando  nós  folgan- 
do nas  Caldas  de  S.  Pedro  án  Sul,  appare- 
ceu  ali  em  certo  dia,  ao  declinar  da  tarde, 
ura  pássaro  estranho,  enorme,  revoando.  Fi- 
cou a  povoação  attonita;  armaram  se  logo 
differentes  caçadores  e  dispuoham-se  para 
matar  a  cabicanca.  Ainda  dispararam  con- 
tra ella  alguos  tiros  e  por  certo  a  matariam 
se  nós  lhes  não  disséssemos  que  a  passarola 
era  um  cysne,  talvez  fugido  de  alguma  casa 
nobre  da  visinhança  —  e  que  o  poupassem 
e  respeitassem,  porque  era  uma  ave  de  es- 
timação. 

O  pobre  cysne,  depois  de  revoar  alguns 
minutos  sobre  a  villa  das  Caldas,  poisou  a 
montante,  no  leito  do  Vouga.  Ali  o  surpre- 
hendeu  a  noite;  caçaram-no  á  mão  e  o  leva- 
ram á  dieta  quinta  de  Valgode,  donde  havia 
effectivamente  fugido.  Ficaram  os  srs.  Ma- 
lafaias  satisfeitos  e  gratificaram  generosa- 
mente o  conductor. 

Desculpem  a  historia  da  cabicanca,  sem 
ser  a  de  Aguiar  da  Beira,  ou  do  cysne  do 
Vouga,  sem  ser  a  do  poeta  Biogre. 

V  Aguiar  da  Beira,  tomo  pag.  38,  col. 
2.»— e  Canellas,  tomo  2.*  pag.  89,  col. 

E'  hoje  dono  d'esta  quinta  e  represen- 
tante d'esta  nobre  familia  Joaquim  Telles 
Malafaia,  irmão  primogénito  de  Jacintho 
Lopes  Malafaia,  Bernardo  Telles  Malafaia  e 
D.  Amélia  Telles  Malafaia. 


2008  VOU 
* 

Castello  de  Vilharigues,  do  Paço  de  Vilhari- 
gues  e  da  villa  do  Banho. 

A  provei  taodo  o  ensejo  diremos  que  o  Pa- 
ço e  Castello  de  Vilharigues  são  differentes 
da  casa  e  quinta  da  Cavallaria  e  pertencem 
hoje  á  freguezia  de  Paços  de  Vilharigues,  não 
à  de  Várzea  de  Lafões. 

Fica  assim  rectificado  o  que  o  meu  bene- 
mérito antecessor  disse  no  art.  Várzea  de 
Lafões,  tomo  IO.»  pag.  230,  col.  1.» 

Westa  quinta  da  Cavallaria  nasceu  no  sec. 
xu.  S.  Fr.  Gil,  porque  era  património  de 
seus  paes  e  ainda  hoje  são  directos  senhores 
d'elia  os  marquezes  de  Penalva,  descendea- 
tes  de  S.  Fr.  Gil,  que  a  emprazaram.  São  seus 
emphyteutas  e  possuidores  actuaes  a  viuva 
6  filhos  do  commendador  João  Correia  d'01i- 
veira,  de  Vouzella,  que  restaurou  a  casa  e 
melhorou  muito  a  quinta. 

Também  foi  senhor  d'esla  nobre  casa  e 
quinta  e  n'elia  passou  os  últimos  annos  da 
vida  o  famoso  capitão  Duarte  d'Alraeida,  por 
alcunha  o  Decepado,  porque  na  batalha  de 
Toro,  sendo  alferes-mór  d'el-rei  D.  AÍTonso 
V,  só  depois  de  lhe  deceparem  ambas  as 
mãos  lhe  poderam  tirar  a  bandeira.  Immor- 
talisou  se  perdendo-a  e  por  seu  turno  se  im- 
mortallsou  ganhando-a  na  mesma  batalha  o 
seu  vísinho  Gonçalo  Pires  Bandeira,  do  an- 
tigo concelho  de  Besteiros,*  ascendente  da 
nobre  familia  Bandeiras,  de  Tondella,  Tor- 
re-Oeita,  Ladario,  Rezende  e  Rériz, 

V.  Paços  de  Vilharigues,  tomo  6."  pag.  397 
col.  2.*;  Penalva  do  Castello  no  mesmo  vol. 
pag.  586,  col.  2.*  também;  Rériz,  tomo  8.» 
pag.  152,  col.  e  2.*;  Rezende  no  mesmo 
vol.  pag.  161,  col.  m  fine;  Santarém  no 
mesmo  vol.  pag.  480,  col.  1.*  anno  1265,— e 
pag.  540,  col.  2.»;  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1741 
i.»;  1750,  2.»,  1833,  2.»  também  e  1840,  1.»— 
e  Várzea  de  Lafões,  tomo  10.»  pag.  230, 
col.  1.» 


Também  foram  senhores  da  mesma  casa 
e  quinta  da  Cavallaria,  do  Castello  e  Paço 


VOU 

de  Vilharigues,  da  villa  do  Banho  e  de  todo 
o  antigo  concelho  de  Lafues  Fernão  Lopes 
d^Almeida  e  seu  filho  Duarte  d' Almeida,  des- 
cendentes de  Duarte  d'AImeida,  o  Decepado. 

Veja-se  o  tópico  infra  —  Senhores  de  La- 
fões — e  a  Chronographia  Medicinal  das  Cal- 
das de  Alafoens,  publicada  em  1696. 


Esta  quinta  da  Cavâllaria  foi  assim  deno- 
minada, porque  alem  de  ser  couto  e  honra, 
gosou  lambem  ouir'ora  os  privilégios  das 
terras  que  pagavam  o  foro  do  monte,  ou  de 
montaria,  ou  de  cavàHaria,  como  pagavam 
muitas  terras  de  Lafões  e  outras,  cujos  ha- 
bitantes em  rasão  do  tal  foro  do  monte  se  de- 
nominavam Foramontães,  ou  Foramontãos, 
ou  Foramontellos,  ou  Foramontões,  nomes 
que  ainda  hoje  conservam  com  pequena  al- 
teração diflerentes  povoações  e  casaes  do 
nosso  paiz. 

Em  vez  d^algum  d'aquelles  nomes,  esta 
quinta  tomou  o  de  Cavallaria,  por  ser  tam- 
bém foramontã  e  pagar  o  mesmo  foro  do 
monteou,  de  cavallaria. 

Temos  lambem  no  concelho  de  Vianna  do 
Castello  uma  parochía  denominada  Montaria 
e  em  differentes  pontos  do  nosso  paiz  varias 
aldeias  e  quintas  denominadas  Condado  e 
Condados,'^  porque  provàvelmente  outr*ora 
pagavam  o  mesmo  foro  do  monte,  ou  de 
condado  do  monte,  cavallaria  ou  montaria- 

V.  Foramontãos,  vol.  3.»  pag.  213,  col.  2.' 

Ainda  as  quintas 
7.'— Costeira. 

Demora  na  margem  esquerda  do  rio  Zeí- 
la;  foi  do  mencionado  commendador  João 
Correia  d'Oliveira  e  pertence  hoje  á  viuva 
D.  Vietdíia  Adelaide  de  Seixas  e  Barros. 

H.*— Quinta  da  Ponte. 

Demora  também  na  margem  esquerda  do 


»  V.  Europa  Port.  tomo  2  •  pag.  406  e  408. 


*  A  quinta  dos  Condados  é  uma  das  mais 
luxuosas  que  actualmente  se  encontram  nos 
arrabaldes  da  Figueira. 


vou 


vou  2009 


Zela  e  tem  um  bom  ediScío  brazooado  a  pren- 
der com  a  velha  ponte  na  antiga  estrada  e  rua 
da  Ponte;  pertenceu  aos  Gravítos  de  Aveiro, 
e  hoje  pertence  a  Manoel  Coutinho  Júnior. 

Tem  jardins  e  está  muito  bem  tratada^ 
como  dissemos  supra,  no  tópico  dos  edifícios 
brazonados. 

9.*—  Quinta  do  Avelai. 

Demora  nas  duas  margens  do  Zela;  tem 
boas  casas;  produz  vinho  do  melhor  do  con- 
celho,— fructa,  milho,  trigo,  centeio,  cevada 
6  feijões. 

Pertenceu  ao  rev.  Pedro  da  Gama,  natu- 
ral de  Vouzella  e  que  no  melado  doeste  sé- 
culo foi  abbade  em  S.  João  da  Foz  do  Dou- 
ro;i  hoje  pertence  ao  sr.  Antonio  Rodrigues 
de  Carvalho  Guerra. 

Concellio  e  comarca  de  Vouzella 

Este  concelho  na  actualidade  comprehen- 
de  as  12  freguezias  seguintes:  —  Alcofra, 
Cambra,  Canipia.  Carvalhal  de  Vermilbas, 
Falaunços,  Figueiredo  das  Donas,  Fornello 
do  Monte,  Paços  de  Vilharigues,  Queira,  S. 
Miguel  do  Mato,  Ventosa  e  Vouzella,  com  o 
total  de  3:372  fogos  e  13:909  almas,  segun- 
do o  ultimo  censo  de  1878,  deve  porem  hoje 
ser  muito  maior  a  sua  população,  e  maior 
— muito  maior— foi  quando  o  antigo  terri- 
tório e  concelho  de  Lafões  tinha  por  capital 
a  Villa  de  Vouzella. 

O  dieto  concelho  e  território  de  Lafões  ri- 
valsava  com  o  território  e  districto  de  Pa- 
noias  em  Traz  os  Montes,  e  com  a  terra  e 
comarca  da  Feira  na  província  do  Douro. 
No  sec.  XVII,  segundo  se  ló  na  Chronographia 
Medicinal  das  Caldas  de  Alafoens,  compre- 
hendia  44  freguezias  e  13  coutos. 

As  freguezias  eram  as  12  mencionadas  su- 
pra, que  hoje  constituem  o  concelho  de  Vou- 
zella;— as  20  que  hoje  constituem  o  conce- 


í  Era  muito  liberal  e  muito  enérgico  ate- 
ve serias  questões  com  os  seus  paroehianos, 
intervindo  por  vezes  a  auctoridade  e  a  força 
armada  em  favor  d'elle.  Era  parente  próxi- 
mo do  conselheiro  Alberto  A.  de  Moraes  Car- 
valho. 


lho  de  S,  Pedro  do  Sul  —  e  as  12  que  hoje 
constituem  o  concelho  de  Oliveira  de  Fra* 
des,  ou  as  mesmas  44  freguezias  que  boje 
coníitituem  a  comarca  de  Vouzella,  pois  com- 
prehf^nde  aquelles  dois  concelhos,  cujas  só- 
des  diátam  de  Vouzella  aproximadamente  8 
kilometros,  —  a  1.*  para  N.  N.  E.,  —  a  2.* 
para  O. 

Está  pois  Vouzella  no  c^níro  dos  dolà  con- 
celhos e  é  por  isso  que  a  villa  de  S.  Pedro 
do  Sul,  apesar  de  ser  muito  mais  populosa 
ainda  não  pôde  tirar  a  Vouzella  a  preemi-* 
nencia  de  sede  da  comarca. 


Segundo  se  deprehende  da  Chronogra- 
phia Medicinal,  o  território  de  Lafões  desde 
os  princípios  da  nossa  monarchia  formava 
um  concelho  e  uma  Comarca,  lendo  a  séde 
na  villa  do  Banho,  por  ser  in  illo  tempore  a 
mais  populosa,  mais  importante  e  mais  cen- 
tral d'aquelle  vasto  território,  que  se  esten- 
dia para  N.  até  o  rio  Paiva— e  para  S.  até  ás 
faldas  da  serra  do  Caramulo,  nos  confins  do 
actual  concelho  de  Oliveira  de  Frades.  Cor- 
tava pois  o  Vouga  approximadamente  a  meio 
o  grande  concelho  de  Lafões  de  E.  N.  E.  a 
O.  S.  O. — e  rezidiam  na  villa  do  Banho  2 
juizes  e  4  vereadores: — 1  juiz  e  2  vereado- 
res na  margem  direita  do  Vouga; — o  outro 
juiz  e  os  outros  2  vereadores  na  margem 
esquerda,  para  administrarem  a  justiça  a 
todo  o  território  de  Lafões,  dividindo-o  as- 
sim em  duas  partes,  consoante  corria  e  o  di- 
vidia o  Vouga. 

Depois,  não  sabemos  quando,  dividiu-se 
aquelle  território  em  dois  concelhos— Vou- 
zella e  S.  Pedro  do  Sul,  com  justiças  pró- 
prias, ficando  a  villa  do  Banho  reduzida  a 
um  simples  couto  dos  13  de  Alafões  e  go- 
vernada por  um  ouvidor  e  um  juiis  ordiná- 
rio nomeados  pelo  senhor  da  dieta  villa,  o 
que  muito  accelerou  a  decadência  em  que 
hoje  a  vemos  e  favoreceu  a  elevaçio  e  po- 
pulação das  villas  de  Vouzella  e  S.  Pedro  do 
Sul. 

Pouco  antes  de  1696  tornaram  a  unir-se 
á  villa  do  Banho  aquelles  dois  concelhos, 
mas  em  1696  já  estavam  outra  vez  desuni- 


2010  VOU 


VOU 


dos;  não  mais  se  uniram  até  hoje — e  a  po- 
bre Villa  do  Banho  íicou  reduzida  a  uma  sim- 
ples aldeia  da  freguezia  de  Várzea  de  La- 
fões, tendo  sido  a  matriz  não  só  da  fregue- 
sia de  Várzea,  mas  de  todas  as  parochias 
actuaes  circumvisinhas  até  grande  distan- 
cia, comprehendendo  as  villas  de  Vouzella, 
S.  Pedro  do  Sul,  ele.  etc.i 

A  velha  matriz  da  villa  do  Banho  era  a 
egreja  de  S.  Martinho,  que  já  em  1696,  co- 
mo se  lé  na  Choronogr.  Medic,  estava  posta 
nos  alicerces  e  apenas  se  conservava  a  ca- 
pella-môr.  Hoje,  coroo  tivemos  occasião  de 
ver  em  1880,  está  reduzida  a  uma  pequena 
e  pobre  capella,  onde  apenas  se  diz  missa  na 
estação  balnear. 

Como  prova  e  signal  de  obediência,  ali  fo- 
ram muitos  annos  encorporadas  com  as  res- 
pectivas cruzes,  por  occasião  das  ladainhas 
de  Maio,  todas  as  freguezias  que  se  desmem- 
braram d'ella — e  ainda  em  1880  lá  foram  11 
cruzes,  formando  um  grande  arraial  até  ás 
11  horas  da  manhã. 

O  povo  de  cada  uma  das  dietas  freguezias, 
quando  ali  chega,  dá  3  voltas  com  a  respe- 
ctiva cruz  em  redor  da  capella  ;  —  depois 
entra;  —  canta  a  ladainha  e  retira  se  para 
dar  logar  a  outro  povo  e  a  outra  cruz. 

Demora  a  dieta  capella  em  sitio  muito  pit- 
toresco  na  margem  esquerda  do  Vouga  a  N. 
e  na  extremidade  da  pobre  villa  do  Banho,  e  | 
do  antigo  estabelecimento  balnear,  junto  da 
velha  Casa  do  Corregedor— e  da  antiga  ca- 
deia,— edifícios  ambos  brazonados. 

Na  casa  da  cadeia  funccionava  em  1880  a 
escola  da  villa. 

A  porta  da  capella  de  S.  Martinho  era 
ogival  e  olhava  para  a  cadeia  ou  para  S. 
A  dieta  capella,  bem  como  a  de  Nossa  Se- 
nhora da  Saúde,  que  está  no  interior  do  ve- 


1  Parece  que  outr'ora  e  egreja  de  Nossa 
Senhora  do  Gardão  de  Besteiros  (Tondella) 
também  foi  algum  tempo  matriz  de  todas  a« 
freguezias  do  concelho  de  Lafõe"  e  das  de 
Agueda,  Mortágua,  Santa  Combadão  —  e  de 
todas  ãs  do  valle  de  Besteiros. 

V.  Monte-Lafão,  tomo  5.°pag.  481,  col.  1.* 


lho  edifício  dos  banhos,  pertencem  à  cama- 
rá de  S.  Pedro  do  Sul. 

Ha  também  no  alto  da  villa  do  Banho  a 
capella  de  Nossa  Senhora  do  Carmo.  E'  par- 
ticular e  pertence  á  casa  que  foi  do  capitão 
mor  de  Malta  José  Luiz  d'Almeida,  hoje  de 
Albino  Martins  da  Costa.  A  dieta  casa  é  uma 
das  maiores  e  mais  vistosas  da  povoação  e 
n'ella  nos  hospedámos,  porque  um  1880  era 
um  hotel. 


Ainda  o  concelho  e  a  comarca 


Dividido  o  concelho  de  Lafões  pelos  deS. 
Pedro  do  Sul  e  Vouzella,  pertenceu  na  an- 
tiga magistratura  (até  1836)  á  comarca  (cor- 
regedoria e  provedoria)  de  Vizeu;  mas  pa- 
rece que  os  dois  concelhos  muito  tempo  fo- 
ram administrados  em  commum  pelas  mes- 
mas auctoridades. 

Em  1708,  por  exemplo,  a  Chorog.  Port. 
fallando  do  concelho  de  Lafões,  diz: 

«Tem  duas  villas,  que  são  a  cabeça  d'este 
concelho,  a  saber:  a  de  S.  Pedro  do  Sul,  e  a 
de  Vouzella;  aquella  he  mais  antiga  e  nobre, 
situada  em  hum  delicioso  valle,  cujas  fral- 
das regão  os  dois  rios  Vouga  e  Sul.  Tem 
excellentes  pomares  de  todo  o  género  de  fru- 
ctas,  com  muitas  hortas,  e  recolhe  muito 
azeite,  vinho,  gado,  e  caça. . .  Assistem  ao 
seu  governo  civil  hum  juiz  de  fóra,  verea- 
dores, hum  procurador  do  concelho,  escri- 
vão da  comarca,  juiz  dos  orphãos  com  seu 
escrivão:  oito  tabelliães,  hum  meyrinho  e 
carcereiro.  Ao  militar  hum  capitão  mór  com 
treze  companhias  de  ordenanças. 

€  A  villa  de  Vouzella  está  fundada  no  meio 
de  uma  serra ...  He  abundante  de  castanha, 
gado  6  caça:  tem  boas  casas  e  140  vísinhos... 
Misericórdia,  hospital,  e  seis  ermidas.» 

Depois  falia  da  villa  do  Banho,  1.*  capital 
do  concelho  de  Lafões,  e  diz  que  era  gover- 
nada  em  1708  por  1  juiz  ordinário,  1  procu- 
rador do  concelho,  1  escrivão  da  camará,  1 
tabellião  do  judicial  e  notas  e  mais  offlciaes, 
todos  apresentados  pelo  nobre  senhor  da 
casa.  quinta  e  couto  da  Cavallaria,  também 
senhor  da  villa  do  Banho. 


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vou  2011 


Do  exposto  se  vé  que  em  1708  a  villa  do 
Banho  era  um  couto  e  concelho  à  parle.  O 
grande  concelho  de  Lafões  tinha  por  capU 
taes  duas  villas—S.  Pedro  do  Sul  e  Vouzel- 
la,  distantes  uma  da  outra  8  kilome* 
tros  . .);  parece  que  as  auctoridades  m 
illo  tempore  residiam  em  S.  Pedro  do  Sul— 
8  que  os  2  concelhos  ainda  formavam  mm  só 
com  o  titulo  de  Lafões,  pertencente  á  co- 
marca (provedoria  e  corregedoria)  de  Vi- 
seu. Os  2  concelhos  tornaram-se  completa- 
mente distinctos  e  autónomos  era  1836, 
quando  se  creou  a  nova  magistratura  e  a 
comarca  judicial  de  Vouzella,  que  ficou  cora- 
prehendendo  5  concelhos:— Swi,  S.  Pedro  de 
Sul,  Vouzella,  S.  João  do  Monte  e  Oliveira 
de  Frades. 

Extincto  o  concelho  de  Sul  era  1855,  pas- 
saram para  o  de  S.  Pedro  do  Sul  as  fregue- 
zias  que  o  eonstituiam,  exceptuando  as  de 
Gafanhão,  Pepim  e  Rériz,  que  passaram 
para  o  concelho  e  comarca  de  Castro 
d'Ayre. 

Também  no  mesmo  ànno  o  concelho  de 
S.  Pedro  do  Sul  recebeu  do  de  Vouzella  a 
freguezia  de  Serrazes. 

As  freguezias  de  Arca,  Aleofra,  Campia, 
Reigoso,  S.  Vicente,  Souto  e  Varziellas,  que 
pertenciam  ao  concelho  de  S.  João  do  Mon- 
te, extincto  este  concelho  em  1855,  passa- 
ram para  o  de  Oliveira  de  Frades,  comarca 
de  Vouzella,  á  qual  anteriormente  perten- 
ciam, exceptuando  as  de  Arca,  Varziellas  e 
Aleofra,  que  pertenciam  á  comarca  de  Ton- 
della. 

Finalmente,  por  decreto  de  2  de  novem- 
bro de  1874  passaram  também  do  concelho 
de  Oliveira  de  Frades  para  o  de  Vouzella  as 
freguezias  de  Aleofra,  Cambra,  Campia  e 
Carvalhal  de  Vermilhas. 


Foi  também  creado  em  1836  o  concelho 
de  Oliveira  de  Frades  com  algumas  fregue- 
zias do  de  Vouzélla. 

Em  sessão  de  abril  de  1843  a  junta  geral 


I  do  districto  resolveu  que  fosse  supprimido 
I  o  concelho  de  Oliveira  de  Frades  e  de  novo 
incorporado  no  de  Vouzella,  o  que  se  effe- 
ctuou  por  portaria  de  25  de  janeiro  de  1847, 
conarmada  por  decreto  de  19  de  junho  de 
1848;  mas  em  novembro  de  1851  foi  restau- 
rado—e em  1855  se  lhe  annexou,  como 
já  dissemos,  a  maior  parte  das  freguezias 
do  antigo  concelho  de  S.  João  do  Monte, 
extincto  n'aquella  data.  Hoje,  1889,  continua 
persistindo  e  coraprehende  as  mesmas  12 
freguezias  que  o  meu  benemérito  antecessor 
lhe  assignou  em  1875  no  art.  Oliveira  de 
Frades,  tomo  6.o  pag.  271,  col.  l.«,— artigo 
extremamente  reduzido  eque  nós  bem  qui- 
zeramos  ampliar,  se  não  fossem  jà  tão  lon- 
gas as  dimensões  d'este.  De  passagem  dire- 
mos pois  somente  que  a  villa  de  Oliveira  de 
Frades  é  hoje  atravessada  de  Norte  a  Sul 
pela  nova  estrada  real  a  macadam  d'Aveiro 
a  S.  Pedro  do  Sul,  formando  uma  boa  eslra- 
da-rua,  sobre  a  qual  tem  bastantes  edifieios 
novos,  alguns  muito  vistosos,  bons  estabele- 
cimentos commerciaes  uma  boa  hospeda- 
ria, algumas  tabernas  e  uma  casa  cora  Ca- 
pella brasonadas,  muito  antigas  e  bastante 
arruinadas,  que  pertenceram  ao  conde  da 
Santa  Eulália,  de  Viseu. 

A  egreja  matriz  é  ura  hora  templo  e  de- 
mora a  montante  da  estrada  real,  em  sitio 
pouco  vistoso  e  com  um  pequeno  adro  irra- 
gularissimo,  afrontado  por  habitações  par- 
ticulares. 

Pelo  censo  de  1878  contava  o  dicto  con- 
celho  i:953  fogos  e  9:385  habitantes,  nume- 
ro que  mal  se  harmonisa  com  o  dos  fogos. 


Etymologia  e  antiguidade  de  Vouzella 


Alguém  diz  que  Vouzella  tomou  o  nome 
de  um  mouro  assim  denominado,  mas  na 
opinião  commum  tomou  dos  rios  Vouga  e 
Zella  o  nome  de  Vougazella,  depois  Vou- 
zella,—e  nós  perfilhamos  em  parte  esta  opi- 
nião, mas  como  havemos  de  harmonisal-a 
com  o  facto  de  terem  o  mesmo  nome  de 
Vouzella  e  talvez  a  mesma  etymologia  uma 
ribeira,— nascente  do  Vouga,  e  outra,  con- 


2012  VOU 


VOU 


fluente  do  Zêzere,  muito  distantes  do  rio 
Zellal^ 

Na  falta  de  documentos  anteriores  à  nos- 
sa monarchia  eis  o  que  nós  suppomos: 

O  rio  Vouga  foi  denominado  pelos  roma- 
nos Vaca  e  Vácua;  os  leoneses  o  denomina- 
ram Bauca  e  davam  o  nome  de  Bauceela, 
diminutivo  de  Bauca,  às  duas  ribeiras  suas 
confluentes,  mencionadas  supra ;  —  depois 
nós  03  portuguezes  mudámos  no  nosso  dia- 
leto  Bauca  em  Vouga— e  Bauceela  em  Vou- 
zella,  nome  que  foi  eommum  às  duas  ribei- 
ras, uma  das  quaes  ainda  hoje  o  retém,  —  e 
a  outra  se  denominou  simplesmente  Zrlla, 
depois  de  dar  o  seu  nome  anterior  e  pró- 
prio á  villa  que  banhava  e  que  ainda  hoje 
se  denomina  Vouzella,  nome  próprio  da  di- 
eta ribeira  (segundo  suppomos)  e  não  pro- 
veniente da  confluência  do  Vouga  com  o 
Zella,  mesmo  porque  Vouzella  não  está 
precisamente  na  confluência  do  Zella  com 
o  Vouga,  nem  o  Kowpa  se  avista  de  Vou- 
zella. 


Assim  como  o  foral  do  o.  1204,  indi- 
cando o  termo  da  villa  de  Figueiró  dos  Vi- 
nhos a  E.,  marcou  o  monte  que  está  inter 
Baucaáet  Bauceela,  se  tivéramos  algum  do- 
cumento d'aquella  idade,  relativo  á  posivão 
de  Vouzella,  muito  provavelmente  diria 
também  que  estava  inter  Bauca  et  Baucee- 
la; mas  nós  acolá  na  Estremadura  em  rasão 
da  distancia  e  dos  2  a  a,  bem  como  da  fácil 
troca  do  6  em  «  no  nosso  dialeto,  traduzi- 
mos Baucaa  por  Bouça— e  Bauceela  por  Na- 
dei—hoje  e  talvez  já  no  tempo  dos  mouros.^ 


1  V.  os  nossos  3  primeiros  artigos  Vou- 
zella, supra. 

Alguém  diz  que  Vouzella  provMn  de 
Vou  Zahara,  pae  da  flor  no  Idioma  sarra- 
ceno. 

2  V.  Vouzella,  ribeira  fa  2  •)  supra— e 
note-se  que  a  ribeira  de  Maçãs,  ali  mencio- 
nada, hoje,  segundo  se  1^.  na  Topographia 
Medica  das  cinco  villa s  e  Arega,  se  denomi- 
na ribeira  de  Varzeafl . . . 


Note-se  também  que  nos  princípios  da 
nossa  monarchia  o  idioma  portuguez  era 
accentuadamente  o  leonez  ou  hespanhol,  e 
que  n'este  idioma  Vouzella  se  diz  Boucela 
e  Vouga  se  diz  Bouça,  como  se  lê  na  Pobla- 
cion  General  de  Hespana,  fl.  152, — e  ainda 
em  1708  Fr.  Agostinho  de  Santa  Maria,  es- 
crevendo em  portuguez  e  fallando  de  Vou- 
zella, escreveu  alternadamente  Voucella  e 
Bouzella. 

V.  Sant.  Marian  tomo  5."  pag.  262  a  272. 

Isto  com  relação  á  etymologia  de  Vouzel- 
la. Da  sua  fundação  nada  sabemos;  deve 
porem  datar  de  tempos  muito  antigos  e 
contemporâneos  da  oecupaçào  d'este  conce- 
lho ou  território  de  Lafões,  por  i?er  parte 
integrante  d'elle  e  por  estar  na  velha  estra- 
da de  Lamego,  Castro  d'Ayre,  S.  Pedro  do 
Sul  e  villa  do  Banho  para  Coimbra. 

V.  Villa  Maior,  tomo  11,"  pag.  775, 
col. 

Elymologia  e  antiguidade  do  território 
de  Lafões 

Em  1609  disse  Fr.  Bernardo  de  Brito  que 
D.  Fernando  Magno  de  Leão,  quando  tomou 
Viseu  aos  mouros  no  anno  de  1038,*  era 
governador  da  dieta  cidade  o  alcaide  mou- 
ro Alafum,  que  se  fez  christão,  pelo  que  D. 
Fernando  Magno  lhe  poupou  a  vida  e  lhe 
deu  terras  para  viver  e  povoar,  terras  que 
do  dicto  mouro  Alafum  tomaram  o  nome  de 
Lafões.^ 

Tanto  bastou  para  que  todos  os  nossos 
escriptores  desde  os  princípios  do  sec.  xvii 
aflQrmassem  que  foi  o  mouro  Alafum  quem 
povoou  o  território  de  Lafões  e  mandou  fa- 
zer os  muitos  castellos  que  ali  avultaram, 
pois  Fr.  Bernardo  de  Brito  era  o  assombro 
e  oráculo  do  seu  tempo.  Todos  o  seguiam 


1  Aliás  1057,  como  diz  Alexandre  Hercu- 
lano. 

V.  Viseu,  tomo  H.'  pag.  1720  col.  2.«,— e 
Monarchia  Lusit.  parte  2.»  liv.  7.»  cap.  28. 

2  V.  Lafões,  tomo  4.»  pag.  11,  col.  1.»  e 
segg. 


vou 


vou  2013 


coio  orgulho,  induiDdo  o  seu  coDlempora- 
neo  Manoel  de  Faria  e  Sousa,  talento  ver- 
dadeiramente superior  também,  o  qual  no 
tomo  1."  da  Europa  Portug.  não  só  confessa 
que  seguiu  a  Fr.  Bernaí-do  de  Brito,  mas  in- 
surge-se  contra  quem  ja  in  illo  tmpore  o 
menoscabava,  e  fez  uma  pomposa  e  larga 
apologia  d'elle.i  Isto  porém  não  obstou  â  que 
Fr.  Bernardo  de  Brito, — sendo  aliás  um  ho- 
mem de  raro  talento  e  vastos  conhecimen- 
tos,— fosse  aecusado  de  impostor  e  falsario 
por  muitos  dos  nossos  mais  auetorisados  e 
conscienciosos  eseriptoros,  nomeadamente 
por  João  Pedro  Bibeiro,  Anastácio  de  Fi- 
gueiredo Viterbo  e  Alexandre  Herculano.^ 


A  etymologia  de  Lafões  pintada  por  Bri- 
to seduz — e  ainda  hoje  os  vouzellenses  e  to- 
dos 03  habitantes  doeste  território  se  orgu- 
lham por  poderem  levar  a  antiguidade  d'el- 
le  até  os  princípios  do  sec.  xi;  mas  não  po- 
demos tomar  a  seno  a  lenda  do  rei  Alafum, 
nem  necessitamos  d'ella  para  levar  muito 
mais  longe  a  oceupação  do  território  de  La- 
fões. 

Já  no  anno  de  1030-27  annos  antes  da 
conquista  de  Visev,  por  D.  Fernando  de  Leão 
—este  território  tinha  o  nome  de  Alafões, 
Alahobeines,  Alahoveinis,  Alahoem  e  Ala- 
phoen  in  illo  tempore,  como  logo  provare- 
mos, quando  fallarmos  da  freguezia  de  Bor- 
donhos. 

Fica  pois  morta  desde  já  a  lendá  do  rei 
Alafum,  tão  querida  dos  vouzellenses.  E 
morta  estava  desde  que  Viterbo  escreveu  o 
Elucidário,  pois  no  art.  Alahoveinis,  depois 
de  citar  differentes  documentos  anteriores 
á  tomada  de  Viseu  por  D.  Fernando  de  Leão, 
nos  quaes  ao  dieto  território  se  dá  o  nome 
de  Lafões,  accrescenta: 

«D^aqui  se  mostra  ser  arbitraria  a  etymo- 
logia que  Fr.  Bernardo  de  Brito. . .  quiz  dar 


1  V.  Europa  Port.  tomo  1."  (Prologo)  pag. 
i  a  9. 

2  V.  Viseu,  tomo  11."  pag.  1682,  col. 

VOLUME  XI 


ao  nome  de  Alafões. . .  Não  traz  Brito  mais 
fiador  que  a  sua  palavra,  e  comtudo  achou 
sequazes  dentro  e  fóra  do  reino.  Mas  isto 
parece  não  tem  fundamento,  porque  se  de 
nomes  que  tem  alguma  semelhança  have- 
mos de  buscar  as  etymologias  de  outros  no- 
mes; muito  antes  da  conquista  de  Viseu. . . 
lemos  em  uma  doação  do  mosteiro  de  Cete, 
que  hoje  se  acha  no  collegio  da  Graça  de 
Coimbra,  entre  outras  muitas  testemunhas, 
que  n'ella  assignaram  no  de  885  «Alafum 
Augadiz—\s.t—E  não  parece  verosimil,  que 
havendo  entre  nôs  christãos  chamados  Ala- 
fums  no  século  x,  quasi  um  século  depóis 
tomasse  aquella  terra  o  nome  de  um  mouro. 

« Alem  d'isto,  aquella  terra  não  estava  an- 
tes sem  nome:  se  mudou  por  honra  do  seu 
novo  possuidor,  que  nos  digam  como  d'an- 
tes  se  chamava?  Vimos ...  o  seu  nome  no 
de  1070;  nos  documentos  de  Pedroso  se  faz 
menção  d'ella  em  outros  mais  antigos:  e  en- 
tão em  menos  de  dez  annos  se  fundaram 
igrejas,  e  se  mudaram  inteiramente  os  no- 
mes?. . . — Credat  Judaeus. . .;  non  ego.» 

Elucidário  loc.  cit. 

Fica  assim  recliflcado  o  que 
o  meu  benemérito  antecessor, 
confiado  em  Brito,  escreveu  no 
art.  Lafões j  tomo  4.»  pag.  li, 
coL  l.*i 

Prosigamos. 


Os  castellos  de  Lafões  (logo  os  indicare- 
mos) são  muito  antigos,  mas  não  podemos 


1  Também  suppomos  que  o  mosteiro  de 
S.  Christovam  d' Alafões,  cuja  fundação  o 
meu  antecessor,  loc.  cit.,  attribue  a  João  Ci- 
rita,  anne  1123,  era  muito  mais  antigo  e  da- 
tava pele  menos  do  sec.  ix. 

V.  Alahoveinis  em  Viterbo  —  e  Benedict. 
Lusit.  tomo  2.»  tract.  1.»  cap.  7.» 

De  passagem  diremos  também  que  Cirita 
era  synonimo  de  eremita,  porque  eira  ou- 
tr'ora  significava  terreno  inculto  e  desêrto^ 
brenha,  matta,  ermo. 

V.  Cira  e  Villa  Franca  de  Xira. 

127 


2014  VOU 


VOU 


acceital-os  como  obra  de  Alafum,  porque  D. 
Fernando  Magno,  além  de  Viseu,  conquis- 
tou também  Lamego,  Ceia  e  Coimbra,  fa- 
zendo récuar  a  fronteira  dos  mouros  para  o 
sul  do  Mondego.  O  território  de  Lafões  ficou 
sendo  chrisiào — e  ehristão  o  próprio  Ala- 
fum. É  pois  incrível  o  zelo  d'este  mouro  em 
fundar  tantos  castellos  para  os  christãos, — 
nem  elle  teria  tempo  e  recursos  para  fazer 
tantas  e  tão  dispendiosas  construcçoes. 

Era  possível  que  Gzesse  ou  restaurasse 
alguns  castellos,  mas  suppomos  que  a  maior 
parte  d'elles  é  muito  anterior. 

Nós  ainda  não  tivemos  occasião  de  os  ver 
e  estudar,  mas  estamos  certos  de  que  alguns 
são  anteriores  á  '  occupação  árabe  e  talvez 
construídos  ou  reconstruídos  sobre  outros 
mais  velhos  ainda,  o  que  só  poderá  verifl- 
car-se  demolindo-os. 

Estranhamos  que  em  todo  o  território  de 
Lafões  não  se  tenha  escontrado  vestígio  al- 
gum da  occupação  romana,  —  nem  sequer 
na  Villa  do  Banho,  que  os  romanos  por  certo 
occuparam,  por  serem  tão  amantes  dos  es- 
labeleeimenios  thermaes  e  porque  o  manan- 
cial das  dietas  thermas  foi  sempre  um  dos 
mais  volumosos  e  mais  importantes  da  pe- 
nínsula. 

Aeeresce  também  a  circumstaneia  de  te- 
rem os  romanos  feito  demorada  residência 
em  volta  de  Lafões:— &  leste  em  Viseu;  a  O. 
em  Talabrica  e  Lancobrica;  a  N.  em  Arou- 
ca, Lamego  e  Lamas  do  Molledo,  hoje  conce- 
lho de  Castro  d'Ayre,  e  a  S.  em  Eminium, 
hoje  Coimbra;  mas  é  innegavel  que  o  terri- 
tório de  Lafões  foi  povoado  muito  antes  da 
occupação  dos  mouros  e  mesmo  da  dos  godos 
6  romanos.  Foi  evidentemente  povoado  nos 
tempos  prehistoricos  da  idade  da  pedra,  co- 
mo prova  a  arca  ou  orca,  anta  ou  dolmen 
que  ainda  hoje  (1889)  se  encontra  no  adro 
da  egreja  matriz  da  freguezia  de  Arca,  no 
concelho  de  Oliveira  de  Frades,— monumen- 
to megalithico  e  congénere  dos  muitos  en- 
contrados em  volta  de  Yiseu,  —  milhares 
d'annos  anteriores  ao  lendário  Alafum.^ 


1  V.  Arca,  tomo  1.»  pag.  23i,-- e  Viseu, 
tomo  li.»  pag.  1699,  col.  2.* 


E  outros  dolmens  ou  monumentos  congé- 
neres provavelmente  existiram— e  existirão 
talvez  ainda  —  no  concelho  de  Lafões,  no- 
meadamente nas  aldeias  denominadas  Anta 
de  Cima,  Anta  de  Baixo  e  Anta  Cova,  fre- 
guezia de  Manhouce,  hoje  concelho  de  S, 
Pedro  do  Sul,— e  na  povoação  de  Antellas, 
diminutivo  de  Ap.ta,  dolmen,  na  freguezia 
do  Pinheiro,  concelho  de  Oliveira  de  Frades, 
outr'ora  de  Lafões. 


Pela  onomástica  revelam  grande  antigui- 
dade tarubem  as  aldeias  seguintes,  todas 
pertencentes  ao  antigo  concelho  de  Lafões: 

— Paço,  Paços,  Reguengo  e  Toire,  na  fre- 
guezia de  Carvalhaes; 

— Paço,  na  freguezia  de  Baiões; 

—Paço,  na  de  Serrazes,  cujo  nome  parece 
godo,  pois  tem  muita  afflnidade  com  Surra- 
zinus; 

—Paços,  na  de  Pinho; 

— Coutos  e  Curvaceira,  na  de  S.  Pedro  do 
Sul; 

— Chã  do  Couto,  na  de  Valladares: 
—  Torre,  Drizes  e  Alqueves,^  nomes  ára- 
bes, e  Fonte  Moninho,  nome  godo,  na  de 
Várzea; 

— Peso,  Goja,  Sendas,  Amarante,  Joazim, 
nomes  godos,  Castello,  Marvão  e  Dardão, 
na  de  Villa  Maior. 

No  concelho  de  Tondella,  visinho  de  La- 
fões, ha  uma  freguezia  e  villa  antiquíssima, 
denominada  Guardão,  cujo  nome  tem  muita 
afiQnidade  com  Dardão  e  Marvãol . . . 

— Bordonhos,—áe  Iben  Ordonis,  —  nome 


1  Na  freguezia  da  Penajoia,  concelho  de 
Lamego,  ha  uma  propriedade  minha,  deno- 
minada Alguetes,  onde  se  tem  encontrado 
carvões,  tijolos  de  grande  espessura,  pedras 
em  fórma  de  cubo,  fragmentos  de  columnas 
e  outros  vestígios  de  remota  occupação. 

Ha  também  no  nosso  paiz  differentes  al- 
deias, casaes,  quintas  e  sitios  denominados 
Algueva,  Algueve  e  Alqueves,  nomes  árabes, 
donde  provem  o  termo  alqueive,  terrado  pou- 
sio. 


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vou  2015 


masarabe,  hoje  povoação  e  freguezia  do  con- 
celho de  S.  Pedro  do  Sul.» 

— Alçaria,  nome  íirabe,  na  villado  Sul, 

Todas  estas  10  freguezías  pertencem  ao 
actual  concelho  de  S.  Pedro  do  Sul. 

— Paço,  na  freguezia  de  Queirã; 

— Paços  e  Cabo  da  Torre,  na  de  Paços 
de  Vilharigues; 

•^Paço  e  Mossamedes,  nome  arabe,^  na  de 
S.  Miguel  do  Mato; 

— Quinta  da  Cavallaria,  na  de  Vouzella; 

— Casal  de  Ouzende,  nome  godo,  na  de 
Ventosa. 

— Bandavizes  ou  Bendavizes  na  de  Fa- 
taunços.' 

— Alcofra,  nome  arabe^,  Meijão  e  Farves, 
na  freguezia  de  Aleofra. 

— Cambra,  Levides,  Mugueirães,  Tourelhe 
e  Confulcas,  na  de  Cambra. 

— Campia,  Cambarinho,  Cercosa,  Decide 
ou  Adecide  ou  A  do  Cid,  Alvitelhe,  Sellores  e 
Castro  {castro,  acampamento  romano)  na 
de  Campia. 


1  No  cartório  da  Universidade  de  Coim- 
bra se  encontra  uma  carta  de  encommunhão 
(cartula  incommunicationis)  feita  no  anno 
de  1030  (era  1068)  por  Adosinda  a  Froma- 
rigo  Iben-Egas,  musarabe,  e  a  sua  mulher 
Adosinda,  de  uma  herdade  in  território  ala- 
hobeines  (Alafões)  no  sitio  de  Bordonhos  (in 
loco  quo  vocitant  Iben  ordonis)  que  fôra  de 
seu  pae  germeriz  (nome  godo)  e  de  sua  mãe 
matrona,  por  200  soldos  (?)  e  um  modio  de 
cevada  [uno  modio  de  eivaria). 

V.  Catalogo  dos  Pergaminhos  da  Universi- 
dade de  Coimbra,  pag.  113,  n »  l. 

Do  exposto  se  vê  que  já  no  anno  de  1030 
o  território  de  Lafões  tinha  o  mesmo  nome 
de  Lafões  ou  Alafões,  alahobeines  em  latira 
bárbaro,  e  que  não  tomou  o  nome  do  rei 
Alafum,  como  diz  Fr.  Bernardp  de  Brito. 

Parece  mesmo  que  já  no  anno  de  865  a 
este  território  se  dava  o  nome  de  Alafões — 
Alafoins,  como  se  lô  em  um  documento  d'a- 
quella  data,  que  se  encontra  no  tomo  2.»  da 
Benedit.  Lusit.  trat.  1,  cap.  1.^  « 

2  V.  Muçamedes,  tomo  S.*  pag.  583,  col. 
4.«— e  Viseu,  tomo  II.»  pag.  1545,  col.  1." 
também. 

3  Drizes  e  Bandavizes  são  nomes  árabes. 
V.  Bandavizes,  tomo  !.•  pag.  316,  col. 


Estas  9  freguezias  pertencem  ao  actual 
concelho  de  Vouzella.^ 

— Grijó  e  Luvisios,  de  Luvigitdus,  nome 
godo,  na  de  Gafanhão. 

— Mosteiro,  na  de  Pepim,  nome  godo. 

—  Paço,  Rhodes,  Sabariz,  nome  godo,  ser- 
ras do  Ladario  e  das  Almenáras,  faroes  dos 
lusitanos,  na  freguezia  de  Rériz,  nome  go- 
do  também. 

Estas  3  ultimas  freguezias  pertencem  ho- 
je ao  concelho  de  Castro  d*Ayre,  mas  per- 
tenceram anteriormente  ao  concelho  de  La- 
fões. 

— Ladario,  Virella,  Porcelhe,  Mourão  e 
Faleiro,  na  de  Arcozello  das  Maias. 

— Destriz,  Ribança  e  Pisco  {Prisco,  nome 
de  homem)  na  de  Destriz,  talvez  nome  go- 
do.2 

—Paços,  Quetriz,  Francelha  e  Ral,  na 
de  Pinheiro. 

— Reigoso  e  Alfusqueiro,  nome  árabe,  na 
de  Reigoso. 

— Torre,  Parada,  Paços,  Enviande  (?)  La- 
dario, Candemil,  Pedre  e  Sandão,  Dome  go- 
do, na  de  Ribeiradio. 

— Monte  Thesouro,  talvez  de  Trezoy,  no- 
me godo,  aldeia  da  freguezia  de  Oliveira  de 
Frades. 

— Bandonages,  nome  árabe,'  na  de  S.  Vi- 
cente. 

— CoUlella,  Bispeira,  Villagueira  e  Covel" 
linho,  na  de  S.  João  da  Serra. 


1  Vilharigues,  na  opinião  de  um  illustra- 
do  vouzellense,  quer  dizer  Villa  Rodrigues, 
mas  eu  entendo  que  Vilharigues  é  o  nome 
godo  Villiarigues  patronímico  de  Villiarigo. 

Em  um  documento  da  era  1033,  o  anno 
995,  vemos  nós  assignado  como  tabellião  ou 
notário  Viliarigu  Onoriz. 

Portugal.  Monum.  —  Diplom.  et  Chartae, 
pag.  108. 

2  Teem  muita  affinidade  Ariz,  Argeriz, 
Criz,  Destriz,  Esmoriz,  Gondoriz,  Gradiz, 
Mariz,  Moniz,  Outiz,  Queiriz,  Queitriz,  Ré- 
riz, Roriz,  Romariz,  Sabariz,  Viariz,  etc. 

Suppomos  que  todos  ou  quasi  todos  estes 
nomes  são  godos. 

3  Fr.  Bernardo  de  Brito,  escreveu  Aben 
Donages.  Monarch.  Lusit.  loc.  cit. 


2016  VOU 


VOU 


—Cunhedo,  Ribella,  Louredo  e  Rodam, 
na  de  Souto. 

Estas  9  freguezias  pertencem  ao  actual 
concelho  de  Oliveira  de  Frades. 

Do  exposto  se  vê  que  no  território  de  La- 
fões tiveram  demorada  residência  os  ára- 
bes, musa^-abes  e  godos— e  que  ali  viveram 
muitas  famílias  importantes,  como  prova  o 
grande  numero  dc  aldeias,  ainda  hoje  deno- 
minadas Tom,  Paço  e  Paços. 

Tàmbem  a  aldeia  de  Crasto  (Castro)  re- 
vela a  occupação  dos  romanos,  —  e  as  de 
Arca^  Antas,  e  Antellas,  synonyraos  de  Dol- 
men,  revelam  a  occupação  prehislorica  dos 
celtas  ou  preceltas,  que  habitaram  a  nossa 
peninsula  milhares  doamos  antes  do  nasci- 
mento de  Christo. 

V.  Celtas,  tomo  2.»  pag.  236,~e  Viseu, 
tomo  11.»  pag.  1699,  col.  2.» 

Castellos 

~  Dos  muitos  que  pompearam  nas  terras  de 
Lafões  oecorrera-nos  os  seguintes; 

1.  "— Castello  de  Lafão  —  na  freguezia  de 
Vouzella,  distante  da  villa  pouco  mais  de  1 
kilometro  para  E. 

Demorava  em  um  alto  monte  denominado 
Lafão,  no  sitio  onde  hoje  se  vê  o  santuário 
de  Nossa  Senhora  da  Esperança,  ou  do  Cas- 
tello. Foi|demolido,  quando  se  fez  o  santuá- 
rio e  ainda  hoje  lá  se  vêem  alguns  restos  da 
antiga  fortificação  em  volta  do  dicto  morro. 

Consta  que  ali  appareceu  uma  cisterna 
com  muitos  esqueletos,  quando  se  demoliu 
o  Castello,!  supposta  residência  do  lendário 
rei  Alafum.  A  distancia  de  800  metros  para 
S.  E.,  na  cumiadã  de  um  monte  mais  alto, 
segundo  resa  a  tradição,  guardava  o  dicto 
mouro  os  seus  thesouros  em  uma  cova  que 
ainda  lá  se  vê,  da  qual  partia  uma  estrada 
coberta  ou  subterrânea,  que  se  prolongava 
descendo  até  á  povoação  e  freguezia  actual 
de  Fataunços,  distante  cerca  do  2  kilome- 
tros  para  N.  E. 

2.  »  Castello  de  Vilharigues— no  alto  d'este 


»  Veja-se  o  tópico  Templos  supra,  d.*  6. 


nome,  freguezia  de  Paços,  antiga  succursal 
de  Vouzella,  distante  d'esta  villa  cerca  de  2 
kilometros. 

Era  quadrado  e  ainda  hoje  (1889)  tem 
uma  das  faces,  a  do  lado  N.,  completa,  me- 
dindo talvez  50  metros  d'altura.  As  outras 
faces  cairam  em  ruínas  e  foram  até  meia 
altura  demolidas  pelos  senhores  ã'elle  e  da 
nobre  casa  e  quinta  da  Cavallttria  para  fa- 
zerem, cora  a  pedra  que  d'elle  liraraín,  a 
Capella  de  Santo  Amaro  e  uma  bella  esca- 
daria, amda  hoje  pertencentes  aos  marque- 
zes  de  Penalva,  descendentes  de  S.  Fr.  Gil, 
que  nasceu  na  dieta  casa  e  quinta,  da  qual 
recebem  foros  os  dietos  marquezes,  depois 
que  a  emprazaram.  E  ainda  hoje  naandam 
fazer  na  dieta  capelIa  todos  os  annos  pom- 
posa  festa  a  Santo  Amaro  no  dia  15  de  Ja- 
neiro, havendo  por  essa  occasiào  grande  ro- 
magem. 


3.* — Castello  de  Baiões  —  em  um  alto  na 
freguezia  d'este  nome,  hoje  concelho  de  S. 
Pedro  do  Sul,  distante  da  villa  cerca  de  3 
kilometros  para  O.  na  m.  d.  do  Vouga. 

Foi  demolido  e  com  a  pedra  d'elle  fize- 
ram no  mesmo  local  a  capella  de  Nossa  Se- 
nhora da  Guia,  muito  querida  dos  povos 
circumvisinhos,  que  a  festejam  com  grande 
romagem  na  2.»  feira  da  Paschoa. 

V.  BayÕes,  tomo  2."  pag.  552,  col.  1.» 

O  Santuário  Marianno,  fallando  d'esta 
ermida  (tomo  5.»  pag.  86)  diz  que  no  dicto 
local  ainda  m  tilo  tempore  (1716)  se  viam  (e 
vêem  hoje,  1889)  restos  da  antiga  fortifica- 
ção ou  atalaya,  e  que  no  dicto  chão,  cavan- 
do, se  encontraram  pedaços  de  ouro  lavrado, 
como  argolas,  e  outras  cousas  semelhantes. 
Que  os  mouros  faziam  do  dicto  castello  cen- 
tro e  receptáculo,  d'onde  saiam  a  infestar  e 
roubar  os  christãos,  pelo  que  estes  os  expul- 
saram, invocando  por  guia  Nossa  Senho- 
ra 6  depois,  em  signal  de  gratidão,  lhe  eri- 
giram ali  um  templo  com  a  invocação  de 
Nossa  Sienhora  da  Guia. 

—Que  a  dieta  imagem  era  escuiptura  de 
madeira  estofada,  tendo  o  Menino  Jesus  no 
braço  esquerdo  e  ao  todo  4  palmos  de  al- 
tura. 


vou 


vou  2017 


— Que  08  devotos  desde  tempo  muito  an- 
tigo formaram  uma  numerosa  irmandade, 
cujos  estatutos  confirmou  em  1679  D.  João 
de  Mello,  bispo  de  Viseu  e  depois  bispo  lam- 
bem de  Coimbra. 

—Que  a  dieta  eapella  tinha  um  ermitão 
apresentado  pelo  abbade  de  Baiões— e  que 
festejavam  a  padroeira  na  i.»  oitava  da  pas- 
choa,  havendo  por  essa  occasião  grande  ro- 
magem e  uma  feira  antiquíssima,  anterior  á 
forooação  da  irmandade. 


4.  ' — Castello  de  Figueiredo  das  Donas,  na 
freguezia  d'e8te  nome,  concelho  de  Vouzella 
e  distante  d'esta  villa  6  kilometros  para  E. 

Demoliram-no  para  construírem  uma 
casa. 

Prende  com  o  dicto  caslello  a  lenda  de 
D.  Ansur. 

.  V.: Figueiredo  das  Donas,  tomo  3.°,  pag. 
192,  col.  2.« 

5.  » — Castello  de  Bendavizes,  —  nome  ára- 
be, na  freguezia  de  Fataunços,  3  kilometros 
ao  nascente  de  Vouzella. 

Foi  demolido  em  1886  e  empregaram  a 
cantaria  d'elle  na  construeção  de  uma  casa. 
V.  Fataunços,  tomo  3."  pag.  161,  col.  2.* 

6.  *— Castello  de  Cambra. 

Ainda  se  conserva  quasi  intacto  e  demo- 
ra cerca  de  8  kilometros  ao  sul  de  Vou- 
zella. 

V.  Cambra,  tomo  2.»  pag.  52, 
T. "—Castello  de  Alcofra. 
Ainda  se  conserva  também  quasi  intacto. 
V.  Alcofra,  tomo  1.»  pag.  79,  col.  2.»  m 
principio. 

Demora  cerca  de  13  kilometros  ao  sul  da 
Villa  de  Oliveira  de  Frades — e  a  igual  dis- 
tancia de  Vouzella,  a  cujo  concelho  actual- 
mente pertence,— para  S.  S.  O. 

S.'~-Castello  de  Reriz,  na  freguezia  d'esle 
nome,  hoje  concelhp  de  Castro  d'Ayre,  na 
margem  esquerda  do  Paiva,  mas  outr'ora 
concelho  de  Lafões. 

Do  dicto  Castello  apenas  hoje  se  encon- 
tram vestígios,  bem  como  d'outra8  construc- 
ções  árabes  que  existiram  na  mencionada 
parochia. 


V.  Rériz,  tomo  8.o  pag.  148,  col.  2.» 

Ainda  se  apontam  dispersos  pelo  antigo 
concelho  de  Lafões  vestígios  d'outra8  mui- 
tas obras  de  defesa  atlribuidas  aos  mouros, 
avultando  entre  ellas  uma  medonha  gruta 
ou  caverna,  talvez  mina  outr'ora,  no  alto  da 
serra  da  Arada,  a  montante  da  freguezia  de 
Carvalhaes. 

Ninguém  ousa  peneirar  na  dieta  gruta 
por  falta  de  luz  e  ar. 

V.  Arada,  serra,  tomo  1."  pag.  225. 

Também  as  aldeias  denominadas  Torre, 
Castello  e  Castro,  mencionadas  supra,  re- 
velam a  existência  de  torres,  castellos  e  cas- 
tros n'aquelles  sitios,  posto  que  hoje  lá  se 
não  encontrem  vesiigio3'algUQ8  de  taes  obras 
de  defesa. 

Senhores  de  Lafões 

l.e — Cid  Alafum,'o  lendário  ffiouro,"na 
opinião  de  Fr.  Bernardo  de  Brito. 

%»—D.  Fernando  Pedro,  mordomo- mor 
d'el-rei  D.  Affonso  Henriques. 

Falia  muito  d*elle  a  Chronographia  yiedi- 
cinal  de  Alafoens. 

3.  »—  O  infante  D.  Henrique,  de  Sagres,  fi- 
lho d'el-rei  D.  João  L 

4.  "— O  infante  D.  Luiz,  duque  de  Beja, 
4  •  filho  do  2.'  matrimonio  d'elrei  D.  Manoel 
e  pae  do  infeliz  D.  Antonio,  prior  do  Crato. 

5.0 — Fernão  Lopes  d*Almeida,  senhor  da 
casa  e  quinta  da  Cavallaria  e  anteriormen- 
te já  senhor  do  couto  e  villa  do  Banho,  por 
mercê  d'el  rei  D.  Manoel  e  concessão  do  in- 
fante D.  Luiz. 

^.0— Duarte  d' Almeida,  filho  do  anteceden- 
te, lambera  dono  da  nobre  casa,  quinta  e 
couto  da  Cavallaria— a  monteiro  mor  do  in- 
fante D.  Luiz. 

7."— D.  Pedro  Henrique  de  Bragança,  1.» 
duque  de  Lafões,  2."  marquez  de  Arronches 
e  7."  conde  de  Miranda,  senhor  de  Lafões  e 
das  villas  e  concelhos  de  Miranda  de  Corvo, 
Jarmello,  Folgosinho,Sôsa,  Podentes,  Vouga 
e  Oliveira  do  Bairro. 

V.  Lafões,  tomo  4.»  pag.  11,  col.  1  •— e  a 
Chronographia  Medicinal  das  Caldas  de  Ala- 
fões,  muito  conscienciosamente  eseripla  na 
localidade  em  1696  e  que  falia  muito  da  an- 


2018  VOU 


VOU 


tíga  vilIa  do  Banho  e  do  antigo  concelho  de 
Lafões,  bem  como  dos  senhores  da  dieta  vil- 
Ia 8  do  dicto  concelho,  etc,  etc. 


E'  um  livro  muito  interessante  e  não  vul- 
gar, devido  à  penna  do  dr.  Antonio  Pires  da 
Silva,  natural  de  Bragança  e  que  foi  medico 
das  ditas  caldas,— homem  bastante  illustra 
do,  mas  resentia-se  da  escola  de  Fr.  Ber- 
nardo de  Brito,  a  quem  seguiu  de  perto,  fa* 
zendo  longo  extracto  da  !  •  parte  da  Monar- 
chia  Lusitana  e  contando  como  historia 
muitas  lendas  desde  a  creação  do  mundo, 
para  mostrar  a  antiguidade  da  casa  da  Ca- 
vallaria.  Com  as  taes  lendas  e  patranhas  oc- 
cupa  nada  menos  de  104  pag. 

V.  cap.  5.»  pag.  17  a  121. 

E  para  mostrar  a  antiguidade  das  Caldas 
de  Lafões,  subiu  também  até  à  creação  do 
mundo  e,  depois  de  longo  arrasoado,  disse 
que  as  dietas  aguas  brotaram  no  mesmo  si- 
tio e  com  a  mesma  temperatura  no  8  "  dia  da 
creaçãofl... 

tNão  faz  duvida  (diz  elle)  que  a  agua  dos 
Banhos  de  Alafoens  teve  principio  e  sahiu 
logo  quente  na  tarde  do  terceiro  dia.» 

Cap.  2.»  pag.  7. 

Em  compensação  na  dieta  obra  se  eneon- 
tram  noticias  aproveitáveis  e  curiosíssimas 
com  relação  aos  banhos  de  Lafões  e  a  toda 
a  sorte  de  banhos  in  illo  tempore,  sendo  pa- 
ra lamentar  que  não  tenha  indice,  o  que  dif- 
fículta  muito  a  busca  de  qualquer  tópico. 

Terminaremos  dizendo  que  o  senhorio  de 
Lafões  se  conservou  muitos  annos,  bem  co- 
mo outros  senhorios,  foros  e  bens  da  coroa, 
na  casa  dos  duques  de  Lafões,  pelo  que  esta 
grande  casa  soffreu  muito  com  a  extincção 
d'aquelles  senhorios  e  foros  em  1834. 

Coutos 

Segundo  se  lé  na  Chronographia  Medici- 
nal, o  concelho  de  Lafões  em  1696  compre* 
hendia  13  coutos  que  ali  se  apontam,  mas 
tão  confusamente,  que  mal  os  podemos  dis- 
criminarl...  Suppomos  serem  os  seguin- 
tes: 


!.•  Couto  do  Banho. 

Comprehendia  a  freguezia  de  Várzea  e 
entrava  nas  de  S.  Pedro  do  Sul,  Baiões,  Ser- 
razes  e  Fataunços,  sendo  demarcado  por 
grandes  marcos  de  pedra  com  armas  reaes. 

2.'— Couto  do  Covello,  na  freguezia  de 
Ventosa,  com  casas  em  diversas  freguezias, 
taes  eram  as  de  Paços,  Baiões  e  Campia.^ 

Z.*— Couto  de  Arcozello,  da  comraenda  de 
Ansemil; 

í.^—Rio  de  Mel,  da  mesma  commenda  de 
Ansemil; 
5.«— Go/a; 
ò.'—Gafanhão; 
1  ."—Ribolhos; 
S*~Trapa; 

9.  '— Oliveira  de  Frades; 

10.  °— Mões; 

11.  '— Alva; 
li.'- Sul; 
IZ.^—Rériz. 

Pelo  motivo  exposto  supra 
declinamos  a  responsabilidade 
d*este  tópico. 


Bordonhos  também  foi  honra. 

V.  Bordonhos,  freguezia  do  actual  conce- 
lho de  S.  Pedro  do  Sul,  tomo  1.»  pag.  420. 

Houve  também  no  concelho  de  Lafões 
desde  os  princípios  da  nossa  monarchia  os 
3  coutos  seguintes: 

1.0— A  casa,  cerca  e  mais  dependências 
do  convento  de  S.  Chrtstovam  de  Lafões,  que 
hoje  constituem  a  freguezia  d'este  nome  no 
concelho  de  S.  Pedro  do  Sul. 


1  Ainda  hoje  (1889)  vive  o  ultimo  escri- 
vão do  couto  do  Covello. 

Diz  elle  que  proferiam  as  sentenças  em 
cima  de  certas  pedras,  que  aponta,—  ao  ar 
livre. 

O  mesmo  se  praticava  em  outros  muitos 
dos  nossos  concelhos  extinctos. 

Mesmo  em  Lamego  nos  princípios  da  nos- 
sa monarchia  as  audiências  eram  feitas  jun- 
to de  uma  arvore — tamegueiro. 

W.  Lamego  n'este  diccion.  e  no  supple- 
mento. 


vou 


vou  2019 


V.  Christovão  de  Lafões  (S.)  tomo  2.»  pag. 
297,  col.  Lafões,  tomo  4.«  pag.  12, 

col.  1.*  também. 

2.'— Couto  de  Valladares,  ou  Couto  de 
Baixo,  hoje  também  freguezia  do  mesmo 
concelho,  e 

Z.'— Couto  da  Trapa  e  Paço,  ou  Couto  de 
Cima  (é  o  mencionado  supra)  hoje  também 
freguezia  do  mesmo  concelho. 

V.  Trapa,  vol.  9.»  pag.  724,  col.  1."  —  e 
Valladares,  tomo  10.°  pag.  169,  col.  2.» 

Estes  últimos  3  coutos  foram  muito  l^ri- 
vilegiados  tanto  civilmente  como  eeelesiasti- 
camente.  Eram  exemptos  e  n'elle8  exerciam 
a  jurisdicção  episcopal  os  abbades  do  con- 
vento de  S.  Christovam  de  Lafões. 

V.  Viseu,  tomo  11.°  pag.  1600,  col.  2.«  n.* 
21,— e  na  collecção  do  Observador,  ]ornail  de 
Viseu,  relativa  ao  anno  de  1879,  os  interes- 
santes folhetins:  Chronica  visiense  do  século 
xvii,  parte  2,"  —  O  Dr.  Themudo  e  Manuel 
Botelho,  —  folhetins  firmados  por  um=B= 
que  suppomos  representa  o  nome  do  sábio 
cónego  José  d' Oliveira  Berardo. 

V.  Viseu,  tomo  11."  pag.  1815,  col.  2." 

Os  mencionados  folhetms,  aliás  bem  es- 
criptos  e  revelando  muita  instrucção,  refe- 
rem-se  ao  dicto  convento  e  ao  dr.  Manoel 
Botelho  Ribeiro,!  deprimindo  bastante  um 
e  outro,  pelo  que  mais  nos  convencemos  de 
que  foram  obra  de  Berardo,  —  e  é  d'elle 
o  estylo. 

Também  foi  couto  a  celebre  quinta  da 
da  Cavallaria. 

Do  exposto  se  vé  que  as  auctoridades  de 
Lafões  deviam  luclar  com  grandes  diffieul- 
dades  para  administrarem  a  justiça  em  um 
concelho  tão  cheio  de  coutos,  exemplos,  hon- 
ras, castellos  e  toires,  e  de  fidalgos  podero- 
sos, alguns  d'elles  com  grande  valimento  na 
côrte  e  outros  senhores  do  próprio  concelho 
iodo,  entre  os  quaes  avultaram  2  infantes  e 
differentes  duques. 


1  V.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1805,  col.  1.', 
— e  1825  col.  2.» 


As  mencionadas  auctoridades  dispunham 
de  13  companhias  de  ordenanças,  como  já 
dissemos  supra,  mas  tudo  isso  era  pouco  e 
por  certo  muitos  coníliclos  se  deram  em 
que  foram  levadas  de  vencida,  mas  não  se 
registraram,  porque  muito  provavelraentô 
nem  isso  lhes  permittiraml . . . 

Os  fidalgos  eram  muito  prepotentes  e  pés- 
simos visinhos  outr'ora,  pelo  que  em  muitos 
foraes  se  concedeu  como  grande  favor  aos 
povos  não  poderem  entre  elles  viver  fidalgos, 
nem  doHas^  nem  ricos  homês. 

V.  Pinhel,  tomo  7."  pag.  70,  col.  2.»  e  segg. 
—Villa  Real,  tópico  Foraes,  vol.  II.»  pag. 
942,  col.  l.«  e  943,  col.  2.*  com  as  suas  res- 
pectivas notas;— Fí7/ar,  aldeia  da  freguezia 
de  Barro,  no  mesmo  vol.  pag.  1174,  col.  1.' 
—Historia  de  Port.  de  Alexandre  Herc.  to- 
mo 2."  pag.  494-499,— e  os  Foros  de  S.  Mar- 
ttnho  de  Mouros  nos  Inéditos  de  Hist.  Port. 
tomo  4.»  pag.  579  e  segg. 

Tudo  o  que  ali  se  narra  são  factos  histó- 
ricos, que  hoje  mal  se  acreditam. 

Fazem  tremer  a  alma! 

E  nas  outras  nações  in  iílo  tempçre  suc- 
cedia  o  mesmo— ou  peior  aindal . . . 

O  povo  nunca  teve  as  garantias  que  hoje 
tem  e  de  que  tanto  abusa,  expondo-se  a  vol- 
tar ao  statu  quo  ante,  porque  os  extremos 
tocam- se. 

S.  CHRISTOVAM  DE  LAFÕES 

E 

SANTA  CRUZ  DA  TRAPA 
{Reminiscência  doestes  2  coutos) 

A  citada  Chronica  do  sec.  xvii  diz  que, 
estando  o  dr.  Themudo  e  o  dr.  Botelho  hos- 
pedados no  convento  de  S.  Christovam  de 
Lafões,  por  serem  amigos  do  D.  Abbade  do 
dicto  convento,  —  Fr.  Antonio  Pinto,— este 
apresentou  ao  dr.  Theniudo,  supposto  au- 
ctor  da  Chronica,  um  papel,  para  o  ler  e 
examinar  e  dar  sobre  elle  o  seu  conselho, 
I  conforme  ao  direito. 


2020  VOU 


VOU 


«Aceeilei-o  (diz  elle)  e  por  ser  curioso,  o 
transcrevo  aqui  fielmente  do  ciiirographo: 

«Fr.  Antonio  Pinto,  Dom  Abbade  do  mos- 
teiro de  sara  christovam  a  quem  in  solidum 
pertence  a  jurisdicam  episcopal  e  temporal 
no  civil  no  seu  couto  da  trapa,  etc.  A  todos 
08  que  esta  nossa  freguezia  de  sam  christo- 
vam, ha  pessoa  que  esquecida  do  que  deve 
a  Deus  nosso  Sr.  e  pouco  temente  a  sua  de 
Vina  justiça,*  porque  sendo  raonido  por 
mandado  nosso,  para  que  pagasse  a  este 
mosteiro  á  tulha  o  que  está  deyendo,  e  o  não 
tem  feito,  dezobedecendo  e  não  comprindo 
nossos  mandados.  Pello  qae  Auturitate  Apos- 
tólica de  que  nesta  parte  Vzamos.  Mando  em 
Virtude  de  Sta.  Obidieneia  e  sob  penna  de 
excummuohão  ipso  facto  incurrenda  Page 
ao  dito  Pe.  tulheiro:  Pedro  Simoens  da  tra- 
pa tudo  o  que  lhe  deve  dentro,  em  tresdias 
pros.  despois  da  publieasam  desta  o  que  não 
fazendo  o  havemos  por  declarado  na  sobre- 
dita penna  de  excomunhão  maior  ipso  facto 
incorrenda,  ao  dito  Po.  Simoens  e  o  hey 
por  incorrido  nella,  e  por  maldito  e  exco- 
mungado da  mâldisam  de  deus  todo  podero- 
so e  dos  Bera  aventurados  Apóstolos  Sam 
Po.  e  Sam  paulo  e  de  todos  os  Santos  da 
Santa  Madre  Igreja  de  Roma,  e  seja  sover- 
tido  e  confundido,  com  os  danados  nos  in- 
fernos para  sempre.  Em  companhia  de  Da- 
tam e  abiram.  Dada  neste  nosso  mosteiro  de 
sam  christovam  hoje  14  de  Maio  de  694.  O 
Abbe.  fr.  Antonio  pintto.» 

«Passou  se  o  resto  daquelle  dia,  e  tam- 
bém a  noite  até  que  na  manhã  seguinte, 
muito  cedo,  entrou- me  pelo  quarto  deotro 
Fr.  Antonio,  pedindo-me  o  resultado  do 
meu  parecer  e  que  lhe  fallasse  com  toda  a 
sinceridade  e  inteireza. 

«Pois  bem,  respondi  eu,  digo-vos  qne  a 
redacção  do  papel  esiá  confuza  e  incorrecta 
e  que  por  direito  não  é  esse  o  modo  de  co- 
brar as  dividas. 


1  Vou  copiando  fielmente  o  texto  do  Obser- 
vador. 

P.  A.  Ferreira. 


«Mas,  replicou  elle,  sempre  assim  o  te- 
mos usado  e  com  bastante  eflSeacia. 

«Pois  então  continuai;  —  foi  a  minha  res- 
posta. 

Dr.  Themudo.» 

Vinho 

Segundo  a  interessante  Carta  da  produc- 
ção  vinícola  da  circumscripção  do  norte  de 
Portugal,^  os  3  concelhos  d'esta  comarca  de 
Vouzella  produziram  em  1887  o  vinho  se- 
guinte: 

FoM2e//a— milhares  de  hectolitros   11,0 


Oliveira  de  Frades   12,0 

S.  Pedro  do  Sul  20,0 

Litros  por  hectare 

Oliveira  de  Frades   56 

S.  Pedro  do  Sul   59 

Vouzella   115 

Note-se  que  os  3  concelhos  teem  a  super- 
fieie  seguinte; 

Vouzella,  hectares   10;987 

Oliveira  de  Frades,  hectares  21:500 

S.  Pedro  do  Sul,  hectares   33:982 


E'  isto  o  que  se  lê  na  Chorog.  Mod.  pu- 


'  A  dieta  Carta  acompanha  a  publicação 
official  recentemente  feita  pela  nossa  Direc- 
ção geral  de  Agricultura  sob  o  titulo  — 
«Portugal  (circumscripção  do  norte)  Noti- 
cias acerca  dos  seus  vinhos  pelo  engenheiro 
José  Taveira  de  Carvalho  Pinto  de  Mene- 
zes, Porto,  Typographia  de  Antonio  José  da 
Silva  Teixeira,  Cancella  Velha,  70.»  — 1.» 
faseicuío  1888;  2."  fascículo  1889. 

É  um  trabalho  interessante  e  que  muito 
honra  o  seu  illustrado  auctor,  distinito  en- 
genheiro civil,  grande  proprietário  e  vini- 
cultor no  concelho  de  Amarante,  mas  resi- 
dente no  Porto. 

Nos  2  fascículos  já  publicados  tracta  dos 
districtos  de  Vianna,  Braga  e  Porio;  nos  se- 
guintes tractarà  dos  de  Bragança,  Villa  Real, 
Viseu,  Guarda,  Aveiro,  e  Coimbra. 


vou 


vou  2021 


blicâda  em  i875,  mas,  como  o  sea  próprio 
aactor  adverte,  comprehendeu  no  concelho 
de  Vouzella  a  freguezia  de  Bodiosa,^  que  em 
1871  havia  passado  para  o  concelho  de  Vi- 
seu,—e  no  concelho  de  Oliveira  de  Frades 
comprehendeu  as  freguezias  de  Alcofra, 
Cambra,  Campia  e  Carvalhal  de  Vermilhas 
que  no  mesmo  anno  de  1871  passaram  para 
o  concelho  de  Vouzella.  Ficou  pois  sendo 
maior  a  superfície  d'este  ultimo  concelho  e 
menor  a  do  concelho  de  Oliveira  de  Frades. 


O  vinho  dos  concelhos  de  Vouzella  e  Oli- 
veira de  Frades  em  geral  é  verde  e  áspero, 
porque  está  exposto  ao  norte  nas  faldas 
do  Caramullo,  que  altinge  a  altitude  de 
1070  metros  sobre  o  nivel  du  mar, — altitude 
que  baixa  gradualmente  até  ás  margens  do 
Vouga,  limite  dos  2  concelhos  a  N.  e  N.  0.^ 

E'  pois  um  pouco  melhor  o  que  se  appro- 
xima  do  Vouga,  mas  insupportavel  o  que  se 
avisínha  do  Caramullo. 

Ha  por  ali  freguezias  onde  as  uvas  prin- 
cipiam a  pintar  em  outubro  e  nunca  che- 
gam a  amadurecer,  taes  são  na  parte  alta  as 
freguezias  de  Fornello  do  Monte,  Carvalhal 
de  Vermilhas,  Ventosa,  Alcofra,  Campia  e 
Cambra,  todas  d'este  concelho  do  Vouzella. 


1  E'  natural  da  povoação  de  Silgueiros, 
d'esta  freguezia  de  Bodiosa,  um  dos  assi- 
gnantes  e  maiores  apologistas  d'eâte  diccio- 
nario.  Chama-se  Antonio  Rodri^es  dos  San- 
<0í,  excelleme  pessoa,  residente  no  Porto 
desde  1850. 

De  passagem  diremos  que  ha  n'esta  fre- 
guezia um  monumento  antiquissimo^  deno- 
minado Lagaretas  dos  mouros. 

E'  formado  por  3  grandes  cavidades  si- 
métricas, rectangulares,  parallelas  e  em  for- 
ma de  paralleiogrammo,  cavadas  a  picão  em 
um  grande  penedo  de  face  lisa,  mas  com 
bastante  declive,  sendo  maior  a  cavidade 
que  está  no  centro  de  duas  iguaes  entre  si, 
porem  mais  pequenas. 

V.  Bodiosa  n'este  diccionario  e  no  supple- 
mento. 

2  V.  Caramulo,  Monte  Lafão,  tomo  5  ° 
pag.  481,  col.  2.»— e  Monte  Muro  no  mesmo 
vol.  pag.  523,  col.  2.« 


No  de  Oliveira  de  Frades  também  ha  fre- 
guezias, cujo  vinho  é  insupportavel! . .  • 

O  vinho  do  concelho  de  S.  Pedro  do  Sul, 
por  estar  exposto  ao  sul,  é  muito  melhor, 
principalmente  o  da  parte  baixa,  nas  visi- 
nhanças  do  Vouga  e  do  rio  Sul;  mas  tem 
vinho  também  muito  áspero  na  parte  alta, 
principalmente  nas  visiohanças  da  serra  de 
Manhouce,  que  altinge  a  altitude  de  1002 
metros  sobre  o  nivel  do  mar  e  prende  com 
as  serras  de  Cambra  e  Arouca,  uma  das 
quaes  (a  de  S.  Pedro  Velho)  tem  a  cota  de 
1.078  metros  sobre  o  nivel  do  mar. 

E'  também  muito  áspero  o  vinho  do  con- 
celho de  S.  Pedro  de  Sul  em  volta  da  serra 
da  Arada  e  na  pendente  sobre  o  Paiva,  ex- 
posta ao  norte. 

Em  geral  o  vinho  n'estes  3  concelhos  é  de 
enforcado,  como  no  Minho. 

SERRA  E  FREGUEZIA  DE  MANHOUCE— 
ANTIGA  ESTRADA  DE  VISEU  AO  POR- 
TO-TRAPA  E  FARRAP A— ALBERGA- 
RIA  DAS  CARRAS,  etc. 

A  freguezia  de  Manhouce  é  uma  das  mais 
altas  e  mais  ásperas  do  concelho  de  S.  Pe- 
dro do  Sul,  parte  integrante  do  território  de 
Lafões,  cuja  capital  é  Vouzella. 

V.  Manhouce,  tomo  5.'  pag.  53,  col.  l.*— 
e  Trapa,  vol.  9.»  pag.  724,  col.  2.» 

Manhouce,  outr'ora  Manhoce,  é  talvez  mo- 
dificação de  Manhoça,  proveniente  de  manho, 
terreno  baldio  ou  mamnAo,  monte,  matto  in- 
culto. V.  Manho,  tomo  4.»  pag.  520. 

O  mesmo  vocábulo  maninho  provem  tal- 
vez de  manhoce  de  manho  tomaram  o  no- 
me a  fonte  e  sitio  de  Manhos,  junto  de  La- 
mego, na  antiga  estrada  do  Douro,  e  talvez 
as  nossas  aldeias  de  Manhoco,  Manhoca  e 
Manhosa,  como  quem  diz  matto,  matta  e 
mattosa,  pois  no  idioma  leonez,  hoje  hespa- 
nhol,  que  fallavamos  nos  princípios  da  nos- 
sa monarchia,  o  z  tinha  e  tem  o  valor  de  s 
ou  ç,  e  Manhosa  ou  Manhoza  soava  Hlanhoça 
quasi  Manhoce  ou  Manhouce,  nome  actual  da 
freguezia  e  serra  de  que  no  momento  nos 
occupamos. 


2022  VOU 


VOU 


A  povoação  e  fregaezia  de  Manhouce  de- 
mora DO  alto  da  serra  d'este  nome,  na  anti- 
ga estrada  de  Viseu  ao  Porto  e  na  margem 
direita  do  Vouga,  do  qual  dista  8  kilometros 
para  N.;  11  d'AIbergaria  das  Cabras  para 
S:  S.  E.;  15  da  villa  d'Arouca  para  S.;  20  de 
S.  Pedro  do  Sul  para  O.  N.  O.;  35  de  Viseu 
para  N.  0.— e  60  do  Porto  para  S.  E. 

Pelo  ultimo  censo  de  1878  contava  226 
fogos  e  1417  habitantes,  que  me  parecem 
habitantes  de  mais,  pois  226  fogos  deviam 
dar,  quando  muito,  1000  habitantes,  prin- 
cipalmente em  terreno  tão  inhospito,  agres- 
te e  frio! . . . 

Comprehende  esta  parochia  differentes  po- 
voações, entre  ellas  Anta  de  Baixo,  Anta 
de  Cima  e  Anta  Cova,  que  pela  onomástica 
revelam  a  existência  de  3  antas  ou  dolmens, 
como  já  dissemos  no  tópico  supra:  —  Ety- 
mologia  e  antiguidade  do  território  de  La- 
fões. 


A  serra  de  Idanhouce  prende  com  a  de 
Arada,  a  E.,— e  a  N.  e  N.  O.  com  a  de  Arou- 
ca, Araducta  no  tempo  dos  romanos.  São 
compactas  e  formam  um  todo  com  dilTeren- 
tes  nomes,  taes  são  alem  d'aquelles  os  de 
Serra  da  Freita,  Serra  de  Fuste,  Serra  de 
Albergaria  das  Cabras,  Serra  de  S.  Pedro, 
serra  da  Mó,  etc.  havendo  grande  affinidade 
entre  Arada  e  Araducta,  que  parece  terem 
a  mesma  etymologial . . . 

Pela  serra  e  freguezia  de  Manhouce  pas- 
sava a  antiga  estrada  de  Viseu  ao  Porto, 
muito  frequentada  ainda  no  melado  d'este 
século,  antes  de  se  fazer  a  linha  férrea  do 
norte  e  a  estrada  a  macadam,  servida  por 
diligencias  de  Viseu  á  estação  de  Estarreja, 
para  onde  mudou  o  tranzito,  por  ser  mais 
commodo  e  fácil,  embora  muito  mais  longo 
o  percurso,  pois  de  Viseu  ao  Porto  por  Ma- 
nhouce o  percurso  era  de  95  kilometros,  em 
quanto  que  por  Estarreja  subiu  a  138  kilo- 
metros. Depois  que  ee  fez  a  linha  da  Beira 
Alta,  o  tranzito  mudou  para  a  estação  de 
Nellas,  subindo  o  percurso  a  192  kilometros 
e  assim  se  conserva  e"  conservará  até  se 


abrir  ao  tranzito  (talvez  esfanno  de  1889)  o 
ramal  da  linha  férrea  de  Viseu  a  entroncar 
na  da  Beira  Alta  em  Santa  Comba -Dão;  mas 
por  seu  turno  o  tranzito  mudará  e  por  isso 
sotTrerá  grande  reducçào,  logo  que  se  cons- 
trua a  projectada  linha  directa  de  Viseu  ao 
Porto  por  S.  Pedro  do  Sul  e  valle  do  Paiva, 
a  entroncar  na  linha  do  Douro  em  Recarei, 
como  já  dissemos  supra. 

V.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1528,  col.  1.'; 
1639,  col.  1.'  também;  1777,  col.  2.»  n.»  5— 
e  1781,  col.  2.«  também,  n.o  3. 


A  antiga  estrada  de  Viseu  ao  Porto  por 
Manhouce  era  muito  curta,  porque  se  apro- 
ximava da  linha  recta  na  direcção  geral— 
S.  E.  a  N.  O.— Tocava  na  villa  de  S.  Pedro 
do  Sul;  passava  depois  a  N.  das  freguezias 
de  Baiões  e  S.  Christovam  de  Lafões;  ia  a 
Santa  Cruz  da  Trapa;  depois  subia  para  a 
serra  de  Manhouce;  atravessava  a  povoação 
d'este  nome  e  seguia  pelo  alto  da  serra  até 
Albergaria  das  Cabras,  concelho  d' Arouca; 
depois  descia  bruscamente  até  á  povoação 
da  Farrapo,  freguezia  de  Chave,  no  mesmo 
concelho  d'Arouca;  ia  a  Cabeções,  aldeia  da 
villa  e  concelho  de  Fermedo,  hoje  concelho 
d'Arouca  também;  ia  depois  a  Lobão,  San- 
guedo,  Carvalhos,  Villa  Nova  de  Gaya  e 
Porto.^ 

Foi  muito  frequentada,  por  ser  curta  e 
porque  desde  o  Porto  até  á  Farrapo,  na 
pendente  N.  O.  da  serra  da  Freita,  e  desde 
Viseu  até  à. Trapa,  na  pendente  sul  da  ser- 
ra de  Manhouce,  era  soffrivel;  mas  desde  a 
Trapa  até  á  Farrapo,  na  extensão  de  25  ki- 
lometros, era  medonha,  horrorosa,  princi- 
palmente no  inverno,  desde  Manhouce  até 
Albergaria  das  Cabras,  na  extensão  de  10  a 
12  kilometros,  porque  seguia  pela  chã  da 
serra  na  altitude  de  900  a  1:000  metros  so- 
bre o  nivel  do  mar.^ 


*  V.  Cabeções,  Manhouce  e  Albergaria  das 
Cabras. 

2  A  serra  junto  d'Albergaria  das  Cabras 


vou 


vou  2023 


Ainda  ali  hoje  todo  o  anno  se  eDcontram 
lobos  e  no  inverno  a  neve  poisa  frequente- 
mente e  sobe  a  grande  altura,  pelo  que  a 
rainha  Santa  Mafalda,  condoída  dos  vian- 
dantes, mandou  fazer  uma  albergaria  em 
Manhouce,  na  extremidade  sul  da  grande 
serra,  e  outra  na  extremidade  norte,  no  si- 
tio ainda  hoje  denominado  Albergaria  das 
Cabras,  porque  a  pequena  povoação  que  ali 
se  desenvolveu  era  formada  por  cabreiros, 
— e  a  mesma  albergaria  era  um  curral  de 
cabras.i 

As  duas  povoações  muito  provavelmente 
tiveram  por  núcleo  as  duas  albergarias,  tal- 
vez muito  anteriores  á  rainha  santa  e  res- 
tauradas por  ella. 


Manhouce  teve  também  um  convento  an- 
tiquíssimo, que  recorda  o  de  S.  Bernardo^ 
nos  Alpes,  e  por  ser  menos  inhospita  do  que 
Albergaria  das  Cabras,  a  sua  povoação  cres- 
ceu mais.  É  hoje  uma  das  freguezias  mais 
populosas  do  concelho  de  S.  Pedro  do  Sul, 


tem  a  cot?  de  1:078  metros,  e  junto  de  Ma- 
nhouce a  de  1:002. 

Ainda  hoje  por  ali  seguem  muitos  vian- 
dantes e  almocreves,  nomeadamente  vendi- 
lhões de  peixe  fresco  e  recoveiros  que  do 
Porto  e  do  concelho  da  Feira  se  dirigem  a 
S  Pedro  do  Sul,  ele. 

0  caminho  é  de  tal  ordem,  que  os  habi- 
tantes d' Arouca,  distando  esta  villa  apenas 
30  kilometros  dá  de  S.  Pedro  do  Sul,  quan- 
do para  ali  se  dirigem  e  dispõem  de  meios, 
costumam  seguir  na  diligencia  até  á  estação 
d'Ovar,  distante  cerca  de  40  kilometros;  de- 
pois pela  linha  do  norte  até  à  estação  d'Es- 
tarreja,  distante  13  kilometros, — e  d'ali  em 
diligencia  para  S.  Pedro  do  Sul,  distante  78 
kilometros  d'Estarreja,  preferindo  este  lon- 
go percurso  de  131  kilometros  ao  de  30 
atravez  da  montanha. 

1  A  rainha  Santa  Mafalda  vivia  então  no 
convento  d'Arouca,  a  pequena  distancia  da 
grande  serra,— convento  hoje  fechado,  por 
haver  fallecido  a  ultima  religiosa.  Apenas 
n'elle  vivem  algumas  criadas;  e  a  egreja  foi 
arvorada  em  matriz  da  parochia,  por  con- 
cessão do  governo. 

V.  Arouca  n'este  diccionario  e  no  supple- 
mento. 


emquanto  que  a  de  Albergaria  das  Cabras 
foi  sempre  rachitica  e  hoje  conta  apenas  33 
fogos  e  140  habitantes,  pelo  que  não  pôde 
sustentar  a  sua  autonomia  e  foi  administra- 
tivamente annexa  à  parochia  do  Burgo,  dis- 
tante cerca  de  10  kilometros  para  N.i 

Também  na  dieta  serra  se  acoitavam  sal- 
teadores, que  roubavam  e  por  vezes  mata- 
vam os  viandantes.  Ainda  pelos  annos  de 
1834  Domingos  Baptista,  de  Villa  Real  do 
Trai  os  Montes,  mas  residente  em  Viseu, 
roubou  e  matou  José  dos  Santos  na  dieta 
serra  de  Manhouce,  pouco  depois  de  haver 
roubado  e  matado  outro  homem  na  cidade 


1  Em  Albergaria  das  Cabras  apenas  co- 
lhem milho  e  senteio,  criam  vaccas  e  cabras 
e  fazem  manteiga,  que  vendem  para  o  Porto. 

Aa  casas  são  todas  humildes,  com  tectos 
de  palha  e  lousa.  Os  leitos  mais  luxuosos 
são  uma  espécie  de  lagaretas  de  taboas  li- 
sas; enchem-nas  de  palha  solta  e  n'ella  se 
deitam  e  dormem  sem  lençoes,  mas  cober- 
tos unicamente  por  mantas  de  burel  e  de 
farrapos?! . . . 

A  matriz  é  uma  pequena  e  pobre  capella 
nua,  sem  sacrário  nem  Santíssimo  perma- 
nente. O  capellão  mora  a  distancia  de  10  ki- 
lometros, junto  da  villa  de  Arouca. 

A  freguezia  comprehende  as  aldeias  se- 
guintes: Albergaria  das  Cabras  com  20  fo- 
gos; Castanheira,  a  2  kil.,  com  8  fogos;  Ca- 
baços a  1  kil.  com  3  fogos— e  Misaretla,  a 
2  kil.,  com  2  fogos,  —  todas  dispersas  pela 
montanha  e  constantemente  visitadas  pelos 
lobos. 

Vade  retrol... 

Junto  da  Misaretla  nasce  o  rio  Caima, 
que  ali  fctrma  uma  linda  cascata,  despenhan- 
do-se  de  grande  altura  sobre  um  poço  mui- 
to fundo,  onde  ha  bom  peixe,  nomeadamen- 
te trutas  deliciosas,  que  abundam  na  dieta 
ribeira. 

Esta  cascata  da  Misaretla  recorda  as  cas- 
catas do  mesmo  nome,  que  ha  na  serra  do 
CaramuUo  e  em  outros  pontos  do  nosso 
paiz. 

V.  Misaretla,  tomo  5.  pag.  338. 

De  passagem  diremos  que  o  nome  de  Mi- 
sarella  vem  de  mijarella,  como  o  povo  d'A/- 
bergarta  das  Cabras  ainda  hoje  denomina  a 
sua  cascata,  porque  a  agua,  caindo  de  gran- 
de altura,  ó  levada  pelo  vento,  como  chuva 
tenuissima,  até  grande  distancia  —  muitas 
vezes. 


2024  VOU 


VOU 


de  Viseu,  pelo  que  o  juiz  de  Vouzella,  em  9 
de  julho  de  1836,  o  condemnou  a  pena  ulti- 
ma e  foi  enforcado  no  Porto  em  23  de  julho 
de  1838,  havendo  por  essa  occasião  grande 
moliro,  porque,  depois  de  justiçado  e  no 
momento  em  que  lançavam  o  cadáver  á  se- 
pultura, abriu  os  olhos  e  deu  signaes  de  vi- 
da— com  assombro  das  auctoridades  e  da 
irmandade  da  Misericórdia,  que  o  acompa- 
nhavam, bem  como  da  grande  multidão  que 
seguia  o  préstito.  Foi  levado  em  observação 
para  o  hospital  da  Misericórdia,  mas,  cons- 
tando que  abriam  as  veias  ao  infeliz,  o  povo 
amotinou-se  e  tentou  invadir  o  hospital, 
sendo  mister,  para  conter  o  povo,  mostra- 
rem-lhe  de  uma  janella  o  pobre  justiçado, 
etc,  etc. 

Ainda  hoje  vivem  no  Porto  pessoas  fide- 
dignas que  presenciaram  e  me  contaram  fa- 
cto tão  estranho. 

V.  Victoria,  fffguezia  do  Porto,  vol.  10, 
pag.  604,  col.  2  •  e  segg.  onde  narrei  o 
facto  minuciosamente. 

A  serra  de  Manhouce  tem  pois  também 
lendas  e  paginas  de  sangue,  como  a  da  Fal- 
perra,  no  Minho,  a  de  Qainlella,  no  Douro, 
e  a  de  Villa  Boim,  no  Alemtejo. 


Ha  muito  que  se  traeta  de  construir  uma 
nova  estrada  directa  de  Viseu  ao  Porto.  Já 
está  feita  e  servida  por  diligencias  desde  o 
Porto  ate  Rossas,  margem  direita  do  Arda, 
onde  entronca  na  de  Arouca, — seguindo  pe- 
los Carvalhos,  Gorga,  Cedofeita,  S.  Vicente, 
Cabeçaes  e  Mansores. 

Também  já  está  feita  de  Viseu  até  á  Tra- 
pa e  anda  em  construcção  da  Trapa  até  á 
Farrapa  e  Rossas,  seguindo — não  pela  ser- 
ra, como  a  antiga,  mas  contornando -a  a  O. 
pelas  proximidades  da  villa  de  Cambra, 
cortando  junto  da  Farrapa  a  estrada  d'Arou- 
ca  a  Oliveira  d'Azemeis  pelo  valle  de  Cam- 
bra, já  construída  e  servida  por  diligencias, 
— e  a  estrada  em  construcção  d*01iveira  de 
Azeméis  á  Farrapa  e  Arouca  também,  por 
Carregosa,  terra  natal  do  sr.  D.  Manoel  Cor- 
rela  de  Bastos  Pina,  actual  bispo-conde. 


A  carne  e  o  sal 

Em  1886  deu-se  um  facto  estranho  que 
muito  prejuízo  cauâou  em  vários  pontos  do 
nosso  paiz,  nomeadamente  nos  districtòs  da 
Guarda  e  de  Viseu  e  a'esta  còmarca  de  Vou- 
zella. • 

O  pingue  e  a  carne  de  porco  desfizeram- 
se  e  desappareceram  em  muitas  salgadeiras, 
aitribuindo-se  este  phenomeno  ao  sal.  Elie 
era  das  nossas  marinhas,  considerado  mui- 
to bom,  mas  suppSe-se  que  os  marnétos  lhe 
haviam  addiecionado  cal\ ... 

Em  uma  correspondência  de  Vouzella, 
com  data  de  11  d'abril  do  dieto  anno,  se  lia 
o  seguinte: 

iPor  todos  estes  sítios  de  Lafões  também 
se  consumiu  muita  carne  de  porco  nas 
salgadeirasy  ficando  só  o  couro  e  o  ossoi  e 
em  algumas  casas,  quando  foram  a  tirál  a 
do  sal,  já  estava  meia  consumida! 

Em  Cambra,  Carvalhal  de  Vermilhas,  Al- 
cofra,  Ventoza  e  outras  freguezias,  muitos 
lavradores  tinham  quatro  a  cinco  porcos  na 
salgadeira  e  ficaram  sem  nada;  outros,  ao 
contrario,  foram  para  os  levantar  do  sal  e 
acharam  tudo  em  bom  estado. 

A  carne  que  appareceu  consumida  não 
tinha  mau  cheiro;  o  unto  também  se  desfez 
ficando  sò  a  pellicula,  e  o  pingue  foram  dar 
com  elle  desfeito  em  agoa  nos  potesi 

Não  se  sabe  a  que  attribuír  isto,  vistosa 
carne  não  exhalar  mau  chei.ro. 

Também  é  certo  que  em  algumas  salga- 
deiras a  carne  não  se  consumiu;  ou  lhe 
accudiram  a  tempo  ou  então  o  mal  está  na 
qualidade  do  sal  empregado. 

Dar-se-ha  caso  que  seja  também  falsifi- 
cado? 

Se  o  é,  a  falsificação  appareceu  depois  do 
augmento  dos  tributos  lançados  áqueile  gé- 
nero.» 

Effectívamente  n'aquelle  anno  o  nosso  gor 
verno  havia  lançado  um  forte  imposto  so- 
bre o  sal,  imposto  que  achou  grave  resis- 
tência, pelo  que  foi  abolido  e  não  mais  se 


vou 


vou  2025 


repeliu  o  phenomeno  do  desapparecimento 
da  cai^ne  de  porco,  salgada  com  elle. 

Foraes 

A  Villa  de  Vomella  tiunca  tévi  foral  pró- 
prio— nem  velho,  nem  novo. 

O  concelho  de  Lafões  lambem  nunca  teve 
foral  velho,  mas  somente  foral  novo,  que 
ainda  se  conserva,  embora  muito  deteriora 
do,  no  archivo  da  câmara  de  Vouzella. 

V.  Lafões. 

A  Villa  do  Banho  teve  foral  velho,  dado 
por  D.  Affonso  Henriques  em  agosto  de  H52 
e  confirmado  por  D.  Affonso  II  em  outubro 
de  1217;  mas  o  dieto  foral  era  restricto  á 
mencionada  villa,  como  pôde  ver-se  no  Por- 
tugaliae  Monnmenía,  1.  Foralia,  pag.  382, 
onde  se  encontra  na  sua  integra. 

V.  Banho,  tomo  1.»  pag.  317. 

As  villas  de  Oliveira  de  Frades  e  S.  Pedro 
do  Su/ lambem  nunca  tiveram  íoM  velho 
nem  novo-,  apenas  a  villa  do  Sul  teve  foral 
novo,  dado  por  D.  Manoel  a  4  d'abril  de 
1514. 

V.  Sul,  vol.  9.»  pag.  463,  coí.  2.»  e  S.  Pe- 
dro do  Sm/  no  mesmo  vol.  pag.  17,  fcol.  1.» 

O  meu  benemérito  antecessor  deU  ás  villas 
do  Sul  e  S.  Pedro  do  Sul  o  mesmo  foral  de 
D.  Manoel,  mas  eu  supponho  que  pertence 
á  villa  do  Sul  e  não  à  de  S.  Pedro  do  Sul. 

Franklin  na  sua  Memoria  apenas  escreve 
Sul.  Convém  ler  o  foral  para  se  dirimir  a 
questão. 

ARMAS  DE  VOUZELLA 
OU  DO  CONCELHO  DE  LAFÕES 

O  sr.  Vilhena  Barbosa  nas  Cidades  e  Vil- 
las . . .  não  dá  brasão  d'armas  a  Lafões  nem 
Vouzella.  Também  não  se  encontra  em  um 
formoso  e  luxuoso  livro  que  possuo,  anony- 
mo  e  sem  data,  líias  com  muitos  brasões  das 
nossas  villas  e  cidades,  bem  desenhados  e 
coloridos;  enconlra-se  porem  no  códice  n". 
273  da  Biblioiheca  Municipal  portuense^  um 


1  Iií titula- se^Ar/e  de  Armaria  e  BrazÕes  de 
Cidades  é  Villas  de  Portugal. 


lindo  brasão  d'armas  de  Lafões  (Vouzel- 
la) que  bem  desejávamos  dar  em  gravura. 
E'  o  seguinte: 

Escudo  sem  coroa;  no  plano  inferior  um 
semi  circulo  (talvez  representando  o  monte 
Lafão)  tendo  a  corda  ou  linha  do  diâmetro 
em  recta  horisontal  de  uma  á  outra  parede 
do  escudo;  sobre  o  vértice  do  semicírculo 
um  alto  Castello  ameiado  com  porta  d'arco 
de  volta  inteira;  no  1.»  plano  superior  4  se- 
teiras com  uma  janella  no  centro,  dando  às 
4  seteiras  fórma  de  santor.  No  plano  da  por- 
ta 2  estrellas  no  vão  do  escudo,  —  uma  de 
cada  lado  do  castello;  no  plano  das  seleiras 
e  no  mesmo  vão  do  escudo:— à  esquerda  do 
espectador  uma  meia  lua  com  as  pontas  vol- 
tadas para  o  castello  e  dentro  d'ellas  uma 
estrella;— á  direita  do  espectador  outro  se- 
micírculo mais  pequeno  do  que  o  da  base, 
cora  a  linha  horisontal,  ou  corda  do  diâme- 
tro, do  lado  superior,  partindo  do  meio  d'el- 
la  uma  Qor  de  liz. 

As  3  estrellas  são  de  6  pontas  e  nos  vãos 
iateraes  do  escudo,  a  meia  altura  do  castel- 
lo, tem  mais  de  'cada  lado  um  circulo  de 
pontos  com  um  ponto  no  centro. 

O  castello  ou  torre  tem  a  base  bastante 
larga  e  vae  apertando  gradualmente  ao  pas- 
so que  vae  subindo,  como  a  grande  torre 
Eiffel  de  Paris,  em  construcção  no  momen- 
to (fevereiro  de  1889). 

Em  plano  inferior  ao  diclo  brazão  lé-se 
o  seguinte: 

tO  concelho  de  Alafões  tem  por  armas  as 


E'  1  vol.  foi.  anonymo  e  sem  data,  mas 
em  lettra  do  sec.  xvn;  desenhos  á  penna  e 
pouca  ou  nenhuma  arte,  compreheodendo 
30  fólios  (alguns  em  branco)  sem  pagina- 
ção. 

O  autor  não  concluiu  a  obra,  mas  ainda 
assim  tem  merecimento  e  d'ella  pôde  ver-se 
uma  minuciosa  e  muito  conscienciosa  indi- 
cação no  Catalogo  dos  mss.  da  mencionada 
Biblioiheca,  publicado  em  1888  e  muito  in- 
telligentemente  feito  pelo  sr.  dr.  Eduardo 
Augusto  Allen,  l.»  offlcial  da  Biblioiheca, 
muito  illustrado,  zelosíssimo  e  digníssimo  a 
todos  03  respeitos. 


2026  VOU 


VOU 


que  aqui  se  vem,  e  d'ella8  usa  no  sello  da 
Camara  cõ  hu  letreiro  circular  que  diz: 

S.  CONCILII.  DE  AlAFÕES. 


Na  frente  do  edifício  do  tribunal  judicial 
de  Vouzella  estão  as  armas  reaes  portugue- 
zas  das  quinas  e  7  castellos  e  por  baixo  um 
escudo  com  o  mesmo  brasão  do  códice.  Ape 
nas  se  notam  as  differenças  seguintes: 

Tem  no  centro  do  escudo  um  castello 
ameiado,  do  meio  do  qual  sobe  uma  torre 
ameiada  também. 

O  Castello,  alem  da  porta  central,  tem 
duas  portas  mais  pequenas  em  dois  pe- 
quenos corpos  lateraes. 

A  torre  tem  4  frestas,  mas  em  vez  da  ja- 
nella  central,  tem  uma  estrella  que  lhes  dá 
a  fòrma  de  santor. 

A  meia  lua  e  a  estrella  estão  do  lado  di- 
reito do  espectador,  e  do  lado  esquerdo  a 
flor  de  liz  sobre  o  pequeno  semicírculo,  ten- 
do este,  como  o  da  base  do  castello,  a  corda 
horísontal  do  diâmetro  para  o  lado  inferior. 

Nada  mais— nem  os  2  círculos  de  pontos 
indicados  no  brazão  do  códice. 

As  estrellas  são  todas  de  8  pontas. 


A  camará  de  Vouzella  tem  2  pendões,  ou 
estandartes,  ambos  de  seda  encarnada;— um 
foi  feito  em  1867  e  tem  de  ambos  os  lados 
as  armas  reaes  portuguezas  das  quinas  e  7 
castellos  bordadas  a  ouro;  outro  é  antigo, 
bordado  a  matiz  e  cordões  de  seda,  tendo  de 
um  lado  as  armas  reaes  portuguezas  e  do 
outro  um  castello  encimado  por  uma  torre 
ameiada,  poisando  sobre  ella  uma  grande 
coroa  real. 

O  castello  tem  no  plano  inferior  uma  porta 
d'arco  de  volta  inteira  —  e  em  plano  supe- 
rior 3  frestas  ou  janellas;  —  a  torre  tem  no 
plano  inferior  uma  fresta  ou  seteira — e  em 
plano  superior  mais  3  frestas. 

O  todo,  exceptuando  a  corôa,  è  muito  se- 
melhante ao  do  castello  do  códice  nú,  sem 
poisar  no  semicírculo;  nota-se  porem  que, 


em  vez  das  4  frestas  em  santor  com  a  janel- 
la  ao  centro,  tem  6  frestas,—  3  em  cada  pla- 
no— e  a  meio  uma  outra;— total  7. 

Também  o  castello  e  a  torre  não  formam 
um  todo  compacto  como  no  bazão  do  códi- 
ce,—nem  Q  castello  tem  ameias  como  o  do 
brazão  do  tribunal.  Termina  em  uma  faxa 
saliente  de  pedra,  que  o  divide  da  torre. 

O  sello  actual  da  camará  é  de  fórma  oval; 
tem  no  centro  um  escudo  com  as  armas 
reaes  das  quinas  e  7  castellos,  ladeado  por 
duas  palmas  e  encimado  pela  corôa;  em  vol- 
ta a  legenda  seguinte: 

Lafões,  no  alto;  em  seguida: 

Municipalidade  de  Vouzella 


Não  sabemos  que  armas  e  sei  los  tem  e 
teve  a  camará  de  S.  Pedro  do  Sul,  que  re- 
presentou e  representa  a  parte  N.  do  antigo 
concelho  de  Lafões,  ou  a  margem  direita 
do  Vouga. 

Também  não  sabemos  que  armas  e  sel- 
lo linha  a  pobre  villa  do  Banho  que,  duran- 
te muitos  séculos,  foi,  como  já  dissemos,  a 
capital  de  todo  o  concelho  e  território  de 
Lafões. 

Passemos  a  outro  tópico. 

Preço  corrente  dos  géneros 
na  villa  e  concelho  de  Vouzella  em  Í888 


Milho   litros  i6',234,  réis 

Trigo  

Centeio  

Cevada  

Feijão  branco... 
Feijão  amarello. 
Feijão  fradinho. 
Vinho,  almude.. 


25,008 
pipa,  tinto,  20  almudes. 
»  branco  »  » 


440 
600 
400 
280 
600 
500 
500 
500 
10^000 
12^000 


Movimento  da  estação  telegrapho-postal 
de  Vouzella  no  anno  de  1888 

Telegrapho   120ÍOOO 

Emissão  de  vales   8:000^000 


vou 


vou  2027 


Fnnquias   1:0OOí;00O 

Registros  expedidos   iHOO 

Eocommendas  postaes  exped. . .  i20 
*            t     recebidas  230 
CorrespoDdencia  official,  expe- 
dida e  recebida   7:200 

Contribuições 

O  concelho  de  Vouzella  no  anno  econó- 
mico de  1887  a  1888  pagou  o  seguinte: 

Predial   4:859M83 

Industrial   997M67 

Renda  de  casas   'dOOMOS 

Sumptuária   103^:597 

Municipal—directa   2:896^1711 

—     —indirecta   1:450^1000 

Parochial   126íS541 

Districtal   693^210 

Decima  de  juros   818^638 

Verba  do  sello   83211755 

Reaid'Agua..   1:538^510 

Total   14:619^317 

Vouzellenses  illustres 

Este  tópico  podia  dar  um  grosso  volume, 
se  folheássemos  as  genealogias  das  muitas 
casas  nobres  da  villa  e  do  concelho  de  Vou- 
zella e  os  annaes  d'este  município  e  do  an- 
tigo concelho  de  Lafões,  cuja  capital  é 
actualmente  Vouzella,  mas  nunca  se  escre- 
veram os  ditos  annaes  e  não  lemos  á  mão 
aquellas  genealogias,  nem  podemos  alon- 
gar-nos  e  por  isso  apenas  indicaremos  os 
vouzellenses  seguintes: 

— S.  Fr.  Gil. 

Nasceu  em  1185  na  sua  nobre  casa  e 
quinta  da  Cavallaria;  foi  baptisado  na  egre- 
ja,  hoje  simples  eapella  de  S.  Martinho,  na 
extincta  villa  das  Caldas;  fallecen  no  con- 
vento dominicano  de  Santarém  a  14  de  maio 
de  1265 — e  jaz  em  Lisboa  na  eapella  do  pa- 
lácio dos  marquezes  de  Penalva,  seus  des- 
cendentes e  representantes. 

Para  evitarmos  repetições,  vejam-se  os 
tópicos  supra  Quintas  e  templos  e  n'este  dic- 
cionario  o  art.  Santarém,  tomo  8 .•  pag.  480 


col.  !.•— flnno  de  1265— c  pag.  540,  eol.  2.« 

Desde  a  canonisação  de  S.  Fr.  Gil  (abre- 
viatura de  Egidio)  a  fé  e  a  sympathia  dos 
vouzellenses  com  este  santo  foram  sempre 
tão  pronunciadas,  que  ainda  hoje  na  villa  e 
no  concelho  de  Vouzella  o  nomo  Gil  é  tri- 
vialissimo. 

— Alberto  Antonio  de  Moraes  Carvalho, — 
do  conselho  de  S.  M.,  bacharel  formado  em 
cânones  pela  Universidade  de  Coimbra,  ve- 
reador e  presidente  da  camará  municipal 
de  Lisboa,  deputado  ás  cortes  em  diflferen- 
tes  legislaturas,  par  do  reino,  ministro  dos 
negócios  ecclesiasticos  e  de  justiça,  conse- 
lheiro do  tribuDal  de  contas,  governador  ci- 
vil do  districto  de  Lisboa,  sócio  honorário 
do  Instituto  da  O.  dos  Advogados  brazilei- 
ros,  sócio  correspondente  da  Acad.  R.  das 
Sciencias  de  Lisboa  e  do  Instituto  histórico 
de  França,  distineto  advogado  e  distincto 
escriptor  publico,  gran  cruz  de  Leopoldo, 
da  Bélgica,  e  da  Rosa,  do  Brazil,  commen- 
dador  da  O.  de  Christo,  etc.  etc. 

Nasceu  na  villa  de  Vouzella  a  22  de  no- 
vembro de  1801  e  falleceu  em  Lisboa,  onde 
jaz  (no  cemitério  Occidental  ou  dos  Praze- 
res)  a  15  d'abril  de  1878. 

Foram  seus  paes: — Luiz  de  Moraes  Car- 
valho e  D.  Joaquina  Rosa  de  Moraes  Tor- 
res. 

Avós  paternos:  —  Luiz  dç  Moraes  Carva- 
lho e  D.  Quitéria  Thereza  de  Carvalho. 

Avós  maternos:— José  Fernandes  Torres 
e  D.  Joanna  Maria  Mogueirães. 


Casou  com  D.  Maria  Soares  de  Moraes  e 
teve  os  filhos  seguintes: 

— Adriano  Alberto  de  Moraes  Carvalho, 
hoje  (1889)  verificador  da  alfandega  de  Lis- 
boa. Solteiro. 

— Alberto  Antonio  de  Moraes  Carvalho, 
bacharel  formado  em  direito,  deputado  às 
cortes,  F.  C.  R.  etc,  casado  com  D.  Andra- 
lina  dos  Santos  Moraes  Carvalho. 

Tem  successão. 

— Leopoldo  Augusto  de  Moraes  de  Carva- 
lho, solteiro. 


2028  VOU 


VOU 


— D.  Amélia  Elvira  de  Moraes  Carvalho,  I 
casada  com  o  seu  primo  dr.  Alberto  Anto- 
nio de  Moraes  Carvalho  Sobrinho,  meáico  do 
Hospital  de  S.  José  e  delegado  de  Saúde,  em 
Lisboa. 

Tem  successão. 

— D.  Maria  Georgina  de  Moraes  Carvalho, 
solteira. 

— D.  Amélia  Eugenia  de  Moraes  Carvalho, 
viuva,  com  successão. 

São  estes  6  filhos  os  herdeiros  e  repre- 
sentantes do  nosso  biographado. 

Teve  elle  os  irmãos  seguintes: 

1.  "  Luiz  de  Moraes  Carvalho. 
Casou  e  teve: 

— Alberto  Antonio  de  Mo- 
raes Carvalho  supra,  casado 
com  sua  prima  D.  Amélia. 

— Padre  José  de  Moraes 
Carvalho  e 

— D.  Antónia  Elvira  de  Mo- 
raes Carvalho. 

2.  »  Thomaz  Antonio  de  Moraes  Carvalho, 
fallecido  sem  successão. 

3.  *  D.  Mariana  Carlotina  de  Moraes  Car- 
valho e  Gama. 

Casou  e  teve  os  filhos  seguintes: 

— Francisco  Antonio  da  Ga- 
ma; 

— Gil  Alcoforado  da  Gama  e 
Mello,  escrivão  da  vara  ci- 
vd  no  Porto,  onde  casou  e  vi- 
ve com  successão; 

— D.  Maria  da  Gloria,  já 
fallecida; 

— D.  Maria  José  Alcofora- 
do da  Gama  e  Mello,  ainda 
solteira,  e 

—D.  Maria  Adelaide,  já  fal- 
lecida. 

4.  *  D.  Maria  José  de  Moraes  Carvalho. 
Casou  e  teve  os  filhos  seguintes: 

— Dr.  Antonio  Augusto  Soa- 
res de  Moraes,  actualmente 
prior  na  freguezia  da  Ajuda, 
em  Lisboa; 

—D.  Maria  José  de  Mo- 
■  .  raes  Soares  e 

— D.  Eugenia  de  Moraes 
Soares. 


Em  1828,  estando  já  formado  em  cânones 
o  nosso  biographado,  abraçou  a  revolução 
liberal  da  junta  do  Porto  contra  o  governo 
do  sr.  D.  Miguel  e,  abortando  a  dieta  revolu- 
ção, emigrou  para  a  Hespanha ;  —  d'ali  foi 
para  a  Inglaterra  (Falmouth)  —  e  da  Ingla- 
terra para  o  Brazil. 

Quando  ali  chegou,  todo  o  seu  capital  era 
uma  simples  moeda  de  !0  réis,  moeda  que 
toda  a  vida  conservou  como  reliquia  sagra- 
da; mas  valeu-lhe  a  formatura,  o  patrimó- 
nio da  instrucção  que-  levava  corasigo. 

Estabeieeeu-se  logo  como  advogado  no 
Rio  de  Janeiro  e  taes  créditos  grangeou,  que 
adquiriu  pela  advocacia  a  maior  parte  da 
sua  grande  fortuna  até  o  anno  de  1848,  da- 
ta era  que  rt^gressou  a  Portugal,  depois  de 
longa  viagem  pela  Europa. 

Cora  relação  aos  seus  escriptos.  veja-se  o 
Diccionario  Bibi.  de  Innocencio.  tomo  1.»  pag. 
23,  e  a  continuação  pelo  sr.  Brito  Aranha, 
tomo  8.»  pag.  21. 


D'este  ligeiro  esboceto  biographico  se  vê 
que  Alberto  Antonio  de  Moraes  Carvalbio,— 
homem  de  superior  illusiração  e  cavallheiro 
honradíssimo, — foi  um  cidadão  benemérito, 
pelo  que  os  seus  patrícios  lhe  erigirann  no 
anno  de  1882  uma  estatua  de  bello  ma.rmo- 
re,  feita  no  Porto,  na  oíficina  de  An  tonio 
Coelho  de  Sá  e  Fernando  Correia  da  Silva, 
rua  dos  Lavadouros,  5  a  9,  e  cinzelad;a  pe- 
los artistas  Fernando  Correia  da  Sil  va  e 
Francisco  Antonio  Raposo. 

É  um  bom  trabalho,  copia  de  uma  plhoto- 
graphia. 

Está  um  pouco  deseançado  sobre  a  per- 
na esquerda,  o  rosto  muito  expressi-vò  e 
bem  parecido.  As  bordaduras  da  far'da,  a 
gran-cruz,  as  medalhas,  espadim,  chapéu  e 
livro  sobre  que  poqsa,  estão  bem  cinizela- 
dos. 

Ayres  de  Gouveia 

Uma  das  famílias  que  pelo  trabalho,,  pelo 
talento,  pela  illustração  e  pela  nobrejza  do 


vou 


vou  2029 


sea  caracter  tem  conquistado  mais  brilhan- 
te posição  e  mais  justa  consideração  na  vil- 
la  e  DO  concelho  de  Youzella  e  em  todo  o 
nosso  paiz,  nomeadamente  no  Porto  na  2.* 
metade  d'este  século,  é  sem  contestação  a  fa- 
mília Ayres  de  G«uveia,  oriunda  d'este  con-  j 
celho,— familia  que  nós  temos  a  honra  de 
conhecer  e  tracíar  desde  1851.  Seja  nos  li- 
cito, pois,  biographal-a  rudemente  a  nosso 
modo,  sem  lisonjas,  consignando  nomes, 
datas  e  factos  para  luz  da  posteridade,  re- 
sumindo quanto  possivel. 

Ella  não  conta  longa  serie  d'avós,  nem  se 
recommenda  pela  nobreza  herdada, — nobre- 
za alheia, — mas  pela  nobreza  própria,  con- 
quistada por  justos  titulos,  —  a  nobreza  da 
virtude,  do  trabalho  e  do  talento,— a  nobre- 
za  mais  invejável,  que  mais  honra  e  nobi- 
lita. 

Entremos  no  assumpto; 


Fructoso  José  da  Silva  Ayres,  patriar- 
cha  dVsta  familia,  nasceu  na  povoação  de 
Ventosa,  freguezia  d'este  nome,  pertencente 
ao  concelho  e  comarca  de  Vouzella,  aos  29 
de  março  de  1804.  Foi  para  o  Porto  como 
aprendiz  de  caixeiro  aos  dez  annos  de  ida- 
de, servindo  em  uma  loja  á  Porta  de  Car- 
ros,^ onde  passou  a  maior  parte  da  vida. 


1  Era  uma  das  portas  dos  velhos  muros 
do  Porto  na  confluência  da  Praça  Nova  e 
das  ruas  da  Madeira,  Santo  Antonio  e 
Bomjardim  com  o  largo  da  Feira  de  S. 
Bento,  rua  das  Flores,  ete. 

A  dieta  loja  estava  em  frente  da  egreja 
dos  Congregados  do  Oratório  e  pertencia  a 
um  pequeno  prédio  coUado  aos  velhos  mu- 
ros, prédio  que  foi  demolido  pela  camará 
do  Porto  em  1888,  para  alargamento  do  lo- 
cal. 

O  prédio  era  pequeno,  mas  o  sitio  era  de 
grande  movimento  e  óptimo  para  commer- 
cio. 

Do  lado  interior  dos  muros  estava  e  está 
ainda  hoje  (1889)  o  convento  das  freiras 
benedictinas,  que  vae  ser  demolido,  pará 
no  chão  e  cerca  d'elle  se  construir  a  esta- 
ção  central  do  Porto. 

YOLUMB  XI 


Era  1826,  contando  22  annos,  casou  com 
Maria  Maximina  de  Gouveia  Braga,  natural 
do  povo  de  Silvite  na  mesma  freguezia  da 
Ventosa,  e  nascida  em  igual  dia,  29  de  mar- 
ço de  1795,  tendo  então  ella  31  annos  de 
!  idade  ou  mais  9  do  que  elle.^ 

Era  uma  senhora  muito  piedosa  e  muito 
virtuosa. 

Houve  do  seu  casamento  oito  filhos,  to- 
dos nascidos  na  pequena  casa  da  Porta  dt 
Carros  e  todos  baptisados  na  freguezia  de 
Santo  Ildefonso,  a  que  n'es3e  tempo  perten- 
cia aquelle  siiio,  hoje  incorporado  na  fre- 
guezia da  Sé. 

Aquelles  oito  filhos  foram  pela  ordem  do 
nascimento  os  seguintes: 


1-0  —  jQgé  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia 
Osorio,  que  nasceu  a  11  de  maio  de  1857. 

Mostrando  logo  desde  os  primeiros  anãos 
uma  grande  vocação  para  as  lettras  e  mui- 
to amor  ao  estudo,  esforçou-se  o  pae  em 
ãuxilial-o  e  já  aos  14  annos  se  achava  ma- 
triculado em  mathematica. 

Fez  formatura  em  philosophia  e  medici- 
na na  Universidade  de  Coimbra,  obtendo 
prémios.  Ausentou-se  de  Portugal  durante 
mais  de  dois  annos,  frequentando  as  snm- 
midades  medicas  em  Paris  e  tomou  o  grau 
de  doutor  na  Universidade  de  Edimburgo. 

Foi  nomeado  professor  da  escola  medico- 
cirurgica  do  Porto  em  1858  e  regeu  a  sua 
cadeira  de  hygiene  com  muita  proficiência. 

Associando-se  com  seu  pae  e  seu  irmão 
Francisco,  tomou  parte  no  negocio  da  casa, 
uma  das  casas  de  vinhos  mais  importante 
e  mais  acreditada  entre  todas  as  do  Porto.^ 


1  O  visconde  de  Villa  Mendo  —  Antonio 
de  Gouveia  Osorio— é  parente  muito  próxi- 
mo da  dieta  senhora. 

V.  Villa  Mendo,  tomo  II»  pag.  797, 
col.  2.« 

2  O  velho  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia, 
que  ea  muito  bem  conheci,  era  de  mediana 
estatura,  muito  modesto  e  muito  honrado., 
pelo  que,  mesmo  nas  grandes  crises  da  pra- 

128 


mo  voB 


vou 


Foi  director  da  associação  commereial  do 
Porto  e  da  associação  industrial,  sócio  fuD* 
dador  e  1."  presidente  da  sociedade  d'ins- 
trucção,  etc. 

Casou  em  16  de  julho  de  1866  com  D. 
Virgínia  de  Brito  e  Cunha,  Qlha  de  D.  Car- 
lota de  Roure  e  de  João  Eduardo  de  Brito  e 
Cunha,  de  Mattosinbos,  e  houve  d'ella  3  Q- 
lhos: — Frucuoso,  que  naorreu  com  poucos 
dias  de  idade;— /ose,  que  falleceu  na  Foz  em 
29  de  janeiro  de  1884,  aos  15  annos  de  ida- 
de, tendo  nascido  a  9  de  julho  de  1868, — e 
Maria  Benedicta,  qne  existe  e  nasceu  em  30 
de  novembro  de  1869. 

Caracter  integerrimo^  o  dr.  José  Fructuo- 
so grangeou  estima  profunda  entre  os  seus 
concidadãos.  Liberal  convicto  e  progressis- 
ta honesto  e  dedicado,  serviu  o  povo,  cujo 
era  filho. 

Ainda  antes  de  completar  os  20  annos  de 
idade,  em  1847,  no  teirpo  da  Junta  do  Por- 
to, auxiliou  a  fundação  do  Ecco  Popular, 
jornal  progressista  de  grande  nomeada,  em 
que  coliaborou  ao  lado  dos  beneméritos  pa- 
triotas irmãos  Passos.^ 

Desde  então  nunca  deixou  de  advogar  os 
interesses  do  sua  terra  com  a  penna  ou 
com  a  palavra,  em  opúsculos  ou  em  jor- 
naes. 

As  questões  dos  expostos  e  creanças  aban- 
donadas, a  do  Ásylo  da  Mendicidade,  onde 
•foi  sollicito  provedor,  e  outras  mereceram- 
lhe  as  maiores  dedicações. 

A  ideia  inicial  de  dois  taboleiros  na  pon- 
te D.  Luiz  partiu  d'ellee  insinuou-a  em  ar 
tigo  anonymo. 

A  collocação  da  estação  na  Granja,  ori- 
ginando assim  aquella  formosa  praia,  conse- 
guiua  elle. 


ça  do  Porto,  as  suas  lettras  corriam  como 
ouro,e  assinf  correram  sempre  e  correm 
hoje  ainda,  porque  os  filhos  não  degenera- 
ram. 

Qui  viget  in  foliis  venit  e  radicWus  humorl 
1  V.  Bouças  de  Mattosinhos,  tíuifões  e 
Porto. 

O  dicto  jornal  foi  fundado  por  José  Lou- 
renço de  Sousa,  que  acabava  de  36r  caixeiro 
oa  casa  de  Fructuoso  Ayres. 


Falleceu  na  manhã  de  23  d'ago3toto  de 
1887  de  morte  repentina,  sendo  presidedente 
da  camará  municipal  do  Porto,  par  do  d  rei- 
no electivo  pela  mesma  cidade,  sócio  da  la  fir- 
ma social  com  seu  irmão  Francisco  —  e  e  an- 
dava publicando  peia  imprensa  as  liçõeses  do 
seu  curso  de  hygiene  e  o  projecto  do  CcCodi- 
go  Sanitário  porluguez,  de  que  deixou  u  im- 
pressos os  primeiros  4  titulos  com  132  a  arti- 
gos e  o  plano  completo  com  21  titulosos,  — 
missão  de  que  foi  encarregado  pelo  goveverno 
em  portaria  de  25  de  janeiro  de  1882,  p  por- 
taria muito  honrosa,  terminando  por  e.<  estes 
termos:  >0  que  se  communica  ao  referendo 
lente  para  sua  intelligencia,  e  para  que  te  as- 
sim o  cumpra,  como  é  de  esperar  da  a  sua 
competência  e  provado  zèlo  no  serviçoço  do 
estado.* 

Note-se  que,  sendo  José  Fructuoso  munuito 
progressista,  foi  encarregado  da  dieta  c(  com- 
missão  pelo  governo  regenerador,  prova  ia  ine- 
quívoca do  relevante  mérito  e  da  singugular 
competência  do  finado. 

A  manifestação  publica  pela  sua  morte  te  foi 
tão  espontânea  e  larga  como  dolorosissiisima. 

Cavalheiro  muito  illustrado,  muito  hononra- 
do  e  muito  considerado — era  um  justo.  i. 

Possuia  em  Vouzella  a  quinta  de  Lai.amas 
que  lhe  legara  seu  padrinho  José  Fernrnan- 
des,  a  principio  patrão  e  depois  sócio  io  de 
seu  pae;  —  adquiriu  ali  varias  outras  pi  pro- 
priedades—  e  comprazia-se  em  viver  r  em 
Vouzella,  onde  o  estimavam  e  queriam  m  co- 
mo amigo  dedicado,  pae  e  protector,  p  pois 
folgava  sempre  em  engrandecer  Vouzazella 
por  todos  os  modos.  A  elle  se  deve  a  estestra- 
da  districtal  em  construcção  de  Viseu  a  (a  Oli- 
veira do  Bairro  por  Vouzella,  e  longos  anannos 
se  empenhou  na  construcção  de  uma  lii  linha 
férrea  entre  o  Porto  e  Viseu  pelo  valle  le  do 
Vouga,  tocando  em  Vouzella.  Fez  com  a  que 
a  associação  commereial  do  Porto  repepre- 
sentasse  ao  governo  pedindo  a  menciononada 
linha  e,  se  elle  vivesse,  talvez  desviasse  }e  pa- 
ra o  valle  do  Vouga  a  linha  estudada  e  e  de- 
cretada entre  o  Porto  e  Viseu  pelo  valle  lie  do 
Paival ... 


vou 


vou  2029 


seu  caracter  tem  conquistado  mais  brilhan- 
te posição  e  roais  justa  consideração  na  vil- 
la  e  no  concelho  de  Vouzella  e  em  todo  o 
nosso  paiz,  nomeadamente  no  Porto  na  2  * 
metade  d'este  século,  é  sem  contestação  a  fa- 
mília Ayres  de  Gouveia,  oriunda  d'este  con- 
celho,—- família  que  nós  temos  a  honra  de 
conhecer  e  tractar  desde  1851.  Seja  nos  li- 
cito, pois,  biographal-a  rudemente  a  nosso 
modo,  sem  lisonjas,  consignando  nomes, 
datas  e  factos  para  luz  da  posteridade,  re- 
sumindo quanto  possivei. 

Ella  não  conta  longa  serie  d'avós,  nem  se 
recommenda  pela  nobreza  herdada, — mbre- 
za  alheia, — mas  pela  nobreza  própria,  con- 
quistada por  justos  titulos,  —  a  nobreza  da 
virtude,  do  trabalho  e  do  talento,— a  nobre- 
za mais  invejável,  que  mais  honra  e  nobi- 
lita. 

Entremos  no  assumpto: 


Fructoso  José  da  Silva  Ayres,  patriar- 
cha  d'esta  familia,  nasceu  na  povoação  de 
Ventosa,  freguezia  d'esie  nome,  pertencente 
ao  concelho  e  comarca  de  Vouzella,  aos  29 
de  março  de  1804.  Foi  para  o  Porto  como 
aprendiz  de  caixeiro  aos  dez  annos  de  ida- 
de, servindo  em  uma  loja  á  Porta  de  Car- 
ros,^ onde  passou  a  maior  parte  da  vida. 


1  Era  uma  das  portas  dos  velhos  muros 
do  Porto  na  confluência  da  Praça  Nova  e 
das  ruas  da  Madeira,  Santo  Antonio  e 
Bomjardim  com  o  largo  da  Feira  de  S. 
Bento,  rua  das  Flores,  etc. 

A  dieta  loja  estava  em  frente  da  egreja 
dos  Congregados  do  Oratório  e  pertencia  a 
um  pequeno  prédio  collado  aos  velhos  mu- 
ros, prédio  que  foi  demolido  pela  camará 
do  Porto  em  1888,  para  alargamento  do  lo- 
cal. 

O  prédio  era  pequeno,  mas  o  sitio  era  de 
grande  movimento  e  óptimo  para  commer- 
cio. 

Do  lado  interior  dos  muros  estava  e  está 
ainda  hoje  (1889),  o  convento  das  freiras 
benedictinas,  que  yae  ser  demolido,  para 
no  chão  e  cerôa  d'èlle  se  construir  a  esta- 
ção central  do  Porto. 

YOLUMB  XI 


Em  1836,  contando  22  annos,  casou  com 
Maria  Maximina  de  Gouveia  Braga,  natural 
do  povo  de  Silvite  na  mesma  freguezia  da 
Ventosa,  e  nascida  em  igual  dia,  29  de  mar: 
ço  de  1795,  tendo  então  ella  31  annos  de 
idade  ou  mais  9  do  que  elle.^ 

Era  uma  senhora  muito  piedosa  e  muito 
virtuosa. 

Houve  do  seu  casamento  oito  filhos,  to* 
dos  nascidos  na  pequena  casa  da  Porta  de 
Carros  e  todos  baptisados  na  freguezia  de 
Santo  Ildefonso,  a  que  n'esâe  tempo  perten- 
cia aquelle  sitio,  hoje  incorporado  na  fre- 
guezia da  Sé. 

Âquelles  oito  filhos  foram  pela  ordem  do 
nascimento  os  seguintes: 


1-°  —  José  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia 
Osorio,  que  nasceu  a  11  de  maio  de  1857. 

Mostrando  logo  desde  os  primeiros  anãos 
uma  grande  vocação  para  as  lettras  e  mui- 
to amor  ao  estudo,  esforçou-se  o  pae  em 
auxilial-o  e  já  aos  14  annos  se  achava  ma- 
triculado em  malhematica. 

Fez  formatura  em  philosophia  e  mediei* 
na  na  Universidade  de  Coimbra,  obtendo 
prémios.  Ausentou-se  de  Portugal  durante 
mais  de  dois  annos,  frequentando  as  sum* 
midades  medicas  em  Paris  e  tomou  o  grau 
de  doutor  na  Universidade  de  Edimburgo» 

Foi  nomeado  professor  da  escola  medico- 
cirurgica  do  Porto  em  1858  e  regeu  a  sua 
cadeira  de  hygiene  com  muita  proficiência. 

Associando-se  com  seu  pae  e  seu  irmão 
Francisco,  tomou  parte  no  negocio  da  casa, 
uma  das  casas  de  vinhos  mais  importante 
e  mais  acreditada  entre  todas  as  do  Porto.^ 


1  O  visconde  de  Villa  Mendo  —  Antonio 
de  Gouveia  Osorio— é  parente  muito  próxi- 
mo da  dieta  senhora. 

V.  Villa  Mendo,  tomo  11  •  pag.  797, 
col.  2.* 

2  O  velho  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia, 
que  ea  muito  bem  conheci,  era  de  mediana 
estatura,  muito  modesto  e  muito  honrado, 
pelo  que,  mesmo  nas  grandes  crises  da  pra- 

128 


2030  VOU 


VOU 


Foi  director  da  associação  comaiereial  do 
t*orto  e  da  associação  iodustrial,  sócio  fun- 
dador e  l."  presidente  da  sociedade  d'iDS- 
tfucçào,  etc. 

Casou  em  16  de  julho  de  1866  com  D. 
Yirgiuia  de  Brito  e  Cuntia,  filha  de  D.  Car- 
lota de  Ronre  e  de  João  Eduardo  de  Brito  e 
CuDha,  de  Mattosiuhos,  e  houve  d'elia  3  fi- 
lhos:— Fructuoso,  que  morreu  cora  poucos 
dias  de  idade;-- -/oíc,  que  falleceu  na  Foz  em 
29  de  janeiro  de  1884,  aos  15  annos  de  ida- 
de, tendo  nascido  a  9  de  julho  de  1868, — e 
Maria  Benedicta,  qne  existe  e  nasceu  em  30 
de  novembro  de  1869. 

Caracter  integerrimo,  o  dr.  José  Fructuo- 
so grangeou  estima  profunda  entre  os  seus 
concidadãos.  Liberal  convicto  e  progressis- 
ta honesto  e  dedicado,  serviu  o  povo,  cujo 
era  filho. 

Ainda  antes  de  completar  os  20  annos  de 
idade,  em  1847,  no  tempo  da  Junta  do  Por- 
to, auxiliou  a  fundação  do  Ecco  Popular, 
jornal  progressista  de  grande  nomeada,  em 
que  collaborou  ao  lado  dos  beneméritos  pa- 
triotas irmãos  Passos.i 

Desde  então  nunca  deixou  de  advogar  os 
interesses  do  sua  terra  com  a  penna  ou 
com  a  palavra,  em  opúsculos  ou  em  jor- 
naes. 

As  questões  dos  expostos  e  creanças  aban- 
donadas, a  do  Asylo  da  Mendicidade,  onde 
foi  soUicito  provedor,  e  outras  mereceram- 
lhe  as  maiores  dedicações. 

A  ideia  inicial  de  dois  taboleiros  na  pon- 
te D.  Luiz  partiu  d'ellee  insinuou-a  em  ar 
tigo  anonymo. 

A  coiloeação  da  estação  na  Granja,  ori- 
ginando assim  aquella  formosa  praia,  conse- 
guiu  a  elle. 


ça  do  Porto,  as  suas  lettras  corriam  como 
ouro  e  assim  correram  sempre  e  correm 
hoje  ainda,  porque  os  filhos  não  degenera- 
ram. 

Qiii  viget  in  foliis  venit  e  radicibus  hutnorl 
^  V.  Bouças  de  Mattosinhos,  tíuifões  e 
Porto. 

O  dicto  jornal  foi  fundado  por  José  Lou- 
renço de  Sousa,  que  acabava  de  ser  caixeiro 
na  casa  de  Fructuoso  Ayres. 


Falleceu  na  manhã  de  23  d'agosto  o  de 
1887  de  morte  repentina,  sendo  presideiente 
da  camará  municipal  do  Porto,  par  do  d  rei- 
no electivo  pela  mesma  cidade,  sócio  da  a  fir- 
ma social  com  seu  irmão  Francisco  —  e  e  an- 
dava publicando  pela  imprensa  as  liçõesís  do 
seu  curso  de  hygiene  e  o  projecto  do  CcCodi- 
go  Sanitário  portuguez,  de  que  deixou  ii  im- 
pressos os  primeiros  4  titulos  com  132  a  arti- 
gos e  o  plano  completo  com  21  titulos^s,  — 
missão  de  que  foi  encarregado  pelo  govererno 
em  portaria  de  25  de  janeiro  de  1882,  p  por- 
taria muito  honrosa,  terminando  por  e^estes 
termos:  >0  que  se  communica  ao  referendo 
lente  para  sua  intelligencia,  e  para  que  e  as- 
sim o  cumpra,  como  é  de  esperar  da  a  sua 
competência  e  provado  zêlo  no  serviçop  do 
estado.* 

Note-se  que,  sendo  José  Fructuoso  muauito 
progressista,  foi  encarregado  da  dieta  cccom- 
missão  pelo  governo  regenerador,  prova  h  ine- 
quívoca do  relevante  mérito  e  da  singu^ular 
competência  do  finado. 

A  manifestação  publica  pela  sua  morte  te  foi 
tão  espontânea  e  larga  como  dolorosissioima. 

Cavalheiro  muito  illustrado,  muito  honinra- 
do  e  muito  considerado — era  um  justo. 

Possuia  em  Youzella  a  quinta  de  Lammas 
que  lhe  legára  seu  padrinho  José  Fernrnan- 
des,  a  principio  patrão  e  depois  soeio  o  de 
seu  pae;  —  adquiriu  ali  varias  outras  p  pro- 
priedades—e comprazia-se  em  viver  r  em 
Youzella,  onde  o  estimavam  e  queriam  o  co- 
mo amigo  dedicado,  pae  e  protector,  p  pois 
folgava  sempre  em  engrandecer  Youzazella 
por  todos  os  modos.  A  elle  se  deve  a  estistra- 
da  districtal  em  construcção  de  Yiseu  a  (a  Oli- 
veira do  Bairro  por  Youzella,  e  longos  aninnos 
se  empenhou  na  construcção  de  uma  liilinha 
férrea  entre  o  Porto  e  Viseu  pelo  valle  e  do 
Youga,  tocando  em  Youzella.  Fez  com  q  que 
a  associação  commercial  do  Porto  repspre- 
sentasse  ao  governo  pedindo  a  mencionsnada 
linha  e,  se  elle  vivesse,  talvez  desviasse  je  pa- 
ra o  vaile  do  Youga  a  linha  estudada  e  e  de- 
cretada entre  o  Porto  e  Yiseu  pelo  valle  le  do 
Paivat . . . 


vou 


vou  2031 


Janto  ao  carneiro  da  família  Ayres  de 
Gouveia,  do  cemitério  d'Agramonte  {Occi- 
dental do  Porto)  onde  repousam  seus  paes, 
o  dr.  José  Fructuoso,  por  determinação  ex- 
pressa, jaz  em  sepultura  rasa,  teodo  ao  la- 
do os  seus  dois  filhos,  no  cemitério  privati- 
vo da  celestial  ordem  do  Carmo,  de  que  era 
irmão. 


2.°— D.  Antonio  Ayres  de  Gouveia. 

Nasceu  a  13  de  setembro  de  1828,  em 
tempos  de  violenta  agitação  politica.  Anda- 
dos poucos  mezes,  ejcerciam  os  carrascos 
na  Praça  Nova  do  Porto  o  seu  sanguinário 
o£Qcio.  Das  janellas  da  sua  casa  viam-se  as 
duas  forcas— e  à  volta  dos  4  annos,  fechado 
o  cerco  do  Porto,  levava  o  seu  pae  atravez 
das  linhas  para  o  pôr  a  salvo  na  próxima 
povoação  de  Fânzeres.  D'ali  foi  para  Vou- 
zeila  e  só  regressou  á  cidade  depois  da  con- 
venção d'Evora  Monte. 

Frequentou  as  primeiras  lettras  com  seus 
irmãos  na  rua  do  Laranjal,  em  escola  parti- 
cular do  professor  Francisco  José  Pereira 
Leite,  sendo  um  dos  seus  condiscípulos  o 
actual  professor  de  pintura  hiàtorica  jubila- 
do Francisco  José  Rezende. 

Finda  a  instrucção  primaria,  seguiu  com 
seu  irmão  José  o  estudo  de  latim  no  colle- 
gio  da  Lapa,  sendo  director  o  professor  José 
Joaquim  Pereira  d'Almeida  Yasconcellos. 
Transferido  este  para  Traz  da  Sé,  ali  conti- 
nuou a  latinidade  e  principiou  o  francez 
com  José  Athanasio  Mendes.  Teve  por  con- 
discípulos o  actual  sr.  conde  de  Samodães  e 
o  dezembargador  Joaquim  d' Almeida  Cor- 
reia Leal. 


Destinado  á  vida  commercial,  apenas  pô- 
de, principiou  a  fazer  serviço  no  mostrador 
da  loja  de  seu  pae  e  aos  14  annos  de  idade, 
— em  abril  de  1843 — entrou  por  caixeiro  na 
casa  iogleza  de  Thomaz  P.  Chassereau,  de 
Londres,  que  de  Lisboa  fôra  estabelecer-se 
no  Porto.  Era  uma  casa  de  consignações, 
predominaDdo  fazendas  brancas  e  drogaria, 
janto  á  egreja  de  S.  Nicolau,  na  rua  dos  In- 


glezes,  hoje  rua  do  Infante  D.  Henrique. 
N'ella  serviu  mais  de  sete  annos,  trocando 
então  a  caireira  com  seu  irmão  Joaquim, 
que  o  substituiu,  dando-se  já  desde  o  come* 
ço  de  1850  ao  estudo  de  preparatórios  para 
a  Universidâde. 

Durante  aquelle  periodo  de  caixeiro  foi 
empregando  por  vezes  algumas  horas  em 
leituras  curiosas. 

Nos  fins  de  1846  toraou-o  a  serviço  a 
Junta  do  Porto.  Recebeu  armamento  e  cor- 
reame e  aprendeu  exercício  militar. 

Em  1848  a  1849  appareceram  anonymos 
alguns  poemetos  heroe  cómicos.  Altribui- 
ram-lhe  os  intitulados  Os  ratos  da  alfande- 
ga de  Pantana  e  As  Commendas.  O  primei- 
ro d'este8  foi  ulteriormente  imputado  ao  dr. 
e  depois  dezémbargador  Camillo  Aureliano.^ 

Em  outubro  de  1850  apresentou-se  a;  exa- 
mes de  preparatórios  em  Coimbra  e  ficou 
reprovado  no  de  latim,  mas  até  julho  de 
1851  habilítou  se  para  fazer,  como  fez,  to- 
dos os  preparatórios  que  lhe  faltavam  e  tra- 
duziu para  verso  portuguez  os  4  livros  de 
elegias  do  poeta  Tibullo  e  grande  parte  de 
Catullo  e  de  Propercio.  Aquellas  imprimi- 
ram se  no  Instituto,  do  vol.  v  em  diante. 


Em  1851  raatriculou-se  no  1."  anno  theo- 
logico.2 

Em  1852  matriculou-se  no  2."  theologico 
e  1.°  de  direito  juntamente  e,  criado  o  cur- 


1  O  poema  As  Commendas  (Lisboa,  1849) 
com  certesa  é  do  nosso  biographado,  pois 
termina  assim: 

«Deixo  matéria  p'ra  voltar  de  novo 
A  tratar  thema  igual  com  m^s  afago.* 
Note-se  que  o  auctor  in  illo  tempore  as- 
signava-se  Antonio  Fructuoso  Ayres  de 
Gouveia  Osorio,  cujas  iniciaes  se  encontram 
em  afago. 

Assim  assignou  varias  poesias  soltas  que 
se  encontram  na  Lyra  da  Mocidade,  jornal 
de  poesias  inéditas,  que  se  publicou  tam- 
bém no  Porto  e(a  1849. 

2  Foi  meu  condiscipulo,  pelo  que  datam 
desde  então  as  nossas  relações. 


2032  VOU 


VOU 


80  admiDÍ3trati vo,  também  se  matriculou 
n'elle,  vindo  assim  a  frequentar  3  faculda- 
des ao  mesmo  tempo  e  obtendo  em  um  an- 
no  prémios  em  todas 

Parece  incrível,  mas  é  facto. 

Só  com  a  frequência  das  3  faculdades 
consumia  pelo  menos  6  horas  por  dia,  pois 
cada  faculdade  tinha  2  aulas  e  cada  aula 
demandava  uma  hora. 

E  não  era  marlyr  de  estudo.  Eslava  sem- 
pre prompto  para  rir  e  palestrar  e,  deman- 
dando as  6  aulas  pelo  menos  6  compêndios, 
alem  dos  expositores,  nunca  o  vi  sobraçar 
mais  do  que  um  ou  dois  pequenos  livrosl... 

O  que  elle  nunca  deixava  era  ura  ramo 
de  violetas  oU  uma  camélia,  seus  amores 
platónicos. 

Era  um  moço  muito  sympathico,  —  tinha 
um  talento  enorme  e  foi  um  estudante  dis- 
tinctissimot 


Em  1855  constituiu  lhe  seupae  na  cama- 
rá ecelesiastica  do  Porto  o  necessário  patri- 
mónio para  a  ordenação  de  subdiacono  e 
obteve  de  Lisboa  a  respectiva  licença  regia, 
mas  não  levou  então  por  diante  o  seu  in- 
tento. 

Concluiu  a  formatura  de  theologia  em 
1857  e  n'esse  anno^  no  acto  da  cadeira  de 
agricultura,  deitou  lhe  um  ií  o  lente  de  phi- 
losophia  dr.  Ferreira  Leão,  aproveitando  o 
ensèjo  de  exercer  uma  vingança  torpe  e 
mesquinha,  mas  todos  concordaram  que  a 
nódoa  eahiu  sobre  o  lente  e  não  sobre  o  es- 
tudante, que  o  esmagàra  e  confundira  com 
o  seu  talento  enorme. 

Em  1858  concluiu  a  formatura  de  direito 
a  4  de  junho;  repetiu  a  frequência  da  ca- 
deira d'agrieultura  e  frequentou  o  6.°  anno 
de  theologia^  apresentando  para  doutora- 
mento as  suas  theses,  que  foram  approva- 
das  pelo  conselho  da  faculdade,  mas  não 
se  doutorou  n'estajàpela  hostilldadeínelu- 
ctavel  do  professor  mais  influente  d*ella,  o 
dr.  Francisco  Antonio  Rodrigues  d'Azeve- 
do,  que  não  ío/^at;a  usasse  bigode  o  estu- 
dante, já  pela  estreita  e  dura  interpretação 
das  leis  universitárias  que  não  p^rmittem 


esse  grau  académico  a  quem  não  tiver  or- 
dens sacras. 

Explanemos  a  questão  do  bigode,  que  Ião 
lamentáveis  consequências  teve! . . . 

Sendo  alumnò  da  faculdade  de  theologíá 
um  estudante  muito  sympathico,  mas  um 
cabula  sempiterno,  —  Miguel  Joaquim  Bor- 
ges Castro  (irmão  do  visconde  das  Devesas) 
que  foi  educado  no  Porto  e  se  dava  muito 
com  os  estudantes  fllhos  d'aquella  cidade, 
incluindo  o  nosso  biographado,  um  dia  o  dr. 
Rodrigues,  seu  lente,  charaou-o  a  lição  e 
tractou-o  com  a  maior  dureza,  obrigandò-o 
a  um  estenderete  rasò. 

O  moço  ficou  attonito  e,  tractando  de  itt- 
quirir,  soube  que  o  dr.  Rodrigues  se  ma- 
goara muito  por  ver  que  o  dicto  estudante, 
alem  das  suissas  inglezas  de  que  usava, 
n'aquelle  dia  se  apresentou  na  aula  com 
uma  pequena  mosca  sob  o  lábio  inferior,^ — 
que  por  isso  o  chamou  á  lição  e  que  o  cha- 
maria e  estenderia  todos  os  dias,  até  que  se 
resolvesse  a  corl.ir  as  barbas. 

O  moço  mandou  logo  rapar  as  barbas  to- 
das e  cortar  o  cabello  á  escovinha,  ficando 
completamente  desfigurado!  Assim  se  apre- 
sentou aos  seus  contemporâneos  e  amigos 
do  Porto,  que  mal  o  conheceram.  Discutin- 
do todos  o  facto,  disse  o  Ayres  de  Gouvéa: 
—que  a  frequência  era  do  eetudante,  não 
das  barbas,  e  que,  se  a  questão  se  deísse 
com  elle,  não  as  cortaria;— que  passado  am 
anno  havia  de  ser  discípulo  do  dr.  Rodri- 
gues com  o  mesmo  bigode  que  então  usava 
e  que  até  estimáva  que  elle  o  chamass(e  à 
lição  muitas  vezes,  para  estudar  mais  am 
pouco  e  fazer  mais  jus  a  um  premio. 

Assim  o  disse  e  cumpriu. 

Exasperou-se  o  dr.  Rodrigues,  mas,  ven- 
do que  o  moço  era  um  estudante  distinct;is- 
simo  e  um  talento  superior,  vingou-se  mão 
o  chamando  á  lição  todo  o  anno  e  empe- 
nhando-se  depois  com  a  faculdade  para  qine 
lhe  não  désse  o  capello.i 


1  Ainda  levou  mais  longe  a  vingançai  e 
até  hoje  não  lhe  perdoou,  posto  que  já  de? 
correram  cerca  de  trinta  annos?! ...  -ur- 


TOU 


VOU  2031 


Janto  ao  carneiro  da  família  Ayres  de 
Gouveia,  no  cemitério  d'Âgramonte  {Occi- 
dental do  Porto)  onde  repousam  seus  paes, 
o  dr.  José  Fructuoso,  por  determinação  ex- 
pressa, jaz  em  sepultura  rasa,  tendo  ao  la- 
do os  seus  dois  Qlhos,  no  cemitério  privati- 
vo da  celestial  ordem  do  Carmo,  de  que  era 
irmão. 


2.°— D.  Antonio  Ayres  de  Gouveia. 

Nasceu  a  13  de  setembro  de  1828,  em 
tempos  de  violenta  agitação  politica.  Anda- 
dos poucos  mezes,  exerciam  os  carrascos 
na  Praça  Nova  do  Porto  o  seu  sanguioario 
offlcio.  Das  janellas  da  sua  casa  viam-se  as 
duas  forcas— e  à  volta  dos  4  annos,  fechado 
o  cerco  do  Porto,  levava  o  seu  pae  atravez 
das  linhas  para  o  pôr  a  salvo  na  próxima 
povoação  de  Fânzeres.  D'ali  foi  para  Vou- 
zella  e  só  regressou  á  cidade  depois  da  coo- 
venção  d'Evora  Monie. 

Frequentou  as  primeiras  lettras  com  seus 
irmãos  na  rua  do  Laranjal,  em  escola  parti- 
cular do  professor  Francisco  José  Pereira 
Leite,  sendo  um  dos  seus  condiscípulos,  o 
actual  professor  de  pintura  hiàtorica  jubila- 
do Francisco  José  Rezende. 

Finda  a  instrucção  primaria,  seguiu  com 
seu  irmão  José  o  estudo  de  latim  no  coUe- 
gio  da  Lapa,  sendo  director  o  professor  José 
Joaquim  Pereira  d'Alraeida  Vaseoncellos. 
Transferido  este  para  Traz  da  Sé,  ali  conti- 
nuou a  latinidade  e  principiou  o  francez 
com  José  Athanasio  Mendes.  Teve  por  con- 
discípulos o  actual  sr.  conde  de  Samodães  e 
o  dezembargador  Joaquim  d' Almeida  Cor- 
reia Leal. 


Destinado  á  vida  commerciai,  apenas  pô- 
de, principiou  a  fazer  serviço  no  mostrador 
da  loja  de  seu  pae  e  aos  14  annos  de  idade, 
— em  abril  de  1843 — entrou  por  caixeiro  na 
casa  ÍDgleza  de  Thomaz  P.  Chassereau,  de 
Londres,  que  de  Lisboa  fôra  estabelecer-se 
DO  Porto.  Era  uma  casa  de  consignações, 
predominando  fazendas  branças  e  drogaria, 
janto  á  egreja  de  S.  Nicolau,  na  rua  dos  In- 


giezes,  hoje  rua  do  Infante  D.  Henrique. 
N'ella  serviu  mais  de  sete  annos,  trocando 
então  a  carreira  com  sen  irmão  Joaquim, 
que  o  substituiu,  dando -se  já  desde  o  come- 
ço de  1850  ao  estudo  de  preparatórios  para 
a  Universidade. 

Durante  aquelle  período  de  caixeiro  foi 
empregando  por  vezes  algumas  horas  em 
leituras  curiosas. 

Nos  âns  de  1846  tomou-o  a  serviço  a 
Junta  do  Porto.  Recebeu  armameoto  e  cor- 
reame e  aprendeu  exercício  militar. 

Em  1848  a  1849  appareceram  anonymos 
alguns  poemetos  heroe  comjcos.  Attribui- 
ram-lhe  09  intitulados  Os  ratos  da  alfande- 
ga  de  Pantana  e  As  Commendas.  O  primei- 
ro d'este3  foi  ulteriormente  imputado  ao  dr. 
e  depois  dezembargador  Camillo  Aureiiapo.^ 

Em  outubro  de  1850  apresentou-se  a  exa- 
mes de  preparatórios  em  Coimbra  e  ficou 
reprovado  no  de  latim,  mas  até  julho  de 
1851  habilitou  se  para  fazer,  como  fez,  to- 
dos os  preparatórios  que  lhe  faltavam  e  tra- 
duziu para  verso  portuguez  os  4  livros  de 
elegias  do  poeta  Tibullo  e  grande  parte  de 
Catullo  e  de  Propercío.  Aquellas  imprimi- 
ram se  no  Instituto,  do  vol.  v  em  diante. 


Em  1851  matriculou-se  no  1.°  anno  theo- 
logico.2 

Em  18o2  matriculou-se  no  2.»  theologico 
e  1.°  de  direito  juntamente  e,  criado  o  cur- 


1  O  poema  As  Commendas  (Lisboa,  1849) 
com  certesa  é  do  nosso  biographado,  pois 
termina  assim: 
•Deixo  matéria  p'ra  voltar  de  novo 
A  tratar  thema  ígtial  com  mais  afago.* 
Note-se  que  o  auctor  in  illo  tempore  as- 
sigoava-se  Antonio  Fructuoso  Ayres  de 
Gouveia  Osório,  cujas  iniciaes  se  encontram 
em  afago. 

Assim  assignou  varias  poesias  soltas  que 
se  encontram  na  lyra  da  Mocidade,  jornal 
de  poesias  inéditas,  que  se  publicou  tam- 
bém no  Porto  em  1849. 

'  Foi  meti  condiscípulo,  pelo  que  datam 
desde  então  as  nCKssás  relações. 


2032  VGC 


so  admiriistrativo,  também  se  matriculou 
n'elle,  vindo  assiin  a  frequentàr  3  faculda- 
des ao  mesmo  tempo  e  obtendo  em  um  an- 
no  pifemlos  ení  todas  tresll  . . . 

Parece  incrível,  mas  é  fáctõ. 

Só  com  a  frequência  das  3  faculdades 
consumia  pelo  menos  6  horas  por  dia,  pois 
cada  faculdade  tinha  2  aulAS  e  cadà;  aula 
demandava  uma  hora. 

E  não  era  martyr  d©  estudo.  Estava  sem- 
pre prompto  para  rir  e  palestrar  e,  deman- 
dando as  6  aulas  pelo  menos  6  compêndios, 
alenó  dos  expositores,  nunca  o  vi  sobraçar 
mais  do  que  uni  ou  dois  pequenos  livros!... 

O  que  elle  nunca  deixava  era  um  ramo 
de  violetas  ou  uma  camélia,  seus  amores 
platónicos. 

Era  ura  moço  muito  sympathico,  —  tinha 
UDQ  talento  enorme  e  foi  um  estudante  dis- 
tinetissimol 


Em  1853  constituiu  lhe  seupae  na  cama- 
rá ecelesiastica  do  Porto  o  necessário  patri- 
mónio para  a  ordenação  de  subdiacono  e 
obteve  de  Lisboa  a  respectiva  licença  regia, 
mas  não  levou  então  por  diante  o  seu  in- 
tento. 

Concluiu  a  formatura  de  theologia  em 
1857  e  n'esse  anno,  no  acto  da  cadeira  de 
agricultura,  deilou-lhe  um  ií  o  lente  de  phi- 
losophia  dr.  Ferreira  Leão,  a,proveitando  o 
ensejo  de  exercer  uma  vingança  torpe  e 
mesquinha,  mas  todos  concordaram  que  a 
nódoa  cahiu  sobre  o  lente  e  não  sobre  o  es- 
tudante, que  o  esmagàra  e  confundira  com 
o  seu  talento  enorme. 

Em  1858  concluiu  a  formatura  de  direito 
a  4  de  junho;  repetiu  a  frequência  da  ca- 
deira d'agricultura  e  frequentou  o  6.°  anuo 
de  theologia,  apresentando  para  doutora- 
mento as  suas  theses,  que  foram  approva- 
das  pelo  conselho  da  faculdade,  mas  não 
se  doutorou  n'esta,  já  pela  hostilidade  inelu- 
ctavel  do  professor  mais  influente  d'ella,  o 
dr.  Francisco  Antonio  Rodrigues  d'Azeve- 
do,  que  não  tolerava  usasse  bigode  o  estu- 
dante, já  pela  estreita  è  dura  interpretação 
das  leis  universitárias  que  uão  permittem 


esse  graii  académico  a  quem  não  tiver  «or- 
dens sacras. 

Explanemos  a  questão  dó  bigode,  qne  Mão 
lamentáveis  consequências  teve! . . . 

Sendo  alumno  da  faculdade  de  theoloigía 
um  estudante  muito  sympathico,  mas  mm 
cabula  sempiterno,  —  Miguel  Joaquim  Bíor- 
ges  Castro  (irmão  do  visconde  das  Devesías) 
que  foi  educado  no  Porto  e  se  dava  mmito 
com  os  estudantes  filhos  d'aquella  cidaide, 
incluindo  o  nosso  biographado,  um  dia  o  dr. 
Rodrigues,  seu  lente,  chamou-o  à  liçãío  e 
traetou-o  com  a  maior  dureza,  obriganà(o-o 
a  um  estenderete  raso. 

O  moço  ficou  attonilo  e,  tractando  de  í in- 
quirir, soube  que  o  dr.  Rodrigues  se  anÉf- 
goara  muito  por  ver  que  o  dicto  estudamtè, 
alem  das  suissas  inglezas  de  que  usaiva, 
n'aquelle  dia  se  apresentou  na  aula  ceóm 
uma  pequena  mosca  sob  o  lábio  inferior;, — 
que  por  isso  o  chamou  á  lição  e  que  o  clha- 
maria  e  estenderia  todos  os  dias,  até  quéj  se 
resolvesse  a  cortar  as  barbas. 

O  moço  mandou  logo  rapar  as  barbas 
das  e  cortar  o  cabello  á  escovinha,  ficamdo 
completamente  desfigurado!  Assim  se  apire- 
sentou  aos  seus  contemporâneos  e  ami^gos 
do  Porto,  que  mal  o  conheceram.  Discuttin- 
do  todos  o  facto,  disse  o  Ayres  de  Gouv^êa: 
—que  a  frequência  era  do  es-tudante,  mão 
das  barbas,  e  que,  se  a  questão  se  dessse 
com  elle,  não  as  cortaria; — que  passado  mm 
anno  havia  de  ser  discípulo  do  dr.  Rodlri- 
gues  com  o  mesmo  bigode  que  então  usaava 
e  que  até  estimava  que  elle  o  ehamasàee  à 
lição  muitas  vezes,  para  estudar  mais  nim 
pouco  e  fazer  mais  jus  a  um  premio. 

Assim  o  disse  e  cumpriu. 

Exasperou-se  o  dr.  Rodrigues,  mas,veen- 
do  que  o  moço  era  um  estudante  distincttis- 
simo  e  um  talento  superior,  vingou-se  naão 
o  chamando  á  lição  todo  o  anuo  e  emppe- 
nhando-se  depois  com  a  faculdade  para  qpe 
lhe  não  désse  o  capello.i 


1  Ainda  levou  mais  longe  a  vingançaa  e 
até  hoje  não  lhe  perdoou,  posto  que  já  dl«- 
correram  cerca  de  trinta  annois?}  . . .  (H 


vou 


vou  2033 


Foi  este  o  motivo  porque  o  nosso  biogra- 
pbado  Dão  se  doutoroa  em  tbeología,  como 
era  seu  intento. 

Com  uma  leviandade  tão  simples  tolheu 
a  sua  brilbante  carreira?! . . . 


Sahiu  logo  pela  3.*  vez  de  Portugal  em 
viagem  pela  Europa.  Demorou-se  quasi  an- 
Bo  e  meio  visitando  a  Inglaterra,  a  Escócia, 
a  França,  a  Bélgica,  a  Suissa,  a  Hollanda,  a 
Prússia,  a  Áustria,  a  Hungria,  a  Itália  e  a 
Hespanba,  aproveitando  entre  outros  estu- 
dos de  fabricas,  de  museus,  d'arsenaes,  de 
universidades  e  galerias,  o  das  cadeias  e 
systema  penal  d'esses  paizes^  estudo  que  pu- 
blicou com  a  dissertação  inaugural  do  seu 
doutoramento  em  direito,  pois  doutorou-se 
n'esta  faculdade  em  junho  de  1860.* 

Teve  por  condiscípulo  em  direito  o  dis- 
tincto  jurisconsulto  e  homem  d'e8tado  — 
José  Dias  Ferreira,  com  o  qual  no  anno  se- 
guinte (186i)  foi  despachado  lente  substi- 
tuto. 


1  Uma  anecdota  característica; 

Estando  certo  dia  o  nosso  biograpbado  no 
quarto  dos  bedéis,  extremidade  O.  da  Via 
latina,  rindo,  palestrando  e  brincando  com 
as  suas  violetas  na  fórma  do  costume,  pas- 
sou um  estudante  dislincto,  cabisbaixo  e 
mnito  embuçado.  Disse-lhe  o  Ayres  de  Gou- 
veia: 

«Desembuça  te;  ergue  a  cabeça  e  respi- 
rai Estes  pobres  diabos  com  aspirações  a 
doíitores  andarti  sempre  encolhidos  e  tre- 
mendo com  receio  de  perderem  o  capello.  Eu 
também  quero  ser  doutor  da  Lusa  Athenas, 
mas  por  coisa  nenhuma  vendo  a  minha  liber- 
dade. Hei  de  pedir  primeiramente  o  capello 
na  faculdade  de  theologia;  se  m'o  não  derem 
(como  que  adivinhaval...)  vou  pedil  o  na  fa- 
culdade de  direito;  se  m'o  recusarem  nvi  de 
direito,  vou  pedil-o  na  de  philosoçhia,  e  se 
em  todas  as  3  faculdades  m'o  nao  derem, 
não  me  aíilijo  com  isso.  Vou  doulorar-me 
em  qualquer  Universidade  estrangeira,  co- 
mo foi  o  meu  irmão  José.> 

Isto  presenciei  eu  e  caracterisa  bem  a 
isempção  do  nosso  biograpbado,  que  muito 
o  nobilita,  mas  conjuntamente  lhe  tem  dado 
desgostos! . . . 


Eleito  deputado  pelo  circulo  de  Cedefoi- 
ta,  quasi  na  mesma  occasião,  contra  o  esta- 
dista Fontes  Pereira  de  Mello,  continuou 
representando  aquelle  circulo  em  mais  re- 
eleições successivas  até  o  advento  da  Janei- 
rinha ao  poder  em  1868,  cujo  movimento 
ajudou  a  inciar. 
[  Durante  este  longo  período  da  sua  car- 
reira parlamentar  muito  se  distinguiu  e  vo- 
tou e  propoz  sempre  as  maia  avançadas 
ideias  do  partido  liberal.  Assim  votou  a  abo- 
lição dos  morgados,  a  exclusão  das  irmãs 
da  caridade  estrangeiras,  a  liberdade  do  fa- 
brico do  tabaco,  o  casamento  civil,  e  pro- 
pugnou com  eíficaz  iniciativa  a  exiincção  da 
pena  de  morte. 

Trabalhou  assiduamente  em  varias  com- 
míssões  extra-parlamentares  do  Código  Ci- 
vil portuguez  e  presidiu  áeommíssão  parla- 
mentar que  o  discutiu,  sendo  relator  o  dis- 
tincto  jurisconsulto  José  Luciano  de  Cas- 
tro, boje  (1889)  presidente  do  conselho  de 
ministros. 

Foi  também  um  dos  12  deputados  que, 
reunidos  na  casa  do  grande  tribuno  José 
Estevam,  na  rua  Formosa,  prepararam  a 
entrada  do  ministério  histórico. 


Em  março  e  abril  de  1863  occupou  fugi- 
diamente  a  pasta  dos  negócios  ecelesiasti- 
cos  e  da  justiça. 

A  demissão  d'alguns  funceíonarios  públi- 
cos altamente  protegidos,  mas  çoneussiona- 
rios  convictos,  aearretou-lhe  viva  opposi- 
ção. 

Constituíam  aquelle  ministério  o  raarquez 
de  Loulé,  Sá  da  Bandeira,  Sabugosa,  João 
Chrysostomo,  Mathias  de  Carvalho  e  o  nos- 
so biograpbado. 

Em  11  d'âbril  do  dieto  anno  /alleceu-lbe 
a  mãe,  e  em  dezembro  de  1869  resolveu-se 
a  satisfazer  uma  das  mais  ardentes  vonta- 
des d'ella,  indo  tomar  ordens  sacras.  Con- 
feriu-lh'a8  o  bispo  de  Viseu  D.  ^ntonio  Al- 
ves Martins,  que  embalde  tentou  descon- 
vencel  o  do  firme  propósito,  que  a  muitos 
se  afigurava  singular  e  inexplicável  pela 
sua  posição  e  opiniões,  não  dando  outro  mo- 


2034  VOU 


VOl> 


tívo  senão  o  de  cumprir  uma  antiga  pro 
messa  feita  a  sua  mãe 


Era  outubro  de  4870  partiu  para  Roma  e 
d'ali,  em  fevereiro  de  i871,  para  o  Egypto 
por  Nápoles  e  Sicilia. 

Visitou  Alexandria,  o  Cairo,  as  Pyrami- 
des,  Suez,  todo  o  isthmo^  Ismalia  e,  embar- 
cando em  Port-Said,  fez-se  na  volta  de 
Jaffa. 

Percorreu  Jerusalém  e  todos  os  santuá- 
rios e  togares  históricos  da  Terra  Santa, 
desde  Belém  até  o  monte  Carmelo,  parando 
no  Mar  Morto,  no  Jordão,  em  Samaria,  no 
Iago  de  Tiberiades,  no  monte  Thabor  e  em 
Nazareth. 

Ba  Palestina  seguiu  para  a  capital  da 
Turquia  d'Asia  e,  depois  de  admirar  as  sin- 
gularidades de  Damasco,  onde  assistiu  á 
passagem  de  uma  das  immensas  caravanas 
de  Meca,  seguiu  por  Balbeek  o  LibaDO  e  o 
Anti-Libano  até  Beyruth,  d'onde  navegou 
para  a  Itália,  passando  á  vista  de  Chipre. 

Regressando  a  Portugal  em  julho  de  1871, 
achou-se  eleito  deputado  no  circulo  d'Ama- 
rante,  por  influencia  do  sr.  conde  de  Samo- 
dães,  e  presidiu  á  sessão  legislativa  d'e8se 
anno,  deixando  na  politica  até  hoje  viva  me- 
moria de  presidente  illuslrado,  disciplinador 
e  integro. 


Querendo  premiar-lhe  os  serviços,  o  mar- 
quez  d'Avila  propoz  a  sua  nomeação  para 
bispo  do  Algarve,  sendo  rapidamente  eleito.  { 
A  Santa  Sé  oppoz  delongas  á  confirmação. 
EUe  communicou  de  pròmpto  ao  Pontífice 
a  sua  renuncia.  O  governo  subterfugiou  a 
acceital-a. 

Voltou  à  regência  da  sua  cadeira  de  di- 
reito ecclesiastico  e  n'ella  se  manteve  até 
jubilar  se  em  1881. 

O  partido  conservador  hostilisou  o  sem- 
pre e  não  ogenos  os  catholicos  intransigen- 
tes. Arguiam-no  de  franc-mação  e  de  offen- 
der  as  crenças  populares  ácerca  da  rainha 
Santa  Isabel. 

Nunca  se  defendeu  das  arguições. 


Em  dezembro  de  1879  o  seu  partinsunlfer 
amigo  Anselmo  José  Braamcamp,  steendo 
presidente  do  conselho  de  ministros,  offefere- 
i  eeu  lhe  e  dea-lhe  a  carta  de  par  do  rei)ino. 
Em  outubro  de  1881  foi  nomeado  comiumis- 
sario  geral  da  Bulla  da  Santa  Cruzada  ea  em 
novembro  do  mesmo  anno  foi  sagrado)  1  bis- 
po de  Bethsaida  oa  Sé  do  Porto. 

Como  lente  foi  um  dos  mais  di3tincto)ss  or- 
namentos da  nossa  Universidade. 

Como  cidadão  foi  sempre  um  cavaliheeiro 
a  toda  a  prova,  muito  tractavel,  muit(o  >  ac- 
cessivel  e  muito  obsequiador. 

Como  presbytero  foram  sempre  irreeppre- 
hensiveis  os  seus  costumes. 

Como  bispo  (desculpe  s.  ex.»  a  nossa  rrude 
franqueza)  resente-se  das  suas  ideias  ppolí- 
ticas  extremamente  liberaes;  o  que  deweeras 
sentimos,  porque  pela  sua  honestidade,,  f  pelo 
seu  enorme  talento,  pela  sua  vasta  e  v.aaria- 
da  illustração  e  pelos  meios  pecuniari(0£>s  de 
que  dispõe,  podia  e  devia  ser  um  prtehlado 
distinctissimo. 

Accresce  ainda  a  circumstancia  de)  ( que 
hoje  é  talvez  o  nosso  primeiro  orador  saggra- 
do,  como  afflrmam  todos  os  que  o  ouvririram 
prégar  em  Coimbra,  em  Lisboa,  e  na  i  sua 
Capella  da  Granja— e  como  provam  os;  /  En- 
saios do  púlpito,  interessante  coUecção  dd'al- 
guns  dos  seus  sermões. 

Ainda  não  prégou  no  Porto,  na  sua  Uâ:erra 
natal,  onde  todos  mUito  o  estimara  é  ctoonsí- 
deram  e  anceiam  por  ouvil-o.  No  momieento 
em  que  se  resolva,  encher-se-ha  litterahmnen- 

te  o  maior  templo  d'aquella  cidade,  en- 

cher-se-hia  mesmo  o  maior  templo  do  nnntín- 
I  do,— tal  é  o  prestigio  do  seu  nome  e  ai  i  sua 
fama  como  orador  sagrado. 


Desde  a  juventude  costuma  ir  corara  >  ero 
romagem  piedosa  e  de  saudade  a  Vouzieella, 
onde  nasceram  seus  paes; — ali  flca  um  r  mez 
revigorando  em  doce  tranquilidade — etdd'ali 
custa  a  arrancai  o. 

É  o  actual  possuidor  da  bella  quinttaa  da 
Granja,  herdada  de  seu  pae,  na  encantíaádo- 
ra  praia  da  Granja,  que  por  ser  depemdden- 
cia  da  quinta  e  toda  construída  em  (cbhào 


vou 


vou  2033 


Foi  este  o  motivo  porque  o  nosso  biogra- 
pbado  Dão  se  doutorou  em  lheologia,  como 
era  seu  intento. 

Com  Uma  leviandade  tão  simples  tolheu 
a  sua  brilhante  carreira?! . . . 


Sahiu  logo  pela  3.»  vez  de  Portugal  em 
viagem  pela  Europa.  Demorou-se  quasi  an- 
no  e  meio  visitando  a  Inglaterra,  a  Escócia, 
a  França,  a  Bélgica,  a  Suissa,  a  HoUanda,  a 
Prússia,  a  Áustria,  a  Hungria,  a  Itália  e  a 
Hespanha,  aproveitando  entre  outros  estu- 
dos de  fabricas,  de  museus,  d'arsenaes,  de 
universidades  e  galerias,  o  das  cadeias  e 
gystema  penal  d'esse8  paizes,  estudo  que  pu- 
blicou com  a  dissertação  inaugural  do  seu 
doutoramento  em  direito,  pois  doutorou-se 
n'esta  faculdade  em  junho  de  1860> 

Teve  por  condiscípulo  em  direito  o  dis- 
tincto  jurisconsulto  e  homem  d'eslado  — 
José  Dias  Ferreira,  com  o  qual  no  anno  se- 
guinte (1861)  foi  despachado  lente  substi- 
tuto. 


1  Uma  anecdota  característica; 

Estando  certo  dia  o  nosso  biograpbado  no 
quarto  dos  bedéis,  extremidade  O.  da  Via 
latina,  rindo,  palestrando  e  brincando  coin 
as  suas  violetas  na  fórma  do  costume,  pas- 
sou um  estudante  disiincto,  cabisbaixo  e 
muito  embuçado.  Disse-lhe  o  Ayres  de  Gou- 
veia: 

«Desembuça  te;  ergue  a  cabeça  e  respi- 
rai Estes  pobres  diabos  com  aspirações  a 
doutores  andara  sempre  encolhidos  e  tre- 
mendo com  receio  de  perderem  o  eapello.  Eu 
também  quero  ser  doutor  da  Lusa  Athenas, 
mas  por  coisa  nenhuma  vendo  a  minha  liber- 
dade. Hei  de  pedir  primeiramente  o  eapello 
na  faculdade  de  theologia;  se  m'o  não  derem 
<como  que  adivinhava!...)  vou  pedil  o  na  fa- 
culdade de  direito;  se  m'o  recusarem  na  de 
direito,  vou  pedil-o  na  de  philosophia,  e  se 
em  todas  as  3  faculdades  m'o  não  derem, 
não  me  afflijo  com  isso.  Vou  doutorar-me 
em  qualquer  Universidade  estrangeira,  co- 
mo foi  o  meu  irmão  José.» 

Isto  presenciei  eu  e  caracterisa  bem  a 
iaempção  do  nosso  biograpbado,  que  muito 
ò  nobilita,  mas  conjuntamente  lhe  tem  d&do 
desgostos! ... 


Eleito  deputado  pelo  circulo  de  Cedefoi- 
ta,  quasi  na  mesma  oceasião,  contra  o  esta- 
dista Fontes  Pereira  de  Mello,  continuou 
representando  aquelle  circulo  em  mais  re- 
eleições suecessivas  até  o  advento  da  Janei- 
rinha ao  poder  em  1868,  cujo  movimento 
ajudou  a  inciar. 

Durante  este  longo  periodo  da  sua  car- 
reira parlamentar  muito  se  d  istia  gula  evo- 
lou e  propoz  sempre  as  mais:  avançadas 
ideias  do  partido  hberal.  Assim  votou  a  abo- 
lição dos  morgados,  a  exclusão  das  irmãs 
da  caridade  estrangeiras^  a  liberdade  do  fa  ■ 
brico  do  tabaco,  o  casamento  civil,  e>  pro- 
pugnou com  eflQcaz  iniciativa  a  extineção  da 
pena  de  morte. 

Trabalhou  assiduamente  em  varias  com- 
missões  extra-parlamentares  do  Código  Ci- 
vil portuguez  e  presidiu  ácommissão  parla- 
mentar que  o  discutiu,  ãendo  relator  o  dis- 
tincto  jurisconsulto  José  Luciano  de  Cas- 
tro, hoje  (1889)  presidente  do  conselho  de 
ministros. 

Foi  também  um  dos  12  deputados  que, 
reunidos  na  casa  do  grande  tribuno  José 
Estevam,  na  rua  Formosa,  prepararam  a 
entrada  do  ministério  histórico. 


Em  março  e  abril  de  1865  occupou  fugi- 
dlamente  a  pasta  dos  negócios  eeclesiasti- 
cos  e  da  justiça. 

A  demissão  d'alguns  fiineeionarios  públi- 
cos altamente  protegidos,  mas  conoussiopa- 
rios  convictos,  acarretou^lhe  viva  opposi- 
ção. 

Constiluiam  aquelle  ministério  o  marquez 
de  Loulé,  Sá  da  Bandeira,  Sabugosa,  João 
Chrysostomo,  Mathias  de  Carvalho  e  o  nos- 
so biograpbado. 

Em  11  d'abril  do  dicto  anno  .falleceu- lhe 
a  mãe,e  em  dezembro  de  18691  resolveu-se 
a  satisfazer  uma  das  mais  ardentes  vonta- 
des d'ella,  indo  tomar  ordens  sacras.  Con- 
ferlu-lh'as  o  bispo  de  Viseu  D.  Antonio  Al- 
ves Martins,  que  embalde  tentou  descon- 
vencel  o  do  firme  propósito,  que  a  muitos 
se  afigurava  singular  e  inexplicável  pela 
1  8ua  posição  e  opiniões,  não  dando  outro  mo- 


2034  VOU 


VOU 


tivo  senão  o  de  cumprir  uma  antiga  pro 
messa  feita  a  sua  màe 


Em  outubro  de  1870  partiu  para  Roma  e 
d'ali,  em  fevereiro  de  1871,  para  o  Egypto 
por  Nápoles  e  Sicilia. 

Visitou  Alexandria,  o  Cairo,  as  Pyrami- 
des,  Suez,  todo  o  isthmo^  Ismaiia  e,  embar» 
cando  em  Port  Said,  fez-se  na  volta  de 
Jaffa. 

Percorreu  Jerusalém  e  todos  os  santua* 
rios  e  logares  históricos  da  Terra  Santa, 
desde  Belém  até  o  monte  Carmelo,  parando 
no  Mar  Morto,  no  Jordão,  em  Samaria,  no 
lago  de  Tiberiades,  no  monte  Tbabor  e  em 
Nazareth. 

Da  Palestina  seguiu  para  a  capital  da 
Turquia  d'A8ia  e,  depois  de  admirar  as  sin- 
gularidades de  Damasco,  onde  assistiu  á 
passagem  de  uma  das  immensas  caravanas 
de  Meca,  seguiu  por  Balbeek  o  Libano  e  o 
Anti-Libano  até  Beyruth,  d'onde  navegou 
para  a  Itália,  passando  á  vista  de  Chipre. 

Regressando  a  Portugal  em  julho  de  1871, 
achou-se  eleito  deputado  no  circulo  d'Ama- 
rante,  por  influencia  do  sr.  conde  de  Samo- 
dães,  e  presidiu  á  sessão  legislativa  d'e88e 
anno,  deixando  na  politica  até  hoje  viva  me- 
moria de  presidente  illustrado,  disciplinador 
e  integro. 

Querendo  premiar- lhe  os  serviços,  o  mar- 
quez  d'Avila  propoz  a  sua  nomeação  para 
bispo  do  Algarve,  sendo  rapidamente  eleito. 
A  Santa  Sé  oppoz  delongas  á  confirmação. 
Elie  communicou  de  prompto  ao  Pontífice 
a  sua  renuncia.  O  governo  subterfugiou  a 
acceital-a. 

Voltou  á  regência  da  sua  cadeira  de  di- 
reito eeclesiastitío  e  n'ella  se  manteve  até 
jubilar-se  era  1881. 

O  partido  conservador  hostilison  o  sem- 
pre e  não  menos  os  catholicos  intransigen- 
tes.  Arguiam-no  de  franc-mação  e  de  õffen- 
der  as  crenças  populares  ácerca  da  rainha 
Santa  Isabel. 

Nunca  se  defendeu  das  arguições. 


Em  dezembro  de  1879  o  seu  particcular 
amigo  Anselmo  José  Braamcamp,  seendo 
presidente  do  conselho  de  ministros,  ofTefere- 
eeu  Ibe  e  deo-lhe  a  carta  de  par  do  reeino. 
Em  outubro  de  188i  foi  nomeado  commnis- 
sario  geral  da  Bulla  da  Santa  Cruzada  ea  em 
novembro  do  mesmo  anno  foi  sagrado  1  bis- 
po de  Bethsaida  na  Sé  do  Porto. 

Como  lente  foi  um  dos  mais  distinctoss  or- 
namentos da  nossa  Universidade. 

Como  cidadão  foi  sempre  um  cavalhoeira 
a  toda  a  prova,  muito  tractavel,  muito  >  ac- 
cessivel  e  muito  obsequiador. 

Como  presbytero  foram  sempre  irreppre- 
bensiveis  os  seus  costumes. 

Como  bispo  (desculpe  s.  ex.'  a  nossa  rrude 
franqueza)  resente-se  das  suas  ideias  ppoli- 
ticas  extremamente  liberaes;  o  que  deveeras 
sentimos,  porque  pela  sua  honestidade,  ppelo 
seu  enorme  talento,  pela  sua  vasta  e  vaaria- 
da  illustração  e  pelos  meios  pecuniário»»  de 
que  dispõe,  podia  e  devia  ser  um  prehiada 
distinctissimo. 

Accresce  ainda  a  circumstancia  de  (  que 
hoje  é  talvez  o  nosso  primeiro  orador  saggra- 
do,  como  affirmam  todos  os  que  o  ouvirraro 
prégar  em  Coimbra,  em  Lisboa,  e  na  í  sua 
Capella  da  Granja— e  como  provam  os  l  En- 
saios do  púlpito,  interessante  collecção  dd'al- 
guns  dos  seus  sermões. 

Ainda  não  prégou  no  Porto,  na  sua  Ceerra 
natal,  onde  todos  muito  o  estimam  e  eonnsi- 
derãm  e  anceiam  por  ouvil-o.  No  momeento 
em  que  se  resolva,  eneher-se-ha  litteralcnnen- 
te  o  maior  templo  d'aqnella  cidade,  —  f  en- 
cher-se-hia  mesmo  o  maior  templo  do  naoun- 
do,— tal  é  o  prestigio  do  seu  nome  e  a  í  sua 
fama  como  orador  sagrado. 


Desde  a  juventude  costuma  ir  conoc»  i  em 
romagem  piedosa  e  de  saudade  a  Vouzeblla, 
onde  nasceram  seus  paes; — ali  fica  um  nmez 
revigorando  em  doce  tranquilidade—e  dTali 
custa  a  arrancai  o. 

É  o  actual  possuidor  da  bella  quinta  i  da 
Granja,  herdada  de  seu  pae,  na  encaataddo- 
ra  praia  da  Granja,  que  por  ser  dependeien* 
cia  da  quinta  e  toda  construída  em  cbhão 


vou 


vou  2035 


d'ella,  muitos  a  denominam  Granja  dos 
Ayres. 

Da  quinta  fallaremos  adiante;  com  rela- 
ção á  praia,  que  é  sem  contestação  a  mais 
formosa  da  península,  vide  Granja  n'e8te 
diccionario  e  no  supplemento— e  as  Praias 
e  Caldas  de  Ramalho  Ortigão. 

Descnlpem-nos  se  nos  alon^ 
gamos  fallando  do  sr.  D.  An- 
tonio Ayres  de  Gouveia,  pois 
quizemos  aproveitar  a  occa- 
siâo  para  render  preito  a  um 
dos  nossos  mais  distinctos 
contemporâneos,  fornecendo 
apontamentos  não  vulgares 
aos  historiadores  e  biographos 
porvindouros. 

Seja-nos  licito  dizer  alguma 
coisa  também  dos  outros  seus 
irmãos : 


Z.^— Francisco  Frttctuoso  Ayres  de  Gou- 
veia. 

Nasceu  aos  29  d'abril  de  1830. 

Destioado  á  vida  mercantil  e  tendo  ape- 
nas 12  annos,  embarcou  e  seguiu  para  o 
Rio  de  Janeiro  a  bordo  da  barca  Leal,  per- 
tencente ao  negociante  e  armador  Leal,  da 
rua  das  Hortas,  no  Porto.  Não  lhe  sorrindo 
a  fortuna  commercial  e  não  se  dando  bem 
com  o  clima,  regressou  em  breves  annos;  fl- 
xou-se  no  negocio  da  casa  do  seu  pae  e  ali 
se  conservou  até  formar  com  elle  sociedade, 
á  qual  depois  aggregou  seu  irmão  José,  fi- 
cando por  morte  d'e8te  com  toda  a  impor- 
tante casa  commercial,  fundada  por  seu 
pae,  o  benemérito  vouzellense  Fructuoso. 

Modestíssimo  em  todos  os  seus  actos, 
nunca  tolerou  que  o  pozessem  de  qualquer 
fórma  em  evidencia. 

Dispondo  de  boa  fortuna,  grangeada  no 
commercio  e  em  operações  de  banco,  é  um 
dos  40  maiores  contribuintes  do  bairro 
oriental  do  Porto  e,  sem  nenhuma  espécie 
d'ambição,  vive  solteiro  e  muito  satisfeito 
para  a  amisade  de  seus  irmãos  e  pessoas 
das  suas  relações. 


í."— Joaquim  Fructuoso  Ayres  de  Gou- 
veia. 

Nasceu  aos  27  de  fevereiro  de  1832. 

Embalado  com  os  seus  irmãos  entre  os 
horrores  da  guerrà  civil,  mal  completava  6 
mezes  de  idade,  quando  no  berço  furtiva- 
mente o  transportava  á  cabeça  sua  própria 
mãe  atravez  das  linhas  do  Porto. 

Madrugando-lhe  cedo  a  intelligencia,  foi 
logo  proposto  cotn  alegria  por  seus  paes 
para  a  vida  ecclesiastica. 

Profundamente  religiosos,  cheios  de  pie- 
dade e  devoções,  o  que  mais  ambiciona- 
vam e  consideravam  suprema  ventura  era 
ver  padre  um  dos  filhos.  Esmeraram  se  pois 
na  educação  d'esle  e  afervoraram-lhe— bem 
como  a  todos  os  outros  irmãos  —  os  senti- 
mentos e  exercícios  devotos. 

Nenhum  dia  sem  uma  e  mais  missas;  ne- 
nhuma noite  sem  o  rosário  ou  o  terço. 

Na  próxima  egreja  dos  Congregados,  res- 
tituída ao  culto  depois  da  profanação  do 
tempo  do  cerco,  serviam  alegremente  de 
voluntários  sachrislães  os  pequenos  irmãos. 
A  maior  parte  das  manhãs  ali  a  gastavam 
ajudando  ás  missas,  que  eram  sempre  nu- 
merosas—e numerosas  são  ainda  hoje. 


Sem  embargo  de  tudo  isto,  ao  chegar  com 
08  16  annos  completos  a  epocha  de  ir  para 
Coimbra  matricular-se  em  theologia,  decla- 
rou honestamente  a  sua  falta  absoluta  de 
vocação  ecclesiastica. 

■^Tudo,  menos  ser  padre,  disse  elle. 

O  pae  ficou  triste;  a  mãe  profundamente 
consternada— e  o  filho  Antonio  commovído. 
Propoz  então  este  ao  irmão  trocarem  os  ra- 
mos de  vida — e  assim  fizeram  com  pleno 
assentimento  dos  paes. 

O  Antonio  deixou  o  commercio  e  foi  cur- 
sar os  estudos; — o  Joaquim  deixou  os  estu- 
dos e  seguiu  o  commercio,  entrando  logo 
para  a  mesma  casa  ingleza  onde  estava  o 
irmão. 

Ali  permaneceu  até  1853,  data  em  que, 
I  auxiliado  por  seu  pae,  foi  com  um  so- 


2036  VOU 


VOU 


cio  estabelecer  em  Londres  uma  casa  de 
commissões  de  vinhos  e  outros  géneros, 
abrindo  pouco  depois  uma  filiai  em  Liver- 
pool. 

Demorou-se  na  Inglaterra  oito  annos  e, 
liquidado  o  negocio,  volveu  para  o  Porto, 
onde  aos  22  d'outubro  de  1863  casou  com 
D.  Felismina  Adelaide  Rodrigues,  filha  de 
Antonio  Caetano  Rodrigues,  acreditado  ne- 
gociante de  vinhos,  natural  da  freguezia  de 
Nandufe,  concelho  de  Tondella,  e  de  D.  Fe- 
lícia Felicidade  Vianna. 

Tiveram  os  4  filhos  seguintes: 

—Felismina,  que  nasceu  a  6  de  setembro 
de  1864,  hoje  casada  com  Alberto  Rebello 
Valente  AUen,  filho  dos  viscondes  de  Villar 
â'AlIen; 

"—Alberto  Ayres  de  Gouveia,  nascido  a  3 
dia  março  de  1867; 

— Maria  Ermelinda  aos  5  de  setembro  de 
1871  e 

—Alvaro  a  25  de  junho  de  1876. 


Fallôceu  Joaquim  Ayres  aos  7  d'abril  de 
1878  no  seu  formoso  e  luxuoso  palacete  da 
rua  da  Restauração  no  Porto,  legando  um 
nome  honrado  e  avultada  fortuna. 

D'uma  grande  lucidez  d'espirito  e  dotado 
de  um  coração  d'ouro,  a  sua  saúde  nunca 
foi  muito  vigorosa  e  comprometteu-a  bas- 
tante com  o  excessivo  trabalho  na  direcção 
da  sua  casa  commercial,  que  era  uma  das 
primeiras  do  Porto. 

Adoecendo  gravemente  aos  15  annos  de 
idade,  deveu  aos  excellentes  ares  de  Vou- 
zella  o  seu  restabelecimento. 


S.o  —  Luiz  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia 
Osorio. 

Nasceu  aos  9  de  março  de  1834. 

Seguindo  também  desde  a  infância,  como 
seus  irmãos  quasi  todos,  a  vida  commercial, 
n'ella  se  tem  conservado  até  hoje,  vivendo 
sempre  no  Porto. 

Em  31  de  março  de  1856  casou  com  D. 
Ermelinda  Gomes,  de  quem  houve  apenas 


uma  filha— Albertina,  que  nasceu  a  111  de 
setembro  de  1857,  hoje  casada  com  Douarte 
Ferreira  Pinto  Basto,  um  dos  donos  dda  fa- 
brica da  Vista  Alegre,  onde  reside. 

Para  evitai  mos  repetições,  veja-se  oo  art. 
Vista  Alegre.  '■> 

Luiz  Ayres  é  um  cavalheiro  muito  cconsi- 
derado  no  Porto,  grande  proprietário  e  e  ca- 
pitalista. 


6.» — Maria. 

Nasceu  em  1836  e  falleceu  no  mesmoo  an- 
uo com  2  mezes  de  idade  apenas. 


7.'— Frederico  Ayres  de  Gouveia. 

Nasceu  a  25  de  março  de  1838.  O  ccom- 
mercio  attrahiu  também  a  sorte  d'este  fifilho. 

Aos  16  annos  embarcou  para  a  Inglaater- 
ra  acompanhado  de  seu  irmão  Antonio, ,  in- 
do começar  a  vida  de  caixeiro  na  casaa  do 
seu  irmão  Joaquim.  Passados  poucos  annnos 
foi  para  o  Rio  de  Janeiro,  e  ali,  depoi»s  de 
varia  fortuna,  se  estabeleceu  com  fifirma 
commercial.  Em  1872  liquidou  os  seuss  ne- 
gócios,—volveu  á  pátria— e  em  22  d'aggo8to 
de  1874  casQU  no  Porto  com  D.  Heduvviges 
Apollonia  Ferreira  Nunes,  filha  do  naego- 
ciante  do  Maranhão  e  capitalista  Clemeente 
José  da  Silva  Nunes  e  de  D.  Anna  Ferrffeira 
da  Silva  Nunes,  d'aquella  cidade,  irmâã  do 
conde  de  Itacolmin,  brazileiro. 

Falleceu  sem  successão  a  27  de  janoeiro 
de  1884,  deixando  vivas  saudades  aos  secus  e 
aos  estranhos,  pois  era  uma  excellente  p  pes- 
soa. 

Jaz  no  tumulo  da  familia  no  cemiteriao  de 
Agramonte. 


8.°— D.  Maria  Isabel  Ayres  de  Gouveiaa. 

Nasceu  a  27  de  dezembro  de  1841  e  {por 
ser  a  única  filha,— muito  meiga,  muito  t  dó- 
cil e  muito  virtuosa,— foi  sempre  o  anjo )  da 
familia,  o  encanto  dos  paes  e  o  enlevo  (  dos 
irmãos  todos,  nomeadamente  do  sr.  D.  AAn- 
tonio,  que  a  idolatra. 

Casou  na  capella  da  Granja  a  15  de  íevve- 


vou 


vou  2035 


d'ella,  muitos  a  deaominam  Granja  dos 
Ayres. 

Da  qaiota  fallaremos  adiante;  com  rela- 
ção à  praia,  qae  é  sem  contestação  a  mais 
formosa  da  peniosula,  vide  Granja  n'este 
diccioDario  e  no  supplemento — e  as  Praias 
e  Caldas  de  Ramalho  Ortigão. 

Desculpem-nos  se  nos  alon- 
gamos fallando  do  sr.  D.  An- 
tonio Ayres  de  Gouveia,  pois 
quízemos  aproveitar  a  occa- 
sião  para  render  preito  a  um 
dos  nossos  roais  distinctos 
contemporâneos,  fornecendo 
apontamentos  não  vulgares 
aos  historiadores  e  biographos 
porvindouros. 

Seja-nos  licito  dizer  alguma 
coisa  também  dos  outros  seus 
irmãos : 


i9—pYatKisco  Fructuoso  Ayres  de  Gou- 
veia. 

Nasceu  aos  29  d'abril  de  1830. 

Destinado  á  vida  mercantil  e  tendo  ape- 
nas 12  annos,  embarcou  e  seguiu  para  o 
Rio  de  Janeiro  a  bordo  da  barca  Leal,  per- 
tencente ao  negociante  e  armador  Leal,  da 
rua  das  Hortas,  no  Porto.  Não  lhe  sorrindo 
a  fortuna  commercial  e  não  se  dando  bera 
com  o  clima,  regressou  em  breves  annos;  fi- 
xou-se  no  negocio  da  casa  do  seu  pae  e  ali 
se  conservou  até  formar  com  eíle  sociedade, 
á  qual  depois  aggregou  seu  irmão  José,  fi- 
cando por  morte  d'e8te  com  toda  a  impor- 
tante casa  commercial,  fundada  por  seu 
pae,  o  benemérito  vouzellense  Fructuoso. 

Modestíssimo  em  todos  os  seus  actos, 
nunca  tolerou  que  o  pozessem  de  qualquer 
fórma  em  evidencia. 

Dispondo  de  boa  fortuna,  grangeada  no 
eommercio  e  em  operações  de  banco,  é  um 
dos  40  maiores  contribuintes  do  bairro 
oriental  do  Porto  e,  sem  nenhuma  espécie 
d'ambiçã(),  vive  solteiro  e  muito  satisfeito 
para  a  amisade  de  seus  irmãos  e  pessoas 
das  suas  relações. 


ik."-^  Joaquim  Frwtuoso  Ayres  de  Gou- 
veia. 

Nasceu  aos  27  de  fevereiro  de  1832. 

Embalado  com  os  seus  irmãos  entre  os 
horrores  da  guerra  ciril,  mal  completava  6 
mezes  de  idade,  quando  no  berço  furtiva- 
mente o  transportava  á  cabeça  sua  própria 
mãe  atravez  das  linhas  do  Porto, 

Madrugando-lhe  cedo  a  intelligencia,  foi 
logo  proposto  com  alegria  por  seus  paes 
para  a  vida  ecclesiastica. 

Profundamente  religiosos,  cheios  de  pie- 
dade e  devoções,  o  que  mais  ambiciona- 
vam e  consideravam  suprema  ventura  era 
ver  padre  um  dos  filhos.  Esmeraram  se  pois 
na  educação  d'esle  e  afervoraram-lhe— bem 
como  a  todos  os  outros  irmãos  —  os  senti- 
mentos e  exercícios  devotos. 

Nenhum  dia  fem  uma  e  mais  missas;  ne- 
nhuma noite  sem  o  rosário  ou  o  terço. 

Na  próxima  egreja  dos  Congregados,  res- 
tituída ao  culto  depois  da  profanação  do 
tempo  do  cerco,  serviam  alegremente  de 
voluntários  sachristães  os  pequenos  irmãos. 
A  maior  parte  das  manhãs  ali  a  gastavam 
ajudando  às  missas,  que  eram  sempre  nu- 
merosas—e numerosas  são  ainda  hoje. 


Sem  embargo  de  tudo  isto,  ao  chegar  com 
08  16  annos  completos  a  epocha  de  ir  para 
Coimbra  matricular-se  em  theologia,  decla- 
rou honestamente  a  sua  falta  absoluta  de 
vocação  ecclesiastica. 

^Tudo,^menos  ser  padre,  disse  elle. 

O  pae  ficou  triste;  a  mãe  profundamente 
consternada— e  o  filho  Antonio  eommovido. 
Propoz  então  este  ao  irmão  trocarem  os  ra- 
mos de  vida— e  assim  fizeram  com  pleno 
assentimento  dos  paes. 

O  Antonio  deixou  o  eommercio  e  foi  cur- 
sar os  estudos;— o  Joaquim  deixou  os  estu- 
dos e  seguiu  o  eommercio,  entrando  logo 
para  a  mesma  casa  ingleza  onde  estava  o 
irmão. 

Ali  permaneceu  até  1853,  data  em  que, 
auxiliado  por  seu  pae,  foi  com  um  sa- 


2036  VOU 


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cio  estabelecer  em  Londres  uma  casa  de 
comraisãões  de  vinhos  e  outros  géneros, 
abrindo  pouco  depois  uma  filial  em  Liver- 
pool. 

Demorou-se  na  Inglaterra  oito  annos  e, 
liquidado  o  negocio,  volveu  para  o  Porto, 
onde  aos  22  d'outubro  de  1863  casou  com 
D.  Felismina  Adelaide  Rodrigues,  filha  de 
Antonio  Caetano  Rodrigues,  acreditado  ne- 
gociante de  vinhos,  natural  da  freguezia  de 
Nandufe,  concelho  de  Tondella,  e  de  D.  Fe- 
lícia Felicidade  Vianna. 

Tiveram  os  4  ÍBlhos  seguintes: 

—Felismina,  que  nasceu  a  6  de  setembro 
de  1864,  hoje  casada  com  Alberto  Rebello 
Valente  Allen,  filho  dos  viscondes  de  Villar 
d'AIIen; 

— Alberto  Ayres  de  Gouveia,  nascido  a  3 
de  março  de  1867; 

—Maria  Ermelinda  aos  5  de  setembro  de 
1871  e 

—Alvaro  a  25  de  junho  de  1876. 


Falleceu  Joaquim  Ayres  aos  7  d'abril  de 
1878  no  seu  formoso  e  luxuoso  palacete  da 
rua  da  Restauração  no  Porto,  legando  um 
nome  honrado  e  avultada  fortuna. 

D'uma  grande  lucidez  d*espirito  e  dotado 
de  um  coração  d'ouro,  a  sua  saúde  nunca 
foi  muito  vigorosa  e  comprometleu-a  baá'- 
tante  com  o  excessivo  trabalho  na  direcção 
da  sua  casa  commercial,  que  era  uma  das 
primeiras  do  Porto. 

Adoecendo  gravemente  aos  15  annos  de 
idade,  deveu  aos  excellentes  ares  de  Vou- 
zella  o  seu  restabelecimento. 


5.»  —  Luiz  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia 
Osorio. 

Nasceu  aos  9  de  março  de  1834. 

Seguindo  também  desde  a  infância,  como 
seus  irmãos  quasi  todos,  a  vida  commercial, 
n'ella  se  tem  conservado  até  hoje,  vivendo 
sempre  no  Porto. 

Em  31  de  março  de  1856  casou  com  D. 
Ermelinda  Gomes,  de  quem  houve  apenas 


uma  filha— Albertina,  que  nasceu  a  1 11  de 
setembro  de  1857,  hoje  casada  com  Dúuarte 
Ferreira  Pinto  Basto,  um  dos  donos  d;da  fa- 
brica da  Vista  Alegre,  onde  reside. 

Para  evitaimos  repetições,  veja-se  o  o  art. 
Vista  Alegre. 

Luiz  Ayres  ó  um  cavalheiro  muito  ccconsi- 
derado  no  Porto,  grande  proprietário  e  e  ca- 
pitalista. 


6.» — Maria. 

Nasceu  em  1836  e  falleceu  no  mesmoio  an- 
uo com  2  mezes  de  idade  apenas. 


7.0 — Frederico  Ayres  de  Gouveia. 

Nasceu  a  25  de  março  de  1838.  O  c  com- 
mercio  attrahiu  também  a  sorte  d'e8te  fi  filho. 

Aos  16  annos  embarcou  para  a  Inglalater- 
ra  acompanhado  de  seu  irmão  Antonio,  >,  in- 
do começar  a  vida  de  caixeiro  na  casasa  do 
seu  irmão  Joaquim.  Passados  poucos  aninnos 
foi  para  o  Rio  de  Janeiro,  e  ali,  depoiais  de 
varia  fortuna,  se  estabeleceu  com  fijfirma 
commercial.  Em  1872  liquidou  os  seus  s  ne- 
gócios,—volveu  á  pátria— e  em  22  d'agtgoBto 
de  1874  casou  no  Porto  com  D.  Heduviviges 
Apollonia  Ferreira  Nunes,  filha  dò  neiego- 
ciante  do  Maranhão  e  capitalista  Clemenente 
José  da  Silva  Nunes  e  de  D.  Anna  Ferrereira 
da  Silva  Nunes,  d'aquella  cidade,  irmãiâ  do 
conde  de  Itacolmin,  brazileiro. 

Falleceu  sem  successão  a  27  de  janeieiro 
de  1884,  deixando  vivas  saudades  aos  seieuse 
aos  estranhos,  pois  era  uma  excellente  p  pes- 
soa. 

Jaz  no  tumulo  da  familia  no  cemiterioio  de 
Agramente. 


8.»— Z).  Maria  Isabel  Ayres  de  Gouveiaia. 

Nasceu  a  27  de  dezembro  de  1841  e  {  por 
ser  a  única  filha,— muito  meiga,  muito  o  dó- 
cil e  muito  virtuosa,— foi  sempre  o  anjo  o  da 
familia,  o  encanto  dos  paes  e  o  enlevo  o  dos 
irmãos  todos,  nomeadamente  do  sr.  D.  A  An- 
tonio, que  a  idolatra. 

Casou  na  capella  da  Granja  a  15  de  fe\eve- 


vou 


vou  2037 


reiro  de  1874  com  ÁDtonio  Maria  Alcofora- 
do, bacharel  formado  em  direito,  filho  de 
D.  Maria  dos  Prazeres  Barata  Yelloso  e  de 
Gil  Alcoforado  d'Azevedo  Pinto  e  Figueire* 
da,  senhor  da  nobre  casa  da  Sernada  em 
Yonzella,  mencionada  supra^  onde  aqaelle 
nasceu  e  ali  actualmente  é  conservador  do 
registro  predial. 

D'e8te  consorcio  tiveram  6  filhos,  todos 
nascidos  na  quinta  e  casa  de  Carilel,  men- 
cionada também  supra,  e  que  foi  do  velho 
Fructuoso,  patriarcha  d'esta  importante  fa- 
mília. 

Aquelles  6  filhos  são  os  seguintes: 
—Gil,  que  nasceu  a  14  de  janeiro  de 
1876; 

—Ayres,  a  19  de  março  de  1877; 
—Maria,  a  29  de  dezembro  de  1878; 
— Izabel,  a  20  de  setembro  de  1880; 
— Beatriz,  a  18  de  fevereiro  de  1882; 
— Affonso,  a  31  de  dezembro  de  1885. 


Todo  consagrado  á  sua  familia,  que  ido- 
latrava, viveu  Fructuoso  José  da  Silva  Ay- 
res sempre  occupado  no  seu  commercio  de 
vmhos,  sem  dislrahir-se  com  outra  qual- 
quer oecupaçâo  ou  emprego — e  sempre  na 
Porta  de  Carros,  posto  que  tinha  armazéns 
e  boas  casas  d'habitação  em  outros  pontos 
da  cidade.  Com  o  faliecimento  porem  da 
consorte  em  1865  passou  a  viver  habitual- 
mente na  sua  quinta  da  Granja. 

Esta  quinta,  na  data  da  extíncção  das  or- 
dens religiosas,  pertencia  aos  frades  cruzios 
da  Serra  do  Pilar,  havendo  pertencido  aos 
de  Grijó. 

Foi  vendida  em  hasta  publica  em  5  d'a- 
gosto  de  1836  a  D.  Anna  Joaquina  de  Mello. 
A  4  de  maio  de  1839  vendeu-a  esta  a  José 
Antonio  Alves  Vianna;  por  morte  d'este 
passou  para  a  viuva,  a  qual  a  vendeu  em 
31  de  dezembro  de  1860  a  Fructuoso  José 
da  Silva  Ayres,  de  quem  a  herdou  seu  fi- 
lho, o  sr.  D.  Antonio,  seu  actual  possuidor, 
que  n'ella  costuma  viver. 

No  dia  9  de  março  de  1881  estando  n'esta 
quinta  o  velho  Fructuoso  e  fazendo  aunos 


j  n'aquelle  dia  o  seu  filho  Luiz  Ayres,  ia  o  ve- 
lhinho muito  alegre  festejar- lhos,  levando  na 
mão  um  lindo  ramo  de  camélias,  mas  alguns 
minutos  depois  de  entrar  na  carruagem  da 
via  férrea  e  indo  o  comboyo  em  marcha,  a 
morte  o  suprehendeu  repentinamente,  con- 
tando 77  annos  de  idade,  quasi  completos. 

Teve  uma  morte  suavíssima  e  por  fortu- 
na iam  na  mesma  carruagem  duas  irmãs  da 
caridade,  que  lhe  assistiram  ao  passamento. 

Jaz  ao  lado  da  esposa  e  d'algun3  filhos  no 
cemitério  d'Agramonte,  no  Porto.—  Deixou 
um  nome  venerando,  honradíssimo,  e  uma 
fortuna  orçada  em  ISO  contos  ds  réis,  ape- 
sar das  grandes  sommas  que  despendeu 
com  os  filhos,  nomeadamente  com  o  José  e 
com  o  sr.  D.  Antonio. 

Deus  o  tenha  em  bom  logar,  como  firme- 
mente cremos. 

Ainda  os  Vouzellenses  illustres 

—José  Ribeiro  Cardoso,  filho  de  Vouzella 
e  muitos  annos  negociante  no  Porto,  onde 
falleceu  ha  annos. 

Instituiu  por  herdeira  a  Misericórdia  d'es- 
ta  Villa  para  ella  fundar  um  Laus-perenne, 
e  um  Asylo  de  cegos,  aleijados  e  entrevados. 

A  Misericórdia  já  inaugurou  o  Laus  pe- 
renne,  mas  ainda  não  fundou  o  Asylo,  por 
que  ainda  não  pôde  liquidar  toda  a  heran- 
ça, que  deve  montar  a  40  contos  de  réis, 
aproximadamente. 

—O  Padre  Mestre  Simão  Rodrigues  d'A- 
zevedo,  varão  apostólico. 

Foi  companheiro  de  S.  Francisco  Xavier 
e  1.°  provincial  da  Companhia  de  Jesus  no 
nosso  paiz,  etc. 

Falleceu  em  Lisboa  a  15  de  julho  de  1579 
contando  70  de  idade. 

Foi  este  illustre  vouzellense  o  l.'  jesuita 
que  veiu  a  Portugal,  quando  D.  João  líl,  a 
instancias  de  D.  Pedro  Mascarenhas,  estabe- 
leceu n'este  reino  a  Companhia  de  Jesufi. 

Simão  Rodrigues  d' Azevedo  foi  um  dos 
primeiros  9  discípulos  de  Santo  Ignacio  de 
Loyola.  Estudava  em  Paris,  quando  o  santo 
fundador  o  escolheu  para  aquelle  aposto- 
lado. 


2038  VOU 


VOU 


Foi  o  fandador  da  província  lasitana  e 
fallecen  na  casa  professa  de  S.  Roque,  onde 
jaz  na  capeila  mór,  junto  aos  degraus  do 
presbyterio. 

— Fr.  Pedro  Donato. 

Foi  religioso  franciscano  de  muita  iilus- 
tração  e  virtude. 

— Duarte  d"  Almeida,  o  decepado; 

— Fernão  Lopes  d' Almeida  e 

—Duarte  d" Almeida,  filho  do  antecedente. 

Foram  todos  tres  fidalgos  muilo  distin- 
ctos  e  pessoas  muito  notáveis,  como  já  dis- 
semos quando  fallámos  da  celebre  quinta  da 
Cavallaria  e  no  tópico  Senhores  de  Lafões. 

Duarte  d'Almeida,  o  decepado,  senhor  da 
quinta  da  Cavallaria,  immortalisou  se  de- 
fendendo a  bandeira  portugueza  na  batalha 
de  Toro,  mas  perdeu-a  e  por  seu  turno  se 
immortalisou  também  salvando-a  na  mesma 
baía/Aa  Gonçalo  Pires  Bandeira,  seu  visinho, 
natural  de  Besteiros  (Tondella)  asceodente 
dos  Bandeiras  de  Viseu,  Tondella  e  Granja. 

O  actual  visconde  de  Bériz  é  um  dos  de- 
cendeates  do  nobre  decepado. 

V  Rériz,  tomo  8.*  pag.  152,  col.  1.»  e  Vi- 
seu, tomo       pag.  1840. 

— Fr.  Jo$è  de  S.  Bernardino,  religioso 
agostinho  descalço,  natural  de  Vouzella  do 
Sul,  que  suppomos  ser  esta,  visinha  de  S. 
Pedro  do  Sul. 

Professou  no  convento  do  Monte  Oliveto, 
ou  do  Grillo,  em  Lisboa,  no  dia  8  de  agos- 
to de  1751. 

—Fr.  Chrystovam  de  Vouzella,  religioso 
franciscano  da  província  da  Soledade. 

Nasceu  na  vilia  de  Vouzella  no  melado 
do  sec.  XVI  e  foram  seus  paes  Antonio  d'Al- 
meida,  da  mesma  villa,  e  Filippa  de  Novaes, 
da  d^  S.  Pedro  do  Sul. 

Foi  homem  muito  illustrado  e  piedosíssi- 
mo e  occupou  os  primeiros  cargos  da  sua 
ordem. 

Mandado  por  seus  paes  para  Coimbra,  no 
mesmo  dia  em  que  se  doutorou  na  faculda- 


de de  Cânones  tomou  o  habito  no  eonavento 
de  Santo  Antonio  dos  Olivaes,  onde,  fíândo  o 
noviciado,  professou  a  29  de  dezembnro  de 
1585. 

Foi  guardião  no  convento  de  Portaalegre;» 
onde  teve  por  súbdito  seu  tio,  o  padrre  pré,« 
gador  Fr.  Francisco  de  S.  Pedro  do  Suul.  Eg^ 
seguida  fui  guardião  em  Santo  Antonoio  dot» 
Olivaes,  uma  das  maiores  guardianiaas  da 
província.  Foi  também  guardião  no  coonveo» 
to  de  Santo  Antonio  de  Castello  Branccoenp 
de  S.  Francisco  de  Lagos;  depois  mitinistro 
provincial  da  ordem,  eleito  no  capitniilo  ce- 
lebrado  em  Évora  a  19  de  janeiro  de  1614; 
— passado  o  triennio  foi  eleito  cusíod/o — e  no 
cap.  celebrado  em  Salamanca  em  17718  foi 
encarregado  de  visitar  a  provinda  frrancis- 
cana  da  Arrábida.  Em  seguida  o  duqque  de 
Bragança  O.  Theodosio  II,  pae  d'el-rrei  D. 
João  IV,  o  nomeou  seu  confessor,  carggo  que 
pouco  tempo  desempenhou  por  haveier  en- 
surdecido, pelo  que  muito  contra  a  voontade 
do  duque  deixou  o  paço  de  Villa  Viççosa  e 
foi  para  o  seu  convento  d'Abrantes, ,  onde, 
passado  algum  tempo,  se  restabeleceua. 

Em  seguida  foi  eleito  commissarido  dos 
conventos  da  sua  ordem  nas  provinci:ias  do 
Douro  e  Minho,  pelo  que  fixou  a  sua  a  resi- 
dência no  convento  de  Santo  Antoouio  de 
Valle  de  Piedade,  onde,  como  em  Abra'antes, 
continuou  a  viver  a  vida  mais  humilde  3  e  pe- 
nitenle,  exercendo  os  misteres  mais  delespre- 
siveis  da  casa. 

Sendo  religioso  velho  e  grave,  ellee  pró- 
prio lavava  a  sua  roupa  e  para  isso  /  hia  á 
cerca  buscar  a  lenha  para  aquentar  a  i  agua 
(diz  a  chronica)  e  o  seu  habito  era  muiiito  po- 
bre, e  remendado  por  sua  mão. 


Como  era  commissario  dos  convventos 
d'entre  Douro  e  Minho,  podia  mudaar  ou 
transferir  como  lhe  aprouvesse  os  reeligio- 
sos  d'elles.  Achava-se  então  o  convennto  de 
S.  Fructuoso  de  Braga  assolado  porr  uma 
epidemia  medonha,  havendo  falleciddo  em 
poucos  dias  3  religiosos.  O  guardião  ahfflicto 
pedia  ao  commissario  religiosos  para  t  trata- 
rem os  doentes  e  prefazerem  as  vaggas  da 


vou 


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reiro  de  1874  com  Antonio  Maria  Alcofora* 
do,  bacharel  formado  em  direito,  filho  de 
D.  Maria  dos  Prazeres  Barata  Yelloso  e  de 
Gil  Alcoforado  d'Azevedo  Pinto  e  Figueire» 
do,  senhor  da  nobre  casa  da  Sernada  em 
Youzella,  mencionada  supra^  onde  aquelle 
nascen  e  ali  actualmente  é  conservador  do 
registro  predial. 

D'este  consorcio  tiveram  6  filhos,  todos 
nascidos  na  quinta  e  casa  de  Caritel,  men- 
cionada também  supra,  e  que  foi  do  velho 
Fructuoso,  patriarcha  d'esta  importante  fa- 
mília. 

Aquelles  6  filhos  são  os  seguintes: 
—Gil,  que  nasceu  a  14  de  janeiro  de 
1876; 

—Ayres,  a  19  de  março  de  1877; 
—Maria,  a  29  de  dezembro  de  1878; 
—habel,  a  20  de  setembro  de  1880; 
—Beatriz,  a  18  de  fevereiro  de  1882; 
—Affonso,  a  31  de  dezembro  de  1885. 


Todo  consagrado  a  sua  família,  que  ido- 
latrava, viveu  Fructuoso  José  da  Silva  Ay- 
res sempre  occupado  no  seu  commercio  de 
vmhos,  sem  distrahir-se  com  outra  qual- 
quer oecupaçâo  ou  emprego — e  sempre  na 
Porta  de  Carros,  posto  que  tinha  armazéns 
e  boas  casas  d'habitação  em  outros  pontos 
da  cidade.  Com  o  fallecimento  porem  da 
consorte  em  1865  passou  â  viver  habitual- 
mente  na  sua  quinta  da  Granja. 

Esta  quinta,  na  data  da  extincção  das  or- 
dens religiosas,  pertencia  aos  frades  cruzios 
da  Serra  do  Pilar,  havendo  pertencido  aos 
de  Grijó. 

Foi  vendida  em  hasta  publica  em  5  d'a- 
gosto  de  1836  a  D.  Anna  Joaquina  de  Mello. 
A  4  de  maio  de  1839  vendeu-a  esta  a  José 
Antonio  Alves  Vianna;  por  morte  d'este 
passou  para  a  viuva,  a  qual  a  vendeu  em 
31  de  dezembro  de  1860  a  Fructuoso  José 
da  Silva  Ayres,  de  quem  a  herdou  seu  fi- 
Ibo,  o  sr.  D.  Antonio,  seu  actuai  possuidor, 
que  n'ella  costuma  viver. 

No  dia  9  de  março  de  1881  estando  n'esta 
quinta  o  velho  Fructuoso  e  fazendo  annos 


j  n'aquelledia  o  seu  filho  Luiz  Ayres,  ia  o  ve- 
lhinho muito  alegre  festejar-lhos,  levando  na 
mão  um  lindo  ramo  de  camélias,  mas  alguns 
minutos  depois  de  entrar  na  carruagem  da 
via  férrea  e  indo  o  comboyo  em  marcha,  a 
morte  o  suprehendeu  repentinamente,  con- 
tando 77  annos  de  idade,  quasi  completos. 

Teve  uma  morte  suavíssima  e  por  fortu- 
na iam  na  mesma  carruagem  duas  irmãs  da 
caridade,  que  lhe  assistiram  ao  passamento. 

Jaz  ao  lado  da  esposa  e  d*alguns  filhos  no 
cemitério  d'Agramonte,  no  Porto.—  Deixou 
um  nome  venerando,  honradissimo,  e  uma 
fortuna  orçada  em  150  contos  ds  réis,  ape- 
sar das  grandes  sommas  que  despendeu 
com  os  filhos,  nomeadamente  com  o  José  e 
com  o  sr.  D.  Antonio. 

Deus  o  tenha  em  bom  logar,  como  firme- 
mente cremos. 

Ainda  os  Vouzellenses  illustres 

—José  Ribeiro  Cardoso,  filho  de  Vouzella 
e  muitos  annos  negociante  no  Porto,  onde 
falleceu  ha  annos. 

Instituiu  por  herdeira  a  Misericórdia  d'e3- 
ta  Villa  para  ella  fundar  um  Laus-perenne, 
e  um  Asylo  de  cegos,  aleijados  e  entrevados. 

A  Misericórdia  já  inaugurou  o  Laus  pe- 
renne,  mas  ainda  não  fundou  o  Asylo,  por 
que  ainda  não  pôde  liquidar  toda  a  heran- 
ça, que  deve  montar  a  40  contos  de  réis, 
aproximadamente. 

—O  Padre  Mestre  Simão  Rodrigues  d'A- 
zevedo,  varão  apostólico. 

Foi  companheiro  de  S.  Francisco  Xavier 
e  1,°  provincial  da  Companhia  de  Jesus  no 
nosso  paiz,  etc. 

Falleceu  em  Lisboa  a  15  de  julfco  de  1579 
contando  70  de  idade. 

Foi  este  illustre  vouzellense  o  1.*  jesuita 
que  veiu  a  Portugal,  quando  D,  João  líl,  a 
instancias  de  D.  Pedro  Mascarenhas,  estabe- 
leceu n'este  reino  a  Companhia  de  Jesus. 

Simão  Rodrigues  d' Azevedo  foi  um  dos 
primeiros  9  discípulos  de  Santo  Ignacio  de 
Loyola.  Estudava  em  Paris,  quando  o  santo 
fundador  o  escolheu  para  aquelle  aposto- 
lado. 


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Foi  o  fundador  da  província  lusitana  e 
falleceu  na  casa  professa  de  S.  Roqup,  onde 
jaz  na  eapella  mór,  junto  aos  degraus  do 
presbyterio. 

—Fr,  Pedro  Donato. 

Foi  religioso  franciscano  de  muita  íllus- 
tração  e  virtude. 

—Duarte  d' Almeida,  o  decepado; 

—Fei^não  Lopes  d' Almeida  e 

— Duarte  d' Almeida,  filho  do  antecedente. 

Foram  tudos  tres  fidalgos  muito  dislin- 
ctos  e  pessoas  muito  notáveis,  como  já  dis- 
semos quando  falíamos  da  celebre  quinta  da 
Cavallaria  e  no  tópico  Senhores  de  Lafões. 

Duarte  d'Álmeida,  o  decepado,  senhor  da 
quinta  da  Cavallaria,  immorlalisou  se  de- 
fendendo a  bandeira  portugueza  na  batalha 
de  Toro,  mas  perdeu- a  e  por  seu  turno  se 
immortalisou  também  salvando-a  namesma 
batalha  GonçsAo  Pires  Bandeira,  seu  visinho, 
natural  de  Besteiros  (Tondella)  ascendente 
dos  Bandeiras  de  Viseu,  Tondella  e  Granja. 

O  actual  visconde  de  Rériz  é  um  dos  de- 
candentes  do  nobre  decepado. 

V  Rériz,  tomo  8.»  pag.  152,  col.  1.»  e  Vi- 
seu, tomo       pag.  1840. 

— Fr.  José  de  S.  Bernardino,  religioso 
agostinho  descalço,  natural  de  Vouzella  do 
Sul,  que  suppomos  ser  esta,  visinha  de  S. 
Pedro  do  Sul. 

Professou  no  convento  do  Monte  Olivete, 
ou  do  Grillo,  em  Lisboa,  no  dia  8  de  agos- 
to de  1751. 

—Fr.  Chrystovam  de  Vouzella,  religioso 
franciscano  da  província  da  Soledade. 

Nasceu  na  villa  de  Vouzella  no  meiado 
do  sec.  XVI  e  foram  seus  paes  Antonio  d'Al- 
meida,  da  mesma  villa,  e  Filippa  de  Novaes, 
da  de  S.  Pedro  do  Sul. 

Foi  homem  muito  illustrado  e  piedosíssi- 
mo e  occupou  os  primeiros  cargos  da  sua 
ordem. 

Mandado  por  seus  paes  para  Coimbra,  no 
mesmo  dia  em  que  se  doutorou  na  faculda- 


de de  Cânones  tomou  o  habito  no  eonnvento 
de  Santo  Antonio  dos  Olivaes,  onde,  fifindo  o 
noviciado,  professou  a  29  de  dezembbro  de 
1585. 

Foi  guardião  no  convento  de  Portaalegre* 
onde  teve  por  súbdito  seu  tio,  o  padrere  pré* 
gador  Fr.  Francisco.de  S.  Pedro  do  Suul.  Em 
seguida  foi  guardião  em  Santo  Antonnio  dos 
Olivaes,  uma  das  maiores  guardianiaias  da 
província.  Foi  também  guardião  no  coonven- 
to  de  Santo  Antonio  de  Castello  Brancico  e  no 
de  S.  Francisco  de  Lagos;  depois  miiinistro 
provincial  da  ordem,  eleito  no  capituulo  ce- 
lebrado em  Évora  a  19  de  janeiro  de  1614; 
— passado  o  triennio  foi  eleito  custodio-* — e  no 
cap.  celebrado  em  Salamanca  em  17718  foi 
encarregado  de  visitar  a  provinda  frrancís- 
cana  da  Arrábida.  Em  seguida  o  duqque  de 
Bragança  D.  Theodosio  II,  pae  d'el-^reí  D. 
João  IV,  o  nomeou  seu  confessor,  cargigo  que 
pouco  tempo  desempenhou  por  haveier  en- 
surdecido, pelo  que  muito  contra  a  voontade 
do  duque  deixou  o  paço  de  Villa  Viçiçosa  e 
foi  para  o  seu  convento  d'Abrantes, ,  onde, 
passado  algum  tempo,  se  restabeleceuu. 

Em  seguida  foi  eleito  commissaririo  dos 
conventos  da  sua  ordem  nas  provineiíias  do 
Douro  e  Minho,  pelo  que  fixou  a  sua  a  resi- 
dência no  convento  de  Santo  Antoniiío  de 
Valle  de  Piedade,  onde,  como  em  Abra'antes, 
continuou  a  viver  a  vida  mais  humilde  8  e  pe- 
nitente, exercendo  os  misteres  mais  delespre- 
siveis  da  casa. 

Sendo  religioso  velho  e  grave,  ellee  pró- 
prio lavava  a  sua  roupa  e  para  isso  i  hia  á 
cerca  buscar  a  lenha  para  aquentar  a  i  agua 
(diz  a  chronica)  e  o  seu  hábito  era  muiiito  po- 
bre, e  remendado  por  sua  mão. 


Como  era  commissario  dos  convventos 
d'entre  Douro  e  Mioho,  podia  mudaar  ou 
transferir  como  lhe  aprouvesse  os  reeligio- 
sos  d*elles.  Achava-se  então  o  convennto  de 
S.  Fructuoso  de  Braga  assolado  porr  uma 
epidemia  medonha^  havendo  falleciddo  em 
poucos  dias  3  religiosos.  O  guardião  abí&icto 
pedia  ao  commissario  religiosos  para  t  trata- 
rem os  doentes  e  prefazerem  as  vagias  da 


vou 


vou  2039 


commaaidade.  Partiu  logo  para  Braga  elle 
próprio,  para  não  expôr  mais  vidas,  e  aos 
que  lhe  pediam  que  não  fosse,  respondeu: 
Deixai -me  ir  animar  aquelle  guardião,  que 
o  sinto  desmaiado. 

Passou  08  últimos  annos  de  vida  no  con- 
vento d' Azarara,  onde  espirou  santamente, 
já  decrépito  e  ali  jaz.^ 
— Braz  de  Figueiredo  Castello  Branco- 
Foi  dezembargador  e  cbanceller-mór  da 
relação  do  Porto;  casou  com  D.  Francisca 
de  Figueiredo  Mendes  Antas,  da  nobre  famí- 
lia Mendes  Antas  de  Vimioso  e  d'elle  pro- 
cedem muitas  famílias  da  nossa  1.*  no- 
breza. 

—Pedro  Moniz  Bochicho,  casado  com 
Maria  Cides. 

Viveram  no  sec.  xii  e  doaram  ao  mostei- 
ro do  Paço  de  Sousa  metade  da  egreja  de 
S.  Tbíago  de  Garvalhaes,  de  que  eram  se- 
nhores, no  concelho  actual  de  S.  Pedro  do 
Sul. 

— Martim  Peres  Bochicho,  filho  do  antece- 
dente. 

Impugnou  aquella  doação,  mas  veiu  a  um 
accordo  com  os  monges  em  7  de  julho  de 
para  que  a  dieta  egreja  fosse  apre- 
sentada simultaneamente  pelos  frades  e  pe- 
los Bochichos.  Era  pois  muito  importante  em 
Lafões  a  famiiia  Bochichos  nos  séculos  xii  e 
xm. 

V.  Paçõ  de  Sousa,  tomo  4."  pag.  391, 
eol.  2.» 

— Dr.  Manoel  d' Almeida  e  Samsa  de  Lo- 
bão, distinciissimo  jurisconsulto 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  art. 
Lobão,  tomo  4."  pag.  431,  col.  2.* — e  com  re- 
lação ás  suas  obras  veja-se  o  Diccionarto  Bi- 
bi, de  Innoeencio. 

—  Fradique  de  Mello  Meneses  e  Castro, 
cavalheiro  respeitabilissimo. 


1  V.  Chronica  da  Provinda  da  Soledade, 
tomo  1.0  pag.  400  a  409. 


Uma  correspondência  de  Vouzella,  com 
data  de  27  d'agosto  de  1886,  dizia  o  se- 
guinte: 

«--Falleceu  bontem  na  sua  nobre  casa  de 
FatauQços,  a  Ires  kilometros  doesta  villa,  o 
sr.  Fradique  de  Mello  Menezes  e  Castro,  an- 
tigo tenente  coronel  do  regimento  de  milí- 
cias de  Tondella,  pae  do  sr.  dr.  Ayres  de 
Mello  Menezes  e  Castro,  digno  presidente  da 
camará  municipal  de  Vouzella,  e  do  sr.  José 
de  Souza  Menezes  e  Castro,  e  sogro  do  sr. 
juiz  de  direito,  José  de  Gouveia  Osorio,  e 
do  sr.  Leonel  Cardoso  de  Menezes. 

O  sr.  Fradique  de  Mello  era  um  cavalhei- 
ro de  toda  a  probidade  e  seriedade,  a  quem 
todos  respeitavam  como  venerando  ancião 
e  amigo  sincero  de  todos  que  conhecia.* 

—Manoel  d' Azevedo,  da  companhia  de  Je- 
sus. 

Nos  Commentarios  ao  dia  28  de  Junho, 
pag.  742,  col.  2."  lettra  m,  se  lô  no  Agiologio 
Lusitano  o  seguinte: 

«Foi  o  irmão  Manoel  d' Azevedo,  natural 
da  villa  de  Vouzella.  Sens  paes  se  chama- 
rão Antonio  Pinto,  e  Emerenciana  de  An- 
drade. Entrou  na  Companhia  era  o  CoUegio 
de  Coimbra  a  27  de  abril  de  1614,  tendo  10 
annos  de  idade,  e  falleceu  no  de  Braga  aos 
18  de  Junho  de  1617,  havendo  ornado  sua 
alma  com  essenciaes  virtudes  nos  3  annos 
que  leve  de  Religião,  as  quaes  se  podem  ver 
em  sua  vida,  que  anda  ms.  pelo  P.  Baltha- 
zar  de  Figueiredo,  ministro  então  do  colle- 
gio  bracharense,  dedicada  ao  padre  Fran- 
cisco de  Mendonça,  reitor  do  de  Coimbra.* 


O  mesmo  Agiologio  no  texto,  pag.  739, 
fallando  d'este  Ínclito  varão,  diz: 

«Primeiramente  gastava  cada  dia  na  ora- 
ção mental  4  horas,  alem  do  offlcio,  e  co- 
roa de  Nossa  Senhora,  e  de  outras  pias  e 
devotas  orações  a  muitos  santos. 


«Tomava  bua  larga  disciplina,  e  ás  ve- 
zes duas,  e  por  isso  as  trazia  tão  gastadas, 
que  era  necessário  prover- se  d'ellas,  como 
de  mantimento.  Huas  de  cordas  de  arame, 


2040  VOU 

mui  fortes,  lhe  durarão  somente  3  mezes,  e 
menos  outras  de  cordel  encerado  

«Usava  de  5  géneros  de  cilícios,  a  saber 
de  ásperas  sedas,  de  duro  ferro,  e  de  ca- 
deas  de  arame  com  penetrantes  pontas.  Es- 
tes 3  serviam  para  a  cintura;  os  dois,  hum 
da  mesma  matéria,  para  os  sustinentes,  e 
outro  de  ferro  para  o  pescoço. . . — para  de 
noite  tinha  hum  tão  largo,  e  aspérrimo,  que 
lhe  tomava  o  corpo  todo. . . 

iDe  ordinário  comia  em  terra  por  humil- 
dade, beijava  os  pés  aos  irmãos,  e  pedia  pe- 
nitencias desuzadas . . . 

•Também  assistia  aos  pobres,  e  bebia  pe- 
las tigellas  mais  nojentas  e  ascorosas,  sendo 
limpo  e  asseado  de  seu  natural. 


«Sendo  alegre  em  demasia,  somente  o 
vião  melancolisado,  quando  se  dizia  em  seu 
louvor  alguma  cousa  


— Fr.  Pedro  de  Vouzella. 

Floreceu  no  convento  velho  de  S.  Fran- 
cisco de  Coimbra,  sendo  ainda  de  claustraes, 
pelos  annob  de  1560. 

Foi  frade  leigo,  mas  muito  virtuoso,  pelo 
que  08  vouzellenges,  seus  patrícios,  o  tive- 
ram sempre  em  muita  veneração  e  o  man- 
daram pintar  na  matriz  de  Vouzella,  junto 
de  S.  Fr.  Gil  e  do  Padre  Mestre  Simão,  da 
Companhia  de  Jesus,  indicados  supra,  fican- 
do lodos  3  na  mesma  linha; — S.  Fr.  Gil  no 
centro;  o  Mestre  Simão  á  esquerda  —  e  Fr. 
Pedro  á  direita,  —  segundo  se  lê  no  Agiol. 
Lusit.,  tomo  1."  pag.  45i,  let.  d. — e  pag.  459. 

— João  Correia  d' Oliveira,  fallecido  a  14 
de  outubro  de  1882. 

Era  um  cavalheiro  muito  traetavei,  muito 
serviçal,  commendador  da  ordem  de  Chris- 
to,  abastado  proprietário  e  homem  de  gran- 
de influencia  n'e8te  concelho. 

Foi  muitos  annos  presidente  da  camará 
de  Vouzella,  procurador  á  junta  geral  do 
dístricto,  recebedor  da  comarca  e  juiz  de 
direito  substituto. 

Vouzella  deveu-lhe  sempre  a  maior  dedi- 
cação pelo  seu  engrandecimento. 


VOU 

D'elle  já  fizemos  menção  no  topicoco  supra 
-^Quintas. 

— José  Cardoso  Pereira  Pinto  de^£  Mene'\^ 
seSf  fidalgo  de  antiga  linhagem,  n<nobre  d 
muito  nobre  pelo  sangue  e  mais  aininda  pe,^ 
las  suas  virtudes.  | 

r^asceu  na  villa  de  Vouzella  a  9  d  d'agosta 
de  1793  e  falleeeu  na  sua  casa  de  ViFilla  Flor; 
em  Traz  os  Montes,  a  24  de  dezemmbro  de 
1875,  tendo  de  idade  82  annos. 

Era  filho  de  Luiz  Cardoso  Pereirira  Pinte 
j  de  Menezes,  moço  fidalgo  da  casa  reseal  e  ca- 
pitão mór  de  S.  Martinho  de  Mouroros,  e  de 
D.  Maria  BUa  de  Mello  Almeida  Barrrros  Sou- 
sa Girão  Seixas  Cardoso. 

Por  morte  de  seus  paes  foi  vivever  para 
Villa  Flor,  onde  lhe  pertencera  um  n  antigo 
morgado,  que  fôra  instituído  por  umm  nobrcj 
fidalgo,  seu  ascendente,  Lopo  Macháiado  Pe-j 
reira  e  sua  mulher  D.  Brites  de  MMenezes. 
da  antiga  casa  de  Cardoso^  solar  dos  >s  Cardo- 
SOS,  coevo  da  monarcbia. 

Foi  sua  vida  sempre  de  verdadeircro  chris- 
tão  e  cheia  de  virtudes,  principalmmente  daj 
caridade  para  com  os  pobres  que  n'Q'elle  foi! 
em  grau  subido,  chegando  ás  vezes  s  a  pri> 
var-se  até  de  commodidades  para  soraccorreij 
os  miseráveis.  Nunca  à  sua  porta  batateu  una 
infeliz  que  não  encontrasse  alivio  *  e  coUf 
fôrto. 

Era  legilimista  sincero  e  bondoso.o. 

A  perseguição  que  hoje  se  está  fazazendo  á 
Egreja  o  aiUigia  em  extremo,  de  soiorte  que 
nunca  fallava  no  Santo  f  adre  que  nãoão  cho* 
rasse  e  não  levantasse  as  mãos  treremulas, 
pedindo  a  Deus  o  defendesse  e  á  suaia  Egret 
ja.  Foi  sempre  casto  e  modesto,  homnrado  6 
exemplar. 

Tal  íoi  a  sua  vida,  por  isso  sua  mmorte  deH 
via  ser  também  de  justo.  Um  annmo  viveij 
I  entrevado  e  então  redobrou  sua  p  piedadej 
!  confessando-se  e  commungando  amiDiudadaí 
vezes,  o  que  fazia  sempre  com  lagririmas  de 
compunção;  e,  tendo  recebido  peia  ia  ultimsj 
vez  o  Sagrado  Viatico,  começou  a  orsrar  e  as^ 
sim  ádormeceu  o  somno  dos  justetos,  sem 
afnicções,  sem  remorsos,  sem  angusistias,  n( 


vou 


vou  2039 


commuDÍdade.  Partiu  logo  para  Braga  elle 
próprio,  para  não  expôr  mais  vidas,  e  aos 
qae  Itie  pediam  que  não  fosse,  respondeu: 
Deixai  me  ir  animar  aquelle  guardião,  que 
o  sinto  desmaiado. 

Passou  08  últimos  annos  de  vida  no  con- 
vento d'Azurara,  onde  expirou  santamente, 
já  decrépito  e  ali  jaz.^ 
— Braz  de  Figueiredo  Castello  Branco- 
Foi  dezembargador  e  chanceller  mór  da 
relação  do  Porto-,  casou  com  D.  Francisca 
de  Figueiredo  Mendes  Antas,  da  nobre  famí- 
lia Mendes  Antas  de  Vimioso  e  d'elle  pro- 
cedem muitas  famílias  da  nossa  1.*  no- 
breza. 

—Pedro  Moniz  Bochicho,  casado  com 
Maria  Cides. 

Viveram  no  sec.  xii  e  doaram  ao  mostei- 
ro do  Paço  de  Sousa  metade  da  egreja  de 
S.  Thiago  de  Carvalhaes,  de  que  eram  se- 
nhores, no  concelho  actual  de  S.  Pedro  do 
Sul. 

— Martim  Peres  Bochicho,  filho  do  antece- 
dente. 

Impugnou  aquella  doação,  mas  veiu  a  um 
accordo  com  os  monges  em  7  de  julho  de 
1228,  para  que  a  dieta  egreja  fosse  apre- 
sentada simultaneamente  pelos  frades  e  pe- 
los Bochichos.  Era  pois  muito  importante  em 
Lafões  a  família  Bochichos  nos  séculos  xii  e 

XIII. 

V.  Paço  de  Sousa,  tomo  4."  pag.  391, 
col.  2.» 

— Dr.  Manoel  d' Almeida  e  Sousa  de  Lo- 
bão, distinctissimo  jurisconsulto 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  art. 
Lobão,  tomo  4.»  pag.  431,  col.  2.'~e  com  re- 
lação ás  suas  obras  veja-se  o  Diccionario  Bi- 
bi, de  Innocencio. 

—  Fradique  de  Mello  Meneses  e  Castro, 
'  çavalheiro  respeitabilissimo. 


í  V.  Chronica  da  Provinda  da  Soledade, 
tomo  1.0  pag.  400  a  409. 


Uma  correspondência  de  Vouzella,  com 
data  de  27  d'agosto  de  1886,  dizia  o  se- 
guinte: 

-Falleceu  hontem  na  sua  nobre  casa  de 
Fataunços,  a  tres  kilometros  doesta  villa,  o 
sr.  Fradique  de  Mello  Menezes  e  Castro,  an- 
tigo tenente  coronel  do  regimento  de  milí- 
cias de  Tondella,  pae  do  sr.  dr.  Ayres  de 
Mello  Menezes  e  Castro,  digno  presidente  da 
camará  municipal  de  Vouzella,  e  do  sr.  José 
de  Souza  Menezes  e  Castro,  e  sogro  do  sr. 
juiz  de  direito,  José  de  (Jouveia  Osorio,  e 
do  sr.  Leonel  Cardoso  de  Menezes. 

O  sr.  Fradique  de  Mello  era  um  cavalhei- 
ro de  toda  a  probidade  e  seriedade,  a  quem 
todos  respeitavam  como  venerando  ancião 
e  amigo  sincero  de  todos  que  conhecia.»  . 

—Manoel  d' Azevedo,  da  companhia  de  Je- 
sus. 

Nos  Commentarios  ao  dia  28  de  Junho, 
pag.  742,  col.  2.*  lettra  m,  se  lé  no  Agiologio 
Lusitano  o  seguinte: 

•Foi  o  irmão  Manoel  d' Azevedo,  natural 
da  Villa  de  Vouzella.  Seus  paes  se  chama- 
rão Antonio  Pinto,  e  Emerenciana  de  An- 
drade. Entrou  na  Companhia  em  o  Collegio 
de  Coimbra  a  27  de  abril  de  1614,  tendo  10 
annos  de  idade,  e  falleceu  no  de  Braga  aos 
18  de  Junho  de  1617,  havendo  ornado  sua 
alma  com  esseneiaes  virtudes  nos  3  annos 
que  leve  de  Religião,  as  quaes  se  podem  ver 
em  sua  vida,  que  anda  ms.  pelo  P.  Baltha- 
zar  de  Figueiredo,  ministro  então  do  colle- 
gio bracharense,  dedicada  ao  padre  Fran- 
cisco de  Mendonça,  reitor  do  de  Coimbra.» 


O  mesmo  Agiologio  no  texto,  pag.  739, 
fallando  d'e8te  ínclito  varão,  diz:  ^ 

•  Primeiramente  gastava  cada  dia  na  ora- 
ção mental  4  horas,  alem  do  offlcio,  e  co- 
roa de  Nossa  Senhora,  e  de  outras  pias  e 
devotas  orações  a  muitos  santos. 


•Tomava  hua  larga  disciplina,  e  ás  ve- 
zes duas,  e  por  isso  as  trazia  tão  gastadas, 
que  era  necessário  prover- se  d'ellas,  como 
de  mantimento.  Huas  de  cordas  de  arame. 


2040  VOU 

mui  fortes,  lhe  durarão  somente  3  mezes,  e 
menos  outras  de  cordel  encerado  

«Usava  de  5  géneros  de  cilícios,  a  saber 
de  ásperas  sedas,  de  duro  ferro,  e  de  ca* 
deas  de  arame  com  penetrantes  pontas.  Es- 
tes 3  serviam  para  a  cintura;  os  dois,  hum 
da  mesma  matéria,  para  os  sustinentes,  e 
outro  de  ferro  para  o  pescoço. . . — para  de 
noite  tinha  hum  tão  largo,  e  aspérrimo,  que 
lhe  tomava  o  corpo  todo. . . 

«De  ordinário  comia  em  terra  por  humil- 
dade, beijava  os  pés  aos  irmãos,  e  pedia  pe- 
nitencias desuzadas. . . 

«Também  assistia  aos  pobres,  e  bebia  pe- 
las tigellas  mais  nojentas  e  ascorosas,  sendo 
limpo  e  asseado  de  seu  natural. 


•Sendo  alegre  em  demasia,  somente  o 
vião  melancolisado,  quando  se  dizia  em  seu 
louvor  alguma  cousa  


— Fr.  Pedro  de  Vouzella. 

Floreceu  no  convento  velho  de  S.  Fran- 
cisco de  Coimbra,  sendo  ainda  de  claustraes, 
pelos  annoh  de  1560. 

Foi  frade  leigo,  mas  muito  virtuoso,  pelo 
que  os  vouzellenses,  seus  patricios,  o  tive- 
ram sempre  em  muita  veneração  e  o  man- 
daram pintar  na  matriz  de  Vouzella,  junto 
de  S.  Fr.  Gil  e  do  Padre  Mestre  Simão,  da 
Companhia  de  Jesus,  indicados  supra,  fican- 
do todos  3  na  mesma  linha; — S.  Fr.  Gil  no 
centro;  o  Mestre  Simão  á  esquerda  —  e  Fr. 
Pedro  á  direita,  —  segundo  se  lô  no  Agiol. 
Lusit.,  tomo  1.»  pag.  45i,  let.  d. — e  pag.  459. 

— João  Correia  d' Oliveira,  fallecido  a  i4 
de  outubro  de  1882. 

Era  um  cavalheiro  muito  traetavel,  muito 
serviçal,  commendador  da  ordem  de  Chris- 
to,  abastado  proprietário  e  homem  de  gran- 
de influencia  n'e8te  concelho. 

Foi  muitos  annos  presidente  da  camará  I 
de  Vouzella,  procurador  á  junta  geral  do  j 
districto,  recebedor  da  lomarca  e  juiz  de  i 
direito  substituto.  ! 

Vouzella  deveu-lbe  sempre  a  maior  dedi- 
cação pelo  seu  engrandecimento.  ' 


VOU 

D'elle  já  Qzemos  menção  no  topicoa  supra 
— Quintas. 

— José  Cardoso  Pereira  Pinto  de  Mene- 
ses, fidalgo  de  antiga  linhagem,  niobre  e 
muito  nobre  pelo  sangue  e  mais  aimda  pe- 
las suas  virtudes. 

r^asceu  na  villa  de  Vouzella  a  9  dVagosto 
de  1793  e  falleceu  na  sua  casa  de  Villla  Flor, 
em  Traz  os  Montes,  a  24  de  dezemíbro  de 
1875,  tendo  de  idade  82  annos. 

Era  filho  de  Luiz  Cardoso  Pereírra  Pinto 
de  Menezes,  moço  fidalgo  da  casa  reaal  e  ca- 
pitão  mór  de  S.  Martinho  de  Mourões,  e  de 
D.  Maria  Rita  de  Mello  Almeida  Barrcos  Sou- 
sa Girão  Seixas  Cardoso. 

Por  morte  de  seus  paes  foi  vivejr  para 
Villa  Flor,  onde  lhe  pertencera  um  antigo 
morgado,  que  fôra  instituído  por  umi  nobre 
fidalgo,  seu  ascendente,  Lopo  Machaido  Per 
reira  e  sua  mulher  D.  Brites  de  Mienezes, 
da  antiga  casa  de  Cardoso^  solar  dos  iCardo- 
sos,  coevo  da  monarchia. 

Foi  sua  vida  sempre  de  verdadeiro)  chris- 
tão  e  cheia  de  virtudes,  principalme^nte  da 
caridade  para  com  os  pobres  que  n'felle  foi 
em  grau  subido,  chegando  ás  vezes  a  pri- 
var-se  até  de  commodidades  para  soccorrer 
os  miseráveis.  Nunca  á  sua  porta  batteu  um 
infeliz  que  não  encontrasse  alivio  (e  con- 
forto. 

Era  legitimista  sincero  e  bondoso. 

A  perseguição  que  hoje  se  está  fazcendo  á 
Egreja  o  affligia  em  extremo,  de  sorrte  que 
nunca  fallava  no  Santo  tadre  que  nãío  cho- 
rasse e  não  levantasse  as  mãos  tretrnulas, 
pedindo  a  Deus  o  defendesse  e  á  suai  Egre- 
ja. Foi  sempre  casto  e  modesto,  homrado  e 
exemplar. 

Tal  foi  a  sua  vida,  por  isso  sua  mo)rte  de- 
via ser  também  de  justo.  Ura  anno)  viveu 
entrevado  e  então  redobrou  sua  piiedade, 
confessando-se  e  commungando  amiiudadas 
vezes,  o  que  fazia  sempre  com  lagrionas  de 
compunção;  e,  tendo  recebido  pela  ultima 
vez  o  Sagrado  Viatico,  começou  a  orair  e  as- 
sim  adormeceu  o  somno  dos  justo}s,  sem 
afnicções,  sem  remorsos,  sem  angustiias,  no 


vou 


vou  2041 


meio  das  lagrimas  e  das  bênçãos  d'uma  po- 
voação inteira  que  o  amava  e  estremecia. 

Seu  sobrinho,  o  reverendo  João  Bebello 
Cardoso  de  Menezes,  foi  chamado  lelegraS- 
eamente,  mas  já  não  chegou  a  assistir  á  sua 
morte. 

Foi  enterrado  no  jazigo  da  familia,  na 
egreja  de  S.  Bartholomeu  de  Villa  Flor,  on- 
de sua  sepultura  é  orvalhada  todos  os  dias 
com  as  lagrimas  dos  pobresinhos  que  ali 
vão  orar  pelo  eterno  descanço  do  seu  pae 

Fez  testamento  publico,  deixando  herdeiro 
do  usafructo  de  todos  os  seus  bens  ao  reve- 
rendo João  Rebello  Cardoso  de  Menezes,  seu 
sobrinho,  e  a  raiz  dos  mesmos  a  suas  sobri- 
nhas— viscondessa  de  Margaride  e  D.  Antó- 
nia Casimira  Rebello  Cardoso  de  Menezes,  e 
aos  seus  sobrinhos  Bernardino  Rebello  Car- 
doso de  Menezes  e  José  Bebello  Cardoso  de 
Menezes. 


O  sobrinho  e  herdeiro  do  illustre  vouzel- 
lense  finado  é  o  actual  sr.  D.  João  Rebello 
Cardoso  de  Menezes,  Arcebispo  de  Larissa, 
coadjutor  e  futuro  sueeessordo  bispo  de  La- 
mego D.  Antonio  da  Trindade  e  Vasconcel- 
los. 

Foi  avó  do  sr.  arcebispo  D.  Maria  Rifa  de 
Mello  Almeida  Barros  de  Sousa  Girão  Car- 
doso, natural  da  villa  de  Vouzella,  filha  de 
José  Bernardo  d'Almeida  de  Barros,  bisneto 
do  capitão  môr  d'Ansemil  João  Rodrigues 
de  Sequeira  e  Loureiro,  descendente  da  il- 
lustre casa  de  Loureiro  e  Sá,  d'esta  familia. 

A  dieta  D.  Maria  Rita  de  Mello  era  filha 
de  D.  Bosa  Girão,  da  casa  da  Corujeira,  so- 
lar dos  Giròes,  e  descendente  de  D.  Affooso 
Girão,— -sendo  a  dieta  casa  hoje  representa- 
da pelo  visconde  do  Banho. 

A  mesma  sr."  D.  Maria  Bita  era  descen- 
dente, tanto  pelo  lado  paterno,  como  mater- 
no, da  illustre  familia  de  Figueiredo  das  Do- 
nas^ cujo  ascendente  Guesto  Ansur  libertou 
as  6  donzellas  do  poder  dos  mouros,  matan- 
do-os,  como  diz  a  lenda,  com  o  tronco  de 
uma  figueira. 

Para  evitarmos  repetições  veja-se  o  arl. 
Figueiredo  das  Donas,  tomo  3."  pag.  193, 
col.  2.» 


Nas  suas  casas  da  Praça  da  villa  de  Vou- 
zella, onde  nasceu  a  dieta  senhora,  ainda  ho- 
je lá  se  vé  um  brazão  d'armas  com  folhas 
de  figueira,  alludindo  à  pretendida  façanha 
de  Guesto  Ansur. 

Ê  pois  oriundo  de  Voazella  o  sr.  arcebis- 
po de  Larissa,  mas  filho  de  Villa  Real  de 
Traz  os  Montes,  pelo  que  jà  fizemos  menção 
d'elle  no  tópico  dos  Villarialenses  illuslres, 
quando  s.  ex."  era  arcebispo  de  Miiylene, 
provisor  e  vigário  geral  do  patriarchado  de 
Lisboa,  ele. 

V.  Ví7/a  Real  de  Traz  os  Montes,  vol. 
11.»  pag.  1030,  col.  i.« 

Nasceu  na  freguezia  de  S.  Pedro  de  Villa 
Real,  no  dia  29  d'outubro  de  1832,i— e  fo- 
ram seus  paes  Bernardino  Felisardo  de  Car- 
valho Bebello  e  D.  Mathilde  Carolina  de  Me- 
nezes Girão  Cardoso. 

Foi  sagrado  arcebispo  de  Mitylene  no  se- 
minário de  Santarém  pelo  eminentíssimo 
cardeal  patriarcba  de  Lisboa,  no  dia  7  de 
dezembro  de  1884  e,  como  o  titulo  de  arce- 
bispo de  Mitylene  é  propriedade  dos  vigários 
geraes  do  patriarchado,  quando  s.  ex.*  foi 
promovido  a  coadjutor  e  futuro  successor 
do  bispo  de  Lamego,  o  romano  pontífice  o 
nomeou  arcebispo  de  Larissa. 

— Ricardo  Pinto  de  Mattos,  escriptor  pu- 
blico. 

Foi  guarda-sala  (offlcial  menor)  da  biblio- 
theca  publica  do  Porto,  excellente  pessoa  e 
zeloso  empregado,  muito  modesto,  muito 
intelligente  e  muito  trabalhador. 

Falleeeu  no  vigor  da  vida,  approximada- 
mente  em  1882,  havendo  escripto  e  publi- 
cado as  obras  seguintes: 

1.» — Manual  bibliographico  portuguez  de 
livros  raros,  clássicos  e  curiosos,  revisto  e 
prefaciado  por  C.  C.  Branco.  Porto  {Livra- 
ria Portuense,  editora)  l^vol.  8.» 

È  um  trabalho  muito  consciencioso  e  de 


1  Tem  de  idade  apenas  mais  16  dias  do 
que  eu,  pois  nasci  em  i4  de  novembro  de 
1832. 

V.  Corvaceira. 


2042  VOU 

bastante  merecimeDto,  que  mereceu  a  hoii' 
ra  de  ser  prefaciado  pelo  nosso  primeiro  ro- 
mancista e  laureado  escriptor  —  Camillo 
Castello  Branco,  hoje  visconde  de  Correia 
Botelho. 

2.  «  —  Memoria  histórica  e  descriptiva  da 
Ordem  Terceira  de  S.  Francisco  do  Porto... 
J88a.— i  vol.  8.»  peq. 

3.  *— Historia  do  nascimento,  vida  e  mor- 
te de  S.  João  Baptista,  precursor  de  Jesus 
Christo,  e  de  Santa  Isabel  sua  mãe,— Porto 
1880— i  vol.  8.»  peq. 

Se  a  morte  o  não  roubasse  tão  cedo,  se- 
ria um  fecundo  eseriptor. 

Deixou  mss.  alguns  apontamfntos  infor- 
mes e  propuDha-se  escrever  e  publicar  tam- 
bém uma  monographia  de  Vouzella,  sua 
pátria 

Falleceu  solteiro  e  sem  suceessão. 

—O  reverendo  dr.  Jo^é  Maria  de  Lima  e 
Limos,  natural  de  Fataunços,  freguezia 
d'este  concelho  de  Vouzella  e  distante  da 
Villa  apenas  3  kilometros  para  E.» 

Poutorou-se  em  cânones  pela  Universida- 
de de  Coimbra  e  ali  foi  lente  de  direito  e 
lente  distinctissimo  até  1834,  data  em  que 
os  liberaes  trinmphantes  extinguiram  muito 
inconvenientemente  as  ordens  religiosas  e 
expulsaram  da  Universidade  todos  os  lentes 
considerados  legitimistas.^ 

Nós  o  conhecemos  perfeitamente  e  o  vi- 
mos e  admirámos  muitas  vezes,  porque  ainda 
vivia  durante  a  nossa  formatura  (18S 1-1856) 


1  V.  Fataunços  n'e8te  diccionario  e  no 
supplemento,  onde  ampliaremos  considera- 
velmente aquelle  artigo. 

2  O  próprio  visconde  d'Almeida  Garrett, 
liberal  insuspeito  e  que  militou  nas  fileiras 
do  sr.  D.  Pedro  IV,  disse  nas  Viagens  da  mi- 
nha terra: 

«Nós  extinguimos  os  frades^  mas  creámos 
os  barões,  que  hão  de  dar  cabo  de  nós! . . . 

«Os  frades,  que  eram  patriotas  na  Irlan- 
da, na  Polónia  e  no  Brazil,  podiam  e  deviam 
ser  psRriotas  em  Portugal  lambem,  se  os  re- 
formassem e  não  os  extinguissem.» 

O  pensamento  é  este,  mas  pode  haver  di- 
fferença  nas  palavras,  porque  citamos  de 
memoria.  Desculpem. 


ym 

e  morava  em  Coimbra  no  Cidrai,  pelo  que 
todos  o  conheciam  e  respeitavam  como  o 
dr.  José  Maria  do  Cidral,  formosa  quinta 
junto  do  Penedo  da  Saudade  e  do  convento 
das  Theresinhas,  onde  era  confessor  e  dire- 
ctor espiritual. 


No  dicto  convento,  que  os  próprios  estu- 
dantes veneravam,  nós  ouvimos  pregar  o 
venerando  doutor  na  grande  festividade  que 
ali  aquellas  tão  penitentes  como  piedosíssi- 
mas religiosas  celebraram  quando  a  nossa 
egreja  santa  definiu  e  decretou  como  dogma 
a  Immaculada  Conceição  de  Maria. 

Foi  longo,  bastante  longo,  o  sermão,  e  re- 
cheado úti  textos  em  latim,  mas  todos  o^ 
fieis  que  entulhavam  o  templo,  comprehen- 
dendo  grande  numero  de  estudantes,  entre 
os  quaes  um  dos  mais  novos  e  o  mais  hu- 
milde e  obscuro  de  todos  —  era  o  humilde 
auctor  d'esias  linhas,  —  todos  ficaram  exta- 
siados. 

Nunca  ouvimos  sermão  que  tanto  nos 
commovessel 

O  venerando  dr.  parecia  um  apostolo 
pregando— e  como  varão  apostólico  era  tido 
e  considerado  por  todos. 


Nasceu  em  Fataunços,  no  anno  de  1794,  e 
falleceu  em  dezembro  de  1878  na  casa  da 
egreja  das  Theresinhas,  aos  84  annos  de 
idade. 

O  sr.  bispo-conde  de  Coimbra  lhe  mandou 
fazer  exéquias  solemnes  na  Sé  d'aqaella  ci- 
dade em  janeiro  de  1879  e  jaz  no  cemitério 
d^  freguezia  de  Santo  Antonio  dos  Olivaes, 
junto  da  sepultura  de  D.  Maria  Osorio,  mãe 
do  sr.  Miguel  Osorio,  dono  da  quinta  das 
Lagrimas. 

Foram  muito  pomposas  as  ditas  exéquias 
e  n'ella3  pregou  o  sr.  D.  Antonio  Ayres  de 
Gouveia,  bispo  de  Bethsaida,  de  quem  já  fi- 
zemos mensão  supra,  então  lente  da  Uni- 
versidade e  bispo  eleito  do  Algarve,  cujo 
sermão  foi  primorosíssimo,  já  porque  o  sr. 
D.  Antonio  é  talvez  o  nosso  primeiro  orador 
sacro,— já  porque  o  auditório  era  muUíssi* 


vou 

meio  das  lagrimas  e  das  bênçãos  d'ama  po- 
voação inteira  qae  o  amava  e  estremecia. 

Seu  sobrinho,  o  reverendo  João  Rebello 
Cardoso  de  Menezes,  foi  chamado  lelegraQ' 
eamente,  mas  já  não  chegou  a  assistir  á  sua 
morte. 

Foi  enterrado  no  jazigo  da  família,  na 
egreja  de  S.  Bartholomeu  de  Villa  Flor,  on- 
de saa  sepultura  é  orvalhada  todos  os  dias 
com  as  lagrimas  dos  pobresinhos  que  ali 
vão  orar  pelo  eterno  descanço  do  seu  pae 

Fe?  testamento  publico,  deixando  herdeiro 
do  usufrueto  de  todos  os  seus  bens  ao  reve- 
rendo João  Rebello  Cardoso  de  Menezes,  seu 
sobrinho,  e  a  raiz  dos  mesmos  a  suas  sobri- 
nhas— viscondessa  de  Margaride  e  D.  Antó- 
nia Casimira  Rebello  Cardoso  de  Menezes,  e 
aos  seus  sobrinhos  Bernardino  Rebello  Car- 
doso de  Menezes  e  José  Rebello  Cardoso  de 
Menezes. 


O  sobrinho  e  herdeiro  do  illustre  vouzel- 
lense  finado  é  o  actual  sr.  D.  João  Rebello 
Cardoso  de  Menezes,  Arcebispo  de  Larissa, 
coadjutor  e  futuro  successordo  bispo  de  La- 
mego D.  Antonio  da  Trindade  e  Vasconcel- 
los. 

Foi  avó  do  sr.  arcebispo  D.  Maria  Rifa  de 
Mello  Almeida  Barros  de  Sousa  Girão  Car- 
doso, natural  da  villa  de  Vouzella,  filha  de 
José  Bernardo  d'Almeida  de  Barros,  bisneto 
do  capitão  môr  d'Ansemil  João  Rodrigues 
de  Sequeira  e  Loureiro,  descendente  da  il- 
lustre casa  de  Loureiro  e  Sá,  d'esta  familia. 

A  dieta  D.  Maria  Rita  de  Mello  era  filha 
de  D.  Rosa  Girão,  da  casa  da  Corujeira,  so- 
lar dos  Girões,  e  descendente  de  D.  Affonso 
Girão, — sendo  a  dieta  casa  hoje  representa- 
da pelo  visconde  do  Banho. 

A  mesma  sr."  D.  Maria  Rita  era  descen- 
dente, tanto  pelo  lado  paterno,  como  mater- 
no, da  illustre  familia  de  Figueiredo  das  Do' 
íia*,  cujo  ascendente  Guesto  Ansur  libertou 
as  6  donzellas  do  poder  dos  mouros,  matan- 
do-os,  como  diz  a  lenda,  com  o  tronco  de 
uma  figueira. 

Para  evitarmos  repetições  veja-se  o  art. 
Figueiredo  das  Donas,  tomo  3."  pag.  193, 
col.  2.* 


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Nas  suas  casas  da  Praça  da  villa  de  Vou* 
zella,  onde  nasceu  a  dieta  senhora,  ainda  ho- 
je lá  se  vé  um  brazão  d'armas  com  folhas 
de  figueira,  alludindo  á  pretendida  façanha 
de  Guesto  Ansur. 

É  pois  oriundo  de  Vouzella  o  sr.  arcebis- 
po de  Larissa,  mas  filho  de  Villa  Real  de 
Traz  os  Montes,  pelo  que  já  fizemos  menção 
d'elle  no  tópico  dos  Villarialenses  illusíres, 
quando  s.  ex  *  era  arcebispo  de  Mitylene^ 
provisor  e  vigário  geral  do  patriarchado  de 
Lisboa,  etc. 

V.  Vi7/a  Real  de  Traz  os  Montes,  vol. 
pag.  1030,  col.  1.» 

Nasceu  na  freguezia  de  S.  Pedro  de  Villa 
Real,  no  dia  29  d'outubro  de  1832,»— e  fo- 
ram seus  paes  Bernardino  Felisardo  de  Car- 
valho Rebello  e  D.  Mathilde  Carolina  de  Me- 
nezes Girão  Cardoso. 

Foi  sagrado  arcebispo  de  Mitylene  no  se- 
minário de  Santarém  pelo  eminentíssimo 
cardeal  patriarcba  de  Lisboa,  no  dia  7  de 
dezembro  de  1884  e,  como  o  titulo  de  arce- 
bispo de  Mitylene  é  propriedade  dos  vigários 
geraes  do  patriarchado,  quando  s.  ex.'  foi 
promovido  a  coadjutor  e  futuro  successor 
do  bispo  de  Lamego,  o  romano  pontífice  o 
nomeou  arcebispo  de  Larissa. 

— Ricardo  Pinto  de  Mattos,  escriptor  pu- 
blico. 

Foi  guarda-sala  (oflacial  menor)  da  biblio- 
theca  publica  do  Porto,  excellente  pessoa  e 
zeloso  empregado,  muito  modesto,  muito 
intelligente  e  muito  trabalhador. 

Falleeeu  no  vigor  da  vida,  approxímada- 
mente  era  1882,  havendo  escrípto  e  publi- 
cado as  obras  seguintes: 

1." — Manual  bibliographico  portuguez  de 
livros  raros,  clássicos  e  curiosos,  revisto  e 
prefaciado  por  C.  C.  Branco.  Porto  {Livra- 
ria Portuense,  editora)  í878—l^\o\.  8." 

È  um  trabalho  muito  consciencioso  e  de 


1  Tem  de  idade  apenas  mais  16  dias  do 
que  eu,  pois  nasci  em  14  de  novembro, de 
1832. 
1    V.  Corvaceira. 


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VOU 


bastante  merecimento,  que  mereceu  a  hon- 
ra de  ser  prefaciado  pelo  nosso  primeiro  ro- 
mancista e  laureado  escriptor  —  Camillo 
Castello  Branco,  hoje  visconde  de  Correia 
Botelho. 

2.»  —  Memoria  histórica  e  descriptiva  da 
Ordem  Terceira  de  S.  Francisco  do  Porto... 
1880.— 1  vol.  8.»  peq. 

Z.*— Historia  do  nascimento,  vida  e  mor- 
te de  S.  João  Baptista,  precursor  de  Jesus 
Christo,  e  de  Santa  Isabel  sua  mãe,— Porto 
Í880—Í  vol.  8."  peq. 

Se  a  morte  o  não  roubasse  tão  cedo,  se- 
ria um  fecundo  escriptor. 

Deixou  mss.  alguns  apontamentos  infor- 
mes e  propunha-se  escrever  e  publicar  tam- 
bém ama  monographia  de  Vouzella,  sua 
pátria 

Falleceu  solteiro  e  sem  successão. 

—O  reverendo  dr.  Jod  Maria  de  Lima  e 
Lemos,  natural  de  Fataunços,  freguezia 
d'este  concelho  de  Vouzella  e  distante  da 
Villa  apenas  3  kilometros  para  E.^ 

Doutorou-se  em  cânones  pela  Universida- 
de de  Coimbra  e  ali  foi  lente  de  direito  e 
lente  distinctissimo  até  1834,  data  em  que 
os  liberaes  triumphantes  extinguiram  muito 
inconvenientemente  as  ordens  religiosas  e 
expulsaram  da  Universidade  todos  os  lentes 
considerados  legitimistas.^ 

Nós  o  conhecemos  perfeitamente  e  o  vi- 
mos e  admirámos  muitas  vezes,  porque  ainda 
vivia  durante  a  nossa  formatura  (1851-1856) 


1  V.  Fataunços  n'este  diccionario  e  no 
supplemento,  onde  ampliaremos  considera- 
velmente aquelle  artigo. 

2  O  próprio  visconde  d'Almeida  Garrett, 
liberal  insuspeito  e  que  militou  nas  fileiras 
do  sr.  D.  Pedro  IV,  disse  nas  Viagens  da  mi- 
nha terra: 

«Nós  extinguimos  os  frades^  mas  creámos 
os  barões,  que  hão  de  dar  cabo  de  nós! . . . 

«Os  frades,  que  eram  patriotas  na  Irlan- 
da, na  Polónia  e  no  Brazil,  podiam  e  deviam 
ser  patriotas  em  Portugal  lambem,  se  os  re- 
formassem e  não  os  extinguissem.» 

O  pensamento  é  este,  mas  pode  haver  di- 
fferença  nas  palavras,  porque  citamos  de 
memoria.  Desculpem. 


e  morava  em  Coimbra  no  Cidral,  pelo  que 
todos  o  conheciam  e  respeitavam  como  o 
dr.  José  Maria  do  Cidral,  formosa  quinta 
junto  do  Penedo  da  Saudade  e  do  convento 
das  Theresinhas,  onde  era  confessor  e  dire- 
ctor espiritual. 

No  dicto  convento,  que  os  próprios  estu- 
dantes veneravam,  nós  ouvimos  pregar  o 
venerando  doutor  na  grande  festividade  que 
ali  aquellas  tão  penitentes  como  piedosíssi- 
mas religiosas  celebraram  quando  a  nossa 
egreja  santa  definiu  e  decretou  como  dogma 
a  Immaculada  Conceição  de  Maria. 

Foi  longo,  bastante  longo,  o  sermão,  e  re- 
cheado de  textos  em  latim,  mas  todos  os 
fieis  que  entulhavam  o  templo,  comprehen- 
dendo  grande  numero  de  estudantes,  entre 
os  quaes  um  dos  mais  novos  e  o  mais  hu- 
milde e  obscuro  de  todos  —  era  o  humilde 
auctor  d'estas  linhas,  —  todos  ficaram  exta- 
siados. 

Nunca  ouvimos  sermão  que  tanto  nos 
commovessel 

O  venerando  dr.  parecia  um  apostolo 
pregando— e  como  varão  apostólico  era  tido 
e  considerado  por  todos. 


Nasceu  cm  Fataunços,  no  anno  de  1794,  e 
falleceu  em  dezembro  de  1878  na  casa  da 
egreja  das  Theresinhas,  aos  84  annos  de 
idade. 

O  sr.  bispo-conde  de  Coimbra  lhe  mandou 
fazer  exéquias  solemnes  na  Sé  d'aquella  ci- 
dade em  janeiro  de  1879  e  jaz  no  cemitério 
da  freguezia  de  Santo  Antonio  dos  Olivaes, 
junto,  da  sepultura  de  D.  Maria  Osorio,  mãe 
do  sr.  Miguel  Osorio,  dono  da  quinta  das 
Lagrimas. 

Foram  muito  pomposas  as  ditas  exéquias 
e  n^ellas  pregou  o  sr.  D.  Antonio  Ayres  de 
Gouveia,  bispo  de  Bethsaida,  de  quem  já  fi- 
zemos mensão  supra,  então  lente  da  Uni- 
versidade e  bispo  eleito  do  Algarve,  cujo 
sermão  foi  primorosíssimo,  já  porque  o  sr. 
D.  Antonio  é  talvez  o  nosso  primeiro  orador 
sacro,— j^  porque  o  auditório  era  muitissi- 


vou 


vou  2043 


mo  illustrado,  quasi  todo  formado  de  lentes, 
bacharéis  e  académicos, — já  porque  o  sr.  D. 
Antonio  foi  amigo  intimo  do  finado. 

O  dicto  sermão,  obra  prima  de  eloquên- 
cia, foi  impresso  com  outros  do  mesmo  ora- 
dor na  2  *  edição  dos  Ensaios  do  Púlpito  e 
d'elle  vamos  dar  um  leve  extracto  para  de- 
liciarmos os  leitores  e  rendermos  preito  á 
memoria  do  finado  vouzellense. 


«Um  tumulo,  um  púlpito,  uma  cathedra, 
os  tres  luminosos  e  eternos  focos  da  eviden- 
cia moral,  resumem  a  nossos  olhos  agora  os 
pontos  príncipaes  da  sua  passagem  na  ter- 
ra.. .  O  tumulo  archiva  a  historia;  a  cathe- 
dra representa  a  sciencia  ;  no  púlpito  cul- 
mina a  religião.  E  sciencia,  religião,  histo- 
ria, compendiam  o  universo,  o  indefinito, 
o  immortal. 


. .  .tinha  no  todo  o  quer  que  era  de  inex- 
primível, como  temperado  da  suavidade  do 
anjo  e  da  austeridade  do  propbeta  com  o 
profundo  convencimento  do  apostolo. 


«Finge  temer  se  o  mestre  padre,  como  se 
o  sacerdócio  não  fosse  um  altíssimo  ensino 
e  o  ensino  um  altíssimo  sacerdócio. 


•Ser  mestre  e  serimmoral,  que  cegueira, 
que  horrori — ser  sábio  e  ser  vaidoso,  que 
infelicidade,  que  loucural 


«A  sciencia  ó  a  lucta  sem  tréguas,  renas- 
cente  e  recrescente. 


«Nenhum  galardão  equivale  á  satisfação 
de  cumprir  o  dever. 


«A  escola  vale  para  a  alma  o  que  o  berço 
para  a  saúde  e  robustez  do  corpo. 


•A  sociedade  será  o  que  (a  escola)  fôr. 


«Paes...  todos  o  podem  ser;  mestres, 
verdadeiros  mestres,  quantos  o  sabem  ser? 
O  homem  gera-o  o  pae;  só  o  mestre  forma  o 
cidadão. 


«Á  beira  d'um  tumulo  congraça-seecho* 
ra  a  humanidade. 


«O  perdão  foi  a  sua  defeza,  a  benção  o 
seu  protesto. 


«Quando  a  intensidade  do  sol  nos  cega, 
parece-nos  que,  fechando  os  olhos,  vemos 
chispas  brilhantes  na  profundidade  das  tre- 
vas. E  cremos  isso  realidade.  Esquecemos 
também  que  a  sciencia,  por  muito  que  nos 
dé,  não  nos  pôde  dar  nunca  a  verdade  in* 
teira,  e  que  as  meias  verdades  podem  ser 
falsidades  completas. 


«A  verdade,  a  continência,  a  temperança, 
a  humildade,  o  desapego  dos  bens  caducos 
e  das  glorias  terrenas,  a  anciã  da  vida  eter- 
na^ tornavam-se  tão  amáveis  na  sua  bocca 
que  o  peccador,  dilacerado  de  remorsos,  não 
sabia  mais  que  anhelar.  N'isto  é  que  nós  ou- 
tros os  pregadores  devíamos  pôr  os  olhos  e 
a  vehemencia  do  desejo;  em  ganhar  as  al- 
mas para  o  Summo  Bem  e  não  em  captivar 
admirações  para  a  nossa  estéril  facúndia. 
Façamo-nos  mais  missionários  e  vanglorie- 
mo-nos  menos  de  oradores . . .  Mas  desven- 
turadamente acontece  o  contrario. 
,  «Nós  calculamos  as  consequências  da  oc- 
casião^  esquivamos  as  susceptibilidades  dos 
auditórios,  subscrevemos  ás  exigências  da 
moda  e,  traidores  da  verdade,  em  vez  de 
reformai  os,  conformamo-nos,  em  fim,  a  to- 
dos os  caprichos  do  século.  Elie  não;  elle, 
seguindo  o  propbeta,  clamava  incessante 
contra  as  devassidões  e  o  luxo;  atacava  as 
corrupções,  minava  as  argucias. . .  e  corta- 
va a  direito. . .  Não  estava,  como  nós,  a  ar- 
redondar graciosos  períodos,  a  confeitar  os 
termos  mais  melifluos,  e  a  amaneirar  e  a 
comediar  os  ademanes...  A  elle  afiQuiam- 
Ihe  naturalmente  os  mais  condignos  ao  fim 
que  se  propunha,  que  era  remodelar  e  ho- 
nestar os  corações;  e  se  a  rhetorica  lhe  não 
dava  o  tropo  convencional,  e  se  o  dicciona- 
rio  não  continha  o  vocábulo  preciso Jnven- 
tava-os,  claros,  frisantes,  convincentes.  O 
que  em  nós  outros  é  esforço  e  artificio,  era 
n'elle  intuição,  originalidade. 


2044  VOU 


VOU 


«A  palavra  dos  obreiros  evangélicos  para 
ser  proficua,  deve  encantar  os  ouvidos  com 
Si  inspirada  harmonia,  illurainar  as  almas 
com  o  amoroso  fulgor  das  perfeições  divi- 
nas e  abrazar  os  corações  com  as  chammas 
d'uma  caridade  sem  trégua  e  sem  limites.  E 
n'elle  concentravam-se  admiravelmente  es- 
tes predicados  » • 

tEra  o  verdadeiro  missionário  catholico 
na  significação  mais  ampla  e  correcta. 

«Sóbrio  e  desaffectado  ouviam -no  os  dou- 
tos e  subtis  e  os  indoutos  e  simples,  e  ins- 
truiam-se  estes  e  não  se  enfadavam  aquelles 
e  melhoravam-se  lodos. 


.  «Austero  só  para  comsigo  e  benigno  para 
com  todos,  era  o  prototypo  inefifavel  do  sa- 
cerdote christão. 

«Acalmada  a  effervescencia  das  paixões, 
vieram  amigos  e  admiradores  offerecer-Ihe 
a  vigairaria  capitular  da  archidiocese  d'Evo- 
ra,  em  resarcimento  do  seu  anterior  deado 
de  Leiria; — recusou:  ponderando- lhe  depois 
a  commoda  opportunidade  de  reascender  ao 
magistério  universitário;  —  recusou:  insi- 
nuaram-lhe  ainda  a  facilidade  até  a  offerta 
de  empunhar  ura  báculo; — recusou.  Recu- 
sou tudo,  recusou  sempre.^ 


«E  isto,  não  por  intolerância,  que  uin> 
guem  mais  tolerante,  nem  por  haver  tão 
farto  património...  mas  pela  firmeza  das 


í  Na  sentida  oração,  recitada  ao  baixar  à 
sepultura  o  cadáver,  disse  o  sr.  dr.  Augusto 
Eduardo  Nunes  (então  lente  da  Universida- 
de também  e  hoje — 1889  —  bispo  de  Perga, 
coadjuctor  e  futuro  successor  do  arcebispo 
d'Evora): — «Mais  de  uma  vez,  depois  de  res- 
tabelecidas as  relações  com  a  Santa  Sé,  lhe 
foi  offerecida  a  dignidade  episcopal,  e  ainda 
não  ha  muitos  annos  a  de  patriarcha  de 
Lisboa,  que  tem  annexa  a  purpura  cardina- 
lícia. Recusou  tudo,  recusou  sempre,  —  tal- 
vez com  excessiva  humildade,  mas  com  in- 
contrastavel  firmeza.? 

Nota  dos  Entaios  do  Púlpito,  pag.  326. 


convicções,  pelo  respeito  dos  seus  voluntá- 
rios juramentos,  e  por  uns  finos  escrúpulos 
de  probidade  • . 


«Com  similhantes  dotes,  bem  se  alcança 
como  fructearia  a  sua  palavra  no  púlpito. 
Votado  agora  exclusivamente  a  este,  coQsl- 
derou-o  em  parle  continuação  da  cathedra. 
E  quem  n'esla  apresentava  a  piedade  incon- 
laminada  d'um  santo,  levou  para  alli  as  es- 
plendidas manifestações  d  um  sábio  


O  dr.  J.  M.  Lima  e  Lemos  era  effectiva- 
mente  um  sábio  e  um  santo  e  recusou  difTe- 
rentes  mitras,  entre  ellas  a  de  Lamego. 

Deus  o  tenha  em  bom  logar  e  elle  inter- 
ceda por  nós  todos. 

Fr.  Bernardim  de  Maria  Sanlissima 

Fecharemos  este  tópico  dos  vouzellenses 
illustres,  dando  interessantes  noticias  mídí- 
tas  de  outro  varão  apostólico — Fr.  Bernar- 
dino de  Maria  Santíssima,  varatojano,  tam- 
bém natural  de  Fataunços,  irmão  do  men- 
cionado dr.  José  Maria  de  Lima  e  Lemos. 

Nós  nunca  tivemos  a  honra  de  o  conhe- 
cer, mas  eonheceu-o  muito  de  p^río  o  reve- 
rendíssimo sr.  D.  Antonio  da  Trindade  e 
Vasconcellos  Pereira  de  Mello,  venerando 
bispo  de  Lamego,  natural  de  Santa  Christi- 
na  de  Figueiró  (concelho  de  Amarante)  e  ali 
residente,  pois  já  conta  77  annos  e  está  de- 
crépito, pelo  que  pediu  e  lhe  foi  dado  coadju- 
tor e  futuro  successor,  que  está  regendo  a 
diocese.! 

O  sr.  D.  Antonio  da  Trindade  foi  cruzio 
e  está  decrépito,  mas  ainda  conserva  muito 
lúcidas  a  memoria  e  todas  as  outras  fa- 
culdades intellectuaes, — e  para  comprazer- 
nos  enviou-nos  os  apontamentos  seguintes, 
que  de  bom  grado  publicamos,  beijando-ihe 
as  mãos  agradecido. 


*  É  o  reverendíssimo  sr.  D.  João  Rebello 
Cardoso  de  Menezes,  arcebispo  de  Larissa, 
mencionado  supra,  quando  fatiámos  do  il- 
lustre  vouzellense,  seu  tio,  ^  José  Cardoso 
Pereira  Pinto  de  Menezes. 


vou 


vou  2043 


mo  {Ilustrado,  qnasi  todo  formado  de  lentes, 
bacharéis  e  académicos^ — já  porque  o  sr.  D. 
Aotonio  foi  amigo  intimo  do  finado. 

O  diclo  sermão,  obra  prima  de  eloquên- 
cia, foi  impresso  com  outros  do  mesmo  ora- 
dor na  2  ■  edição  dos  Ensaios  do  Púlpito  e 
d'elle  vamos  dar  um  leve  extracto  para  de- 
liciarmos os  leitores  e  rendermos  preito  á 
memoria  do  finado  vouzellense. 


«Um  tumulo,  um  púlpito,  uma  catbedra, 
os  três  luminosos  e  eternos  focos  da  eviden- 
cia moral,  resumem  a  nossos  olhos  agora  os 
pontos  principaes  da  sua  passagem  na  ter- 
ra.. .  O  tumulo  archiva  a  historia;  a  catbe- 
dra representa  a  sciencia  ;  no  púlpito  cul- 
mina a  religião.  E  sciencia,  religião,  histo- 
ria, compendiam  o  universo,  o  indefinito, 
o  immortal. 


. .  .tinha  no  todo  o  quer  que  era  de  inex- 
primível, como  temperado  da  suavidade  do 
anjo  e  da  austeridade  do  propheta  com  o 
profundo  convencimento  do  apostolo. 


«Finge  temer  se  o  mestre  padre,  como  se 
o  sacerdócio  não  fosse  um  altíssimo  ensino 
e  o  ensino  um  altíssimo  sacerdócio. 


«Ser  mestre  e  ser  immoral,  que  cegueira, 
que  borrorl — ser  sabío  e  ser  vaidoso,  que 
infelicidade,  que  loucural 


«A  sciencia  é  a  lucta  sem  tréguas,  renas- 
cente  e  recrescente. 


•Nenhum  galardão  equivale  á  satisfação 
de  cumprir  o  dever. 


« A  escola  vale  para  a  alma  o  que  o  berço 
para  a  saúde  e  robustez  do  corpo. 


«A  sociedade  será  o  que  (a  escola)  fôr. 


«Paes...  todos  o  podem  ser;  mestres, 
verdadeiros  mestres,  quantos  o  sabem  ser? 
O  homem  gera-o  o  pae;  só  o  mestre  forma  o 
cidadão. 


«Á  beira  d'um  tumulo  congraça-se  e  cho- 
ra a  humanidade. 


«O  perdão  foi  a  sua  defeza,  a  benção  o 
seu  protesto. 


«Quando  a  intensidade  do  sol  nos  cega, 
parece-nos  que,  fechando  os  olhos,  vemos 
chispas  brilhantes  na  profundidade  das  tre- 
vas. E  cremos  isso  realidade.  Esquecemos 
também  que  a  sciencia,  por  muito  que  nos 
dé,  não  nos  pôde  dar  nunca  a  verdade  in* 
teira,  e  que  as  meias  verdades  podem  ser 
falsidades  completas. 


«A  verdade,  a  continência,  a  temperança, 
a  humildade,  o  desapego  dos  bens  caducos 
e  das  glorias  terrenas,  a  anciã  da  vida  eter- 
na^  tornavam-se  tão  amáveis  na  sua  bocca 
que  o  peccador,  dilacerado  de  remorsos,  não 
sabia  mais  que  anhelar.  N'isto  é  que  nós  ou- 
tros os  pregadores  devíamos  pôr  os  olhos  e 
a  vehemencía  do  desejo;  em  ganhar  as  al- 
mas para  o  Summo  Bem  e  não  em  captivar 
admirações  para  a  nossa  estéril  facúndia. 
Façamo-nos  mais  missionários  e  \anglorie- 
mo-nos  menos  de  oradores...  Mas  desven- 
turadamente acontece  o  contrario. 
,  «Nós  calculamos  as  consequências  da  oc- 
casiãOj  esquivamos  as  susceptibilidades  dos 
auditórios,  subscrevemos  ás  exigências  da 
moda  e,  traidores  da  verdade,  em  vez  de 
reformai  os,  conformamo-nos,  em  fim,  a  to- 
dos os  caprichos  do  século.  Elie  não;  elle, 
seguindo  o  propheta,  clamava  incessante 
contra  as  devassidões  e  o  luxo;  atacava  as 
corrupções,  minava  as  argucias...  e  corta- 
va a  direito. . .  Não  estava,  como  nós,  a  ar- 
redondar graciosos  períodos,  a  confeitar  os 
termos  mais  melifluos,  e  a  amaneirar  e  a 
comediar  os  ademanes...  A  elle  affluiam- 
Ihe  naturalmente  os  mais  condignos  ao  fim 
que  se  propunha,  que  era  remodelar  e  ho- 
nestar 08  corações;  e  se  a  rhetorica  lhe  não 
dava  o  tropo  convencional,  e  se  o  dicciona- 
rio  não  continha  o  vocábulo  preciso,  inven- 
tava-os,  claros,  frísantes,  convincentes.  O 
que  em  nós  outros  é  esforço  e  artificio,  era 
n'elle  intuição,  originalidade. 


2044  VOU 

«A  palavra  dos  obreiros  evangélicos  para 
ser  proficua,  deve  encantar  os  ouvidos  com 
jSí  inspirada  liarmonia,  illunainar  as  almas 
com  o  amoroso  fulgor  das  perfeições  divi- 
nas e  abrazar  os  corações  com  as  chammas 
d'uma  caridade  sem  trégua  e  sem  limites.  E 
n'elle  concentravam-se  admiravelmente  es- 
tes predicados  •  •  •  » • 

«Era  o  verdadeiro  missionário  catholico 
na  significação  mais  ampla  e  correcta. 

«Sóbrio  e  desaffeclado  ouviam -no  os  dou- 
tos e  subtis  e  os  indoutos  e  simples,  e  ins- 
truiam-se  estes  e  não  se  enfadavam  aquelles 
e  melhoravam-se  lodos. 


.  «Austero  só  para  comsigo  e  benigno  para 
com  todos,  era  o  prototypo  ineffavel  do  sa- 
cerdote christão. 

«Acalmada  a  eíTervesceneia  das  paixões, 
vieram  amigos  e  admiradores  offerecer-lhe 
a  vigairaria  capitular  da  archidiocese  d'Evo- 
ra,  em  resarcimento  do  seu  anterior  deado 
de  Leiria; — recusou:  ponderando- lhe  depois 
a  commoda  opportunidade  de  reasceader  ao 
magistério  universitário;  —  recusou:  insi- 
nuaram-lhe  ainda  a  facilidade  até  a  ofíerta 
de  empunhar  um  báculo; — recusou.  Recu- 
sou tudo,  recusou  sempre.^ 


«E  isto,  não  por  intolerância,  que  nin- 
guém mais  tolerante,  nem  por  haver  tão 
farto  património...  mas  pela  firmeza  das 


1  Na  sentida  oração,  recitada  ao  baixar  á 
sepultura  o  cadáver,  disse  o  sr.  dr.  Augusto 
Eduardo  Nunes  (então  lente  da  Universida- 
de também  e  hoje — 1889  —  bispo  de  Perga, 
coadjuctor  e  futuro  suceessor  do  arcebispo 
d'Evora): — «Mais  de  uma  vez,  depois  de  res- 
tabelecidas as  relações  com  a  Santa  Sé,  lhe 
foi  offerecida  a  dignidade  episcopal,  e  ainda 
não  ha  muitos  annos  a  de  patriarcha  de 
Lisboa,  que  tem  annexa  a  purpura  cardina- 
lícia. Recusou  tudo,  recusou  sempre, —  tal- 
vez com  excessiva  humildade,  mas  com  in- 
contrastavel  firmeía.» 

Nota  dos  Ensaios  do  Púlpito,  pag.  326. 


VOU 

convicções,  pelo  respeito  dos  seus  voluntá- 
rios juramentos,  e  por  uns  finos  escrúpulos 
de  probidade  


«Com  similhantes  dotes,  bem  se  alcança 
como  fructearia  a  sua  palavra  no  púlpito. 
Votado  agora  exclusivamente  a  este,  consi- 
derou-o  em  parte  continuação  da  calhedra. 
E  quem  n'esta  apresentava  a  piedade  incon- 
tarainada  d'um  santo,  levou  para  alli  as  es- 
plendidas maoifeíítações  d  um  sábio  


O  dr.  J.  M.  Lima  e  Lemos  era  eífectiva- 
mente  um  sábio  e  um  santo  e  recusou  diffe- 
rentes  mitras,  entre  ellas  a  de  Lamego. 

I    Deus  o  tenha  em  bom  logar  e  elle  inter- 

I  ceda  por  nós  todos. 

Fr.  Bernardino  de  Maria  Santissima 

Fecharemos  este  tópico  dos  vouzelleúsés 
illustres,  dando  interessantes  noticias  iHedi- 
ías  de  outro  varão  apostólico — Fr.  Berfiár- 
dino  de  Maria  Santíssima,  varatojano,  tam- 
bém natural  de  Fataunços,  irmão  do  men- 
cionado dr.  José  Maria  de  Lima  e  Lemos. 

Nós  nunca  tivemos  a  honra  de  o  conhe- 
cer, mas  conheceu- o  muito  de  perto  o  reve- 
rendíssimo sr.  D.  Antonio  da  Trindade  e 
Vasconcellos  Pereira  de  Mello,  venerando 
bispo  de  Lamego,  natural  de  Santa  Christi- 
na  de  Figueiró  (concelho  de  Amarante)  e  ali 
residente,  pois  já  conta  77  annos  e  está  de- 
crépito, pelo  que  pediu  e  lhe  foi  dado  coadju- 
tor e  futuro  suceessor,  que  está  regendo  a 
diocese.! 

O  sr.  D.  Antonio  da  Trindade  foi  cruzio 
e  está  decrépito,  mas  ainda  conserva  muito 
lúcidas  a  memoria  e  todas  as  outras  fa- 
culdades intellectuaes, — e  para  comprazer- 
nos  enviou-nos  os  apontamentos  seguintes, 
que  de  bom  grado  publicamos,  beijando-lhe 
as  mãos  agradecido. 


1  É  o  reverendíssimo  sr.  D.  João  Rebello 
Cardoso  de  Menezes,  arcebispo  de  Larissa, 
mencionado  supra,  quando  falíamos  do  il- 
lustre  vouzellense,  seu  tio,  —  José  Cardoso 
Pereira  Pinto  de  Menezes. 


vou 


vou  2045 


«Quer  V.  qae  eu  lhe  diga  o  que  souber 
das  qualidades  e  virtudes  dos  dois  irmãos  e 
insignes  varões — Fr.  Bernardino  áe  Maria 
Santissima  e  dr.  José  Maria  de  Lima  Le- 
mos. 

Principiarei  por  dizer  que,  segundo  me 
consta,  ambos  elles  nasceram  de  uma  famí- 
lia nobre  e  abastada  de  fortuna,  residente 
na  freguezia  de  Fataunços,  família  exemplar 
de  costumes,  geralmente  respeitada  e  que 
era  o  refugio  e  amparo  dos  pobres. 

De  Fr.  Bernardino  fallà  a  opinião  publica, 
e  eu  só  direi  o  que  ei!e  em  longas  conver- 
sas me  contou  em  horas  vagas  quando  am- 
bos nós  residíamos —elle  temporária  e  in- 
terpoladamente  e  eu  permanentemente,  na 
qualidade  de  secretario  do  eminentíssimo 
sr.  cardeal  palriarcha  D.  Guilherme,  de  sau- 
dosa recordação, — do  palácio  patríarchal  de 
S.  Vicente  de  Fora,  em  Lisboa. 

Dizia-me— que,  depois  da  formatura  em 
cânones,  se  via  tão  aborrecido  do  mundo  e 
com  tanto  receio  de  não  obter  a  salvação, 
que  resolveu  entrar  e  professar  em  alguma 
congregação  religiosa;  que  estava  resolvido 
a  professar  na  congregação  dos  cónegos  re- 
gulares de  Santa  Cruz  de  Coimbra,  cujo  in- 
stituto preferia  peio  recolhimento  e  clauzu- 
ra  em  que  viviam  os  cónegos,  e  actividade  e 
caridade  com  que  exerciam  a  predica  e  o 
confessionário;  que  por  essa  occasião  appa- 
reeeram  em  Fataunços,  em  missão  apostoli* 
ca,  uns  religiosos  do  Varatojo;— que  foi  ou- 
vir a  predica  e  se  convenceu  da  santidade  e 
virtude  dos  missionários; — que  pediu  a  um 
d'elles  para  celebrar  uma  missa  segundo  a 
sua  intenção  (para  que  Deus  p  inspirasse  na 
escolha  da  ordem  religiosa,  em  que  devia 
entrar) ;  —  que  dieta  a  missa,  offereceu  ao 
celebrante  uma  moeda  de  480  réis,^  mas 
que  elle  se  recusou,  dizendo  ser-lhe  prohi- 
bido  pelo  seu  instituto  acceitar  ou  possuir 
dinheiro. 


1  Waquelle  tempo  e  n'aqnelle  sertão  480 
réis  correspondiam  á  esmola  actual  de  líOOO 
ou  1^500  réis  no  Porto  ou  em  Lisboa. 

P.  A.  Ferreira. 

VOLUME  XI 


«Esta  resposta  echoou  na  alma  do  dr. 
Bernardino. 

Quem  não  quer  dinheiro  nada  quer  do 
mundo  (reflectiu  elle): — o  mundo  incommo- 
da-me— vou  fugir  do  mundo.  E  seguiu  com 
os  missionários  para  o  Varatojo. 

Fr.  Bernardino,  a  par  da  muita  peniten- 
cia, da  assídua  predica  nas  missões  e  do  tra- 
balho permanente  no  confessionário,  era 
muito  jovial  na  conversação,  sem  deslisar 
da  gravidade  e  pureza  de  costumes;  fallava 
com  muita  graça;  amoldava-se  ás  circums- 
tancias  dos  ouvintes;  ria  para  rirem  e,  quan* 
do  se  referia  a  casos  históricos,  excitava  dôr 
ou  prazer,  alegria  ou  tristeza,  como  o  caso 
requeria. 

Foi  guardião  do  Varatojo;  percorreu  gran- 
de parte  do  nosso  paiz  em  missão  aos  povos 
e  adquiriu  tal  nome  como  confessor,  que  era 
procurado  por  penitentes  muito  distantes, 
para  tranquillisarem  as  suas  consciências.  Ia 
repetidas  vezes  a  Lisboa,  convidado  pelas 
pessoas  mais  piedosas  entre  a  alta  nobreza, 
para  com  elle  fazerem  confissões  geraes— e 
foi  um  laborioso  operário  na  vinha  do  Se- 
nhor. 

•Durante  o  governo  do  sr.  D.  Miguel  foi 
nomeado  reformador  de  toda  a  ordem  fran- 
ciscana em  Portugal.  Pediu  para  ser  alivia- 
do d'esta  commissão  e,  sendo  instado  pelo 
sr.  D.  Miguel  para  que  a  acceitasse,  disse- 
Ihe  que  não  tinha  forças  para  vencer  as  dif« 
Acuidades  que  previa. 

O  sr.  D.  Miguel  respondeu  que  contase 
com  elle,  pois  de  bom  grado  o  auxiliaria 
em  tudo. 

Por  seu  turno  respondeu  Fr.  Bernardino: 
— que  a  maior  difficuldade  seria  o  próprio 
sr.  D.  Miguel. 

Mostrou-se  o  rei  admirado  e  repetiu:-— 
Confiae  em  mim. 

Beijou-lhe  a  mão  e  partiu  logo  para  Alem- 
quer.  No  convento  die  S.  Francisco  encon- 
trou um  frade  de  péssimos  costumes,  ao 
qual  prohibiu  sair  do  convento. 

Passados  dias  recebeu  Fr.  Bernardino  um 
mandado  do  tribunal  da  consciência  e  or- 
dens, no  qual  se  lhe  dizia  que  nada  tinha  a 

139 


2046  VOU 


VOU 


ver,  ordenar  ou  entender  com  Fr.  F.  (o  tal 
díscolo)  conventual  de  Alemquer. 

Partiu  immediatamente  para  Lisboa;  apre- 
sentpu-se  ao  sr.  D.  Miguel  e  fallou-lhe  n'es- 
tes  termos: 

—Bem  dizia  eu  que  a  primeira  diffleul-  | 
dade  e  o  maior  embaraço  para  o  bom  êxito 
da  minha  missão  seria  V.  M. 

—Como  assim?— respondeu  o  sr.  D.  Mi- 
guel. 

—Como  V.  M.  vae  ver  d'este  papel  seu: 
— «Manda  S.  M.  pela  mesa  da  consciência  e 
ordens. . . • 

Portanto  é  V.  M.  quem  impede  o  meu  ser- 
viço I  . . . 

O  sr.  D.  Miguel  mandou  que  regressasse 
a  Alemquer  é  esperasse  ali  as  regias  or- 
dens. 

Com  effeilo,  pouco  depois  de  chegar  ali, 
recebeu  a  copia  de  um  alvará,  dizendo  à 
mesa  e  tribunal  da  eonseieneia  e  ordens  — 
que  lhe  prohibia  e  cassava  toda  a  auclori- 
dade  sobre  as  resoluções,  mandados  e  pro- 
videncias de  Fr.  Bernardino, —  resoluções, 
mandados  e  providencias  que  o  mesmo  tri- 
bunal devia  acatar  e  fazer  cumprir,  etc.  etc. 

As?im  o  ouvi  ao  próprio  Fr.  Bernardino; 
o  qual  aecreseenlou  que  depois  d'este  acon- 
tecimento, progredira  na  reforma  e  chegara 
a  ter  fundada  esperança  de  que  elia,  passa- 
do algum  tempo^  seria  completa  nos  fran- 
ciscanos d'arabos  os  sexos,  que  na  maior 
parte  professavam,  sem  saberem  o  que  pro- 
fessavam. 

«Extinctas  as  ordens  religiosas  em  1834, 
recolheu  Fr.  Bernardino  a  Lisboa,  residindo 
habitualmente  na  casa  da  piedosa  condessa 
da  Ribeira,  cuja  familia  era  um  exemplar 
de  virtude?,— e  ali  continuou  a  sua  vida  pe- 
nitente e  apostólica,  especialmente  no  con- 
fessionário e  direcção  das  almas  piedosas. 

A  oceasião  que  eu  tive  para  muito  de 
perto  tractar  com  elle,  foi  a  seguinte: — Em 
certo  convento  de  religiosas  havia  uma  ir- 
requieta, que  perturbava  a  communidade. 
Tinha  externamente  muitas  relações;  intri- 
gava as  preladas— e  chegou  a  accusal-as  de 
furto  de  objectos,  os  qnaes  tinham  baixa  no 
inventario,  por  terem  sido  vendidos  com 


auctoridade  superior  para  reparar  os  estra- 
gos que  o  terremoto  de  1755  havia  causado 
no  edifício  —  muitos  annos  antes  da  dieta 
freira  e  preladas  terem  nascido. 
Na  qualidade  de  juiz  da  relação  ecclesias- 
I  tica  de  Lisboa,  foi  quem  escreve  estas  linhas 
encarregado  de  proceder  ao  exame  da  accu- 
«ação  referida  e  d'outras  do  mesmo  jaez — 
e,  em  vista  das  provas,  a  dieta  freira,  que 
desmedidamente  ambicionava  a  prelasia,  na- 
da conseguiu  por  essa  vez,  mas  não  desistiu 
do  intento. 

Lembrando-se  d'e  explorar  o  nome  e  vir- 
tudes da  sr.»  condessa  da  Ribeira,  fez-lhe 
saber— que  era  uma  victima  perseguida  e 
opprimida  por  toda  a  communidade;—  que 
tinha  esgotado  os  meios  de  afugentar  tanta 
oppressào  e  que  a  sua  alma  estava  em  pe- 
rigo, por  lhe  faltar  a  paciência  e  resignação 
para  saffrer  tantas  perseguições,  etc. 

A  piedosa  senhora,  condoída,  encarregou 
Fr.  Bernardino  de  em  nome  d'ella  se  diri» 
gir  ao  patriarcha  e  informal-o  do  exposto. 

O  prelado,  que  estava  já  bem  informado 
de  tudo,  convidou  Fr.  Bernardino  para  re- 
sidir no  palácio  patriarchal  e  d'ali  com  al- 
guns familiares  proceder  a  demorada  visita 
no  dicto  convento,  organisando  um  relatório 
da  visita  e  propondo  as  medidas  que  jul- 
gasse mais  opportunas  para  o  socego  e  or- 
dem do  dicto  convento,  no  qual  existiam 
então  duas  communidades  de  instituto  di- 
verso. 

Fr.  Bernardino  acceitou  e  no  fim  d'algu- 
mas  semanas  apresentou  o  seu  relatqrio, 
concluindo  que  nenhuma  outra  providencia 
julgava  m%Í8  opportuna  de  que  a  já  adopta- 
da em  consequência  da  1.»  visita. 

Quem  escreve  estas  linhas  não  o  acom- 
panhou ao  convento,  mas  durante  aquella 
espinhosa  missão  conviveu  com  elle  no  pa- 
lácio patriarchal  e  teve  oceasião  de  admirar 
a  sua  virtude  e  o  seu  génio  expansivo,  jo- 
vial e  alegre. 

Morreu  em  Lisboa,  pranteado  por  todas 
as  pessoas  que  tiveram  a  dieta  de  o  conhe- 
cer. 

«O  dr.  José  Maria  de  Lima  e  Lemos,  ir- 
mão de  Fr.  Bernardino,  doutorou-se  em  ca- 


vou 

nones  aproximadamente  em  1819;  foi  ho* 
mem  de  muita  instrucçao  e  acrisolada  fé. 

Depois  de  1834,  oao  sendo  reconduzido  ao 
magistério  universitário,  unido  a  outros  dou- 
tores fundou  em  Lisboa  um  coUegio,  que  to- 
mou o  nome  de  CoUegio  do  dr.  Cicouro,  on- 
de estudaram  preparatórios  muitos  dos  ho- 
mens que  teem  Qgurado  e  figuram  nos  tri- 
bnoaes  superiores  e  na  politica. 

Demorou  se  no  coUegio  poucos  annos  e 
regressou  a  Coimbra,  onde  viveu  na  quinta 
do  Cidral,  dirigindo  espiritualmente  as  re- 
ligiosas de  Santa  Thereza  e  muitas  pessoas 
que  o  procuravam,  incluindo  alguns  estu- 
dantes. 

Nas  estações  superiores  foi  lembrado  pa- 
ra bispo  de  Lamego  e,  resolvida  a  nomeação, 
foi  encarregado  o  bispo  de  Leiria,  depois 
cardeal  palriarcha  de  Lisboa,  de  saber  do 
mesmo  dr.  se  acceitava  a  mitra 

Com  effeito  o  dicto  purpurado,  juntando 
á  noticia  o  rogo  e  pedido  da  acceitação  no 
beneficio  da  egreja  e  gloria  de  Deus;  obteve 
resposta  aíBrmativa  do  agraciado,  pedindo 
porém  instantemente  que  o  dispensassem, 
porque  se  julgava  de  todo  impotente  para  o 
bom  desempenho  de  tão  alta  como  árdua 
missão. 

Moâtrou-se  o  governo  muito  satisfeito,  mas 
ave  de  mau  agouro  bateu  as  azas;  —  inter- 
veiu  a  politica; — o  governo  reconsiderou  e 
fez  saber  ao  dr.  Lima  e  Lemos  que  por  cer- 
tas circumstancias  não  podia  dar-lhe  a  mi- 
tra de  Lamego,  mas  que  de  bom  grado  lhe 
daria  qualquer  outra. 

Respondeu  o  dr.  Lima  e  Lemos:— que  fi- 
cava muito  contente  com  o  desenlace  da 
questão  e  apenas  sentia  que  o  governo  tra- 
tasse de  modo  tão  leviano  negócios  tão  gra- 
ves.i 


VOU 


2047 


»  o  núncio  magoou-se  e,  vendo  que  a  re- 
cusa do  governo  provinha  unicamente  de  ter 
a  família  do  dr.  Lima  e  Lemos  occupado  rol 
importante  no  partido  reahsta,  partido  que 
fim  Lamego  praticou  muitos  excessos  e  era 
bastante  odiado,  propoz  para  bispo  d'aquel- 
la  diocese  o  deão  de  Lamego  —  dr.  José  de 
Moura  Coutinho— lâmbem  muito  illustrado, 


«Consta  me  que  os  dois  supra  menciona* 
dos  tinham  um  irmão  mais  velho— /)omin- 
gos  Libório,  —  que  fôra  um  palriarcha,  re- 
conhecido por  todos,  —  e  conheci  na  Uni- 
versidade um  sobrinho  d'elles,  por  nome 
José  Maria  de  Lemos  Almeida  Valente  que, 
segundo  me  consta,  casou  em  Avanca,  está 
viuvo  e  com  sujcessão— e  tem  sido  ulti- 
mamente Juiz  de  Direito  na  comarca  de 
Oliveira  d'Azemeis. 

E  aqui  tem  v.  o  que  posso  informar 
de  memoria  e  ao  correr  da  penna  

S.  C.  8-5-89. 

A.  Bispo  de  Lamego.» 


Outra  vez  beijo  agradecido  o  annel  do 
ex.""  e  rev.""»  sr.  D.  Antonio,  venerando 
ancião  ;e  decano  actual  dos  bispos  portu- 
guezes. 

Bacharéis  formados  filhos  doeste  concelho 

Para  evitar  melindres,  seguiremos  a  or- 
dem aiphabetiea  n'este  complemento  ao  to- 


muito  virtuoso  e  muito  conhecido,  muito 
estimado  e  muito  considerado  n'aquella  ci- 
dade. 

O  governo  acceitou  e  rapidamente  lhe 
participou  a  nomeação. 

Estava  o  sr.  Moura  Coutinho  na  sua  no- 
bre casa  do  Telhô  em  Celorico  de  Basto, 
quando  recebeu  o  officio.  Ficou  atlonito; 
mo8trou-o  ao  irmão  D.  Francisco  de  Moura 
Coutinho,  também  homem  muito  illustrado 
e  que  havia  sido  geral  dos  Bentos.  Este  lo- 
go o  felicitou,  mas  o  sr.  D.  José,  estando 
completamente  desprevenido  e  constando-lhe 
haver  sido  nomeado  o  dr.  José  Maria  de  Li- 
ma e  Lemos,  julgou  haver,  equivoco.  Não 
respondeu  e  pediu  ao  irmão  que  guardas- 
se segredo,  para  não  o  expôr  a  desaire; 
passados  porem  alguns  dias,  recebeu  2.»  of- 
ficio nos  termos  do  1.*  e  só  então  se  con- 
venceu de  que  era  elle  o  agraciado?!... 

V.  Telhô,  vol.  9.»  pag.  530,  eol.  l.«  — e 
Lamego  n'est6  diccionario  e  no  supple- 
mento. 

P.  A.  Ferreira. 


2048  VOU 


VOU 


pico  dos  Vouzellenses  illustres,  mencioDan- 
do  todos  03  bacharéis  formados  fílhus  d'eâte 
coDcelho  de  Vouzella,  no  momento: 

— Alberto  Antonio  de  Moraes  Carvalho,  So- 
brinho, medico  em  Lisboa; 

— Antonio  Maria  Alcoforado,  bacharel 
formado  em  direito  e  conservador  da  co- 
marca; 

— Ayres  de  Sousa  Mello  Meneses  e  Castro, 
de  FatauDÇos,  bacharel  formado  em  direito 
e  advogado. 

—  Emilio  Augusto  Ribeiro  de  Castro,  de 
Cercosa  de  Campia,  bacharel  formado  em 
direito  e  advogado  também. 

— Gil  Antonio  da  Silva,  de  Vouzella,  ba- 
charel formado  em  direito  e  também  advo»' 
gado. 

— João  Rodrigues,  natural  da  povoação 
de  Bandavizes,  freguezia  de  Fataunços,  ba- 
charel formado  em. . .  e  prior  de  uma  das 
freguezias  de  Lisboa. 

— Joíé  Maria  Plácido,  de  Paços  de  Vilha- 
rigues,  bacharel  formado  em  direito  e  pro- 
prietário. 

— José  Simões  Candido,  da  freguezia  de 
Alcofra,  bacharel  formado  em  direito  e  advo- 
gado. 

Sanches  de  Baena,  commendadores 
de  Santa  Maria  de  Vouzella 

Doesta  nobre  familia  já  disse  bastante  a 
Chorog.  Port.  tomo  2.»  pag.  208  e  segg.  mas 
d'ella  se  encontra  mais  detida  e  conscien- 
ciosa menção  na  Resenha  das  Famílias  titu- 
lares e  grandes  de  Portugal,  pelo  fallecido 
commendador  Albano  da  Silveira  Pinto  e 
continuada  pelo  sr.  visconde  de  Sanches  de 
Baêna, — tit.  Conde  de  Oliveira  dos  Arcos, — 
e  na  Pericope  genealógica  da  familia  Sanches 
de  Baêna, — Lisboa,  1887. 

Aqui  de  passagem  diremos  que  esta  no- 
bre familia  é  hoje  muito  dignamente  repre- 
sentada pelo  sr.  D.  Augusto  Romano  San- 
ches de  Baena  e  Farinha,  1.*  visconde  de 
Sanches  de  Baena,  distincto  escriptor  publi- 
co, herdeiro  do  titulo  de  marquez^  conferi- 
do em  Roma  a  seu  3.*  avô,  e  do  titulo  de 
conde  de  Villa  Flor  em  Hespanha,  Moço  Fi- 
dalgo cora  exercido;  cavalleiro  da  Ordem 


de  Malta,  em  Roma,  commendador  da  de 
Santo  Sepulchro  e  da  de  S.  Gregorio  Ma» 
gno,  Odalgo  de  cota  d'armas,  etc,  etc,  etc. 
casado  e  com  suecessão,  residente  em.Bem- 
ãca,  junto  de  Lisboa,  mas  natural  de  Vaí- 
rão,  freguezia  do  concelho  da  Villa  do 
Conde. 

V.  Vairão  n'este  diccionario  e  no  supple- 
mento. 

O  sr.  visconde  de  Sanches  de  Baêna  é 
um  cavalheiro  muito  tractavel  e  muito  il- 
lustrado,  sócio  da  Academia  Real  das  Scien- 
cias  de  Lisboa  e  do  Instituto  de  Coimbra, 
etc. — aucior  dos  Factos  históricos  da  com- 
missão  central  í."  de  dezembro  de  1640, — das 
Memorias  de  Tolentino, —  do  Archivo  Herál- 
dico e  Genealógico, —  das  Memorias  dos  Du- 
ques do  sec.  XIX, — coniiouador  da  citada  Re- 
senha das  Familics  titulares,  etc,  etc. 

Terminaremos  dizendo  que  a  commenda 
de  Santa  Maria  de  Vouzella  foi  dada  em 
1640  a  ura  seu  S.»  avô,  filho  do  dr.  e  de- 
zembargador  do  paço  João  Sanches  de  Baê- 
na, pelos  relevantes  serviços  que  este  pres- 
tou à  restauração  de  Portugal,  —  e  conser- 
vou-se  a  dieta  commenda  n'esta  familia  cer- 
ca de  140  annos,— desde  1640  até  1780. 

Um  dos  dictos  commendadores  mais  no- 
táveis foi  D.  Luiz  Francisco  d'Assiz  Sanches 
de  Baéna,  poetá  que  viveu  em  Madrid,  Itá- 
lia e  Chipre. 

È  auetor  das  Poesias  varias,  escriptas  em 
portuguez  e  publicadas  em  Madrid  no  anno 
de  1770. 

A  vida  d'este  commendador  e  poeta  foi 
muito  accidentada  e  dava  assumpto  para 
um  romance. 

Mosaico 

—Em  U55  o  abbade  de  Pedroso  doou  aos 
seus  monges  varias  terras  em  Lafões,  Cam- 
bra e  Vouga  para  vestiário,  conduturia^  in- 
firmaria esanguilexia  (sangrias). 

V.  Tojaly  vol.  9.»  pag.  587,  col. 

— É  muito  notável  o  gado  bovino  da  co- 
marca de  Vouzella. 

V.  Lafões  e  Viseu,  tomo  11.*  pag.  1761, 
col.  2.» 

— A  associação  dos  bombeiros  voluntários 


vou  2049 


VOU 

de  Vouzella  ioauguroa-se  pomposamente  no 
dia  4  de  julho  de  1885.  Foi  seu  1.*  comman- 
dante  o  dr.  José  Bento  da  Rocha  e  Mello, 
tendo  por  immediato  (3.*  commandante) 
Gil  Ribeiro  d'Almeida. 

A  bomba  foi  feita  no  Porto  pelo  hábil 
artista  Moreira  Couto. 

— A  estação  lelegraphica  de  Vouzella  inau- 
gurou-se  oo  dia  28  de  janeiro  de  1887. 

— Por  decreto  de  3  do  fevereiro  de  1882 
foi  approvado  o  projecto  de  uma  cadeia  pe- 
nitenciaria comarca  em  Vouzella,  mas  até 
hoje  (1889)  ainda  lhe  não  deram  principio. 

— No  concelho  de  Vouzella  ha  jazigos  de 
estanho,  ferro  e  plombagina,  mas  todos  em 
completo  despreso. 

Nunca  foram  explorados  nem  pesquisa- 
dos. 

— A  villa  de  Vouzella  ainda  conserva  o 
seu  antigo  pelourinho. 

—As  freguezias  limiirophes  de  Vouzella, 
cujos  sinos  se  ouvem  na  villa,  são:  — Paços 
de  Vilharigues,  Ventosa  e  Fataunçós,  todas 
a  3  kii.  de  distancia  de  Vouzella, — e  Serra- 
263  alem  Vouga,  a  S  kil.  mas  tem  uma  po- 
voação— a  de  Ferreiros — na  m.  d.  do  Vou- 
ga, distante  de  Vouzella  pouco  mais  de 
1  kil. 

— A  comarca  de  Vouzella  comprehende  6 
julgados.  Campia,  Oliveira  de  Frades,  Santa 
Cruz,  S.  Pedro  do  Sul,  Sul  e  Vouzella.» 


•—Em  1639  o  bispo  de  Viseu  D.  Diniz  de 
Mello  e  Castro  instituiu  um  legado  para  que 
todos  os  annos  a  Misericórdia  de  Viseu  des- 
se ás  Misericórdias  de  Pinhel,  Trancoso  e 
VoMZc//a  15:000  réis— e  ás  de  Aguiar  da 
Beira,  Penalva  e  Algodres  8:000  réis. 

— Desde  julho  de  1887  publica-se  em  Vou- 
zella um  jornal  politico  e  noticioso,  intitu- 
lado Aurora  do  Vouga. 


1  N'e8te  momento  (maio  de  1889)  foi  ele- 
vado à  cathegoria  de  julgado  municipal  o 
de  S.  Pedro  do  Sul,  com  grave  prejuiso  da 
comarca  e  villa  de  Vouzellál . . . 


É  bem  escripto,  —  semanal  — e  o  1*  que 
viu  a  luz  em  terras  de  Lafões. 

— O  hospital  da  Misericórdia  de  Vouzella 
foi  principiado  em  184:6,  por  iniciativa  dos 
beneméritos  cidadãos  Gil  Alcoforado  d' Aze- 
vedo Pinto  Figueira,  da  nobre  quinta  da 
Sarnada,  e  Domingos  Teixeira  d'Assis,  da 
villa  de  Vouzella,  —  e  foi  inaugurado^  rece- 
bendo os  primeiros  doentes,  no  dia  29  de 
junho  de  1848.  Referimo-nos  ao  hospital 
novo. 

— O  cemitério  de  Vouzella  foi  construído 
era  1867  e  alargado  em  1888. 

—A  Capella  do  eastello  de  Vilharigues 
teve  antigamente  a  invocação  de  Santo  Ama- 
ro e  hoje  tem  a  de  Nossa  Senhora  da  Con» 
ceição. 

— O  movimento  parochial  da  freguezia  de 
Vouzella  no  anno  de  1888  foi  o  seguinte: 

Baptisados   33 

Óbitos   25 

Casamentos   4 

—Os  melhores  edifícios  públicos  de  Vou- 
zella actualmente  são  a  egreja  matriz,  a  ca- 
sa da  camará,  o  tribunal  Judicial  e  o  hos- 
pital da  Misericórdia. 

—Os  3  melhores  edifícios  particulares  da 
villa  são: — a  casa  que  foi  do  commendador 
João  Correia  d'01iveira,  hoje  da  viuva;  a 
casa  de  Manoel  Coutinho  Júnior  (das  ameias) 
e  a  de  Manoel  Telles  Loureiro  Cardoso  d' Al- 
meida Castello  Branco.  Fóra  da  villa,  mas 
'  na  freguezia  de  Vouzella,  os  3  melhores  edi- 
fícios são  as  casas  nobres  das  quintas  de 
Lamas,  Sermda  e  Caritel. 

—As  melhores  quintas  da  freguezia  de 
Vouzella  são  as  da  Cavallaria,  da  Ponte,  La- 
mas, Sernada,  Caritel,*  Valgode  e  Avelai. 

— Na  parte  restante  do  concelho  de  Vou- 
zella as  3  melhores  quintas  na  actualidade 
são  as  seguintes: — Prazins  e  Villa  Nova 


1  O  nome  quinta  de  Caritel  talvez  queira 
dizer  quinta  do  Meirinho. 
Veja-se  o  art.  Voz,  infra. 


2050  VOU 


VOZ 


na  freguezia  de  Ventosa,  —  e  Asneiros  na 
de  Fataunços. 

—A  feira  de  Vouzella  data  do  reinado  de 
D.  Diniz  (1279-1325)  segundo  se  lé  na  Me- 
moria sobre  a  população  e  a  agricultura 
de  Portugal  por  L.  A.  Rebello  da  Silva, 
pag.  115. 

—Com  relação  ás  herdades  ou  quintas 
que  na  idade  media  se  denominavam  cavai- 
lerias,  veja-se  a  dieta  Memoria,  pag.  76  e 
81. 

—A  pedido  do  sr.  D.  Antonio  Ayres  de 
Gouveia,  bispo  de  Bethsaido,  entrou  em  dis- 
cussão e  foi  approvado  na  camará  dos  pa- 
res, em  sessão  de  2  de  maio  de  1884,  o  pro- 
jecto da  estrada  districlal  n'J>  34,  de  Viseu  a 
Oliveira  do  Bairro  por  Vouzella  e  Agueda. 

Deram-lhe  principio  ha  muito,  mas  ainda 
está  longe  da  sua  conclusão  a  dieta  estrada. 

—O  capital  da  Misericórdia  de  Vouzella 
em  dinheiro  mutuado  e  bens  de  raiz  pôde 
avâliar-se  em  16  contos;  deve  porem  subir 
consideravelmente  esta  somma,  logo  que  se 
liquide  a  herança  do  benemérito  filho  de 
Vouzella  e  que  muitos  annos  foi  negociante 
no  Porto — José  Ribeiro  Cardoso, — pois  ins- 
tituiu por  universal  herdeira  a  citada  Mise- 
ricórdia, como  ji  dissemos. 

— S.  Fr.  Gil  foicaaonisadoem  1749.  Acha- 
va-se  então  em  Vouzella  o  bispo  de  Viseu 
D.  Julio  Francisco  de  Oliveira,  que  andava 
em  visita  no  seu  bispado  e,  lendo  de  feste- 
jar a  dieta  canonisação,  a  camará,  a  nobre- 
za e  o  povo  de  Vouzella  muito  instantemen- 
te lhe  pediram  que  a  festejasse  n'aquella 
Villa,  mas  eile  não  annuíu  e  foi  festejal-a  na 
Sé  de  Viseu  no  dia  14  de  maio  do  dicto 
anno. 

O  bispo  D.  Julio  gostava  muito  de  festas 
pomposas  com  todo  o  rigor  do  ceremonial  e 
por  isso  talver.  não  quizesse  festejar  a  dieta 
canonisação  em  Vouzella,  posto  que  a  matriz 
è  um  bom  templo,  mas  muito  inferior  á  Sé 
de  Viseu,  onde  tinha  o  seu  numeroso  ca- 
bido,  boa  musica,  bello  órgão,  3  coramuni- 
dades  religiosas,  etc,  ete. 

Foi  o  prelado  visiense  que  mais  despen- 
deu com  festas  de  toda  a  ordem. 

V.  Viseu  n'este  diecionario  e  no  supple- 
meoto,  onde  daremos  a  longa  e  muito  inte- 


ressante biographia  do  bispo  D.  Julio  Fran- 
cisco d'01iveira — e  a  não  menos  longa  nem 
menos  interessante  do  cardeal  D.  Miguel  da 
Silva. 

Commendador  Cidade 

Terminaremos  registrando  um  facto  im- 
portante: 

No  dia  15  de  janeiro  de  1883  falleceuem 
Guimarães  Christovam  José  Fernandes  da 
Silva,  negociante  e  capitalista,  também  co- 
nhecido por  Commendador  Cidade,  oriundo 
d'este  concelho  de  Vouzella,  pois  era  neto 
de  José  Fernandes  Lopes  e  Maria  Nunes,  da 
freguezia  de  Campia.. 

Falleceu  já  decrépito,  solteiro  e  sem  tes- 
tamento nem  successão,  mas,  como  deixas- 
se uma  fortuna  talvez  superior  a  200  contos 
de  réis,  fructo  de  muito  trabalho  e  de  mui- 
ta sordidez,  habilitaram  se  como  herdeiros 
vários  parentes  e  estranhos;  seguiram- se 
muitas  demandas  e,  depois  de  bastante  de* 
lapidada  a  herança,  foi  herdeiro  principal 
um  parente— José  de  Mattos,  da  aldeia  de 
Sabrosa,  freguezia  da  Trapa,  concelho  de  S. 
Pedro  do  Sul,  camarca  de  Vouzella. 

Sat  prata  biberunt 

Ficou  bastante  longo  este  artigo  e  deu -nos 
muito  trabalho,  mas  deve  ter  lapsos,  por 
não  conhecermos  bem  a  localidade. 

Desculpem. 

VOYAGEM,— port.  ant.—viagera. 

VOZ.— Nos  documentos  antigos  este  vo- 
cábulo empregou-se  em  diíTerentes  acce- 
pçòes  Significou,  p.  ex.  caritel,mi  accepção 
de  aqui  d*el  rei. 

V.  Caritel  e  note-se  que  este  vocábulo  si- 
gnificava não  só  o  grito  de  aqui  tTel  rei, 
mas  o  delicto  a  que  essa  voz  se  referia  e  a 
querella  ou  processo  correspondente,  bem 
como  o  meirinho  ou  oíQcial  da  vara  que  em 
rasão  do  seu  cargo  devia  proceder  ou  inter- 
vir na  pendência.  D'aqui  (suppomos  nós) 
provem  o  nome  de  Caritel,  dado  a  uma  po- 
voação da  freguezia  de  Mansores  e  a  uma 
quinta  da  parochia  de  Vouzella,  como  quem 
diz— povoação  e  quinta  do  Meirinho. 


VRE 


VYU  2051 


V.  Caritel  no  Elucidário. 

Voz  também  signiScou  appellação  para 
as  ÍDstancías  superiores,  —  e  commissão  ou 
procuração  dada  pelo  delinquente  ao  seu 
advogado  ou  procurador,— e  nos  prasos  an- 
tigos a  palavra  voz  corresponde  a  pessoa  ou 
pessoas,  vida  ou  vidas. 

E  as  vozes,  que  depôs  vos  veerem,  vos 
dêem,  e  paguem  tanto. . . 

Também  signiQcava  a  sentença,  julgado 
ou  accordam. 

E  a  quem  foi  dada  a  voz,  cem  maravi- 
diz  lhe  preitem;  e  este  nosso  preito  perma- 
nesca  em  sa  fortalheza  para  sempre. 

Doe.  de  Lamego  de  1298.  j 

Finalmente  nos  Pareceres  de  Çaragoça 
se  diz  que  ultimamente  se  achara  por  es- 
cripluras  authentieas  que  por  voz  e  coima 
se  entendera  os  direitos  seguintes:— Mordo- 
mado, e  Portagem,  e  Tafolaria,  pelos  quaes 
se  ha  e  deve  levar  todo  o  Direito,  e  Trebuío, 
que  se  pelo  dito  nome  Vos,  e  Coima  em  qual- 
quer lugar,  e  em  qualquer  maneira  levas- 
se... 

Doe.  da  Torre  do  Tombo. 

VOZEIRO,  —  portuguez  antigo:  —  o  que 
tem  as  vozes  e  vezes  do  seu  constituinte, 
como  procurador  ou  solicitador  e  advo- 
gado. 

Se  alguum  Vozeiro  se  composer  com  o 
Mordomo,  que  Ihy  dê  ende  algua  cousa,  se 
provado  for  per  enquisa  que  tal  he;  compo- 
nha^ segundo  a  quantidade  de  Coimha,  que 
demandar:  e  se  non  ouver,  que  peyte,  en  o 
corpo  seia  atormentado. . .  Defendemos  a  to- 
dos aquelles,  que  fazem  Yozeiros  falsos,  e 
non  han  torto  (por  taes  certamente  toda  a 
terra  he  perduda). 

Foral  deThomar  de  1174,  traduzido  em 
portuguez  nos  principios  do  sec.  xiv. 

O  mesmo  se  determina  no  foral  de  Ourem 
de  1180,  por  estas  palavras: — Siguis  Voza- 
rius  se  cum  Maiordomo  composuerit. . . 

«Se  algum  vozeiro  se  composer  com  o 
mordomo. . .» 

Livro  dos  Foraes  Velhos. 

VRÉA-V.  Verêa. 

Também  se  denomina  Verêa  ou  Vereia 
ama  cidade  da  Rússia  nas  cercanias  de  Mos-  | 
cow.  I 


Nos  Apontamentos  para  a  historia  da  Le- 
gião Portugueza. . .  publicados  em  1863  por 
ordem  do  nosso  governo,  se  lô  a  pag.  67  o 
seguinte: 

«Ás  duas  horas  da  tarde  do  dia  22  de  ou- 
tubro (1812)  recebeu-se  ordem  de  evacuar 
a  cidade  (Moscow)  pelas  11  horas  da  noite, 
fãzendo-se  alto  a  duas  léguas;  às  duas  da 
madrugada  vimos  ainda  o  incêndio,  que  de- 
via destruir  o  Krenlim  e  outros  edifícios, 
e  .sentimos  o  estrondo  das  explosões. . .  Ao 
amanhecer...  houve  deseanço  até  ao  meio 
dia,  por  se  haver  flcado  toda  a  noite  debai- 
xo das  armas;  às  onze  horas  os  postos  avan- 
çados deram  signal  do  inimigo;  o  marquez 
de  Loulé  marchou  para  a  frente  com  dois 
esquadrões...;  poz-se  o  marechal  (Mar- 
thier)  em  apressada  marcha  sobra  a  estrada 
de  Vereia  a  Malo  laroslavetz,  que  corre  pa- 
rallela  e  pelo  sul  de  Mojaisk. 

«Em  Vereia,  depois  de  pequena  conferen- 
cia entre  o  marechal  e  Napoleão,  saiu  este 
da  cidade  com  os  ccfrpos  já  postos  em  mo- 
vimento...» 

Narrativa  do  tenente  portuguez  Theotonio 
Banha^  que  fez  parte  d'aquellã  expedição 
desastrosa. 

VULGATA.— Assim  se  denominava  ou- 
tr'ora  um  rio  Junto  de  Braga,  que  servia  de 
demarcação  ao  seu  termo  e  parece  que  dis- 
tava pouco  do  rio  Deste. 

Vem  nomeado  na  doação  e  descripção  do 
termo  de  Braga,  feita  por  ordem  d'el-rei  D. 
Aífonso  Casto. 

VDLTURINOS.— Assim  se  denominavam 
no  sec.  X  uns  povos  das  margens  do  Lima, 
povos  que  D.  Ordonho  II  de  Leão  pelos  ao- 
nos  de  913  deu  à  só  de  Lugo. 

Os  dictos  povos  constituem  hoje  as  fregue- 
zias  de  Victorino  das  Donas  e  Victorino  dos 
Piães,  ambas  pertencentes  ao  concelho  de 
PoDte  do  Lima  e  das  quaes  jà  se  fallou. 

V.  Memorias  d' Argole,  vol.  3.»  pag.  467  e 
468,— e  n'este  diccionario  o  tomo  IO.»  pag. 
647,  eol.  2.*— e  6i8,  col.  2.»  também. 

VYOVIDADE— portuguez  antigo,  viuvez, 
estado  de  viuva. 

Boas  obras  que  delle  recebeo  em  sua  vyu- 
vidade. 

Doe.  do  Salvador  de  Coimbra,  de  1480. 


2052 


X 


X — lettra  numeral.  Sempre  valen  iO  — e 
com  uma  lioba  atravessada  superiormente 
valia  10:000. 

Com  ura  til,  ou  plica,  entre  as  pontas,  e 
outras  figuras,  valia  40. 

Na  antiga  musica  era  signal  de  pausa,  ou 
espera,  no  canto. 

Também  se  empregou  ujn  X  por  A;  2 
XX  por  E;  3  XXX  por  7,  e  X  por  O. 

X  por  S  ou  Se  muitas  vezes  se  acha  nas 
nossas  escripturas,  v.  g.  Xexas  por  Sexas, 
Xancio  por  Saneio,  ete.  Xi  por  Si  era  muito 
frequente  no  tempo  de  D.  Diniz,  v.  g.  Xime- 
no  por  Simão,  etc. 

X  triplicado  valia  30  e  assim  os  nomes 
numeraes  que  constavam  de  30  se  escre- 
viam com  XXX,  pondo  o  resto  do  nome  por 
extenso,  v.  g.  XXX  gesimo,  XXX  tairo,  etc, 
por  trintagesimo,  trinlario.  etc. 

Deixo  a  S.  Francisco  de  Lamego  cinco  li- 
bras para  um  XXX  tario. 

Doe.  de  Tarouca  de  1335. 

XP  por  CHR  era  frequentissimo,  quando 
escreviam  Xpina  por  Christina,  —  Xpovão 
por  Christovam,  —  Xpãos  por  Christãos,  — 
Sanxpão  por  sacristão,  ele,  e  particular- 
mente Xpo  ou  Xps  por  Christo  ou  Christus. 

Desde  o  ix  até  os  fins  do  see.  xn  era  fre- 
quente escreverem  a  palavra  Christus  com 
variedade  de  monogrammas  no  rosto  e  ca- 
beça das  escripturas. 

Na  doação  que  Castimiro^  e  sua  mulher 


1  D'aqui  provem  Castromiro,  nome  de 
certo  Castello;  e  de  Caslimiriz  ou  Castimi- 
rim,  patronímico  de  Castimiro,  proveiu  tal- 
vez o  nome  da  villa  de  Castro  Marim,  como 
de  Yiliamirim  ou  Viliamiris,  patronímico 


Asarilli  fizeram  ao  mosteiro  de  Sozelio  no 
anno  de  870,  antes  das  palavras  In  Nomine 
Domini  nostri  Jesu  Christi  se  vô  o  mono- 
gramma  XPS  bem  claro. 
Doe.  d'Alpendurada. 

Ali  mesmo  se  guardava  a  doação  que 
Fromosindo  Romariguiz  fez  a  seus  filhos  no 
anno  de  1062,  na  qual,  antes  das  palavras 
Fromosindo  Romariguizi  Placitum,^  vel  Car- 
tula  fâcio  vobis  filiis  roeis,  etc,  se  vê  em  ca- 
prichoso monogramraa — xps. 

V.  Algarismo  e=X=era  Viterbo. 


XABREGAS— pi ttoresco  arrabalde  de  Lis- 
boa, que  teve  differentes  conventos  e  hoje 
tem  diferentes  fabricas  e  palácios,  e  um 
grande  Asylo  (de  D.  Maria  Pia)  etc.  etc. 

Para  evitarmos  repetições  V.  Lisboa,  to- 
mo 4.»  pag.  238,  col.  2.»  n.»  2;  pag.  245,  col. 

n.»  2  também;  Fonte  da  Samaritana  (ibi) 
pag.  175,  col.  1.% — e  pag.  420  col.  1."  ín- 
fine. 

Na  Esperança,  jornal  religioso  de  Lisboa, 
de  16  d*ag09to  de  1878,  se  lê  um  artigo  d© 
fundo,  muito  longo  e  muito  interessante,  es- 
cripto  pelo  dislincto  litterato  visconde  de 
Juromenha  e  dedicado  ao  nosso  mavioso  e 


do  nome  godo  Viliamiro,  provem  o  nome 
de  Vtllamarim,  dado  á  muitas  povoações 
nossas. 

No  supplemento  indicaremos  muiías  ety- 
mologias  semelbanies,  provenientes  de  no- 
mes  godos  e  árabes. 

*  De  Romariguiz,  patronímico  de  Roma- 
rigo,  provem  o  nome  de  Romariz,  que  hoje 
ainda  conservam  algumas  povoações  nossas. 


XAB 

muito  religioso  poeta  João  de  Lemos.  No 
mencionado  artigo  pretende  o  seu  illustrado 
auctor  mostrar  qne  muitas  das  descobertas 
com  que  se  orgulha  este  secu  o  já  foram 
ante-vistas  ha  séculos,  e  entre  outras  apon- 
ta a  dos  balões  aerostaticos. 

Diz  o  visconde  de  Juromenha; 

«Tem-se  ahi  querido  attribuir  a  Alexan- 
dre de  Gusmão  a  iniciativa  da  machina  ae- 
rostatica;  pois  saberás  que  no  tornéo  de  Xa- 
bregas} em  que  jogou  as  armas  pela  primei- 
ra vez  o  príncipe  D.  João,  pae  de  D.  Sebas- 
tião,2  vinham  doiá  fidalgos,  D.  Luiz  da  Cu- 
nha e  Chriaiovão  de  Moura,  em  uma  machi- 
na, que  vinha  atada  por  uma  corda  ao  mas- 
tro de  um  barco,  para  lhe  dar  a  direcção; 
por  signal  o  barco  se  voltou,  morrendo  D. 
Luiz  e  escapando  Chrislovão  de  Moura;  me- 
lhor fôra  que  succedesse  o  contrario,  por- 
que teríamos  um  traidor  de  menos  a  entre- 
gar-nos  a  Caslella. 


«Aqui  tens  tu  um  ensaio  da  machina  ae- 
rostatica,  quando  ainda  ninguém  pensava 
n'estas  coisas. 

«Poderia  apontar  outros  muitos,  apesar 
dos  seus  inventores  ou  auctores  viverem 
nos  tenebrosos  tempos  do  despotismo  e  da 
inquisição. 

«Nàó  se  pôde  negar  os  grandes  progres- 
sos que  teem  feito  algumas  sciencias  no  nos- 
so tempo,  como  a  astronomia,  physica,  chi- 
mica  e  mecânica;  algumas  porem  estacio- 
naram ou  recuaram.  Mas  é  preciso  não  ser- 
mos ingratos  para  com  o  passado,  a  quem 
devemos  este  desenvolvimento;  devemol-o  á 


*  Q  facto  deu  se  em  Xabregas.  Não  can- 
tamos extra  chorum. 

P.  A.  Ferreira. 

2  O  facto  refere-se  ao  meiado  do  sec.  xvi, 
porque  o  mencionado  príncipe  D.  João,  4.' 
filho  d'el-reí  D.  João  III,  nai«ceu  em  Évora 
no  dia  3  de  junho  de  1537.  Coutava  pois  i3 
annos  em  1350. 

P.  A.  Ferreira. 


XAB  2053 

renascesça  e  ao  xv  século,  que  foi  o  avô 
d  este,  e  ao  qual  coube  a  missão  de  désen- 
volver  o  gérmen  que  aquelle  >  eixou  em  Ift- 
gado. 

«Um  escriptor  francez  Mr.  Fournier,  em 
o  seu  livro,  ou  antes  obra  em  3  volumes,— 
—Le  Vieux  Neuf, — parece  que  dá  o  seu  a 
seu  dono. . . > 


Effectivamente  ó  assombroso  o  progresso 
que  hoje  se  nota  nas  industrias,  nas  artes  e 
nas  sciencias  e  porque  uma  cívilisação  pro- 
duz outra  cívilisação,  tanto  mais  assombro- 
sa, quanto  mais  elementos  herdou  da  cívi- 
lisação anterior, — a(é  onde  irá  o  sec.  xx  com 
elementos  herdados  do  sec.  xix? 

— Deve  ir  longe,  —  muito  longe^  se  não 
sobrevier  algum  grande  cataclismo  social, 
como  no  sec.  v  pesou  sobra  o  império  roma- 
!  no  e  que  suspendeu  em  parte  a  cívilisação 
até  o  meiado  d'este  sec.  xix. 

Referimo-nos  ao  importantíssimo  pelouro 
da  viação  publica. 

O  progresso  na  actualidade  é  grande,  mas 
sentimos  que  o  progresso  moral  não  acom- 
panhe, como  devia  acompanhar,  o  progresso 
material. 

Grande  incêndio 

Na  noite  de  3  para  4  d'agosto  de  1878  um 
pavoroso  incêndio  devorou  completamente  a 
fabrica  da  Samaritana  em  Xabregas,  uma 
das  mais  importantes  de  Lisboa  in  illo  tem^ 
pore. 

Havia  sido  fundada  em  1831  por  dois  in- 
glezes,  John  Scott  Howorth  e  Alexandre 
Black,  e  depois  transferida  para  a  compa- 
nhia do  fabrico  de  algodões  de  Xabregas^ 
que  a  explorava  desde  1838. 

Era  formada  por  um  conjuncto  de  edifi- 
cações, das  quaes  a  principal  figurava  um 
amplo  parallelogrammo  de  36  metros  de 
comprimento  e  21  de  largura,  dividido  em 
tres  pavimentos,  que  correspondiam  a  ou- 
tras tantas  oíScínas  e  tendo  nas  quatro  ti  - 
chadas  108  janellas. 

No  primeiro  pavimento  funccioaavam  7i 
teares  mechanicos,  4  bancas  de  linha,  1  de 
urdidura,  1  torno,  1  engenho  de  furar,  6 


2054  XAB 


XAB 


aspas  de  mão,  2  duplas  de  líoha  e  1  carda- 
deira,  alimentados  pelo  motor  do  vapor  e 
dirigidos  por  65  operários  interDos  e  exter- 
nos de  ambos  os  sexos. 

No  segando  pavimento,  officina  de  carda- 
ção,  trabalhavam  i8  cardas,  9  intróitos,  3 
trocos  grossos,  5  finos  e  um  engenho  de  es- 
merilhar, dirigidos  por  37  operários. 

No  terceiro  pavimento,  oflBeina  de  fiação, 
tinha  em  movimento  5  engenhos  contínuos, 
8  bancas  de  urdidura,  2  urdideiras,  1  enca- 
netadeira,  5  aspas,  2  aspas  duplas,  1  prensa 
para  maços  e  1  engenho  de  engommar,  di- 
rigidos por  60  operários. 

Nas  oíficinasaanexas  trabalhavam  em  tin- 
turaria, carpinteria,  serralheria,  casa  da  ma- 
china,  eic,  26  pessoas. 

Além  dos  72  teares  que  funccionavam,  a 
fabrica  tinha  mais  8  promptos  para  o  tra- 
balho e  4  encaixotados  fóra  do  edificio. 

O  machinismo  das  offleinasera  de  diver- 
sos auctores,  mas  no  principal  figuravam  os 
nomes  de  J.  Hetherington  &  Sons,  de  Man- 
chester. 


  fabrica  estava  segura  em  145:800i$000 
réis,  a  saber:  2S:000Jí000  na  compa- 
nhia Garantia,  25:000^000  na  Fidelidade, 
20:000^000  na  Bonança,  20:000^000  na 
Norwich  Union,  25:000^000  na  Segurança, 
15:800^000  na  Douro,  e  15:000^000  na  pro- 
pria  companhia. 

Em  1867  a  companhia  mandara  construir 
próximo  da  fabrica  diíTerentes  casas,  que 
alugava  aos  seus  operários,  e  em  1877 
procedera  a  novas  construcções  com  o 
mesmo  destino. 

Havia  na  fabrica  um  internato,  que  se 
eotnpunha  de  60  rapazes  e  28  raparigas;  e 
em  1875  a  companhia  instituirá  uma  aula 
para  elles. 

Os  dividendos  pagos  aos  accionistas  ti- 
nham sido:  em  1858  5  p.  c  ;  em  1859  6;  em 
1860  8;  em  1861,  10;  em  1862,  9;  era  1863, 
6;  em  1864,  4;  em  1865,  4;  em  1866,  6;  em 
1867,  7;  em  1868,  9;  em  1869,  6;  em  1870, 
7;  em  1871,  9;  em  1872  9;  em  1873,  8;  em 
1874,  10;  ena  1875,  9;  e  em  1876,  6. 


Começando  a  produzir  no  aono  de  1858 
72:500  kilogrammas  de  fiação,«m  1877  pro- 
duziu cerca  de  130:000. 

O  prejuízo  soffrido  com  o  incêndio  foi  àú- 
perior  ás  quantias  em  que  a  fabrica  estava 
segura. 

Como  se  vé  pelo  que  temos  dito,  o  està- 
do  da  companhia  de  fabrico  de  algodõ&s  de 
Xabregas  era  muito  prospero. 

Concorreram  muito  para  isso  os  esforços 
dos  seus  directores,  os  srs.  C.  Alexandre 
Munró,  Theodoro  Ferreira  Lima,  e  Joaquim 
Moreira  Marques. 

O  desastre  a  que  nos  referimos  causou 
grave  prejuízo  á  companhia;  mas  a  fabrica 
foi  reconstruída  e  hoje  é  talvez  no  seu  gé- 
nero a  1  •  de  Portugal,  depois  da  fabrica  da 
fiação  de  Negrellos,  concelho  de  Santo 
Thyrso.i 

V.  Vizella^  rio,  tomo  li."  pag. . .  ^ 


O  nosso  governo  (honra  lhe  seja!)  para 
fomentar  as  industrias,  creou  em  1884  bas- 


1  Hoje  no  nosso  paiz  todas  as  fabricas  de 
fiação  e  tecidos  d'algodão  atravessara  um 
periodo  excepcional  de  prosperidade,  pelo 
que  se  multiplicam  e  pulluUm  d'um  modo 
assustador!...  Todas  tem  dado  e  dão  bons  di- 
videndcs,  mas  a  de  Vtó«//a,  propriedade  de 
uma  pequena  parceria,  supplanta  as  a  todas. 
Já  tem  dado,  50  por  cento  de  dividendo  al- 
guns annos?!. . . 

2  Não  posso  indicar  as  paginas,  porque 
ainda  não  se  distribuiu  o  fascículo  corres- 
pondente!— Tal  ó  a  precipitação  com  que 
estamos  escrevendo  e  publicando  este  dic- 
cionario,  o  que  muito  nos  incoramoda  e  por 
vezes  compromette,  pela  intima  relação  que 
ha  enlre  muitos  artigos  e  tópicos  do  mesmo 
artiso. 

Por  vezes  temos  no  prélo  3  fascículos  e 
damos  tractos  á  memoria  com  ás  referen- 
cias/..  . 

Desculpe-Qos  pois  os  lapsos  quem  souber 
avaliar  as  difQculdades  com  que  luctanaos. 

Note-se  que  este  díccionario  é  escripto  no 
Porto  e  publicado  em  Lisboa^  —  e  escripto 
au  jour  le  jourfl. . . 

Não  recebemos  do  nosso  beoetnerito  an- 
tecessor trabalho  algum  feito. 


XAB 

tante»  escolas  de  deseobo  íodustrial  em 
differeDtes  pontos  do  nosso  paiz.  que  mais 
urgeotemeate  as  reclamavam.  Ficou  uma 
em  Xabregas  e  tem  dado  óptimo  resultado, 
como  se  vê  do  relatório  da  circumscripção 
do  sul,  relatório  que  temos  presente  e  se 
refere  ao  anno  de  1884-1885. 

Consta  esta  circumscripção  de  7  escolas 
de  desenho  industrial,  em  Alcantara,  Xa- 
bregas, Belém,  Caldas  da  Rainha,  Torres  No- 
vas, Thomar  e  Portalegre— e  da  escola  in- 
dustrial da  Covilhã.  A  matricula  em  todas 
as  escolas  foi  de  403  alumnos  de  ambos 
os  sexos ;  —  em  Alcantara  65,  Xabregas 
63,  Belém  48,  Caldas  da  Rainha  54,  Torres 
Novas  47,  Thomar  32,  Portalegre  42,  e  Co- 
vilhã 62. 

O  Relatório  dá  minuciosas  e  interessantes 
informações  ácerca  das  àiSereule»  escolas,  e 
termina  com  a  seguinte  lisonjeira  aprecia- 
ção: 

«Apresenta-se  com  muito  bons  auspícios 
a  inauguração  das  aulas  de  ensino  indus- 
trial d'esta  circumscripção. 

Em  todas  as  localidades  foram  perfeita- 
mente acolhidas  pelas  povoações;  a  concor- 
rência foi  grande,  e  os  alumnos  tôem  mosr 
trado  muita  applicação.  Todas  as  escolas  se 
acham  fornecidas  de  bom  material  de  ensi- 
no, e  os  protessores  téem  manifestado  mui- 
to zelo  e  bons  desejos  de  que  o  ensino  seja 
e£Bcaz. 

Conflamos  que  de  futuro  se  tornarão  bem 
pronunciados  os  beneficies  da  instrucção 
ministrada  pelas  novas  escolas,  e  que  não 
terá  sido  improfícua  a  civilisadora  iniciati- 
va do  illustre  ministro  que  promulgou  o  de- 
creto de  3  de  janeiro  de  1884  * 

Em  vista  de  tão  auspicioso  resultado,  o 
governo  já  posteriormente  augmenton  o  nu- 
mero das  ditas  escolas. 


Com  a  inicial=X=temos  também  vários 
sítios^  aldeias,  casaes  e  quintas,  taes  são: 

Xaim,  Xainça,  Xainha,  Xainho,  Xainhos, 
Xapelar,  Xaranche,  Xarás,  Xamaes,  Xas- 
queira,  Xatle  ou  Echate,  Xavier,  Xebrito, 
Xelrito,  Xerez,  Xerito,  Xertello,  etc,  mas 


XAR  2055 

nao  nos  consta  que  offereçam  coisa  notável 
XARRAMA— grande  ribeira,  afflaente  do 
Sado. 

Nasce  a  N.  O.  d'Evora,  a  distancia  de  6 
kilometros;  corre  a  S.  E.  e,  descrevendo 
quasi  um  semi-eirculo  em  volta  da  cidade, 
tem  n'aquelle  espaço  3  pontes: — uma  na  es- 
trada d'Evora  a  Estremoz;  outra  na  de  Evo- 
va  a  Mourão—e  outra  na  de  Évora  a  Por- 
tel; corre  depois  na  direcção  geral  N.  E.  a 
S.  O.;  tem  ponte  na  estrada  de  Évora  a  Be- 
ja; passa  3  kil.  a  N.  O.  de  Aguiar  e  depois 
sob  a  ponte  da  linha  férrea  do  Sul;  mais 
abaixo  cerca  de  18  kil.  passa  a  N.  O.  da  vil- 
la  do  Torrão— e  mais  abaixo  cerca  de  13 
kilometros  morre  no  Sado,  (m.  d.)  na  fre- 
guezia  de  S.  Romão,  contando  ao  todo  nas 
dus  províncias  do  Alemtejo  e  da  Estrema- 
dura cerca  de  15  legoas  ou  75  kilometros 
de  curso. 

Esta  ribeira,  depois  que  toca  na  villa  do 
Torrão,  toma  d'ella  o  nome  de  ribeira  do 
Torrão—Q  d'ali  até  o  Sado  corre  funda  por 
entre  leito  pedragoso  e  muito  declivoso,  pelo 
que  nas  cheias  faz  um  ruido  medonho  que 
se  ouve  a  grande  distancia,  mas  desde  a  sua 
nascente  até  ás  proximidades  da  villa  do 
Torrão  atravez  da  província  do  Alemtejo 
corre  suave  por  leito  quasi  plano. 

No  inverno  assume  grandes  proporções  e 
torna-se  imponente,  mas  no  verão,  como 
succede  a  todas  as  ribeiras  do  Alemtejo, 
torna-se  microscópica  e  some-se.  Apenas 
conserva  alguma  agua  nos  pòços  mais 
fundos,  aqui  denominados  pégos,  e,  porque 
o  seu  leito  é  de  lôdo  e  cria  muita  herva,  na 
estiagem  transforma  se  em  um  pântano,  fo- 
co medonho  de  sezões  e  febres  paludosas, 
malignas,  que  devastam  as  povoações  mar- 
ginaes,  sendo  a  villa  de  Torrão  uma  das 
que  mais  soffre,  por  ser  muito  immunda, 
abafada  e  ardentíssima  no  verão  —  e  mais 
ainda  a  aldeia  de  Rio  de  Moinhos,  da  fregue- 
Zia  do  Torrão,  a  jusante  da  villa  e  já  perto 
do  Sado. 


A  dieta  povoação  é  uma  das  mais  arden- 
tes de  todo  o  nosso  paiz,  pelo  que  um  nosso 
rei  (diz  a  tradição  local)  vendo  que  ali  só  os 


2056  XAR 


XER 


africanos  podiam  viver,  mandou  para  lá 
ama  colónia  de  pretos,  que  povoaram 
aquelle  território  e  formaram  a  dieta  al- 
deia. Não  sabemos  até  que  ponto  isto  é  ver- 
dade,  mas  não  custa  a  crer,  porque  mui- 
tos habitantes  de  Rio  de  Moinhos  ainda  ho- 
je parecem  mulatos.  São  muito  escuros  e 
teem  o  cabello  encaracolado,  semelhando  a 
carapinha  >dos  pretos. 

Também  d'este  facto  proveiu  a  locução 
popular: — negros  do  Torrão. 

Custodio  Gil  Carneiro 

O  maior  proprietário  da  villa  do  Torrão 
é  Custodio  Gil  Carneiro,  muito  conhecido  no 
Porto  e  ao  norte  do  nosso  paiz  por  Custodio 
Gil  do  Casal,  por  que  nasceu  e  vive  na  al- 
deia do  Casal,  freguezia  de  S.  Christovam 
de  Refojos  (de  Riba  d'Ave)  concelho  e  co- 
marca de  Santo  Thyrso,  junto  d'aquella  vil- 
la, cerca  de  8  kil.  para  S.  E. 

Vive  com  a  maior  singelesa,  confundin- 
do-se  com  qualquer  lavrador,  mas  só  na 
Villa  do  Torrão  a  sua  casa,  bem  conhecida 
como  casa  dos  Carneiros,  vale  mais  de  cem 
contos  e  tem  vastíssimas  propriedades  em 
outros  pontos  da  Estremadura  e  do  Alem- 
tejo,  muitas  casas  no  Porto,  muitas  quintas 
nos  concelhos  d' Aveiro,  Santo  Thyrso,  Fel- 
gueiras, Lousada,  etc,  etc,  e  grandes  som- 
mas  era  dinheiro  mutuado  e  fundos  públi- 
cos. 

É  um  dos  maiores  proprietários  e  capita- 
listas que  hoje  temos  ao  norte  do  nosso  paiz, 
pois  tem  uma  fortuna  superior  a  dois  mil 
contos  de  réisfl 

Está  viuvo,  mas  tem  filhas  e  filhos,  um 
dos  quaes  vive  na  sua  casa  do  Torrão  e 


1  Ha  também  na  villa  de  Santo  Thyrso  ou- 
tra fortuna  igual,  mas  toda  em  dinheiro, — a 
do  conde  de  S.  Bento,  solteiro  e  já  decrépito, 
— e  na  Regoa  outra  fortuna  muito  superior, 
avaliada  em  seis  mil  coatos.  É  a  da  sr.*  D. 
Antónia  Adelaide  Ferreira,  viuva,  represen- 
tante da  casa  Ferreirinha. 

V.  Regoa  e  Villa  Real  de  Traz  os  Montes, 
Yol.  il.»  pag.  1:013,  col.  1.» 


d'ella  administra  as  muitas  herdades  que 
possue  na  Estremadura  e  no  Alemtejo. 

V.  Charrama,  tomo  2.»  pag.  280,  col.  2.*; 
Refoyos,  tomo  8.»  pag.  97,  col.  1.*,  e  lorrão, 
vol.     pag.  595,  col.  2.*. 

Terminaremos  dizendo  que  na  ribeira  de 
Xarrama,  cerca  de  15  kilometros  a  S.  S.  O. 
d'Evora,  passava  uma  estrada  romana. 

V.  Villa  Ruiva,  tomo  11.»  pag.  1:055, 
col.  1.* 

XERAFIM,  moeda  asiática,  muito  vulgar 
em  algumas  das  nossas  possessões. 

O  xerafim  sempre  constou  na  Índia  e  ain- 
da consta  dè  5  tangas,  assim  como  uma  tan- 
ga vale  60  réis;  e  do  mesmo  modo  a  li- 
bra sterlina  se  divide  em  20  shillings,  e  ca- 
da shilling  era  12  pence;  mas  como  o  agio 
prata  ê  de  20  %,  são  necessários  6  xerafins 
em  moeda  de  cobre  para  se  obter  no  mercado 
5  xerafins  em  moeda  de  prata,  o  que  faz  que 
correspondam  6  tangas  em  cobre  a  5  tangas 
em  prata,  de  modo  que,  substituindo  na  lin- 
guagem 5  tangas  pelo  seu  equivalente — um 
xerafim,  ficam  correspondendo  6  tangas  em 
cobre  a  um  xerafim  em  prata;  mas  isso  não 
significa,  como  é  claro,  que  o  xerafim  pro- 
priamente dito  conste  de  6  tangas. 

Ha  eflfectivamente  na  ludia  uma  moeda  de 
prata  que  vale  6  tangas,  porém  não  é  o  xe- 
rafim, mas  sim  a  meia  rupia,  que  correspon- 
de a  um  xerafim  e  mais  uma  tanga,  como 
toda  a  gente  conhece  na  índia.  Ora  sendo 
em  Goa  o  xerafim  a  unidade  principal  da 
moeda,  nada  mais  natural  que  no  cunho  da 
meia  rupia  se  marcasse  a  palavra  xerafim, 
se  realmente  elle  valesse  6  tangas,  mas  em 
tal  caso  a  denoraioação  da  moeda  não  cor- 
respondia ao  seu  valor.  E  para  se  designar 
por  xerafim  seria  necessário  que  se  aceres- 
cantassem  as  palavras  em  prata,  apesar  da 
moeda  ser  de  praia,  o  que  seria,  por  assim 
dizer,  um  pleonasmo  extravagante,  como  se 
na  nossa  moeda  de  2  tostões  de  prata  se 
se  gravasse  --  200  réis  em  prata  —  onde  se 
lê  simplesmente — 200  réis. 

Quando  na  índia  se  diz  que  am  objecto 
custou,  por  exemplo,  3  xerafins,  toda  a  gen- 
te fica  entendendo  que  foram  15  tangas. 
Quando  se  falia  em  1  V2  rupia  ou  3  xera- 
fins em  prata,  então  são  18  tangas;  mas 


XOR 


XUD  2057 


usa- se  geralmente  o  termo  rupia  de  prefe- 
rencia ao  de  xerafim  em  prata. 

Com  vista  ao  nosso  iilastra- 
do  amigo  Lopes  Mendes,  au- 
tor da  índia  Portugueza  e  que 
viveu  na  índia  nove  annos.^ 

XEVER, 
XEVERA  e 

XEVERETE  —  ribeiras  que  nascem  na 
serra  de  Portalegre. 
XI  -  portuguez  antigo — se. 
Cá  xi  (se)  vos  chega  o  tempo. 
Diccion.  de  Moraes. 

XIBAO  ou  XIBAU— P«  de  Xibáu— nome 
de  uma  dança  antiga  portugueza. 
XIGO,  portuguez  antigo,— secco. 
Rio  xico,—no  secco. 
Elucidário. 

XIRA  —  terreno  inculto,  bosque,  malta, 
brenha. 

V.  Cira  e  \illa  Franca  de  Xira. 

XIRTO, 

XISTO, 

XISTRO. 

XOENES  8 

XOFRAL, — silios,  aldeias,  casaes  e  quin- 
tas em  diversos  pontos  do  nosso  paiz,  mas 
que  não  ofTerecem  coisa  notável. 

XORCA,  XORCAS  ou  AXORCAS,  — pul- 
seiras de  prata,  á  maneira  de  argolas,  que 
as  mulberes  no  Oriente  e  África  usam  nos 
braços  e  pés,  por  cima  do  calcanhar. 

D'aqui  proveiu  o  epitheto  ajorcada,  ap- 


1  V.  Vi7/fl  Real  de  Traz  os  Montes,  tomo 
pag.  1:031,  col.  2.»  in  fine  e  segg. 


plicado  á  mulher  muito  composta,  ataviada 
e  ornada  de  peças,  brincos,  laços  e  cordões 
de  ouro  ou  prata,  como  as  lavradeiras  dos 
arrabaldes  do  Porto,  que  nos  dias  de  festa 
vão  carregadas  d'ouro. 

Por  vezes  só  uma  das  taes  lavradeiras  le- 
va aos  arraiaes  brincos,  anneis,  broches, 
gargantilhas,  relicários  e  cordões  no  valor 
de  dois  a  ires  contos  de  réistl . . . 

Assim  as  temos  visto  nos  grandes  ar- 
raiae&  do  Senhor  de  Mattosinhos,  Senhor  da 
Pedra^  S.  Bento  de  Rio  Tioto,  Senhora  da 
Hora,  S.  Mamede  de  Infesta  e  S.  Cosme  de 
Gondomar. 

Em  todo  o  nosso  paiz  nào  ha  mulheres  do 
campo  tão  lindas,  tão  mimosas  e  tão  vigo- 
rosas, tão  elegantes  e  tão  ajorcadas  d'ouro, 
saias  e  lenços,  como  as  lavradeiras  dos  ar- 
rabaldes do  Porto. 

V.  Yillar  d' Andorinha  e  Yillar  do  Pa' 
raiso. 

XUDREIROS  ou  ENXUDREIROS,— assim 
se  denominava  uma  das  povoações  compre- 
hendidas  no  foral  que  D.  Manoel  deu  á  Vil- 
la d'^<;'Mmr  da  Pena  em  22  de  junho  de 
1515. 

V.  Aguiar  da  Pena,  tomo  1."  pag.  39, 
col.  2,« 

XUDRÕES,  —  antigo  casal  em  terra  de 
Barroso. 

Teve  foral  velho  dado  em  Coimbra  por  D. 
Affonso  III,  a  22  de  abril  de  1262. 

Liv.  I  de  Doações  do  Sr.  Rei  D.  Affonso 
III,  fl.  60,  V.  col.  í.* 

XUDRORO,  —  ribeiro  que  nasce  na  fonte 
da  Freja,  freguezia  do  Guardão,  concelho 
de  Tondella,  e  fertilisa  particularmente  a 
povoação  de  Janardo,  da  dieta  parocbia. 


Y 


Y— lettra  numeral  outr'ora.  Valia  150  e 
com  um  til  sobreposto  valia  150:000. 

Nos  nossos  documentos  antigos  confunde- 
se  a  cada  passo  com  I  ou  J,  dando-se-lhe  a 


mesma  pronuncia,  v.  g.  lldefonsus  por  iZ- 
defonsus,  Yoanne  por  Joanne,  Yspania  por 
Ispania,  etc. 
No  grego  primitivo,  d'onde  é  originaria, 


2058  YRI 


YZE 


esta  lettra  tinha  mui  dilTereote  figura  e  de- 
signava a  sorte  dos  bons  e  dos  maus. 

Âcliando-se  algumas  vezes  no  meio  dos 
mooogrammas  dos  reis,  prineipes  ou  pre* 
lados,  vale  Ya  ou  Ita  e  é  abreviatura  que 
denota  ratificação  ou  confirmação  d'algnma 
escriptura,  como  diz  Mabillon.  Diplom.  liv. 
H,  cap.  10,  n.»  13. 

Também  significou  ahi,  tiesse  logar,  cor- 
respondendo ao  adverbio  latino  ibi. 

YA60— o  mesmo  que  Tiago,  Jacobo,  Ja- 
come  ou  Diogo. 

Doe.  de  Lamego  do  sec.  xv. 

YGUAR  —  porluguez  antigo,  na  accepção 
de  igualar. 

YLMOFARIZ— porluguez  antigo,—  almo- 
fariz. 

It.  Hum  Ylmofariz  com  sa  mão— Rema- 
tado por  56  soldos. 

Inventario  do  espolio  de  D.  Fr.  Salvado, 
bispo  de  Lamego,  com  data  de  1  d'abril  de 
1350. 

YOLANTE  —  Violante,  nome  de  mulher. 

Procuração  de  D.  Isabel  e  D.  Maria,  fi- 
lhas do  Infante  D.  Affonso,  e  D.  Yolante 
sa  molher. 

Doç.  da  Guarda  de  1298. 

Este  infante  era  filho  legitimo  d'el-rei  D. 
Affonso  III;  D.  Violante  era  filha  do  infante 
D.  Manoel  e  neta  de  D.  Fernando  III  de 
Gastella. 

YRIAN — port.  ant.— esquadrão  ou  exerci- 
to,— segundo  o  bispo  Pinheiro,  part.  1.» 


apnd  Bluteau.  Diz  que  esta  palavra  é  dos 
antigos  portuguezes  e  que  d'ella  provem 
o  nome  de  Yria  Flavia,  hoje  villa  do  Pa- 
drão, junto  de  Compostella,  onde  residiam 
os  prelados,  antes  de  se  descobrir  o  tumulo 
do  apostolo  S.  Thiago  maior  e  de  se  formar 
em  volta  d'elle  a  cidade  de  Compostella, 
para  onde  depois  transferiram  a  séde  do 
bispado,  hoje  arcebispado. 

Viterbo  põe  era  duvida  a  tal  etymologia 
de  Yria  Flavia— e  nós  também  duvidamos. 

Yria  Flavia  parece  claramente  nome  pró- 
prio de  mulher. 

Dicant  compostellani. 

YXECO— port.  ant  —moléstia,  contradic- 
ção,  trabalho,  duvida,  contenda. 

Quem  slorvo,  ou  yxeco  quisser  dar  a 
meos  testamenteiros  perca  todo  aquello,  que 
lhes  eu  mando. 

Doe.  da  Guarda  de  1298. 

Também  se  escrevia  enxeco,  eyxeco  e  ey- 
xequo  na  mesma  accepção  de  yxeco. 

D.  Diniz  fez  avivar  os  limites  entre  Mós  e 
Moncorvo  no  anno  de  1309— par^i  que  huns 
e  outros  vivessem  in  paz,  e  sen  eyxequo- 

Doe.  de  Moncorvo. 

YZEDA — actualmente  Izeda,  freguezia  do 
concelho  de  Bragança. 

V.  Izeda,  tomo  3."  pag.  406,  col.  1.*. 

Súppomos  que  esta  Yzeda  provem  de 
Yezid,  nome  árabe  e  próprio  de  homem. 

Junte-se  mais  esta  etymologia  às  duas  que 
ali  se  encontram  apontadas. 


z 


Z— na  arilhmetica  dos  antigos  valia  2:000 
— e  sendo  plicado  valia  2:000:000,  que  são 
duas  mil  vezes  mil. 

Z — por  c  era  frequente  nos  séculos  x  e  xi 
V.  g.  dozel,  fidatia,  inzendium,judizes,  pon- 
tifizes  por  doucct,  fiducia,  etc. 

Z — também  se  empregava  como  t  in  tilo 
tempore,  quando  se  seguia  vogal,  v.  g.  Lau- 


renzia,  perfiliazione,  desperazione,  porlau- 
reníia,  perfiliatione,  .etc. 

Também  algumas  vezes  se  encontra  com 
o  valor  de  X,  v.  g.  Zênia  por  Xênia,  Zeno- 
dochium  por  Xenodochium,  etc. 

Também  se  empregava  o  X  por  v.  g. 
axaga  por  azaga. 

Também  se  dava  ao— Z  —  figuras  muita 


ZAB 

caprichosas,  como  diz  Viterbo  no  Elucidá- 
rio, dando  em  gravura  algumas  d'ellas,  e 
cita  uma  inscripçâo  romana  das  muitas  en- 
contradas em  Oít/í/ro /oão,  perto  de  Ciiaves, 
copiadas  por  Argote  nas  suas  Memorias  de 
Braga  e  pelo  dr.  João  de  Barros  na  sua 
Geographia,  — inscripção  curiosa  e  que  é  a 
seguinte:  A  terra  seja  leva  á  Condeça,  fi- 
lha de  Aulo  Bobalo,  que  aqui  jaz  de  idade 
de  3o  annos. 

N'ella  se  veem  ZZZ  aspados  horisontal- 
mente  em  vez  de  XXX  e  valendo  30. 

ZAADONA— no  sec.  xiii  significava  senho- 
ffli,  mulher  livre,  forra,  ingénua. 

Se  quizer  ser  Zaadona  Cliristiana,  que  a 
baptizem,  e  lhe  dem  de  vistir,  e  lhe  fação 
bem. 

Testamento  de  D.  Chamôa  Gomes  de 
1238,  fallando  da  sua  moura  Elvira, 

ZAARA  ou  ZAHARA  —  do  árabe  Zhara, 
flor. 

É  nome  próprio  de  mulher  e  assim  se  de- 
nominava a  irmã  de  Alboazar  —  Albuca- 
dan,  senhor  do  eastello  de  Gaya  e  que  tan- 
to figura  na  lenda  de  D.  Ramiro  II  de  Leão. 

V.  Gaia,  tomo  3.»  pag..  245,  col.  2.*  — e 
Viseu,  tomo  il.»  pag.  1:674,  col.  l.«  e  segg. 

ZAATAN  ou  ZALATAN  — nome  árabe  e 
próprio  de  homem. 

De  um  mouro  assim  chamado  tomou  o 
nome  a  villa  de  Sátão  ou  Satam. 

ZABOLO  ou  ZABULO— outr*ora  diabo.  V. 
Blateau. 

ZABUMBA-r-monte  (aldeia)  e  herdade  da 
íreguezia  de  Nossa  Senhora  das  Neves,  con- 
celho e  comarca  de  Beja. 

V.  Neves,  tomo  5."  pag.  39,  col.  1." 

A  mencionada  freguezia  é  uma  das  mais 
importantes  do  concelho  de  Beja, 

O  censo  de  1878  deu-lhe  253  fogos,  mas 
deve  contar  hoje  mais  de  260. 

Demora  na  margem  esquerda  do  rio  Ca^ 
deira,  que  nasce  junto  de  Beja  e,  depois  de 
receber  na  margem  esquerda  a  ribeira  de 
Baleizão  —  e  na  margem  direita  a  que  vem 
da  freguezia  de  Louredo,  desagua  na  mar- 
gem direita  do  Guadiana,  5  kil.  a  O.  da  vil- 
la de  Serpa,— tendo  26  kil.  de  curso  total. 

A  povoação  de  Nossa  Senhora  das  Neves, 
onde  está  a  matriz  da  parochia,  dista  de 


ZAB  2059 

Beja  4  kil.  para  o  nascente  e  n'ella  passa  a 
estrada  de  Beja  para  Baleisão. 

Alem  da  dieta  aldeia  de  Nossa  Senhora 
das  Neves  comprehende  esta  parochia  as  do 
Padrão,  Zabumba,  Corujeiras,  Maria  do  Val- 
le e  Sorumbeque— e  129  casas  (moní^s)  her- 
dades e  quintas,  cujos  nomes  podem  ver-se 
na  Chorographia  Moderna,  taes  são:— Viei- 
ras, Vinha  d'Alfar,  Monte  de  Palha,  Sabori- 
da,  Mongeraldo,  Monte  Branco,  Villa  Lobos, 
Carapiço,  Carrasco,  Majôa,  Castelli  o  ho,  Horta 
do  Bragança,  Chão  d'El-Rei,  Polingresa, 
Monte  do  Gallego,  Val  de  Lobos,  Horta  Secca, 
Bispos,  Val  do  Maçosa,  Quinta  Queimada, 
Aleaçarias,  Valda  tonte,  Quinta  dos  Bonecos] 
Galiana,  Carapeta,  Quartel  Mestre,  Val  de 
Escarnos,  Raiona,  Val  de  Paneiro,  Val  do 
Lagaço,  Monte  do  Coronel,  Monte  do  Sacris- 
tão, Moinho  do  Caganata,  Monte  da  Chami- 
né, Canalinho,  Fonte  do  Sapo,  Gaffete,  Ar- 
quinhos.  Ventosa,  Paraíso,  Carvoeiras,  Car- 
voeírinhas.  Cabeça  de  Pau,  Monte  da  Ponte, 
Monte  do  Pego,  Monte  do  Ai,  Val  d'Aldrave, 
Monte  da  Egreja,  Vinha  do  Padre  Rosa,  Vi- 
nha do  Coelho,  Vinha  do  Baptista,  ete.  etc. 

Os  nomes  são  curiosos  e  algulis  não  wmYo 
decentesl . . . 

ZABURRAL — quinta  ou  casal  da  fregue- 
zia de  Botão,  concelho  de  Coimbra. 

Compõe  se  de  grande  insua  com  muita 
agua  de  rega,  bom  pomar  de  espinho  e  ca- 
roço, terras  de  monte,  vinhas  e  oliveiras, 
esplendida  casa  de  habitação,  etc,  etc. 

Demora  junto  da  estrada  municipal  que 
de  Coimbra  conduz  á  Pampilhosa  e  Mea- 
lhada. 

V.  Botão,  vol.  1."  pag.  423,  col.  2.» 

Suppomos  que  esta  quinta  do  Zaburral 
tomou  o  nome  do  milho  zaburro,  de  que  va- 
mos fazer  menção. 

ZABURRO— milho  zaburro,  ou  de  maça- 
roca. 

É  uma  espécie  de  milho  que  se  cria  nas 
lodeiras  da  margem  do  Douro.  D'elle  fazem 
menção  Bluteau  no  seu  Vocabulário  e  João 
de  Barros  na  Dec.  l.«  liv,  3.»  cap.  7.» 

Nós  o  vimos  muitas  vezes  nas  lodeiras  da 
grande  quinta  dos  Frades,  freguezia  da  Foi- 
gosa,  concelho  de  Armamar,  na  margem  es- 
querda do  Douro,— lodeiras  que  davam  só 


« 

2060  ZAG 

milho  e  feijões,  mas  que  hoje  produzem 
vinho,  porque  são  inundadas  pelo  Dou- 
ro no  inverno  e  por  isso  a  phylloxera 
as  poupa,  em  quanto  que  já  destruiu  to- 
dos os  vinhedos  restantes  d'aquella  formosa 
quinta,  que  antes  da  invasão  phylloxerica 

produzia  mais  de  150  pipas  de  bello  Port 

Wine. 

O  mesmo  suecede  em  todo  o  alto  Douro, 
cujos  vinhedos  estão  completamente  aniqui- 
lados. 

V.  Yillarinho  dos  Freires,  Yillarinho  de 
Cotas  e  Yillarinho  de  S.  Romão. 

O  milho  zaburro  é  quasi  redondo,  muito 
escuro  e  pequeno,  mas  produz  bastante  nas 
lodeiras,  em  terreno  fundo  e  quente,  e  dá 
pão  saboroso. 

A  cana  attinge  1  V2  a  2  metros  de  altura 
e  termina  com  uma  grande  bandeira  on  plu- 
ma, de  que  se  fazem  vassouras  muito  esti- 
madas no  mercado. 

ZACA— de  Zacat,  ou  Azaqui  de  azacá, 
termos  árabes,  signiíieam  propriamente  o 
dizimo  que  se  dá  dos  fructos  que  cada  um 
colhe  das  suas  terras. 

O  azaqui  *ou  zaca  era  um  dos  tributos 
que  os  mouros  rezidentes  e  tolerados  em 
Portugal  pagavam  aos  nossos  reis.  Aquelles 
tributos  eram  de  4  espécies:  1.»  tributo  de 
cabeça  ou  pessoal  de  taoto  por  cada  mouro 
6  que  se  pagava  no  i.*  dia  de  janeiro; — 2." 
dos  bens  e  gados  que  possuíam,  denomina- 
do alfitra;  3.*  o  dizimo,  a  que  chamavam 
zaca  ou  azaqui;  o  4.°  era  a  quarentena,  i.  e. 
— 40  de  tudo  quanto  possuiam. 

Zaca  e  azaqui  derivam-se  do  verbo 
záca,  —  fazer  esmola,  dar  os  dízimos, 
ofTerecer  dadivas  para  conciliar  o  animo 
do  soberano,  justificar-se,  puriflear-se  pelo 
ázequi. 

ZAGHARIÃS  —  freguezia  extincta,  hoje 
simples  aldeia  da  freguezia,  vilia  e  concelho 
de  Alfandega  da  Fé,  comarca  do  Mogadou- 
ro, districto  de  Bragança  em  Traz  os  Mon- 
tes. 

Tinha  como  orago  S.  Zacharias  e  em 
1706,  segundo  se  lé  na  Corogr.  Port.  con- 
tava apenas  6  fogos. 

ExtÍDguiu-se  esta  parochia  por  ser  o  seu 
chão  muito  quente  e  doentio  na  estiagem. 


ZAG 

ZACHARIAS  —  ribeira  confluente  do  Sa^ 
bor.» 

Nasce  na  serra  de  Sambade,  (ou  Monte* 
mel)  cerca  de  10  kil.  ao  S.  O.  de  Chacim; 
corre  na  direcção  geral  S.;  passa  a  E.  e  na 
distancia  de  6  kil.  d' Alfandega  da  Fé;  de- 
pois divide  a  parochia  de  Cerejaes  da  de 
Sendim  da  Ribeira — e  por  nltimo  entra  no 
rio  Sabor  (margem  direita)  tendo  de  curso 
total  22  kilometros  e  uma  boa  ponte  de  pe- 
dra. 

Tomou  o  nome  da  parochia,  hoje  simples 
aldeia  de  Zacharias,  supra. 

Não  se  confunda  esta  ribeira  cora  a  da 
Yillariça,  também  confluente  do  Sabor,  mas 
que  desagua  u'este  rio,  cerca  de  26  kilume- 
tros  a  jusante. 

V.  Yillariça,  tomo  11.»  pag.  1:311,  col. 
2.'  e  segg. 

ZACUTO  LUSITANO— insigne  medico  ju- 
deu. 

Nasceu  em  Lisboa  no  anno  de  1575;  estu- 
dou em  Salamanca  e  ali  se  doutorou  em 
medicina,  lendo  apenas  20  annos  incomple- 
tos, e  falleceu  em  Amsterdam  como  judeu 
declarado,  em  1642. 

Foi  um  talento  superior  e  publicou  varias 
obras  sobre  medicina,  segundo  se  lé  no  An- 
no Histórico,  tomo  1.»  pag.  101,  mas  o  Dica. 
Bibi.  de  Innocencio  não  o  menciona  como 
escriptor. 

ZAGA — azaga — e  çagra— mão  são  mais  do 
que  diflerentes  formas  da  mesma  palavra, 
que  signiQca  a  rectaguarda,  opposta  á  ãean- 
teira,  delanteira,  ou  vanguarda.  Viterbo,  à 
palavra  Azaga,  sonhou  não  sabemos  que  sy> 
nonimia  entre  Azaga  e  Adail.* 

Hist.  de  Port.  de  Alex.  Hercul.  tomo  4.» 
pag.  415— nof«. 

Segundo  se  lé  no  Diccion.  de  Moraes  (6.» 
edição)  zaga,  çaga  ou  saga,  vem  do  hespa- 
nhol  ant.  zaga,  a  parte  posterior  ou  trazeira 
do  carro,  etc.  e  n'esta  accepção  é  ali  usada 


1  De  passagem  diremos  que  a  etymologia 
de  Sabor  vem  de  Sabur,  nome  de  homem 
per^a  e  árabe. 


ZAM  2061 


oa  milícia,  indicando  a  rectagaarda  dos 
exércitos. 

Brandão  na  5.  p.  da  Mon,  Lusit.  cap.  29, 
in  fine,  diz  que  nós  acceitàraos  dos  hespa- 
nhoes  este  ternao  militar  com  aquella  signi- 
ficação nos  reinados  de  D.  Fernando  e  de 
D.  João  I — e  que  os  hespanhoes  haviam  to- 
mado zaga  ou  çaga  do  hebraico  sahhir,  que 
significa  o  inferior  ou  ultimo,  por  ter  outro 
que  lhe  và  diante;  mas  parece  que  zaga  ou 
azaga,  saga  ou  assaga,  vera  do  árabe  as- 
saca, rectaguarda  do  exercito,  e  que  dos 
árabes  ou  mouros  tomaram  os  hespanhoes 
este  termo,  alem  d'oulro3  muitos  que  dei- 
xaram na  península. 

Na  interessante  Historia  da  Dominação 
dos  árabes  e  dos  mouros  em  Ilespanha  e 
Portugal  por  Mar  lés,  Paris,  1825,  tomo  1." 
pag.  539,  se  lê  em  uma  nota  o  seguinte: 

tLes  Árabes...— Eva  vulgar: 

«Os  árabes  denominavam  Almafalla,  ou 
Alchamiz,^  os  exércitos  divididos  em  5  par- 
tes. Alchamiz  significa  propriamente  o  que 
tem  5  panes. . .  Ás  divisões  dos  seus  exér- 
citos correspondentes  á  vanguarda,  centro, 
ala  direita,  ala  esquerda  e  retaguarda  os 
mouros  davam  os  nomes  seguintes:  almoça- 
dema,  calb,  almaimena,  almaisara  e  as- 
saca.* 


Significou  pois  antigamente  zaga  ou  saga 
em  Portugal  e  Hespanha  a  retaguarda  do 
exercito,  mas,  segundo  diz  Viterbo,  também 
significou  a  vanguarda,  ou  antes  o  Adail, 
offlcial  de  guerra,  a  quem  pertencia  guiar  e  | 
conduzir  o  exercito,^  synonymia  a  queallu- 
de  com  estranhesa  Herculano. 

Parece  que  eíTectivamente  em  alguns  fo- 
raes  antigos  se  emprega  o  termo  zaga  como 


1  De  Almafalla  provem  talvez  o  nome  das 
nossas  povoações  e  freguezias  de  Almofalla 
(V.  tomo  l."  pag.  152,  eol.  1."  e  %.");— e  de 
Alchamiz  provem  talvez  o  da  povoação  hes- 
panhola  de  Alcaniças,  a  pequena  distancia 
da  nossa  villa  de  Vimioso. 

2  V.  Zaga  o  Adail  em  Viterbo,  —  e  Adail 
n'esle  diccion.  tomo  1.°  pag.  23. 

VOLUME  XI 


synonymo  de  adail;  mas  talvez  que  ali  o 
termo  zaga  seja  abreviatura  ou  modificação 
de  zagal,--mo^o  de  pastor,  que  vae  na  freri' 
te  do  rebanho  e  lhe  serve  de  guia,  como  se 
lê  em  Bluteau  e  Moraes.  Nole-se  porem  que 

0  termo  zagal  não  vem  do  árabe  assaca  nem 
do  hebraico  sahhir,  mas  do  árabe  cegale,  ves- 
tir-se  de  pelles—segviuio  a  opinião  de  Dio- 
go de  Urres. 

V.  Zagal  em  Bluteau. 

De  zaga  na  accepção  de  retaguarda  pro- 
vem o  termo  chulo  azagal,  trivialissimo  na 
Beira. 

Olha  o  azagall...--lá  vem  o  azagall... 

Assim  costumam  reprehender  e  censurar 
as  creanças  ou  indivíduos  manhosos,  que  se 
distanceiam  da  comitiva,  ficando  á  reta- 
guarda. 

ZAGAL— pastor. 

V.  Zaga. 

ZAGARI,— port.  anU—lençaria, 

ZAGAZABO,  (voz  ethiopica)  nome  próprio 
de  homem. 

Deriva-se  de  zagaz,  a  graça, — e  abo,  pae, 
— a  graça  do  pae. 

Zagazabo  era  um  bispo  muito  douto,  que 
veiu  a  Lisboa  como  embaixador  do  Preste 
João,  no  tempo  d'el-rei  D.  Manoel. 

ZAGONAL—port.  ant.—  diácono,  presby- 
tero. 

ZALATAN— V.  Zaatan. 
ZAMARIO  e  ZIBRIANU,— Sameiro  e  Cy- 
priano  (?) 
Latim  bárbaro  do  sec.  x. 
Firmam  a  carta  de  doação  que  na  era  de 

1  1021  (anno  de  983)  Julio  e  sua  mulher 
Onorada  (Honorata)  fizeram  a  Donaní  Za- 
lamizi  da  quinta  que  possuíam  na  villa  de 
Ossella,  que  suppomos  ser  hoje  a  povoação 
e  freguezia  de  Ossella  no  concelho  e  comar- 
ca d'01iveira  d'Azemeis,  pois  demora  na 
margem  esquerda  do  rio  Caima  e  a  citada 
escritura  diz :  —  ♦ . .  .facímus  vobis  Donani 
Zalamizi  cartula  incommuniazíooís,  de  om- 
nia  nostra  ereditate,  quanda  que  avemus, 
in  villa,  que  vozídant  Ossella,  subtus  monte 
Codale,  secus  ribulo  Camia.  .» 

t . .  .na  villa  denominada  Ossella  (sic)  de- 
baixo do  monte  Codale  (?)  junto  do  rio  Cai- 
1  ma  (confluente^do  Vouga) ...» 

130 


2062  ZAM 

É  isto  o  que  lá  nas  Dissert.  Chronol.  de 
João  Pedro  Ribeiro,  lomo  1.»  pag.  198,  doe. 
n.»  VIÍ,  onde  se  encontra  a  dieta  doação  na 
sua  integra. 

Suppomos  que  á  mesma  villa  de  Ossella 
se  refere  a  doação  qiie  a  rainlia  D.  Thereza 
mullier  do  conde  D.  Henrique,  fez  no  anno 
de  H17  a  Gonçalo  Eriz,— doação  por  nós 
citada  e  copiada  na  sua  integra  no  art.  Vou- 
ga, posto  que  ali  se  lhe  dá  o  nome  de  Osse- 
lo  e  Osselola,  que  alguém  pretende  ser  a 
pequena  povoação,  lioje  denominada  Assi- 
Ihó,  da  freguezia  e  concelho  de  Albergaria 
Velha  e  distante  da  villa  pouco  mais  de  1 
kilomeíro. 

V.  Vouga— m\\\a  exlincta,— Parte  II. 

Não  podemos  citar  as  pagi 
nas,  porque  ainda  não  se  dis- 
tribuiu o  fascículo  correspon- 
dente. 

ZAMBITO — quinta  extra-muros  da  cidade 
da  Guarda,  no  termo  da  parochia  de  S.  Vi- 
cente da  mesma  cidade. 

V.  Guarda^  tomo  3.»  pag.  333,  col.  2.* 

A  mencionada  quinta  é  propriedade  da 
junta  geral  do  districto,  que  a  comprou  e 
n'ella  montou  a  quinla  regional  com  varias 
oíBcinas  agrícolas,  hoje  quasi  todas  em  com- 
pleto abandono,  pelo  que  a  junta  arrenda  a 
maior  parte  dos  chãos  da  dieta  quinta.  Em 
julho  de  1888  arrendou-os  por 382,2500  réis. 

As  quintas  regionaes  ou  districtaes,  porque 
foram  montadas  em  todos  ou  quasi  todos  os 
nossos  districtos,  theor  icamente  promeltiam 
muito,  mas  na  pratica  o  resultado  foi  zero. 

ZAMBO — port.  ant. —  zambro,  torto  das 
pernas,  que  as  junta  nos  joelhos  e  alarga  os 
pós  com  divergência. 

•  Era  muito  zambo  das  pernas  e  lançava 
os  pés  atravessados.» 

Couto,  8,  c.  36. 

ZAMBÔA — port.  ant.— hoje  gamboa,  mar- 
mello  moUar  de  tamanho  enorme. 

Abunda  nos  concelhos  de  Lamego  e  da 
Regoa. 

ZAMBUJAL  ou  AZAMBU JAL  —  terreno 
povoado  de  zambujos,  ou  azambujos,  ou 
zamhujeiros,  —  oliveiras  bravas  que  abun- 
dam em  muitos  pontos  do  nosso  paiz  e  que 
pela  enxertia  se  transformam  em  olivedos. 


ZAM 

Diz-se  zambujal,  como  dizemos  olival» 
azinhal,  vinhal,  pinhal  ou  pinheiral,  chou- 
pal, cerdeiral,  carvalhal,  morangal,  etc.  ete. 

V.  Azambvjal,  tomo  1."  pag.  287,  col.  1.* 

ZAMBUJAL  ou  AZAMBUJAL,— aldeia  da 
freguezia  e  villa  de  Ourem,  onde  nasceu  a 
beata  Thereza. 

V.  Ourem,  vol.  6.»  pag,  325,  col.  1.»  e 
segg. 

Temos  no  nosso  paiz  mais  48  aldeias,  ca- 
saes  8  quintas  com  o  nome  de  Zambujal,  que 
podem  ver-se  na  Chorographia  Moderna. 

ZAMBUJAL — aldeia  da  parochia  á^Alvor- 
ninha,  comarca  e  concelho  das  Caldas  da 
Rainha,  na  Estremadura. 

V.  Alvarinho,  tomo  1.»  pag.  187,  col.  1." 

A  dieta  parochia  é  muito  importante  e  a 
mais  populosa  do  concelho  das  Caldas  da 
Rainha,  depois  da  villa,  séde  do  concelho,  da 
qual  dista  11  kil.  paraE.  S.  E.  Permiltam- 
nos  pois  que  lhe  dediquemos  mais  algumas 
linhas  do  que  lhe  dedicou  o  meu  benemé- 
rito antecessor. 


Em  1852  o  Flaviense  deu-lhe  o  nome  de 
Alvorinha  e  423  fogos;  o  censo  de  1864  deu- 
lhe  690  fogos  e  2:207  habitantes— e  o  censo 
de  1878  deu-lhe  566  fogos  e  2:354  habitan- 
tes,—wmos  124  fogos  e  mais  147  habitantes 
do  que  lhe  dera  o  censo  de  1864?! . . . 

Estão  assim  as  nossas  estatisticas  * 

Em  1712  Alvorninha  era  villa  e  séde  de 
concelho  com  justiças  próprias  :  —  2  juizes 
ordinários  (um  da  villa,  outro  do  termo)  5 
vereadores,  i  procurador  do  concelho,  1  es- 
crivão da  camará,  1  escrivão  das  sisas  e  ou- 
tro judicial,  notas  e  orphãos. 

Tinha  também  uma  companhia  de  orde- 
nanças com  mais  de  300  homens. 

Alem  da  povoação  de  Alvorninha,  séde  da 
parochia,  comprehende  as  seguintes:— Zam- 
bujal,  Outeiro,  Villa  Nova,  Trabalhia,  Moi- 


1  O  censo  de  1864  deu  à  villa  das  Caldas 
da  Rainha  552  fogos  e  2:289  habitantes— e 
o  censo  de  1878  deu-lhe  658  fogos  e  2:689 
habitantes. 


ZAM 

tas,  Bouzias,  Malásia,  Val  Serrão,  Antas, 
Laranjeira,  Baixinhos,  Lobeiros,  Maios,  Ri- 
beiro dos  Amiaes,  Carril,  Pedreira  e  Por- 
tella,  Ramalhosa,  Calvello,  Raposeira,  Pégo, 
Almofalla,  Forninhos,  Comeira  de  S.  Cle- 
mente, Comeira  da  Cruz,  Boa  Vista,  Sal- 
gueiral, Gesteira,  Chãos,  Venda  da  Nataria, 
Azenha  do  Escoiral  e  Caçapos;  —  os  casaes 
de  Souto,  Freixo,  Alqueidão,  Norte,  Chicle, 
Penhaço,  Gil,  Cabeço  Branco,  Lourosa,  Pa- 
raíso, Casal  Velho  da  Moita  dos  Carvalhos, 
Casal  Velho  da  Ramalhosa,  Frade,  Moinho 
Novo,  Casalinho,  Mattos,  José  João,  Venda 
da  Costa,  Feijoal,  Ródo,  Haver,  Monte  Bian- 
co, Louricpira,  Santa  Martha,  Ranginha, 
Marquez,  Salgueiriuho,  Carvalhos  —  e  as 
quintas  do  Moscão,  Machada,  Feteira,  Paço, 
Quebrada,  S.  Gonçalo,  Val  Formoso  e  Al- 
mofalla. 


A  Chorogr.  Port.  em  1712,  fallando  da 
villa  á'Alvorninha,  disse: 

«O  seu  termoi  tem  5  moinhos  de  pão  e 
13  lagares  d'azeite  com  grandiosas  quintas, 
a  saber:— a  quinta  de  Val  fermoso  cora  sua 
Capella  de  Nossa  Senhora,  que  he  de  Rodri- 
go da  Costa;  a  quinta  da  Melhor^  Vista  com 
huma  ermida  de  S.  João  Bautista,  que  he 
de  Carlos  da  Silva;  a  quinta  da  Boa  Vista, 
que  he  do  prior  Bernardo  da  Silva  Monteiro; 
a  quinta  da  Cruz  com  boas  casas  e  huma 
ermida  de  Nossa  Senhora  da  Conceição, 
aonde  se  diz  missa  todos  os  domingos  e 
dias  santos;  he  de  Diogo  de  Faro;  a  quinta 
que  possue  Manoel  do  Couto  d 'Aguiar,  C.  O. 
Ch.,  a  qual  está  junto  ao  logar,  que  ehamão 
Alvorninha  pequena,  que  terá  5  visinhos 
(fogos);  a  quinta  da  Cachaça,  que  he  de 
Clara  da  Cunha  Monteyra  viuva,  a  qual  tem 
hum  penhasco,  que  está  continuamente  lan- 
çando gotas  d'agua,  e  lhe  chamão  a  Fonte 
das  Lagrimas,  a  qual  está  toda  cercada  d'a- 
venca. 


ZAM 


2063 


1  Comprehendia  também  a  parochia  de 
Vidaes,  que  nós  já  descrevemos  no  tomo 
10."  pag.  649j  col.  2.»  e  segg. 


A  quinta  de  S.  João,  a  qual  he  grandiosa 
e  tem  huma  ermida  do  mesmo  santo,  que 
he  de  meia  laranja  (?)  com  armação,  vesti- 
menta e  frontal,  tudo  da  China  e  de  preço, 
e  lera  hum  pavilhão  que  oecupa  a  meia  la- 
ranja: he  senhor  d'esta  quinta  Matheus  da 
Cunha  d'Eça  e  Almeida,  moço  fidalgo  de  S. 
M.  e  C.  O.  Ch.,  bem  conhecido  por  seus  as- 
cendentes, o  qual  vive  na  mesma  quinta, 
que  consta  de  grandes  casas,  muitas  vinhas, 
grandes  pomares  e  muitos  olivaes,  para  o 
que  tem  2  lagares  de  azeite  e  2  de  vinho; 
tem  huma  fonte  nativa  de  olhos  d'2gua,  cer- 
cada de  cantaria,  com  hum  cano  da  mesma 
pedra,  que  leva  agua  a  muitos  tanques,  até 
chegar  ao  maior,  que  leva  muitas  pipas  de 
agua,  com  que  se  rega  hum  jardim,  que 
consta  de  muitas  larangeiras  da  China,  li- 
moeiros, pessegueiros,  e  muitas  latadas  de 
uvas  de  toda  a  casta;  e  tem  hum  ribeiro  de 
agua,  que  corre  pelo  meio  da  quinta,  com 
innumeraveis  choupos,  que  a  faz  mais  vis- 
tosa. 


«A  quinta  da  Fonte  ferwosa,  de  que  he 
senhor  João  Homem  da  Cunha,  a  qual  tem 
huma  ermida  de  N.  Senhora  e  huma  fonte 
de  boa  agua;  e  por  dentro  delia  corre  hum 
ribeiro  que  a  fertilisa  de  pão,  vinho,  azeite 
e  frutas. 

«A  quinta  dos  Ameaes  com  nobres  casas 
e  huma  ermida  de  Santo  Antonio,  de  que  he 
senhor  Manoel  Feyo  de  Castello  Branco. 
Tem  hum  ribeiro  que  lhe  passa  perto  das 
casas,  com  boas  várzeas  de  pão,  muitos  oli- 
vaes. bastantes  vinhas,  e  tem  um  circuito  à 
roda,  que  em  si  inclue  alguns  logares,  os 
quaes  todos  pagam  para  esta  quinta  o  quin- 
to de  todo  o  género  de  fructos,  e  só  para  o 
seu  azeite  e  dos  seus  cazeiros  tem  2  laga- 
res. Esta  quinta  he  hum  praso  foreiro  ao 
mosteiro  de  Alcobaça,  e  tem  por  detraz  das 
casas  seu  murado  em  roda  com  bastante 
agua. 

«A  quinta  dos  Pinheiros,  que  está  junto 
do  logar  de  Almofalla,  de  que  he  senhor 
João  Homem  da  Cunha  acima  nomeado,  tem 
boa  horta  com  muitas  arvores  de  fructas 
mui  gostosas,  e  he  cercada  d»  2  ribeiros. 


2064 


ZAM 


ZAM 


«A  quinta  àos  Bacellos  com  bastantes  ca- 
sas de  campo,  muitas  vinhas,  e  entre  ellas 
hum  valle,  que  consta  de  muitas  arvores  de 
frueto,  a  maior  parte  pessegueiros  de  ioda 
a  casta;  tem  huma  fonte  de  exeellenle  agua» 
que  peia  sua  bondade  lhe  chamam  Fonte  da 
Prata.  He  senhor  d'esta  quinta  Francisco 
Ribeiro  Fialho, 

«A  quinta  das  Quebradas,  que  ha  poucos 
annos  lhe  mudou  o  nome  o  senhor  d'ella, 
que  he  Belchior  Ribeiro  de  Araujo,  e  se 
chama  hoje  a  quinta  de  Nossa  Senhora  da 
Conceição,  por  elle  mesmo  haver  ediflcado 
huma  boa  ermida  da  invocação  da  mesma 
Senhora.i  Tem  muitas  vinhas,  boas  várzeas 
de  pão,  hum  grande  pomar  de  todo  o  géne- 
ro de  fructas  e  huma  penha  alta,  que  ao  pé 
dá  muita  quantidade  de  agua,  com  que  se 
rega  uma  grande  horta  que  dá  todo  o  géne- 
ro de  hortaliça  e  bons  meloens.  Para  maior 
grandeza  vai  hum  ribeiro  d'agua  pelo  meio 
d'esta  quinta. 


•  A  quinta  que  está  no  logar  dos  Vidaes,  ter- 
mo d'esta  Villa,  tem  nobres  casas  e  junto  d'el- 
las  hum  moinho,  e  hum  lagar  d'azeite,  mui-  ! 
tos  pomares  e  huma  fonte  de  boa  agua,  e 
lhe  passa  pelo  meio  hum  grande  ribeiro, 
com  que  se  feriillsão  as  terras  que  tem  dos 
vallados  adentro. 

«A  quinta  de  Valverde  com  boas  casas, 
muitas  vinhas  e  grandes  olivaes,  com  muita 
creação  de  gados  e  grandes  matos,  huma 
boa  fonte  e  um  ribeiro  d'agua  que  corre 
pelo  meio  d'esta  quinta,  de  que  he  senhor 
Belchior  Botelho  de  Sequeira. 

«A  quinta  do  Paço,  que  he  a  mais  anti- 
ga...2 


1  Na  freguezia  de  Dous  Portos,  concelho 
de  Torres  "Vedras,  ha  também  uma  soberba 
quinta  de  Nossa  Senhora  da  Conceição.  Tem 
luxuosa  Capella,  um  palacete  e  varias  ofiQci- 
Das  de  lavoura,  grandes  vinhedos,  etc.  etc. 

Foi  da  nobilissíma  e  opulenta  casa  Lavra- 
dio, mas  hoje  pertence  a  estranhos! . . . 

2  D'ella  jà  se  fez  menção. 
V.  Atvorinha,  loc.  Cit. 


«Os  lugares,  que  ha  no  termo  d'esta  vil- 
la,  são  os  seguintes: 

«O  Outeiro,  que  tem  15  visinhos  e  huma 
fonte  de  boa  agua;  a  Ribeira  com  8  visi- 
nhos; os  Vidaes,  que  he  freguezia  á  parte  e 
tem  36  visinhos;^  os  Mosteiros,  que  tem  15 
visinhos,  huma  ermida  de  Nossa  Senhora 
dos  Remédios,  huma  fonte  de  boa  agua  e 
hum  ribeiro  que  lhe  corre  ao  pé;  a  Traba- 
Ihia  dos  vinhos  com  12  visinhos,  huma  er- 
mida de  Nossa  Senhora  da  Esperança  e 
hna^  fonte  de  boa  agua;  o  Casal  do  Frade 
com  16  visinhos,  huma  ermida  de  Nossa 
Senhora  da  Gloria  e  huma  fonte  de  exeel- 
lente  agua;  a  Malazia  com  27  moinhos  e 
huma  fonte;  a  Feteira  com  7  moradares, 
huma  ermida  de  S.  Pedro  e  huma  fonte:  os 
Carvalhos  com  5  visinhos;  o  Zambujal  com 
10  visinhos  e  uma  ermida  de  S.  Sebastião, 
e  he  abundante  de  boa  agua;  o  Casal  do 
Gil  com  5  visinhos;  —  logo  mais  abaixo  em 
huma  ribeira  está  o  lugar  de  Val  de  Serrão 
com  6  visinhos,— -e  a  pouca  distancia  a  La- 
rangeira,  que  terá  13  visinhos.» 


A  transcripção  é  longa,  mas  interessante! 
O  padre  Carvalho  teve  bom  informador. 

Muitas  das  mencionadas  quintas  e  povoa- 
ções devem  ter  mudado  os  nomes.  Aos  fi- 
lhos da  localidade  pedimos  que  aos  esclare- 
çam e  mandem  recfificações  e  addições  para 
o  suppleraento,  pois  noblesse  oblige—e  cum- 
pre lhes  velar  pro  domo  sua. 

O  mesmo  pedido  faremos 
aos  habitantes  de  todas  as  ou- 
tras localidades. 
ZAMBUJAL  —  aldeia  ou  monte  da  paro- 
chia  de  Villa  Alva,  concelho  e  comarca  de 
Cuba. 

V.  Villa  Alva,  tomo  11.»  pag.  664,  col.  2.* 
No  dia  i  d'abril  de  1886  foi  julgado  em 


1  V.  Vidaes,  loc.  cit. 


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ZAM  2065 


Cuba  o  hespanhol  Thiago  N.  Bogalho,  cal- 
deireiro, morador  na  freguezia  de  Selmesi 
concelho  da  Vidigueira,  o  qual  em  11  d'oa- 
tubro  de  1885  matou  com  3  navalhadas  um 
couteiro  da  herdade  do  Zambujal. 

O  reu  negou  sempre  o  crime;  ninguém  o 
vira  commetter  o  assassinato^  mas  havia 
grandes  indícios,  taes  eram: — uma  alterca- 
ção entre  os  dois  uma  hora  antes  na  taber- 
na de  Ignacio  Gabo;  as  declarações  do  feri- 
do, que  até  o  momento  d'expirar  apontou 
sempre  como  auctor  o  dicto  hespanhol, — e  as 
nódoas  de  sangue  que  se  encontraram  na 
jaqueta  e  navalha  do  réu,  —  sangue  que  os 
peritos,  procedendo  a  uma  analyseehiraica, 
affirmaram  ser  humaoo. 

A  audiência  terminou  às  10  horas  da  noi- 
te, e  a  sentença  condemnou  o  reu,  attentas 
algumas  attenuantes,  em  6  annos  de  prisão 
cellular,  seguidos  de  12  de  degredo,  ou  a  22 
annos  de  degredo  em  alternativa. 
A  decisão  do  jury  foi  por  unanimidade. 
Como  curioso  specimen  dos  appellidos 
que  ali  se  usam,  direi  que  entre  jurados  e 
testemunhas  figuraram  Zorrinhos,  Chibo, 
Bogao,  Borrelfo,  Lula,  Estrompa,  Couquei- 
ro,  Taquenho,  Melgaz,  Marranito,  Pirranqui- 
nho,  Capirra,  Torrado,  Charelha,  Macha- 
quim,  Farricho  e  quejandos,  cuja  nomen- 
clatura parece  fazer  do  Alemtejo  uma  pos- 
sessão gallega. 

Com  vista  ao  sr.  Leite  Vas- 
concellos,  auctor  do  interes- 
santfi!  opúsculo  Dialeta  Mi- 
randez  e  d'outro8  congéneres. 
ZAlMBUJAL  —  freguejia  do  concelho  de 
Condeixa  a  Nova,  comarca  de  Penella,  dis- 
trieto  e  diocese  de  Coimbra. 
Orago  Nossa  Senhora  da  Conceição. 
Em  1708  era  vigairaria  e  contava  200  fo- 
gos. 

Em  1768  era  priorado  da  apresentação  do 
convento  das  religiosas  agostinhas  de  Santa 
Anna  de  Coimbra;— rendia  SOOiiíOOO  réis— 
e  contava  197  fogos. 

Em  1852  o  Flaviense  deu  lhe  188  fogos. 

O  censo  de  1864  deu-lhe  219  fogos  e  895 
habitantes;— o  de  1878  deu-lhe  242  fogos  e 
947  habitantes— e  hoje  deve  ter  250  fogos  e 
1:100  habitantes. 


Priorado. 

Comprehende  as  aldeias  seguintes:— Zawi- 
bujal,  séde  da  parochia,  —  Fonte  Coberta, 
Povoa  de  Pegas  e  Serra  de  Janeannes  (João 
Annes).  A  1.»  tem  130  fogos;  a  2."  46;  a  3.» 
25  e  a  4.»  49  —  e  todas  distam  cerca  de  2 
kilometros  da  aldeia  do  Zambujal,  que  de- 
mora na  margem  direita  d'um  ribeiro  con- 
fluente do  Mondego,  e  dista  4  kil.  da  villa 
do  Rabaçal,  antiga  séde  do  concelho,  para 
N.;— 8  da  villa  de  Penella,  séde  da  comarca, 
para  N.  O.;  11  da  villa  de  Condeixa  Nova, 
séde  do  concelho,  para  S ;  20  da  esração  de 
Soure  na  linha  férrea  do  Norte,  para  E  ;22 
da  cidade  de  Coimbra  pela  estrada  a  maca- 
dam,  para  S.  —  e  53  pela  linha  férrea  do 
Norte;— 170  do  Porto— e  206  de  Lisboa. 


Freguezias  limitrophes:— Rabaçal,  Fura- 
douro, S.  Miguel  de  Penella  e  Podenles,  sé- 
de do  julgado  a  que  pertence  esta  do  Zam- 
bujal. 

Tem  uma  estrada  a  macadam  que  passa 
a  1  kil.  do  Zambujal.  Ê  a  de  Coimbra  a 
Thoraar  por  Condeixa,  Rabaçal  e  -Ancião;  e 
d'e8ta,  a  3  kil.  do  Zambujal',  segue  outra 
para  o  Espinhal. 

Banha  esta  freguezia  um  ribeiro  que  nas- 
ce na  de  Pombalinho,  concelho  de  Sou- 
re; atravessa  as  do  Rabaçal,  Zambujal,  Al- 
quibedeque,  Belido,  Figueiró  do  Campo  e 
outras;  recebe  na  m.  d.  um  ribeiro  que  vem 
de  Condeixa—e  desagua  na  m.  e.  do  Mon- 
dego 3  kil.  a  montante  da  foz  do  rio  Soure, 
tendo  de  curso  total  cerca  de  32  kilometros. 

Templos: 

1.0— Egreja  matriz,  pequena  e  singela. 
Tem  torre  cora  relógio  e  3  sinos  — e  foi  re- 
formada a  egreja  em  1783. 

Era  uma  simples  capella  e  foi  arvorada 
em  matriz  no  anno  de  1528,  data  da  crea- 
ção  d'e9tá  freguezia. 

Nada  off^rece  digno  de  menção;  as  suas 
alfaias  são  poucas  e  pobres;  —  tem  apenas 
uma  confraria,— a  do  Santíssimo,  —  que  se 
sustenta  de  esmolas,  d'algumas  ioscripções 
e  dinheiro  mutuado— e  faz  todos  os  annos  a 
festa  do  Santíssimo  Sacramento. 


2066  ZAM 


ZAM 


Ha  também  na  egreja  festa  annual  a  Nos- 
sa Senhora  das  Dores. 

2.  '— Capella  de  Santa  Ignez,  na  aldeia  da 
Fonte  Coberta. 

3.  ' — Capella  de  Santa  Chrisiina,  na  al- 
deia de  Puvoa  de  Pegas. 

4.  "  Capella  de  Nossa  Senhora  da  Expe- 
ctação, na  aldeia  da  Serra  de  Janeannes. 

Todas  estas  3  eapellas  estão  abertas  ao 
calto  e  teem  festa  annual,  feita  por  esmolas 
dos  devotos. 


Ha  nVsta  freguezia,  na  povoação  do  Zam- 
bujal, um  ediâcio  brazonado,  que  foi  do  ca- 
pitão mor  Florêncio  Vietorino  Cardoso  d'Al- 
bergaria.  É  hoje  do  seu  sobrinho  Florêncio 
Cardoso  Amado  d'Albergaria,  residente  em 
Figueiró  do  Campo,  concelho  de  Soure. 

A  casa  da  residência  parochial  está  em 
ruinas  e  não  tem  cerca,  mas  tem  um  quin- 
tal a  pequena  distancia. 

É  parocho  (prior)  actual  d'esta  freguezia 
o  infeliz  dr.  Jeronymo  Henriques  Dias  d'A- 
zevedo,  natural  de  Condeixa,  onde  nasceu 
em  março  de  1839,  sendo  filho  legitimo  de 
Antonio  Pedro  Henriques  de  Azevedo,  ba- 
charel formado  em  direito,  e  de  D.  Maria 
da  Conceição  Ribeiro. 

Collou  se  era  8  de  novembro  de  i873,era 
bastante  illustrado,  bom  orador,  excellente 
pessoa  e  muito  estimado  pelos  seus  paro- 
chianos. 

No  dia  6  de  julho  de  i884  foi  prégar  em 
uma  festividade  na  egreja  de  Podentes;  em 
seguida  partiu  para  Condeixa,  onde  assistiu 
a  uma  reunião  politica,  na  qual  fallou  e 
tanto  se  maguou  e  exaltou,  que  enlouque- 
ceu e  não  mais  pode  exercer  o  seu  minis- 
teriol . . . 

Deu  entrada  no  hospital  de  alienados  de 
Rilhafoles,  em  Lisboa,  a  H  d'ag08tode  1884 
e  ali  se  conserva  como  pensionista,  comple- 
tamente inutilisado. 

A  requerimento  do  ministério  publico  foi 
julgado  interdieto  por  sentença  do  juiz  de 
direito  de  Penella  com  data  de  8  de  julho 
de  1885  e  confirmada  pela  rel^ição  do  Porto 
era  SO  de  novembro  do  dito  anno. 

Por  decreto  de  3  dezembro  do  mesmo  an-  i 


no  foi  lhe  dado  o  subsidio  annual  de  50^000 
réis  em  conformidade  com  o  art.  14  da  lei 
de  20  de  julho  de  1839  e  art.  3.»  da  de  8  de 
novembro  de  1841. 

O  nobre  conde  de  Podentes  —  Jeronymo 
Dias  d'Azevedo  —  natural  da  freguezia  de 
Podentes,  concelho  de  Penella,  era  segundo 
primo,  padrinho  e  protector  d'aquelle  meu 
infeliz  collega. 

O  clima  d'esta  parocbia  é  muito  saudável 
pelo  que  n'ella  se  encontram  sempre  mui- 
tas pessoas  de  90  a  100  annos  —  e  não  ha 
muito  aqui  falleceu  um  homem  de  105  an- 
nos de  idade. 
I  São  também  muito  religiosos  e  bem  mo- 
rigerados  os  habitantes  d'esta  freguezia. 

Producções  principaes: — trigo,  que  ex- 
porta para  os  mercados  de  Condeixa  a  No- 
va^ Espinhal  e  Penella;  azeite  para  a  cidade 
de  Coimbra— e  vinho  para  Ancião,  Penella, 
Espinhal  e  Condeixa. 

Também  produz  bastante  fructa,  hortaliça, 
hervãgens  e  algum  milho. 

Na  parochia  não  ha  feiras  nem  mercados. 

Tem  aula  regia  de  instrucção  primaria 
para  o  sexo  masculino. 

Emolumentos  parochiaes:  —  de  cada  ba- 
ptisado  uma  quarta  de  trigo,  uma  gallinba 
e  240  réis  em  dinheiro. 

Dos  casamentos: — um  alqueire  de  trigo, 
uma  gallinba  e  750  réis  em  dinheiro. 

Óbitos:— de  adultos  4  V2  alqueires  de  tri- 
go;—de  menores  um  salamim?. . . 

De  cada  missa  cantada  600  réis. 


Esta  freguezia  pertenceu  ao  concelho  do 
Rabaçal,  extincto  pelo  decreto  de  31  de  de- 
zembro de  1853,  pelo  qual  passou  para  o 
concelho  de  Soure, — e  depois  pelo  decreto 
de  24  d'outubro  de  1855  passou  para  o  de 
Condeixa  a  Nova. 

É  isto  o  que  se  lê  na  Chorographia  Mo- 
derna, mas  o  sr.  dr.  Secco  na  sua  Memoria 
do  dislricto  de  Coimbra,  publicada  em  1853, 
fallando  do  concelho  do  Rabaçal,  diz  que 
foi  extincto  por  decreto  de  6  de  março  de 


ZAM 


ZAM  2067 


1852: — que  das  5  freguezias  que  o  compu- 
nham passaram  3  para  o  de  Soure: — as  de 
Pombalinho  e  Degraeias,  —  e  3  para  o  de 
Condeixa:— as  de  Alvorge,  Rabaçal  e  Zam- 
bujal; mas  que  pelo  decreto  de  27  de  julho 
de  1853  as  freguezias  do  Alvorge  e  Rabaçal 
foram  transferidas  para  o  concelho  de  Pe- 
nella,  ficando  somente  a  do  Zambujal  unida 
ao  de  Condeixa. 
V.  Rabaçal,  villa,  tomo  8.»  pag.  39,  col  2.» 


No  dia  13  de  novembro  de  1886  foi  encon- 
trada morta  em  ura  poço,  junto  da  aldeia  do 
Zambujal,  uma  mulher,  por  nome  Maria  da 
Piedade,  solteira,  filha  de  José  Quinta.  A 
auctoridade  procedeu,  mas  não  sabemos  o 
que  apurou. 

No  dia  i4  de  março  de  1879  descarregou 
uma  fortíssima  trovoada  no  logar  da  Serra 
de  Janneanes,  d'esta  freguezia  do  Zambujal, 
e  na  freguezia  de  Condeixa  a  Velha,  sua  li- 
mitrophe. 

A  saraiva,  que  acompanhou  a  trovoada, 
chegava  a  ser  do  tamanho  de  ovos  de  galli- 
nha,  e  houve  silios  em  que  se  elevou  a  um 
metro  de  altura. 

Ficaram  completamente  destruídos  n'a- 
quellas  localidades  os  favaes,  as  hortaliças, 
a  herva  para  os  gados  e  a  rama  das  oliveiras 
e  d'outra3  arvores.  Durou  perto  de  duas  ho- 
ras e  meia  a  trovoada. 

Foi  um  grande  prejuízo  para  aquelles  po- 
vos. 

A  trovoada  foi  medonha,  mas  felizmente 
não  matou  pessoa  alguma  nem  passou  alem 
dos  pontos  indicados. 

Nasceu  n'e8ta  freguezia^  Fr.  Simão  do 
Loreto,  homem  notável  pela  sua  illustração 
e  virtudes.  Foi  padre  mestre  jubilado  e  vi- 
garia geral  da  congregação  dos  frades  gril- 
los  ou  agostinhos  descalços. 

Professou  no  seu  convento  do  Monte  Oli- 


1  Suppomos  que  nasceu  n'esta,  posto  que 
o  Catalogo  que  temos  prezente,  copiado  por 
nós,  diz  simplesmente  Zambujal. 


vete,  ou  do  Grillo,  cabeça  da  congregação, 
em  Lisboa,  no  dia  1  d'agosto  de  1737. 

A  LENDA  DE  MELLO  E  DO  JERUMELLO 

Nos  relatórios  da  Expedição  Scientifica  á 
Serra  da  Estrella  em  1881}  na  secção  de 
Ethnographia,  cujo  relatório é  devido  à  pen- 
na  do  sr.  Luiz  Feliciano  Marrecas  Ferreira, 
presidente  da  dieta  secção,  professor  da  Es- 
cola do  exercito  o  ao  tempo  capitão  de  en- 
genheiros, se  encontram  muitas  lendas  da 
Serra  da  Estrella,  uma  das  quaes  prende 
com  esta  freguezia  do  Zambujal. 

E  a  seguinte.2 

«Nas  proximidades  de  Penella  ha  dois 
montes  bastante  elevados  e  de  fórma  mais 
ou  menos  cónica.^  É  crença  popular  que 
dois  ferreiros,  dizem  que  irmãos,  foram  es- 
tabelecer as  suas  forjas  cada  um  em  seu 
monte,  mas  que  possuindo  ambos  um  só 
martello  d'elle  se  serviam  alternadamente. 

«Os  montes  na  sua  parte  superior  distam 
uns  dois  kilometros  um  do  outro;  e  quando 
o  Mello  (assim  se  chamava  um  dos  ferreiros) 
precisava  do  martello,  chegava  à  porta  da 
forja  e  gritava  para  o  Jerumello  (assim  se 
chamava  o  outro  ferreiro)  para  este  lh'o  ati- 


1  Nós  também  tivemos  a  honra  de  acom- 
panhar a  dieta  Expedição  como  repórter  do 
Districto  da  Guarda  e  do  Commercio  Portu- 
guez.  Eíte  ultimo  jornal  publicou  uma  lon- 
ga serie  de  cartas  nossas  enviadas  cio  acam- 
pamento. 

Até  hoje  (1889j  estão  publicados  apenas 
5  relatórios  das  secções  de  Ethnographia, 
Archeologia,  Medicina,  Botânica  e  Meteoro- 
logia. A  eollecção  é  rara,  mas  por  fortuna 
tenho-a  completa. 

Uma  das  vantagens  da  Expedição  toi  sa- 
ber  se  que  a  serra  da  Estrella  era  muito 
própria  para  o  tratamento  da  tysiea,  pelo 
que  já  se  fez  ali  um  posto  sanitário,  onde 
eátão  em  tratamento  40  tuberculosos. 

V.  Zêzere,  rio  da  Beira  Baixa. 

2  Relatório  de  Ethnographia,  pag.  !2l. 

3  Estes  montes  do  concelho  de  Penella 
prendem  com  a  serra  da  Louzã  e  são  de- 
pendências da  serra  da  Estrella. 

P.  A.  Ferreira. 


2068  ZAM 


ZAM 


rar.  Isto  repetia-se  todas  as  vezes  que  tra- 
balhavam. 

«Os  dois  ferreiros  eram  gigantes,  porque 
só  assim  poderiam  ler  força  para  arreme- 
çar  o  martello  a  tão  grande  distancia. 

«Uma  vez  zangou-se  o  Jerumello  com  o 
companheiro  e  atirou-ihe  o  martello  com 
tanta  violência,  que  desencavando-se  este 
no  ar,  foi  cair  o  ferro  na  encosta  do  monte 
Hlello  e  logo  d'ahi  brotou  uma  fonte  de  agua 
férrea,  e  o  cabo  que  era  de  madeira  de  zam- 
bujo  foi  espetar-se  na  teria  a  mais  de  2  ki- 
lometros  dos  referidos  montes,  e  que  por 
isso  se  chama  hoje  Zambujal. 

«No  cimo  do  monte  Mello  veem  se  ainda 
agora  umas  ruinas,  que  são  da  forja  de  um 
dos  ferreiros.» 


A  dieta  lenda,  como  o  próprio  sr.  Marre- 
cas Ferreira  declara,  foi  extrahida  da  inte- 
ressante publicação  Positivismo  (tomo  II, 
pag.  451)  do  sr.  Consiglieri  Pedroso,  a  qual 
lhe  foi  communieada  pelo  sr.  José  Mascare- 
nhas Relvas. 

Nós  não  conhecemos  a  localidade,  mas, 
consultando  o  sr.  Delfim  José  d'Oliveira, 
distincto  escriptor  publico  filho  de  Penella  e 
por  consequência  visinho  do  Rabaçal  e  Zam- 
bujal, foi  8.  ex.»  expressamente  visitar  os 
montes  da  lenda  e  mandou-nos  a  informa- 
ção seguinte: 

•A  leste  do  Rabaçal  cerca  de  2  kilome- 
trps,  junto  ao  logar  da  Fartosa,  ha  um 
monte  isolado^  alto  e  de  fórma  quasi  cónica, 
a  que  chamam  Castello,  e  parece  ser  o  mes- 
mo que  Alexandre  Herculano  denomina 
GermanelloA 


*  «A  fortaleza  de  Germanello  foi  construí- 
da também  por  estes  tempos  (1141?)  para 
impedir  os  insultos  dos  inimigos,  que,  avan- 
çando da  provinda  d'Al-Kas8r  pelos  terri- 
tórios agrestes  e  montuosos  ao  noroeste  do 
Tejo,  vinham  ousadamente,  seguindo  o  cur- 
so do  Doessa,  ou  por  entre  Pombal  e  Penel- 
la, talar  os  campos  de  Aleanha  e  do  Alvor- 
ge.» 


•O  monte  é  impinado  e  coroado  com  as 
minas  d'um  amigo  Castello,  que  teria  de 
comprimento  leste-oeste  33  metros  por  20 
de  largo  e  duas  portas^  uma  ao  nascente, 
outra  ao  poente.  Os  muros  mostram  ter  si- 
do feitos  com  bastante  cal,  mas  estão  demo- 
lidos até  á  plataforma  e  d'elle3  só  resta  a 
base,  que  ainda  assim  tem  do  lado  exterior 
2  a  3  metros  de  altura  e  2  de  espessura. 

«Tem  pelo  nascente,  a  4  kilometros,  Pe- 
nella; pelo  norte,  a  3  kilometroí,  a  aldeia 
do  Zambujal — e  pelo  sul,  a  igual  distancia, 
o  monte  Jerumello. 

•Ao  fundo  da  encosta  occidenlal  do  mon- 
te do  Castello  ha  varias  fontes  d'agua  fér- 
rea, que  08  habitantes  da  Fartosa,  aldeia  vi- 
sinha,  aproveitam  para  uso  domestico. 


«O  Jerumello  é  escalavrado  e  íngreme,  de 
configuração  muito  semelhante  à  do  monte 
do  Castello  e  pertence  à  freguezia  do  Alvor- 
ge,  concelho  de  Ancião.  Não  apresenta  si- 
goaes  de  construcção  alguma,  mas  na  aldeia 
de  Thomazinhos  ha  pessoas  que  se  lembram 
de  ver  no  cume  do  monte  uma  cisterna  e 
um  sabugueiro  com  enorme  tronco.  Alem 
d'isso  em  volta  do  monte  ha  differentes  so- 
calcos ou  taboleiros,  com  certeza  feitos  in- 
tencionalmente, cujas  rampas  mais  ou  menos 
aprumadas,  de  8  metros  d'altura  e  cobertas 
de  relva,  diffieultam  a  subida  e  revelam  ter 
sido  obras  de  defeza. 

«Os  dois  montes  não  são  dependência  d'al- 
guma  cordilheira.  Dominam  o  exienso  cam- 
po que  lhes  fica  ao  sul,  oeste  e  norte,  guar- 
necido pelas  povoações  seguintes: — Alvorge, 


Hist.  de  Port.  tomo  1.»  pag.  340. 


Nós  suppomos  que  a  fortaleza  do  Germa- 
nello estava  no  monte  que  hoje  se  denomi- 
na Jerumello.  Desculpe  o  nosso  illustrado 
informador. 

P.  A.  Ferreira. 


ZAM 


ZAM  2069 


Ateanha,  Junqueira,  Tomazinhos,  Alcala- 
mouque.  Rabaçal,  Fartosa,  Fonte  Coberta  e 
Zambujal. 

«Nas  povoações  visinhas  dos  taes  montes 
conta-se  a  dieta  lenda,  mas  desconhecem  o 
nome  de  Mello,  que  n'ella  se  dá  ao  monte 
do  Castello.* 

Do  exposto  se  vê  que  a  lenda  vigora  na 
localidade,  é  porem  muito  inverosímil  di- 
zer-se  que  o  gigante  do  monte  Mello,  atiran- 
do cora  o  martello  contra  o  monte  de  Jeru- 
mello,  distante  cerca  de  3  kil.  para  o  sul,  o 
cabo  fosse  bater  no  Zambujal,  distante  cerca 
de  3  kil.  para  o  norte,  seguindo  por  conse- 
quência um  rumo  diametralmente  opposto^íl,. 


Ao  sr.  Delfim  José  d'01iveira,  illustrado 
filho  de  Penella  e  visinho  d'esta  parochia  do 
Zambujal,  agradeço  os  apontamentos  que 
me  enviou  e  peço  licença  para  consiguar 
aqui  alguns  traços  da  sua  biographia: 

Nasceu  na  villa  de  Penella  a  15  de  feve- 
reiro de  1821  e  foram  seus  paes  José  Joa- 
quim d'01iveira  e  Rosa  Margarida  da  Silva. 

Alistou  se  voluntariamente  no  batalhão 
de  infanleria  n."  7,  em  Lisboa,  a  24  de  se- 
tembro de  1838  e  foi  despachado  alferes 
para  Moçambique  em  maio  de  1842;  tenen- 
te a  8  de  maio  de  1845;  capitão  a  12  d'a- 
gosto  de  1848;  major  sem  prejuiso  d'anti- 
guidade  em  attenção  aos  serviços  extraordi- 
nários que  prestou  em  differentes  commis- 
soes  que  desempenhou  com  zelo  e  inteUigeU' 
cm,-— decreto  de  10  de  maio  de  1861. 

Reformou-se  no  posto  de  teoente  coronel 
era  abril  de  1868  e  regressou  á  sua  casa  de 
Penella,  oade  vive  no  estado  de  viuvo  e  s. 
g.  entregue  aos  seus  labores  lltterarios,  dos 
quaes  adiante  fatiaremos. 


Durante  o  tempo  que  militou  na  Africa 
prestou  ali  relevantes  serviços. 

Foi  ajudante  d'ordens  do  governador  ge- 
ral de  Moçambique  desde  18  d'abril  de  1844 
até  31  de  maio  de  1847;  ajudante  do  bata- 
lhão n.o  1  por  nomeação  de  26  de  junho  do 


dicto  anno;  demittido  do  serviço,  como  re- 
quereu, por  portaria  do  governador  geral 
de  13  de  julho  do  mesmo  anno;  julgada 
nulla  a  demissão  por  portaria  do  ministério 
da  marinha  e  ultramar  de  21  de  dezembro 
de  1849;  nomeado  auditor  da  gente  de  guer- 
ra em  30  de  outubro  de  1850;  commandan- 
te  militar  da  villa  de  Tete  em  25  de  outu- 
bro de  1855. 

Em  31  de  março  de  1858  passou  a  servir 
na  província  de  Cabo  Verde  e  ali  exerceu  3 
commandos:— da  ilha  de  S.  Vicente;  do  ba- 
talhão d'artilheria — e  da  ilha  de  S.  Thiago. 

Recolhendo  a  Lisboa  por  ordem  do  mi- 
nistério, foi  nomeado  commandante  da  Co- 
lonia  militar  de  Tete,  então  organisada  no 
quartel  d'Alcantara,  —  em  18  de  junho  de 
1859— e  partiu  cora  a  dieta  colónia  para 
Moçambique  a  2  de  julho  do  mesmo  anno. 

Foi  nomeado  commandante  do  batalhão 
de  caçadores  n.»  2,  organisado  na  Zambezia, 
em  29  d'agosto  de  1860— e  governador  de 
Sofâlla  em  20  de  junho  de  1861. 

Partiu  para  Zamzibar  era  commissão  de 
serviço  a  17  d'outubro  do  mesmo  anno  de 
1861  e  regressou  a  15  de  janeiro  de  1862, 
sendo  nomeado  commandante  do  batalhão 
d'iofauteria  n."  1  era  4  de  fevereiro  do  mes- 
mo anno — e  louvado  na  Ordem  á  força  ar- 
mada de  30  de  julho,  pela  boa  apparencia 
militar  é  luzido  aceio  com  que  o  batalhão 
n.°  1  se  apresentou  em  parada  no  dia  17* 
por  occasião  da  acclamação  de  S.  M.  el  rei 
D.  Luiz  I  e  pela  disciplina  do  mesmo  bata- 
lhão. 


Em  15  de  dezembro  de  1862  foi  agracia- 
do cora  a  commenda  da  ordem  militar  de  S. 
Bento  d'Aviz — em  attenção  aos  bons  serviços 
que  tem  prestado  no  desempenho  de  differen- 
tes commissões, — diz  o  decreto; — e  era  15  de 
dezerabro  de  1863  foi  nomeado  governador 
do  districto  de  Tete  em  attenção  ás  qualida- 
des e  mais  circumstancias  que  concorrem  na 
sua  pessoa,  —  diz  tarabem  o  decreto.  Por 
pleno  poder,  expedido  pela  secretaria  d'es- 
tado  dos  negócios  estrangeiros  em  3  de 
maio  de  1864,  foi  nomeado  Plenipotenciário 
á  republica  de  Transwaal — Boers, — e  man- 


2070  ZAM 


ZAM 


dado  louvar  em  oflBcio  do  secretario  geral  | 
de  20  de  março  de  1865  pelo  bom  desem- 
penho de  tão  melindrosa  missão, — tendo  s. 
ex.*  a  maior  satisfação  em  ver  não  só  que 
foram  fielmente  cumpridas  as  suas  ordens, 
mas  também  que  o  relatório  está  organisado 
com  a  discripção  e  habilidade  que  o  distin- 
guem — diz  o  mencionado  ofiQcio. 

Foi  transferido  para  o  governo  do  distri- 
cto  de  Quelimane  por  conveniência  do  ser- 
viço,— em  attenção  ao  zelo,  probidade  e  pro- 
ficiência que  se  dão  na  sua  pessoa. . . — por- 
taria do  governador  geral  de  5  d'abril  de 
1865— e,  em  virtude  da  auetorisação  con- 
cedida em  oíBcio  de  6  de  maio  de  1867,  fez 
entrega  d'aquelle  governo  em  31  do  dicto 
mez  e  anno,  deixando  ali  as  mais  vivas  sau- 
dades, poisembeilesou,  arborisou  e  transfor- 
mou completamente  a  villa  de  Quelimane, 
abrindo  novas  ruas  e  fazendo  grandes  me- 
lhoramentos no  seu  porto,  etc.  etc.  como 
provam  documentos  bonrosissimos  que  le- 
mos sobre  a  nossa  mesa  de  estudo. 


Fatigado  e  arruinado  com  tanto  serviço 
em  paragens  tão  inhospitas,  pediu  e  obteve 
licença  para  regressar  á  metrópole,  sendo 
por  essa  oceasião  louvado  pela  intelligencia, 
zelo  e  dedicação  com  que  se  houve  no  desem- 
penho das  suas  funcções  como  governador  de 
Te  te  e  Quelimane  e  pelos  valiosos  serviços 
prestados  áquellas  villas,  os  quaes  opportu- 
namente  serão  levados  á  presença  de  Sua 
Magestade. 

Portaria  do  governador  geral  de  14  de 
junho  de  1867. 

Do  exposto  se  vê  que  o  nosso  biographa- 
do  é  um  cidadão  benemérito.  Alem  d'isso  é 
um  cavalheiro  muito  obesequiador,  muito 
tractavel  e  muito  iliustrado. 

Em  1884  publicou  em  Lisboa  na  Typ.  da 
Casa  Minerva,— rm  Nova  da  Palma,  136  e 
138,  —  um  formoso  livro  de  216  pag.  8.»  — 
Noticias  de  Penella  com  4  gravuras  repre- 
sentando as  armas  da  villa  e  o  seu  castello, 
visto  do  lado  sul;— depois,  em  1886,  publi- 
cou am  Additamento  de  148  pàg.  com  rela- 
ção ás  mesmas  Noticias  de  Penella — e  já  es- 


creveu e  tem  no  prelo  novo  Additamento,  o 
que  prova  que  o  sr.  tenente  coronel  e  eom- 
mendador  Delfim  José  d'OIiveira  ama  pro- 
fundamente a  sua  terra  natal,  como  bom 
fllho. 

Terminaremos  dizendo  que  s.  ex.*  é  tam- 
bém sócio  da  Real  Associação  dos  Archite- 
ctos  civis  e  Archeologos  portuguezes. 

ZAMBUJAL— freguezia  do  concelho  e  -co- 
marca de  Redondo,  dislrieto  e  arcebispado 
d'Evora,  proviacia  do  Alemiejo. 

Orago— S.  Bento.  Priorado. 

Fogos  70;— hobitantes  288. 

Em  1768,  segundo  se  lê  no  Port.  S.  Prof. 
esta  parochia  era  curato  da  apresentação 
dos  arcebispos  d'Evora;  rendia  para  o  cura 
130  alqueires  de  trigo  e  49  de  cevada  —  e 
contava  53  fogos. 

Em  1852,  segundo  diz  o  Flaviense,  es- 
ta parochia  era  do  concelho  de  Redon- 
do, comarca  de  Monsaraz — e  contava  58  fo- 
gos. 

O  censo  de  1864  deu-lhe  59  fogos  e  373 
habitantes;— o  de  1878  deu-lhe  58  fogos  e 
351  habitantes. 

É  pouco  populosa,  mas  o  arcebispado  de 
Évora,  tem  27  freguezias  menos  populosas 
ainda  —  e  49  que  não  contam  100  fogos- 
N'este  ponto  só  o  bispado  de  Bragança  está 
ieferior  ao  d'Evora,  pois  no  bispado  de  Bra- 
gança ha  134  freguezias,  cuja  população  é 
inferior  a  100  fogos— e  nenhum  dos  nossos 
bispados  conta  relativamente  freguezias  tão 
populosas,  como  o  do  Algarve.  Tem  apenas 
uma  freguezia  inferior  a  100  fogos;  outra  de 
100  a  200— e  8  de  200  a  300  fogos.  As  res- 
tantes são  todas  mais  populosas,  sendo  a 
mais  populosa  entre  todas  a  de  Loulé,  pois 
conta  cerca  de  3:400  fogos  e  15:000  habi- 
tantes. 

É  hoje  a  villa  mais  populosa  de  Portugal 
— e  mais  populosa  do  que  todas  as  nossas 
cidades,  exceptuando  Lisboa,  Porto,  Braga, 
Coimbra,  Setúbal  e  Évora. 

Cumpre  pois  aos  louletanos  pugnarem 
pela  elevação  d'aquella  grande  villa  á  ca- 
thegoria  de  cidade. 

Com  vista  aos  habitaates  da 
formosa  villa  de  Loulé. 

Prosigamos. 


ZAM 


ZAM  2071 


Esta  pobre  fregaezia  do  Zambujal  Dão 
tem  aldeias  ou  povoações  compactas,  mas 
apenas  alguns  pequenos  montes  dispersos 
pelas  herdades  seguintes:— Covas,  Piearrel, 
Godinba  de  Baixo,  Godinha  de  Cima^  Cen- 
tros de  Durão,  Pinheiro,  Casas  de  Baixo, 
Casas  de  Cima,  Fonte  da  Cal,  Viegas,  Ata- 
lho, Amendoeira,  Hospital,  Courellas,S.  Ben- 
to, Aiamo,  Carapetal,  Quinta  do  Piearrel, 
Horta  das  Couves  e  Lês?. . . 

As  melhores  herdades  são  as  duas  pri- 
meiras. A  das  Covas  pertence  hoje  a  Fla- 
miano  José  Lopes  Ferreira  dos  Anjos,  de 
Lisboa;— a  do  Piearrel  pertence  a  Domin- 
gos Antonio  Fallé  Ramalho,  da  villa  de  Re- 
dondo. 

A  egreja  matriz  está  isolada  e  demora  en- 
tre dois  regatos  que  vem  da  serra  á'Ossa  e 
formam  a  ribeira  de  S.  Bento  ou  da  Pedra, 
que  banha  esta  parochía  e  desagua  na  ri- 
beira de  Alcrovisca,  a  distancia  de  4  kilome- 
tros,  a  qual  por  seu  turno,  depois  de  unida 
a  outras,  desagua  na  de  Pardiella,  confluen- 
te do  rio  Degebe,  que  vae  ter  ao  Guadiana, 

V.  Degebe,  tomo  2.»  pag.  466,  col.  1.» 

A  egreja  de  S.  Bento  dista  da  villa  de 
Redondo  6  kil.  para  O.  N.  O.  e  30  d'Evora 
para  N.  E. 

Parochias  limitrophes:  —  Redondo  a  E.; 
Adaval  a  S.;  Freixo  a  O.  e  Monte  Virgem 
a  N. 


Atravessam  esta  freguezia  duas  estradas 
a  macadam:— uma  real,  n.»  48—  A  — ,  d'E- 
vora  para  a  villa  do  Redondo;— outra  mu- 
nicipal, do  Redondo  para  a  estação  de  Aza- 
ruja  ou  Torre  da  Gadanha,  na  linha  férrea 
do  Sul,— ramal  d'Evora  a  Estremoz. 

Templos:— a  egreja  matriz  e  uma  capella 
publica  de  S.  Gonçalo  no  monte  (povoação) 
do  Piearrel. 

Ambos  03  templos  são  simples. 

A  egreja  foi  reedificada  em  1882  e  n'ella 
se  faz  no  3  *  domingo  d'agosto  uma  festa  a 
Santo  Antonio  com  grande  romagem,  a  1.* 
da  freguezia. 

Pontes:— uma  nova  de  pedra  sobre  a  men- 


!  cionada  ribeira  de  S.  Bento  na  estrada  real 
n.»  68-A. 
Foi  feita  em  1884. 

Moinhos :  —  apenas  tem  a  parochia  1  de 
vento  na  herdade  da  Fonte  da  Cal. 

Produeçòes  dominantes:  —  trigo,  cevada, 
centeio  e  bolota. 

Cria  bastante  gado  suino  o  tem  abundan-. 
cia  de  caça  miúda. 

Factos  importantes:  —  uma  tempestade 
que  em  outubro  de  1861  pesou  sobre  esta 
freguezia  e  destroçou  grande  parte  do  ar- 
voredo—azinho e  oliveiras,  principalmente 
nas  herdades  do  Piearrel,  Hospital  e  Carra- 
petal. 

O  clima  é  pouco  saudável.  Ainda  em  1884 
a  variola  e  o  sarampo  aqui  mataram  muitas 
creanças  e  adultos. 

O  chão  d'esta  parochia  foi  habitado  des- 
de tempos  remotíssimos.  N'ella  se  encon- 
tram ainda  claros  restos  de  um  dolmen,  co- 
mo diz  o  sr.  Gabriel  Pereira  no  seu  interes- 
sante opúsculo —  Dolmens  ou  Antas  dos  ar- 
redores d'Evora,  publicado  em  1875,  — 
pag.  4. 

Também  aqui  se  teem  encontrado  muitas 
moedas  romanas  em  differentes  datas  e  dif- 
ferentes  sitios. 

Esta  parochia  é  priorado,  mas  de  encom- 
meodação  ou  amovível. 

Não  tem  aula  nem  escola  alguma,  nem 
sequer  de  instrucção  primaria  elemen- 
tar!... 

Es  la  freguezia  pertenceu  à  comarca  (cor- 
regedoria e  provedoria)  d'Evora;  depois 
passou  para  a  de  Monsaraz;  em  seguida 
passou  para  a  de  Reguengos  até  1885,  data 
em  que  passou  para  a  do  Redoodo. 

ZAMBUJAL,— quinta  ou  antes  — -  herdade 
da  freguezia  de  Maratéca,  hoje  exlincta  e 
unida  à  de  Palmella. 

V.  Marateca,  tomo  5.°,  pag.  59,  col.  2.» 

Demora  a  dieta  herdade  á  beira  de  um 
braço  do  rio  Sado,  que  a  distancia  de  15 
kil.  de  Setúbal  toma  a  direcção  N.  indo  en- 
contrar as  aguas  da  ribeira  de  Marateca 
junto  da  mesma  herdade,  sendo  navegável 
até  ali  com  maré  cheia  por  barcos  de  pe- 
quena lotação. 

A  dieta  herdade  dista  de  Setúbal  cerca  da 


2072  ZAM 


ZAM 


30kil  e  oecapa  uma  area  de  2:800  hecta- 
res aproximadamente. 

Confina  ao  norte  com  a  estrada  real,  que 
de  Setúbal  se  dirige  a  Alcácer  e  á  herdade 
de  Maratéea; — ao  sul  com  o  mar  da  Sacho- 
la; — ao  nascente  com  as  herdades  do  Pi- 
nheiro e  de  Palma — e  ao  poente  com  a  ri- 
beira de  Maratéea  e  braço  do  Sado. 

Compòe-se  de  terrenos  cerealíferos  e  vár- 
zeas para  cultura  de  arroz,  grandes  pasci- 
gos  para  toda  a  qualidade  de  gado,  bastan- 
tes montados  de  sobro,  pinhal  manso  e  bra- 
vo e  alguns  olivedos. 


Até  o  terremoto  de  1755  teve  uma  magni- 
fica habitação  com  todas  as  dependências  e 
ofiBcinas  de  uma  nobre  vivenda  campestre, 
avultando,  não  pela  grandesa,  mas  pela  sua 
luxuosa  fabrica,  uma  linda  capella,  que  ain- 
da hoje  ostenta  bellos  mosaicos  de  mármo- 
re d'Extremoz  e  azulejos  hollandezes  do 
sec.  xvm,  representando  a  Familia  Sagra- 
da, invocação  da  capella,  festejando-se  ali 
S.  José  no  domingo  do  Bom  Pastor,  em  cum- 
primento da  instituição  vincular. 

O  terremoto  de  1755  lançou  as  edificações 
quasi  todas  por  terra.  Algumas  se  restaura- 
ram posteriormente,  mas  com  bastante  sin- 
geleza. No  primeiro  quartel  do  ultimo  se- 
,  culo  foi  restaurada  a  capella  e  outra  vez 
em  1829  pelo  barão  do  Zambujal,  dono  d'es- 
ta  vivenda,  do  qual  adeante  fallaremos,  po- 
rem com  o  aodar  do  tempo  e  com  o  descui- 
do dos  rendeiros  tudo  tornou  a  cair  em  mi- 
nas, ficando  a  pobre  capella  desamparada  e 
profanada,  mas  consta-nos  que  o  actual  pos- 
suidor tem  a  restauração  em  projecto. 


Esta  grande  propriedade  era  da  casa  de 
Bragança;  foi  comprada  ao  duque  D.  Fer- 
nando I  em  145i  por  Gil  Fernandes  Sardi- 
nha e  veiu  a  pertencer  à  sua  bisneta  D.  Ca- 
tharina  da  Cunha,  que,  não  tendo  successào, 
em  1609  institum  n'ella  um  vinculo  para 
sua  sobrinha  D.  Luiza  da  Cunha,  mulher  de 
João  Soares  do  Torneio,  de  quem  procedeu 


sua  nela  D.  Luiza  Maria  da  Cunha,  mulher 
de  José  de  Cabedo,  notável  genealogista  e 
pelo  seu  casamento  senhor  do  morgado  do 
Zambujal,  vindo  por  tanto  Jorge  de  Cabedo, 
barão  do  Zambujal  e  bisneto  d'aquelle,  a 
ser  o  7.»  senhor  do  dieto  morgado,  cuja  an- 
tiguidade já  foi  citada  na  Corogr.  Port.  em 
1712,  a  qual,  fallando  da  comarca  de  Setú- 
bal e  das  casas  nobres  d'aquella  villa,  hoje 
cidade,  diz  que  uma  das  mais  principaes 
era  a  dos  Cabedos.  Em  seguida  desenvolve 
muito  amplamente  a  genealogia  d'elles  e  a 
pag.  297  do  tomo  3  •  diz  que  a  herdade  do 
Zambujal  era  muito  antiga  n'esta  familia  e 
que  andava  n'ella  havia  mais  de  250annos. 

Em  1667  foram  unidas  mais  algumas  ses- 
marias e  pequenas  herdades  á  do  Zambujal 
e  igualmente  vinculadas,  vindo  a  compre- 
hender,  como  ainda  hoje  comprehende,  as 
propriedades  seguintes  :  —  Zambujal,  Moita 
do  Gato,  Estorrinheira,  Valle  do  Cão,  Torri- 
nha, Valle  de  Soeiros,  Arrabidas  e  Saeholi- 
nha. 


Jorge  de  Cabedo  de  Vasconcellos  Sardi- 
nha da  Cunha  Castello  Branco  do  Couto, 
commendador  e  cavalleiro  professo  da  or- 
dem de  Christo,  moço  fidalgo  com  exercício 
no  paço,  8."  senhor  do  morgado  de  Cabedo, 
7.»  do  de  Vasconcellos,  7.»  do  de  Zambujal, 
9.»  do  de  Sardinhas,  senhor  do  morgado  da 
quinta  da  Caridade  em  Ourem,  na  qual  suc- 
cedeu  pela  extineção  da  linha  primogénita 
dos  Coutos  em  1817  — e  administrador  de 
varias  capellas,  sendo  uma  de  1303  e  outra 
de  1459,  foi  coronel  do  regimento  de  milí- 
cias, de  Setúbal  desde  1812  até  á  conven- 
ção d'Evora Monte,  superintendente  das  cau- 
dellarias  da  comarca  de  Setúbal  e  provedor 
da  Tabola  real  e  pescado  da  mesma  villa, 
officio  que  andava  em  sua  casa  desde  1639. 

Teve  a  mercê  de  barão  do  Zambujal  em 
27  de  janeiro  de  1826  e  ao  começar  a  lueta 
civil  immediatamenie  posterior  foi  elevado 
a  visconde  do  Zambujal  pelo  sr.  D.  Miguel 
cuja  causa  elle  sempre  desposoa. 

Ao  terminar  a  dieta  guerra  foi-lhe  ex- 
pressamente prohibido  usar  do  titulo  de 
visconde,  continuando  por  tanto  a  assígnar* 


ZAM 


ZAM  2073 


se  barão,  até  que  falleceu  em  Lisboa  a  26 
de  março  de  1850,  tendo  nascido  em  Setú- 
bal a  i8  d'abril  de  i783. 


O  dicto  barão  casou  em  Setúbal  a  10  de 
novembro  de  1808  com  sua  prima  D.  Anna 
Leonor  d'Almada  e  Lencastre,  filha  dos  2 
viscondes  de  "Villa  Nova  de  Souto  d'El-Rei, 
de  quem  teve  vários  filhos,  entre  elles  José 
Bruno  de  Cabedo,  primogénito.  Casou  e  le- 
ve Jorge  de  Cabedo,  actual  herdeiro  e  re- 
presentante do  barão  do  Zambujal.  Rezide 
em  Setúbal, — casado  e  com  geração. 

ZAMBUJEIRA  ou  AZAMBUJEIRA. 

Tem  a  mesma  etymologia  de  Zambujal  ou 
ou  Azambvjal,  indicada  nos  artigos  pró- 
prios. 

V.  Zambujal,  Azambujal  e  Azambvjeira 
—Villa  e  freguezia  do  concelho  de  Rio 
Maior. 

ZAMBUJEIRA  —  aldeia  da  freguezia  de 
Evora  de  Alcobaça,  concelho  d'este  nome, 
distrieto  de  Leiria. 

V.  Evora  d" Alcobaça,  tomo  3.»  pag.  121, 
col.  1.* 

Com  o  mesmo  nome  de  Zambujeira  temos 
no  nosso  paiz  mais  3  aldeias,  6  casaes,  4 
quintas  e  3  herdades.  Mencionaremos  ape- 
nas as  seguintes: 

ZAMBUJEIRA  ou  AZAMBUJEIRA,— her- 
dade da  freguezia  de  S.  Braz  dos  Mat- 
tos, concelho  do  Alandroal,  distrieto  de 
Evora. 

V.  Mattos,  vol.  5."  pag.  134,  col.  l.«—  ar- 
tigo que  o  meu  benemérito  antecessor  cir- 
cumscreveu  a  dose  linhas'^1 . . .  Seja-nos  li- 
cito pois  dar  lhe  algum  desenvolvimento 
mais. 


Esta  freguezia  demora  na  m.  d.  do  Gua- 
diana e  dista  7  k.  do  Alandroal  para  E. 

Comprehende  a  aldeia  de  S.  Braz  dos 
Mattos^  séde  da  parochia,  e  as  herdades  da 
Zambujeira  ou  Azambujeira,  Lourenço,  Al- 
caide, Agudos,  Assabueiros,  Azinhal,  Cha- 
cim.  Charneca,  Bugalho,  Cortiço,  Ferrarias, 
Galvões,  Machados,  Naleiras,  Nave  de  Cima,  I 


Nave  de  Baixo,  Mestre  Fernando,  Pão  Mole, 
Boinhas,  Palmeiraf»,  Palheiros,  Pobres,  Par- 
dainhos,  PerdigÕa,  Pocinho,  Pombal,  Bou- 
quinha,  Sollas,  Sande,  Sameiras,  Thomazes, 
Tredo,  V;it  a  e  Potes;  os  montes  (casaes)  do 
Fidalgo,  dv)  Fôro,  da  Cebola,  do  Cubo,  do 
Outeiro  e  Monte  Novo;— as  azenhas  de  Val 
Verde,  Palheiros,  Sacramento,  Monte  Novo 
e  Azenha  Grande  ;  —  os  moinhos  de  Cubo, 
Abobada,  Bispos,  Rodete  e  Assabueiros;  — 
as  habitações  isoladas— Casm/m  de  S.  Braz 
— e  Casa  do  Sacristão,  —  e  o  sitio  denomi- 
nado Mina  do  Bugalho. 

Pelo  censo  de  1878  esta  freguezia  contava 
152  fogos  e  640  habitantes. 

Tem  estado  civilmente  unida  à  de  Juro- 
menha. 

A  herdade  da  Zambujeira  pertence  ao  sr. 
Carlos  Eugénio  d'Almeida,  par  do  reino, — 
e  ha  n'ella  uma  mina  de  cobre,  cuja  explo- 
ração foi  suspensa,  pelo  que  o  governo  em 
abril  do  corrente  anno  de  1889  a  declarou 
abandonada. 

ZAMBUJEIRA  (ou  Azambujeira)  dos  Car- 
ros, —  aldeia  da  freguezia  da  Roliça,  conce- 
lho de  Óbidos. 

V.  Roliça,  tomo  8.»  pag.  223,  col.  2.» 

Alem  da  povoação  da  Roliça,  séde  da  pa- 
rochia e  que  está  na  m.  e.  do  rio  Real,  na 
estrada  de  Óbidos  para  Torres  Vedras,  com- 
prehende esta  parochia  as  aldeias  seguin- 
tes:—Zamònjeira  ou  Azambujeira  dos  Car- 
ros, S.  Mamede,  Braçaes,  Delgada,  Colum- 
beira,  Casaes  da  Victoria,  Casaes  de  Lama- 
rosa,  Casaes  da  Charneca  e  Pó; — os  casaes 
do  Braz,  das  Figueiras,  do  Norte,  Boa  Vis- 
ta, Cabecinhos,  Valle,  Val  da  Cobra,  Val  do 
Grou,  Eira,  Abréa,  (talvez  corrupção  de 
Verêa)  Forno,  Vallinhas,  Merca,  Villa- 
ça.  Outeiro,  Aguas  Quentes,  Linhares,  La- 
goas e  Fialho ;  —  as  quintas  de  Freiria, 
Paul,  Carvalha,  Balleiro  e  Fabrica  — e  o 
Moinho  do  Rolão. 

Em  1712  Carvalho  mencionou  a  povoação 
da  Columbeira  com  uma  ermida  de  Santo 
Antonio, — a  do  Pó  com  uma  ermida  de  San- 
ta Catharina,—^  de  Baraçaes  (?)  cora  uma 
ermida  de  S.  MgiMe/,— Delgada  com  uma  er- 
mida de  S.  Martinho  —  e  S.  Mamede  com 
uma  ermida  d'este  santo. 


2074  ZAM 


N'e8ta  parocbia  da  Roliça  foi  derrotado  o 
exercito  franeez  de  Labord  pelo  exercito 
anglo-Iuso  no  dia  17  d'agosto  de  1808,  ca- 
bendo aos  soldados  portuguezes  a  gloria  de 
serera  os  primeiros  a  bater  os  jacobinos,  to- 
mando-lhes  a  forte  posição  do  Moinho  da 
Zambujeira  dos  Carros,  defendida  pela  ala 
esquerda  do  exercito  francez.  Era  seguida 
foram  as  hordas  de  Napoleão  batidas  tam- 
beoi  nas  povoações  da  Roliça  e  Columbeira, 
— preludio  da  grande  derrota  que  soffreram 
dias  depois  (a  22  d'agosto)  no  Vimeiro  da 
Lourinhã. 

V.  Roliça,  loc.  cit.  pag.  224,  col.  2.»  —  e 
Vimeiro  da  Lourinhã,  tomo  12  »  pag.  1:436, 
col.  2.*  e  segg. 

A  povoação  de  Zambujeira  dos  Carros 
tem  80  fogos  e  312  habitantes  e  demora  em 
planície. 

Junto  d'elia  se  feriu  a  batalha  contra  os 
francezes  em  1808— e  muito  recentemente  se 
feriram  no  mesmo  campo  outras  batalhas — 
grandes  desordens  —  entre  os  habitantes  da 
dieta  povoação  e  os  da  freguezia  io  Reguen- 
go Grande,  sua  limitrophe,  concelho  da  Lou- 
rinhã, comarca  de  Torres  Vedras,  districto 
de  Liâboa. 

V.  Reguengo  Grande,  tomo  8.»  pag.  115, 
col.  2.» 

As  coisas  passaram -se  assim: 


A  freguezia  do  Reguengo  Grande  perten- 
ceu antigamente  ao  concelho  d'Obidos,e  en- 
tre ella  e  a  povoação  de  Zambujeira  dos  Car- 
ros ha  uma  charneca,  onde  os  habitantes  do 
Reguengo  e  da  Zambujeira  costumavam 
promiscuamente  apascentar  os  seus  gados, 
cortar  lenha  e  cultivar  alguns  chãos. 

Um  bello  dia  os  da  Zambujeira  lembra- 
ram-se  de  arrotear,  semear  e  plantar  uma 
grande  porção  da  tal  charneca,  alongando - 
se  até  onde  lhes  approuve,  por  não  haver  na 
dieta  charneca  marcos  que  dividissem  os 
dois  concelhos  da  Lourinhã  e  Óbidos. 

Os  do  Reguengo  oppozeram-se,  dizendo 
que  a  charneca  arroteada  lhes  pertencia ; 


ZAM 

por  seu  turno  os  da  Zambujeira  diziam:  é 
nossal  Uns  semeavam  outros  destruíam.  Re- 
sultado:—  ameaças,  ódios,  grandes  rixas  e 
grandes  desordens,  —  muita  pancadaria  e 
muitos  ferimentos,  processos  e  prisões,  trans- 
formando-se  repetidas  vezes  a  dieta  charne- 
ca em  verdadeiro  campo  de  batalhai . . . 

Em  uma  correspondência  de  Leiria  com 
data  de  27  d'abril  de  1886  lemos  nós  o  se- 
■  guinte. 

I     «Noticias  telegraphieas  de  Óbidos  dizem 
que  os  habitantes  do  Reguengo,  concelho  da 
Lourinhã,  foram  ao  logar  da  Azambujeira, 
concelho  de  Óbidos,  e  arrasaram  searas  de 
trigo  e  outras  sementeiras.  Os  prejuizos  são 
importantes.  Os  invasores  maltrataram  diffe- 
rentes  pessoas  com  foices  e  armas  de  fogo. 
Foram  requisitadas  forças  militares. 
Eâtâ  invasão  selvagem  é  um  episodio  de 
uma  rixa  velha,  que  ha  entre  as  duas  po- 
voações, por  causa  da  demarcação  de  limi- 
^  tes  dos  termos  de  uma  e  outra.  Ha  mezes 
j  houve  outra  invasão  semelhante,  com  gran- 
j  de  dose  de  pancadaria  de  um  e  outro  lado. 
O  governo  mandou  marchar  forças  de  in- 
fanteria  e  cavallaria  para  o  logar  do  confli- 
!  cto,  afim  de  restabelecer  a  ordem  » 

Outra  correspondência  do  Cadaval  com 
data  de  3  de  junho  do  mesmo  anno  de  1886, 
dizia: 

«Mais  de  duzentos  homens  armados,  do 
Regunego  Grande,  foram  hoje  destruir  o 
resto  das  searas  à  charneca  da  Azambu- 
jeira. 

Levaram  quanto  poderam  aproveitar  d'el- 
las,  trigo,  cevada,  batatas,  ervilhas,  etc,  e 
quando  se  retiraram  dispararam  mais  de  40 
tiros. 

Assaltaram  dois  indivíduos  da  Azambu- 
jeira. 

Pedimos  ao  sr.  ministro  do  reino  haja  de 
dar  providencias  enérgicas.» 

Effectivamente  de  novo  marcharam  para 
o  local  do  conflicto  forças  de  cavallaria  e 
infanteria,  que  fizeram  varias  prisões,  mas 
a  tempestade  não  acabou,  antes  recrudes- 
ceu! . . . 

As  maiores  desordens  entre  as  duas  fre- 
guezias  tiveram  logar  no  anno  seguinte— em 
um  dia  solemne — sexta  feira  santa — desor- 


ZAM 


ZAM  2075 


dem  que  se  repetiu  posteriormente  em  ou- 
tros dias  d'aquelle  aono  e  do  seguinte. 

Em  1887  sofFreram  os  da  Zambujeira  pre- 
uisos  de  vulto! 

Trigo,  cevada,  milho,  batatas,  hortaliça, 
vinhedos  e  pomares  —  tudo  foi  arrazado  e 
destruído  pelos  do  Reguengo. 

Não  bouve  mortes,  mas  bastantes  feri- 
mentos e  ura  chuveiro  de  ||alas  trocadas 
entre  os  combatentes. 

Foram  processados  10  ou  12  indivíduos 
de  cada  um  dos  campos,  rendendo  03,  pro- 
cessos alguns  mezes  de  cadeia,  alem  das 
custas. 

Finalmente  o  governo  em  fins  de  agosto 
de  1888  ordenou  aos  governadores  civis  de 
Lisboa,  a  cujo  districto  pertence  o  Reguen- 
go,—e  de  Leiria,  a  cujo  districto  pertence  a 
Zambujeira,  que  fixassem  os  limites  das 
duas  paroehias  do  Reguengo  e  da  Roliça— e 
dos  dois  concelhos  da  Lourinhã  e  Óbidos. 

Assim  o  cumpriram.  Depois  de  grandes 
contestações,  lá  metteram  marcos  e  a  bulha 
terminou  até  hoje  (maio  de  1889)— mas  di- 
zem-me  da  localidade  que  a  rixa  entre  os 
dois  povos  é  cada  vez  maior  e  promette  no- 
vos desgostos. 

Terminaremos  dizendo  que  nas  bulhas 
entre  aquelles  dois  povos  por  vezes  toma- 
vam parte  as  duas  freguezias  a  que  perten- 
cem e  que  são  bastante  populosas,  pois  a 
do  Reguengo  Grande  pelo  censo  de  1878 
conta  303  fogos  e  1:221  habitantes— e  a  da 
Roliça  493  fogos  e  2:323  almas?!. . . 

ZAMBUJEIRO— aldeia  da  freguezia,  villa, 
concelho  e  comarca  da  Louzã,  districto  e 
diocese  de  Coimbra. 

V.  Louzan,  tomo  4.»  pag.  469,  col.  2.» 

Com  o  mesmo  nome  de  Zambujeiro  temos 
no  nosso  paiz  mais  4  aldeias,  20  easaes  e 
diversas  quintas  e  herdades.  Mencionaremos 
apenas  as  seguintes: 

ZAMBUJEIRO— herdade  da  freguezia  de 
Ourega,  concelho,  comarca  e  districto  d'E- 
vora,  na  província  do  Alemtejo. 

Esta  herdade  pertenceu  às  freiras  do  con- 
vento das  (Chagas  de  Villa  Viçosa,  que  a  em- 
prasaram  pelo  fôro  annual  de  104^800  réis, 
fôro  que  o  visconde  de  Guedes  arrematou 
em  1876  pela  quantia  de  2:200^000  réis. 


A  dieta  freguezia  eomprehende  outras 
muitas  herdades.  Mencionaremos  apenas  as 
do  Outeiro,  Correia,  Fonte  Coberta  e  a  quin- 
ta de  Pombarinho,  que  foram  do  par  do 
reino,  grande  capitalista  e  grande  proprie- 
tário, José  Maria  Eugénio,  de  Lisboa,  e  hoje 
são  da  sua  filha  D.  Gertrudes. 

V.  Ourega,  tomo  6.0  pag.  311,  col. 
2.»  e  segg.  —  artigo  muito  interessante, 
devido  á  pena  do  meu  benemérito  anteces- 
sor. 

ZAMBUJEIRO -herdade  da  freguezia,  vil- 
la, concelho  s  comarca  do  Redondo,  distri- 
cto e  arcebispado  d'Evora. 

V.  Redondo,  vol.  8."  pag,  85,  col.  2.» 

Alem  da  villa,  a  mencionada  freguezia  do 
Redondo  eomprehende  a  povoação  ou  aldeia 
chamada  Foros  da  Fonte  Secca;  os  montes 
(easaes  e  herdades)  do  Zambujeiro,  Padrão, 
Gaivota,  Cabeça  da  Freira,  Sernadinha,  San- 
to Aleixo,  Barrancos,  Doutor,  Sequinique, 
Tapada  do  Ignacio,  Jeronymo  Piteira,  S.  Jo- 
sé, Capote,  Gafanhas  de  João  Curado,  Frei- 
ra, Forinho,  Quebrada,  Quebradinha,  Torre, 
Capella,  Calva,  Zambujeirinho,  Álamo,  Vo- 
gada, Bico,  Reimonda,  Lamego,  Novancha, 
Val  Sobrados,  Monte  Branco,  Val  de  Cepos, 
Brandoa,  Calado,  Monte  da  Ribeira,  Monte 
da  Silveira,  Caladinho,  Azinhalinho,  Cabeça 
Gorda,  Orvalha,  Quebradinha.  Carrascal  e 
Valonguinho;— as  quintas  de  Gama  de  Bai- 
xo, Gama  de  Cima,  Nery,  S.  Pedro  e  Bom 
Successo;— as  hortas  de  João  Rosado,  João 
Joaquim,  José  Vicente,  Caramellc,  Ignacio, 
Monte,  Barradas,  Marques,  Pereira,  Fonte  e 
João  Pedro. 


E'  muito  digno  prior  actual  da  villa  do 
Redondo  o  rev.  Joaquim  José  Freire  de  Fa- 
ria e  Silva. 

Nasceu  em  19  d'abril  de  1847  no  logar  da 
Portella,  freguezia  de  Nossa  Senhora  da 
Graça  de  Arêas,  concelho  de  Ferreira  do 
Zêzere,  e  foram  seus  paes  Diogo  José  Freire 
e  D.  Maria  de  Jesus  Ribeiro. 

E'  2.»  sobrinho  do  rev.  Diogo  de  Faria  e 
Silva,  cónego  e  fabriqueiro  da  sé  archiepis- 
copal  d'Evora,  de  quem  já  fizemos  men- 


2076  ZAM 


ZAP 


ção,*  e  foi  lambem  educado  por  elle  em 
Évora,  onde  frequentou  o  lyceu,  indo  em 
seguida  para  Coimbra,  onde  cursou  com 
dislincção  a  faculdade  de  iheologia. 

Em  1869  foi  nomeado  professor  de  scien- 
cias  ecclesiasticas  do  seminário  d  Evora— 
6  em  1871  foi  apreseniado  na  matriz  da 
Villa  do  Redondo,  pondo  ali  um  coadjutor 
e  ficando  em  Évora  com  a  regência  da  sua 
cadeira. 

Em  188S  foi  nomeado  promotor  do  juizo 
ecclesiastico  e  mestre  de  ceremonias  do 
prelado. 

E*  também  desembargador  da  relação 
ecclesiastica  d'Evora  e  examinador  pro- 
synodal,  muito  illustrado  e  de  bons  costu- 
mes: 

ZAMBUGEIRO  (Nossa  Senhora  do)  —  de- 
pois Nossa  Senhora  das  Candeias  —  e  hoje 
Nossa  Senhora  da  Assumpção,  padroeira  da 
freguezia  de  Cadafaes,  concelho  de  Alem- 
quer. 

V.  Cadafaes,  tomo  2.»  pag.  27,  col.  i.«  e 
segg.— artigo  também  muito  curioso  e  mui- 
to ioieressanle,  devido  á  pena  do  meu  ante- 
cessor. É  um  extracto  do  que  se  lê  a  pag. 
263—270  da  monographia—  Alemquer  e  seu 
concelho  -  escripta.  e  publicada  pelo  sr.  Gui- 
lherme João  Carlos  Henriques  em  1873. 

O  Sant.  Marian.  tomo  7.»  pag.  247—254, 
fâllando  da  Senhora  do  Zambujeiro,  em  re- 
sumo diz  o  seguinte: 

Antes  de  haver  egreja  nos  Cadafaes  ap- 
pareceu  ali  no  tronco  de  ura  zambujeiro 
uma  imagem  da  Virgem.  Começou  desde 
logo  a  obrar  muitos  prodígios;  de  todas  as 
partes  concorreram  devotos  e  ali  mesmo  lhe 
erigiram  um  templo.  Augmentando  a  con- 
corrência dos  fieis,  crearam  uma  feira  no 
dia  da  romagem, — feira  que  durou  poucos 
annos,  porque,  sendo  muito  numerosa  e  to- 
mando grande  espaço  de  terreno  os  gados, 
carros,  povo  e  tendeiros,  os  donos  dos  pre- 
dios  contíguos,  vendo-os  muito  devassados, 
IrataraiQ  de  remover  a  feira  para  outro  si- 


1  V.  Vista  Alegre,  quinta,  D'este  vol.  pag. 
1926,  col.  2.» 


tio.  Foi  para  a  villa  da  Azambuja  e  como 
ali  por  essa  occasião  (J403,  no  reinado  de 
D.  João  I)  apparecesse  a  imagem  de  Nossa 
Senhora  das  Virtudes,  os  devotos  lhe  erigi- 
ram um  templo  que  no  reinado  D.  Affonso 
V  se  transformou  em  convento  de  frades 
Menores  da  província  de  Portugal,  e  para  ali 
fugiu,  ou  foi  levada  furtivamente,  a  imagem 
da  Senhora  daZambujeiro.  Os  habitantes  de 
Cadafaes  logo  a  reclamaram;  oppozeram-se 
os  religiosos;  seguiu-se  letigio;  decaíram  os 
religiosos,  pelo  que  a  Senhora  voltou  para 
os  Cadafaes,  mas  em  breve  tornou  a  appa- 
recer  na  Azambuja. 

Em  vista  de  facto  tão  estranho  os  de  Ca- 
dafaes mandaram  fazer  outra  imagem  da 
Virgem  para  a  sua  egreja  e  lhe  deram  o  ti- 
tulo da  Assumpção,  depois  Senhora  das  Can- 
deias, por  costumarem  festejal-a  no  dia  da 
Purificação— 2  de  fevereiro.  Tornou-se  mui- 
to querida  dos  povos  da  localidade,  pelo  que 
arvoraram  a  dieta  capeila  em  matriz  de  uma 
nova  erecta,  desmembrada  da  freguezia  de 
S.  Pedro  d'Alemquer.  Assim  se  creou  a 
freguezia  de  Cadafaes. 

Em  1721  ainda  no  adro  da  nova  matriz 
pompeava  o  zambujeiro,  em  cujo  tronco  ha- 
via apparecido  a  1.»  imagem,  mas  já  não 
existe.  Caducou  e  desappareceu  no  melado 
d'este  século. 

ZAÕES  (S.  Salvador  de)  —  aldeia  ou  fre- 
guezia de  Portugal  na  idade  media,  mas  que 
se  extinguiu  ou  mudou  de  nome. 

iEm  S.  Salvador  de  ZaÕes  duas  leiras  re- 
guengas, das  quaes  dão  annualmente  a  el- 
rei,  de  cada  uma,  ou  um  almudí  de  pão  por 
censuria  ou  ração  de  trigo.» 

Hist.  de  Port.  de  Alex.  Hercul.  tomo  3.» 
pag.  339. 

ZÃOS— (Santa  Maria  de)—  aldeia  ou  fre- 
guezia de  Portugal,  que  também  se  extin- 
guiu ou  mudou  de  nome.  D'ella  se  fez  men- 
ção no  sec.  XIII. 

«Em  Santa  Maria  de  Zãos  ha  uma  casa 
reguenga  e  dá-a  o  mordomo  a  quem  lhe 
parece  pela  sua  oCfreçào.» 

L.  5  d'Inq.  de  D.  Diniz,  f.  36. 

ZA?LTE— truque  ou  /ruço— jogo  de  car- 


ZAP 


ZAR  2077 


tas,  ouir'ora  muito  vulgar  no  nosso  paiz.  j 
Joga-se  com  3  cartas — e  uma  d'ella8,  o  4  de 
paus,  denomina-se  zápete.  Vence  o  zápete 
a  bicha,  o  bichão  e  tudo  o  mais,  como  diz 
Bluteau. 

Moraes  (6.»  edição)  aponta  outros  jogos 
denominados  truque,  sem  serem  os  de  car- 
tas. 

Uma  aneedota: 

Em  Lamego,  no  tempo  do  bispo  D.  João 
Binet  Pineio,  (1786—1827)  ordenou-se  um 
estudante  da  nobre  família  Amados  de  Pa- 
redes da  Beira,  muito  apaixonado  pelo  tal 
joguinho,  ou  pelo  chincalhão,  que,  segundo 
me  informam  tem  phrases  próprias,  taes 
como  estas;  —  truco,  retruco,  vale  nove,  jo- 
gue, que  é  cacha. 

Binet  Pincio,  prelado  benemérito  e  muito 
enérgico,  mas  de  bom  humor,  tendo  perfei- 
to conhecimento  da  prenda  do  tal  estudante, 
quando  este  requeria  admissão  a  ordens, 
escreveu  como  despacho  simplesmente; 

Iruco. 

O  estudante  fleou  attonilo:  eomprehen- 
deu  o  alcance  da  phrase;  convenceu- se  de 
que  o  bispo  estava  indisposto  contra  elle  e 
não  lhe  dava  as  ordens; 'mas  picado  nos 
seus  brios  de  rapaz  e  lembrando-se  de  que 
tinha  recursos  próprios  para  viver  com  de- 
cência,— em  seguida  ao  truco  do  prelado, 
eecreveu; 

Retruco.  Assignou  e  tornou  a  mandar-lhe 
o  requerimento. 

O  prelado  ficou  surprehendido  e,  queren  • 
do  ver  até  onde  chegava  a  coragem  do  mo- 
cinho, accrescentou: 

Valle  nove. 

O  estudante,  julgando-se  perdido,  rapi- 
damente escreveu: 
Jogue,  que  é  cacha. 

Assignou  e  tornou  a  mandar-lhe  o  reque- 
rimento. 

O  prelado  gostou  da  coragem  do  moci- 
nho e,  estando  em  maré  de  bom  humor,  poz 
termo  á  brincadeira  muito  generosamente, 
escrevendo: 

Examine-se  com  o  Padre  F.—e  ordenou-o 
de  bom  grado. 

Isto  me  contou  o  fallecido  sr.  Alexandre 
d' Azevedo  Menezes  Pimentel  Botelho,  dis- 

VOLUMB  XI 


tinclo  cavalheiro  de  Riodades,  visinho  e 
contemporâneo  do  tal  estudante. 

V.  Riodades,  tomo  8.°  pag.  191,  col.  2.*— 
e  Villa  Verde,  tomo  11.»  pag.  1:087  e  segg., 
onde  se  faz  menção  do  dicto  sr.  Alexandre 
de  Azevedo. 

ZAQUITARIO  ou  SAQDITARIO,— Saçwe- 
tario  ou  Saquiteiro,  ou  Çaquiteiro  —  o  que 
tinha  a  seu  cargo  o  pão  cosido  para  a  me- 
sa do  rei,  pelo  que  se  denominou  também 
Saquitaria  o  logar  ou  despensa  em  que  o 
dito  pão  se  guardava. 

Inquir.  d'El-Rei  D.  Aff.  III. 

ZARCO— e  ZARGO  —  port.  ant.  — o  que 
tem  olhos  azues,  ou  o  que  é  vesgo  e  torto 
da  vista. 

Zarco  foi  também  appellido  muito  nobre. 
Assim  se  appellidava  o  descobridor  e  1." 
capitão  da  ilha  da  Madeira— João  Gonçalves 
Zarco— progenitor  dos  condes  da  Calheta  e 
do  grande  patriota  Simão  Gonçalves  da  Ca- 
mara 

V.  Matlosinhos,  tomo  5.°  pag.  142,  col  2.* 
ZARELO— port.  ant. 

Parece  que  foi  synoóyrao  A&bragal,  como 
diz  Viterbo. 

No  foral  que  D.  Sancho  II  deu  a  Barquei- 
ros, concelho  de  Mesãofrio,  no  anno  de  1223 
se  diz  que  entre  as  mais  direituras  paga- 
riam— 1  zarelum  à9  VI  cubitis  et  non  am- 
plius..  .—nm  zarelo  de  seis  covados  e  não 
mais. 

Franklin  diz  que  este /ora/  aníiflio  de  Bar- 
queiros foi  dado  em  Coimbra  a  13  de  se- 
tembro de  1123; —  Viterbo  assigna-lhe  a 
data  de  1223  nos  artigos  Teiga  e  Zarello;— 
e  o  meu  antecessor,  guiado  por  Franklin, 
disse  que  esta  villa  de  Barqueiros  teve  um 
foral  de  1123,  dado  pela  rainha  D.  Thereza, 
e  que  o  de  1223  foi  provavelmente  2."  foral 
velho. .  .1 

Pela  nossa  parte  diremos: 

l.o—que  na  Memoria  de  Franklin  ha  er- 
ro de  data; 

2.''~que  a  mencionada  villa  teve  apenas 


1  V.  Barqueiros,  tomo  2."  pag.  337,  col. 
l.«— e  Teiga,  vol.  9.»  pag-  522,  col.  2.» 

131 


2078  ZAV 

um  foral  velho,  dado  por  D.  Sancho  II  em 
1223; 

3.°— que  o  dito  foral  não  indica  a  terra 
em  que  foi  dado— nem  o  dia  do  mez.  Ape- 
nas diz:...  Fada  carta  mense  Septembris. 
Era  M  *  CC.''  LX.'  /.» 

«Foi  feito  este  foral  no  mez  de  setembro 
da  era  1261  (anno  1223). 

V.  Porlvg.  Monum.  tit.  Foralia,  pag.  597, 
onde  se  encontra  o  dielo  foral  na  sua  inte- 
gra cora  differentes  variantes,— edição  níti- 
da e  muito  conscienciosa. 

ZARRA— port.  ant.  jarra,  almotolia. 

•  Compraram -se  duas  zarras  para  o  azei- 
te.» Doe.  de  Grijó. 

ZAVA  (quifita  de)  —  aldeia  da  freguezia, 
Villa,  concelho  e  comarca  do  Mogadouro, 
districlo  de  Bragança. 

V.  Mogadouro,  tomo  5.»  pag.  353,  eol.  2.» 
e  seguintes,— e  Villar  do  Rei,  tomo  11.»  pag. 
1:275,  col.  1/ 

Abrimos  este  tópico  por  duas  raf>Ôes:—l.» 
porque  Zavn  é  povoação  muito  antiga  e 
muno  digna  de  menção ;  —  2.»  porque,  em- 
bora tarde,  queremos  indicar  e  caracterisar 
bem  um  facto  curioso,  privativo  d'e8ta  re- 
gião transmontana. 

Nas  províncias  do  IMÍinho,  Douro,  Beira, 
Estremadura  e  no  districto  de  Villa  Real, 
que  forma  a  parte  O.  ia  província  de  Traz 
os  Montes,  as  differentes  povoações  que  não 
são  villas  nem  cidades  e  que  constituem  as 
differentes  fregaezias,  chamam-se  aldeias, 
togares  ou  poyos;— na  província  do  Alemtejo 
denominam-se  montes;  no  Algarve  povos,  to- 
gares, hortas  e  montes—e  no  distrieto  de  Bra- 
gança, nomeadamente  na  parte  leste,  —  nos 
concelhos  de  Vimioso,  Miranda,  Mogadouro, 
Bragançae  Moncorvo,— àemtniQàm -se  quin- 
tas, por  vezes  povoações  grandes,  de  50  fo- 
gos e  wais— povoações  compactas,  algumas 
das  quaes  outr'ora  foram  freguezias  e  ainda 
hoje  teem  capella,  pia  baptismal  e  Santíssi- 
mo permanente?!. . . 


Só  no  distrieto  de  Bragança  o  termo  quin- 
ta se  emprega  em  tal  aecepção,  pois  nas 
províncias  do  Minho,  Douro,  Beira  e  Estre- 


ZAV 

madura  significa  uma  propriedade  rústica 
maior  ou  menor,  com  oíBeinas  de  lavoura, 
casas  para  habitação  dos  feitores,  jornalei- 
ros e  caseiros— e  por  vezes  casas  nobres,  al. 
gumas  brazonadas,  para  habitação  dos  seus 
donos.i 

No  Alemtejo  e  em  parte  da  Estremadura 
as  propriedades  d'este  género  denominam- 
se  herdades;- quintas  Si%  propriedades  mais 
pequenas,  que  teem  chãos  regadios;  —  hor- 
tas e  hortejos  os  pomares  e  chãos  regadios 
mais  mimosos,  ordinariamente  murados. 

O  Algarve  tem  de  tudo:  hortas,  herdades, 
quintas  e  montes,  quasi  na  mesma  aecepção 
em  jjue  estes  termos  se  empregam  no  Alem- 
tejo e  sul  da  Estremadura,  sendo  porem  no 
Algarve  as  hortas  quasi  todas  habitadas,  em 
quanto  quo  no  Alemtejo  quasi  todas  são 
desabitadas.^ 


1  Estas  quintas  também  outr'ora  se  deno- 
minaram villas,  villares,  villarinhos  e  gran- 
jas, muitas  das  quaes  foram  núcleo  das  pa- 
roehias  e  villas  actuae^;— outras,  como  suc- 
cedeu  no  distrieto  de  Bragarjça,  theatro 
constante  de  guerras  permaneceram  no  es- 
tado de  quintas  nu  deixaram  de  ser  paro- 
chias,  conservando  o  primitivo  nome. 

V.  Aldeia,  Granja,  Villa,  Villar,  Villari- 
nho  e  Viso  (Alto  do)— tomo  11.°  pag.  1:904 
col.  2.*— nota  2 « 

2  Também  no  Algarve,  — em  Monchique, 
a  Cintra  d'aquella  abençoada  região,— com 
surpresa  notei  que  dão  o  nome.de  pomares 
de  castanheiros  aos  grandes  tractos  de  ter- 
reno que  ali  se  vem  povoados  de  castincei- 
ras  ou  castanheiros  baixos  para  córte  de 
madeira  em  períodos  regulares  de  3,  6  ou 
mais  annos,  segundo  a  applieação  que  ten- 
tam dar- lhes. 

São  devesas  lindissimas,  vastíssimas,  que 
só  no  Algarve  se  encontram,  e  no  verão  os 
caminhos  que  atravessam  os  dictos  poma- 
res ou  devesas,  como  se  denominam  fóra  de 
ali,  são  passeios  encantadores,  de  que  ain- 
da me  recordo  e  recordarei  com  saudade. 

Também  só  no  Algarve  se  vê  o  copejar 
do  atum,  semelhando  touradas  no  mar,  por 
vezes  festas  luzidas  e  muito  concorrida», 
como  as  ferras  dos  novilhos,  só  se  veem 
no  Riba  Tejo. 

Ao  sul  da  Beira  Baixa  também  ha  povoa- 
ções denominadas  montes. 

V.  Zebreira,  freguezia  de  Idanha  a  Nova. 


ZAV 


ZAV  207^ 


Fiquei  pois  attonito  quando  fui  a  Miran* 
àa  do  Douro  e  ouvi  denominar  quintas  as 
povoações  de  Aldeia  Nova,  Pena  Branca, 
Val  d' Agia  e  Palancar,  todas  4  pertencentes 
á  freguezia  de  Miranda. 

A  quinta  já  foi  paroehia  independente; 
conta  52  fogos;  tem  uma  egreja  rasoavel 
com  a  invocação  de  Santa  Calhanna,  sacrá- 
rio, pia  baptismal  e  Santissimo  permanente. 
'Dista  de  Miranda  6  kil.  para  N.  N.  E.  e  ali 
costuma  ir  lioje  o  paroeho  de  Miranda  dup- 
plicar  o  sacriQcio  da  missa  nos  domingos  e 
■dias  sanetificados.i 

A  2.»  quinta  (Pena  Branca)  tem  18  fogos 
e  uma  capella  de  S.  Simão. 

Dista  de  Miranda  5  kilometros. 

A  3.»  quinta  tem  20  fogos  e  uma  capella 
^de  Nossa  Senhora  da  Encarnação. 

Demora  no  caminho  de  Miranda  para  a 
quinta  de  Aldeia  Nova,  da  qual  dista  ape- 
nas 1  kil.  para  S. 

A  4.»  quinta  (Palancar)  tem  16  fogos  e 
<uma  capella  de  S.  Jeronymo. 

Dista  de  Miranda  5  kil. 

Ha  também  ua  freguezia  de  Miranda  do 
Douro  mais  3  quintas,  na  aecepção  commum 
d'este  termo,  comprehendendo  certos  chàog 
e  casas  sómeoie  para  os  feitores,  caseiros  e 
jornaleiro?,  abegoarias,  etc. 

São  as  quintas  de  Refega,  S.  Pelaio  e  Val- 
'le  do  Carro,  pertencentes  aos  filhos  de  Ma- 
noel Paulo  de  Sousa,  coronel  d'engenheiros, 
fallecido  nos  princípios  do  corrente  anuo  de 
1889  e  que  era  o  maior  proprietário  da  vil- 
la  e  do  concelho  de  Miranda. 


Pelo  ultimo  recenseamento  a  freguezia  e 
a  cidade  de  Miranda  contava  2S3  fogos  e 
1:072  habitantes;  hoje  conta  mais  alguns, 


1  Em  1757  contava  28  fogos  e  era  curato 
da  apresentação  do  réitor  de  ÍÍTanes . 

V.  Aldeia  Nova  do  Azinhal,  tomo  l."  nag. 
SB,  col.  2.» 


mas,  deduzindo  a  população  rural  das  men* 
cionadas  quintas,  vem  a  ter  a  cidade  pro- 
priamente dieta  apenas  150  a  160  fogos?! . . 

Ê  hoje  a  cidade  mais  pobre  e  mais  peque- 
na de  todo  o  nosso  paiz,  e  longe  de  augmen- 
tar,  diminue,  pois  em  volta  d'ella  não  se  vê 
uma  casa  nova  única,  mas  sómento  pardiei- 
ros negros  e  defumados,  ameaçando  os  tran- 
zeuntes;— o  seu  paço  episcopal  reduzido  a 
paredes  mias— e  as  suas  muralhas  e  fortifi- 
cações desmanteladas  e  em  minas. 

Cortat  fios  almae  cuique  videntil . . . 

É  provável  que  lhe  dô  alguma  vida  a  pro- 
jectada à  já  estudada  linha  férrea  do  Poci- 
nho a  Zamora,  mas  quando  se  fará  ella? 

V.  Miranda  do  Douro  n'esle  diceionario  e 
no  supplemento,  onde  ampliaremos  consi- 
deravelmente aquelle  artigo  com  as  notas 
da  nossa  carteira  colhidas  sobre  o  local. 

Prosigamos. 

A  quinta  de  Zava  é  a  única  povoação  ru- 
ral da  freguezia  e  Villa  do  Mogadouro,  da- 
qual  dista  2:500  metros  para  S.  O. 

É  povoação  muito  antiga;  a  tradição  diz 
que  foi  cidade  no  tempo  dos  mouros  e  que 
então  a  villa  do  Mogadouro  era  uma  peque- 
na aldeia  com  o  nome  de  Maga,  tendo  junto 
de  si  outra,  denominada  Douro,  pelo  que 
veiu  a  ehamar-se  Magadouro.  O  meu  bene- 
mérito antecessor  disse  que  ella  tomou  o  no- 
me de  Macaduron} — mas  nós  suppomos  que 
os  mouros  a  denominaram  Mogador,  como 
recordação  da  pátria  d'elles,  pois  Mogador  é 
uma  villa  e  Castello  de  Marrocos,  distante  5 
milhas  do  occeano,  junto  do  cabo  de  Ozem, 
ou  Ocem,2  e  de  ura  monte  onde  ha  minas 
d'ouro  e  prata. 


1  V.  Mogadouro,  tomo  5.°  pag.  353,  col.  2.* 
Nós  tomamos  conta  d'eáte  diceionario 

quando  já  ia  em  Vianna  do  Castello: 
Suum  cuiquel . . . 

2  Hussein  também  era  nome  árabe  e  d'elle 
com  certeza  proveiu  o  appeliido  nobre  Cem, 
Ocem  ou  Ossem,  que  antigamente  se  usou 
era  Portugal  e  tornou  bem  conhecido  o  len- 
dário Pedro  Cem. 

V.  Nicolau  (S.)  freguezia  do  Porto,  vol. 
6.«  pag.  45,  col.  1.»  e  segg.  —  e  Santarém, 
vol.  8.»  pag.  488,  col.  2.« 


2080  ZAV 


ZAV 


Suppomos  que  Ibe  deram  o  nome  de  Mo- 
gador,  como  recordação  da  pátria  d'elle9, 
assim  como  nós,  quando  povoámos  o  impé- 
rio do  Brazil,  fomos  dando  ás  suas  diversas 
povoações  os  nomes  das  povoações  de  Por- 
tugal. Outras  tomaram  o  nome  dos  seus  fun- 
dadores como  em  Portugal  pelo  mesmo  mo- 
tivo muitas  povoações  conservam  ainda  no- 
mes írabes  e  godos.  N'e8te  diccionario  fi- 
cam indicados  bastantes,  nomeadamente  no 
art.  Vouzella,  e  mais  indicaremos  no  sup- 
plemento,  pois  já  temos  organisada  uma 
extensa  lista. 

Suppomos  por  exemplo,  que  Alfandega  da 
Fé  tomou  o  nome  de  Fez;  que  Villa  Flor 
primeiramente  se  denominou  Villa  de 
Froijla  (nome  godo)~depois  Villa  Frol—e 
por  ultimo  Villa  Flor;  que  a  povoação  e  fre- 
guezia  de  Nabo,  concelho  de  Villa  Flor,  to- 
mou o  nome  do  mouro  Aben,  ou  Iben,  ou 
Ben- Abu;  que  a  quinta  de  Bensaude  do  mes- 
mo concelho  de  Villa  Flor,  tomou  o  nome 
.de  um  mouro  Bensaud; — que  á  villa  de  Cha- 
ves, Aqme  Flaviae  no  tempo  dos  romanos, 
deram  o  nome  os  chavios,  mouros  da  Bar- 
beria, pertencentes  à  província  mais  Occi- 
dental do  reino  de  Fez;i— e  que  a  povoação 
6  quinta  de  Zata  tomou  o  nome  do  mouro 
Zabda,^  etc,  etc. 

Prosigamos. 


A  mencionada  quinta  demora  em  sitio 
fértil  e  ameno,  abrigada  pelo  enorme  roche- 
do ou  monte  da  Penha  de  Zava,  que  tem 
centos  de  metros  de  altura  e  diíTerentes  ca- 
vernas ou  grutas  naluraes,  podendo  abrigar- 
se  em  uma  d'ellas  mais  de  500  cabeças  de 
gado  lanígero,  que  ali  costuma  pernoitarno 
inverno. 

Também  diz  a  tradição  que  nas  dietas  ca- 
vernas viveram  os  mouros,  porque  a  Penha 
de  Zava  foi  Castello  ou  refugio  d'elle8. 

No  tempo  das  armas  brancas  era  muito 


V.  Zenetot  infra  e  no  diccion.  de  Moreri. 
V.  Zabdas  no  mesmo  diccion.  de  Moreri. 


j  defensável  a  dieta  Penha^  e  estamos  certos; 
I  de  que  n'ella  se  refugiaram  mouros  e  chris- 
j  tãos, — godos  e  romanos,— leoneses  e  portu- 
I  guezes,— celtas,  iberos  e  celtiberos,  pois  de 
passagem  diremos  que  este  cantão  foi  habi- 
tado desde  os  tempos  prehistoricos  da  idade 
da  pedra. 

Não  longe  d'aqui  se  encontram  dolmens 
ou  antas^—e  possuímos  2  machados  de  pe-^ 
dra.  encontrados  por  nós,  um  junto  da  cida- 
de de  Miranda,  outro  em  Ventozello,  fre- 
guezia  d'este  concelho  do  Mogadouro,  quan- 
do íamos  de  Miranda  para  a  Barca  d'Alva,  e 
soubemos  que  ali  teem  apparecido  muitos, 
mas  não  lhes  ligam  importância.  O  povo  da- 
Ihes  o  nome  de  pedras  de  raio,  como  no» 
Alemtejo  e  na  Estremadura. 


Junto  da  base  do  grande  rochedo  ha  um 
poço,  a  que  chamam  Poço  dourado,  que  erà 
muito  fundo  e  talvez  tivesse  galerias  late- 
raes,  mas  hoje  está  quasi  entupido  com  pe- 
dras que  08  rapazes  por  mero  divertimento 
para  ali  arrojam. 

No  meiado  d'e9te  século  a  povoação  ou 
quinta  de  Zava  tinha  apenas  4  famílias;  ho- 
je tem  cerca  de  40  fogos;  mas  ali  se  tem  en- 
contrado vestígios  de  população  maior  e 
mais  importante:— pedras  lavradas  e  algu- 
mas ornamentadas,  fragmentos  de  bahús  de 
couro,  grande  quantidade  de  telha,  moedas 
antigas,  carvões,  etc.  não  consta  porem  que 


1  Parece  um  castello  natural  e  recorda  os 
píncaros  do  castello  de  Algoso  a  N.  N.  E.; 
--do  de  Outeiro  a  N.;—  do  de  Anciães  a  S. 
O.; — o  Síonte  do  Faro  a  S.  O.  também,  junto 
de  Villa  Flor,  —  e  o  píncaro  próximo,  onde 
pompeia  o  formoso  e  vistoso  sanctuario  de 
Nossa  Senhora  da  Assumpção,  hoje  o  !.• 
sanctuario  da  província  transmontana. 

V.  Villas  Boas,  tomo  11.*"  pag.  1:402  a 
i:408,  onde  se  encontra  uma  minuciosa  des- 
cripção  d'aquelles  dois  píncaros  e  do  formo- 
so santuário. 

2  V.  N marinho  da  Castanheira,  tomo  H.» 
pag.  1:342,  eol.  2.%  onde  indicámos  3  dol- 
mens. 


ZAV 


ZAV  2081 


ali  jamais  se  fizesse  exploração  regular  oem 
fosse  alguém  estudar  aquellas  velharias. 

Chamamos  para  a  quinta  de 

Zava  ou  do  Zabda  a  altençâo 

dos  areheologos. 


O  ohão  da  mencionada  quinta  é,  como  já 
dissemos,  ameno  e  fértil, — muito  abundante 
d'agua  saborosa^  e  produz  eereaes^  boas  pe- 
ras e  maçans^  etc. 

Consta  que  a  dieta  povoação  foi  outr'ora 
íreguezia. 

Tem  no  centro  uma  eapella  de  Nossa  Se- 
nhora do  Rosario  e  cerca  de  200  metros 
para  o  nascente  ouira  de  Santo  Amaro^  que 
talvez  fosse  a  velha  matriz,  pois  ainda  tem 
pia  baptismal,  onde  se  baptisam  as  creanças 
da  povoação,  —  pia  singela,  mas  elegante, 
muito  antiga  e  volumosa.  Pôde  receber  mais 
de  100  litros  d'agua. 

A  Capella  é  humilde  e  pequena  e  hoje  só 
ali  se  celebra  no  dia  da  festa  e  romagem  de 
Santo  Amaro,~a.  lo  de  janeiro. 

Curiosa  estatística 

O  concelho  do  Mogadouro  pelo  censo  de 
1878  conta  34  freguezias  com  3:8i3  fogos  e 
16:042  habitantes,— e  em  1796,  segundo  se 
lê  na  Descripção  da  Provinda  de  Traz  os 
Montes  pelo  dr.  Columbano  Pinto  Ribeiro  de 
Castro,  juiz  demarcante  da  dieta  provincia,i 
o  concelho  do  Mogadouro  contava  1:630  fo- 
gos e  5:641  habitantes,  sendo  homens  2:761, 
mulheres  2:880,  padres  seculares  51,  frades 
12,  pessoas  liiterarias  3,  sem  occupação  42, 
cirurgiões  7,  barbeiros  8,  boticários  1,  la- 
vradores 621,  jornaleiros  367,  fabricantes  de 
«ourama  11,  alfaiates  40,  sapateiros  77,  car- 
pinteiros 45,  pedreiros  10,  ferreiros  18,  fer- 
radores 3,  almocreves  33,  pastores  78,  cria- 
das 99,  criados  120,  moleiros  e  negociantes 
—nem  um?l » . . 


1  Códice  n.»  486  da  Bibi.  Mun.  do  Porto. 


Terminaremos  dizendo  que  este  concelho 
do  Mogadouro  alem  da  quinta  da  Zava  tem 
outras  muitas  aldeias  ou  povoações  denomi- 
nadas quintas,  taes  são: 

—  Qmbradas,  na  freguezia  de  Castello 
Branco. 

Demora  em  sitio  lindíssimo  na  estrada  de 
Mogadouro  a  Moncorvo  e  tem  cerca  de  40 
fogos. 

—Villar  Secco  e  Porraes,  na  freguezia  de 
Castro  Vicente. 

No  tempo  de  Carvalho  a  1."  tinha  20  fo- 
gos e  a  2.*  16. 

— Medal,  na  freguezia  de  Meirinhos. 

— Salgueiro,  na  freguezia  de  Paradella. 

— Granja,  na  de  Penas  Roias. 

— Santo  Antão,  na  de  Remendes. 

— Granja  e  Gregos,  m  de  Saldanha. 

— Viduedo,  na  de  S.  Paio. 

—Linhares,  na  de  Soutello. 

—Figueira,  na  de  Travanca. 

—Xarás,  na  de  Thó. 

— Souto,  Santo  André  e  Roca,  na  de  Val- 
verde. 

—Paçô  e  S.  Thiago,  na  de  Villa  d' Ala. 
••-  Villariça,  Velariça  ou  Velar  isca,  na  de 
Variz. 

Dizem  que  esta  ultima  quinta  já  foi  fre- 
guezia própria,  pelo  que  tanto  esta  como  to- 
das ou  quasi  todas  as  outras  quintas  d'este 
concelho  e  do  de  Miranda  se  denominam 
também  anncajas,— parochias  extinctas,  an- 
nexadas  a  outras. 
I  No  concelho  de  Moncorvo  também  ha 
muitas  povoações  ou  aldeias  com  o  mesmo 
nome  de  quintas. 

ZAVALCHEN  —  Assim  era  denominado 
entre  os  mouros  o  magistrado  que  decidia 
as  suas  causas  e  fazia  dar  execução  ás  sen- 
i  tenças— e  só  elle  podia  authentiear  com  a 
sua  firma  qualquer  instrumento. 

Vem  de  Zaval,  que  corresponde  ao  latino 
Dominus,—e  archen,judiciorum,  por  ser  en- 
tre elles  Dominus  judiciorum. 

Acha-se  nos  documentos  de  Hespanha. 

ZAVALMEDINA,  ZAHALMEDINA,  ZAL- 
MEDINA,  Çahalmedina  e  Salmeiina,  —  vo- 
cábulos frequentes  nos  documentos  de  Hes- 
panha até  o  sec.  xni. 


2082  ZEB 


ZEB 


Era  o  pretor  da  cidade,  a  quem  pertencia 
por  comraissão  do  príncipe  ou  do  rico-ho- 
mem  todo  o  governo  politico  e  civil  da  res- 
pectiva povoação. 

Denominava -se  em  latim  Vice-Dominus 
Civitatis. 

ZEBRA— animal  como  a  mula,  cinzento  e 
com  raias  negras  pelo  corpo.  Vem  da  Afri- 
ca e  talvez  introduzido  pelos  mouros,,  abun- 
dou outr'ora  em  alguns  pontos  do  nosso 
paiz,  como  provam  as  diíTerentes  terras,  al- 
deias, casaes  e  quintas  que  ainda  hoje  con- 
servam os  nomes  de  Zebra,  Zebral,  Zebras, 
Zebreira,  Zebrinhn,  Zebro  e  Zebros. 

Viterbo  no  Elucidário  art.  Zevro,  diz  que 
outr'ora  Zebro  e  Zebra  significavam  boi  ou 
vaca,  novilho  ou  vitdla,  e  cita  era  favor  da 
sua  opinião  o  foral  de  Lisboa  de  1179,  no 
qual  se  lô  o  seguinte: 

Dent  de  foro  de  vaca  l  denarium,  et  de 
zevro  unum  denarium.  De  coriis  boum  vel 
zevrarum,  vel  cervorum  dent  médium  mora- 
bitinum. 

Em  vulgar:  «Paguem  de  fôro  por  cada  vae- 
ca  um  denario  e  por  cada  zebra  um  dena- 
rio.  Dos  couros  dos  bois,  ou  das  zebras,  ou 
dos  veados  dêem  meio  morabitino.» 

Do  exposto  se  vê  que  o  foral  não  confunde 
mas  distingue—o»  bois,  as  zebras  e  os  vea- 
dos, pelo  que  Viterbo,  cuja  memoria  muitís- 
simo respeitamos,  n'este  ponto  claudicou.  As- 
sim o  advertiu  já  também  o  sábio  João  Pe- 
dro Ribeiro,  pois  em  uma  nota  d'elle  ao 
mesmo  artigo  se  lô  na  2.»  edição  do  Eluci- 
dário: 

«Zevro,  Zebro,  ou  pedra  zebral  nada  tem 
com  gado  vaccum.  Ê  um  animal  bem  co- 
nhecido, e  que  entre  nós  em  outros  tempos 
era  vulgar,  dando-se  comtudo  ás  suas  pel- 
les  mais  valor  que  ás  dos  outros  animaes.  A 
Africa  é  que  hoje  abunda  na  sua  creação.» 

ZEBRAL— portuguez  ant.— peso  de  pedra, 
assim  denominado. 

O  foral  de  Cêa  de  1136  diz; « . .  .o  Carni- 
ceiro dê  dois  lombos  de  porco  e  de  boi  ou 
vaca  huma  pedra  zebral.*  Livro  dos  Foraes 
velhos. 

«Eu  me  persuado  (diz  Viterbo)  que  por 
esta  Pedra  zebral  se  entende  o  peso  de  uma 
arroba,  que  particularmente  servia  para  se 


pesar  no  açougue  a  carne  de  vaca;  pois  não 
julgo  os  Portuguezes  d'aquelle  tempo  tãa 
anatómicos,  que  procurassem  a  pedra,  que 
se  gera  no  boi,  ou  vaca,  á  qual  chamam 
ovos  de  vaca,  e  he  pedra  bazar,  ou  Pazahar^ 
a  que  se  altribuem  grandes  virtudes  contra 
venenos,  e  algumas  outras  enfermidades.» 

Digam  os  sábios  da  escriptura 
Que  segredos  são  estes  da  natura'^\ . . . 

ZEBRAL— aldeia  da  freguezia  de  RuivãeSs. 
concelho  e  comarca  de  Vieira. 
V.  Ruivães,  tomo  8.*  pag.  258,  col.  2.« 
A  dieta  aldeia  é  muito  antiga  e  n'ella  to- 
cava uma  das  duas  estradas  romanas  de 
Braga  para  Astorga  por  Chaves. 
V.  Vitlarinho  do  Arco,  tomo  11.°  pagi 
j  1:326,  col.  2.«  e  seguintes,  onde  descreve- 
mos as  dietas  estradas,  indicando  o  traçada 
!  de  cada  uma  d'ella3  a  pag.  1:328 — e  as  po- 
voações em  que  tocavam,  tal  era  a  de  Ze- 
bral.^ 

Segundo  se  lô  na  Corogr.  Port.  a  dieta- 
povoação  em  1706  contava  28  fogos  e  segun- 
do diz  Argote  uas  Mem.  de  Braga,  tomo  2.*^ 
pag.  575,  580,  587  e  633  — e  tomo  3.°  pag. 
195  e  202,  é  ionegavel  qoe  passou  por  ali 
uma  das  ditas  estradas  romanas,  e  aponta 
dois  fragmentos  de  marcos  milliarios  que 
ali  apparecerara. 

tNo  logar  do  Zebral  (diz  elle)  na  estrada 
de  Braga  para  Chaves,  estão  dois  Padroens, 
hum  quebrado  que  está  ao  pé  da  capella  de 
S.  Martinho,  e  tem  de  comprido  dois  palmos, 
e  meio,  e  oito  de  grosso,  com  as  leiras  se- 
guintes: 

Es  ar.  aug 
str.  XVIII 

«O  outro  está  era  huma  parede  junto  da 
capella,  e  tem  nove  palmos  de  comprido,  e 
de  grosso  oito,  também  com  estas  letras: 


^  Rectificação. 

No  artigo  eit.  pag.  1:227,  col.  2.»  in  fine^, 
em  vez  de  Portugalliae  Monumenta  leia-se 
Portugalliae  Inscript  tones. 


ZEB 

Caesar,  aug. 
imp.  V.  pot. 
III 

tAmbos  08  sobreditos  he  certo,  erão  co- 
lumoas  e  medidas  de  caminho;  mas  não  se 
pôde  eolligir  a  qae  Emperador  se  dedica- 
rão.» 


Estas  mesmas  inseripções  se  encontram 
sob  os  n.<"  136,  137  e  146  no  PortugallicB 
inscriptiones  romance  de  Levy  Maria  Jordão 
— e  mais  5  da  dita  estrada  se  encontram  no 
art.  Sanguinhedo,  tomo  8.»  pag.  393,  eol.  l.» 
e  segg.  alem  d*OQtras  muitas  apontadas  nos 
art.  Braga,  Chaves,  Villarinho  do  Arco,  ete. 
ete. 

ZEBRAS— aldeia  de  Traz  os  Montes,  vi- 
sinha  da  de  Vai  d'Egoa  e  da  de  Santarém, 
—segundo  diz  Argote,  nas  suas  Memorias 
de  Braga,  tomo  2.»  pag.  496,— accreseentan- 
do  que  na  dicla  aldeia  de  Santarém  se  en- 
contravam ruinas  de  uma  grande  povoação 
romana. 

V.  Santarém  (Mtio)  vol.  8."  pag.  444, 
col.  2.» 

Não  sabemos  com  certeza  a  que  freguezia 
pertencem  aquellas  3  aldeias. 

Na  provioeia  de  Traz  os  Montes  não  co- 
nhecemos aldeia  alguma  denominada  hoje 
Santarém. 

Gora  o  nome  de  Zebras  ha  n'aquella  pro- 
víncia uma  aldeia,  pertencente  a  freguezia 
de  S.  Nicolau  dos  Valles,  concelho  de  Vai 
Paços,! — e  parece  que  Argote  se  refere  à 
dieta  aldeia,  porque  a  dieta  parochia  é  li- 
milrophe  e  visinha  da  de  Jou,  na  qual  se 
encontra  uma  aldeia  com  o  nome  de  Val 
d^Egoà^—e  são  estas  as  untcas  aldeias  as- 
sim denominadas  na  província  de  Traz  os 
Montes,  mas  Argote  diz  que  distam  de  Cha- 
ves 4  legoas— não  muito  para  a  parte  do 
Sul,  emquauto  que  as  fregueziàs  de  Valles  e 


1  V.  Valles,  tomo  10.»  pag.  177,  col.  2». 
m  fine. 

2  V.  Jou,  tomo  3.»  pag.  420,  eol.  1." 


ZEB  2083 

Jou  distam  de  Chaves  cerca  de  33  kil.  para 
S.  S.  E.— quasi  na  linha  Sul. 


Nós  já  passámos  a  meio  d'ellas  em  setem- 
bro de  1883,  indo  de  Chaves  para  Mirao- 
della  por  Carrazedo  de  Moutenegro  e  Fran- 
co, pois  demoram  euire  estas  duas  fregue- 
ziàs ultimas.  Deixámos  a  dos  Valles  à  es- 
querda— e  a  de  Jou  a  direita. 

Jou  dista  de  Carrazedo  10  kil.  para  S.  e 
do  Franco  5  para  N.  O.— A  freguezia  de  S. 
Nicolau  dos  Valles  disia  de  Carrazedo  cer- 
ca de  12  kil.  para  S.  S.  E.;  7  do  Jou  para 
E.  S.  E.; — 5  a  6  da  povoação  e  freguezia  do 
Franco  para  N.,  mettendo-se  de  permeio  a 
Serra  de  Santa  Comba,— e  15  de  Mirandella 
para  O. 

A  povoação  ou  aldeia  de  Zebras  parece 
que  foi  outr'ora  freguezia  independente  e 
dista  da  matriz  de  S.  Nicolau  dos  Valles 
2:300  metros  para  S.  O. 

Na  pendente  N.  da  Serra  de  Santa  Com- 
ba—talvez no  termo  da  freguezia  dos  Fo/- 
/es— vimos  nós  claros  vestígios  de  castellos 
e  fortificações,  mas  distavam  alguns  kilo- 
metros  do  caminho  que  seguíamos,  —  era 
tarde, — íamos  em  um  cavallo  d'alugael 
aberto  dos  peitos,  que  já  ires  Vdzes  havia 
caído  por  terra  comnosco  e  por  isso  não  nos 
apeámos  nem  fomos  visitar  aquellas  ruiuas, 
que  talvez  fossem  as  indicadas  por  Argo- 
te?! . . . 

j  Com  relação  à  triste  e  pobre  aldeia  e  fre- 
guezia do  Franco— veja -se  o  art.  Villa  Boa, 
\  tomo  11."  pag.  667,  col.  2.»  infine — e  Fran- 
í  CO  a'este  dieeionario  e  no  supplemento,  on- 
!  de  daremos  noticias  curiosas  e  horrorosas 
I  d'aquella  freguezia,  onde  pernoitamos,  tre- 
mendo cora  medo! .  . . 
i    É  um  covil  de  desordeiros  e  assassinos. 


;  Tem  uma  feira  muito  antiga,  na  qual 
tem  havido  muitas  desordens,  muita  panca- 
daria, ferimentos  e  mortes  e  poucos  mezes 
depois  de  nós  ali  estarmos,  deu-se  no  Fran- 
co o  facto  seguinte: 

Um  homem  da  localidade  leve  certa  al- 
tercação com  um  filho  do  regedor  e  deu-lhe 


2084  ZEB 


ZEB 


uns  bofetões.  O  regedor  immedialamenie 
reuDiu  os  seus  cabos  de  policia  (?);  assaltou 
com  elles  a  casa  do  tal  homem;  arromba- 
ram-lhe  a  porta  a  oiachado  e  deram-lhe  18 
tiros  à  queima-roupa,  matando-o  barbara- 
mente. E  esteve  insepulto  alguns  dias,  por- 
que o  regedor  disse  ao  paroeho  que  lhe  fa- 
zia o  mesmo,  se  fosse  acompanhar  o  cadá- 
ver do  pobre  homem.  Foi  sepultado  por  al- 
gumas mulheres  da  mesma  povoação,  pas- 
sados dias. 

,  E  note-se  que  o  Franco  não  está  em  sitio 
ermo.  Demora  na  entrada  real  a  maeadara 
de  Villa  Real  a  Mirandella  e  Bragança,— e 
dista  de  Mirandella,  séde  do  concelho  e  da 
comarca,  apenas  15  kil.  para  O.  S.  O. 
Vade  retrol . . . 

Terminaremos  dizendo  que  era  1706  as  fre- 
guezias  de  Valles  e  Jou  pertenciam  ao  ter- 
mo e  concelho  da  villa  de  Chaves  (?)  e  con- 
tavam in  illo  tempore:  a  povoação  de  Val 
d'Egoas  8  fogos— e  a  de  Zebras  16,  como 
diz  Carvalho  na  Corogr,  Port.  tomo  1."  pag. 
809. 

ZEBRAS  e  Torre —  freguezia  do  concelho 
6  comarca  do  Fundão,  distrirto  de  Castello 
Branco,  diocese  da  Guarda,  província  da 
Beira  Baixa. 

Orago  Nossa  Senhora  da  Assumpção. 

Curato. 

Em  1708  era  da  apresentação  do  vigário 
de  Castello  Novo— e  contava  apenas  20  fo- 
gos. 

Em  1768  era  curato  da  mesma  apresen- 
tação; rendia  para  o  cura  12^000  réis,  alem 
do  pó  d'altar— e  contava  82  fogos. 

O  Flavíense  em  1852  deu-lhe  43  fogos 
Hoje  não  sabemos  qual  a  sua  população,  por 
que  foi  annexada  civilmente  à  de  Orca  e 
os  censos  de  186i  e  1878  uniram  a  popu- 
lação das  duas. 

V,  Orca,  tomo  6.°  pag.  291,  col.  1.» 

A  povoação  de  Zebras  demora  na  m.  e. 
do  no  Alpreade,  do  qual  dista  1  kil.  para 
E.  e  20  da  villa  do  Fundão  para  S.  S.  E. 

Comprehende  esta  parochia  algumas  aze- 
nhas no  rio  Alpreade  até  à  distancia  de  5 
kilometrps— e  também  comprehendeu  e  não 
sabemos  se  comprehende  ainda  uma  aldeia, 
denominada  Torre. 


Junto  da  povoação  de  Zebras  ha  uma 
fonte  d'agua  sulfúrea  fria,  com  o  nome  de 
Fonte  Santa. 

O  rio  Alpreade  vem  da  serra  da  Gardunha 
e  cora  a  ribeira  de  Ceife,  que  vem  de  Pena- 
macor, formam  o  rio  Ponsul,  qne  morre  na 
m.  d.  do  Tejo. 
\    V.  Alpreade  e  Ponsul. 
I    Esta  freguezia  pertenceu  ao  concelho  de 
j  Alpedrinha  até  1885,  data  em  que  foi  ex- 
tineto  aquelle  concelho  e  a  pobre  freguezia 
passou  para  o  do  Fundão. 

ZEBREIRA  —  villa  extincta,  hoje  simples 
fregueziík  do  concelho  e  comarca  de  Idanha 
a  Nova,  dislrícto  de  Castello  Branco,  bispa- 
{  do  de  Portalegre,  província  da  Beira  Baixa. 
Orago  Nos-a  Senhora  da  Conceição. 
Vigairaria. 

Fogos  486,  habitantes  2:150,  comprehen- 
dendo  a  extincta  parochia  de  ToulÕes.  sua 
annexâ. 

Em  1708  pertencia  ao  bispado  da  Guar- 
da^  comarca,  corregedoria  e  provedoria  de 
Castello  Branco;  era  villa  dos  Mameis,  con- 
des de  Villa  Flor,  seus  donatários,  mas  vi- 
gairaria da  apresentação  da  O.  Ch. — e  con- 
tava 136  fogos. 

Em  1768  era  villa  e  vigairaria  do  mesmo 
bispado  e  da  mesma  comarca,  mas  da  apre- 
soDiaçâo  da  coroa  pelo  tribunal  da  mesa  da 
consciência;  rendia  para  o  vigário  40ííi000 
réis,  afora  o  pé  d'altar— e  contava  190  fo- 
gos. 

O  Flaviense  em  1852  (tendo  jà  anneta 
a  freguezia  de  Toulões)  deu-lhe  297  fo- 
gos. 

O  censo  de  186i  deu-lhe  386  fogos  e 
1:475  habitantes,  no  que  não  ha  proporção 
porque  386  fogos  deviam  dar  pelo  menos 
1:600  habitantes. 

O  censo  de  187H  deu  lhe  400  fogos  e 
1:532  habitantes,  no  que  também  não  ha 
proporção,  porque  os  400  fogos  deviam  dar 
j  pelo  menos  1:700  habitantes. 

Hoje  (1889)  segundo  us  apontamentos  que 
recebi  da  localidade  tem,  como  jà  disse,  486 
fogos  e  2:150  habitantes,  comprehendendo, 
como  jà  coraprehendia  em  1852,  o  monte  ou 
povoação  (freguezia  extracta)  de  Toulões 
com  70  fogos,  —  o  monte  (aldeia  ou  povoa* 


ZEB 


ZEB  2085 


ção)  de  Val  de  Cardas  cora  8  fogos  —  e  a 
povoação  da  Zebreira  com  408  fogos. 


O  monte  (aldeia)  de  Toutões  dista  da  Ze- 
breira 8  kil.  para  N.  N.  E.  e  suppomos  que 
primitivamente  se  denomioava  Tourões,  de 
tourão,  saearrabo,  bicho  que  come  galli- 
nhas,  porque  talvez  outr'ora  ali  abundas- 
sem aquelles  bichos.^ 

Também  suppomos  que  a  freguezia  e  po- 
voação da  Zebreira  foi  assim  denominada, 
porque  no  seu  termo  oulr'ora  talvez  abun- 
dassem zebras,  como  ainda  hoje  abundam 
lobos,  javalis,  tourões,  raposas  e  outros 
aniraaes  damninhos,  bem  como  bois,  vác- 
uas, porcos  e  gado  de  toda  a  espécie. 

Para  evitarmos  repetições,  vejam  se  os 
artigos  supra — Zebro  e  Zebras,  freguezia 
extiueta,  annexa  á  de  Orca  no  concelho  do 
Fundão,  vizinho  d'este  de  Idaoha  a  Nova— 
e,  segundo  me  consta,  ainda  no  termo  e  a 
N.  da  Zebreira  ha  um  sitio  denominado  Ze- 
òro,  que  também  corrobora  a  minha  opi- 
nião. 

Carvalho  e  outros  denominaram  esta  pa- 
rochia  Zíbreira,  mas  a  denominação  mais 
correcta,  vulgar  e  oíBcial  é  Zebreira. 

Nós  temos  também  varias  povoações  e 
uma  freguezia  denominadas  Zibreira,  mas 
suppomos  que  este  nome  provem  de  azinho 
muito  impropriamente  e  talvez  corrupto 
vocábulo  também  denommado  zimbro,  que 
abunda  ou  abundou  n'aquelles  sítios  e  abun- 
da n'esta  parochia. 

V.  Azenhal,  Azinha,  Azinhoso,  Zibreira  e 
Zimbro. 

A  povoação  da  Zebreira  demora  em  sitio 
altOj  alegre  e  muito  vistoso,  entre  os  rios 
Elga  e  Aravil,  confluentes  do  Tejo, — na  ve- 


1  V.  ToulÕes,  vol.  9.°  pag.  701,  col.  2.» 

Do  exposto  se  vé  que  na  Beira  Baixa 
também  temos  aldeias  ou  povoações  deno- 
minadds  montes,  como  no  Alemtt-jo,  st^odo 
algumas  bastante  populosa."*.  W.ZavaQ  Vtlla. 


lha  estrada  de  Idanha  a  Nova  para  a  villa 
e  ponte  de  Segura  e  na  estrada  nova  a  ma- 
cadam  íreal,  n.»  16)  da  Abrantes  a  Salva- 
terra do  Extremo. 

Dista  do  Aravil  7  kilometros  para  E.;  9 
da  ponte  de  Segura  ou  do  Elga  para  O.N.O.; 
15  de  Salvaterra  do  Extremo  para  O.  S.  O.; 
20  de  Idaoha  a  Nova  para  S.  E.;  44  de  Cas- 
tello Branco;  118  de  Portalegre;  ISO  da  es- 
tação d'Abrantes  na  linha  férrea  de  Leste; 
305  de  Lisboa  e  408  do  Porto. 

Este  trajecto  deve  soífrer  alguma  modi- 
ficação e  tornar-se  mais  commodo,  logo 
que  se  abra  ao  transito  a  linha  da  Beira 
Baixa  prestes  a  concluir-se  e  que  toca  em 
Castello  Branco. 


Esta  parochia  da  Zebreira  tem  uma  area 
vastíssima,  depois  que  lhe  annexarara  a  fre- 
guezia de  ToulÕes.  Actualmente  as  suas  pa- 
rochias  límitrophes  são  as  seguintes:  —Se- 
gura a  8  kil.  para  E.  S.  E  ;  Rosmaninhal  a 
15  kil.  para  S.;  AK^afozes  a  15  kil.  para 
N.  N.  O.;  Salvaterra  de  Extremo  a  13  kil. 
para  E.  N.  E.;  idanha  a  Nova  a  20  para  N.  O. 
e  Ladoeiro  a  20  para  O.  S.  O. 

O  seu  chão  é  bastante  secco,  mas  fértil. 
Banham-na  a  O.  o  rio  Aravil  e  oe  ribeiros 
de  Calacú  e  Toulico,  nos  quaes  a  3  kil.  da 
Zebreira  tem  2  moinhos  que  trabalhara  ape- 
nas alguns  dias  no  rigor  do  inverno,  pois 
na  estiagem  aquelles  ribeiros  somem-se  e 
na  primavera  e  outomno  são  microscópi- 
cos; mas  differentes  proprietários  da  Ze- 
breira teem  moinhos  e  aienhas  no  Elga,  on- 
de moem  o  pão  que  se  ga3ta  na  freguezia.^ 
í    Produeções  dominantes. — cereaes  de  pra- 


1  Note-se  quaalguos  annos  na  estiagem  o 
próprio  Elga  e  o  Aravil  seccam  completa- 
mentel  Apenas  ficam  de  longe  em  longe  al- 
guns charcos  e  poços  onde  lavara  a  roupa  e 
se  banham  os  cevados.  Morre  muito  gado 
ovino  e  caprino  com  sede;  damnam  se  mui- 
tos lobos  e  cães  por  falta  d'agua— e  os  ha- 
bitantes da  Zebreira  e  de  Salvaterra  do  Ex- 
tremo vão  até  8  a  10  legoas  pela  Hespanha 
dentro  para  moerem  o  pão?! . . . 


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ZEB 


gana— trigo,  centeio,  cevada  e  aveia.  Milho, 
pouco. 

Também  produz  alíum  azeite,  mas  podia 
8  devia  produzir  muito  mais,  porque  no  seu 
chão  as  oliveiras  desenvolvem-se  admira- 
velmente, couservando-se  sempre  viçosas  e 
muito  vigorosas  sem  ferrugem  ou  qualquer 
outra  doença,— attingem  proporções  colos- 
saes  e  o  fructo  é  de  excellente  qualidade  e 
muito  volumoso]  Talvez  maior  do  que  a  azei- 
tona d'Elvas  e  de  Sevilha,  pelo  que  nos  últi- 
mos annos  (em  augmeniado  bastante  a  p/an- 
tação  dos  olivedos. 

Também  produz  algum  vinho,  maduro  e 
de  boa  qualidade,  e  podia  e  devia  ser  tam- 
bém o  vinho  uma  das  suas  producçòes  do- 
minantes, ou  mesmo  a  principal,  porque  no 
seu  chão  é  pasmosa  a  vegetação  das  videi- 
ras. A  produeção  não  corresponde  á  vege- 
tação, talvez  por  não  serem  apropriadas  ao 
solo  as  castas  das  videiras  e  a  sua  poda  e 
empa,  mas  nos  últimos  annos  tem  augmen- 
tado  também  bastante  a  plantação  dos  vi- 
nhedos.i 

Depois  dos  eereafs  a  riqueza  maior  d'e8ta 
fregupzia  é  a  creação  de  gado  de  toda  a  espé- 
cie:— ovíqo,  bovino,  cavallar  e  azinino,  ca- 
prino e  suíno,  pois  tem  alguns  montados 
d'azinho,  cuja  prodiicção  é  espaníosal 

Deve  crear  aproximadamenie  por  anno 
150  jumentos,  250  bois,  1:000  cabras,  1:000 
porcos  e  2:000  ovelhas. 

Também  colhe  algumas  batatas;  lem  3 
azenhas  para  o  fabrico  do  seu  azeite^  movi- 
das por  gado,-- -e  nos  seus  montes  muita 


1  O  distrieto  de  Castello  Branco  produz 
muito  pouco  vinho,  porque  o  não  cultivam, 
pois  na  maior  parte  do  distrieto,  —  exce- 
ptuando as  grandes  altitudes  das  serras  — 
a  vinha  dá-se  bera  e  o  vinho  é  maduro  e 
bom.  Dos  seus  12  concelhos  o  que  mais  vi- 
nho actualmente  produz  é  o  de  Penamacor, 
—Bairrada  da  Beira  Baixa. 

Os  vallados  para  a  plantação  da  vinha  na 
Zebreira  são  abertos  a  picareta  —  e  as 
terras  de  cereaes,  por  serem  pouco  fundas, 
são  quasi  todas  lavradas  por  jumentos,  ca- 
vallos  e  muares,  que  tiram  pequenos  ara- 
dos. 


caça  grossa  e  miúda:— lebres,  coelhos,  per- 
dizes, gamos  e  veados,  lobos,  raposas,  fui- 
nhas, tourões,  javalis,  balardas  ou  abetar- 
das,  abutres,  águias  e  muitas  cegonhas,  que 
.são  a  limpeza  dos  campos  e  searas  e  costu- 
mam fazer  o  ninho  sobre  os  campanários  e 
torres  e  sobre  os  rolheiros  do  pão. 

Do  exposto  se  vê  que  esta  parochia  teo* 
muitos  elementos  de  riqueza  e  um  auspicio- 
so futuro,  e  deve  prosperar  bastante  com  a 
nova  e  recente  estrada  a  maeadara  para 
Castello  Branco  e  para  Salvaterra  do  Extre- 
mo, onde  se  liga  a  outras  da  Hespanha. 
Além  d'isso  os  seus  habitantes  são  bem  rao- 
rigerados,  pacíficos,  aíTaveis  e  dóceis,  muito 
trabalhadores  e  muito  respeitadores  da» 
leis  divinas  e  humanas. 


A  tradição  diz  que  esta  villa  é  relativa- 
mente moderna  e  oriunda  de  Idanha  a  No- 
va. Narra  a  sua  fundação  do  modo  se- 
guinte: 

Os  habitantes  de  Idanha  a  Nova,  tentado» 
pela  fertilidade  e  belleza  d'este  chão  deno- 
minado Zebros  in  illo  íempore,  trataram  de 
o  agricultar  e,  comb  ficasse  distante,  aqui 
fizeram  algumas  pobres  cabanas  para  se 
abrigarem  da  intempérie  e  recolherem  e 
guardarem  os  seus  gados,  os  seus  género» 
e  os  uteosilios  da  lavoura. 

Com  o  tempo  augmentou  a  dieta  colónia; 
as  pobres  choupanas  foram  substituídas  por 
casas  e  assim  se  formou  um  povoado  que 
do  primitivo  nome  de  Zebros  se  denominou 
Zebreira  e  chegou  a  ser  villa  e  séde  de  con- 
celho com  justiças  próprias.  Fm  1833  coma 
exlincção  dos  donatários  perdeu  aquella» 
preeminências,  mas  ainda  conserva  como 
padrão  de  gloria  a  velha  casa  da  camará,  a 
cadeia  e  o  pelourinho  e,  se  hoje  não  é  villa 
e  séde  de  concelho,  ó  a  freguezia  mais  po- 
pulosa e  mais  importante  do  concelho  e  da 
comarca,  depois  de  Idanha  a  Nova. 

Extincto  o  seu  concelho,  passou  para  o  de 
Salvaterra  do  Extremo  até  24  d'outubro  de 
1855,  data  em  que  se  extinguiu  aquelle  con- 
celho também  e  passou  para  o  de  Idanha  a 
Nova,  a  cuja  comarca  pertencia  desde  a  or- 


ZEB 


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gaoisaçSo  da  nova  magistura  e  extiocçâo  dos 
provedores  e  corregedores. 

Ecelesiasticamente  pertenceu  ao  bispado 
da  Guarda  até  1771,  data  era  que  se  creou 
o  bispado  de  Castello  Branco,  ao  qual  ficou 
pertencendo  até  1882,  data  em  que  pela 
nova  organisação  das  dioceses  se  extinguiu 
a  de  Castello  Branco  e  ficou  pertencendo  à 
de  Portalegre. 


Ainda  se  vê  na  Praça  a  casa  da  camará  e 
o  pelourinho. 

A  casa  da  camará  era  humilde  e  n'ella  es- 
tão hoje  a  escola  de  instrucção  primaria  do 
sexo  masculino  e  o  tribunal  do  juiz  ordiná- 
rio. 

A  casa  que  servia  de  cadeia  foi  transfor- 
mada em  uma  torre,  na  qual  pozeram  um 
relógio,  que  actualmente  existe. 

O  pelourinho  tem  na  base  a  data— 1686 
— e  termina  em  forma  de  pyramide  qua- 
drangular, tendo  em  uma  das  faces  em  rele- 
vo 2  leões  e  2  braços  armados  de  cutello; 
na  face  opposta  uma  esphera  armillar;  em 
uma  das  outras  faces  um  braço  com  um  cu- 
tello e  um  escudo  encimado  por  uma  coroa; 
— na  face  restante  uma  flor,  que  parece  um 
amor  perfeito. 

A  coroa  e  a  flor  muito  provavelmente  al- 
ludem  aos  condes  de  Villa  Flor,  outr'ora  do- 
natários da  Villa. 

Herdades  e  montes 

Comprehende  esta  parochia  a  grande  her- 
dade de  Sonde  e  os  montes  (aldeias)  de  Tou- 
Iões  e  Val  de  CardasA  O  1.»  foi  parochia;  o 
2.»  perteaeia  aos  antigos  fidalgos  Pancas, 
de  Lisboa,  e  hoje  pertence  ao  visconde  de 
Morão,  Francisco  José  Morão,  de  Castello 
Branco. 

A  herdade  de  Soude  consta  de  3  folhas  e 
pertenceu  a  uma  senhora,  que  a  deixou  ao 
collegio  da  Madre  de  Deus  da  cidade  de 


1  Comprehende  também  as  quintas  de  Ta- 
pada do  Fidalgo  e  Lagôinha. 


Évora.  Hoje  pertence  á  fazenda  nacional, 
mas  somente  o  direito  dos  pastos,  desde  29^ 
de  setembro  até  o  dia  10  de  março  seguin- 
te— e  o  dos  agostadouros  (?)  da  primavera 
e  do  verão, — bem  como  o  direito  de  receber 
como  recebe,  de  cada  lavrador  visinho  2  al- 
queires (61  litros)  melados,  de  trigo  e  cen- 
teio, a  titulo  de  renda  do  pão  que  cada  um 
ali  semeia. 

Os  lavradores  visinhos  teem  direito  á 
fruição  de  tudo  o  mais  que  contem  e  pro- 
duz a  dieta  herdade,  comprehendendo  os 
pastos  desde  29  de  setembro  até  o  dia  10  do 
mez  de  março  seguinte,  mas  somente  os 
pastos  da  terça  parte  do  terreno  que  no  in- 
verno se  ha  de  alqueivar,  pois  como  já  dis- 
semos, a  dieta  herdade  anda  dividida  em 
tres  folhas. 

Do  que  muito  summariameaie  fica  expos- 
ta se  vé  que  é  muito  complicada  a  fruição 
da  dieta  herdade. 

Se  o  povo  da  Zebreira  não  fosse  tào  dó- 
cil e  pacifico,  não  faltariam  desgostos,  des- 
ordens e  demandas  —  e  teria  acabado  ha 
muito  semelhante  anomalia! . . . 

Largos,  praças  e  ruas, — fontes,  poços  e  feiras 

A  Villa  da  Zebreira  demora  em  sitio  rela- 
tivamente alto,  mas  pouco  Íngreme,  termi- 
nando em  planura  cora  cerca  de  ;387  metros 
de  altitude  sobre  o  nivel  do  mar,  como  in- 
dica a  sua  pyramide  geodésica,  muito  pró- 
xima. 

A  povoação  está  no  meio  de  dois  campos 
espaçosos  e  foi  outr'ora  defendida  por  um 
Castello,  mandado  fazer  por  et  rei  D.  João 
IV  no  tempo  da  guerra  da  restauração, — 
Castello  hoje  desmantellado  e  em  ruioas. 

Não  tem  edifliMos  notáveis.  Os  seus  tem- 
plos todos  são  humildes  e  a  casa  melhor, 
posto  que  bastante  modesta,  é  a  do  viscon- 
de de  Morão. 

As  ruas  principaes  são  as  seguintes  :  — 
Espirito  Santo,  Castello,  Gorrão,  Nova  de  S. 
Sebastião,  Terreiro,  Porta,  Fragua,  Curral, 
Velha  de  S.  Sebastião,  Aviceiro,  Amoreira  e 
2  largos:— Adro  e  Praça. 

A  leste,  ou  do  lado  da  Hespanha,  tem  um 


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ZEB 


bom  campo — e  do  lado  oeste  outro  campo, ' 
muito  mais  espaçoso  e  muito  mais  bonito. 

0  1.»  denomiua-se  A  Nave  e  é  uma  for- 
mosa planície,  mas  nua  e  com  pequeno  no- 
risonte,  por  estar  em  sitio  baixo.  Este  cam- 
po é  logradouro  eomraum  e  n'elle  ha  4  ro- 
das de  fazer  louça  ordinária  e  3  fornos  para 
cozer  a  mesma  louça.  Também  ali  se  fabri- 
ca telha  e  se  coze  em  dois  fornos  particula- 
res e  um  paroehial. 

São  estas  as  únicas  industrias  da  Ze- 
breira. 

Ha  também  n'este  largo  (a  O.)  uma  Ca- 
pella de  S.  Sebastião — e  junto  do  caminho 
que  vae  para  Segura  e  Salvaterra  do  Extre- 
mo ha  uma  pequena  lagôa,  que  se  alimenta 
d*aguas  pluviaes— grande  fó.ío  de  infecção!... 

í 

O  outi-o  campo  denoraina-se  Devesa  e  é 
um  dos  campos  mais  formosos  emais  espa- 
çosos que  se  encontram  na  província. 

Está  todo  povoado  de  azmheiras  publicas 
e  oliveiras  particulares, — e  é  muito  plano  e 
muito  vistoso.  D'elle  se  descobre  um  largo 
horisonte  e  um  panorama  lindíssimo  :  —  as 
serras  da  Estrella  e  da  Gardunha  e  outras 
muitas  de  Portugal  e  da  He?panha,  bem  co- 
mo  uma  larga  e  visiosa  campina  e  muitas 
povoações  hespanholas  e  portuguezas,  taes 
são  Idanha  a  Nova,  Castello  Branco  e  alem 
da  raia  Penatifl,  Pedras  Alvas,  etc. 

Ha  n'eáte  campo,  do  lado  da  villa  (nas- 
cente) uma  Capella  de  Nossa  Senhora  da 
Piedade— e  do  lado  sul  um  poço  publico  e  | 
quadrilongo  de  7  metros  de  comprido  e  5 
de  largura  com  guardas  de  pedra  e  agua 
nativa  potável,  mas  salobra.  E'  óptima  para 
o  gado,  porque  tem  a  virtude  de  expelliras 
sanguesugas  que  estejam  presas  na  boc- 
ca  ou  na  garganta  dos  animaes  que  a  be- 
bem. 

Este  campo  é  também  publico  e  n*elle  se 
fazem  as  feiras  da  villa,  que  são  3  e  muito 
antigas,  outr'ora  francas  e  muito  importan- 
tes,— nos  dias  7  de  março,— 1."  de  junho — 
e  7  de  setembro. 

Além  dos  mencionados  poços  da  Nave  e 
<âa  Devesa  tem  a  villa  mais  os  seguintes: 


—Fontao,  a  N.  e  distante  da  Zebreira 
150  a  200  metros. 

—Poço  do  Concelho,  a  E.  e  distante  30  a 
40  metros. 

— Fonte  de  Baixo,  para  o  lado  da  egreja 
e  distante  cerca  de  100  metros. 

—Fonte  Nova,  do  lado  sul  e  distante  pou- 
co mais  de  100  metros  também. 

Esta  ultima  nascente  nunca  se  esgota, 
mesmo  nos  annos  mais  áridos. 

Templos 

1."  Egreja  matriz. 

Tem  de  comprimento  25  metros,  9  V2 
largura  e  6  de  altura.  Já  não  comporta  a  po- 
pulação da  freguezia,  pelo  que  vão  restau- 
ral-a  e  ampliai  a. 

E'  singela  mas  decente  e  suppõe-se  que 
foi  construída  em  1694,  porque  sobre  a  por- 
ta principal  se  vê  gravada  aquella  data. 

Consta  que  é  a  2.»  matriz,  feita  em  sub- 
stituição da  1.»,  que  foi  a  capella  do  Espi- 
rito Santo. 

Demora  a  leste  e  na  extremidade  da  vil- 
la, mas  ainda  cercada  de  casas  e  olhando 
para  N.  cora  duas  portas  lateraes  —  uma  a 
E.  outra  a  O.  e  tem  contigua  uma  torre  de 
cimpanario. 

Pouco  depois  da  guerra  da  península,  por 
descuido  do  sachristão  arderam  a  capella- 
mór  e  a  tribuna.  Traetarara  logo  de  as  res- 
taurar, mas,  como  ao  tempo  a  villa  estava 
muito  pobre  por  causa  da  guerra,  venderam 
parte  do  campo  da  Nave  e  com  o  seu  pro- 
ducto  Qzeram  as  obras,  que  por  isso  mesmo 
ficaram  singelas. 

Á  povoação  actual  demanda  uma  matriz 
muito  ampla. 

2  °  Lapella  do  Espirito  Santo,  —  a  velha 
matriz. 

Tem  de  comprimento  34  metro*»  e  3  V2 
d'altura.  Está  em  ruinas  e  profanada  e  igno- 
ra-se  a  data  da  sua  fundação. 

Demora  ao  sul  da  villa,  na  rua  do  Espi- 
rito Santo,  que  tomou  o  nome  da  dieta  ca- 
pella, talvez  o  1.°  templo  da  localidade. 

3."  Capella  de  S.  Sebastião. 

Tem  28  V2  metros  de  comprimento  e  3  V2 
d  altura  e  suppõe  se  que  foi  feita  no  anuo 


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de  1668,  porque  na  padieira  da  porta  de 
entrada  (não  tem  outra)  se  vé  gravada  a 
cinzel  aquella  data. 

Demor?,  como  já  dissemos,  no  campo  da 
Nave;— não  tem  rendimento  algum  próprio 
e  é  administrada  por  uma  mordomia  que 
festeja  o  martyr  todos  os  annos  com  esmolas 
dos  íieis. 

4.  "  Capella  de  Nossa  Senhora  da  Pie- 
dade. 

Demora  na  Devesa,  como  também  já  dis- 
semos; —  tem  10  metros  de  comprimento; 
3  Vz  d'altura  e  um  alpendre  com  7  metros 
de  comprimento,  4  V2  d'altura— e  vistas  es- 
plendidas. 

Foi  feita  em  1827  ou  1^28  com  esmolas 
que  para  a  dieta  eonstrucção  pediu Zíowar- 
do  Chaves  á'es>lai  villa  da  Zebreira,  —  e  a 
imagem  da  Senhora  foi  offerecida  por  Ma- 
nuel Chaves,  pae  do  fundador  da  capella. 

Deus  08  tenha  em  bom  logar, 

5.  *  Capella  de  S.  Pedro. 

Demora  no  Castello,  a  montante  e  no 
ponto  mais  alto  da  villa,  pelo  que  é  a  mais 
vistosa  de  todas. 

D'ali  se  descobrem  as  serras  da  Estrella, 
de  Marvão  e  da  Gardunha  em  Portugal  e 
outras  muitas  da  Hespanha,  bem  como  dif- 
ferentes  povoações  hespanholas  e  portugue- 
zas:  --Idanha  a  Nova,  Alpedrinha,  Castello 
Branco,  Castello  Novo,  Covilhã,  Penamacor 
— e  além  da  raia  Penafiel,  Penas  Alvas,  etc. 

Costumam  festejar  todos  os  annos  a  pa- 
droeira da  villa— iVossa  Senhora  da  Concei- 
ção—h&m  como  Santo  Antonio,  antigo  pa- 
droeiro de  Toulôes,  a  Senhora  da  Piedade, 
o  Espirito  Santo  e  S.  Sebastião.» 

Também  na  segunda  feira  de  Paschoa  em 
cumprimento  de  um  voto  costumam  ir  com 
um  clamor  á  capella  de  S.  Domingo?,  no 


1  As  festas  principaes  são:  a  do  Espirito 
Santo,  sempre  seguida  de  tourada,  depois 
da  funcção  religiosa,— e  a  da  Senhora  da 
Piedade  no  dia  8  de  setembro,  havendo  por 
essa  oceasião  fogo  d'artificio  preso  e  solto, 
ramo,  grande  arraial  e  muitos  descantes  e 
danças  que  descreveremos  no  tópico  final: — 
costumes  e  preconceitos. 


ZEB  2089 

termo  do  Rosmaninhal  —  e  á  volta,  no  sitio 
de  Villares,  a  meia  distancia  entre  a  Ze- 
breira e  a  dieta  capella,  disiribue-se  pão  e 
vinho  aos  romeiros,— tudo  em  cucriprimen- 
to  do  mesmo  voto,  que  é  muito  antigo 

A  festa  de  Santo  Antonio  taaobem  se  faz 
em  cumprimento  d'outro  voto,  mas  muito 
mais  recente,  cuja  explicação  vamos  dar, 
porque  é  interessantíssima  e  faz  tremer  a 
almal... 

Ouçam,  ouçam: 


Em  1841  no  monte  (aldeia)  de  Toulões, 
um  lobo  no  espaço  de  dois  mezes  devorou 
muitas  pessoas,  a  primeira  das  quaes  foi 
uma  rapariga  de  16  annos.  Da  pobre  victi- 
ma  apenas  se  encontrou  o  eraneo  com  al- 
guns cabellos  e  os  pés  já  corroídos. 

Das  muitas  pessoas  que  a  fera  aeommet- 
teu  apenas  poderam  salvar-se  dois  homens. 
A  um  d'elles  deu-lhe  tal  dentada  que  lhe 
arrancou  metade  dos  ossos  do  craneo,  os 
médicos  porém  conseguiram  substituir 
aquella  parte  da  caixa  craneana  por  um 
caseo  de  botelhalU. .  E  assim  viveu  ainda 
mais  de  20  annos,  sempre  com  saúde  e  co- 
mo se  nada  tivera  soífrido?!. . . 

Emquanto  a  fera  se  entretinha  com  aquel- 
le  infeliz,  um  companheiro  d'elle  pôde  subir 
para  uma  arvore  milagrosamente,  pois  o  lo- 
bo com  um  salto  ainda  lhe  apresou  o  gabão 
que  levava  sobre  os  hombros  e  o  fez  em  ti- 
ras. Entretanto  o  homem  gritou  e  acudirarii 
diíTe rentes  pessoas  que  afugentaram  a  fera 
e  salvaram  aquelles  dois  infelizes. 

O  lobo  era  mais  que  maireirol 

As  auctoridades  do  concelho  tomaram 
enérgicas  providencias.  Mandaram  envene- 
nar carne  e  espalhal-a  pelos  campos  e  mon- 
tes; fizeram  monterias;  pagaram  a  caçado- 
res destemidos  que  esperaram  a  fera  em 
agaardos  próprios,  eollocando  dianíe  d'elles 
como  negaça  ou  chamariz  alguns  rapazes; 
mas  o  maldito  lobo  nunca  appareceu  nem 
cahiunos  laços.  O  povo  já  dizia  que  não 
era  lobo,  mas  o  peccado,  e  em  tão  grande 
consternação  e  aíílicção  recorreram  ao  patro- 
cínio de  Santo  Antonio  e  promelteram  fes- 
tejai o  todos  os  annos,  se  os  livrasse  da  mal- 


^090  ZEB 

dita  fera.  E,  ou  fosse  acaso  ou  milagre,  é 
certo  que  feito  o  voto  o  lobo  não  mais  ap- 
pareceu  nem  se  registraram  mais  victimas. 

Passados  dias  encontraram-se  3  lobos 
mortos,  talvez  por  haverem  comido  a  carne 
envenenada,  mas  o  povo  convenceu-se  de 
que  só  devia  a  Santo  Antonio,  orago  de 
Toulões,  o  desappareeimento  da  fera.  Tra- 
ctou  de  cumprir  o  voto  e  até  hoje  (1889) 
tem  festejado  o  thaumaturgo  todos  os  annos. 


Ha  n'e8ta  freguezia  duas  aulas  de  instruc- 
çrimaria  para  os  dois  sexos. 

O  ftlima  ó  irregular:  —  frio  no  inverno  e 
abrasador  no  estio,  mas  durante  a  estiagem 
apparecem  iaterpoladaraente  dias  e  noites 
frios,  o  que  produz  febres  intermittentes  ou 
sesões,  moléstia  predominante  n'esta  fre- 
guezia, devida  também  à  sua  agua  potável, 
que  podia  ser  melhor. 

O  cemitério  paroehial  demora  ao  sul  da 
Zebreira  e  dista  da  egreja  matriz  cerca  de 
«600  metros.  Foi  feito  em  1867,  data  em  que 
08  ty  phos  aqui  pesaram  cruelmente  e  fize- 
ram muitas  victimas. 

Os  médicos  entenderam  que  a  epidemia 
era  alimentada  pelos  miasmas  do  pequeno 
cemitério,  que  então  estava  no  sitio  de  S. 
Pedro,  junto  das  ruinas  do  eastello,  a  N.  da 
Villa,  pelo  que  o  inutilisaram, — cobriram-no 
de  cal  virgem  e  fizeram  o  actual,  que  é  bas- 
tante espaçoso  o  está  e  u  boas  condições  de 
hygiene. 

Ha  n'esta  paroehia  jazigos  de  differentes 
minérios,  que  já  foram  registrados,  mas  não 
explorados. 

Ao  nascente  da  villa  e  distante  cerca  de 
2  kilometros  se  ergue  o  Cabeço  vermelho  no 
ponto  culminante  da  localidade. 

É  ali  que  está  a  pyramide  geodésica  men- 
cinada  supra,  na  altitude  de  387  metros  so- 
bre o  uivei  do  mar. 

Os  3  maiores  proprietários  d'e8ta  fregue- 
zia na  actualidade  são  os  seguintes:  —'Vis- 
conde de  Morão,  dr.  Alegre  e  Valentim  Men- 
des de  Carvalho. 

Os  habitantes  d'esta  freguezia  faliam  mui- 
to correctamente  o  portuguez  e  o  hespa- 


ZEB 

Dhol,  em  quanto  que  os  raianos  da  Hespa- 
nha  faliam  pessimamente  o  portuguez. 

Pessoas  notáveis 

A  villa  da  Zebreira  pela  sua  posição  jun- 
to da  raia  e  por  ser  fortificada,  devia  ter 
com  os  hespanhoea  muitos  conflictos,  nos 
quaqs  por  certo  se  distinguiram  filhos  seus, 
— e  por  ter  como  tem  grandes  rebanhos  e 
centos  de  pastores,  muitos  d'esies  se  devem 
ter  distinguido  em  luctas  com  as  feras  e  com 
08  próprios  elementos,  com  outros  pastores 
e  com  08  povos  circumvisinhos,  mas  até  ho- 
je infelizmente  a  Zebreira  nunca  teve  chro- 
nista  e  nós,  além  da  falta  de  habilitações, 
moramos  a  grande  distancia,  pelo  que  a 
muito  custo  organisàmos  estas  pobres  li- 
nhas e  deixamos  este  tópico  simplesmente 
apontado, 

Apenas  indicaremos  dois  filhos  d'esta  pa- 
roehia que  na  primeira  metade  d'este  sécu- 
lo se  tornaram  notáveis,— um  pela  sua  reli- 
giosidade,— outro  pela  sua  excentricidade  e 
falta  de  patriotismo.  Foram  elles; 

1.  »  Leonardo  Chaves,— o  fundador  da  Ca- 
pella de  Nossa  Senhora  da  Piedade,  mencio- 
nado supra; 

2.  »  Diogo  Vaz— ou  Diogo  Portú,  —  assim 
cognominado,  por  que  a  todos  tractava  por 
tu. 

Na  guerra  da  Península  bandeou-se  com 
08  francezes  contra  Portugal,  dizendo  que  o 
motivo  de  tão  estranho  procedimento  foi  a 
guerra  que  lhe  moveram  os  capitães  mores 
da  freguezia. 

Deus  lhe  perdoe. 

Costumes  e  preconceitos 

Muitos  habitantes  d'e8ta  paroehia  despre- 
.oam  a  medicina  e  costumam  ir  na  manhã 
de  S.  João  beber  agua  de  7  fontes  que  não 
se  avistem  umas  a  outras,  convencidos  de 
que,  enchendo  bem  o  estômago  com  agua 
em  taes  condições,  ficam  livres  de  toda  e 
qualquer  enfermidade?! . . . 

Nos  dias  de  semana  os  homens  agrícolas, 
que  constituem  a  maior  parte  da  freguezia, 
usam  sapatos  ou  botas  brancas  de  afanado. 


ZEB 

«alção  e  vestia  comprida  de  saragoça  ordi- 
nária, collete  de  chaviote  ou  meia  cazimira, 
cinta  ou  faxa  preta  de  là,  chapéu  de  lã  flna 
e  aba  redonda  e  gabão  de  burel  preto  com 
capuz. 

Nos  dias  festivos  os  mais  abastados  usam 
bota  preta  de  vitella,  calça,  collete  e  quin- 
zena (eppeeie  de  casaco  pequeno)  de  cazi- 
mira ou  panno  preto— e  outros  de  chaviote 
ou  saragoça  preta  fina,i  —  chapéu  preto  ou 
branco  de  aba  redonda,  de  lã  muito  flna  ou 
de  pfclle  de  coelho  ou  lebre. 

As  mulheres  e  Olhas  dos  agricultores  nos 
dias  de  semana  usam  sapato  preto  ou  bran- 
co de  atanado  ou  de  vitella,— saiote  de  pan- 
no encarnado,— saias  de  chita,— casaco  ou 
casaquinha  apertada,  de  tecidos  de  lã,— 
lenço  na  cabeça— e  Cabello  enrolado  á  hes- 
panhola. 

Nos  dias  san/os:— vestidos  de  chita,  cas- 
sineta  ou  drogas  de  lã  com  bastante  roda  e 
folho— ou  pequena  roda,  mas  com  apanha- 
dos,—t-hsih  de  merino,  —  cabello  enrolado, 
bota  de  vitella  ou  de  verniz,  ete. 


As  danças  populares  d'esta  freguezia  são 
bailes,  polkas,  mazurkas,  sehotizes,  contra- 
danças e  fandango  hespanhol  (jota). 

Os  descantes  dos  mancebos  quasi  todos 
se  resumem  em  fadinhos,  acompanhados  de 
guitarras  e  violas  francezas  ou  violões  de 
cordas  de  tripa,  instrumentos  que  mais  vul- 
garmente usam.2 

As  raparigas,  chegando  á  idade  núbil, 
começam  logo  a  fazer  côro  com  as  outras, 
tareando  habaneiras,  malaguenhas,  jotas, 
seguidilhas  e  outras  modinhas  hespanholas  e 


ZEB 


2091 


1  A  melhor  saragoça  fabricada  em  Portu- 
gal até  hoje  é  a  da  casa  Rainhas,  de  Gou- 
veia, denominí^da  saragoça  Rainha. 

"V.  Gouveia  e  Villa  Nova  de  Tazem. 

2  N'e8ia  mesma  província  da  Beira  Baixa—- 
em  volta  da  Serra  da  Estrella  —  os  instru- 
mentos favoritos  e  quasi  únicos  do  povo  são 
adufes,  espécie  de  pandeiros  ou  tambores 
quadrados  e  fechados,  —  instrumentos  anti- 
quissimosl 

y.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1:541,  col.  l.« 


portuguezas,  bem  como  grande  variedade  de 
jogos  de  roda  cantados. 

São  muito  sympathicas  e  distinguem-se 
das  moças  dos  povos  raianos  limitrophes  e 
dos  circumvisinhos. 

São  mais  vivases,  mais  desenvoltas  e  até 
mais  namoradeirasl . . . 
Desculpem  a  liberdade  do  termo. 

láto,  que  para  nós  é  hoje 
muito  simples  e  todos  com- 
prehendem.  passados  séculos 
fará  matutar  os  leitores,  como 
nós  hoje  matutamos  para  eom« 
prehendermos  a  descripção  do 
vestuário,  usos  e  costumes  das 
gerações  extincias. 
ZEBRO-animal.  V.  Zebra. 
ZEBRO— casal  da  freguezia  de  Val  de  Ca- 
vallos,  concelho  da  Chamusca,  districto  de 
Santarém. 

V.  Val  de  Cavallo^,  tomo  10."  pag.  44, 
col.  1." 

A  povoação  de  Val  de  Cavallos,  séde  da 
parochia,  está  na  margem  esquerda  da  ri- 
beira d'Alpiarça,  conQuente  do  Teju,  do 
qual  dista  4  kil.  para  S.  E.  e  8  da  villa  da 
Chamusca  para  S.  S.  O. 

Além  da  dieta  povoação  comprehende 
esta  freguezia  os  casaes  seguintes:— Val  da 
Lama  da  Atella,  Val  da  Lama  da  Rosa,  Val 
do  Porco,  Val  da  Bezerra,  Val  de  Carros, 
Val  de  Flores,  Monte  do  Val  de  Flores, 
Aguas  Vivas,  Zebro,  Anjo,  Seixo,  Fontai- 
nhas, Caniceira,  Carvalho,  Carvalhal,  Par- 
reira, Villa  de  Rei  de  Baixo,  Villa  de  Rei 
de  Cima,  Villão,  Areias,  Migas,  Matafome, 
Salvador,  Palhas,  Corvas  ou  Curvas,  Cân- 
taro, Murta,  Almotolia,  Semideiro,  Moinho- 
la,  Bunheira,  Vime,  Cruzetas,  Cruzetinhos, 
Machoqueira,  Barrosa,  Cambeiro,  Costeiri- 
Dhas,  Cantarinho,  Arneiro  Allo,  Sesmaria  e 
Perna  Secca;— as  quintas  de  Outeiro,  Cabi- 
de, Commenda,  Quinta  Nova,  Chocalho, 
Pazè  e  Omnm,— e  os  sitios  (habitações  iso- 
ladas) de  Alto  da  Cerca,  Moinho  Novo.  Car- 
vão, Mulas  e  Alto  da  Vendeira. 


A  freguezia  de  Val  de  Cavallos  pertenceu 
ao  concelho  de  Ulme,  exiincto  pelo  decreto 


2092  ZED 

de  24  d'outubro  de  185S,  pelo  qual  passou 
para  o  da  Chamusca. 

O  meu  benemérito  antecessor  em  i882 
deu-lhe  245  fogos,  mas  o  censo  de  1878  deu- 
Ihe  331  fogos  e  l:i26  habitantes,  no  que 
não  ha  proporção,  porque  331  fogos  deviam 
dar  pelo  menos  1:340  habitantes. 

Com  o  mesmo  nome  de  Zebro  temos  no 
nosso  pair  mais  2  casaes,  1  herdade  e  2  si- 
tios  ;  —  Zebro  de  Baixo  e  Zebro  de  Cima, 
também  casaes,  —  e  com  o  nome  de  'Zebros 
um  casal  e  uma  aldeia,  mas  não  nos  consta 
que  offereçam  coisa  digna  de  menção. 

ZEDES  —  aldeia  e  freguezia  do  concelho 
de  Carrazeda  d'Anciães,  comarca  de  Mon- 
corvo, distrieto  e  bispado  de  Bragança,  pro- 
vinda de  Traz  os  Montes. 

Vigairaria  outr'ora— hoje  simples  encora- 
mendação  amovível. 

Orago,  S.  Gonçalo;  fogos  61,  habitantes 
244. 

Em  1706  era  vigairaria  apresentada  pelo 
reitor  de  Marzagão,  freguezia  d'e8te  conce- 
lho de  Carrazeda  d' Anciães;  —  pertencia  ao 
termo  e  concelho  da  extincta  villa  e  paro- 
chia  d' Anciães,  comarca  (corregedoria  e  pro- 
vedoria) de  Moncorvo,  arcebispado  de  Bra- 
ga;—tinha  2  capellas  e  28  fontes  (?!...)  e 
contava  60  fogos,— segundo  se  lé  na  Cero- 
gr.  Port.  que,  talvez  por  erro  typographico, 
lhe  deu  o  nome  de  Gedes. 

Em  1768  era  vigairaria  da  apresentação 
do  reitor  de  Anciães,  que  dava  ao  pobre  vi- 
gário apenas  6^000  réis  de  côngrua,  alem 
do  mesquinho  pé  d'altar  — e  contava  50  fo- 
gos, segundo  se  lé  no  Port.  S.  e  Profano. 

Em  1852  o  Flaviense  deu-lhe  58  fogos. 

O  censo  de  1864  deu-lhe  os  meamos  58 
fogos  e  210  habitantes  e  o  censo  de  1878 
deu-lhe  também  58  fogos  e  206  habitantes. 

Do  exposto  se  vé  que  esia  parochia  tem 
pequena  população,  mas  este  mesmo  conce- 
lho tem  outra  ainda  menos  populosa.  E'  a 
de  Samorinha,  que  apenas  conta  42  fogos. 
Das  21  freguezias  d'este  concelho  7  não  con- 
tam 100  fogos  cada  uma;  de  100  a  200  fo- 
gos tem  9  freguezias;  de  200  a  300  fogos 
tem  4=e  só  a  freguezia  de  Linhares  conta 
mais  d(»  300  fogos  (335).  O  mesmo  succede 
em  todo  o  bispado  do  Bragança.  E'  o  que 


ZED 

tem  freguezias  mais  pobres  e  menos  populo- 
sas, posto  que  muitas  já  contam  duas  e  tres 
exiinctas,  annexas,  e  tendem  a  extinguir-se 
outras  muitasl. . .  Pelo  contrario  a  diocese 
do  Algarve  é  a  que  relativamente  conta  fre- 
guezias mais  populosas. 

V.  Villa  Verde,  freguezia  do  concelho  d» 
Mirandella,  tomo  11.»  pág.  1:094,  col.  2.* 


Esta  pequena  e  pobre  freguezia  compre- 
hende  apenas  a  povoação  de  Zede$,  que  de- 
mora a  N.  E.  e  na  falda  da  serra  de  Rebo- 
rosa. 

Dista  da  margem  esquerda  do  Tua  4  kil. 
para  S.  E.;  5  de  Carrazeda  de  Anciães  para 
N.;  6  da  estação  do  Amieiro  (a  mais  próxi- 
ma) na  linha  férrea  do  Tua;  25  de  Moncor- 
vo; 70  de  Bragança;  160  do  Porto,  pelas  li- 
nhas de  Tua  e  Douro,=e  497  de  Lisboa. 

Templos  :  —  1."  a  egreja  matriz,  em  bom 
estado;— 2.»  a  capella  de  Santa  Margariia, 
aberta  ao  culto;— 3.*  a  capella  de  S.  Roque, 
interdictae  profanada;— 4.°  a  capella  de... 
—feita  de  abobada,  brazonada  e  particular. 
Suppomos  que  pertence  à  nobre  familia  Dá 
Mesquitas  e  Meneses  que  possuem  n'esta 
parochia  um  edifício  brazonado,  em  que  vi- 
vem. 

Tem  esta  parochia  ao  sul  da  povoação 
um  largo  muito  espaçoso,  a  que  chamam 
Prado. 

Banham-na  dois  ribeiros— um  a  S.  outro 
a  N.  —  que  tem  5  pontões  e  2  moinhos  —  e 
desaguam  no  ribeiro  de  Frarigo,  confluen- 
te do  Tua. 

Produeçòes  dominantes  :  —  muito  e  bom 
centeio,  batatas,  castanhas  e  hervagens  (fe- 
no) em  bons  lameiros. 

Também  antes  da  invasão  phylloxerica 
produziu  algum  vinho  e  é  abundante  de  ca- 
ça miúda — coelhos  e  perdizes. 

Não  tem  aula  alguma,  nem  sequer  de  in- 
strucção  primaria. 

Náo  consta  que  tenham  apparecido  aqui 
moedas  romanas  nem  pedras  com  inscri- 
pçQes,  «ha  eomtudo  uma  velharia  (diz  o  meu 


ZED 


ZED  2093 


Informador)  que  merece  mencionar-&e:  é 
uma  guarita  ou  casinha,  formada  de  gran- 
des pedras  sómente,  e  que  pôde  abrigar  seis 
ou  mais  pessoas.  Chamam-lhe  Casa  da  Mon- 
ta e  esie  mesmo  nome  dão  ao  sitio  onde  se 
acha,  que  é  do  mencionado  Campo,  ao  nas- 
cente d'esta  aldeia.» 

A  dieta  Casa  da  Moura  muito  provavel- 
mente é  um  dolmen  ou  anta,  pois  n'e8te 
concelho  ainda  hoje  se  encontram  mais  dol- 
meas.  Na  freguezia  de  Villarinho  de  Casia- 
mheira  apontámos  nós  tres. 

V.  tomo  11.0  pag.  1:342,  col.  2.» 

Com  vista  aos  archeologos. 

Freguezias  limitrophes:  —  Amedo,  Pinhal 
dio  Douro,  Carrazeda  d'Anciães  e  Pereiros. 

Esta  pobre  freguezia  não  tem  estrada  al- 
guma a  macadam.  A  mais  próxima  ó  a  de 
foz  Tua  a  Carrazeda  d'Aneiães  e  que  faz 
parte  da  de  Villa  Real  de  Traz  os  Montes  a 
•Freixo  de  Espada  à  Cinta,  apenas  feita  des- 
de Villa  Real  até  Favaios. 

Moedeiro  falso 

Não  consta  que  esta  parochia  tenha  pro- 
duzido ppssoas  notáveis  pelas  armas,  lettras 
ou  virtudes;  mencionaremos  pois  sómente 
um  pobre  moedeiro  falso,  filho  d'e8ta  fre- 
guezia, por  nome  Manoel  Ignacio  que,  de- 
pois de  cumprir  sentença  por  outros  crimes 
na  cadeia  da  Relação  do  Porto,  foi  ali  preso 
em  janeiro  de  1887,  por  fabricar  moeda  fal- 
sa e  no  commissariado  da  polícia  declarou 
o  seguinte: 

Ser  natural  da  freguezia  de  Zedes,  con- 
celho de  Carrazeda  de  Anciães,  trabalha- 
dor, morador  no  monte  da  Penna,  em  Vil- 
lar, no  Porto.  Que  eífectivamente,  foi  a  casa 
de  Manoel  dos  Santos,  no  monte  da  Lapa> 
em  maio  do  anno  findo  (1886)  e  que  em 
companhia  d'elle,  fabricara  moedas  de  500 
réis,  sendo  igualmente  feitas  pelos  dois  as 
íôrmas  de  gesso. 

Que  aprendeu  a  fazer  as  moedas ,  quando 
esteve  nas  cadeias  da  Relação,  onde  foi  es- 
crivão e  juiz  da  prisão  de  Santo  Antonio.* 


1  Nós  não  conhecemos  o  tal  sei^vo  de  Deus. 
Vamos  simplesmente  extractando  o  que  dis- 

VOLUME  XI 


Havia  ali  um  preso  que  se  promptiBeava  a 
ensinar  todos  os  que  quizessem  fabricar 
moedas  falsas,  oíTerecímento  que  elle  decla- 
rante, acceitára. 

Quando  Manoel  dos  Santos  foi  preso,  eU« 
declarante  ausentou-se  do  Porto  e  escon- 
deu n'um  silvado,  próximo  ao  Palacio  de 
Crystal,  algumas  colheres  e  barras  de  esta- 
nho, e  que,  quando  regressou  fora  encon- 
trai as  no  mesmo  lugar,  levando-as  então 
para  casa,  e  por  isso  é  que  lá  foram  en- 
contradas, pelos  guardas  civis  n.*'  Ii6e 
161. 

Posteriormente  foram  julgados  elle  e  ou- 
tro farroupilha,  o  tal  Manoel  dos  Santos,  seu 
sócio  na  triste  empreza,  mas  não  sabemos 
que  premio  receberam  e  que  destino  lhes 
deram. 


Não  sabemos  qual  a  verdadeira  etymolo- 
gia  de  Zedes. 

Fr.  Jbão  de  Sousa,  no  diccionario  Vesti' 
gios  da  lingua  arábica,  diz  que  o  nome  d'e8- 
ta  freguezia  transmontana  vem  de  Zeida  ou 
Zaida,  nome  árabe,  pj-oprio  de  mulher,  e 
que  significa  augmentaiora,  como  prove- 
niente do  verbo  zada,  accresceníar,  augmen- 
tar. 

Também  poderá  vir  de  Zaidi  ou  de  Ye- 
zid,  nomes  árabes,  —  ou  da  tribu  africana 
Zenetes,  que  no  nosso  idioma  facilmente  po- 
dia dar  Zedes. 

No  testamento  de  D.  Enderkina  Palia, 
feito  no  anno  de  976,  figura  entre  as  diver- 
sas testemunhas  um  padre  de  nome  Zeide.^ 

Também  nas  Dissert.  Chronol.  de  João 
Pedro  Ribeiro,  tomo  1.*  pag.  202,  se  encon- 
tra um  documento  do  anno  995  (reinado  de 
D.  Bermudo  II)  no  qual  figura  ura  indivi- 


seram  os  jornaes ;  mas  do  exposto  se  vô 
que  elle  já  havia  commeltido  outros  crimes 
e  que  era  ou  ó  homem  valente  e  enérgico, 
pois  mereceu  a  honra  de  ser  nomeado  juiz 
da  prisão. 

1  Portug.  Monum.  —  Diplom.  et  Chartae^ 
pag.  74,  doe.  n."  117. 

132 


2094 


ZEG 


duo  chamado  Ziti—omro  Zydi  Trastemirí- 
zi,  —  outro  Zidi  Ermiarizi  —  e  outro  Zidi, 
qmsi  presbytero,  que  foi  quem  escreveu  o 
dicto  documento,  pertencente  ao  mosteiro 
de  Vaírão. 

Do  exposto  se  vé  que  ne  sec.  x  era  tri- 
vial no  nosso  paiz  o  nome  Ziíi,  ou  Zydi,  ou 
Zidi — Zido,  ou  Zede,  ou  Zedes. 

V.  Zido,  aldeia,  infra. 

Não  podemos  pois  acceitar  sem  escrúpulo 
a  eathegorica  aífirmaliva  de  Fr.  João  de 
Sousa  —  e  terminaremos  dizendo  que  nos 
parece  gôdo  o  nome  de  Frarigo,  ribeiro 
mencionado  supra. 

ZEGONIAR— porl.  ant.~  viver  em  man- 
cebia. 

«No  foral  das  Extremaduras,  dado  por 
el-rei  D.  Alfonso  Henriques,  e  regulado  pelo 
que  seu  bisavô,  el-rei  D.  Fernando,  o  Ma- 
gno, linha  dado  á  villa  da  Pesqueira  e  ou- 
tras, se  diz:— «Si  homo,  aut  mulier. .  A 

Em  vulgar  :  —  Se  algum  homem  ou  mu- 
lher disser  ao  seu  visinho  ou  visinha  Zegulo 
de  foão,  ou  Zegonia  com  foão,  e  não  poder 
pròvar  com  testemunhas,  pague  30  soldos 
para  a  camará  e  seja  considerado  reu  de 
homezio.^*  ^ 

«Nenhuma  duvida  pôde  haver,  que  aqui 
se  traeta  de  castigar  os  que  falsamente  le^ 
vantavam  o  crime  de  concubinato,  ou  man- 
cebia, lançando  em  rosto  ao  seu  visinho  que 
era  Zeguto  de  fulana,  ou  á  visinha  —  que 
Zegoniava  com  fulano:  o  que  não  provando 
por  inquirição  de  testemunhas,  eram  eon- 
demnados  a  pagar  á  camará  30  soldos,  e 
desterrados  do  logar,  como  se  foram  homi- 
cidas do  corpo,  assim  como  o  tinham  sido 
da  honra  e  fama. 

«Mas  que,  etymologia  daremos  nós  a  ze- 


«Diremos  que  vem  de  Âgola,  que  era  na 
baixa  latinidade  o  mesmo  que  Synagoga,QU 
logar,  era  que  o  povo  se  juntava? 

•  Diremos  que  vem  de  Zech,  ou  Zechum, 
que  significa  a  sociedade,  ou  do  verbo  ze- 


ZEG 

chare,  que  era  frequentar  a  companhia  d'aK 
guem? 

«E  que  cousa  mais  própria  dos  torpes 
amantes,  que  procurar  a  sociedade  recipro- 
ca para  metter  em  uso  a  desordem  das  suas 
paixões?. . . 

«Alem  d'islo  os  nossos  naturaes  mudavam 
com  frequência  o  S  em  Z,^  e  porque  não  le- 
riam aqui  segonia  isto  he  (fallando  honesta- 
mente) se  diverte,  se  alegra,  se  desenfada  f 

«Sabemos  que  agonia  he  trabalho,  com- 
bate, lucta,  dôr,  pena,  afflicção,  tristeza;  mas 
se  lhe  tiramos  o  a,  que  he  privativo,  por- 
que não  diremos  que  gonia  he  prazer,  rego- 
sijo,  deseanço,  entretenimento,  gosto,  con- 
solação, allivio?. . .  Embora;  mas  que  signi- 
ficação daremos  nós  a  zegulo'^. . . 

«Poderíamos  avançar  que  do  latino soí/m- 
lo,  pequeno  sayo  de  burel,  ou  panno  grosso 
de  que  os  zagaes  ou  pastores  usavam,  e  os 
moços  de  servir,  se  disse  Zegulo  o  que  ser- 
via gdeshonestamente  a  mulher  alheia,  o 
amasio,  coneubinario,  mancebo,  criado  tor- 
pe, lascivo  e  deshonesto.  Com  tudo  eu  reco- 
nheço que  não  passa  de  tentativa  o  meu  pen- 
samento. 


«Mas  quanto  seria  para  desejar  que  nós 
tornássemos  a  ver  as  rigorosas  penas  contra 
as  más  linguas,  que  como  chammas  do  in- 
ferno assim  abrazara  as  honras  e  famas  dos 
seus  visinhos,  sem  que  os  aggressores  mal- 
vados experimentem  a  espada  da  lei! . . . 

«Em  todas  as  nações  foi  abominável  e 
punida  a  desenfreada  língua,  que  não  per- 
doa á  reputação  honesta  do  próximo.  Nos 
Paizes  Baixos,  Alemanha,  França  e  outras 
partes  havia  antigamente  duas  grandes  pe- 
dras na  casa  do  senado,  que  a  mulher  con- 
vencida de  ter  chamado  a  outra  p...  ou 
outra  palavra  deshonesta,  era  obrigada  a 


1  V.  Zegoniar  em  Viterbo. 

2  Livro  dos  Foraes  Velhos. 


*  E  os  hespanhoes  e  leonezes  mudavam  e 
mudam  o  Z  em  S  ou  Ç,— na  escripta  algu- 
mas vezes  e  na  pronuncia  sempre. 

V.  Vouzella— rio. 

P.  A.  Ferreira. 


ZEG 


ZEI  2095 


levar  às  costas  de  freguezia  era  freguezia, 
sem  mais  vestidos  que  a  camisa,  e  rodeada 
de  grande  multidão  de  gente.  A  esta  vergo- 
nhosa pena  chamavam  Lapides  cattnatos 
ferre,  a  qual  igualmente  se  applicava  aos 
adúlteros,  porem,  com  circumstancias  ain- 
da mais  vergonhosas. 

•Em  Portugal  também  se  castigou  anti- 
gamente o  crime  da  lingua  com  todo  o  ri- 
gor... 

«Na  casa  da  camará  da  villa  de  Sanceriz, 
junto  a  Bragança,  se  vê  ainda  hoje  um  freio 
cora  que  se  castigavam  as  mulheres  bravas 
de  condição  e  maldizentes,  e  mesmo  todas 
as  pessoas,  cujo  crime  procedia  de  palavras. 
O  dicto  freio  tem  lingua  para  a  boca,  argola 
para  o  queixo  de  baixo  e  cambas  que  lan- 
çam sobre  o  nariz,  —  ludo  de  ferro;  tem 
igualmente  cabeçada  com  sobre-testa  para  a 
cabeça,  com  fivéla  que  fecha  para  traz,  e 
rédeas  com  passador.^  Hoje,  porém,  que  a 
maledicência  tem  chegado  ao  seu  maior  au- 
ge,^ jazem  as  leis,  dormem  os  magistrados,  e 
os  linguarazes  cada  vez  se  fazem  mais  or- 
gulhosos e  insolentes,  chegando  a  pôr  a  bo- 
ca no  ceu  da  honestidade  mais  pura,  e  fa- 
zendo talvez  cahir  no  vicio  algumas  almas 
fracas,  a  quem  a  boa  fama  havia  conservado 
largo  tempo  na  virtude. 

.No  Cod.  Alf.  liv.  1."  tit.  62,  §  13,  se  diz: 
—Haverá  mais  o  Alcaide  Mór  todalas  coi- 
mas, que  os  homeens  da  Alquaidaria  posa- 
rem aas  molheres,  que  som  useiras  de  braa- 
dar:  e  he  de  pena,  por  cada  vez  que  a  assy 
poserem,  tres  libras  de  moeda  da  moeda  an- 
tiga. 

Oh  temposi  oh  costumes?. . .  • 

Note-se  que  Viterbo  escrevia  em  1798,— 
no  tempo  da  Inquisição  e  dos  governos 
absolutos,  das  penas  corporaes,  da  forca  e 
da  picota  e  das  Ordenações  do  Reino,  cujo 
livro  5."  faz  tremer! . . . 

1  V.  Sam-Ceriz,  tomo  8.»  pag.377,col.  1.» 
in  fine. 

2  Que  diria  Viterbo  se  vivesse  na  actuali- 
dade (1889)  e  lesse  os  nossos  jornaes  da 
opposição  e  de  combate,—  esses  pamphletos 
immundos,  que  são  a  vergonha  da  impren- 
sa?!... 


In  illo  tempore  também  qualquer  livro 
antes  da  impressão  era  submeltido  a  rigo- 
rosa censura  oíiicial,  em  quanto  que  hoje 
tudo  se  publica  francamente  :  — jornaes  do 
toda  a  ordem,  versos  os  mais  impios,  ope- 
retas immundas  e  romances  realistas,  a  fina 
i  flor  da  litieratura  hodierna,  —  leitura  para 
homens— á\z  o  editor,  para  que  sejam,  co- 
mo eÉfectivaraente  são,  os  mais  lidos  pelas 
mulheres.  N'elles  e  nos  theatros  de  hoje  en- 
contram as  filhas  e  as  mães  eniapetado  de 
flores  o  caminho  do  lupanar,  pelo  que  a 
desmoralisação  hodierna  assombra, — ^já  tem 
foros  de  cidade— q  promelte  ir  muito  mais 
longe  esta  vasa  do  progresso! . . . 
ZEIAM — nome  árabe. 
D'elle  talvez  provenha  o  nome  de  Saiam 
ou  Saião,  dado  a  duas  quintas  nossas  e  a 
um  poço  do  Douro,  mencionado  no  art.  Vi- 
seu, tomo  11.»  pag.  1:705,  eol.  1." 

Zeiam,  príncipe  de  Maquinez  em  Africa, 
sendo  expulso  dos  seus  estados  por  Maho- 
met,  seu  primo,  rei  de  Fez,  veiu  a  Lisboa 
invocar  a  protecção  do  nosso  rei  e  levou-o 
a  tentar  a  conquista  de  Azamor  com  um 
grande  exercito  commandado  por  D.  João 
de  Menezes,  mas  o  tal  sr.  Zeiam,  longe  de 
nos  dar  na  Africa  o  auxilio  que  promettera, 
bandeou-se  com  os  africanos  contra  nós; 
foi  porém  derrotado  com  perda  de  14:000 
homens, — diz  Moreri. 

ZEIDONEZES.— Assim  se  denominava  no 
século  XI  uma  villa  (aldeia,  granja  ou  quin- 
ta) no  território  de  Penafiel,  pois  em  uma 
doação  vastissima  que  na  era  de  1104, — 
anno  de  1066  — Garcia  Moniz  e  sua  mulher 
Elvira  fizeram  ao  convento  de  Vairão,  entre 
muitas  propriedades  sitas  nas  margens  do 
rio  Ave,  do  Tâmega  e  do  Douro,  tanto  na 
margem  direita  como  na  margem  esquerda 
—em  Arouca,  Sinfães,  e  Paiva,  no  latim 
bárbaro  d'aquella  época  se  encontra  men- 
cionada a  villa  Zeidoneses. 

t . .  ,in  terra  de  Penna  Fideli  (diz  a  es- 
criptura) . . .  villa  Zeidoneses. ..  »i  —  »  Ns 


1  Dissert.  Chronol.  de  João  P.  Ribeiro,  to- 
mo 1."  pag.  221,  doe.  n.»  23. 


2096  ZEI 


ZEI 


terra  de  Penafiel...  a  villa  de  Zeidone- 
ses  ..* 

A  tal  quinta  mudou  de  nome,  pois  não 
ha  no  districio  do  Porto  quinta  ou  povoa- 
ção alguma,  cujo  nome  tenha  afinidade 
com  aquelle. 

Suppomos  que  a  tal  villa  de  Zeidoneses  é 
a  mesma  que  o  bispo  do  Porto  D.  Hugo  re- 
cebeu do  mosteiro  do  Paço  de  Sousa  no  an- 
no  de  H16  em  troca  de  certas  exempçòes 
que  n*aquella  data  concedeu  ao  dicto  mos- 
teiro. 

Pôde  ver  se  a  escriptura  de  transação  nas 
Dissert.  Chronol.  de  João  P.  Ribeiro,  tomn 
1."  pag.  142,  doe.  n.°  35,  posto  que  ali  se 
lhe  dá  o  nome  de  Ceidoneses,  nome  a  que 
talvez  correspondam  os  de  Cidães,  freguezia 
do  districto  de  Bragança,  —  Ceidão,  quinta 
do  districio  de  Viseu,  Seidões,  aldeia  e  fre- 
guezia do  concelho  de  Fafe,  districto  de 
Braga.— Sedão,  casal  da  freguezia  de  Man- 
cellos,  no  antigo  concelho  da  Riba-Tamega, 
hoje  Amarante,— e  Sedões,  aldeia  da  fregue- 
zia de  S.  Thiago  de  Bougado,  concelho  de 
Santo  Thyrso. 

Teem  muita  afflnidade  com  estes  nomes 
os  das  nossas  freguezias  de  Zedes  e  Seide 
(S.  Paio  e  S.  Miguel)  —  talvez  todas  prove- 
nientes de  Zeid,  Seid  ou  Said  nomes  árabes. 

V.  Zedes. 

ZEIVE  —  parochia  extincta,  hoje  simples 
aldeia  da  freguezia  de  Paramio,  havendo  per- 
tencido repetidas  vezes  á  de  Mofreita,  conce- 
lho de  Vinhaes,  a  cuja  freguezia  estava  anne- 
xa  e  contava  3i  fogos  em  1756,  segundo  se 
lô  na  Corogr.  Port.  tomo  1."  pag.  499.  Depois 
passou  para  a  freguezia  de  Paramio,  con- 
celho de  Bragança;— pelo  decreto  de  31  de 
dezembro  de  1853  Voltou  para  a  de  Mofrei- 
ta,—por  decreto  de  24  d'outubro  de  1855 
voltou  para  a  de  Paramio;  depois,  não  sa- 
bemos quando,  tornou  a  voltar  para  a  de 
Mofreita— e  hoje  (1889)  pertence  outra  vez 
á  de  Paramio?!. . . 

Carvalho  denominou -a  Ozeive,  em  vez  de 
Zeive,  como  se  diz  o  Gem,  o  Touro,  o  Mol- 
ledo,  o  Marco,  o  Pinhão,  etc. 


A  dieta  povoação  do  Zeive  ainda  conser- 


va a  sua  antiga  matriz  com  a  invocação  de 
S.  Cypriano  e  pia  baptismal.  Demora  na 
margem  esquerda  do  rio  Tuella,  nascente 
principal  do  Tua, — e  na  margem  direita  do 
rio  Baceiro,  confluente  do  Tuella. 

Tem  38  a  40  fogos  e  dista  2  kil.  da  Mo- 
freita e  cerca  de  3  tanto  de  Paramio,  como 
dos  rios  Baceiro  e  Tuella. 

Producções  dominantes— centeio,  batatas, 
castanhas,  hervageos  e  hortaliça. 

Também  cria  bastante  gado  lanígero,  muar 
e  vaccum,  e  è  muito  abundante  de  caça  doa 
seus  montes  e  peixe  dos  seus  rios. 

Era  junho  do  corrente  anno  (1889)  o  mui- 
to rev.  sr.  bispo  de  Bragança  D.  José  Alves 
de  Mariz,  andando  a  visitar  o  bispado,  este- 
ve na  Mofreita,  em  Paramio  e  n*esta  povoa- 
ção do  Zeiva,  cujos  habitantes  lhe  offerece- 
ram  uma  linda  cazula  amarella,  própria 
para  as  solemnidades  episcopaes  áô  ordens 
e  ehrisma. 


De  passagem  diremos  que  está  a  sair  do 
prélo  (Typographia  da  Palavra,  Porto)  um 
livro  que  prende  com  a  freguezia  de  Mo- 
freita. Intitula-se  Monumento  á  memoria  de 
D.  Antonio  Luiz  da  Veiga  Cabral  e  Camara, 
bispo  de  Bragança  —  bscripio  pelo  rev.  sr. 
cónego  Manoel  Antonio  Pires,  auxiliadopelo 
sr.  conde  de  Samodães  e  pelo  rev.  sr.  padre 
Arthur  Eduardo  d'Almeida  Brandão,  distin- 
ctos  escriptores  catholieos,— e  pelo  humilde 
auctor  d'estas  linhas. 

O  livro  prende  com  a  dieta  parochia,  por- 
que o  venerando  bispo  D.  Antonio  foi  n'ella 
paroeho  e  n'ella  existe  ainda  hoje  um  dos 
dois  Recolhimentos  de  Oblatas  do  Menino 
Jesus,  fundados  por  D.  Antonio. 

O  outro  está  em  Fornos  de  Ledra,  con- 
celho e  comarca  de  Macedo  de  Cavallei- 
ros. 

V.  Villa  Verde  de  Mirandella,  tomo  ll.« 
pag.5l:097,  col.  1.»  e  segg.;  Villar  de  Le- 
dra, no  mesmo  vol.,  pag.  1230,  col.  2.»  — 
e  Bragança,  Mofreita  e  Fornos  de  Ledra 
n'este  diecion,  e  no  supplemento,  onde  vol- 
veremos a  fallar  do  santo  bispo  D.  Anto- 
nio. 


ZEL 


ZEL  2097 


RETRACTAÇÃO 

Aproveitando  o  ensejo,  muito  esponta- 
neamente retiramos  tudo  o  que  no  artigo 
Vicente  de  Fóra  (S.)  tomo  10."  pag.  5S0  e 
55i,  dissemos  em  desabono  do  venerando 
bispo  D.  Antonio  Luiz  da  Veiga,  porque  ao 
tempo  ainda  não  o  eonheciamos  e  trahiu- 
nos  a  manhosa  e  perigosa  carta  do  astuto 
abbade  de  MedrÒes,  que  foi  contemporâneo 
e  um  dos  mais  injustos  e  cruéis  detractores 
d'aquelle  virtuosissimo  prelado. 

Fique  pois  prevalecendo  o  que  mais  tar- 
de e  sobre  o  mesmo  assumpto  dissemos  no 
citado  artigo  Villa  Verde  e  o  que  em  refu- 
tação da  dieta  carta  e  em  abono  do  men- 
cionado bispo  se  lê  no  livro  Monumento,  pu- 
blicado a  instancias  nossas. 

Poenitet,  poenitetUl. . . 

ZELA  ou  ZELLA— cidade  exlincta  e  sup* 
posta  capital  dos  zoelas,  hoje  talvez  repre- 
sentada pela  pequena  e  pobre  aldeia  e  fre- 
guesia de  Castro  d'Avellãs,  concelho  de  Bra- 
gança^ província  de  Traz  os  Montes. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  n^este 
diceionario  o  art.  Castro  d'Avellans,  tomo 
%•  pag.  20 i, — e  nas  Memorias  de  Litteratu- 
ra  portugueza,  tomo  6."  pag.  258  e  segg.  a 
interessante  Memoria  que  Frencisco  Xavier 
Ribeiro  de  S.  Payo  dedicou  ao  dicto  mostei- 
ro em  1793. 

Tanobem  se  denominava  Zeto  ouZiela  uma 
cidade  do  Ponto,  junto  da  qual  Cesar  alcan- 
çou contra  o  rei  do  Ponto  uma  Victoria  tão 
rápida  e  completa,  que  escreveu  ao  senado 
romano  dizendo  simplesmente: — Veni,  vidu 
vici.  Em  vulgar:  —  Cheguei,  vi  e  venci,  — 
phrase  que  ainda  hoje  voga. 

V.  Strabão,  Ptolomeu,  Plutarco  e  Moreri. 

ZELA  ou  ZELLA— pequeno  rio,  affluente 
do  Vouga. 

Nasce  ao  sul  e  a  distancia  de  8  kilome- 
tros  de  Vouzella; — corre  em  direcção  a  N.; 
passa  a  O.  de  Vouzella,  tocando  na  própria 
Villa,  onde  corta  a  rua  da  Ponte,  passando 
em  uma  antiga  ponte  de  pedra  de  ura  só 
arco,  ponte  que  deu  o  nome  á  dieta  rua, 
por  onde  seguia  a  velha  estrada  real  de  La- 


mego, Castro  d'Ayre  e  S.  Pedro  do  Sul  para 
Aveiro,  Agueda  e  Coimbra,—  estrada  subs- 
tituída pela  nova  a  macadara  que  passa  una 
pouco  a  jusante  em  nova  ponte  de  pedra 
lançada  sobre  o  mesmo  rio;  depois  conti- 
nua o  Zella  a  caminhar  para  N.—  e,  depois 
de  mover  alguns  pisões  e  moinhos,  desagua 
na  margem  esquerda  do  Vouga  a  distancia 
de  1:500  a  2:000  metros  da  villa  de  Vou- 
zella,  tendo  de  c^rso  total  cerca  de  10  kilo- 
metrcs. 

Na  opinião  commum  a  villa  de  Vouzella, 
foi  assim  denominada  por  estar  entre  os 
rios  Vouga  e  Zella.  Alguém  diz  mesmo  que 
primitivamente  se  denominou  Vougazella; 
mas  nós  não  acceitamos  sem  escrúpulo  esta 
opinião,  porque  os  leoneses,  nossos  ascen- 
dentes, denominavam  esta  villa  Baucela; — 
assim  se  denominou  também  uma  ribeira 
conQuente  do  Zêzere;  também  se  denominou 
Vouzella  uma  das  nascentes  do  Vouga  —  e 
ainda  hoje  também  se  denomina  Vouzella, 
uma  aldeia  da  freguezia  dê  S.  Miguel,  da 
villa  e  concelho  de  Penella,  disiricto  de 
Coimbra. 

Para  evitarmos  repetições  vejam-se  os 
artigos  Vouzella  e  Zella,  supra. 

AddiçÕes 

Aproveitando  o  ensejo  de  fallar  de  ura 
rio  que  banha  a  villa  de  Vouzella  e  que  na 
opinião  commum  lhe  deu  o  nome,  consigna- 
remos aqui  mais  alguns  apontamentos  mui- 
to interessantes  para  o  esboceto  biographi- 
co  dos  illustres  vouzellenses  dr.  José  Maria 
de  Lima  Lemos  e  fr.  Bernardino,  seu  irmão, 
i  já  mencionados  no  artigo  Vouzella. 
j    A  casa  Lima  e  Lemos,  de  Fataunços,  não 
j  é  brazonada,  mas  foi  muito  considerada  e 
um  viveiro  de  doutor es\ . . . 

Nós  já  mencionámos  o  dr.  José  Maria  de 
Lima  e  Lemos,  que  foi  lente  de  direito  na 
Universidade,  e  seu  irmão  Fr.  Bernardino, 
lambem  formado  em  direito-  e  tiveram  ou- 
tro irmão.  Domingos  Libório  de  Lima  e  Le- 
mos,  lambem  formado  em  direito.  Seguiu  a 
magistratura  e  foi  nomeado  desembargador 
no  tempo  de  D.  Miguei,  mas  não  chegou  a 
tomar  posse. 


2098  ZEL 


ZEL 


Tiveram  outro  irmão  —  Francisco  d! Al- 
meida Lima  e  Lemo$,  que  não  se  formou. 
Seguiu  a  vida  militar  e  morreu  de  18  annos 
com  a  patente  de  alferes. 

Foram  seus  pães  João  d'Almeida  Lemos, 
também  formado  em  direito,  e  D.  Marianna 
Angelina  de  Lima  e  Lemos,  ambos  de  Fa- 
taunços.  Teve  o  dr.  João  d' Almeida  Le- 
mos um  irmão  formado  em  direito  Antonio 
Tavares  d* Almeida  Lemos  -«-e  outro  doutor 
de  eapello  em  medicina— fienío  Joaquim  de 
Lemos,  —  que  foi  lente  de  prima  e  director 
d'aquella  faculdade.  Casou  com  D.  Maria 
Amália,  dona  da  quinta  do  Cidral,  em  Coim- 
bra, e  ali  viveram  e  morreram  sem  sueces- 
são.  pelo  que  deixaram  a  dieta  quinta  ao 
dr.  José  Maria  de  Lima  e  Lemos,  seu  sobri- 
nho, que  ali  viveu  com  elles  e  por  elles  foi 
educado,  e  por  morte  d'eile8  ali  viveu  tam- 
bém, mas  no  ultimo  quartel  da  vida,  ven- 
do-se  muito  doente  e  só,  passou  para  a  ca- 
sa da  hospedaria  do  convento  das  Therezi- 
nhas  e  ali  expirou,  como  já  dissemos  no  ar- 
tigo Vouzella. 

Mudou  para  a  hospedaria  do  convento, 
por  ser  confessor  e  director  espiritual  d'elle 
e  por  ter  ali  como  prelada  uma  sobrinha— • 
D.  Maria  Izabel,  que  ainda  hoje  (1889)  lá 
vive  com  opinião  de  santal. . . 


Foi  também  tio  do  dr.  José  Maria  de  Li- 
ma e  Lemos,  José  Bernardo,  dr.  em  mathe- 
maticã. 

Tendo  seguido  a  vida  eeclesiastiea,  pro- 
fessou na  ordem  dos  jesuítas  e  foi  martyri- 
sado  no  império  da  China,  onde  pelos  seus 
vastos  conhecimentos  chegou  a  ser  m.anda- 
rim  de  1^  classe,  como  premio  de  ter  sido 
mestre  do  filho  do  imperador  então  reinan- 
te,— discípulo  ingrato,  pois  subindo  ao  thro- 
no  mandou  matar  o  illastre  vouzellense  e 
mandarim,  seu  mestre,  por  não  querer  abju- 
rar a  religião  catholica. 

O  dr.  José  Maria  de  Lima  e  Lemos  nasceu 
eín  Fataunços,  a  3  kil.  de  Vouzella,  no  dia 
21  de  janeiro  de  1795. 

Estudou  os  preparatórios  em  Coimbra, 
vivendo  com  seus  tios  na  quinta  do  Cidral 


\  e  d'all  se  formou  e  tomou  eapello  em  cano- 
j  nes,  ficando  logo  opposiior  da  faculdade. ' 


I  Era  1826  foi  nomeado  deão  de  Leiria,  on- 
de viveu  até  1830,  vindo  depois  reger  a  ca- 
deira de  lente  de  prima  na  Universidade  e 
vivendo  na  companhia  dos  seus  menciona- 
dos tios  na  quinta  do  Cidral.  Fallecendo  o 
tio  dr.  Bento,  continuou  a  viver  com  a  lia 
viuva  até  à  morte  d'ella,  ficando  herdeiro 
universal  dos  dois  e  dono  da  quinta  do  Ci- 
dral, onde  continuou  a  viver,  pelo  que  era 
no  meu  tempo  conhecido  por  dr.  José  Maria 
do  Cidral. 

O  irmão,  —  Fr.  Bernardino  da  Virgem 
Santíssima,  varatojanoe  também  dr.—  antes 
da  profissão  chamava-se  João  d' Almeida. 

Recusou  o  arcebispado  d'Evora  no  tem- 
po d'el-rei  D.  João  VI,  e  ainda  ultimamen- 
te, depois  da  restauração  do  governo  liberal, 
recusou  o  mesmo  arcebispado,  pois  no  tem- 
po da  rainha  D.  Maria  II  lhe  foi  oíTerecido 
pelo  duque  de  Saldanha. 

O  dr.  Domingos  Libório  casou  na  fregue- 
zia  de  Avanca,  no  concelho  d'Estarreja,  com 
D.  Joaquina  Generosa  de  Lemos  Rezende, 
da  qual  teve  uma  filha— D.  Maria  José  Re- 
zende, actual  dona  da  quinta  do  Cidral, — e 
um  filho — dr.  José  Maria  de  Lemos  Almei- 
da Valente,  formado  em  leis,  casado  e  com 
successão.  E'  o  dono  da  casa  de  Fataunços 
e  representante  d'esta  nobre  família.  Seguiu 
a  magistratura  e  é  actualmente  juiz  de 
-  classe. 


O  capitalista  e  commendador  Cidade,  de 
quem  já  fizemos  menção  no  art.  Vouzella^ 
nasceu  na  aldeia  de  Cereosa,  freguezia  de 
Campia,  onde  tem  ainda  hoje  uma  prima, — 
e  teve  uma  irmã,  que  casou  na  aldeia  de 
Sabrosa,  freguezia  da  Trapa,  com  José  de 
Mattos,  o  qual,  sendo  já  viuvo,  e  um  filho 
foram  os  herdeiros  prineipaes  do  dicto  com- 
mendador. 

Entre  os  Vouzellenses  illustres  raeneio- 
nàmos  o  rev.  dr.  João  Rodrigues,  de  Fa- 
taunços, como  prior  em  Lisboa. 


ZEL 


ZEL  209» 


foi  lapso,  pois  é  ali  cónego,  não  prior. 
Egidéa 

Com  relação  ao  iilustre  vouzellease  S.  Fr. 
iSil,  meneionaremos  também  aqui  a  Egidéa, 
ipoema  heróico,  ou  a  historia  da  protento- 
sa  vida  do  grande  penitente  S.  Fr.  Gil 
portugueZy  da  sagrada  ordem  dos  pregado- 
res...  Lisboa. . .  1788.* 

E'  um  pequenino,  mas  interessante  poe- 
ma em  9  cantos  e  15o  pag.  com  uma  gra- 
vura indulgenciada,  representando  o  altar 
de  S.  Fr.  Gil, — poema  hoje  muito  raro,  mas 
por  fortuna  possuímos  um  bom  exemplar, 
completo  e  muito  bem  tratado.^ 

O  dieto  poema  é  aoonymo  e  nem  o  Dic- 
cion.  Bibi.  delnnocencio,  nem  o  Manual  de 
Pinto  de  Mattos,  filho  de  Vouzella,  o  men- 
cionam; foi  porem  escripto  por  ura  medico, 
pois  principia  assim: 

«A  rara  conversão  do  varão  forte, 

De  um  moço  portuguez,  iilustre  e  santo, 

A  Victoria  feliz,  a  feliz  sorte, 

Contra  o  traidor  commum  medito,  e  canto; 


E  termina  assim: 

^Agora  meu  São  Gil  em  fim  Te  peço, 
Que  meu  benigno  sejas  advogado; 
Ainda  que  meus  versos,  eu  conheço, 
Te  tenhão  atégora  mal  louvado: 
Com  grande  devoção  eu  tos  oíTereço 
Porque  tenhas  em  mim  lodo  o  cuidado; 
Faze  pois,  que  te  imite  convertido; 
Medico,  e  peccaior  pois  tenho  sido.» 

O  mesmo  se  conelue  também  do  moào 
como  o  auctor  descreve  a  facilidade  que  os 
médicos  teera  de  seduzir  as  doentes  que 
tractam. 

Diz  elle: 


1  A  grande  Bibliotheca  publica  do  Púriq 
aão  possue  exemplar  algum  da  Egidéa. 


tDuas  muralhas  tem  a  castidade, 
Com  que  dos  vis  ataques  se  defende: 
O  pejo  natural  que  na  verdade, 
Baixeza  o  ser  vencida  sempre  entende; 
O  respeito  nascido  da  humildade 
Do  sexo  superior  quando  a  pretende: 
Mas  nada  pôde  mais  que  a  Medicina 
Estes  ambos  vencer  por  contramina. 

O  pejo  pouco  a  pouco  se  transforma 
Em  grande  confidencia  e  amizade. 
Logo  sem  reflexão  se  perde  a  norma 
Que  déra  a  educação  e  a  probidade: 
Hum  conceito  se  faz  por  esta  fórma 
Que  a  Medicina  he  só  sinceridade, 
Sem  receiar  que  vem  n'este  concreto 
Hum  lascivo,  gentil,  rico  e  discreto. 

Da  saúde  o  favor  faz  obrigada 

A  donzella  innoeente,  e  generosa, 

A  doença  bem  pouco  acautelada, 

E  de  não  ser  ingrata  desejosa: 

O  Medico  que  vé  tão  maltratada 

A  belleza  na  febre  perigosa. 

Solicito  na  cura  mais  se  esforça, 

E  ambos  sem  reflexão  se  amão  por  força. 

Quando  a  doente  está  convalescida, 
Elle  mais  que  contente  satisfeito 
Se  mostra  por  lhe  ter  salvado  a  vida 
No  perigo  era  que  a  vira  com  effeito: 
Ella  por  não  faltar  agradecida, 
Cora  a  raelhora  aíBrma  o  seu  conceito. 
Quando  já  sem  remédio  reconhece, 
Que  com  outros  symptomas  adoece. 

Mas  quando  a  reflexão  já  determina 
O  mesmo  derribar,  que  sustentára 
Quando  o  lascivo  Medico  machina 
A  mesraa  cativar  que  libertara: 
Só  cora  temor  de  Deos,  força  divina 
Assalto  tão  perigoso  se  repara; 
Só  com  granles  auxílios  e  virtudes, 
Donzella,  escaparás,  por  mais  que  estudes!..» 

Canto  2.°,  estancias  XXH  a  XXXI. 

Do  exposto  se  vô  que  o  auctor,  alem  da 
ser  bom  poeta— eníewdí a  da  arte\ . . 


2100 


ZEP 


ZER 


Desculpem  a  traDscripçâo,  pois  veia  a 
propósito  e  serve  para  fechar  e  amenisar 
tão  loDgo  como  insulso  artigo. 

Do  contexto  do  poema  também  se  iofere 
que  o  auctor  vivia  em  Santarém.  Talvez 
fosse  natural  d'aquella  cidade,  então  villa. 

ZELADORES  ou  ASSASSINOS,  —  medo- 
nha seita  ou  facção  de  judeus,  formada  no 
anno  7.»  de  Christo  por  Judas  galileu. 

Diziam-se  propugnadores  da  liberdade  e 
da  gloria  de  Deus  e  chegaram  a  ter  grande 
partido, — bateram  os  romanos  e  apodera- 
ram-se  de  Jerusalém,— mas  em  breve  foram 
exterminados,  poKiue  praticaram  os  maio- 
res excessos  e  assassinaram  milhares  de 
pessoaá,  como  diz  Josephe  De  Bello  Jud. 

ZELADORE  S  ou  VIGIAS,  —  empregados 
das  camarás  do  Porto  e  de  Lisboa  que  ti- 
nham e  teem  a  seu  cargo  velar  pelo  cum- 
primento das  posturas  municipaes. 

ZELOBRIGA-V.  Celiobriga,  tomo  2.»  pag. 
230,  col.  1.» 

ZENITH— do  árabe  semty  ou  ^emt-anas— 
ponto  vertical. 

E'  o  ponto  que  no  firmamento  ou  no  alto 
do  ceu  corresponde  perpendicularmente  á 
nosssa  cabeça,  em  qualquer  parte  que  este- 
jamos, no  mar  ou  na  terra.  Conlrapõe-se-lhe 
o  nadir,  ponto  vertical  e  opposto  no  hemis- 
pherio  dos  antípodas. 

«No  mesmo  século,  que  deeem  huns,  vão 
subindo  outros,  e  ainda  no  mesmo  dia  ap- 
parece  no  Zenith  hum  astro,  e  o  que  estava 
no  Nadir  ganha  o  logar,  que  elle  deixa.» 

Barreto,  Pratica  entre  Heraclicto  e  Demó- 
crito, 61. 

ZEPHYRO-deus  da  fabula. 

Favorecia  a  criação  das  flores  e  dos  fru- 
ctos;  dava  alento  ás  plantas,  vigor  e  vida  a 
todas  as  producções,  pelo  que  o  denomina- 
ram Yephyro,  de  zoi — vida,  e  pherin  —  tra- 
zer, como  quem  traz  e  dá  vida. 

Representavam-no  por  um  gentil  e  galhar- 
do mancebo,  coroado  de  flores. 

Depois  denominou-se  também  zephyro  o 
vento  que  sopra  da  parte  do  poente.  Traz 
comsigo  as  chuvas  e  incommoda  bastante; 
os  poetas  antigos  porém  denominaram  ven- 
to zephyro  o  vento  brando  e  agradável,  que 
laz  abrir  as  flores  e  recreia  toda  a  natureza. 


A  zephyro  e  outros  ventos  dá  Hezioda 
por  paes  Astreu  e  a  Aurora. 

Ao  vento  zephyro  também  davam  o  nome 
de  favonio  os  poetas  latinos. 

ZERALHÓA,— ponte  de] pedra  antiquíssi- 
ma na  ribeira  da  Teja,  confluente  do  Douro 

V.  Teja,  vol.  9.»  pag.  524,  col.  2  • 

Ampliemos  um  pouco  mais  aquelle  ar- 
tigo. 

A  ribeira  da  Teja  nasce  a  N.  e  no  conce- 
lho de  Trancoso,  junto  da  antiquíssima  vil- 
la de  Moreira  de  Rei,^  lado  O.  e  da  povoa- 
ção e  freguezia  limilrophe  da  Castanheira^ 
lado  E.,  pois  entre  estas  duas  paroehias  prin- 
cipia o  valle  da  Teja.  Corre  a  N.;  passa  i 
kil.  a  E.  do  Terranho,  onde  principia  a  en- 
grossar com  as  aguas  da  celebre  fonte  da 
Milho,  que  dá  86:400  litros  d'agua  em  24. 
horas  e  faz  a  riqueza  e  fertilidade  d'aquella. 
parochia.2  Cerca  de  2  kil.  a  jusante  passa  a. 
0.  de  Casteição,  que  lhe  fica  á  direita  e  dis- 
tante pouco  mais  de  2  kil.  Continua  avan- 
çando para  N.  deixando  á  direita  as  povoa- 
ções e  freguezias  de  Outeiro  dos  Gatos,  Me- 
da, Cancellos,  Poço  do  Canto,  Valle  do  Por- 
co, Sebadelhe  e  Seixas; — á  esquerda  as  po- 
voações e  freguezias  da  Torre,  Prova,  Ave- 


1  V.  Moreira  de  Rei,  tomo  pag.  548> 
col.  %%—Viariz,  tomo  10.»  pag  466,  col.  l.» 
—  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1:700,  col.  2.»;— 
Villa  Nova  de  Tazem,  tomo  10."  pag.  888 — 
e  Moreira  de  Rei  no  supplemento,  onde  da- 
remos largas  noticias  d'aquella  interessan- 
tíssima estancia  areheologica  e  talvez  pre- 
histórica?!. . . 

2  V.  Terranho,  vol.  9.»  pag.  551,  col.  1.» 
in  fine  e  segg. 

De  passagem  diremos  que  já  falleceu 
Christovam  d'Almeida  de  Sá  Menezes,  ali 
mencionado,  1.»  visconde  da  Torre  do  Ter- 
ranho, casado  com  D.  Maria  Amélia  d'Agui- 
lar  Teixeira  Cardoso,  filha  do  dezembarga- 
dor  Bernardo  de  Lemos  Teixeira  d'Aguilar.. 
A  dieta  senhora  vive  na  sua  nobre  casa  do 
Terranho,  com  uma  filha  única — D.  Ignacia 
d' Almeida  Sá  Menezes  d'Aguilar,  ainda  sol- 
teira, que  nasceu  em  outubro  de  1870. 

Na  freguezia  do  Terranho  grassa  no  mo- 
mento (julho  de  1889)  uma  medonha  epide- 
mia de  lyphos.  Já  matou  19  pessoas  no  cur- 
to praso  de  15  dias,  contando  actualmente 
aquellã  povoação  apenas  130  fogos. 


ZER 


ZER  2101 


loso,  Sapateira,  Telhai,  Ranbados,  Gedavitn^ 
Horta  e  Numão,  terra  pobre  pela  sua  posi- 
ção elevada  e  alpestre,  encostada  aos  velhos 
muros  da  antiga  cidade  romana  (?)  ainda 
soffrivelmente  conservados.  V.  Numão, 

Finalmente  morre  na  margem  esquerda 
do  Douro,  a  0.  da  celebre  quinta  do  Vesú- 
vio ou  das  Figueiras,— tenáo  de  curso  total 
cerca  de  60  kilometros. 


Não  rega  muitos  campos,  porque  era  ge- 
ral corre  funda  por  entre  penhascos  medo- 
nhos, eoratudo  em  Cedavim  rega  alguns  he- 
ctares de  óptimo  terreno,  conhecido  pelo 
nome  de  Talhamar> 

Defronte  de  Numão  começa  a  ribeira  a 
despenhar-so  sobre  o  profundo  valle  do 
Douro,  baixando  nos  últimos  5  kil.  talvez 
mais  de  600  metros,  sempre  comprimida  en- 
tre rochedos  gigantes. 

Offerece  um  espectáculo  imponente  e  ma- 
gestoso  a  dieta  ribeira  no  inverno  com  gran- 
de volume  d'agua,  despenhando-se  de  rocha 
em  rocha  até  cair  precipitadamente  no  Dou- 
ro da  altura  de  12  metros,  formando  no 
Douro  o  ponto  da  Teja. 

V.  Pontos  do  Douro,  vol.  7.»  pag.  199, 
col.  2.vn.«»  69. 

Não  longe  da  sua  confluência  com  o  Dou- 
ro tem  na  margem  direita  um  canal  ou 
grande  açude  de  i  kil.  d'extensão,  aberto 
em  rocha  viva,  que  vae  para  a  grande  quin- 
ta das  Figueiras,  onde  rega  pomares  e  move 
azenhas  e  moinhos.^ 


1  Cedavim  é  uma  das  freguezias  mais  im- 
portantes, mais  populosas,  mais  ricas  e  mais 
férteis  do  concelho  de  Villa  Nova  de  Fos- 
côa. 

V.  Cedavim  n'e8te  diccionario  e  no  sup- 
pleraento,  onde  ampliaremos  consideravel- 
mente aquelle  pequeno  artigo. 

Em  Cedavim  tinha  um  dos  seus  solares  o 
desembargador  Bernardo  de  Lemos  Teixei- 
ra d'Aguillar,  eomprehendendo  nobre  casa 
e  muitos  bens  que  pertencem  hoje  aos  seus 
filhos. 

V.  Aguilares  no  fim  d'este  artigo  Zeralhôa. 

2  De  passagem  diremos  que  a  dieta  quin- 


Eotre  o  Poço  do  Canto  e  Ranhados,  mès- 
mo  nas  margens  da  ribeira,  ha  duas  antigas^ 
povoações  em  ruinas  :  --  Chão  do  Rego,  do 
lado  O.  pertencente  à  freguezia  de  RanhO' 
dos. 

Tem  15  casas,  algumas  de  boa  construe- 
ção,  mas  em  abandono,  e  aguas  sulfurosas 
de  que  o  povo  se  utilisa.  Â  outra  povoação 
pertence  á  freguezia  do  Poço  do  Cano;  de- 
nomina-se  Poio—e  terá  12  casas,  todas  em 
ruinas. 

Ha  também  perto  em  uma  elevação  5  ca- 
sas, abandonadas  ha  muito,  no  sitio  do  Ca- 
vallinho.  Consta  que  os  habitantes  d'estas 
povoações  as  deixaram  por  causa  das  formi- 
gas e  que  foram  estabelecer-se  no  Poço  do 
Canto. 

Ainda  hoje  por  estes  sitios  alguns  annos. 
no  verão  as  formigas  são  uma  verdadeira 
praga,  como  nós  já  tivemos  oceasião  de  ver 
na  povoação  da  Cogulla,  concelho  de  Tran- 
coso,— sendo  aliás  a  povoação  mais  rica  e 
uma  das  mais  bem  agricultadas  d'aquelle 
concelho. 

V.  Cogulla  n'este  diccionario  e  no  supple- 
mento. 


I 

ta  é  uma  das  poucas  do  Alto- Douro  que,  de- 
pois da  invasão  philloxerica,  ainda  se  con- 
serva muito  viçosa  e  produzindo  grande^ 
quantidade  de  vinho,  porque  os  seus  riquís- 
simos proprietários  não  se  pouparam  nem 
poupam  a  despezas  para  salval-a. 

E'  agora  toda  atravessada  de  leste  a  oeste 
pela  linha  férrea  do  Douro,  na  qual  tem  es- 
tação própria  (o  apeadeiro  do  Vesúvio)  jun- 
to do  palacete  principal  e  jardins  da  grande 
quinta,  ficando  não  longe  a  montante  a  es- 
tação do  Freixo — e  a  juzante  a  de  Vargiel- 
las,  a  pequena  distancia  da  ponte  lançada 
sobre  o  Douro  e  pela  qual  a  linha  férrea  o 
atravessa  a  montante  do  Cachão  da  Valleira, 
passando  para  a  margem  direita,  pela  qual 
segue  até  o  Porto. 

Cora  relação  á  grande  quinta,  V.  Vesúvio 
tomo  10.°  pag.  316,  col  2.»— e  Douro  Illus- 
trado,  pag.  81  a  99;  com  relação  a  linha  do 
Douro  V.  Vias  férreas,  no  mesmo  tomo  10." 
pag.  471,  col.  2.»;  e  com  relação  ao  celebre 
ponto  do  Cachão  da  Valleira  V.  Pontos  do 
Douro— e  Villa  Secca  d'Armamar,  tomo  ii." 
pag.  1:059  e  segg. 


2102  ZER 


ZER 


As  formigas  atravessavam  campos,  viohas 
e  olivaes  era  grosso  cardume  junto  das  ca- 
sas e,  apesar  da  guerra  que  lhes  faziam  ma- 
tando milhões  d'ellas,  não  podiam  extin- 
guil-asi ... 

Isto  é  um  facto  que  nós  presenciámos- 
Não  admira,  pois,  que  em  tempos  mais  re- 
motos, quando  o  nosso  paiz  estava  em  gran- 
de parte  incQlto,  as  formigas  obrigassem  os 
habitantes  d'algua3  povos  a  mudar  de  local, 
como  a  tradição  diz  que  mudaram  os  habi- 
tantes d'aquella3  aldeias  e  d'outras  muitas} 

Moinhos  e  pontes 

A  Teja  move  mais  de  70  moinhos  de  ce- 
reaes,  alguns  pisões  e  differentes  moinhos 
d'azeite  na  quinta  das  Figueiras  e  n'outros 
sitios. 

Tem  3  pontes  de  madeira  e  5  de  pedra, 
sendo  duas  d'estas  antiquíssimas  e  attribui- 
das  aos  romanos:~a  de  Cedavim,  na  fre- 
guezia  à'este  nome,  —  e  a  da  Zeralhóa,  na 
freguezia  de  Numão,  ambas  no  concelho  de 
Villa  Nova  de  Foscôa 

As  outras  pontes  de  pedra  demoram — 
uma  na  freguezia  de  Avelloso,  concelho 
da  Meda;  outra,  denominada  de  S.  Sebastião 
(por  estar  juQto  de  uma  eapelia  do  martyr) 
na  freguezia  do  Terranho,  concelho  de  Tran- 
coso; e  oulra,  ainda  em  construcção  n'esta 
data  (1889)  a  jusante  de  Cedavim,  na  estra- 
da nova  a  macadam  de  Cedavim  ao  apeadei- 
ro da  quinta  do  Vesúvio  na  linha  férrea  do 
Douro, — estrada  ainda  por  concluir.  Apenas 
tem  7  kilometros  acabados. 


O  terreno  do  valle  da  Teja  é  pouco  mi- 
DQoso  e  varia  muito  de  temperatura  com  as 
grandes  diíTurenças  de  exposição  e  altitude. 

Junto  do  Douro  ó  ardentíssimo  e,  se  não 
^ora  tão  escabroso  e  tão  eriçado  de  pene- 
dos, podia  produzir  óptimo  vinho  e  óptimas 


1  V.  Minhocal,  tomo  5.»  pag  239,  col. 


laranjas,  como  produz  a  quinta  do  Vesú- 
vio. 

A  montante  de  Numão  é  bastante  frio  e 
as  suas  producçòes  principaes  são  centeio, 
milho,  vinho  de  mesa,  batatas,  castanhas  e 
nabos. 

Também  é  abundante  de  caça  miúda  e 
cria  bastante  gado  lanígero. 

Os  nabos  são  uma  especialidade  da  villa  e 
concelho  da  Meda.  Costumam  partil-os  com 
machados  para  os  darem  aos  bois  e  fazem 
d'elle3  bancos  para  se  sentarem  á  lareira, 
pois  são  tão  volumosos  que  parecem  abóbo- 
ras, chegando  a  pesar  uma  arroba  (15  kilos) 
cada  um?í... 

É  terreno  privilegiado  para  aquella  pro- 
ducção,  como  o  do  Alto  Douro  para  o  vinho 
fino,  o  da  minha  Penajoia  para  as  cerejas,  o 
de  Amarante  para  os  pecegos,  o  de  Villa 
Nova  de  Gaya  para  os  morangos,  o  da  Ser- 
ra da  Estrella  para  o  queijo,  o  de  Setúbal  e 
S.  Mamede  de  Biba-Tua  para  as  laranjas,  o 
do  alto  de  Traz  os  Montes  para  a  couve  pen- 
ca,i  o  de  Murça,  Melgaço  e  Lamego  para 
presuntos,  o  da  Elvas  para  a  couve  flor  e 
azeitonas  de  conserva,  o  do  Algarve  para  os 
figos,  o  do  Alemtejo  para  os  paios  e  o  da  ri- 
beira da  Villariça  para  o  milho  grosso,  me- 
lões e  cânhamo. 

V.  Villariça,  tomo  11.»  pag.  1:311,  col. 
2.»  e  segg. 

Note-se  porem  que  na  Villariça  a  produc- 
ção  é  quasi  espontânea.  Não  demanda  cui- 
dados, regas,  mondas,  nem  adubos,  emquan- 
to  que  na  Meda  costumam  dar  6  a  8  arados 
aos  terrenos  que  destinam  para  os  nabaes, 
isto  é,  lavram-nos  6  a  8  vezes  e  adubam-nos 
prodigamente. 


^  Ali  as  dietas  couves  chegam  a  pesar  uma 
arroba  (15  kilos)  e  mais,  cada  uma?l . . .  E 
são  muito  saborosas  e  tão  mimosas,  que  por 
vezes  as  cosinham  sem  agua  e  dão  um  pra- 
to delicioso! . . . 

Mettem  os  olhos  (espécie  de  repolho)  da 
couve  em  uma  caçoula;  com  o  calor  do  lu- 
me dão  humidade  suíflciente  para  se  guiza- 
rem; — temperam-nos ou  adubam-nos— e as- 
sim os  cosinham  sem  agua. 


ZER 

Aguilares  de  Cedavim  \ 

— José  Teixeira  d' Aguilar  e  Lemos. 
— Antonio  de  Lemos  Teixeira  de  Agui- 
lar e 

— Bernardo  de  Lemos  Teixeira  d' Aguilar 
— eram  irmãos  e  foram  lodos  3  pares  do 
reino. 

O  1."  seguia  a  vida  militar;  foi  capitão  de 
engenheiros  e  governador  civil  de  Braga,  etc. 

O  2.»  seguiu  a  magistratura  e  foi  apresen- 
tado com  as  honras  de  conselheiro  do  su- 
premo tribunal  de  justiça. 

Sendo  já  viuvo  e  s.  g.  casou  com  sua  cu- 
nhada D.  Barbara  Maria  da  Silva  Tello  de 
Noronha,  filha  dos  marquezes  de  Vagos  e 
t€ve  2  filhos— Francisco  e  José,  ambos  ain- 
da solteiros. 

Bernardo  de  Lemos  Teixeira  de  Aguilar 
seguiu  lambera  a  magistratura  e  foi  conse- 
lheiro do  supremo  tribunal  de  jusliça. 

Casou  com  D.  Ignaeia  Adelaide  Cardoso 
Barata  Vasconcellos^  de  Villarinho  de  S. 
Romão,  e  tiveram  os  6  filhos  seguintes: 

1.  "— José  d'Aguilar  Teixeira  Cardoso,  ba- 
charel formado  em  direito  e  ainda  solteiro. 

2.  »— Franeisto  d'Aguilar. 

FâUeeeu  em  1888  no  eslado  de  solteiro 
também. 

S.'— D.  Maria  do  Patroeinio,  ainda  sol- 
teira. 

4.  « — Bernardo  d*Aguilar,  engenheiro  ci- 
vil, casado  e  c.  g. 

V.  Viseu,  tomo  H.«  pag.  1729,  col.  2.»  e 
i740, 

5.  °— D.  Maria  Amélia,  mencionada  supra, 
—viscondessa  da  Torre  do  Terranho,  viuva 
e  c.  g. 

6.  °— D.  Maria  do  Carmo,  ainda  solteira. 
Herdaram  de  seus  paes  muitos  bens  nas 

freguezias  de  Cedavim  e  Banhados  e  em  ou- 
tras dos  concelhos  da  Meda,  Foscôa,  Regoa, 
Sabrosa,  Porto  e  Lisboa,  pelo  que  os  irmãos 
solteiros,  vivem  habitualmente  em  Lisboa, 
na  rua  das  Escolas  Geraes,  n.»  14. 


Os  3  pares  do  reino  mencionados  supra, 
eram  filhos  de 


ZER  2103 

—Francisco  Teixeira  Rebello  Bravo  d'A- 
guilar^  senhor  dos  morgados  de  Cedavim^ 
Castro  d'Ayre  e  outros  em  Braga. 

Casou  com  D.  Maria  Ludovina  de  Lemos 
Alvim  e  Carvalho,  da  casa  de  Santar,  e  era 
filho  de 

—Francisco  Xavier  Teixeira  Rebello,  C 
O.  Ch. 

Casou  com  D.  Joanna  Josefa  de  Azeredo 
Leite,  e  era  filho  de 

—José  Teixeira  Rebello  Cardoso  d^Agui- 
lar. 

Casou  com  D.  Anna  Maria  Pereira  de  Me- 
nezes, e  era  filho  de 

—Francisco  Saraiva  Cardoso  d^Aguilar, 
capitão  mór  de  Trancoso  e  Pena  Verde. 

Casou  com  D.  Maria  d'Almeida  Cardoso, 
herdeira  e  administradora  do  vinculo  de 
Nossa  Senhora  da  Conceição,  instituído  em 
Cedavim  por  Filippe  Rebeilo  e  sua  mulher 
D.  Guiomar  Cardoso  em  15i3,  a  quem  n'e3- 
se  anno  foi  concedido  brasão  d'arma8. 

O  dicto  Francisco  Saraiva  era  filho  de 

— Francisco  Saraiva  d' Aguilar. 

Casou  com  D.  Maria  de  Sousa,  seudo  fi- 
lho de 

i    —Manoel  Luiz  de  Carvalho  e  Aguilar. 
i    Casou  com  Catharina  Saraiva,  sendo  fi- 
lho de 

— Francisco  Lopes  d' Aguilar,  casado  com 
D.  Maria  da  Gama,  filho  de 

—Alvaro  Lopes  d' Aguilar,  fidalgo  da  casa 
d'el-rei  D.  Manoel. 

Casou  com  D,  Antónia  de  Lucena,  e  era 
filho  de 

—Tello  d^Aguilar,  natural  da  Hespanha, 
descendente  de  Fernam  de  Goios,  que  com 
seu  pae  Nuuo  Gonçalo  de  Goios  vieram  para 
Portugal  no  tempo  de  D.  João  I,  e  com  seu 
irmão  Pedro  de  Goios  seguiram  o  partido 
da  rainha  D.  Leonor,  mulher  d'el  rei  D. 
Duarte,  como  se  pôde  ver  na  Chronica  d'El- 
Rei  D.  Affonso  Fpor  Duane  Nunes  de  Leão 
cap.  2.»  e  9." 

Aguilares  de  Braga  e  Castro  d'Ayre, 
ramo  dos  Aguilares  de  Cedavim 

— Francisco  Saraiva  Cardoso  d' Aguilar, 
mencionado  supra,  era  neto  materno  de 


2104  ZEK 


ZEV 


Francisco  Teixeira  Rebelio  Cabral  e  de  D. 
Guiomar  d  Almeida  Cardoso,  o  qual  foi  mes- 
tre de  campo  da  comarca  de  Pinhel  e  valo- 
rosamente defendeu  a  praça  d'Almeida  con- 
tra o  duque  de  Ossuna  em  tempo  de  el-rei 
D.  Pedro  II. 

D.  Guiomar  d'Almeida  era  neta  de  Affon- 
so  Rodrigues  da  Guerra,  alcaide  mór  de  Nu- 
mão,*— e  filha  legitima  de  Diogo  Cardoso  de 
Almeida,  que  foi  armado  cavalleiro  por  Ber- 
nardim de  Carvalho  era  Tanger,  a  27  de  ju- 
nho de  15Õ7,  o  que  foi  confirmado  por  el-rei 
D.  Sebastião,  fazendo- lhe  também  mercê  da 
aleaidaria  mór  de  Numão  em  1360. 


D.  Anna  Maria  Pereira  de  Menezes,  mu- 
lher de  José  Teixeira  Cardoso  d'Aguilar, 
mencioDado  supra,  era  bisneta  de  Lourenço 
de  Carvalho  Rangel  (C.  O.  Ch.e  capitão  mór 
de  Castro  d'Ayre,  fundador  do  morgado  d'a- 
quella  casa)  e  de  sua  mulher  D.  Filippa  de 
Sousa  Bravo  de  Menezes,  da  cidade  de  Bra- 
ga, descendente  d'AIvaro  da  Moita  Pinto, 
que  assistiu  á  tomada  de  Azamor  e  falleeeu 
contando  a  bagatella  de  120annos  deidade. 

Alvaro  da  Moita  era  filho  de  Vasco  da 
Moita  Pinto,  que  foi  armado  cavalleiro  por 
D.  Garcia  de  Meneses  e  confirmado  por  el- 
rei  D.  Manoel  em  8  d'abril  de  1516. 

Vasco  da  Moita  era  filho  de  Bernardo  de 
Carvalho  e  Azevedo,  alcaide  mór  de  Braga, 
cavalleiro  da  ordem  de  Santo  Estevam  de 
Florença,  e  de  sua  mulher  D.  Magdalena  da 
Gran  Barbosa,  filha  de  Manoel  da  Gran  e  de 
sua  mulher  Cecilia  Barbosa. 

Manoel  da  Gran  era  filho  de  Isabel  Pires 
da  Gran  e  de  seu  marido  João  de  Sottomaior 
e  irmã  de  Pedro  da  Gran,  ultimo  commen- 
dador  de  Carvoeiro,  que  instituiu  o  vinculo 
da  Capella  das  Santas  Chagas  na  egreja  de 
S.  Thiago  da  cidade  de  Braga. 

Isabel  Pires  da  Gran  era  filha  de  Cons- 


1  Esta  aleaidaria  andou  nos  Aguilares  de 
Cedavim  até  1580. 


I  tancia  Brito  da  Gran,  casada  com  Ruy 
d'Abreu,  filho  de  Sebastião  Tavares  de  Bri- 
to e  de  sua  mulher  Brites  de  Brito, — e  bis- 
neta de 

Sebastião  Rodrigues  da  Gran,  alcaide  mór 
de  Chaves,  cavalleiro  no  tempo  de  D.  Joãa 
II,  filho  de 

Ruy  Gomes  da  Gran,  filho  de  Gomes  da 
Gran  e  neto  de 

Esteves  Gomes  da  Gran,  fidalgo  do  tempo 
d'el-rei  D.  João  I.  ; 

ZETAS  ou  ZATAS,— rio  do  Alemtejo. 

Nasce  perto  de  Villa  Fernando  e  desagua 
na  margem  esquerda  do  Tejo  abaixo  de  Sal- 
vaterra, com  24  legoas  de  curso.  Seus  affluen- 
tes  á  direita  são  Ervedal  e  Sor;  á  esquerda 
o  Divor.  Alguém  dá  também  ao  rio  Zeías  o- 
nome  de  Ervedal.— E'  isto  o  que  diz  o  Fia- 
viense;  o  meu  antecessor  também  indicou  o 
Zetas  entre  os  confluentes  do  Tejo,  mas  a 
Chorographia  Moderna  e  o  Mappa  de  J.  B. 
de  Castro  não  mencionam  tal  rio.  Deram-lhe 
provavelmente  outro  nome. 

Por  descargo  de  consciência  direi  que  o 
Flaviense  também  me  não  inspira  confiança, 
pois  deu  o  Sorraia  como  pequeno  rio  que 
entra  no  Tejo  acima  de  Salífaterra  de  Ma- 
gos, emquanto  que  os  meus  mappas  dão  o 
Sorraia  como  ura  grande  rio  que  desagua 
no  Tejo  muito  abaixo  de  Salvaterra,  tendo 
como  tributarias  ou  aííluentes  muitas  ribei- 
ras importantes, — todas  as  que  banham  com 
differentes  nomes  o  Alemtejo  desde  a  villa 
de  Ponte  de  Sor  até  Alpalhão,  Portalegre, 
Monforte,  Estremoz,  ArrayoUos  e  Monte- 
mor o  Novo.  Tem  pois  uma  bacia  hydro- 
graphica  iramensa  e  não  pôde  dizer-se  ria 
pequeno. 

Mas  qual  é  o  rio  Zetas'^ 
Provavelmente  é  uma  das  muitas  ribeiras 
afiluentes  do  Sorraia,  mas  nenhuma  d'ella» 
tem,  como  diz  o  Flaviense,  2i  legoas  de 
curso. 

Dicant  transtagani. 
ZEVRARIO  ou  ZEBRARIO. 
Nas  demarcações  do  grande  couto  do  mos- 
teiro de  Crestuma,  que  se  estendia  pelas 
duas  margens  do  Douro,  se  faz  menção  na 
terra  de  Souza  do  Monte  Zevrario,  isto  é> 
Monte  de  «aca*— diz  Viterbo. 


ZEZ 

Livro  Preto  de  Coimbra,  fl.  39,  doe.  do 
aDDo  922. 

Viterbo  dá  Zebro  e  Zebra  como  synony- 
roos  de  boi  e  vaca,  mas "  Bluteau  e  Moraes 
dão-lhes  significação  muito  differente. 

V.  Zebra,  supra. 

ZÊZERE  (Santa  Marinha  do)  freguezia  do 
concelho  e  comarca  de  Baiào,  districto  e 
diocese  do  Porto  na  província  do  Douro. 

Abbadia. 

Orago,  Santa  Marinha— e  não  Santa  Ma- 
ria, como  se  lê  em  alguns  autores. 

Fogos  560,  habitantes  2:7S0. 

Em  1544  era  da  apresentação  dos  jesuitas 
d^Evora;  depois  passou  para  o  collegio  dos 
jeouitas  de  Coimbra,»  que  muitos  annos  re- 
ceberam todos  os  dízimos  d'ella,  até  que  es. 
tes  (não  sabemos  quando)  foram  divididos 
pelo  collegio  dos  jesuitas  d'Evora  e  pelo 
convento  benedictino  de  Travanca.* 

Extinctos  os  jesuítas  em  1759,  passou  o 
quinhão  d'elle3  para  a  Universidade,  mas 
depois  (lambem  não  sabemos  quando)  fo- 
ram os  dízimos  d'esta  parochia  divididos 
pelo  Papa,  pela  Mitra,  pelo  abbade  e  pelo 
convento  de  Travanca. 

Em  1706  pertencia  esta  parochia  ao  con- 
celho de  Baião  e  á  comarca  (corregedoria  e 
provedoria)  do  Porto;  era  abbadia  do  mos- 
teiro de  Travanca  no  concelho  de  Amarante, 
com  reserva;  tinham  os  padres  da  compa- 
nhia d'Evora  duas  partes  da  renda,  que 
montavam  a  2704000;  o  abbade  recebia 
300^000  réis,  e  a  freguezia  contava  270  fo- 
gos. 

Em  1768  era  da  aprezentaçâo  alternativa 
do  papa,  da  mitra  e  do  convento  de  Travan- 
ca; rendia  para  o  abbade  SOOi^OOO  réis  e 
contava  306  fogos. 

Em  1852,  segundo  se  lé  no  Flaviense,  era 
do  concelho  de  Baião,  comarca  de  Soalhães 
€  contava  471  fogos. 

,  O  censo  de  1864  deu-lhe  482  fogos  e 
1:913  habitantes; —  o  de  1878  deu-lhe  511 
fogos  e  2:207  habitantes—e  hoje  (1889)  cõn- 


1  Veja  se  o  tópico  m\vA— Pergaminhos. 
*  V.  Travanca,  vol.  9.»  pag.  728,  col.  2.* 


ZEZ  2105 

ta  aproximadamente  560  fogos  e  2:750  ha- 
bitantes. 


Tem  augmentado  e  augmenta  a  sua  popu- 
lação, porque  o  seu  clima  é  temperado  e 
muito  saudável;  o  seu  chão  é  muito  arbori- 
sado  e  bem  agricultado,  e  sem  ter  pântanos, 
tem  abundância  de  excellente  agua  nativa 
de  veia  corrente,  tanto  potável  eomo  de  re- 
ga. Além  d'isso  está  abrigada  do  norte  em 
pendente  rápida  sobre  a  margem  direita  do 
Douro,  francamente  exposta  ao  sul  e  muito 
batida  do  sol.  Tudo  isto  é  saúde  e  vida  e 
explica  a  vantajosa  desproporção  que  se  dá 
entre  o  numero  dos  fogos  e  dos  habitantes, 
pois  tendo  em  geral  no  nosso  paiz  cada  fo- 
go termo  médio  4  habitantes,  os  560  fogos 
d'esta  freguezia  deviam  dar  2:240  habitan- 
tes, mas  dão  2:750,  quasi  5  habitantes  por 
fogo. 

Por  serem  muito  vigorosas,  são  muito 
prolíficas  as  mulheres  d'e8ta  parochia  e  não 
raras  vezes  de  um  só  parto  dão  dois  filhos 
e  mais\ . . . 

j    Também  aqui  trivialmente  se  encontram 
pessoas  de  80  a  90  annos  de  idade. 


Demora  na  extremidade  E.  S.  E.  do  con- 
celho de  Baião  ao  longo  da  margem  direita 
do  Douro  e  da  sua  linha  férrea,  na  qual  tem 
a  estação  da  Ermida;— é  banhada  por  2  rios 
— Douro  e  Teixeira— 6  por  dois  grandes  ri- 
beiros ou  rios  mais  pequenos:-— SíVua  Rosa 
e  Zêzere,  atravessando-a  este  ultimo  de  nor- 
te a  sul  e  passando  junto  da  sua  egreja  ma- 
triz, pelo  que  tomou  d'elle  o  nome. 

A  dieta  egreja  demora  em  sitio  alto,  ale- 
gre e  vistoso  na  margem  direita  do  Zêzere, 
do  qual  dista  cerca  de  300  metros  para  O.; 
2  kil.  da  margem  direita  do  Douro  e  da  es- 
tação da  Ermida  para  N.;  12  de  Campello, 
séde  actual  do  concelho  e  da  comarca,  para 
E.;  87  do  Porto  e  424  de  Lisboa. 

Freguezias  limitrophes:  —  Frende  (alem 
do  rio  Teixeira)  Loivos  da  Ribeira,  Trezou^ 


2106  ZEZ 

rasi  e  Gestaçô  a  E.;  —  Valladares  a  N.;-S.  i 
Thomé  de  Covellas  a  O.  —  e  Rezende,  alem  | 
do  Douro,  a  S.  j 

Produeções  dominantes  :  —  milho,  vinho, 
azeite,  batatas,  castanhas,  hortaliça,  herva- 
gens,  linho  e  frueta  de  toda  a  qualidade,  in- 
clusivamente laranjas,  o  que  prova  que  o 
clima  é  doce. 

Também  produz  nas  terras  seccas  cen- 
teio, trigo  e  cevada  e  cria  bastante  gado  bo- 
vino e  suino  e  algum  lanígero,  mas  pouco. 

O  vinho  é  verde  e  de  enforcado,  como  no 
Minho,  mas  de  boa  qualidade,  e  o  que  ouve 
ranger  a  espadella,  criado  no  fundo  da  gran- 
de enaosla  ao  longo  da  margem  direita  do 
Douro,  é  bastante  maduro.  Se  fosse  colhi- 
do à  parte,  confundia-se  com  o  do  baixo- 
Corgo,  porque  os  dictos  chãos  em  geral  são 
seccos  e  ardentíssimos  no  verão  e  ha  por  ali 
bastantes  vides  baixas,  como  as  do  Douro. 

Note-se  que  o  chão  d'esta  freguezia  é 
muito  accidentado  e  muito  declivoso  com 
pendente  rápida  sobre  o  sul  ou  sobre  o  , 
Douro, -- pendente  tão  rápida  que,  não  se 
afastando  a  extremidade  N.  doesta  freguezia 
talvez  mais  de  8  kilometros  da  margem  do 
Douro,  attinge  talvez  mais  de  SOt>  melros  de 
altitude  sobre  o  nivei  do  rio,  pelo  que  o  seu 
clima  não  é  uniforme.  Varia  com  a  altitude. 
É  fresco  na  parte  alta;  temperado  na  parte 
media— 6  ardentíssimo  na  parte  baixa  de 
verão,  pois  no  inverno  mesmo  ali,  como  sue- 
cède  nas  margens  de  todo  o  Douro,  por  ve- 
zes ó  insupportavel  o  frio,  nomeadamente 
quando  sopra  o  vento  leste,  ali  denominado 
suão  e  secca  silvas,  pois  queima  as  próprias 
silvas,  tão  agrestes  e  tão  vivasesl ...  E'  o 
vento  que  vem  da  Hespanha  encanado  pelo 
Douro  e  que  talvez  desse  curso  á  locução 
vulgar  portogueza:— Do  Hespanha  nem  ven- 
to, nem  casamento. 


1  Este  nome  de  Trezouras  provem  talvez 
de  Trezoy,  nome  próprio  godo  ou  musara- 
be,— e  o  de  Loivos,  corrupção  áeLobios,  pro- 
vem talvez  de  Lobia,  nome  árabe. 


ZEZ 

Na  própria  estação  da  Ermida,  que  está 
beijando  o  Douro  e  ó  muito  batida  do  sol, 
por  vezes  no  inverno,  como  succedeu  no  an- 
uo de  1887,  a  agfia  géla  no  deposito  para 
abastecimento  das  machinas  e  só  com  agua 
aquecida  ao  lume  se  opéra  o  desgôlo. 


Note-se  que  a  dieta  estação  é  muito  abun- 
dante d'agua  de  veia  nativa  e  muito  sabo- 
rosa, pois  rebenta  mesmo  ali  do  granito, 
pelo  que  no  verão,  d'aii  vae  nos  comboios 
muita  agua  potável  para  a  Regoa,  formosa  e 
populosa  Villa  de  grandes  recursos,  mas 
muito  falta  de  combustível,  de  pedra  e  d^agua 
potável,  pelo  que  no  momento  está  encanan- 
do as  aguas  do  monte  Mourinho  e  projecta 
encanar  também  as  do  Corgo,  rio  pouco  dis- 
tante. 

V.  Regoa  n'esle  diccionario  e  no  supple- 
mento. 

Toca  pois  os  dois  extremos  o  clima  d'e3ta 
paroehia  de  Santa  Marinha  do  Zêzere,  ma» 
só  á  beira  do  Douro;  na  parte  restante  é 
temperado  e  agora  no  v«rão  (estamos  em  ju- 
lho de  1889)  é  encantador,  principalmente 
nas  grandes  ravinas  e  fundas  quebradas  dos 
seus  rios  e  ribeiros,  pois  na  estiagem  estão 
lilteralmente  cobertas  de  mimosa  vegetação» 
tanto  do  seu  arvoredo— castanheiros,  olivei- 
ras e  pomares  de  frueta  que  formam  bos- 
ques cerrados, — como  das  uveiras  que  bor- 
dam os  seus  campos  de  milho,  todos  cober- 
tos d'agua  e  que,  tirado  o  milho,  rapida- 
mente se  transformam  em  vastos  lameiros 
ou  prados  artifieiaes  sempre  verdes. 


São  de  mais  a  mais  no  verão  aquellas  ra- 
vinas aviários  encantadores,  immensos,  on- 
de em  mavioso  concerto  se  ouve  de  sol  a 
sol  o  canto  de  centos  d'aves,  dominando  o 
grande  côro  as  rolas  e  os  roixinoes,  os  gaios 
e  os  melros,  ficando  os  roixinoes,  essas  aves 
tão  sympaihieas  e  aqui  tão  abundantes,  can- 
tando a  solo  toda  a  noite. 
O  mesmo  agora  no  verão  se  noia  em  am- 
I  bas  as  margens  do  baixo  Douro,  nomeada- 


WL 

mente  na  minha  Pewojoía.— uma  das  fregue- 
zias  mais  vastas,  mais  férteis  e  mais  abun- 
danles  d'agua— e  a  mais  cheia  d^arvoredo 
fructifero  e  mais  mimosa  que  se  fueonlra 
desde  o  Porto  alé  á  Barca  d'Alva  e  Miranda 
—até  Salamanca  e  Zamora— e  talvez  em  to- 
do o  Portugal  e  Hespanha,  ou  em  toda  a  pe- 
nínsula IbericaV. . . 

V.  Penajoia  n'este  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 

Merecem  especial  menção  as  castanhas 
d'esta  freguezia.  São  excellentes,  muito  es- 
timadas na  praça  do  Porto  e  algumas  mui- 
to têmporas.  Amadurecem  no  mez  de  se- 
tembro e  denorainam-se  castanhas  de  La- 
mellas,  porque  o  1.»  castanheiro  da  dieta 
qualidade  foi  plantado  no  casal  de  Lamellas, 
pertencente  ás  Casas  Novas. 

Aldeias  e  casaes,  casas  e  quintas 

Comprehende  esta  paroehia  as  seguintes 
aldeias  :  —  Egreja  ou  Santa  Marinha,  uma 
das  mais  pequena?,  onde  está  a  egreja  laa,- 
^Tiz;— Lages  ou  Lageas,  uma  das  mais  im- 
portantes com  algumas  lojas  de  commercio, 
caixa  de  correio,  pharmacia,  ete.  a  jusante 
e  não  longe  da  matriz  na  margem  esquerda 
do  Zêzere; — S.  Pedro  uma  das  mais  popu- 
losas com  31  fogos,  3  capellas,  etc.  a  mon- 
tante da  estação  da  Ermida  e  distante  d'el- 
la  pouco  mais  de  1  kilometro^  mas  de  cami- 
nho diabólico,  extremamente  Íngreme;  — 
Ermida,  uma  das  mais  pequenas,  mas  mui- 
to poética  e  vantajosamente  situada  á  beira 
do  Douro,  junto  da  estação  e  das  duas  bar- 
cas de  passagem,  estação  e  barcas  que  d'ella 
tomaram  o  nome  da  Ermida;— -PaLQos,  Vinha, 
Granja,  Penedo,  Estrada,  Crusinha  ou  Co- 
roinha,  Sarnado,  Responso,  Adro,i  Barreiro, 
Aveleira,  Covelio,  Ervedal,  Ucha,  Miguas, 
Araes,2  Lama  d'Alem,  Lama  d'Aquera,  Bre- 


1  O  Adro  é  parte  integrante  da  aldeia  de 
S.  Pedro  e  no  A^ro  está  a  capei  la  de  S.  Pe- 
dro que  deu  o  nome  ás  2  povoações. 

2  Araes,  como  logo  diremos,  é  parte  inte- 
grante da  aldeia  de  Miguas. 


ZEZ  2107 

te  de  Baixo,  Brete  de  Cima,  Campo,  Casal 
Paio,  Fonseca,!  Tôrtela,  Amoreira,  Real  e 
Fontello;  —  os  casaes  de  Nogueira,  Casa- 
linho,  Tôrtela,  Quebrada  de  Baixo,  Quebra- 
da de  Cima,  Real,  Villa  Jusão,  S.  Domingos,^ 
Feijoeiros,  Cruz,  Tapado,  Sequeiro,  Touça, 
Ramalhido,  Lavra,  Ribeiro  de  Fonseca,  Val- 
le, Amoreira,  Casal,  Cabanellas,  Dizimos, 
Valle  da  Grade,  Thias,  Travassos,  Pousada, 
Feitoria,  Corgo,  Belga,  Várzea,  Olho  Bom, 
Prados  e  Miradouro. 

As  casas  e  quintas  de  Travanca,  Ermida. 
Casas  Novas,  Entr'Agoas,  S.  Pedro,  Granja, 
Guimarães,  Cadeade  de  Cima,  Cadeade  dê 
Baixo,  Corujeiras,  Pepim,  Ervedal,  Botica,^ 
Barbedo,  Várzea,  Real,  Travassos,  Ribeiro, 
Quintão,  Alvites,  Bouças  e  Gasa  da  Torre, 
que  foi  de  João  Pereira  do  Cabo  (barão  do 
Cabo)  e  já  não  tem  torre ;  —  as  habitações 
isoladas  de  Presa,  Prado.  Vinhósinhos,*  San- 
t'Anna,5  Bicheiro  e  Vallinhas,— e  os  moi- 
nhos do  Quelho,  Fraga,  Ponte  de  Frende  e 
outros  muitos. 


1  A  aldeia  de  Fonseca  tem  differenles 
grupos  de  casas  cora  differentes  nomes,  a 
saber:  Quinta  de  Fonseca,  2  fogos;  Ribeiro 
de  Fonseca,  3  fogos;  Fonseca  de  Fonsecas, 
4  fogos;  Eiró  de  Fonseca,  4  fogos;  Teixeira 
de  Fonseca,  6  fogos;  Arrabalde  de  Fonseca, 
8  fogos;  Portas  de  Fonseca,  3  fogos;  Fraga 
de  Fonseca,  4  fogos;  Souto  de  Fonseca,  9 
fogos;  Mouras  de  Fanseca.  2  fogos;  Villa  No- 
va de  Fonseca,  6  fogos;  Peso  de  Fonseca,  2 
fogos;  Ribeirinho  de  Fonseca,  2  fogos;  La- 
gos de  Cima  de  Fonseca,  3  fogos  e  Paço  de 
Fonseca,  núcleo  d'esta  aldeia,  i3  fogos, — 
total  69  fogos. 

2  Teve,  mais  já  não  tem  eapella  de  S.  Da- 
mingas. 

^  Teve,  mas  já  não  tem  botica. 
*  N'esta  cesa  de  Vinhósivhos  muitos  an- 
nos  se  celebraram  as  audiências  do  juiso 
ordinário  d'esta  paroehia,  por  ser  a  dieta 
casa  bastante  central  e  não  ter  quartos,  maa 
só  tres  grandes  salas,  e  por  andar  em  mãos 
de  caseiros. 

Pertence  a  uma  nobre  família  da  Faia,  nos 
subúrbios  d'Amarante, 

s  Demora  á  beira  do  Douro  e  teve  uma 
Capella  de  Santa  Anna,  que  foi  profanada, 
quando  se  fez  a  linha  férrea.  Ainda  lá  se 
vêem  as  paredes. 


^108 


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Templos 

Tera  esta  parochia  uma  egreja,  de  que  lo- 
go fallaremos,  e  19  capellas,  —  5  publicas  e 
i4  particulares.  Vamos  iudical  as  todas. 

1.»  Senhora  do  Soccorro  a  O.  e  distante 
«erca  de  250  metros  da  aldeia  de  S.  Pedro. 

Não  é  grande,  mas  antiga;  está  bem  con- 
iservada  e  ali  vae  da  matriz  annualmente 
um  clamor  no  dia  da  Assumpção,  em  cum- 
primento d'um  antigo  voto,  pois  todos  os 
habitantes  d'esta  parochia  depositam  muita 
fé  na  dieta  Senhora  e  a  ella  costumam  re- 
correr, quando  se  veem  aíllictos,  v.  g.  quan- 
do é  grande  a  falta  de  chuva  e  a  sêcca  de- 
vora as  searas, — ou  quando  a  chuva  é  de- 
masiada e  eompromelte  as  colheitas. 

Quando  é  grande  a  falta  de  chuva,  levam- 
na  em  procissão  até  á  matriz,  seguindo  pe- 
las estradas  que  atravessam  os  maiores  cam- 
pos, parando  de  longe  em  longe  e  volvendo 
o  rosto  da  imagem  para  as  campinas  rese- 
quidas;  quando  a  chuva  é  demasiada  levam- 
na  coberta  para  a  matriz  é  d'ali  volvem  com 
ella  em  procissão  para  a  sua  capella,  sem- 
pre acompanhada  por  muito  povo  que  vae 
com  as  lagrimas  nos  olhos  entoando  a  la- 
dainha dos  santos,  e  raras  vezes  a  Virgem 
deixa  de  attendel-os. 


Ainda  ha  poucos  annos,  sendo  extraordi- 
nária a  sôcca  e  estando  os  renovos  perdi- 
dos, vários  devotos  traelaram  de  pedir  es- 
molas pela  freguezia  para  levarem  a  Senho- 
ra em  clamor.  A  estiagem  era  de  tal  ordem 
que  alguns  indivíduos  menos  crentes  sorri- 
ram. Não  esmoreceram  porem  os  devotos  e 
marcaram  dia  para  o  clamor.  Toldou-seim- 
mediatamente  o  ar,  dando  prenúncios  de 
chuva  e  no  dia  aprazado,  quando  principiou 
o  clamor,  principiou  a  chover  e  choveu  tor- 
rencialmente durante  o  percurso  do  clamor 
e  todo  o  dia,  ficando  os  devotos  erguendo  as 
mã,os  ao  ceu.  E  os  descrentes,  envergonha- 
dos e  confundidos,  foram  muito  espontanea- 
mente levar  as  suas  offerendas. 


2.  *  S.  Pedro,  capella  antiquíssima.  Demo- 
ra  na  povação  que  tomou  d^ella  o  mesmo 
nome  de  S.  Pedro. 

Está  no  sitio  do  Adro.  Diz  a  tradição  que 
já  foi  egreja  matriz  d'esta  parochia  e  que  a 
pobre  ermida  actual  era  a  capella  mór  da 
egreja. 

Está  bastante  arruinada,  mas  ainda  aber- 
ta ao  culto  e,  talvez  em  sigml  de  obediência^ 
a  ella  vem  da  matriz  annualmente  e  desde 
tempo  immemorial  um  clamor  no  dia  de  S. 
Pedro. 

3.  »  S.  Braz,  na  aldeia  do  Paço. 

Tem  festa  e  arraial  muito  concorrido  e 
muito  divertido  no  dia  do  seu  orago  —  3  de 
fevereiro,  pois  os  devotos,  por  ser  tempo  de 
entrudo,  misturam  o  sagrado  com  o  profano 
e  aproveitam  o  ensejo  para  folgarem  e  jogo. 
rem  o  entrudo^  mascarando-se  e  distribuin- 
do muitos  cartuxos  de  pó  de  gomraa  e  de 
papel  de  cores  cortado  em  pequenos  fra- 
gmentos. 

Também  ha  por  essa  occasião  muitas  fes- 
tadas  (descantes  e  danças)  e  vendem-se 
muitas  falachas,  feitas  de  massa  de  casta- 
nhas. 

Logo  fallaremos  das  festadas  no  tópico 
descantes  populares. 

4.  »  Santa  Eufemia  na  aldeia  de  Fonseca* 
Está  aberta  ao  culto,  mas  mal  tractada. 

5.  '  Santo  Antonio  na  aldeia  das  Bouças. 
Em  ruinas  e  profanada. 

Todas  estas  são  publicas;  as  seguintes  são 
particulares: 


1.  »  Santo  Antonio  na  aldeia  de  S.  Pedro. 
Pertence  á  quinta  da  nobre  casa  da  Soen- 

ga,  de  S.  Martinho  de  Mouros,  hoje  repre- 
sentada pelo  sr.  D.  Joaquim  d' Azevedo  Mel- 
lo e  Faro,  residente  no  Porto. 

2.  '  Santo  Antonio  na  aldeia  da  Ermida. 
Pertence  ao  palacete  do  sr.  dr.  Antonio 

Camillo  d'Almeida  Carvalho,  de  quem  logo 
fallaremos. 

3.  "  Santo  Antonio  na  aldeia  do  Ervedal. 
Pertence  à  casa  da  quinta  do  Ervedal. 


ZEZ 


ZEZ  2109 


4.*  Senhora  da  Conceição  na  aldeia  da 
Granja. 

Pertence  á  casa  e  quinta  do  sr.  Carlos  Ne- 
grão, de  Mesãofrio. 

5  *  Senhora  da  Conceição. 

Pertence  à  casa  e  quinta  de  Guimarães, 
que  foi  de  José  Reymão  de  Mello  Falhares  e  j 
é  hoje  do  sr.  Francisco  Pinto  da  Silva. 

6.  *  SanfAnna. 

Pertence  à  casa  e  quinta  das  Casas  Novas, 
que  foi  de  Carlos  Candido  e  é  hoje  do  sr. 
Carlos  Maria  da  Cunha  Coutinho. 

7.  "  Senhor  dos  Afflictos  na  aldeia  de  Tra- 
vanca. 

Pertence  á  casa  de  Travanca  da  família 
Carvalhaes. 

8.  *  Penhor  de  Mattosinhos  na  aldeia  de 
Miguas. 

Pertence  à  mesma  casa  de  Travanca. 
Em  ruinas  e  profanada. 

9.  "  Espirito  Santo. 

Pertence  á  casa  e  quinta  de  Entre-Agoas, 
que  foi  de  Antonio  Perfeito  e  é  hoje  da  sr.» 
D.  Carlota  Adelaide  Perfeito. 

10 »  S.  Caetano  na  aldeia  de  Fonseca. 

Pertence  ao  sr.  José  Ferreira  Coutinho, 

11.  '  Senhora  da  Conceição,  nas  Leiras. 
Pertence  ao  sr.  João  Alves  de  Araujo. 

12.  "  S.  João  na  mencionada  aldeia  de  Tra- 
vanca. 

Em  ruinas  e  profanada. 

13.  »  Capella  de...  na  aldeia  de  Cadeade. 
Pertence  ao  sr.  Antonio  Alves,  mas  nunca 

foi  ultimada  nem  aberta  ao  culto. 

14.  "  SanfAnna  á  beira  do  Douro.  Profa- 
nada. 

Egreja  de  Santa  Marinha, 
matriz  actual  d'esta  parochia 

Como  já  dissemos,  demora  em  sitio  alto  e 
vistoso,  a  pequena  distancia  da  margem  di- 
reita do  Zêzere,  mas  em  terreno  ingrato 
para  uma  construcção  de  tal  ordem,  por  ser 
muito  Íngreme. 

A  tradição  diz  que  primitivamente  foi  uma 
Capella,  cuja  invocação  hoje  se  ignora  e  que 
estava  perto  da  margem  direita  do  Douro  na 
pequena  povoação  da  Ermida,  que  tomou 
d'ella  o  nome.  . 

V0LUU8  XI 


Nada,  absolutamente  nada  resta  hoje  da 
dieta  Capella.  Apenas  se  aponta  como  local 
da  pobre  ermida  um  sitio  denominado  Lo- 
dam  ou  Lodo,  onde  se  teem  encontrado  pe- 
quenas moedas  antigas  de  cobre  muito  gas- 
tâs.i  contas  de  vidro,  de  rosários,  e  ossos. 

O  local  era  solitário,  abafado  e  deserto, 
mas  tinba  certa  importância  pela  sua  posi- 
ção geographica,  pois  estava  junto  da  barca 
de  passagem  que  tornava  a  dieta  capella 
muito  conhecida  e  multo  aceessivel  aos  po- 
vos das  duas  margens  do  Douro. 


Note-se  que  a  invasão  dos  bárbaros  do 
norte  e  a  dos  mouros  fizeram  rarear  muito 
a  população  christã  e  os  templos  e  conven- 
tos de  Portugal  e  da  península.  penas  es- 
caparam de  longe  em  longe  algumas  egrejas 
e  capellas  e  talvez  que  a  da  Ermida  fosse 
uma  das  taes,  pelo  que,  na  falta  de  melhor 
templo,  foi  arvorada  em  matriz,  como  os  po- 
vos fronteiros  do  actual  concelho  de  Rezen- 
de e  outros  até  muitas  legoas  de  distancia 
arvoraram  em  matriz,  talvez  in  illo  tempere, 
a  capella  de  Nossa  Senhora  de  Corquere; — 
e  os  povos  do  concelho  de  Taboaço  e  outros 
muitos  mais  distantes  arvoraram  em  ma- 
triz a  capella  de  Nossa  Senhora  do  Sabrosa 
junto  da  villa  de  Barcos  —  e  os  do  dislricto 
de  Panoias  arvoraram  em  matriz  a  capella 
d'Anciães,  etc,  etc. 

V.  Carguere,  Sabrosa  e  Villa  Real  d6 
Traz  os  Montes  \ol.  11.»  pag.  936,  col.  2.» 

Note-ge  flnalmente  que  todo  o  bispado  do 
Porto  no  .see.  vi  compreheodia  apenas  25 
freguezias. 

V.  Porto,  vol.  7.0  pag.  271,  col.  1.» 

Da  capella  da  Ermida  (diz  ainda  a  tradi- 
ção) passou  a  matriz  d'esta  parochia  para  a 


1  Talvez  que  as  dietas  moedas  fossem  lan- 
çadas na  sepultura  dos  cadáveres,  como  se 
usou  antigamente  em  todo  o  nosso  paiz  e  se 
usa  ainda  hoje  em  muitas  parochias.  —  no- 
meadamente n'esta  de  Santa  Marinha  do 
Zêzere,  tanto  no  enterro  de  pessoas  pobres, 
cpmo  das  mais  nobres  e  mais  ri<'as. 

133 


2110  ZEZ 


ZEZ 


Capella  de  S.  Pedro,  situada  a  moDtante  e 
em  sitio  mais  alegre  e  desafrontado,  cerca 
de  i  kil.  para  N.  N.  O.  na  povoação  de  S. 
Pedro,  como  já  dissemos  supra,  no  lit.  ca- 
pellas  publicas,  n.»  2,  —  e  d'ali  passou  para 
a  egreja  actual,  ou  antes  para  o  templo  (tal* 
vez  edicula  ou  capella)  hoje  representado 
pela  egreja  de  Santa  Marinha. 


É  um  templo  soffrivel  de  uma  só  nave, 
pouco  elegante,  mal  situado,  mal  tractado  e 
muito  irregular. 

Como  demora  em  uma  barreira  com  pen- 
dente para  o  sul,  a  egreja  ficou  atravessada 
de  nascente  a  poente,  com  a  porta  principal 
para  este  ultimo  quadrante. 

O  adro  é  informe,  desgracioso  e  pequeno. 
Do  lado  sul  está  ao  nivel  do  pavimento  aa 
egreja;  do  lado  norte  e  poente  está  em  nivel 
superior  e  afrontando  a  egreja  com  uma 
grande  sobre-carga  de  terra,  que  torna  o 
templo  bastante  húmido. 

Sobe  se  da  parte  inferior  para  a  superior 
do  adro  por  alguns  degraus  de  pedra,  se- 
guindo-se  para  N.  o  cemitério,  que  esiá  con- 
tíguo e  em  plano  íuperior  ainda;  —  e  para 
S.,  em  plano  inferior,  está  a  velha  residên- 
cia paroehial,  muito  irregular  também  e  mal 
tractada,  mas  com  bastantes  commodos  e 
boa  cerca,  resto  do  antigo  passal,  que  foi 
desamortisado  ha  poucos  annos,  arrematan- 
do a  terça  o  paroeho  actual — rev.  José  Ber- 
nardo Correia  de  Sa — da  Villa  da  Feira,  que 
em  um  sitio  lindíssimo,  desafrontado  de  to- 
dos os  lados,  um  pouco  a  juzante  da  velha 
rezidencia  e  na  parte  do  passal  que  arrema- 
tou, fez  em  1887  um  bom  edifício,  onde  vive 
com  a  sua  familia. 

O  passal  era  espaçoso  e,  quando  o  gover- 
no o  poz  em  praça,  foi  dividido  em  6  lotes, 
sendo  um  arrematado  pelo  dicto  abbade, 
outro  pelo  dono  das  Cosas  Novas,  outro  por 
Antonio  Luiz  Pereira  d'Âmorim,  outro  por 
Albino  Pinto  Torres  e  outro,  o  da  margem 
esquerda  do  Zêzere,  pela  dona  da  quinta  de 
Entre  Agoas. 

Ao  todo  produziu  cerca  de  8  contos  de 
réis,  que  foram  averbados  em  inscripções  ' 


aos  parochos— e  ainda  ficou  para  estes  o  B.** 
lote,  que  é  um  bom  quintal  junto  da  velha 
residência. 

Como  os  abbades  d'esta  parochia  tinham 
bom  rendimento  proveniente  dos  dízimos  e 
do  grande  passal,  foram  sempre  e  são  ainda 
hoje  pouco  importantes  os  emolumentos  do 
pé  d'altar. 

A  egreja  outr^ora  era  muito  mais  peque- 
na, como  revelam  as  acanhadas  proporções 
da  Capella  mór. 

Foi  restaurada  e  ampliada  no  primeiro 
quartel  do  see.  xvni  pelo  benemérito  dr.  e 
abbade  Fr.  Salvador  Coutinho  da  Cunha, 
das  Casas  Novas,  religioso  benedictino  do 
convento  de  Travanca,  segundo  se  lô  em  uma 
grande  inscripçào  que  está  sobre  a  porta 
travessa  do  lado  sul,  inscripçào  bastante 
gasta  6  que  mal  pôde  ler-se  toda. 

É  a  seguinte: 

nm.  A.  M.  D.  C.  C,  XXV 

ECLESIA  HAEr  IN  HONO-  * 

RÈ  D.  ET  V.  M.  Q. 
Marinae,  EJUS  P.  REAE 
dificata  et  addita  fuit 
TUNc  ABB.  R.  P,  Salva- 
tore CouT.»  DA  Cunha 
. .  .APP.  S.  Benedicti  de 
Travanca  in  alternati- 
va PONTIFICIS  (?) 

Em  vulgar:— «No  anno  do  Senhor  de  1725 
foi  reedificada  e  accrescentada  esta  egreja 
para  honra  de  Deus  e  da  Virgem  e  Martyr 
Santa  Marinha,  sua  padroeira,  pelo  reveren- 
do padre  Salvador  Coutinho  da  Cunha,  en- 
tão abbade  d'ella,  por  appresentação  do 
convento  benedictino  de  Travanca,  na  alter- 
nativa do  Pontífice  (?) » 

O  dicto  abbade  era  dr.  de  capello  em 
theologia  pela  Universidade  de  Coimbra, 
monge  de  S.  Bento  no  mosteiro  de  Travan- 
ca e  ali  mestre  de  theologia,  quando  vagou 
esta  egreja,  e  foi  n'el]a  apresentado  pelo  di- 
cto convento,  por  ser,  como  já  dissemos,  da 
apresentação  d'elle  e  alternativamente  do 
Papa  e  da  mitra. 


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ZEZ  2111 


Os  dízimos  d'e8la  parochia  foram  dividi- 
dos em  3  quinhões  —  um  para  o  seu  abba- 
<le,  outro  para  a  Uolversidade  e  outro  para 
os  jesuítas — e,  extínelos  os  jesuítas^  passou 
também  para  a  Universidade  o  quinhão 
<í'elles. 

Consta  que  em  1834,  quando  se  extingui- 
ram os  di^imos,  o  quinhão  do  abbade  era 
orçado  em  7  mil  cruzados,  ou  2:800:000  réis 
—  afora  o  rendimento  do  passal  e  pé  d'al- 
tar?!.. . 

Foi  uma  boa  abbadia,  e  bo<is  abbadías  fo- 
ram lambftm  n'aquelle  tempo  e  são  ainda 
hoje  as  circumvisinhas:— Ge?taçô,  Vallada- 
Tes,  S.  Thnmé  de  Covellas  e  Santa  Cruz  do 
Douro.  Esta  de  Santa  Marinha  renderá  hoje 
500  a  700  mil  reis  e  qualquer  das  outras 
•deve  render  egual  somma.^ 


A  egreja  de  Santa  Marinha,  depois  de  res- 
taurada pelo  rev.  Salvador,  ficou  um  bom 
templo,  bastante  espaçoso  e  mesmo  lu- 
xuoso. 

A  Capella  raór  é  muito  pequena  mas  tem 
boas  decorações  de  talha  antiga  dourada. 

O  corpo  da  egreja  tem  4  altares:— 2  com 
decorações  de  talha  antiga:,  também  doura- 
da—Sanía  Anna  e  Almas, — e  2  de  talha  mo- 
derna, muito  mais  barata,— Sawía  Marinha 
e  Senhora  do  Rosario,  feito  em  1887  a  1888, 
cuja  imagem  foi  dada  pelo  sr.  Francisco 
finto  da  Silva,  dono  actual  da  quinta  de 
Guimarães. 

Tem  um  só  púlpito,  mas  com  bella  eupu- 
k  de  talha  dourada;  —  ao  fundo  da  egreja 
um  côro  espaçoso  e  junto  d'elle  um  peque- 
no órgão,  que  custou  400^000  réis. 

Do  lado  norte  estão  a  sacristia,  a  casa  da 
fabrica  e  a  torre  com  3  sinos  e  um  bom  re- 


1  No  tempo  dos  dizimos  a  melhor  abbadia 
de  Portugal  era  a  de  Lobrigas,  no  concelho 
de  Santa  Martha  de  Penaguião.  Rendeu  al- 
guns annos  mais  de  vinte  contos  de  réisV.... 

V.  Lobrigas— 6  o  tópico  Arcas  e  cubas  no 
Tligo  Viseu. 


logio,  igual  ao  do  palácio  da  Bolsa  do 
Porto. 

O  tecto  da  egreja  é  interiormente  apaine- 
lado  e  todo  eheio  de  pinturas  a  oleo,  mas  de 
poueo  merecimento  artístico,  representan- 
do os  12  apóstolos,  vários  mysterios  do  Me- 
nino Jesus,  etc. 

Do  exposto  se  vê  que  a  dieta  egreja  foi 
um  bom  templo,  mas  hoje  demanda  obras 
importantes  de  reparação  e  limpesa  e  de- 
ve ser  toda  soalhada,  porque  o  seu  pavi- 
mento ainda  tem  as  quadrellas  e  tampas 
das  antigas  sepulturas,  o  que  produz  mau 
effeito  e  é  pouco  hygieuico. 

Cemitério 

Como  já  dissemos,  está  contíguo  á  egreja, 
— do  lado  norte.  Tem  um  bom  portão  de 
ferro;— um  mausoléu  da  família  Amorim  e 
2  começados: — um  da  família  Cunha  Cou- 
tinho, das  Casas  Novas. -outro  da  família 
Azeredo  Lobo,  da  aldeia  de  S.  Pedro. 

É  um  cemitério  decente,  mas  muito  pe- 
queno e  muito  mal  situado,  pois  alem  de  es- 
tar çontiguo  à  egreja  matriz,  sempre  muito 
concorrida  de  povo,  está  cercado  de  casas 
pelo  nascente  e  norte,  avultando  entre  ellas 
as  2  escolas  parochiaes  de  instrueção  pri- 
maria,'muito  concorridas  pelas  creanças  de 
ambos  os  sexos  de  toda  a  freguezia.  Está 
encravado  na  povoação  da  Egreja  e  é  uma 
péssima  visinhança,  nomeadamente  para  ás 
pobres  creancinhas. 

Devem  removei- o  com  urgência  para  lo- 
cal mais  desafrontado  e  distante  das  ultimas 
casas  pelo  menos  300  metros,  como  a  lei 
manda.. 

Se  hoje  pesasse  uma  epidemia  qualquer 
sobre  esta  parochia,  o  conselho  de  saúde 
mandaria  immedíatameute  fechar  &  profa- 
nar o  cemitério,  pois  é  o  maior  foco  de  in- 
fecção de  toda  a  freguezia. 

Casas  e  quintas  principaes 

Tem  esta  parochia  muitas  casas  e  quin- 
tas importantes.  Mencionaremos  n'este  tópi- 
co apenas  algumas,  pedindo  desculpa  das 
omissões  e  da  ordem  que  seguimos,  sem 


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attenção  a  preeminências,  pois  somos  estra- 
nhos a  locàlidade  e  não  as  conhecemos  bem. 

1.»— Casa  e  quinta  de  Travanca,  da  fa- 
mília Carvalhaes. 

Tem  um  bom  edifício  brazonado  de  2  an- 
dares, grande  cerca,  muifo  fértil  e  muito 
abundante  d'agua  e  umacapella  do  Senhor 
dos  Afjlictos,  boa  matta,  etc. 

Pertence  actualmente  aos  filhos  e  herdei- 
ros do  dr.  Manoel  d'Alm(iida  Carvalhaes, 
failecido  ainda  este  anno  de  1889,  e  que  foi 
conselheiro  e  dezembargador  do  supremo 
tribunal^  capitalista  e  senhor  d'outros  mui- 
tos bens.  casaes  e  quintas,  avultando  entre 
ellas  a  do  Paço  na  freguezia  d^^  Cidadelhe, 
concelho  de  Mesãofrio,  que  foi  de  D.  Dio- 
go de  Mello  Pereira,  commendador  de  Mou- 
ra Morta  desde  1630  até  1642, — eommenda 
riquissima  da  O.  de  Malta, — e  tem  uma  casa 
nobre  antiga,  que  é  um  palácio!  Obleve-a 
por  compra. 

A  dieta  casa  de  Travanca  foi  feita  no 
meiado  d'este  século  pelo  dr,  e  também  de- 
zembargador Luiz  d'Almeida  Carvalhaes, 
irmão  do  mencionado  dr.  e  dezembargador 
Manoel  d'Almeida  Carvalhaes. 


O  dr.  e  dezembargador  Manoel  d'AImei- 
da  Garvaltiaes  c.  c.  D.  Anna  José  Pereira 
Peixoto  de  Queiroz  e  Menezes  e  d'e8te  con- 
sorcio existem  dois  filhos  e  herdeiros,  D. 
Anna  d'Almeida  Carvalhaes  Pereira  Peixo- 
to e  Manoel  d'Almeida  Carvalhaes  Pereira 
Peixoto,  os  quaes  pela  parte  paterna  são  ne- 
tos de  Manoel  d'Almeida  Carvalhaes  e  de  D. 
Anna  Joaquina  de  S.  José  Moreira  Pinto,  da 
dieta  casa  de  Travanca,  e  foram  seus  avós 
maternos— José  Peixoto  Sarmento  de  Quei- 
roz, dezembargador  e  juiz  da  coroa  na  rela- 
ção do  Forio,— e  D.  Maria  Cândida  Cardoso 
de  Queiroz  e  Menezes,  sua  prima.i 

Tios  paternos  dos  actuaes  donos  da  casa 
de  Travanca: 


1  Y.  Casaes  de  Figueiredo,  tomo  2.»  pag. 
197. 


— Antonio  d'Almeida  Carvalhaes,  abbade 
da  freguezia  de  Valladares,  d'este  concelho; 

— Francisco  d'Almeida  Carvalhaes,  abba- 
de de  Moura  Morta,  concelho  da  Regoa,  e 

— Dr.  Luiz  de  Sequeira  d'Almeida  Carva- 
lhaes, dezembargador  nas  ilhas.i  Mandou 
fazer  o  palacete  actual  de  Travanca. 

Tios  maternos: 

— Vasco  Pereira  Peixoto  de  Queiroz  e  Me- 
nezes, senhor  da  casa  de  seus  paes  em  Ama- 
rante; 

— Gaspar  Pereira  Peixoto,  arcediago  da 
collegiada  de  Guimarães; 

—Francisco  Pereira  Peixoto,  secretario 
do  governo  civil  d*Aveiro; 

— Rodrigo,  abbade  de  Capellos,  em  Ama- 
rante; 

— Joaquim,  freire  de  S.  Bento  d*Aviz  e  có- 
nego da  patriarehal. 

Tinha  uma  excellente  voz  de  barytono, 
que  foi  admirada  em  diversos  concertos  e 
em  varias  representações  d'operas  no  luxuo- 
so theatro  particular  da  quinta  das  Laran- 
jeiras, então  pertencente  ao  conde  de  Far- 
robo. 

— Agostinho  Peixoto... 

— João  Pereira  Peixoto,  que  percorre» 
toda  a  Europa,  viajando  como  touriste. 

— José  Pereira  Peixoto,  o  único  tio  que 
ainda  vive. 

É  cónego  da  Sé  do  Porto  e  freire  de  S. 
Bento  d'Aviz,  etc.  Alguns  dos  irmãos  foram 
bacharéis  formados  e  commeudadores,  de 
varias  ordens. 


Das  tias  maternas  dos  actuaes  senhores 
da  casa  de  Travanca  ainda  vivem  duas: 

— D.  Maria  Leonor  Pereira  Peixoto  de 
Menezes,  senhora  da  casa  do  Pinheiro,  nos 
subúrbios  de  Amarante,  sogra  de  Diogo 
Leite  Pereira  de  Mello  e  Alvim,  ex-presi- 
dente  da  camará  de  Villa  Nova  de  Gaya  e 
dono  da  casa  de  Paço  de  Sousa,  etc,  e 

— D.  Maria  de  Menezes  Teixeira  Peixoto, 


1  V.  Casaes  de  Figueiredo,  tomo  2.»  pag, 
23i. 


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senhora  da  nobre  casa  da  Feitoria,  em  Ama- 
rante, mãe  de  José  Taveira  de  Carvalho 
Pinto  de  Menezes,  distincto  engenheiro  civil 
e  disiineto  eseriptor  publico,  grande  pro- 
prietário e  cavalheiro  estimabilissimo,  casa- 
do e  cora  suceessão.  Rezide  habilualmenie 
DO  Porto,  onde  foi  durante  annos  presiden- 
te da  eommissão  anli-phylloxeriea  do  norte 
e  é  hoje  vogal  da  Liga  dos  Lavradores  e  um 
dos  fundadores  e  directores  da  Real  Compa- 
nhia Vinicola  do  Norte,  ele.,  ele. 
2.» — Casas  Novas. 

Tem  um  bom  edificio  brazonado  e  muito 
bem  tractado,  com  uma  linda  capeila  de 
Sant' Anna,  jardins  e  bella  cerca  muito  mi- 
mosa 6  caprichosamente  agricultada,  bons 
campos,  lindas  ramadas,  pomares  de  fructa 
de  espinho  e  caroço,  moinhos,  etc. 

Esta  sumptuosa  vivenda  pertence  hoje  ao 
sr.  Carlos  Maria  da  Cunha  Coutinho,  moço 
fidalgo  cora  exereio,  casado  cora  a  sr.»  U. 
Maria  da  Boa  Nova,  filha  de  D.  Joaquim  de 
Carvalho  d'Azevedo  Mello  e  Faro,  dono  da 
nobre  casa  da  Soenga  era  S.  Martinho  de 
Mouros  e  de  muitos  bens  n'esía  parochia  de 
Santa  Marinha. 

O  palacete  das  Casas  Novas  foi  mandado 
construir  em  1738  por  Felix  Coutinho  da 
Cunha,  capitão  mor  de  Baião,  F.  G.  R.  e 
senhor  do  morgado  do  Paço,  em  Cabeceiras 
de  Basto,  e  do  de  S.  Thiago  de  Riba  Tâme- 
ga, nos  subúrbios  da  Lixa.  Era  irmão  do 
rev.  dr.  e  abbade  Salvador  Coutinho  da  Cu- 
nha, que  restaurou  e  ampliou  a  egreja  ma- 
triz d'esta  parochia. 

Succedeu-lhe  seu  filho  Carlos  da  Cunha 
Coutinho,  sargento  mór  e  major  d'ordenan- 
ças  n'este  concelho  de  Baião  e  que  falleceu 
em  24  de  março  de  1827. 

Succedeu  lhe  seu  filho  Carlos  Candido 
da  Cunha  Coutinho,  que  assentou  praça  de 
cadete  era  1808  e  nas  patentes  de  alferes, 
tenente  e  capitão  graduado  fez  toda  a  guer- 
ra da  Península,  sendo  condecorado  com  a 
cruz  d'ouro  n.°  5  da  dieta  campanha. 

Era  fidalgo  cavalleiro  e  commendador  de 
Nossa  Senhora  da  Conceição  de  Villa  Viço- 
sa; foi  durante  14  annos  consecutivos  admi- 
nistrador d'este  concelho  e  falleceu  solteiro 
e  sem  suceessão  em  2  de  maio  de  1867,  pelo 


que  lhe  succedeu  o  sr.  Carlos  Maria  da  Cu- 
nha, seu  sobrinho  por  varenia,  em  toda  a 
casa  de  Santa  Marinha,  na  de  Paço  de  Ca- 
beceiras, na  de  S.  Thiago  da  Lixa,  na  quin- 
ta de  Tullões,  nas  de  Arnoia  e  Travessinhos 
em  Celorico  de  Basto  e  na  de.  Aragão,  con- 
celho de  Fafe,  todas  vinculadas  outr'ora. 

Também  é  senhor  e  representante  da  an- 
tiga casa  dos  capitães  móres  de  Fontes,  no 
concelho  de  Marco  de  Canavezes,  e  da  casa 
de  Santa  Comba,  no  concelho  de  Santa 
Manha  de  Penaguião,  casa  que  herdou  de 
um  seu  remoto  parente,  ultimo  dono  d'ella, 
— e  por  fallecimento  de  seu  sogro  deve  her- 
dar d'elle  outros  casaes  e  quintas. 

É  um  cavalheiro  muito  traclavel  e  muito 
estimável; — tem  suceessão  —  e  vive  na  sua 
bblla  residência  das  Casas  Novas. 


Salvador  da  Cunha  Coutinho  Lopes  Pica- 
do (?)  da  antiga  casa  de  S.  João  d'Arnoia, 
concelho  de  Celorico  de  Basto,  coronel  gra- 
duado em  brigadeiro  das  milícias  d'aquelle 
concelho,  F.  C.  C.  R.  e  commendador  da 
,  Ordem  de  Chrislo,  etc.  fez  parte  dos  sitian- 
tes do  Porto  e  ali  falleceu  em  1832,  sendo 
mono  por  uma  bala  que  lhe  varou  a  testa 
no  ataque  do  dia  de  S.  Miguel,  e  jaz  na  ca- 
peila da  quinta  da  China,  freguezia  de 
Campanhã,  na  margem  direita  do  Douro. 

Havia  casado  etu  1825  no  concelho  de 
Santa  Martha  de  Penaguião,  com  D.  Brizi- 
da  Rodrigues  d' Azevedo,  filha  de  Antonio 
Rodrigues  d'Azevedo,  cavalleiro  do  habito 
de  Christo  e  senhor  da  nobre  casa  de  San- 
ca Comba,  na  freguezia  de  S.  Miguel  de  Lo- 
brigos,  cuja  abbadia  foi  a  melhor  de.  Porlu- 
gal.i 


í  V.  Lobrigos  (S.  João)  tomo  4.»  pag.  432, 
col.  2.*— e  Viseu,  tópico  Arcas  e  cubas,  to- 
mo 11.»  pag.  1585,  col. 

Nole-se  que  o  abbade  de  S.  João  de  Lo- 
brigos era  também  abbade  de  S.  Miguel  de 
Lobrigos;— recebia  os  dízimos  das  duas  pa- 
rochias  —  e  de  uma  3.''  que  também  apre^ 
zentava. 


2114 


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Do  diclo  consorcio  tiveram  ura  filho  úni- 
co, de  nome  Francisco  da  Cunha  Coutinho 
de  Magalhães  e  Vilhena  (eu  conheci-o)  mo- 
ço fidalgo  com  exercício  no  paço,  etc ,  que 
foi  dono  das  casas  de  S.  João  d'Arnoia  e, 
fallecendo  sem  successão  com  56  annos  de 
idade  em  1882,  passaram  as  dietas  casas 
para  o  sr.  i^arlos  Maria  da  Cunha  Coutinho, 
seu  parente  paterno  e  dono  das  Casas  No- 
vas de  Santa  Marinha,  como  já  dissemos.^ 


A  casa  de  Santa  Comba  foi  uma  das  mais 
ricas  do  concelho  de  Santa  Manha  no  tem- 
po da  velha  companhia  dos  vinhos— e  tem 
um  palacete,  cuja  pedra  {só  a  pedral...) 
custou  cerca  de  30:000  crusados—  ou  doze 
contos  de  rm,— segundo  me  disse  o  ultimo 
dono  d'ella.  * 

É  muito  para  uma  aldeia,  mas  note-se 
que  o  dicto  palacete,  como  outros  muitos 
de  Santa  Marlha,  alguns  maiores  e  mais  lu- 
xuosos ainda,  —  é  todo  revestido  de  bom 
granito  da  serra  de  S.  Domingos  da  Quei- 
mada na  margem  esquerda  do  Douro,  e 
distante  cerca  de  20  kilometros  de  caminho 
então  horroroso,  meltendo-se  de  permeio  o 
Douro  e  o  concelho  da  Regoa,  pois  tanto 
n'este  concelho  como  no  de  Santa  Martha, 
ambos  cheios  de  grandes  palacetes  revesti- 
dos de  granito,  —  não  ha  granito.  O  mais 
próximo— aliás  finíssimo  e  do  melhor  de 
Portugal- é  o  da  dieta  serra,  mas  ficava  a 
peso  douro  dos  dois  concelhos,  principal- 
mente ames  de  se  fazer  a  ponte  da  Regoa, 
pois  tinha  de  atravessar  o  Douro  em  barcas, 
com  grande  dispêndio  e  grande  risco. 

Para  se  formar  ideia  da  riqueza  d'aquel- 
les  dois  concelhos  m  illo  tempore  basta  lan- 
çar os  olhos  sobre  o  estendal  de  palacetes 
que  os  povoam. 

V.  Villar,  aldeia,  tomo  11.*  pag.  1175, 


1  Veja-Fe  também  o  art.  Villa Pouea,  aldeia 
da  freguezia  de  Arnoia,  tomo  U.«  pag.  898, 
col.  2." 


col.  2.'  e  Villar  d" Andorinha  no  mesmo  vol* 
pag.  1190,  col.  2.»  também. 

3."— Casa  da  Ermida  na  pequena  povoa- 
ção d'este  nome; 

É  uma  das  mais  novas,  mais  espaçosas  e 
mais  luxuosas  d'esia  freguezia  na  actuali- 
dade—e  hoje  a  mais  elegante,  mais  bem  si- 
tuada e  a  mais  accessivel  de  todas,  pois  de- 
mora em  local  muito  pittore&co,  alegre  e 
vistoso  na  margem  direita  do  Douro,  cerca- 
da por  este  rio  a  S.,  —  pelo  Zêzere  a  O.,— 
pelo  Teixeira  ao  nascente,  e  ao  norte  pela 
linha  férrea,  que  vara  em  tunnel  a  raiz  do 
monte  que  divide  o  Teixeira  do  Zêzere,  pas- 
sando o  mencionado  tunnel  a  poucos  me- 
tros do  dito  palacete. 

Está  pois  a  dieta  casa  em  uma  espécie 
de  península  muito  alegre,  muito  mimosa, 
cercada  de  bello  jardim,  campos  e  poma- 
res, dominando  os  3  mencionados  rios,  duas 
barcas  de  passagem  que  cruzam  o  Douro, 
uma  a  montante  e  outra  a  jusante  do  for- 
moso palacete;' — a  linha  férrea,  que  passa  a 
poucos  metros  da  casa,— e  a  estação  da  Er- 
mida, que  está  em  frente  da  casa,  distante 
d'ella  pouco  mais  de  100  metros— e  no  mes- 
mo nivel,  pelo  que  a  estação  é  o  rendez-vous 


1  A  1.»  é  muito  antiga  e  particular.  Per- 
tence à  casa  da  Ermida  e  é  administrada 
por  ella,  sendo  também  consortes  D.  Jose- 
pha  Clementina,  viuva  de  Raymundo  Bor- 
ges, da  Casa  da  Capella,  freguezia  de  S. 
Thomé  de  Covellas,  e  José  Liberato  de  Car- 
valho Pinto  Borges,  por  compra  que  fez  á 
casa  dtf  Travanca,  de  um  quinhão  que  havia 
sido  da  nobre  casa  da  Faia,  ou  antes  da  ca- 
sa de  Vinhósinhos,  d'esta  parochia,  hoje  per- 
tencente à  da  Fam,  junto  de  Amarante,  qui- 
nhão que  passou  por  compra  para  a  casa  de 
Travanca. 

A  2.'  barca  é  muito  moderna.  Foi  estabe- 
lecida cerca  de  500  metros  a  jusante  da  1.» 
e  em  frente  da  estação  da  Ermida,  quasi 
exclusivamente  para  servir  a  estação,  por 
José  Maria  Borges  Carneiro,  da  casadas  Co- 
tas, de  Rezende,  mas  a  camará  de  Rezende 
apossitu  se  da  dieta  barca  e  é  hoje  d^aquelle 
municipíol. . . 

Em  breve  desapparecerão  ambas.logo  que 
se  construa  a  projectada  ponte,  da  qual 
adiante  fallaremos. 


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dos  felizes  donos  d'este  bello  palacete,— em 
quaote  que  todas  as  outras  casas  nobres 
d'esta  freguezía  demoram  em  sítio  alto,  al- 
candoradas nas  encostas,  mediando  entre 
ellas  e  a  estaçàu  medonhos  barrancos  mui- 
to declivosos,  que  mal  se  transpõe  a  pé  ou 
a  Cavallo,  mesmo  porque  as  estradas  são  to- 
das antigas,  despenhadeiros  que  fazem  tre- 
merl .  • . 


E'  também  muito  interessante  o  lanço  do 
Douro  dominado  pela  dieta  casa,  pois  no 
verão  principia  em  frente  d'ella  o  poço  de 
Riboura,  muito  fundo  e  d'agua  morta,  es- 
pécie de  lago,  que  se  pôde  transpor  a  remos 
6  se  presta  admiravelmente  para  recreio, — 
poço  que  se  estende  desde  o  ponto  de  Ri- 
pança,  cerca  de  2  kilometros  a  montante, 
até  o  ponto  de  Canedo,  em  frente  da  esta- 
ção da  Ermida,  dominado  também  pela  di- 
eta casa  e  que  é  um  dos  pontos  do  Douro 
mais  perigosos  no  verão,  pelo  que  oíferece 
constantemente  scenas  variadas.  E  no  in- 
verno o  poço  de  Riboura  é  um  ponto  con- 
tinuado, medonho,  perigosissimol  Fórma 
grandes  redotooinhos,  sorvedouros  ou  dor- 
nas, que  mettem  a  pique  os  grandes  bar- 
cos rabelios,  como  succede  trivialmente  no 
sitio  denominado  Altar,  quasi  em  frente  e  a 
pequena  distancia  do  dito  palacete. 

Ali  teem  naufragada  no  inverno  milhares 
de  barcos! ... 

E'  por  vezes  tão  fundo  e  tão  violento  o  di- 
cto  sorvedouro,  que  a  agua  brame  e  seme- 
lha o  rufar  de  um  tambor. 

Os  taes  redomoinhos  abundam  no  inver- 
no em  todos  os  poços  e  ha  um  no  alto-Dou- 
ro  (no  poço  Saião  ou  no  Pocinho)  que  é 
talvez  o  mais  medonho  de  todos. 

Descreve  um  grande  circulo;  abre  uma 
cova  muito  funda  e,  quando  a  agua  pesa 
demasiado  nas  paredes  da  dorna,  fecha  re- 
pentinamente, produzindo  um  estrépito  co- 
mo a  detonação  de  um  tiro. 

Vade  rétrol . . . 

V.  Pontos  do  Douro,  tomo  7*  pag.  198, 
col.  2.*— Poços  do  Douro  no  art.  Viseu,  to- 
mo 11.0  pag,  1:704,  eol.  2."  tambem,--e  o  tó- 
pico Ponte  da  Ermida,  infra. 


A  dieta  casa  tem  3  pavimentos  e  foi  re- 
centemente feita,  em  substituição  d'ouira 
mais  humilde  e  muito  antiga,  pelo  sr.  An- 
tonio Camillo  d'Almeida  Carvalho,  seu 
actual  possuidor,  casado,  mas  sem  succes- 
são,  bacharel  formado  em  direito  pela  Uni- 
versidade de  Coimbra,  cavalheiro  muito 
tractavel,  muito  illustrado  e  muito  bondoso, 
que  já  foi  por  vezes  deputado  às  cortes  e 
muitos  annos  consecutivos  procurador  à 
junta  geral  do  districto  do  Porto  pelo  con- 
celho de  Baião,  etc. 

Sendo  deputado  e  vivendo  em  Lisboa,  foi 
ura  dos  padrinhos  do  duello  que  no  dia  29 
de  março  de  1862  ou  1863  matou  o  seu  mal- 
logrado  visinho,  contemporâneo  e  particu- 
lar amigo,  dr.  José  Julio  d'Oliveira  Pinto, 
natural  da  villa  de  Barqueiros,  então  chefe 
do  ministério  dos  negócios  eeclesiasiicos  e 
de  Justiça  —  e  também  deputado — talento 
verdadeiramente  superior. 

V.  Barqueiros,  tomo  1.°  pag.  336,  eol.  2.* 

O  sr.  dr.  Antonio  Camillo  d'AImeida  Car- 
valho formou  se  em  1857  e  é  filho  de  Anto- 
nio Camillo  Pereira  d'Almeida  Carvalho 
Pinto,  de  quem  herdou  a  casa  e  quinta  da 
Ermida  e  varias  casas  no  Porto,  etc. 

Tem  uma  irmã,  D.  Maria  Isabel,  também 
muito  illustrada.  Casou  com  Miguel  de  Vas- 
eoncellos  Pereira  de  Mello,  de  Santa  Chris- 
tina  de  Figueiró,  concelho  de  Amarante,  ir- 
mão do  rev.  bispo  actual  de  Lamego  —  D. 
Antonio  da  Trindade  e  Vasconeellos  Pereira 
de  Mello. 

Está  viuva  e  sem  successão  e  reside  na 
mesma  casa  da  Ermida. 

4.' — Casa  e  quinta  de  Guimarães,  brazo- 
nada  e  com  uma  capella  de  Nossa  Senhora 
da  Conceição. 

Demora  em  sitio  alto,  alegre,  plano  e 
muito  vistoso  junto  da  velha  estrada  do 
Porto  por  Penafiel,  Canaveses  e  Baião  a  Me- 
sãofrio. 

Foi  casa  muito  nobre  e  produziu  pessoas 
muito  notáveis,  entre  ellas  Jo>é  Máximo 
Pinto  da  Fonseca  Rangel,  ministro  de  esta- 
do, coronel  d'ariilheria,  etc. 

Raptou  do  paço  dos  nossos  reis  D.  Maria 


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Helena  de  Saldanha  Castro  Lorena  e  Daun, 
parenta  próxima  do  duque  de  Saldanha  e 
dama  da  rainha  D.  Carlota  Joaquina. 

Casou  com  a  dieta  senhora  e  teve  uma  Q- 
Iha  única  e  herdeira— D.  Maria  Guilhermi- 
na de  Saldanha  Pinto  Rangel  que,  sendo  já 
viuva  e  sem  sueeessão,  casou  com  José  Rei- 
mão  de  Mello  Falhares,  da  Ucanha,  do  qual 
também  não  teve  sueeessão,  pelo  que  falle- 
cendo  ab  intestato,  foram  herdeiros  os  seus 
parentes  mais  próximos,  D.  Antonio  José  de 
Mello  Saldanha  e  irmãos,  de  Lisboa,  e  a  es- 
tes comprou  a  quinta  e  casa  de  Guimarães 
Francisco  Pinto  da  Silva,  seu  actual  possui- 
dor, grande  capitalista  (brazileiro)  natural 
da  povoação  de  S.  Pedro,  d'esta  parochia  de 
Santa  Marinha,  casado  e  com  sueeessão,  o 
qual  restaurou  a  uicta  casa  e  tem  juntado 
á  quinta  diversas  propriedades.* 


O  chão  da  casa  é  um  planalto  encantador 
e  foi  habitado  desde  tempos  muito  remo- 
tos, pois  ali  "se  encontram  ainda  muitas  se- 
pulturas abertas  na  rocha  —  e  não  longe 
d'ella  se  encontraram  ha  poucos  annos  em 
uma  escavação  outras  sepulturas  aniiquissi- 
mas  de  tijolo,  sendo  a  localidade  abundante 
em  granito.  Em  uma  d'estas  sepulturas  se 
encontrou  do  lado  da  cabeceira  uma  peque- 
na moeda  de  cobre  muito  gasta  e  por  certo 
do  tempo  em  que  era  costume  lançar  com 
08  cadáveres  pequenas  moedas  nas  sepul- 
turas, —  costuriie  antiquíssimo,  ainda  hoje 
em  vigor  n'esta  parochia,  como  já  dissemos 
supra,  quando  falíamos  da  egreja  matriz. 

Ainda  lá  se  vêem  as  sepulturas  abertas 
na  rocha;  as  de  tijolo  foram  completamente 
destruídas. 

José  Mâximo  Pinto  da  Fonseca  Rangel, 
sendo  perseguido  como  constitucional  em 


1  Adquiriu  a  sua  grande  fortuna  em  San- 
tos, no  Brazil,  onde  conserva  ainda  uma 
soberba  casa  industrial  e  commercial,  diri- 
gida por  3  filhos,  todos  3  ainda  solteiros. 


1828,  viveu  oeculto  e  homisiado  até  que  um 
dia,  contando  cerca  de  70  annos  de  idade, 
appareceu  em  Lisboa  morto  dentro  d'um 
caixão  á  porta  de  uma  egreja,  e  nuDca  se 
explicou  o  seu  trágico  fim. 

Era  muito  iliustrado,  muito  animado  e 
poeta. 

Ainda  hoje  na  localidade  se  repetem  al- 
guns versos  humorísticos,  feitos  por  elle,*  e 
publicou  differentes  obras  em  prosa  e  verso. 
O  Diccion.  Bibi.  de  Innocencio  aponta  as 
seguintes: 

1.  ^  Poesias. . .  Lisboa,  1793. 

2.  »  Templo  da  Memoria,  poema;  Lisboa, 
1793. 

3.  *  Catalogo  por  copia,  exlrahido  do  ori- 
ginal das  sessões  e  actas  feitas  pela  socieda- 
de de  portuguezes  dirigida  por  um  conselho 
intitulado  Conselho  Conservador  de  Lisboa 


1  Ahi  vae  uma  amostra  do  panno: 
Elie  era  doido  por  mulheres,  pelo  que  a 
esposa  tomava  criadas  sempre  feias.  A  uma 
das  taes  fúrias  dedicou  elle  as  seguintes 
quadras: 

Ura  covado  de  comprido. 
Altura  de  mais  de  vara. 
Tem  a  testa  d'este  monstro 
No  alto  da  feia  cara. 

Os  olhos  amortecidos 
Vesgos  e  mal  engraçados. 
Em  duas  covas  profundas 
Ambos  estão  enterrados. 

Nariz  de  magro  esqueleto, 
De  matérias  aqueducto, 
Vapora  dMnstante  a  instante 
Ar  pestilento  e  corrupto. 

A  bocca  é  larga  e  disforme 
Enegrecida  de  sorte. 
Que  parece  sem  mentir 
A  própria  bocca  da  morte. 

Tem  pescoço  denegrido. 
Colo  de  galgo  esfaimado 
Com  duas  pelles  ao  fundo 
No  peito  secco  e  mirrado. 

O  diabo  me  arrapanhe. 
Se  eu  não  juro  na  verdade 
Que,  sendo  assim  as  mulheres, 
Tudo  fôra  castidade. 


ZEZ 


ZEZ  2117 


e  insiallada  rCesta  mesma  cidade  em  5  de 
fevereiro  de  1808,  para  tratar  da  restaura- 
ção da  Patria. 

«José  Máximo  (diz  Innoeencio)  foi  secre- 
tario do  tal  Conselho,  que  Dão  passava... 
de  uma  loja  maçónica . . .  • 

Talvez  prenda  com  a  maçonaria  o  trá- 
gico 6m  do  auctor!. . . 

4.  "  Severo  exame  do  procedimento  dos 
portuguezes. . . 

Lisboa,  1808. 

5.  "  Desengano  feliz... 
Lisboa,  1809. 

6.  »  A  batalha  d'Otta,  entremez  heróico. 
Lisboa,  1808. 

7.  *  Projecto  de  guerra  contra  as  guerras, 
offereddo  aos  chefes  das  nações  europeas. 

Coimbra,  1821. 

8.  '  Pernicioso  poder  dos  pérfidos  validos, 
destruído  pela  Constiluição. 

Coimbra,  1821. 

9.  *  Causa  dos  frades  e  dos  pedreiros  livres 
no  tribunal  da  Prudência. 

Lisboa,  1822. 

Na  1.»  parle  advoga  a  causa  dos  frades; 
na  2."  faz  a  apologia  da  maçonaria. 
10 '  Vantagens  do  soldado  portuguez. 
Lisboa,  1823. 


Innoeencio,  fallando  do  auctor,  diz: 
*José  Máximo  Pinto  da  Fonseca  Rangel, 
major  do  exercito,  foi  por  algum  terapo 
governador  do  Castello  de  S.  João  da  Foz, 
DO  Douro;  deputado  às  cortes  ordinárias  de 
1822,  e  encarregado  do  ministério  dos  ne- 
gócios da  guerra,  no  intervallo  que  mediou 
entre  a  sabida  d'el-rei  D.  João  VI  de  Lis- 
boa no  Qm  de  maio  de  1823,  e  a  sua  volta 
de  Villa  Franca  em  princípios  de  junho  se- 
guinte.—Foi  natural  da  província  de  Traz- 
08-Montes,i  e  primo  de  José  Ribeiro  Pinto, 


1  Dizem-nos  que  oasceu  na  quinta  de 
Guimarães,  {reg\i6z\&  de  Santa  Marinha  do 
Zezei  e,  concelho  de  Baião,  districto  do  Por- 
to, província  do  Douro.  Innoceocio  equivo- 
cou-se  talvez,  porque  a  dieta  parocbia  é  vi- 


i  alferes  de  infanteria  n.»  16,  justiçado  em 
j  Í817  como  um  dos  principaes  cabeças  da 
conspiração  chamada  vulgarmente  de  Gomes 
Freire,^  á  qual  parece  que  José  Máximo  es- 
tava bem  longe  de  ser  extranho,  posto  que 
contra  elle  se  não  procedesse  regularmente 
por  esse  motivo. — Morreu  em  Lisboa,  homi- 
siado,  no  tempo  do  governo  do  sr.  D.  Mi- 
guel, contaodo  então  70  annos  de  idade,  ou 
pouco  menos,  segundo  as  informações  que 
obtive.  Seu  parente  e  mfu  amigo,  o  sr.  có- 
nego Antonio  Ribeiro  d'Azevedo  Bastos,  me 
promeiteu  ha  annos  dar  amplas  noticias 
d'elle,  as  quaes  todavia  não  chegaram  até 
j  hoje.» 

Referia-se  ao  anno  de  1860 — e  nunca  re- 
cebeu taes  noticias,  pois  o  sr.  Brito  Aranha 
continuador  de  Innoeencio,  volvendo  a  fal- 
lar  do  mesmo  auetor  em  1885,  não  fez  a 
miniraa  referencia  a  ellas  e  pouco  adiantou. 


Eu  ainda  conheci  um  parente  de  José  Má- 
ximo, talvez  filho  ou  sobrinho  do  pobre  al- 
feres José  Ribeiro  Pinto.  Charaava-se  Fran- 
cisco Pinto  Ribeito  da  Fonseca;  vivia  então 
(1854-18ti0)  na  aldeia  dos  Araes,  junto  da 
quinta  de  Guimarães;  depois  passou  para 
Lisboa,  onde  morreu  solteiro  e  sem  sueees- 
são. 

Era  homem  já  idoso,  bastante  illustrado 
e  muito  liberal.  Durante  o  governo  do  sr. 
D.  Miguel  viveu  horaisiado  e  depois  militou 
como  voluntário  no  cerco  do  Porto,  mas  ter- 
minada a  lucta,  não  seguiu  a  carreira  das 
armas. 

Era  muito  excêntrico  e  muito  valente! 

Depois  que  andou  homisiado,  lembrando- 
se  dos  diseommodos  porque  passou  em  sí- 
tios ermos,  trazia  sempre  eomsigo  uma  nà- 
valha  de  barba,  agulhas  e  linhas  e  uma  pe- 
quenfi  cabaça  com  vinho. 


sinha  do  concelho  de  Mesãofrio,  districto  de 
Villa  Real,  província  de  Traz-os-Montes. 

1  V.  Lisboa,  tomo  4.o  pag.  116,  col.  1.'— 
in  fine. 


2118  ZEZ 


ZEZ 


Foi  bom  jogador  de  florete,  sabre  e  pau 
— e  tão  valente  e  decidido,  que  todo  o  con- 
celho de  Baião  o  respeitava.  Nenhum  des- 
cante ousava  ir  ao  povo  d'elle  sem  lhe  pe- 
dir licença,  sob  pena  de  serem  corridos  a 
pau,  como  por  vezes  correu  descantes  de 
valentões  cheios  de  basoQa. 


Quando  moço  apostava  que,  saindo  a  um 
terreiro  a  tocar  viola  passeando,  com  um 
pau  apertado  simplesmente  pelo  braço  es- 
querdo contra  a  ilharga,  3  homens  quaes- 
quer  não  lhe  tirariam  o  pau,  nem  lhe  tolhe- 
riam o  passo,  nem  o  impediriam  de  tocar. 
Nunca  perdeu  a  aposta  e,  contando  já  tal- 
vez 60  annos,  a  mim  me  disse  que  ainda 
apostava  contra  2  valentiSes  quaesquerl . . . 

Outro  facto: 

Depois  do  cerco  do  Porto  foi  para  Baião 
e,  passados  tempos,  ali  adoeceu,  ficando 
inerte,  com  os  olhos  fechados,  e  sem  poder 
fallar  nem  mover-se. 

Assim  se  conservou  deitado  na  cama  9 
annos,  a  despeito  de  todos  os  esforços  da 
medicina, 

O  povo  dizia  que  era  encantamento  e  a 
familía,  esgotados  os  soccorros  médicos,  deu 
ouvidos  aos  crendeiros  da  localidade.  Man- 
dou chamar  uma  das  muitas  intrujonas — 
mulheres  de  virtude —  que  por  ali  abunda- 
vam in  illo  tempore,  curando  (?)  toda  a  cas- 
ta de  enfermidades  com  resas  e  mesi- 
nhas.^ 

A  boa  da  mulher  disse  que  elle  estava 
morto  e  que  por  haver  commettido  grandes 
crimes,2  a  alma  fora  condemnada  a  ficar 
eternamente  presa  ao  cadáver,  mas  que  ella 
ia  empregar  todos  os  meios  para  libertar  a 
pobre  alminha. 


*  Logo  daremos  algumas  das  taes  receitas 
que  são  muito  curiosas. 

^  Note-se  que  o  tal  Francisco  Pinto  deu 
muita  bordoada  e^  suspeitaodo  que  lhe  era 
infiel  uma  pobre  mulher  com  quem  vivia, 
matou-a  com  uma  facadal ... 


Principiou  logo  as  bênçãos,  resas  e  escon- 
juros  e,  passados  dias,  ministrou  lhe  certa 
pisorga.  Sentin-se  elle  muito  aíflicto;  abriu 
os  olhos;  sentou-se  na  cama;  vomitou  mui- 
to—e em  breve  se  levantou  e  restabeleceu, 
volvendo  ao  estado  normal  e  vivendo  lon- 
gos annos. 

Isto  é  facto,  o  que  nos  leva  a  crer  que  o 
tal  encantammto  era  algum  envenenamento, 
talvez  propinado  pela  confraria  da  intrujo- 
na, — e  que  a  tal  pisorga  era  o  contra-vene- 
nol . . . 

Ainda  vivem  n'esta  parochia  e  em  outras 
d'este  concelho  muitos  parentes  do  tal  Fran- 
cisco Pinto,  alguns  dos  quaes  nós  conhece- 
mos, e  d'elles  ouvimos  tudo  o  que  fica  ex- 
posto. 

Prosigamos. 

5  «—Casa  e  quinta    Entre- Aguas. 

Demora  na  margem  esquerda  do  Zêzere 
e  é  uma  das  melhores  quintas  d'esta  paro- 
chia. 

Tem  boa  casa  de  habitação,  largos  cam- 
pos e  muita  agua,  luxuosamente  distribuída 
por  canos  de  granito  e  uma  eira  soberba, 
também  de  granito.  Custou  contos  de  réis  e 
é  a  melhor  do  concelho. 

Esta  grande  propriedade  tem  uma  capei- 
la  do  Espirito  Santo  e  pertenceu  à  nobre 
familia  Perfeitos,  ultimamente  representada 
por  Antonio  Perfeito  Pereira  Pinto  Osorio, 
dono  d'outras  muitas  casas  e  quintas  em  di- 
versos pontos  do  nosso  paiz,  avultando  en- 
tre ellas  a  casa  da  Corredoura  na  freguezia 
de  Cambres,  junto  de  Lamego,  que  é  uma 
das  mais  sumptuosas  vivendas  da  provin- 
cia.i  Foi  casado,  mas  morreu  seqa  successão, 
pelo  que  deixou  a  sua  grande  fortuna  a  di- 
versos parentes  e  esta  quinta  de  Entre- 
Agoas  à  sr.«  D.  Carlota  Adelaide  Perfeito, 
que  n'ella  vive. 

Hoje  esta  quinta  rende  800  a  900  mil 
réis. 


1  V.  Portello,  tomo  7.»  pag.  258,  col.  2.» 


ZEZ 

6.»--Casa  e  quinta  do  Ervedal,  junto  da 
povoação  d*e8te  nome,  entre  o  rio  Teixeira 
e  a  quinta  de  Guimarães. 

Pertenceu  a  Francisco  d'Almeida  e  Silva, 
por  morte  do  qual  passou  para  a  viuva; 
esta,  depois  de  muito  a  delapidar  e  cercear 
vendeu-a  ao  rev.  arcediago  e  abbade  de 
Campello— José  de  Sousa  Cabral,  —  seu 
actual  possuidor. 

Foi  uma  quinta  importante  e  caríssima, 
pois  tem  bons  campos  sobre  a  margem  di- 
reita do  rio  Teixeira,  em  terreno  muito  de- 
clivoso, pelo  que  os  socalcos  assentam  sobre 
grandes  paredes  que  deviam  custar  muitos 
contos  de  réis,  campos  todos  cobertos  por 
agua  de  veia  nativa  e  limação,  que  vem  do 
rio  Teixeira,  talvez  de  l  kilometro  ou  mais 
de  distancia,  por  um  açude  em  que  pôde 
navegar  um  cahique— -mesmo  no  rigor  da 
estiagem— e  junto  da  ponte  de  Frende  tem 
outro  açude,  que  move  differentes  moinhos 
e  rega  a  parte  baixa  da  quinta. 

Comprehendia  também  a  montante  do  1.» 
açude  espaçoso  terreno  sentieiro  e  boa  raat- 
ta  de  pinbeiros  e  carvalhos— e  bons  campos 
e  montados  na  margem  esquerda  do  rio  Tei- 
xeira, a  jusante  e  montante  da  ponte  de 
Frende,  mas  a  viuva  alienou  grande  parte 
dos  dlctos  chãos. 


Francisco  d'Almeida  e  Silva  era  natural 
do  Porto  e  casou  n'e3ta  quinta  com  a  dona 
d'ella— D.  Maria  Henriqueta— prima  do  Jo- 
sé Máximo,  da  quinta  de  Guimarães. 

O  marido  era  bastante  illustrado,  exeellen- 
te  pessoa  e  um  cavalheiro  respeitabilissimo. 
Foi  alguns  annos  administrador  d'ests  con- 
celho e  muito  estimado  e  respeitado  pelo 
seu  génio  bondoso  e  prestadio  e  pelo  seu 
grande  valimento,  pois  era  irmío  de  Anto- 
nio Thomaz  de  Almeida  e  Silva,  1.»  barão 
de  Almeida,  do  conselho  de  S.  M.,  inspector 
fiscal  da  extincta  repartição  fiscal  do  exer- 
cito, brigadeiro  honorário,  F,  C.  C.  R  por 
suecessão  a  seus  maiores,  commendador  da 
ordem  de  Christo,  cavalleiro  da  ordem  de 
Nossa  Senhora  da  Conceição  de  Villa  Viço- 
sa, condecorado  com  a  medalha  portugueza 
das  4  campanhas  da  guerra  da  Península  e 


ZEZ  2119 

j  com  as  medalhas  de  honra  pelas  batalhas  e 
combales  de  Victoria  (21  de  junho  de  18i3) 
—de  S.  Marcial  de  Urdach  (4  d'agosto  do 
mesmo  anno)— de  Toulouse  (iO  d'abril  de 
1814)— sitio  de  Pamplona  (30  de  junho  ató 
18  de  julho  de  1813)— e  sitio  de  Bayona  (%7 
de  fevereiro  a  28  d'abril  de  1814). 

O  dicto  barão  nasceu  no  Porto  a  28  de 
junho  de  1798  e  morreu  em  Lisboa  a  8  de 
outubro  de  1857,  havendo  casado  no  Porto 
em  primeiras  núpcias  a  15  de  junho  de 
1829  com  D.  Maria  Elisa  Ganhado  Vieira 
Pinto  e  em  l^gundas  núpcias  em  Lisboa,  a 
20  de  janeiro  de  1849,  com  D.  Constança 
Emilia  Jaeques  de  Vaseoncellos  e  Menezes, 

baroneza  d' Almeida,  que  ainda  hoje  vi- 
ve e  nasceu  a  7  de  setembro  de  1820,  sendo 
filha  de  José  de  Vaseoncellos  e  xMenezes  Ja- 
eques de  Magalhães  Lobo,  F.  C.  R.,  e  de  sua 
mulher  D.  Antónia  de  Lima  Barreto  d'Al- 
meida  Coelho.^ 


O  barão  teve  os  .irmãos  seguintes: 

— Francisco,  já  mencionado. 

—Guilherme  d'Almeida  e  Silva,  que  mili- 
tou também  na  guerra  da  Península  e  nas 
guerras  civis  posteriores,  chegando  ao  pos- 
to de  general  de  cavalleria. 

Casou  com  D.  Ismenia  d'Almeida  e  Silva, 
da  qual  teve  2  filhos  que  morreram  em  vi- 
da do  pae.  Depois  separou-se  judicialmente 
da  esposa  e  esta  teve  differentes  filhos  na- 
turaes. 


^  V.  Resenha  das  familias  Ululares  pelo 
commendador  Albano  da  Silveira  Pinto, 
muito  dignamente  continnada  pelo  sr.  vis- 
conde de  Sanches  de  Baêna,  tomo  1.»  nag. 
42.  ,  ^  ^ 

O  barão  teve  do  seu  matrimonio  ape- 
nas l  filho— Antonio  Thomaz  Vieira  Pinto 
d' Almeida— que  foi  2>  barão  d*Almeida;  — 
do  2.»  matrimonio  teve  uma  filha  e  3  filhos. 

O  2."  barão  d'Almeida  nasceu  em  1829; 
casou  em  1857  com  D.  Maria  Amélia  de  Ná- 
poles Noronha  da  Veiga  e  teve  6  filhas  to- 
das Manas't\ .  . 

Com  relação  á  guerra  da  Península,  vide 
Gojim,  vol.  3.»  pag.  284,  col,  2.»  e  segg.— e 
Passos  da  Serra,  vol.  6.»  pag.  502,  col.  2.* 


2120  ZEZ 


ZEZ 


—D.  Feliciana  d'Almeida  e  Silva. 

Casou  com  José  Taveira  e  teve  suecessão. 

— D.  Joaquina  d' Almeida  e  Silva. 

Casou  era  Ponte  de  Lima  com  José  Mau- 
ricio d'Abreu  e  Lima  e  teve  duas  filhas:— 
uma  casou  e  falleceu,  deixando  suecessão; 
—a  outra,  D.  Eulália,  ainda  se  conserva 
solteira  e  com  boa  fortuna. 

— D.  Anna  Eulália,  que  falleceu  solteira 
e  também  rica. 

— M.  Jacintha. 

Casou  e  falleceu  sem  suecessão. 

— p.  Rita.  • 

Casou  e,  fallecendo  já  viuva  e  sem  filhos, 

instituiu  por  universal  herdeira  uma  eria- 

dal... 


O  barão  tinha  muito  valimento  e  muitas 
relações  em  Lisboa,  inclusivamente  no  cor- 
te. Foi  muito  estimado  e  muito  considera- 
do pela  rainha  D.  Maria  II,  por  el  rei  D. 
Fernando  e  pelo  chorado  rei  D.  Pedro  V,— 
e  era  uma  exeeliente  pessoa,  muito  honra- 
do, muito  prestimoso  e  muito  amigo  dos  ir- 
mãos todos,  nomeadamente  do  Francisco. 
Foi  padrinho  do  1."  filho  que  este  leve  e, 
quando  lhe  recomendava  qualquer  preten- 
ção,  o  deferimento  era  rápido  e  certo,  pelo 
que  Francisco  d'A!meida  e  Silva  era  o  anjo 
tutelar  de  Baião, — muito  estimado  e  muito 
respeitado  em  todo  o  concelho.  Além  d'isso 
administrava  muito  bem  a  sua  casa,  mas, 
fallecendo  muito  novo,  aproximadamente  em 
1848,  a  viuva,  sendo  aliás  uma  exeeliente  se- 
nhora, muito  virtuosa  e  muito  bondosa,  com- 
promelteu  completamente  a  sua  casa  e,  fal-^ 
lecendo  em  1877,  deixou  os  filhos  expostos  a 
duras  eontingenciasl ... 

Eram  elles  os  seguintes: 

— 1>.  Anna  e 

—  D.  Helena,  ainda  solteiras. 
— D.  Ismenia,  casada  e  c.  g. 
— D.  Ermelinda  e 

— D.  Margarida,— casada,  mas  s.  g. 

— Francisco  d'Almeida  e  Silva,  que  mor- 
reu solteiro. 

—Guilherme  d*Almeida  e  Silva  Sarmento, 
que  ainda  vive. 

Casou  em  Gestaçô  com  D.  Rosa  Cândida 


Pinto  Pereira,  irmã  do  morgado  dos  Ferrei- 
ros; não  tem  filhos,  e  vive  em  Anquião, 
junto  de  Mesão  frio. 

— Dr.  Antonio  d'Almeida  e  Silva,  bacha- 
rel formado  em  direito. 

Era  um  talento  superior  e  foi  alguns  aa- 
nos  o  advogado  de  Baião;  depois  casou; 
seguiu  a  magistratura  e,  sendo  ainda  novo 
e  delegado  em  Macedo  de  Gavalleiros,  en- 
doudeceu e  passado  pouco  tempo  falleceu, 
aproximadamente  era  1868,  deixando  a  viu- 
va e  filhos  em  precárias  circumstaneiasl... 

O  irmão  Guilherme,  afilhado  do  tio  gene- 
ral do  mesmo  nome,  é  também  um  talento 
superior,  mas  nunca  tirou  partido  d'elle,  por 
ser  muito  excêntrico. 

A  mãe  tentou  ordenal-o  e  ainda  estudou 
o  latim  na  Regoa  e  no  seminário  de  La- 
mego. 

Faz  versos  (?)  e  tem  pronunciada  voca- 
ção para  musica  e  para  artes  mecânicas. 
Toca  muitos  instrumentos,  nomeadamente 
rebeca  e  por  curiosidade  concerta  e  faz  re- 
beeas,  algumas  das  quaes  nós  vimos  na  ex- 
posição de  industrias  caseiras  que  a  Socie- 
dade de  Jnstrucção  do  Porto  realisou  ha 
annos  no  palácio  de  cristal  d'aquella  cidade. 

Confundem-se  com  as  dos  bons  mestres. 


Também  compõe  musica,- valsas,  polkas, 
mazureas,  etc.  e  no  momento  tem  no  Porto 
em  via  de  publicação  umas  variações  da 
chula  rabêlta  ou  chula  do  Douro,  muito 
usada  nos  concelhos  de  Baião,  Canavezes, 
Sinfães  e  Resende.  É  muito  linda  e  bastante 
difflcil,  sendo  bem  tocada,  como  elle  a  toca, 
pois  é  sem  contestação  o  1."  chuliante  do 
Douro. 

Nunca  teve  professor  de  rebeca,  mas  tira 
d'ella  muito  partido,  v.  g.— com  uma  chave 
ou  uma  navalha  atravessadas  sobre  as  cor- 
das junto  ao  cavalete,  imita  perfeitamente 
uma  sanfona,  illudindo  quem  o  não  vé  to- 
car. 

O  irmão  Francisco  e  duas  das  irmãs  tam- 
bém tocavam  rebeca— e  o  irmão  doutor  to- 
cava muito  bem  flauta. 

Desculpem-nos  estas  minudencias,  porque 


ZEZ 

devemos  muita  affeição  e  muita  gratidão  a 
esta  casa.  N'ella  folgámos  muito  durante  as 
ferias  da  nossa  formatura  e  ainda  posterior- 
mente, pois  foi  nosso  contemporâneo  na 
Universidade  e  sempre  muito  amigo  o  po- 
bre dr.  Antonio  d'A[meida  e  Silva,  que  ter- 
minou a  formatura  em  1861. 

Não  lográmos  conhecer  o  pae,  mas  co- 
nhecemos de  perto  a  família  toda  e  toda  nos 
estimou  sempre  muito. 


Ainda  um  fado: 

Estando  nós  um  dia  n'esta  (juinta,  fomos 
passeiar  até  á  estrada  de  Frende,  que  a 
corta  de  norte  a  sul.  Encontrámos  ali  um 
mendigo  (?)  que  parou  contemplando  a  quin- 
ta já  então  em  decadência,  e  depois  com  as 
lagrimas  nos  olhos  disse: 

-  Que  falta  fez  o  sr.  Francisco  d'Aimei- 
dal... 

— E  V.  conheceu- o? 

— Gonheci-o  muito  bem.  Era  um  santo! 
Quando  um  pobre  lhe  pedia  qualquer  favor, 
parece  que  até  os  fatos  se  lhe  riam. 

E  chorou,  como  dós  choraríamos,  se  hoje 
ali  voltássemos. 

Vão  decorridos  roais  de  30  annos  e  ainda 
nos  parece  ver  e  ouvir  o  pobre  velho. 

Não  nos  recordamos  de  elogio  tão  espon- 
tâneo, tão  singelo,  tão  despretencioso  e  ao 
mesmo  tempo  tão  pomposol . . . 


O  1.»  barão  d'Almeida  pertencia  a  uma 
nobre  familla  do  Porto,  cognominada  íhe- 
soureiros,  por  que  foi  seu  pae  Antonio  Tho- 
maz  d'Almeida  e  Silva,  F.  C..  R.,  cavalleiro 
professo  da  Ordem  de  Christo,  escrivão  do 
Donativo  de  4  por  cento  na  alfandega  do 
Porto,  coronel  de  infanteria  graduado,  the- 
soureiro  geral  das  tropas  das  tres  provin- 
das do  norte  e  do  partido  do  Porto.  Casou 
com  D.  Anna  Margarida  Vieira  da  Cunha, 
filha  de  Jacintho  Gomes  de  Carvalho,  C,  P. 
O.  de  S.  Thiago  e  monteiro  mór  da  villa  de 
Melres,  onde  tinha  boa  casa,  e  de  sua  mu- 
lher D.  Maria  Pereira  da  Cunha. 


ZEZ  2121 

Antonio  Thomaz,  na  qualidade  de  thesou- 
reiro  geral  das  tropas  e  do  partido  do  Por- 
to, quando  os  francezes  invadiram  aquella 
cidade  em  março  de  1809,  salvou  com  gran- 
de riíco  da  i)ropria  vida  todos  os  papeis  da 
sua  repartição  e  a  caixa  militar  com  duzen- 
tos quarenta  e  seis  contos  trezentos  e  cin- 
coenta  mil  setecentos  sessenta  e  oito  réis, 
que  fez  recolher  no  convento  cruzio  da  Ser- 
ra do  Pilar  e  depois  entregou  aquella  gran- 
de somma  ao  1.°  conde  d'Amarante  Silvei- 
va,  então  general  e  commandante  das  forças 
militares  portuguezas. 

Este  honrado  tliesoureiro  era  filho  de 
Mauricio  d'Almeida,  escrivão  da  conserva- 
tória da  real  junta  do  commereío  de  Lisboa, 
casado  cora  D.  Anna  Thereza  Braga  Xavier; 
— e  Mauricio  d'Almeida  era  filho  de  Diogo 
d'Almeida  e  Silva  e  de  D.  Thereza  Maria  da 
Cunha. 

Eis  aqui  uma  leve  resenha  dos  filhos,  ir- 
mãos, paes  e  avós  de  Francisco  d' Almeida 
e  Silva,  ultimo  dono  da  quinta  do  Erve- 
dal. 

Velharias 


Alem  das  m-^neionadas  supra,  quando 
fallámos  da  matriz  e  da  quinta  de  Guima- 
rães, mencionaremos  mais  algumas. 

Ha  n'esta  freguezia  2  montes:— ura  deno- 
I  minado  Crasto  (Castro)  e  outro  Revél  ou 
i  monte  do  Facho,  porque  n'elle  ouir'ora  se 
accendiam  fachos  em  tempo  de  guerra,  co- 
mo ainda  nos  princípios  d'este  século  se 
accenderam  por  occasião  da  guerra  da  Pe- 
nínsula. 

Demorara  em  sitio  alto.  O  1.»  dista  da 
egreja  matriz  cerca  de  300  metros  para  N. 
0;~o  2.»  distará  do  l.«  250  metros  para  O. 
e  ambos  distam  da  estação  da  Ermida  apro- 
ximadamente 2  kilometros  para  N. 

O  monte  do  Crasto  foi  um  castro  romano, 
pois  na  raiz  d'elle,  cerca  de  100  metros  a 
juzante,  corre  de  poente  a  nascente  uma  es- 
trada que  conduz  à  egreja,  Frende  e  Bar- 
queiros e  a  Mesãofrio,  Cidadelhe,  etc.,— es- 
trada muito  antiga,  qne  talvez  esteja  subs- 
tituindo a  velha  estrada  romana  do  Porto  a 


2122  ZEZ 


ZEZ 


Cidadelhe,  Panoias,  Lamego,  Caria,  etc.  por 
Caoavezes  e  Baião  * 

Alem  d'isso  do  dicto  monte  se  téem  en- 
contrado muitas  velharias,  bem  como  nas 
parochias  circumvisinhas. 


Em  carta  que  tenho  prezente  diz  o  sr.  J. 
Leite  de  Vasconcellos,  distincto  antiquário 
contemporâneo,  o  seguinte: 

«Na  parocbia  de  Santa  Marinhado  Zêze- 
re ha  dois  silios  que  revelam  vestígios  an- 
tigos: um  é  o  sitio  do  Crasto;  o  outro  a 
quinta  de  Guimarães. 

O  é  um  verdadeiro  castro,  e  segundo 
a  tradição,  lá  téem  apparecido  varias  anti 
galhas.  Eu  tive  conhecimento  directo  de 
duas,  aliás  valiosas,  que  por  minha  indica- 
ção param  hoje  (1889)  no  museu  do  sr. 
Martins  Sarmento,  da  cidade  de  Guimarães. 
São  ellas  duas  figuras  de  pedra,  uma  re- 
presentando um  homem  decapitado  (por  in- 
sultos do  tempo)  e  representando  a  outra 
um  quadrúpede  indeterminado. 

O  individuo  eslá  vestido,  mas  não  posso 
agora  dizer  o  que  .«igniíique.  O  quadrúpede 
pertence  certamente  a  uma  classe  de  aoi- 
maes  que  apparecem  bastante  no  nosso  paiz, 
já  em  pedra,  já  em  metal,  e  que,  a  meu  pa- 
recer, são  animaes  votivos  em  honra  de  al- 
guma divindade,  se  não  são  propriamente 
Ídolos:  mas  inclino-me  mais  á  primeira  opi- 
nião, em  virtude  de  certos  factos  que  co- 
nheço.—Tudo  isto  pertence  sem  duvida  á 
antiga  Lusitânia. 

«A  quinta  de  Guimarães  parece  ter  sido 
um  cemitério  da  epocha  luso-romana,  a  jul- 
gar pelos  tijolos  das  sepulturas.  N'estas  ap- 
pareceram  ossadas,  mas  o  vandalismo  dos 
trabalhadores  não  só  as  destruiu,  como  tam- 
bém as  sepulturas.  Apenas  possuo  dois  fra* 
gmentos  ósseos,  sendo  um  do  osso  do  ro- 


1  y.  Cidadelhe,  Mesãofrlo,  Villa  Jusã  e 
Villa  Marim. 


chedo  (ouvido).  Támbem  um  tijolo  com  uma 
lettra,  se  bem  me  recordo  é  um  A. .. 

Agora  em  Frende,  que  fica  contigua,  en- 
contrei no  sitio  do  Castello,^  uma  ioteres- 
santissima  pedra  da  epocha  luso  romana  e 
que  representa  um  sacriãcio  de  um  toiro. 
Esta  pedra  tenho-a  eu. 

Em  Gestaçô,  que  também  fica  perto  de 
Santa  Marinha,  appareceram  ha  annos  uns 
dois  alqueires  de  moedas  romanas  cobertas 
por  uma  pedra  com  um  signal  e  dentro  de 
vasilhas  de  barro.  D'estas  tenho  algumas» 
que  são  todas  pequenos  bronzes  de  Lons- 
lantino,  etc.^ 

Em  S.  Thomé  (de  Covellas,  concelho  de 
Baião)  ha  ura  castro  chamado  de  Mantel,^ 
onde  os  vestígios  de  muralhas  e  fossos  são 
muito  claros. 

Ao  pé  de  Agrellos  (freguezia  de  Santa 
Cruz  do  Douro,  concelho  de  Baião  também) 
ha  outro  castro,  aonde  ainda  não  fui,  mas 
não  longe  do  qual  encontrei  um  machado 


1  O  sitio  e  a  pequena  aldeia  do  Castello 
demoram  em  frente  e  ao  s-ul  da  quinta  do 
Erveial,  na  esquerda  do  no  Teixeira,  não 
longe  da  confluência  d'e.ste  rio  com  o  Dou- 
ro, no  pontal  que  os  dois  rios  formam,  sitio 
alto  e  muito  defensável  para  os  tempos  d'ar- 
mas  brancas,  pois  tem  pendente  rápida,  fra- 
gosa e  muito  escabrosa  sobre  os  2  rios  e  é 
só  accessivel  a  E.  ou  do  lado  de  Frende. 

Tem  uma  capella  publica  de  S.  João,  com 
festa  e  romagem  no  dia  24  de  junho  —  e  a 
dieta  povoação  desde  tempos  muito  remotos 
pertenceu  à  freguezia  de  Gestapo,  muito  dis- 
tante, mettendo-se  de  permeio  as  de  Loi- 
vos,  Tresouras  e  Santa  Marinha,  mas  no 
melado  d'este  século  (1850)  passou  para  a 
freguezia  de  Frende,  muito  próxima. 

P.  A.  Ferreira. 

2  Eu  também  obtive  70  dos  dietos  bron- 
zes e  um  fragmento  da  vasilha  onde  esta- 
vam metlidos,  —  fragmento  que  offereci  ao 
Museu  Manicipal  do  Porto  e  lá  pôde  ver-se. 

P.  A.  Ferreira. 

»  Este  nome  figura  na  lenda  que  logo  ha- 
vemos de  contar  e  que  prende  com  o  castro 
de  Santa  Marinha. 

P.  A.  Ferreira. 


ZEZ 

de  pedra  (partido)  da  época  prehistorica 
(neolithica). 

Na  freguezia  de  Santa  Cruz,  ao  pé  de  Ce- 
dofeita, também  vi  vários  fragmentos  cerâ- 
micos com  caracteres  muito  archaicos. 

Para  o  Gôve  (freguezia  do  mesmo  conce- 
lho de  Baião)  também  ha  um  castro,  mas  lá 
ainda  não  fui. 


«Na  freguezia  de  Ancede  (concelho  de 
Baião  também)  apparecem  egualmente  mui- 
tas antiguidades. 

Na  quinta  de  S.  João  (concelho  do  Douro, 
freguezia  de  Santa  Cruz  de  Baião)  ha  duas 
sepulturas  de  pedra,  chamadas  as  pias  (ca- 
vadas na  rocha). 

Ao  pé  de  Covellas  encontrei  eu  dois  pu- 
caros  egualmente  com  vestígios  muito  anti- 
gos. 

Eis  aqui  o  que  de  memoria  posso  dizer. 

O  que  se  vê  é  que  toda  essa  região  é  fér- 
til em  antiguidades. 

Santa  Marinha  principalmente  dava  mui- 
tas, se  fosse  explorada. 

José  Leite  de  Vasconcellos.- 
Mais  velharias 

Também  sabemos  que  no  alto  de  Baião, 
não  longe  de  Santa  Marinha,  ha  dolmens  ou 
antas  e  na  paroehia  de  mriz,  também  con- 
celho de  Baião,  ha  uns  penedos,  denomina- 
dos cornudo». 

V.  Vianz,  tomo  10.»  pag.  466,  col.  2." 

Mencionaremos  2  dos  diclos  dolmens: 

O  1."  está  na  Portella  âe  Miro  (nome  go- 
do) freguezia  de  Valladares,  a  montante  das 
aldeias  de  Godinho  e  Diagares,  junto  da  an- 
tiga estrada,  talvez  romana  (?)  de  Santa  Ma- 
rinha para  Campéllo,  Canaveses,  etc.,— a  N. 
d'ella  e  distante  apenas  10  a  11  melros. 

No  dicto  dolmen  se  abrigam  em  tempo  de 
chuva  os  transeuntes,  tanto  pedestres,  como 
cavalleirosH . . .  Ea  distancia  de  um  kil. 
para  O.  ha  um  grande  penedo  equilibrado 
sobre  outro  penedo,  no  monte  de  Villares. 

Talvez  seja  um  penedo  baloiçante. 

O  2.»  dolmen  está  na  freguezia  de  Gove, 


ZEZ  2123 

junto  da  antiga  estrada  de  Baião  para  Ca- 
naveses, etc— lado  N.  e  em  sitio  deserto. 

E'  maior  do  que  o  i.»  e  ali  oulr'ora  ss 
acobertavam  os  salteadares. 

Tau  bem  nos  consta  que  no  monte  do  Cas- 
tello de  Frende  ha  sepulturas  abertas  na  ro- 
cha, como  as  da  quinta  de  Guimarães. 

Revelam  também  muita  antiguidade  os 
nomes  de  Brete,  aldeia  d'esta  freguezia,  — 
Arufe,  povoação  muito  próxima,  pertencen- 
te a  J^oivos  da  Ribeira,— e  o  nome  de  Revét, 
dado  ao  monte  do  Facho. 

Brete  vem  de  Breto,  nome  de  homem  usa- 
do nos  principies  do  sec.  xi. 

No  Portug.  Monum.—Diplom.  et  Chartae, 
pag,  122  e  123,  se  acha  um  documento  da 
era  1046,  anno  1008,— no  qual  entre  os  con- 
flrmantes  se  encontra  assignado  Breto  (sic). 

Arufe  talvez  provenha  de  Arulfus,  nome 
de  homem  usado  também  nos  princípios  do 
sec.  XI. 

No  mesmo  Port.  Monum.  pag.  211,  se 
acha  um  documento  da  era  1083,  —  aimo 
1045,  no  qual,  entre  muitas  assignaturas  se 
encontra  a  de  Arulfus  Presbiter  (aic)— pa- 
'dre  Arulfo.  D'aqui  Arulfe  e  Arufe. 

Também  Marlés  na  sua  interessante  His- 
toria da  invasão  da  Peninsula  pelos  árabes, 
tomo  l.«  pag.  320,  menciona  Abdelruf,  que 
sem  grande  violência  podia  transformar-se 
em  Arufe.^ 


^  Coincidência: 

Na  extremidade  E.  da  paroehia  de  Santa 
Marinha  ha  junto  da  quinta  de  Guimarães  a 
povoação  de  Miguas,  que  é  muito  antiga  e 
parece  que  foi  villa  outr'ora,  pois  ainda  tem 
um  sitio  denominado  Praça,  outro  denomi- 
nado Pelourinho  e  outro  denominado  Araes 
com  uma  casa,  um  quintal  e  uma  fonte  de 
bella  agua  nativa. 

A  pequena  distancia  da  dieta  casa  dos 
Araes  eneontra-se  a  aldeia  de  Arufe  na  ex- 
tremidade O.  da  freguezia  de  Loivos  da  Ri- 
beira,— e  na  paroehia  de  Frende,  limitrophe 
das  de  Santa  Marinha  e  Loivos,  não  longe 
da  aldeia  de  Arufe,  a  menos  de  1  kil.  da 
margem  esquerda  do  rio  Teixeira,  ha  um 
casal  com  o  nome  de  Vfe. 

Demoram  a  pequena  distancia  Araes,  Aru- 
fe e  Vfe—Q  este  ultimo  nome  é  também  ara- 


2124 


ZEZ 


A  mesma  freguezia  de  Loivos  muito  pro- 
vavelmente vem  de  Lobia,  Dome  árabe  lam- 
bem. 

V.  Marlés,  tomo  1.»  pag.  334. 

Revél  ou  Revelle  muito  provavelmente  vem 
de  Revelle,  nome  próprio  de  homem,  usado 
também  nos  princípios  do  sec.  xi. 

No  mesmo  livro  do  Portug.  Mommenta, 
pag.  132  e  133  se  acha  um  documento  do 
anno  1012,  no  qual  entre  as  testemunhas  se 
encontra  assignado  Renelle  ou  Revelle  (sic). 

A  pag.  73  se  encontra  um  documento  do 
sino  976  cora  a  assignatura  de  Ravelle—e 
temos  no  nosso  paiz  differentes  aldeias,  ca- 
saes,  quintas  e  sitios  com  os  nomes  de  Ra- 
bélla,  Rebélla,  Revelles—e  Revel  (sie)  aldeia 
da  antiquíssima  parochia  das  Tres  Minas, 
concelho  de  Villa  Pouca  d'Aguiar. 

Também  temos  differéntes  aldeias,  casaes 
e  quintas  com  os  nomes  de  Rébella  e  Rebel- 
las,  que  teem  muita  afinidade  com  Revel. 
Revélla  e  Revéllesfl . . . 


O  mesmo  nome  de  Baião,  antigamente 
Bayão,  provem  talvez  de  Ben-Hayan,  nome 
de  um  árabe  que  figurou  na  invasão  da  pe- 
nínsula. 

V.  Marlés,tomo  1.»  pag.  473. 

E  muito  provavelmente  a  freguezia  de 
Trezouras,  limitropheda  de  Santa  Marinha, 
tomou  o  nome  de  Trezoy,  nome  godo,  ou 
rousarabe. 

E  alem-Douro,  em  frente  de  Santa  Mari- 
nha, temos  nós  Rezende,  que  vem  do  godo 
Rauzendo,  ascendente  dos  Tavoras,—  Ren- 


ZEZ 

dufe  de  Randulfo,  nome  godo  também,  —  e 
CoUas,  que  vem  do  árabe  Cotan  nome  pró- 
prio d'um  mouro  que  figurou  na  invasão  da 
península  também. 

V.  Marlés,  tomo  1 "  pag.  162. 

Também  Viariz,  freguezia  d'este  concé"- 
Iho  de  Baião  e  muito  próxima  da  de  Santa 
Marinha,  muito  provavelmente  tomou  o  no- 
me de  Viarizi,  patronímico  de  Viarigo,  no- 
me godo. 

Encontra-se  em  documentos  dos  annos 
973,  992,  1034,  1044  e  1045. 

V.  Port.  Monnm.  1.  cit.  pag.  68,  102,  173, 
204  e  211. 


Na  freguezia  de  Valladares,  limitrophe  da 
de  Santa  Marinha,  temos  nós  as  aldeias  de 
Bruzende,  Forjão  (de  Froião)  e  Godinho,  no- 
mes godos,— e  o  monte  da  Portella  de  Miro, 
nome  godo  também. 

N'e8la  mesma  parochia  de  Santa  Marinha 
do  Zêzere  os  nomes  das'  quintas  de  Alvites, 
Barbedo  e  Pepimi  são  godos. 

São  também  godos  talvez  os  nomes  das 
aldeias  de  Abesudes,  Geremil,  Buruzende  e 
Nuzilhães,  pertencentes  à  freguezia  de  Via- 
riz, 

É  também  godo  o  nome  de  Gavinho  e  ára- 
be o  nome  de  Mafomedes,  aldeias  pertencen- 
tes á  freguezia  da  Teixeira,  d'e8te  concelho 
de  Baião. 

São  também  godos  ou  musarabes  os  no- 
mes de  Queixom.il,  ou  Creixomil,  Agrellos 
(talvez  de  Argelo  2)  Casal  á' Eiro  {Ero  ^} 


be  cois  entre  os  mouros  que  invadiram  a 
península  se  encontram  Abu  e  Hm,  Jussuf  e 

^  V*.  Marlés,  tomo  3."  pag.  382. 

De  Iben  ou  Ben  Abu  (Benabo)  provem  tal- 
vez n  nome  da  freguezia  de  iVafto,  concelho 
de  Villa  Flor  em  Traz  os  Montes-e  Fí/ja 
Flor  provem  talvez  de  Villa  Froila  villa  de 
Froila,  nome  ftodo)  depois  Villa  Frol-e  por 
ultimo  Vil' a  Flori... 

V.  Zava  n'e9te  diccionario. 


1  Pepino  foi  pae  de  Carlos  Magno—e  Pi- 
piuio  Gemendia  subscreveu  um  documento 
do  anno  1022.  . 

Portvg.  Moaum.  liv.  cit.  pag.  15b. 
Também  Pepi  se  encontra  assignado  em 
um  documento  do  anno  1012. 
Op.  cit.  pag.  134. 

2  Donna  Argelo  figura  no  mesmo  docu- 
mento do  anno  1012— já  citado. 

3  Em  um  documento  do  anno  1014  assi- 
gnou  Froil  Erotiz  (Froila,  filho  de  Ero). 

Op  cit.  141.— E  ali  mesmo,  pag.  190,  se 
encontra  outro  documento  em  que  assigna 
Ero. 


ZEZ 


ZEZ  2125 


Gaia,  Cedofeita,  Lazarim,  Villa  Monim,  ete. 
aldeias^  easaea  e  quintas  pertencentes  á  fre- 
guezia  de  Santa-  Cruz  do  Douro, 

São  também  godos  os  nomes  de  Casal 
d' Arão  e  Tolòes  ou  Telões}  aldeias  da  fre- 
guezia  de  Loivos  do  Monte. 

É  árabe  o  nome  de  Maçores,^  aldeia  da 
fregaezia  de  S.  João  d'Ovil,  também  d'e8te 
concelho. 

E'  também  árabe  o  nome  de  Villa  Moura 
e  godo  o  àQ'  Sernande,  aldeias  da  freguezla 
do  Grillo. 

E'  também  godo  o  nome  de  Gozendej  al- 
deia da  freguezia  de  Gove. 

E'  árabe  o  nome  de  Alçarias  —  e  godo  o 
de  Sande,^  aldeias  da  freguezia  de  Gestaçô. 

E'  lambem  godo  o  nome  de  Mirão,  aldeia 
casa  e  barca  da  freguezia  de  S.  Thomé  de 
Covellas. 

Em  um  documento  do  «anno  982  figura 
como  testemunha  Mirone  —  e  em  outro  do 
anno  987  assigna  também  como  testemunha 
Mir  ónus. 

Portug.  Monum.  loc.  cit.  pag.  83  e  96,  — 
e  na  freguezia  de  Valladares  ha  um  monte 
denominado  Portella  de  Miro,  que  tem  mui- 
ta afiSnidade  com  Mirão.  1 

Revelam  também  muita  antiguidade  o  no- 
me de  Gem,  aldeia — e  os  de  Martigo,  Fra 
gueta  e  Lobazim  ou  Loí;azíw,^casaese  quin- 
tas da  mesma  parochia  de  S.  Thomé. 

O  nome  de  Palia,  aldeia  da  freguezia  de 
Santa  Leoeadia  de  Baião,  é  godo  e  foi  nome 
próprio  de  mulher. 


1  Em  um  documento  do  anno  1035  figura 
Telon,  cujo  patronímico  era  Teloniz. 

Op.  cit.  pag.  175. 

2  Maisor  é  nome  de  um  mouro  que  figu- 
rou na  invasão  da  Península. 

3  Sando  figura  em  um  documento  do  an- 
no 1033. 

Portug.  Monum.  liv.  cit.  pag.  172. 
Sandus  foi  notário  em  outro  documento 
do  anno  987. 
Op.  cit.  pag.  96. 

*  Ha  também  no  Alto-Douro  uma  quinta 
soberba,  denominada  Lomzim. 

V.  Vitlarinho  da  Castanheira,  tomo  11." 
pag.  1340. 

YOLUMB  XI 


No  Portug.  Mouum  liv.  cit.  pag.  74,  se  en- 
contra um  documento  do  anno  976,  no  qual 
figura  Enderkina  Palia,— e  em  outro  docu- 
mento do  anno  1040  (pag.  190)  figura  tam- 
bém uma  sr.«  D.  Palia. 

Na  freguezia  de  Ancede  se  encontra  tam- 
bém uma  aldeia  com  o  nome  de  Palia. 

Do  exposto  se  vê  que  os  mouros  e  os  go- 
dos tiveram  demorada  residência  n'esta  pa- 
rochia de  Santa  Marinha  e  n'este  concelho 
de  Baião. 

Velharias  de  outra  ordem 
Pergaminhos 

Como  já  dissemos  supra,  esta  parochia  no 
sec.  XVI  foi  da  apresentação  dos  jesuítas  de 
Évora  e  de  Coimbra,  como  prova  o  Catalo- 
go dos  pei^gaminhos  do  cartório  da  Univer- 
sidade, feito  em  1880  pelo  sr.  Gabriel  Perei- 
ra d'Evora  e  publicado  no  mesmo  anno  em 
Coimbra  na  Imprensa  da  Universidade. 

Ali  (pag.  29,  n.»  7)  se  aponta  um  perga- 
minho de  1544,  que  versa  sobre  a  união 
d'esta  egreja  e  das  suas  rendas  por  30  aonos 
j  no  eollegio  d'Evora. 

Sob  o  n.*  9  aponta  outro  pergaminho  de 
1549,  que  é  um  breve  relativo  ao  eollegio 
de  Coimbra  e  à  união  d'esta  egreja  ao  dieto 
eollegio. 

Como  o  dicto  doepraento  falia  de  Marinha 
(Santa)  alguém  julgou  que  tratava  de  mari- 
nhas de  sal  e  escreveu  de  salinas'i\ . . . 

Sob  o  n."  22  (pag.  30)  aponta  outro  docu- 
mento do  anno  1565. 

Traeta  da  união  doesta  parochia  ao  eolle- 
gio de  Coimbra. 

Sob  o  n.»  23  aponta  outro  pergaminho  de 
1566:  —  Bulias  executórias  para  união  do 
eollegio  de  Coimbra  e  Santa  Marinha  do 
Zêzere. 

Sob  o  n.°  24  aponta  outro  pergaminho  de 
1568. 

E'  um  breve  de  confirmação  para  os  pa- 
dres da  Companhia  administrarem  o  seu 
eollegio  e  a  egreja  de  Santa  Marinha  do 
Zêzere,  para  15  clérigos  ou  sacerdotes  se 
instruírem,— e  para  fundação  da  capella  da 
Vera  Cruz  na  Sé,  com  28  capellães,  etc. 

134 


2126  ZEZ 


ZEZ 


A  furna  dos  mouros  e  a  lenda 

Entre  o  monte  do  Crasto  e  o  do  Facho^ 
ou  de  fíevel,  mencionados  supra,  no  ponto 
mais  baixo  da  quebrada  que  os  divide, — ha 
uma  gruta,  que  o  povo  denomina  Furna  dos 
Mouros  e  que  os  sonhadores  de  lhesouros 
julgam  encerrar  grandes  preciosidades. 

Dizem  elles  muito  convictos: 

Entre  o  Crasto  e  Revel 
Está  o  thesouro  de  Maria  Mantel} 
Carrega  sete  burros  azeméis 
E  outros  tantos,  se  quereis. 

E'  isto  o  que  dizem  a  lenda  e  a  visi- 
nhança. 

Nós  visitámos  a  dieta  gruta  em  9  de  ju- 
lho de  1887  e  podemos  dizer  o  seguinte: 

E'  formada  por  paredes  de  rocha  nativa 
(granito)  prolongando-se  de  S.  a  N.  e  tendo 
a  bocca  a  S. 

Está  no  leito  de  um  ribeirinho  que  ali 
passa  e  corre  fundo,  jorrando  a  agua  atra- 
vez  d'um  acervo  de  penedos  entalados  entre 
as  paredes  lateraes  e  que  formam  o  tecto  da 
pequena  gruta.^ 

Terá  de  comprimento  5  metros;  i°',30  a 
i'°,50  de  altura;  —1  metro  de  largura  na 
bocea  e  2  metros  de  largura  no  interior. 
Depois  estreita  e  terá  0'°,bO  de  largura,  2 
metros  de  altura  e  3  de  comprimento  por 
entre  paredes  de  rocha  nativa,  lisas  e  pa- 
rallelas,  seguindo-se  uma  fenda  ainda  mais 
estreita  e  mais  alta,— tudo  transudando  agua 
que  do  tecto  eahia  como  ehnva  grossa,  quan- 
do a  visitámos— no  rigor  do  verão,  pelo  que 


1  Na  freguezia  de  S.  Thomé  de  Covellas 
limitrophe  e  visinha  d'esta,  ha  também  um 
castro  com  o  mesmo  nome  de  Mantel,  como 
já  dissemos  supra. 

Note-se  também  que  Maria  Mantel  figura 
em  outras  lendas  do  nosso  paiz.  Este  diccio- 
nario  já  mencionou  algumas. 

2  O  dicto  ribeirinho  denomina-se  ribeiro 
de  Fontello,  porque  vem  da  povoação  de 
Fontellas;—to(i3L  na  de  Fontello; — passa  ao 
poente  das  Casas  Novas  — e  morre  no  Zê- 
zere (margem  direita)  no  sitio  da  Sernada. 


não  passámos  da  ante-camara,  para  não  nos 
molharmos,  pois  não  iamos  prevenidos  com 
roupa  própria  nem  dispostos  para  tomarmos 
um  banho  de  chuva. 

No  inverno  mal  deve  poder  visitar-se,  por 
estar  precisamente  no  leito  do  ribeirinho. 

A  sobre-earga  é  pequena.  Dois  jornalei- 
ros em  um  dia  punham-na  toda  a  desco- 
berto. 

Nós  não  nos  demorámos  nem  fizemos  es- 
cavação alguma. 

E'  possível  que  a  dieta  gruta  na  sua  ori- 
gem fosse  uma  ponte  celta  ou  pre-celta,  for- 
mada de  pedras  toscas,  para  ligar  entre  si 
os  dois  montes,  talvez  2  castros,  cuja  raiz  m 
illo  tempore  devia  ser  mais  abrupta  e  mais 
funda, — e  talvez  que  a  terra  e  pedras  caí- 
das dos  2  montes  a  inutihsa&sem  e  entu- 
lhassem, como  hoje  se  vê,  transformando  a 
ponte  em  gruta.  • 

E'  possível,  mas  pareceu-nos  que  a  dieta 
furna  é  natural,  feita  pela  infiltração  das 
aguas  do  ribeiro,  á  imitação  das  furnas  da 
Serra  da  Estrella,  a  jusante  da  Lagoa  da 
Paxão,  furnas  que  nós  também  já  visitámos 
em  agosto  de  1881,  quando  ali  estivemos 
com  a  Expedição  Scientifica,^  e  das  quaes 
é  uma  miniatura  esta  de  Santa  Marinha. 

Rios  e  ribeiros 

Como  já  dissemos,  banham  esta  parochia 
08  rios  Douro,  Teixeira  e  Zêzere — e  o  ribei- 
ro de  Silva  Rosa,  que  a  divide  da  de  S.  Tho- 
mé de  Covellas  e  desagua  no  Douro  junto 
do  caes  de  Mirão  e  do  grande  penedo  da 
Viola,  onde  tem  uma  ponte  na  linha  férrea.* 

O  Zêzere  dá  o  nome  a  esta  freguezia,  por 
que  a  corta  de  N.  a  S.;  vem  da  freguezia  de 


1  V.  Zêzere,  rio  da  Beira  Baixa,  n'e8te 
diccioDario,  onde  faltaremos  da  dita  serra  e 
da  dieta  espedição. 

2  Na  margem  direita  do  Silva  Rosa  ha  2 
casaes  que  também  pertencem  á  freguezia 
de  Santa  Marinha  do  Zêzere.  São  os  casaes 
de  Alvites,  do  dr.  Manoel  Antonio  Vieira, 
de  Rezende. 


ZEZ 


ZEZ  2127 


Viariz;  recebe  à  esquerda  o  ribeiro  Patacão, 
vindo  de  Gestaçô;— à  direita  os  ribeiros  de 
Fontello  e  S.  Pedro  —  e  desagua  no  Douro 
ao  poente  e  junto  da  casa  nobre  da  Ermi- 
da, tendo  de  curso  total  5  a  6  kilometros^— 
uma  ponte  de  pedra  com  2  arcos  e  muito 
antiga  na  aldeia  das  Lages; — outra  nova  e 
com  taboleiro  metálico  na  linha  férrea  do 
Douro. 

Move  muitos  moinhos,  rega  muitos  cam- 
pos e  é  temeroso  no  inverno  e  em  tempo  de 
trovoadas,  porque  desce  precipitadamente 
d'aUos  montes,  caminhando  de  Norte  a  Sul. 

O  rio  Teixeira  já  foi  descripto  pelo  meu 
antecessor. 

V.  Teixeira,  rio,  vol.  9.»  pag.  522,  col. 

2.» 

Apenas  faremos  algumas  rectiflcações  e 
addições  áquelle  artigo; 

Nasce  na  serra  do  Marão  junto  da  fre- 
guezia  de  Candemil\  corre  na  direcção 
geral  N.  S.  até  à  villa  de  Mesãofrio;  de- 
pois caminha  para  S.  O.  e  desagua  no  Dou- 
ro junto  da  povoação  da  Ermida,  lado 
E.,  tendo  de  curso  total  20  a  25  kilome- 
tros. 

E' muito  abundante  d'agua,  mesmo  no 
verão;  —  banha  as  freguezias  de  Gande- 
mil,  Anciães,  Gameiro,  Teixeira,  Teixeiró, 
Mesãofrio,  Gestaçô,  Villa  Jusã,  Barqueiros, 
Tresouras,  Loivos  da  Ribeira,  Frende  e  San- 
ta Marinha,  todas  do  concelho  de  Baião,  ex- 
cepto as  3  primeiras  e  Mesãofrio,  Villa  Jusãe 
Barqueiros.  As  de  Villar  Maior  (aliás  Villa 
Maior)  Varga  (aliás  Vargea  ou  Várzea)  An- 
guião  (aliás  Anquião)  e  Ervedal,  menciona- 
das pelo  meu  antecessor,  não  são  freguezias, 
mas  simples  aldeias.  A  1.°  e  2."  pertencem 
á  freguezia  da  Teixeira;  Anquião  á  de  Ges- 
taçô—e  a  do  Ervedal  a  Santa  Marinha. 

Tem  pontes  antigas  de  pedra  na  Teixeira, 
Loivos  da  Ribeira  e  Frende.  Esta  ultima 
não  tem  arcos,  mas  pegões  de  pedra  e  tabo- 
leiro formado  de  pranchões  de  pedra  tam- 
bém. Na  de  Loivos  passa  a  antiga  estrada 
do  Porto  á  Regoa  por  Baião,  Santa  Marinha 
e  Mesãofrio. 

Tem  uma  grande  ponte  nova  também  de 
pedra  e  muito  alta  em  Garrapatello,  junto 
àe  Mesãofrio,  na  estrada  real  a  macadam 


do  Porto  á  Régua  por  Amarante  e  Quintel- 
la.i 

Tem  outra  ponte  ainda  mais  nova  na  li- 
nha férrea  do  Douro— e  teve  uma  ponte  an- 
tiquíssima, denominada  ponte  Henriques^ 
porque  foi  feita  por  D.  Affonso  Henriques, 
junto  de  Mesãofrio,— segundo  se  suppoe.^ 

Também  no  flm  do  mencionado  artigo  o 
meu  benemérito  antecessor,  fallando  do  rio 
Zêzere  de  Santa  Marinha,  disse  que  estava 
na  província  de  Traz  os  Montes.  Foi  lapso, 
pois  demora  todo  no  concelho  de  Baião,  dis- 
tricto  do  Porto,  província  do  Douro. 

O  rio  Teixeira  é  um  viveiro  de  trutas  de- 
liciosas e  de  sanguesugas  magnificas  muito 
procuradas  e  muito  estimadas  pelos  phar- 
maceuticos. 


Com  relação  ao  rio  Douro,  vejam-se  os 
artigos  Douro,  Pontos  do  Douro,  Villa  Sec- 
ca  d' Armamar,  tomo  II.»  pag.  1059,  col. 
e  segg.  —  Viseu  no  mesmo  vol.  pag.  i704, 
col.  2.»— e  no  tópico  supra,— Casas  e  quin- 
tas principaes,—&  S.'—Casa  da  Ermida. 

Para  evitarmos  repetições,  apenas  accres- 
centaremos  o  seguinte: 

Esta  parochia  apenas  eomprehende  na 
margem  direita  do  Douro  2584  metros  des- 
de a  foz  do  Teixeira  aié  á  do  Silva  Rosa. 
N'e8te  espaço  tem  o  Douro  6  pontos:— i4/íar, 
Canedo,  Figueira  Velha,  Cadão,  Buraco  e 
Côbreiro,  junto  do  penedo  da  Viola,  todos  de 
triste  renome,  pois  teem  sido  medonhos  sor- 
vedouros de  barcos  e  de  vidas. 

O  de  Cadão  não  é  hoje  dos  mais  perigo- 
sos, depois  das  muitas  obras  que  em  diver- 
sas datas  n'elle  se  fizeram,  mas  ainda  assim 
é  perigoso  e  faz  arripiar  os  cabellos,  porque 


1  V.  Villa  Jusã,  tomo  11.»  pag.  768,  coL 
2.» 

2  V.  Villa  Jusã,  loc.  elt.  pag.  767,  col. 

E  teve  também  outra  ponte  de  pedra 
muito  antiga  na  sua  foz,  junto  do  Douro. 

Foi  destruída  por  alguma  grande  cheia, 
talvez  pelo  mesma  cheia  que  levou  a  ponte 
Henriques  e  a  velha  ponte  de  Frendefl . . . 


2128  ZEZ 


ZEZ 


a  agua  ali  tem  queda  muito  rápida  e  forma 
cachoeiras  que  cobrem  os  bareosi . . .  Alem 
d'Í8so  os  barcos  teem  de  passar  entre  2  pe- 
nedos muito  próximos  que  estão  na  galeira 
debaixo  d*âgua,  denominados  aguilhões  — e, 
se  tocam  em  qualquer  d'elle8,  desfazem-se 
em  estilhasi . . . 

Quando  el-rei  o  sr.  D.  Luiz,  em  1877  foi 
a  Vidago  e  desceu  da  Regoa  até  o  Porto,  em- 
barcado pelo  Douro,  só  n'este  ponto  de  Ca- 
dão  saltou  em  terra. 

A  linha  férrea  matou  a  navegação  do 
Douro  e  a  poesia  (?)  d'aquelle  é  dos  outros 
pontos.  Mal  se  imagina  as  sensações  que 
experimentava  quem  os  transpunha,  como 
nós  transposemos  muitas  vezes  desde  o  Te- 
do  até  o  Porto— e  uma  vez  desde  a  foz  do 
Sabor  até  á  do  Tua,  deixando  quasi  sempre 
a  bombordo  ou  estibordo  barcos  feitos  em 
estilhasi . . . 

Pesqueiras 

Tem  esta  parochia  nas  agoas  do  Douro 
as  pesqueiras  seguintes: 
!.• — Frieira. 

E'  natural  e  está  na  foz  do  Teixeira. 

2.  " — Coucinho,  na  foz  do  Zêzere. 

3.  » — Corvo,  ambas  naturaes. 

4.  » — Canedo, 
h.*— Lagoas. 

6.  »—  Chanoca  (?)  no  ponto  de  Figueira 
Velha. 

Estas  3  são  carnes  ou  meeiros,  artifieiaes. 

7.  '—Bulhos  de  Santa  Anna. 

E'  natural  e  formada  no  inverno,  como 
outras  muitas,  por  bulhos  medonhos  e  tão 
violentos,  que  levantam  o  peixe  e  vae  cair 
nas  redes. 

Algumas  d'esta3  pesqueiras  e  outras  do 
Douro  são  perigosiâsimasi 

Demandam  pescadores  práticos  e  corajo- 
sos até  á  temeridade  e  muitos  n'ellas  teem 
perdido  a  vida!. . . 

Costumam  n'ellas  caçar  lampreias,  sáveis, 
savelhas,  mugens,  barbos,  enguias,  bogas, 
trutas,  etc. 

Moinhos,  azenhas  e  engenhos 

Ha  n'esta  parochia  34  moinhos  de  ce- 
reaes,  todos  movidos  por  agua,— 9  azenhas 


(moinhos  de  azeite)  sendo  8  movidas  por 
gado  e  uma  por  agoa,— e  2  engenhos  de  fa- 
bricar linho,  movidos  1  por  agoa  e  outro 
por  gado. 

Dos  moinhos  de  pão  pertencem  2  á  quin- 
ta do  Ervedal,  2  á  da  Ermida,  2  á  povoação 
do  Sernado,  2  ao  logar  da  Cartida,  3  ao  de 
Fonseca,  4  ao  das  Lages,  4  á  quinta  de  En- 
tre Aguas  e  6  ás  Casas  Novas.  Os  restan- 
tes estão  dissiminados  pela  freguezía  e  per- 
tencem a  dififerentes  donos. 

Edifícios  brazonados 

Tem  esta  parochia  3:— quinta  de  Guima- 
rães, Casas  Novas  e  Travanca. 

Presbyteros 

Ha  n'esta  pârochia  actualmente  apenas 
um,  filho  d'ella, —  o  reverendo  Antonio  de 
Moura  Coutinho,— venerando  ancião  da  casa 
das  Quintãs,  em  Fonseca. 

Já  tem  aproximadamente  80  annos.  * 

O  reverendo  abbade  é  de  Villa  da  Feira. 

No  meiado  d'este  século  contava  esta  pa- 
rochia os  seguintes  padres: 

—João  da  Cunha  Coutinho  e 

—Francisco  da  Cunha  Coutinho,  ambos 
das  Casas  Novas  e  irmãos  de  Carlos  Candi- 
do da  Cunha  Coutinho,  mencionado  supra. 

— Antonio  Joaquim  de  Carvalho,  das  Co' 
rujeiras. 

— José  d' Azevedo,  de  Real. 

—Joaquim  d'Azeredo  Lobo,  de  S.  Pedro. 

—Antonio  Luiz  d'Araujo,  de  Villa  Jusã. 

— Antonio  d'Almeida  Carvalhaes,  abbade 
de  Valladares,  e 

— Francisco  d' Almeida  Carvalhaes,  da  ca- 
sa de  Travanca,  irmãos  dos  doutores,  e  de- 
zembargadores  Luiz  José  d'Almeida  Carva- 
lhaes e  Manoel  d'Almeida  Carvalhaes. 

—Domingos  Lopes  Monteiro,  irmão  do 
dr.  Antonio  Fabrício,  de  Cadeade. 


*  Falleceu  em  1888! . . .  Não  conta  pois 
actualmente  esta  freguezia  presbytero  al- 
gum, filho  d'ella. 


ZEZ 


ZEZ  2129 


Falleeeu  no  anno  de  1887  em  Valladares, 
coDtaado  cerca  de  100  annos. 

Bacharéis  formadçs 

Conta  esta  parochia  actualmente  apenas 
dois,  ambos  formados  em  direito: 

—Antonio  Camillo  d' Almeida  Carvalho, 
dono  da  casa  da  Ermida,  mencionada  su- 
pra, e 

— Francisco  da  Cunha  Coutinho,  Qlho  na- 
tural de  Felix  da  Cunha  Coutinho,  irmão  de 
Carlos  Candido,  das  Casas  Novas,  mencio- 
nado supra. 

E'  uma  excellente  pessoa,  e  formou-se  em 
1857;  foi  administrador  do  concelho  de  Mi- 
randella,  em  Traz  os  Montes  e  d'este  conce- 
lho de  Baião;  é  advogado;  casou  com  D. 
Maria  Rosa  da  Paz  Moreira,  de  Gem,  fre- 
guezia  de  S.  Thomé  de  Covellas,  filha  do  dí*. 

 6  vive  na  dita  aldeia 

de  Gem,  na  casa  da  Torre,  que  elle  comprou 
e  que  era  da  familia  Costas,  da  casa  da  £o- 
ííca,— familia  oriunda  do  Porto,  a  qual  havia 
comprado  e  restaurado  a  velhíssima  casa  da 
Torre,  que  tem  paredes  de  granito  com  2 
metros  do  espessura. 

Industrias 

Ás  d'esta  freguezia  reduzem  se  ás  da  la- 
voura, creação  de  gado  bovino  e  suino, 
moagem  de  pão  e  de  azeitona  e  tecelagem 
de  panno  de  linho  em  teares  caseiros,  ; 

Também  foi  importante  n'esta  parochia  a 
industria  da  navegação  do  Douro.  N'ella  se 
empregavam  muitos  barcos  e  muitos  bra- 
ços, mas  decaiu,  depois  que  se  abriu  á  ex- 
ploração a  linha  férrea  marginal. 

E'  também  muito  antiga  n'esta  parochia 
uma  outra  industria,— a  das  benzedeiras  ou 
mulheres  de  virtude,  pelo  que  pedimos  li- 
cença para  lhe  dedicarmos  um  tópico  espe- 
cial: 

Folklore 

N'este  concelho  de  Baião,  nomeadamente 
n'esta  parochia  de  Santa  Marinha  e  na  de 
Gestaçô,  abundaram  sempre  mulheres  de 
virtude  ou  intrujonas,  que  exploram  a  es- 


tupidez indígena  e  vivem  de  talhar  e  cU' 
rar  (?)  toda  a  sorte  de  mal  ruim,  por  meio 
de  nojentas  e  perigosas  receitas,  acompa- 
nhadas de  bênçãos,  resas  e  eseonjuros— co- 
mo vivem  outras  muitas  intrujonas  em  dif- 
ferentes  pontos  do  nosso  paiz,— nas  aldeias, 
nas  villas  e  nas  cidades,  inclusivamente  no 
Porto  e  em  LisboaV.. . . 

Vamos  dar  uma  amostra  das  taes  recei- 
tas, de  todo  o  ponto  authenticas,  pois  foram 
colleeionadas  por  nós  n*esta  freguezia,  quan- 
do por  aqui  folgávamos  durante  as  ferias 
da  nossa  formatura. 

Bom  tempo  era  esse?! . . . 

Desculpem-nos  as  palavras  e  phrases  mal 
soantes,  posto  que  em  attenção  aos  leitores 
omittimos  as  receitas  mais  vermelhas,  que 
só  em  publicações  realistas  á  la  mede  po- 
deriam tolerar -se. 

l.« 

Para  talhar  sezões 

A  enferma  deve  trazer —  3  palhas  da  sua 
cama —  um  bocado  de  uma  sua  camisa,  já 
vestida  e  antes  de  lavada — e  um  bocado  da 
pão. 

«Em  nome  do  Padre,  do  Filho,  e  do  Es- 
pirito Santo. — Dizem  ambas — Amem. 

Amigas,  ide-vos  embora. 

Levaes  pão  para  comera 

Palha  para  vos  deitar; 

Adeus,  que  vos  não  quero  tornar  a  ver. 

Ide  para  o  mar  coalhado. 

Onde  não  canta  gallinha  nem  gallo.* 


Isto  diz-se  nove  vezes,  rezando  no  fim  da 
cada  uma,  um  Padre  Nosso  e  uma  Ave-Ma- 
ria.  Paz  téco,  alelluia.  Depois  diz-se: 

«Todo  o  mal  que  n'e8le  corpo  entrou. 

Ar  de  névoa,  ar  de  cinza. 

Ar  de  gallinha  chóca,  ar  de  cisco. 

Ar  de  vivo  em  peccado. 

Ar  de  morto  excommungado, 

Ar  de  todo  o  mau  olhado. 

Seja  d'este  corpo  apartado. 


2130  ZEZ 


ZEZ 


Deus  te  desacanhe  de  quem  te  acanhou, 
Deus  te  desinveije  de  quem  te  iaveijou.» 

Isto  também  nove  vezes,  e  no  fim  o  enfer- 
mo comerá  um  dente  d'alho  e  um  casco  de 
cebola. 

2.  » 

Para  dôr  ciátega  (sic) 

«As  pessoas  da  SS.  Trindade,  são  tres ; 

Elias  querem  e  podem. 

D'onde  o  mal  veio,  para  lá  torne. 

Senhora  da  Conceição, 

Ponde  aqui  a  vossa  mão, 

Sr.  São  José,  ponde  aqui  o  vosso  pé, 

Sr.  São  Luiz,  ponde  aqui  o  vosso  oariz^ 

Para  que  lhe  preste  quanto  fiz. 

Jesus,  filho  de  Maria, 

Soccorrei-nos  n'este  dia. 

Paz  téco,  alelluia.» 

3.  * 

Remédio  para  a  tropezia 

«Toma-se  tres  dias  em  jejum,  meio  quar- 
tilho d'agua  do  rio  Jordão — outros  tres  dias, 
a  mesma  porção  d'agua  da  Samaritana  —  e 
outros  tres,  agua  de  mil  fontes.  No  fira  dos 
nove  dias,  pega  se  n'um  aipo,  tres  cabeças 
de  arruda,  tres  pés  de  trovisco  macho  e 
meio  quartilho  de  vinagre  forte. 

Piza-se  tudo  muito  bem  pizado  e  pòe  se 
Da  barriga  do  enfermo,  dizendo: 

«Oh,  Santa  Virgem  Maria, 
Tira  d'este  corpo  a  tropezia; 
Milagroso  S.  Braz, 
Arreda  este  mal  para  traz; 
Milagroso  São  Facundo, 
Leva  este  mal  para  o  outro  mundo, 
Que  não  toque  em  mais  ninguém. 
Paz  téco,  alelluia.  Amem.t 

4.  » 

VarCL  curar  a  nurisma 

Deíta-se  o  doente  em  uma  esteira  nova, 
cem  a  barriga  para  baixo.  Pòe-se-lhe  nas 


cruzes,  uma  tíjella  com  agua  benta  e  uma 
cruz,  dizendo: 

«Em  nome  de  Deus;  amem. 

Em  louvor  de  S.  Paulo  bemaventurado. 

De  São  Pedro,  discípulo  amado. 

De  São  frei  Pedro  Dias,  libaral, 

Prumeiro  que  em  Roma  fez  espital. 

Para  grandes  e  meninos, 

Pobres,  cégos,  pelingrinos. 

Deus  lhe  di3se— Pedirás, 

E  de  mim  receberás. 

—Quero  a  nurisma  curar. 

Vae  ao  mundo  por  tres  dias, 

E  diz— Manda  São  frei  Pedro  Dias 

Que  te  vás,  nurisma,  embora 

Com  corenta  Aves-Marias. 

Jazuz  paços;  Jazuz  mariatus; 

Jazuz  conçomatus;  Jazuz  enterratus. 

Livrae  esta  creatura 

Da  nurisma  e  mais  tristura. 

Jazuz,  filho  de  Maria, 

Paz  téco,  alelluia. i 

5.  * 

Remédio  para  a  dôr  de  cabeça 

Alecrim,  rosmaninho,  arruda,  politaira^ 
aipo,  mentrasios  e  segurêlha:  tudo  muito 
bem  pizado,  e  posto  na  cova  do  ladrão,  ao 
deitar  da  cama — e  diz-se: 

«Com  Deus  mo  deito, 

Aqui  n'esle  leito. 

Deito-me  doente 

E  levanlo-me  escorreito, 

Em  louvor  de  Santa  Maria, 

Paz  téco,  alelluia. 

— Amem. 

6.  » 

Para  fazer  cambra  (?) 

«Acbam-S6  duas  pedras  na  cabeça  das 
andorinhas— uma  branca,  outra  ruiva. — A 
ruiva  livra  de  muitas  enfermidades  —  e  a 
branca,  trazendo  a  ao  pescoço,  livra  da  se- 
de e  faz  estancar  os  fluxos  de  sangue. 


ZEZ 


ZEZ  2131 


Desfeita  em  agua,  e  bebida,  faz  fazer 
cambra.* 

7.  » 

Para  curar  priorizes 

«Beber  ourina  de  tres  Marias, 

É  preciso  que  sejam— mãe,  filtia  e  neta.» 

8.  » 

Para  levantar  a  espinhella 

•  Na  casa  em  que  Deus  nasceu 

Todo  o  muQdo  resplandeceu. 

Na  hora  em  que  Deus  foi  nado 

Todo  o  mundo  foi  allumiado. 

Seja  em  nome  do  Senhor, 

Esse  teu  mal  curado. 

Espinhella  cabida  e  ventre  derrubado, 

Eu  te  ergo,  curo  e  saro. 

Em  nome  do  Padre,  Filho  e  Espirito  Santo, 

Fuja  o  teu  mal  para  aquelle  canto. 

Em  louvor  dos  apóstolos  bemaventurados, 

Santos,  maríens  e  doutores, 

Virgens,  patriacas  e  confessores. 

Anjos,  arcanjos,  sarafins  e  robins. 

Amen,  Jazuz,  Maria,  José. 

Fica-te  a  espinhella  em  pé. 

Santa  Anna,  Santa  Maria. 

Paz  téeo,  alelluia.» 

9.  » 

Para  tirar  o  fastio 

«Em  nome  da  Virgem  Santa, 
Eu  te  curo  o  fastio  da  garganta. 
Santa  Dezina  (?)  pariu  Anna; 
Santa  Anna  e  Santa  Maria, 
O  bom  Jazus  de  Nazaré, 
Santa  Isabel  a  São  João, 
Amem,  Jazus,  Maria  José. 

10.  » 

Para  dôr  de  ouvidos 

Sangue  de  gallo  novo   1 

Farinha  triga  ou  centeia   2 


Clara  d'ôvo   3 

Agua-ardente   4 

Incenso  macho  (?)   5 

Vinagre   6 

Mel  de  enxame  novo   7 

Tres  dentes  de  alho   8 


Tudo  isto,  se  fôr  apanhado  na  manhã  do 
S.  João,  é  muito  melhor. 

Faz-se  uma  maça  com  estas  oito  cousas; 
estende-se  em  um  panno,  e  põe-se  na  bôca 
do  estamago,  dizendo: 

Santo  Ouuído  milagroso 
Tirae  me  esta  dõr. 
Em  nome  do  Padre  Senhor, 
E  da  Virgem  Santa  Maria, 
Paz  téco— alelluia.» 

11.  » 

Pvra  dôr  do  peito 

Agarra-se  uma  cruja,  e  queima-se  viva 
com  pennas  e  tudo.  Esta  cinza,  bebida  em 
agua  benta,  tira  logo  a  dôr. 

12.  « 

Para  cabruncos 

«Jazuz,  nome  de  Jazuz— S.  Lazaro  hia  pela 
serra  da  Cardaria  --  topou  com  a  Virgem 
Maria— Perguntou  que  lhe  faria— Apanha  3 
folhas  de  salvaria  (?)  —  Cospe-lhe  que  elle 
seccaria— Reza  um  Padre  nosso  e  uma  Ave- 
Maria — trez  vezes  cada  dia— Paz  téco,  alel- 
luia.» 

13.  « 

Para  muitas  enfermidades 

«A  agua  da  córte  de  um  cavallo,  bebida 
em  jejum,  porifica  o  sangue;  cura  pleuri- 
zes,  maleitas,  almorrobias,  sarampo,  zipula 
e  outros  axaqueg,  pela  sua  virtude  occul- 
ta.  (!)  Também  serve  para  lavar  chagas  e 
fridas. 

Cura  as  mesmas  moléstias  o  pó  dos  den- 
tes de  cavallo  ou  de  pôrco  montez,  bebido 


2132  ZEZ 


ZEZ 


em  agua  em  que  se  tenha  fervido  cardo 
santo.» 

14.  ' 

Para  curar  a  triz 

«A  ourina  dos  que  tem  triz,  fervida  até  fi- 
car em  pó,  e  bebida  em  agua  benta,  cura 
esta  enfermidade,! 

Similia  similibus  curantur. 

15.  - 

Para  o  defluxo 

«Rodas  de  pau  de  sabugueiro  (uma  boa 
roda  de  pau  preçízava  esta  bruxal. . .)  tra- 
zidas tres  dias  ao  pescoço,  curam  o  defluxo.» 

16.  « 

Para  a  opilação 

«Comer  caldos  de  funcho^  espargos,  her- 
va  molarioba,  aipo,  borrage  e  serradella. 

Só  devem  bebèr  agua  d^agrimonia,  ta- 
margueira  e  raiz  de  funcho.» 

17.  - 

Para  matar  as  lombrigas 

cFazer  uma  cataplasma  de  pós  de  suma- 
gre,  de  murta,  de  rosas,  de  cascas  de  ro- 
man,  de  mação  de  acipreste,  de  bolotas,  de 
alecrim  e  de  rosmaninho,  amaçado  tudo  em 
mel  e  vinagre,  e  posto  no  imbigo.  E'  remé- 
dio prompto.» 

18.  * 

Para  aborrecer  o  vinho 

«Pegar  em  uma  cobra  viva  e  afogal-a  em 
meia  canada  de  vinho.  Se  não  fôr  tempo  de 
cobras,  lambem  remedeia  uma  enguia,  mas 
a  cobra  é  melhor. 

Quando  o  bêbado  pedir  vinho,  dá-se-lhe 
só  d'eate.  Ao  cabo  de  34  horas  nunca  mais 
torna  a  pedir  vinho.» 


19.  » 

Emplasto  para  o  estamago 

«Salva,  aciníro,  alecrim,  ortelan,  erva-si- 
dreira,  poêjos,  belía-luz,  rosmaninho,  «j«r- 
tinhos,  canella,  rosas,  erva-dôce,  e  urégos. 
Tudo  reduzido  a  pó  e  tomado  em  vinho, 
longe  das  comidas.» 

20.  » 

Para  tirar  es  sardas 

Trovisco  macho   i 

Sangue  de  toupeira   2 

Unto  de  cobra  ribeirinha.  3 

Vinagre  puro   4 

Amaça-se  tudo  e  põe- se  na  cara,  ao  dei- 
tar na  cama,  tres  noites  a  seguir,  mas  só  se 
lava  a  cara  no  flm  dos  tres  dias.  E'  remé- 
dio santo.» 

21.  « 

Talhar  o  fôgo  lôbo 

(E'  certa  espécie  de  febre) 

«Pega-se  em  uma  pederneira  e  um  fuzil, 
e  petiscando-se,  dirá: 

Fogo -lobo,  vae-te  d*aqui. 
Que  o  lume  vivo  anda  sobre  ti. 
Padre  Nosso,  Ave-Maria, 
Paz  téco,  alelluia.» 

22.  * 

Para  curar  creanças  rendidas 

«O  padrinho  e  a  madrinha  da  creança 
procurarão  um  carvalho  cerquinho.  (....E 
quebrarão  com  elle  o  espinhaço  da  feiti- 
ceira.) 

O  padrinho  o  rachará  pelo  meio  e,  to- 
mando a  creança  e  passando -a  pela  racba- 
della,  diz  á  madrinha,  que  está  do  outro  la- 
do— «Toma  lá  comadre.»  —  «O  que  me  dás 
tu,  compadre? — tO  nosso  afilhado,  rendido 


ZEZ 


ZEZ  2133 


e  quebrado.»— Ella  pega  na  creança,  e  tor- 
nando a  passal-a  pela  rachadella,  diz — «To- 
ma lá,  compadre.» — E  que  me  dás  tu,  co- 
madre!»— «D  nosso  afilhado,  são  e  salvo 
como  na  hora  em  que  foi  nado.» 

Isto  faz-se  tres  vezes,  e  de  cada  uma  re- 
za-se  uma  Salve  Bainha. 

23.» 

Para  curar  a  febre 

Passei  pela  serra  da  Ardaria, 
Encontrei  o  Filho  da  Virgem  Maria, 
Disse-lhe  que  em  cbammas  de  fogo  ardia, 

E  perguntei -lhe  que  faria? 
Elie  disse-me: 

Cura-te  com  bom  de  porco  * 
e  pé  da  guia,  * 

E  resa  um  P.  N.  e  uma  Âve  Maria, 

Ao  Filho  da  Virgem  Maria, 

Para  que  te  abrande  o  fogo, 

Hoje,  n'e3te  mesmo  dia. 

Paz  téco.  alelluia. 

Isto  diz-se  tres  vezes,  rasando  sempre. 
24« 

Talhar  quebranto 

Bom  homem  me  deu  pousada, 
Má  mulher  me  fez  a  cama 
Sobre  agua  e  tôjo  e  lama. 
Sáe  quebranto  da  enfezada. 
Saa  quebranto  d'eãta  dama. 

Isto  diz-se  tres  vezes,  resando  de  cada 
yez  um  P.  N.  e  uma  Ave-María. 

25.» 

Para  dôr  de  dentes 

N'aquelle  monte,  mal  assente, 
Estava  São  Quelimente, 
Nossa  Senhora  lhe  disse: 


1  Unto  sem  sal. 
*  Cinza  de  oliveira. 


— tQue  tens  tu  ó  Quelmente'^* 
— «Doe-mo  o  queixo  emais  o  dentet» 
— «Queres  que t'o  benza,  Quelimenteli 
—  «Quero,  sim,  Minha  Senhora.» 
— «Põe  as  tuas  cinco  pulgadas 
Sobre  essas  tuas  pontadas. 
Que  ellãs  serão  abrandadas.» 

Padre  Nosso,  Ave-Maria. 

Paz  téco,  alelluia. 

Isto  diz-se  tres  vezes,  resando  sempre. 

26.  » 

Para  o  pão  se  levedar  depressa 

«Pega  nas  calças  de  um  homem  (que  não 
use  ceroulas)  vira-as  do  invez  (avesso)  e 
põe-as  sobre  a  massa,  com  um  rosário  ben- 
to em  cima.» 

27.  * 

Para  a  mulher  poder  sahir  da  cama 
sem  o  marido  dar  fé 

Eu  te  benzo,  meu  morangú. 
Com  esta  fralda  e  este  meu.  • . 
Para  que  vá  e  venha 
Sem  acordares  tu. 

28.  » 

Para  toda  a  sorte  de  mal  ruim 
(Qual  será  o  mal  bom?) 

«Cordeiro  que  estaes  na  queluna^ 

E  Maria  em  cabello  pela  rua; 

Maria  não  andes  mais. 

Que  o  sangue  de  teu  filho  dá  signaea 

Do  Bom  Jazus  que  buscaes. 

Meu  Divino  Cordeirinho, 

Qua  levaes  a  cruz  pelo  caminho, 

Olha  para  quem  de  tão  longe  vem. 

Até  chegar  ás  portas  de  Belém. 

Estava  São  Pedro  á  porta, 

Com  a  sua  capa  rôta. 

Encostado  ao  seu  bordão. 

Oh,  menino  do  cordão. 

Vamos  fazer  oração. 


2134  ZEZ 

Oração  do  pelingrino; 
Quando  Deus  era  meDino, 
Assubiu  ao  seu  altar. 
Com  seus  pés  correndo  sangue. 
Suas  mãos  outro  que  lai.  (I) 
Três  Marias  haviam  de  estar, 
Com  seu  panno  de  alimpar. 
Tatel  T&te.—Madanella, 
Não  m'o3  queiras  alimpar,  (?) 
Que  estas  são  as  cinco  chagas. 
Que  por  vós  tem  de  passar, 
Do  maior  ao  mais  pequeno. 
Para  os  peecadores  salvar. 
Meu  divino  Senhor  d'Alem, 
Paz  tóco,  alelluia,  amem.» 


Esta  reza  se  fará  3  vezes  por  dia,  duran- 
te 9  dias,  acompanhando  a  sempre  de  3  Pa- 
dre Nossos  e  3  Ave-Marias,  em  honra  de  S. 
Frei  Pedro  Dias.  E,  se  o  mal  fôr  rebelde,  se 
accreseentará  o  seguinte: 

O  enfermo  colloque  o  peito  sobre  uma  ba- 
cia d'agua  quente,  e  a  benzedeira  tome  uma 
estriga,  estenda-a  sobre  as  costas  do  enfer- 
mo e  correndo,  sobre  ella  um  pente  diga: 
homem  manso,  mulher  brava,  casa  alaga- 
da, cama  de  palha,  cabeceira  d' albarda,  es- 
te mal  por  onde  entrou  por  ahi  saia.  Paz 
téco  alelluia,  Padre  Nosso  e  Ave -Maria. 

29.  » 

Para  tirar  o  panno  da  cara 

Esfregar  bem  a  cara  com  cueiros,  ainda 
húmidos. 
(Ê  simples  e  muito  decente.) 

30.  « 

Para  cozer  os  pés 

Encha-se  d'agua  um  pucarinho  de  tige- 
la e,  quando  ferver,  volie-se  sobre  um  al- 
guidar ou  coisa  semelhante;  firme-se  sobre 
o  fundo  do  púcaro  o  calcanhar  do  pé  dori- 
do;— â  pessoa  que  benze,  segurando  com 


ZEZ 

uma  mão  uma  massaroca  sobre  o  peito  do 
doente,  e  com  a  outra  uma  agulha,  enfiada 
em  linha  branca,  e  varando  a  massaroca  e 
passando  o  fio  sem  nó  por  baixo  do  pé,  diz: 
— Eu  que  coso? 

—Carne  quebrada  ou  fio  torto  (responde 
o  enfermo.) 

— Pois  isso  é  o  que  eu  coso;  e,  se  é  car- 
ne quebrada,  torne  a  sua  casa,  e,  se  é  fio 
torto,  torne  ao  seu  posto,  e,  se  é  fio  desmen- 
tido torne  a  seu  sentido,  que  eu  te  coso  em 
louvor  de  S.  Fructuoso. 

Repita-se  a  oração  3  vezes,  resando-se  3 
Padre  Nossos  e  3  Ave-Marias,  e  ligue-se  por 
ultimo  bem  o  pé  com  uma  estriga  molhada 
em  um  ovo. 

31.  » 

Para  talhar  a  zipula 

Deitem-se  em  uma  tigela  algumas  gotas 
d'agua  fria  e  outras  d*azeite  e  com  espartos 
elipes,  (?)  molhados  n'esta  agua  3  vezes, 
outras  3  se  benzerá  o  enfermo^  dizendo-se 
com  muita  fé: 

—Pedro  e  Paulo  foi  a  Roma,  e  o  Senhor 
lhe  perguntou: 

—Pedro  e  Paulo  d'onde  vens? 

—Senhor,  eu  venho  de  Roma. 

— Que  vae  por  lá,  Pedro? 

— Muita  zipula  e  zeripéla,  e  muita  gen- 
te morre  d'ella. 

—Pois  volta  lá,  Pedro,  e  cura-me  essa 
gente  com  lipes,  arte,  aguas  frias  e  partes 
montes  de  meu  Senhor  Jesus  Christo.  Amem. 
P.  N.  e  Ave -Maria. 

Isto  3  vezes. 

32.  » 

Para  que  as  mãos  não  suem 

Entrae  em  uma  capella,  onde  nunca  fos- 
seis; esfregão  bem  as  mãos  na  parede  do 
lado  esquerdo,  e  dizei :  —  não  me  tomes 
suor,  por  aquelle  Senhor. 

Isto  7  vezes,  resando  de  cada  vez  um  Pa- 
dre  Nosso  e  uma  Âve-Maria. 


ZEZ 


ZEZ  21 


33.  « 

Para  talhar  a  empige 

Molhe-se  com  saliva,  estando  o  individuo 
ainda  em  jejum,  e  diga: 

«Empige  rahige,  sae-te  d'aqui; 
Assim  como  eu  ja  comi  e  bebi, 
Fui  a  Roma  e  já  vim, 
Assim  tu  medres  aqui.» 

Isto  3  vezes  em  9  dias,  rezando- se  de  ca- 
da vez  3  Padre  Nossos  e  3  Ave-Marias. 

34.  * 

Para  talhar  a  orvalhada 

«Eu  te  talho,  bicho,  bichão. 

Todo  o  bicho  de  nova  nação. 

Aranha  ou  araobão, 

Sapo,  senlupeia  ou  sardonisca, 

Ou  cobra  ou  lagarto  ou  lagartixa; 

Eu  te  corto  a  cabeça,  o  meio  e  o  rabo, 

Pelo  poder  da  Virgem  Maria 

E  do  Apostolo  S.  Thiago;  j 

Eu  te  retalho  o  coração, 

E  sêcco  sejas  tu  como  um  carvão.» 

3  vezes  por  dia,  resando-se  em  seguida 
um  rosário  em  louvor  do  Apostolo  S.  Thiago. 

35.  ' 

Para  talhar  as  unhas  dos  olhos 

«Pois  não  ha  névoa  sem  unha  e,  tirada 
esta,  cura-se  aquella. 

Quem  houver  de  a  talhar  benza-se  3  ve- 
zes e  diga: 

A  virtude  do  Santo  nome  de  Jazus  me 
ajude  e  a  Virgem  Maria,  que  ella  quanto  fa- 
zia tudo  por  bem  lhe  ia,  e  assim  seja  eu 
agora  e  a  toda  a  hora  do  dia. 

tEm  virtude  do  Santo  nome  de  Jazus, 

Appareça  o  sol  e  venha  o  luz; 

E  ella  que  vem  cá  buscar? 

Unha  e  névoa  vem  talhar 


Com  sal  das  marinhas, 

Agua  das  fontes  frias. 

Mel  do  colmeal, 

E  canna  do  cannavial. 

Pelo  poder  de  Deus  e  da  Virgem  Maria, 

S.  Pedro  e  S.  Paulo  e  Senhora  da  Cardaria, 

Que  esta  névoa  não  lavre, 

E  que  este  corpo  enfermo  sare.  Amem. 

Isto  9  dias  e  3  vezes  por  dia,  molhando- 
se  de  cada  vez  uma  folha  de  canna  em  agua 
fria,  sacudindo -a  sobre  o  olho  doente,  e 
perguntando  ao  doente  se  entrou,  pois  se 
devem  repetir  as  saeudidellas  até  entrar  agua 
no  olho.» 

36.» 

Para  talhar  o  ar 

t  Jazus,  nome  de  Jazus  me  ajude, 

E  onde  eu  pozer  as  minhas  mãos 

Ponha  Deus  a  sua  santa  virtude. 

Christo  vive,Ghri9to  reina,  Christo  allumia » 

Christo  te  defenda  de  todo  o  mal, 

Alelluia,  Aliei uia,  Alleluia. 

Acto  in  fé,  verbo  in  facto  es. 

Jazus,  nome  de  Jazus  me  ajude, 

Alleluia,  Alleluia,  Alleluia! 

Nossa  Senhora  me  perguntou; 

—Tu  de  que  tractas,  Maria? 

—Eu  tracto  de  tiziquidade  e  porplecia. 

Gota  coral  e  de  todo  o  mau  ar; 

E  se  este  crenturo  ou  creatura  tiver 

Alguma  d'e8tas  coisas  tal, 

A's  areias  do  rio  vá  parar. 

Por  que  eu  lh'o  tiro  pela  cabeça. 

Senhora  Santa  Thereza; 

Tiro-lhe  pela  banda. 

Senhora  Sant'Anna; 

Tiro-lhe  por  de  traz. 

Milagroso  S.  Braz; 

Tiro-Ih'o  por  diente. 

Senhor  S.  Vicente; 

E  tiro-Ih'o  pelo  fundo 

Deus  Nosso  Senhor  por  todo  o  mundo!» 

P.  N.  A.  Maria  e  Christel  em  zom. 


2136  ZEZ 


ZEZ 


37.  » 

Outro  remédio  muito  approvado 
para  dtjres  de  dentes 

«Deus  le  benza,  lua  nova, 
Com  todos  08  teus  crescentes^ 
E  ao  milagroso  S.  Matheus, 
Quando  lhe  doam  os  dentes, 
Então  me  doam  os  meus. 

9  vezes  por  dia  com  um  P.  N.  e  uma  Ave- 
María. 
Paz  teco,  alleluia.» 

38.  » 

Para  fazer  desapparecer  os  cravos 

«Embrulhae  em  um  panninho  tantas  pe- 
dras de  sal,  como  forem  os  cravos,  e  quan- 
do algum  visinho  cozer  pão,  ide  a  casa  d'el- 
le,  entrando  por  uma  porta  e  sahindo  por 
outra,  lançando  ao  forno  o  trapo  com  o  sal 
sem  dar  palavra  e  dizendo  apenas  com  mui- 
ta fé: 

Assim  como  estalam  as  pedras  de  sal, 
Assim  desappareça  o  meu  mal.» 

39.0 

Para  conjurar  desordem  ou  tempestade 
imminente  na  casa 

«Mettei  3  raminhos  d'alecrim,  postos  em 
cruz,  debaixo  da  cinza,  na  lareira  da  casa, 
sem  que  percebam  as  pessoas  iradas,  e  lo- 
go se  accommodarão.» 

Nada  mais  simples,  mas  ha  quem  susten- 
te ser  mais  simples  ainda  e  mais  efScaz  um 
bom  marmeleiro. 

40.» 

Para  fazer  sahir  sem  demora  nem  estrepi- 
to  alguma  má  visinha,  que  entre  em  vos- 
sa casa 

«Queimae  debaixo  do  rescaldo  da  lareira 
nma  vassoura,  e  vereis  como  a  má  visinha 
nem  ralha  nem  se  demora.» 


I    Tudo  é  bom  saber  se. 

41.  * 

Para  talhar  o  ar  de  gallinha  choca 

«Quando  ella  passe  voando  por  cima  de 
vós,— cuspi  3  vezes  para  o  ar  e  dizei:  credo, 
arreda,  vael 

Isto  só  prezerva  do  ar  da  gallinha  choca, 
que  é  o  peior  de  todos.  • 

42.  » 

Para  zombar  de  bruxas  e  feiticeiras 

«Trincar  e  mastigar,  todos  os  dias  ao  le- 
vantar da  cama,  um  bocadinho d'a/Ao  verde.* 

43.  - 

Outro  remédio  para  curar  a  névoa 

«Uma  mulher  ainda  virgem  mastigue  3 
cabeças  d'arruda  e  3  folhas  d'oliveira  com 
um  pouco  de  mel,  e  bafeje  sobre  o  olho  en- 
fermo 9  dias  a  seguir,  3  vezes  cada  dia. 

44.  * 

Para  preservar  do  diabo  as  casas 

«Pregar  em  cada  porta,  postigo  e  janella 
uma  cruzinha  de  trovisco  macho.* 

45.  « 

Para  talhar  a  bertueja 

Golloque-se  a  enferma  de  pé  e  completa- 
mente nua,  sobre  a  pia  dos  porcos,  e  a  ben- 
zedeira lhe  varrerá  bem  o  corpo  todo  com 
uma  vassoura,  sempre  em  cruz — da  mão  di- 
reita ao  pé  esquerdo — e  da  mão  esquerda  ao 
pé  direito— dizendo: 

*  Bertueja  sae  te  d'aqui. 

Que  a  vassoura  da  casa  anda  sobre  ti.* 

Isto  3  vezes. 


ZEZ 


ZEZ  2137 


46.  ' 

Para  somente  nascerem  pitas 

«Serão  os  ovos  lançados  por  um  innocen- 
te  DO  ninheiro,  um  a  um,  e  dirá  tantas  ve* 
zes  quantos  forem  os  ovos: 

Em  louvor  de  S.  Salvador 

Todos  saiam  pitas  e  só  um  gallador.t 

47.  ' 

Para  que  os  trovões  não  façam  mal 
aos  pintainhos 

Metta-se  entre  elles  no  ninheiro  um  prego 
ou  chave  ou  ferro  qualquer,  senão  nascerão 
doudos  ou  aleijados— ou  morrerão  em  bre- 
ve todos. 

48.  » 

Para  que  os  pintainhos  andem  sempre  juntos 

«Juntem  se  todas  as  cascas  dos  ovos  d'on- 
de  sahiram.  Nada  mais.  • 

49.  » 

Para  que  a  gallinha  choque-  os  ovos  depressa 
Dae  lhe  a  comer  fermento,  todos  os  dias. 

50.  " 

Para  que  as  gallinhas  ponham  muitos  ovos 

O  dono  ou  dona  coma  o  primeiro  detraz 
d'uma  porta,  tendo  um  machado  as  costas. 

51.  » 

Para  conservardes  a  vista 

Esfregão  bem  os  olhos  com  ovos  ainda 
quentes  e  pouco  limpos. 

52.  « 

Para  mal  da  gota 

Cozei  bem  pau  d'aroeira  e  ide  bebendo 
d'aquella  agua  um  mez  ou  dois. 


E'  bom  remédio  para  muitos  achaques, 
principalmente  para  gota  e  nervos. 

53.  ' 

Para  tosse  secca 

Ourina  de  meninos,  fervida  com  mel,  até 
tomar  ponto,  e  bebida  ás  colheres  em  jejum 
e  a  noite,  longe  do  comer. 

54.  » 

Para  dôrde  dentes 

«O  sarro  da  ourina  que  fica  no  orinol, 
posto  nas  fontes  da  cabeça,  é  remédio  mui- 
to approvado.» 

55.  * 

Outro  remédio  efjkaz  contra  as  sezões 

•Coser  uma  perdiz  inteira  em  agua,  de 
modo  que  fique  pouco  menos  de  um  quar- 
tilho, e  depois  de  bem  cozida — com  pennas, 
flgado,  boches  e  bico — tomar  este  caldo  bem 
quente,  sem  mais  tempero  algum,  entre  os 
frios  e  febres,  e  cobrir  bem,  para  suar.» 

56.  * 

Outro,  igualmente  efflcaz 
e  muito  mais  simples 

«Torrar  ao  lume  esterco  de  gallinhas,  re- 
duzil-o  a  pó— e  bebel-o  em  agua,  quando 
derem  os  frios. 

57.  * 

Para  dôr  de  peitos  de  mulher 

«Ferrar  agua  com  uma  ferradura  que  te- 
nha servido  em  pata  de  mula,  e  lavar  com 
a  dieta  agua  o  peito  —  é  bom  remédio  e  já 
experimentado.» 

'  58.' 

Para  a  moça  fazer  andar  o  rapaz  sempre 
á  cordinha,  até  que  se  resolva  a  casar 
com  ella 

«Trará  em  uma  bolsinha,  pregada  no  co- 
lete sobre  sobre  o  peito  esquerdo,  um  osso 


2138  ZEZ 

d'um  cão,  outro  d'um  gato  e  outro  d'umde- 
functo,  com  um  bocadinho  de  trena  do  cai- 
xão do  mesmo,  3  folhas  de  ruda,  3  d'ale- 
crim  macho  e  um  alho  verde.  Lave  bem  o 
corpo  em  cruz— desde  as  pontas  dos  dedos 
da  mão  direita  até  as  pontas  dos  dedos  do 
pé  esquerdo  —  e  das  pontas  dos  dedos  da 
esquerda  até  as  pontas  dos  dedos  do  pé  di- 
reito, sirva  depois  ao  dicto  cu/o  café  ou  cho- 
colate, preparado  com  aquella  agua,— e  ovos 
fritos,  partidos  no  cachaço  d'ella  e  aparados 
no. .  .—fundo  das  costas. 

E'  receita  magnifica  e  muito  experimen- 
tada. • 

59.  » 

Outro  remédio  para  curar  as  sesões 

tTira-se  da  enxerga  do  enfermo  3  palhas; 
colioquem-se  em  cruz  sobre  o  chão  em  uma 
encruzilhada;  cubram-se  as  palhas  com  uma  | 
tigela  e  diga  se: 

O  primeiro  que  tc  levantar 
O  meu  mal  ha-de  levar.» 

60. " 

Outro  remédio  ejusdem  fusfuris 

■As  folhas  do  aipo  pisadas  com  uma  dú- 
zia de  teias  d'aranha  e  uma  colher  de  vina- 
gre forte,  postas  sobre  os  pulsos  do  enfermo 
no  dia  da  maleita  tersan,  estando  o  doente 
em  jejum  e  não  comendo  nada  até  o  outro 
dia,  deitam  fóra  as  maleitas.* 

61.  » 

Outro  remédio  mais  simples  e  muito  decente 
«Beber  ourina,  longe  do  comer.» 

62.  * 

Para  curar  panarícios 

«Metter  o  penaricio  no  ouvido  de  um  ga- 
to, ou  em  um  saquinho  cheio  de  minhocas 
vivas,  ou  em  oleo  d'enxofre. 


ZEZ 

63.  * 

Para  talhar  a  bertueja 

O  doente  colloca  o  peito  sobre  uma  bacia 
d'agua,  e  a  benzedeira  toma  uma  estriga,  es- 
tende-a  sobre  a  costas  do  enfermo,  correndo 
sobre  ella  um  pente  e  diz: 

«Homem  manso, 
Mulher  brava, 
Casa  alagada, 
Cama  de  palha, 
Cabeceira  d'albarda. 
Este  mal  por  donde  entrou  por  abi  saia.» 

64.  » 

Para  talhar  o  quebranto 

\  «Toma-se  uma  malga;  deita-se-lhe  meio 
quartilho  d'agua  e  3  brasas  vivas;  depois 
toma-se  um  dos  carvões  e  faz-se  com  elle 
umaf  cruz  sobre  o  enfermo,  desde  o  lado  es- 
querdo ao  direito  e  do  peito  às  costas,  por 
cima  da  cabeça,  (isto  se  o  mal  fôr  na  cabe- 
ça, porque  não  sendo,  faz-se  a  cruz  sobre  o 
local  do  quebranto)  dizendo: 

Bom  homem  me  deu  pousada, 
Má  mulher  me  fez  a  cama 
Sobre  agua  e  mais  lama. 
Assim  como  isto  é  verdade, 
Assim  te  saia  o  mal  e  peito  e  dama  (?!..) 
Isto  3  vezes,  uma  com  cada  carvão.» 

65.  » 

Para  se  não  tomar  o  leite 

Quando  uma  mulher  der  o  peito  a  crean- 
ça  que  não  fôr  sua,  ou  quando  passar  al- 
gum rio,  ribeiro  ou  levada,  deve  dizer  3  ve- 
zes: 

Leite  lembrado 
Não  sejas  tomado. 


Quando  porém  falte  o  leite  a  qualquer 
mulher,  procure  instantaneamente  outra 


ZEZ 

que  o  tenha,  e  esta  lhe  lance  3  gotas  sobre 
as  costas  (?)  dizendo  ao  noesnao  tempo  as 
palavras  supra^-— e  o  leite  volverá. 

66.  * 

Para  curar  ougamentos 

«O  enfermo  coma  de  traz  da  porta  um 
bôlo  quente,  com  azeite  e  alho,— e  enterre  o 
que  sobrar,  aliás  fica  ougado  o  animal  que 
o  comer.» 

67.  * 

Para  dar  falia  ás  creanças  tardias  em  f aliar 

*A  madrinha  metta  a  creança  em  um  fol- 
ie e  vá  com  ella  pedindo  e  dizendo: — quem 
dá  esmolinha  ao  menino  do  folie,  que  quer 
fallar  e  não  pôde? 

O  menino  comerá  depois  tudo  o  que  lhe 
derem  e  fallará  immediatamente.i 

Curandeiro  perigoso 

Houve  também  n'esta  freguezia  nos  prin- 
cípios d'este  século  um  homem,  cujo  nome 
ignoramos  e  que  foi  um  curandeiro  muito 
acreditado  e  muito  afreguezado,  mas  devia 
matar  muita  gente. 

Em  um  alfarrábio  escripto  por  elle  e  que 
era  o  seu  vade  mecum,  dizia  entre  ontra^ 
coisas  o  seguinte: 

•  Toda  a  cura  que  o  Medico  ordena  para 
a  saúde  dos  enfermos  consta  de  dieta  e  dos 
mais  remédios  que  se  devem  appliear. 

A  pratica  racional  (?;  e  methodica  consta 
de  3  partes:  dieta,  purga  e  sangria.  A  1.»  é 
a  mais  necessária,  e  as  outras  duas  ordina- 
riamente se  applicam  ambas,  porque  raro  é 
o  caso  de  cirurgia  em  que  se  não  purgue,  e 
rara  é  a  febre  em  que  se  não  sangre  ou 
sarge.  A  principal  é  a  dieta,  sem  a  qual  se 
não  pôde  curar  nenhuma  enfermidade,  sup- 
posto  que  todas  3  sejão  muitas  vezes  neces- 
sárias para  se  aperfeiçoar  a  cura.» 

E  que  esta  era  a  pratica  irracional  do  tal 
assassino  ou  curandeiro  se  vé  do  precioso 
documento,  que  vinha  engastado  na  mesma 
eliquia  ou  authographo. 


ZEZ  2139 

Leia  quem  tiver  coragem. 

Rol  da  cura  de  Manoel  Beroto 

«Dt^zaseis  sangrias   800 

Das  fontes   600 

Do  sedanho   200  ^ 

Cáusticos,  ventosas  e  sangue- 

SQgas   550 

»  Mais  4  mezes  em  que  fiz  43  caminhos  fora 
da  minha  freguezia.» 

Pobre  Manoel  Beretol  Só  por  milagre  es- 
capariasl . . . 

Ainda  logramos  ver  o  mencionado  auto- 
grapho  na  casa  do  Ervedal  e  d'elle  fizemos  o 
extracto  supra. 

O  auctor,  se  bem  nos  recordamos,  era 
pharmaceutico  e  ascendente  da  dieta  casa 

Deus  lhe  perdoe. 

Descantes  ou  (estadas 

O  povo  d'e8ta  paroehia  é  muito  tratavel, 
muito  animado  e  muito  folgasão.  Homens 
mulheres  e  creanças,  mesmo  no  serviço  da 
lavoura,  andam  sempre  cantando;  nas  boras 
vagas  e  nos  dias  de  festa  costumam  dançar 
e  cantar  a  cAu/a,— musica  popular  favorita 
d'este  concelho  e  dos  concelhos  visinhos,» 
ao  som  de  uma  viola  d'arame,  ou  de  viola  e 
rebeca;  mas  em  dias  de  romagem,  como  na 
do  Senhor  do  Calvário  e  outras,  formam 
descantes  imponentes,  á  imitação  dos  seus 
visinhos  de  Barqueiros. 

V.  Martinho  de  Mouros  (S.)  tomo  b."  pag 
112,  col.  2.»  2  onde  já  descrevemos  os  men- 
cionados descantes.  Aqui  só  daremos  uma 
amostra  das  cantigas  da  chula,  algumas  das 
quaes  não  são  feias: 


1  Veja -se  o  tópico  supra,  relativo  á  casa 
e  quinta  do  Ervedal. 

2  E  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1:541,  col.  1.* 
onde  fallámos  d'estes  e  d'outros  descantes 
populares  do  nosso  paiz. 


ZEZ 


ZEZ 


Paz  a  mão  na  parte  esquerda, 
Não  achei  meu  coração. 
Não  me  lembrei  que  o  tinha 
De  penhor  na  tua  mão. 

Se  o  meu  querer  te  aborrece, 
Toma  a  culpa  aos  teus  agrados. 
Pois  só  quem  te  não  conhece 
Viverá  sem  ter  cuidados. 

Algum  dia  era  eu 
Do  teu  prato  a  melhor  sopa. 
Agora  sou  um  veneno 
Rosalgar  na  tua  bocca. 

Ai  Jesus  que  eu  vou  p'ras  malvas, 
Caminhando  p'ras  ortigas; 
Vão  os  rapazes  á  forca 
Por  causa  das  raparigas. 

Aqui  venho  por  te  ver, 
Por  te  ver  aqui  cheguei; 
Para  que  saibas,  amor; 
Prometti-te  e  não  faltei. 

Quem  tem  pinheiros  tem  pinhas. 
Quem  tem  pinhas  tem  pinhões. 
Quem  tem  amores  tem  zelos, 
Quem  tem  zelos  tem  paixões. 

Quem  diz  que  o  amar  que  custa 
É  certo  que  nunca  amou: 
Eu  amei  e  fui  amado, 
Nunca  o  amar  me  enfadou. 

Acorda  meu  bem  acorda 
D'es8e  somno  em  que  estaes; 
Ando  por  aqui,  não  durmo, 
E'  bem  que  vós  não  durmaes. 

Menina  não  seja  varia, 
Reprehenda  o  seu  pensamento; 
Olhe  que  o  amor  dos  homens 
Dura  muito  pouco  tempo. 

José  quero,  José  amo, 
José  trago  no  sentido; 
Por  amor  de  ti,  José, 
Trago  o  meu  somno  perdido. 


Dizeis  que  o  preto  é  feio, 
O  preto  é  linda  côr; 
E'  com  o  preto  que  escrevo 
Cartinhas  ao  meu  amor. 

Coitadinho  de  quem  nasce 
No  mundo  sem  ler  ventura. 
E'  como  o  prato  quebrado; 
Atiram  com  eile  á  rua. 

Dormindo  estava  sonhando 
Que  me  morreu  o  meu  bem; 
Acordei  pedindo  a  Deus 
Que  me  levasse  lambem. 

Aqui  'stá  quem  por  ti  morre, 
Quem  por  ti  sempre  suspira; 
Quem  por  li  anda  de  noite, 
Quem  por  ti  arrisca  a  vida. 

Tudo  o  que  ha  triste  no  mundo 
Tomára  que  fosse  meu; 
Isso  mesmo,  tudo  junto. 
Não  é  mais  triste  do  que  eu. 

Alegria  não  a  tenho, 
A  tristeza  m'a  levou; 
Perguntae  ao  meu  amor. 
Se  a  viu,  por  onde  andou.  . 

Eu  vou-me  vestir  de  preto. 
Do  mais  preto  que  achar. 
Pois  me  deram  por  noticia 
Que  tu  me  queres  deixar. 

Com  pena  peguei  na  penna, 
Com  penna  te  escrevi; 
Com  pena  de  te  não  ver 
E'  que  dou  cabo  de  mim. 

Tenho  um  vestido  de  pennas; 
Não  m'o  fez  o  alfaiate; 
Eu  o  fiz,  eu  o  talhei, 
Bem  é  que  penas  me  mate. 

Tenho  penas  sobre  penas, 
E  mais  não  posso  voar; 
A  maior  pena  que  tenho 
E'  ver- te  e  não  te  fallar. 


ZEZ 


ZEZ 


Tenho  penas  sobre  penas, 
Sobre  penas  tenho  dôr; 
A  maior  pena  que  tenho 
E'  deixar-te,  meu  amor. 

Deus  te  dê  alegre  tarde, 
Meu  amor,  jà  que  vieste; 
Deus  te  dê  tanto  alivio, 
Como  tu  a  mim  me  deste. 

Os  meus  olhos  desgraçados 
Namoraram -se  dos  teus; 
Vejo-me  tão  confundida 
Que  nem  sei  quaes  são  os  meus. 

Tenho  uma  pena  no  peito,  . 
Que  d*ella  hei  de  morrer, 
Pois  me  diz  o  coração 
Que  te  não  torno  a  ver. 

Não  me  ponha  a  mão  na  saia; 
Diga  d'ahi  o  que  quer; 
Você  não  perde,  que  é  homem; 
Perco  eu,  que  sou  mulher. 

Eu  quero  bem  á  desgraça, 
Pois  sempre  me  acompanhou, 
E  tenho  raiva  á  fortuna, 
Que  sempre  me  despresou. 

Toda  a  moça  que  é  bonita 
Nunca  devêra  nascer; 
E'  como  a  pera  madura, 
Todos  a  querem  colher. 

Se  no  ceu  ha  criminosos, 
Eu  também  la  hei-de  entrar; 
Mas  o  amar  não  é  crime 
E  o  meu  crime  é  só  amar. 

O  sol  prometteu  á  lua 
Uma  fita  de  mil  cores; 
Quando  o  sol  promette  prendas, 
Que  fará  quem  tem  amores. 

Menina  não  se  namore 
D'homem  que  ja  viuvou; 
Uma  falia,  duas  falias: 
— Mulher  que  Deus  me  levou! . . . 

TOLUMK  XI 


Menina  não  se  namore 
D'homem  casado,  que  é  perigo; 
Namore-se  d'um  solteirinho. 
Que  possa  casar  comsigo. 

Inda  que  meu  pae  me  mate. 
Minha  mãe  me  tire  a  vida, 
Minha  palavra  está  dada. 
Minha  mão  já  promettida. 

Não  me  namora  o  teu  ouro. 
Nem  os  brincos  das  orelhas; 
Naroorara-rae  esses  teus  olhos. 
Essas  tuas  sobrancelhas. 

O  amor,  quando  se  encontra. 
Causa  pena  e  dá  gosto; 
Sobresalta  o  coração, 
Sobem  as  cores  ao  rosto. 

O'  senhor  juiz  de  fora. 
Faça  justiça  na  terra; 
Prenda-me  aquelles  dois  olhos, 
Que  estão  n'aquella  janella. 

Tomei  amores  cora  o  Bento, 
Não  sei  se  faria  bem; 
O  vento  é  variante, 
Não  tem  amor  a  ninguém. 

Estes  senhores  me  pedem 
Que  lhe  cante  uma  cantiga; 
Cantarei  duas  ou  tres; 
Uma  não  é  cortezia. 

Âquella  menina  cuida 

Que  não  ha  outra  no  mundo! 

Não  é  o  poço  tão  alto, 

Que  se  lhe  não  veja  o  fundo. 

De  cada  vez  que  te  vejo 
Me  devia  confessar. 
Não  por  eu  peccar  comtigo, 
Mas  sim  por  te  desejar. 

Tenho  dentro  do  meu  peito. 
Junto  do  meu  coração, 
Duas  lettrinhas  que  dizem: 
I      Morrer?  sim;  deixar-te?  não. 


2142  ZEZ 


ZEZ 


Quem  quizer  amar  mulheres 
Wão  tome  tabaco, — fume; 
Depois  bate  á  porta  e  diz: 
O'  menina  dé  cá  lume. 

Sol  divino  não  te  ponhas, 
Que  eu  não  posso  ver  a  noite, 
Nem  também  ver  meu  amor 
Longe  de  mim  perto  d'oitre. 

Eu  vou  dar  a  despedida 
Até  outra  occasião; 
Senhores,  que  estão  á  roda, 
A  lodos  peço  perdão. 

Aqui  dou  a  despedida 
Sem  offender  a  ninguém. 
O  muito  cantar  enfada, 
♦       O  pouco  parece  bem. 


Fecharemos  este  tópico  dizendo  que  a 
, parte  cantante  da  chula  ó  feita  pela  rebeca, 
e,  sendo  bem  tocada,  é  uma  variação  cons- 
tante e  lindíssima;  havendo  porem  sempre 
no  Douro  muitos  ehulianies,  são  raros  os 
que  a  tocam  bem. 

No  meiado  d'e8te  século  o  1.»  ehuliante 
do  Douro,  foi  o  Capão  da  Rede,  junto  de  Me- 
sãofrio;  depois  levou-lhe  a  palma  o  Fran- 
cisco d'Almeida  (filho)  da  casa  do  Ervedal, 
— e  supplantou  aquelles  dois  e  supplanta 
ainda  hoje  todos  os  chuliantes  do  Douro, 
Guilherme  d'Almeida  e  Silva,  da  casa  do 
Ervedal  lambem. 

As  cantigas  são  singelas,  com  toada  mui- 
to differente  da  chula,  mas  agradáveis  e  ca- 
racterísticas. Não  se  confundem  com  as  ou- 
tras canções  populares  e  dão  muito  relevo 
á  chula,  sendo  cantadas  por  mulheres. 

A  dança  ordinária  da  chula  é  simples  e 
monótona  no  campo  e  nas  romagens,  mas 
nas  salas  ó  variadíssima,  nomeadamente  no 
concelho  de  Marco  de  Canavezes. 

Também  no  Douro,  nas  salas  e  no  campo, 
«e  usam  muitos  jogos  de  roda  cantados,  jo- 
gos de  prendas,  ele.  —  e  nas  salas  todas  as 
danças  da  primeira  sociedade. 


Também  no  Douro  ja  são  triviaes  os  pia- 
nos,—mesmo  na  classe  media. 

Costumes 

N'esla  parochiâ  de  Santa  Marinha  e  em 
ambas  as  margens  do  Douro  aiéáHespanha 
as  mulheres  do  campo  vestem  com  muita 
singeleza:  —  poucas  saias,  poucos  saiotes, 
vestidos  de  chita  ou  de  riscado  d'algodão, 
capuchas  (espécie  de  chalés)  também  d'al- 
godão,  na  cabeça  lenços  d*aIgodão  também 
— e  nos  pés  tamancos  ou  chinelas  de  couro 
preto,  tudo  barato. 

Isto  nos  dias  de  semana.  Nos  dias  santos 
ou  de  festa: — sapatos  pretos  de  couro,  meias 
brancas,  vestidos  e  lenços  d'algodão,  mas 
novos  ou  em  melhor  uso  e  por  excepção 
lenços  de  seda  na  cabeça  (nunca  chapéu)  e 
vestidos  de  lã. 

Ouro— muito  pouco  e  muito  leve.  Apenas 
um  par  de  ciganas  ou  de  arrecadas  nas  ore- 
lhas—e no  pescoço  um  flo  de  contas  redon- 
das e  pequenas. 

Os  cordões  d'ouro  são  raríssimos. 

Aqui  não  se  vêem  mulheres  carregadas 
d'ouro  e  de  roupâ,  semelhando  cabides  e  ta- 
bolelas  d'ourives,  como  nos  arrabaldes  do 
Porlo.i 


No  Douro  as  laboletas  d'ourives  são  os 
anjos  das  procissões.  Esses  sim,  —  vão  ge- 
mendo carregados  de  objectos  d'ouro  e  de 
prata,  de  todas  as  idades  e  de  todos  os  fei- 
tios,—tanto  de  bom  quilate,  como  de  pechis- 
beque. 

O  vestuário  dos  homens  do  campo  é  mui- 
to variado,  mas  também  barato  e  singelo. 

As  famílias  nobres  e  da  boa  sociedade  se- 
guem as  modas  francesas,  modificadas  no 
Porto— e  no  tempo  da  velha  companhia  dos 
vinhos,  quando  o  Douro  era  d'ouro,  tiveram 
baixellas  soberbas:— muita  prata,  muito  ou- 
ro, muitos  adereços  de  pérolas  e  pedras  fi- 


1  V.  Villar  d'Andorinho,  tomo  H.» 
il97,  col,  í.« 


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ZEZ  2143 


nas,  louça  e  cobertores  da  Índia  e  do  Ja>  j 
pão,  etc. 

Os  mesmos  bacios  dos  grandes  lavrado-  j 
res  do  Douro— íraw  de  prata'í\ . . . 

V.  Villa  Jusã  do  concelho  de  Mesãofrio, 
íomo  11."  pag.  771,  col.  2.* 

Recrutamento 

Até  1834  esta  parochia  e  mais  13  das  cir- 
cumvisiohas  davam  soldados  para  a  1.*  com- 
panhia do  regimento  de  milicias  de  Pena- 
fiel —denominada  companhia  de  Campello, 
por  ter  ali  a  séde. 

As  out  ras  freguezias  eram  -  Teixeira,  Tei- 
xeiró,  Tresouras,  Gestaçô,  Viariz,  Loivosdo 
Monte,- Loivos  da  Ribeira,  Frende,  S.  João 
d'Ouvil,  Tolões,  Valladares  e  S.  Thomé  de 
Covellas. 

O  dieto  regimento  era  formado  por  2  ba- 
talhões com  4  companhias  cada  um.  O  1." 
batalhão  tinha  a  séde  em  Villa  Boa  do  Bis- 
po;—o  2.»  em  Penafiel. 

A  companhia  de  Campello  era  a  1.*  do 
1.°  batalhão,  mas  a  freguezia  de  Campello 
dava  soldados  para  a  2.*  companhia  do 
mesmo  batalhão,  a  qual  tinha  a  séde  na  fre- 
guezia de  Loureirol . . . 

Esta  2.»  companhia  era  formada  pelas  fre- 
guezias de  Campello,  Gôve,  Soalhães,  Santa 
€ruz  do  Douro,  Santa  Leocadia,  Mesquinha- 
ta,  Ancede  e  Grillo.  • 

Festividades  religiosas 

Celebram-se  muitas  n'esta  freguezia,  sen- 
do sempre  mais  pomposa  a  da  padroeira, 
mas  tem  algum  tanto  de  barbara,  porque, 
misturando  o  sagrado  com  o  profano,  cos- 
tumam por  essa  occasião  correr  touros  mui- 
to estupidamente  a  vara  larga,  o  que  por 
-vezes  dá  scenas  de  canibalismo  revoltante-— 
íeriment|s  desordens  e  mortes,  como  succe- 
deu  ha  oem  pouco  tempo,  —  no  dia  22  de 
julho  do  anno  ultimo  (1888)  quando  feste- 
javam a  padroeira. 

Com  data  de  25  de  julho  do  dicto  anno. 
uma  correspondência  de  Baião,  publicada 
no  Commercio  do  Porto,  dizia  entre  outras 
coisas  o  seguinte: 


«No  dia  22  do  corrente  celebrou-se  com 
todo  o  brilho  e  lazlmento,  na  igreja  matriz 
de  Santa  Marinha  do  Zêzere,  a  festa  á  pa- 
droeira. Na  véspera  foi  illuminada  a  fron- 
taria  do  templo,  adro,  casa  da  residência  e 
palacete  do  nosso  amigo  o  sr.  José  Bernar- 
do Correia  de  Sá,  digno  abbade  d'aquella 
freguezia  e  vice-presidente  do  centro  pro- 
gressista de  Baião,  tocando  até  ao  dia  duas 
bandas  de  musica  ao  desafio  e  queimando- 
se  á  meia  noite  um  vistosíssimo  fogo  do  ar. 
No  dia  seguinte  houve  exposição  do  Santís- 
simo Sacramento,  missa  cantada  e  sermão... 

Depois  da  festa  da  igreja  sahiu  uma  pro- 
cissão, que  não  só  pela  ordem  em  que  ia, 
como  pela  belleza  e  adorno  dos  anjos,  póde- 
se  incontestavelmente  dizer  que  attingiu  um 
brilhantismo  e  esplendor  extraordinários. 

Não  se  dirá,  porém,  que  a  festa  corresse 
sem  desgostos  e  sustos. 

Na  véspera,  pelas  8  horas  da  noite,  pas- 
sando pelo  adro  a  cavallo  um  sujeito  qual- 
quer, ou  porque  lhe  picassem  o  aninaal  ou 
porque  elle  quizesse  mostrar  altas  prendas 
de  equitação,  o  certo  é  que  o  cavallo  se  en- 
cabritou,  assustando  o  povo,  que  em  gran- 
de grita  e  confusão  correu  para  uma  das 
margens  do  caminho,  impellindo  para  o 
adro  as  pessoas  que  ali  estavam,  tendo-se 
magoado  bastante  a  sr."  D.  Feliciana  Cor- 
reia de  Sá,  irmã  do  abbade  d'aquella  fre- 
guezia, o  que  muito  sentimos.  Uma  mulher 
do  povo,  que  também  fôra  impellida  pelos 
fugitivos,  cahiu  e  fracturou  uma  perna. 

Passada  uma  hora,  levantou-se  grande  re- 
boliço no  arraial  por  causa  de  dois  touros 
que  no  outro  dia  se  haviam  de  correr  á  va- 
ra larga,  os  quaes,  soltos  e  sem  chocas,  se 
dirigiam  para  ali.  Houve  n'essa  occasião 
muitos  empurrões,  sopapos  e  quédas,  o  que 
tudo  se  explica  pelo  terror  de  que  se  tinha 
apossado  o  povo. 

Os  touros,  porém,  correram  por  um  dos 
caminhos  lateraes  do  adro,  invadindo  o  ter- 
reiro da  residência,  onde  damnificaram  al- 
gumas vides  e  objectos  que  n'esse  local  se 
encontravam. 

Se  não  fosse  o  sangue  frio  do  nosso  ami- 


2144  ZEZ 


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go  o  sr.  José  Ayres  de  Figueiredo  Pinto  Va- 
lente, muitas  desgraças  haveria  a  lamentar, 
porquanto  aquelle  cavalheiro,  com  um  ver- 
dadeiro desprezo  pela  vida,  não  reeeiando 
a  sanha  dos  bois,  encurralou-os  n'uma  das 
cortes  que  alli  havia,  mandando  em  segui- 
da procurar  algumas  vaecas  para  os  condu- 
zirem a  Travanca,  onde  deviam  pernoitar. 

A  tia  do  fr.  José  Bernardo  Correia  de  Sá, 
senhora  de  avançada  idade,  por  pouco  que 
era  apanhada  por  ura  dos  animaes.  O  susto 
que  apanhou  foi  de  tal  natureza,  que  che- 
gou a  lançar  sangue  pela  boeca. 


«Na  tourada,  ou  antes  selvageria,  que  no 
dia  da  festa  se  fez,  um  dos  bois  foi  horri- 
velmente martyrisado  pelos  picadores  de 
Barqueiro^}  chegando  aquelles  bárbaros  a  ' 
arrancar  lhe  um  dos  olhos  e  uma  das  pon- 
tas, deixando-o  tão  mal  tractado  que  o  po 
bre  animal  morreu  hontem  (24)  no  meio  de 
soffrimentos  horríveis. 

Um  dos  picadores,  á  sabida  do  curro,  le- 
vou uma  aguilhada  no  peito.  Segundo  nos 
consta,  já  falleeeu.  j 

E  de  quem  é  a  culpa?!  Incontestavelmen-  j 
te  das  nossas  authoridades  administrativas, 
que  consentem  uma  tal  selvageria.  Sendo  j 
prohibidas  as  corridas  á  vara  larga,  qual  o 
motivo  porque  são  consentidas?  A  fraqueza 
das  auctoridades  deu  causa  á  morte  de  um 
homem  e  ao  martyrio  de  um  animal.  Quem 
ha-de  sustentar  agora  a  viuva  e  filhos  d'es- 
se  desgraçado,  que  ficou  como  ura  lúgubre 
trophéu  d'essa  vergonhosa  lueta?  Se  as  cha- 


1  Barqueiros,  freguezla  populosa  e  pouco 
distante,  terra  natal  do  infeliz  dr.  José  Julio 
d'Ollveira  Pinto,  é  nas  duas  margens  do 
Douro  apontada  e  respeitada  como  terra  da 
famigerados  valentões— e  á  mais  leve  provo- 
cação de  estranhos  balem -se  todos  por  um 
e  um  por  todos— a  pau.  a  pedra,  a  punhal  e 
a  tiro,  pelo  que  ninguém  ousa  provocai  os. 

V.  Barqueiros,  tomo  1.*  pag.  336— e  Mar- 
tinho de  Mouros  (S.)  tomo  S.*  pag.  il2, 
col.  2.» 


massem  á  authoria,  não  teríamos  a  lamen- 
tar simllhantes  desgraças!  Mas  como  o  fa- 
voritismo é  que  impera,  o  melhor  é  calar- 
mo-nos  e  Ir  registrando  estes  factos,  que  as 
pessoas  sensatas  e  de  coração  avaliarão  co- 
mo fôr  de  justiça.» 


Uma  das  festas  mais  edificantes  e  mais 
Imponentes  de  que  ha  memoria  n'esta  fre- 
guezia,  foi  a  procissão  de  penitencia,  feita 
no  dia  20  d'outubro  de  1885  para  que  Deus 
nos  livrasse  do  cholera,  que  ao  tempo  devas- 
tava a  Hespanha  e  que  nos  aterrou  e  obri- 
gou a  montar  com  grande  dispêndio  um 
cordão  sanitário  de  mais  de  6  mil  homens 
em  toda  a  rala,  durante  muitos  mezes. 
Felizmente  a  epidemia  poupou -nos  e  des- 
i  de  1854-1855,  data  em  que  o  cholera  fez  bas- 
!  tanies  victimas  em  Portugal,  não  mais  no» 
visitou. 

Também  tivemos  ero  Portugal  o  cholera 
em  1834  a  1835,  depois  da  guerra  entre  a 
sr.  D.  Pedro  IV  e  o  seu  irmão  D.  Miguel. 

A  dieta  procissão  teve  logar  em  um  do- 
mingo; começou  ás  7  horas  da  manhã  e  ter- 
minou ás  7  da  noite;  percorreu  grande  par- 
te da  freguezla. e  visitou  a  matriz  e  5  capei- 
las,  havendo  por  essa  oceasião  3  sermões  de 
lagrimas. 

Era  formada  por  18  andores,  10  anjos, 
uma  banda  de  musica  e  muitas  irmandades 
e  confrarias  com  as  suas  respectivas  cruze» 
—sendo  verdadeiramente  extraordinário  o 
concurso  do  povo  d'esta  paroehia  e  das  cir- 
cumvisinhas, — ao  todo  mais  de  10:000  pes- 
soas. 

Commenda  de  Moura  Morta 

Esta  commenda  era  da  ordem  de  Malta  e 
uma  das  mais  rendosas  do  nosso  palz.  Ti- 
nha muitos  dízimos,  prasos  e  fóros  na  fre- 
guezla de  Moura  Morta  e  em  outr^dos  con- 
celhos de  MesãofriOj  Balão,  Canavezes,  Tor- 
res Novas,  etc. 

N'este  concelho  de  Balão  aquelles  com- 
mendadores  eram  directos  senhorios  de  mui- 
tos casaes  e  terras  nas  freguezla»  de  Tre- 
souras.  Frende,  Gôve,  Gestaçô,  e  n*esta  de 
Santa  Marinha,  nomeadamente  nas  povoa- 


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ZEZ  2145 


ções  de  S-  Pedro,  Quintas  e  Paços,  como  se 
vè  de  um  livro  de  emprazamentos,  que  te- 
mos sobre  a  nossa  mesa  de  estudo  e  que 
comprehende  os  annos  de  1603  a  1642. 

Foi  commendador  de  Moura  Morta  desde  í 
1603  até  1630  Fr.  Antonio  da  Veiga,  de  Ci- 
dadeltie,  hoje  representado  pelo  sr.  D.  Fran- 
cisco Peixoto  Pinto  Coelho,  de  Villa  Marim, 
— e  desde  1630  a  1642  foi  commendador  D. 
Diogo  de  Mello  Pereira,  também  de  Cidade- 
Ihe,  concelho  de  Mesãofrio,  fundador  da 
quinta  e  do  palacete  denominados  de  D.  DiO' 
go,  que  são  hoje  da  familia  Carvalhaes  de 
Travanca,  mencionada  supra. 

Viação 

Até  hoje  (1889)  esta  desgraçada  freguezia 
não  tem  estrada  alguma  a  macadam.  As 
suas  estradas  todas  são  barrancos  e  preci- 
pícios medonhos,  nomeadamente  as  que  con- 
duzem ao  Douro  e  á  estação  da  Ermida. 
Tem  para  ali  já  estudada  ha  muitos  annos 
uma  estrada  a  macadam  desde  a  egreja  ma- 
triz, pelo  valle  do  Zêzere,  mas  ainda  lhe  não 
deram  principio. 

Também  deve  atravessar  esta  paroehia  de 
Santa  Marinha,  de  poente  a  nascente,  a  es- 
trada real  a  macadam  n."  34  de  Penafiel  a 
Mesãofrio,  por  Canavezes  e  Baião,  mas  ain- 
da não  passou  de  Canavezes,  posto  que  já 
lhe  deram  principio  ha  mais  de  20  annos'^\.. 

Até  hoje  o  malfadado  concelho  de  Baião 
não  viu  nem  sequer  uma  diligencia\  Apenas 
tem  ao  longo  da  margem  do  Douro  a  linha 
férrea,  de  que  pouco  «partido  tira,  por  falta 
de  estradas  que  a  ella  conduzam,— e  tem  so- 
bre o  Douro  duas  pontes  em  projecto,  estu- 
dadas e  arrematadas,  mas  ainda  não  princi- 
piadas,— uma  n'e3ta  paroehia  de  Santa  Ma- 
rinha, junto  da  estação  da  Ermida,  para  li- 
gação com  Rezende,— outra  em  Portantigo, 
junto  da  estação  de  Mosteiro,  para  ligação 
com  Sinfães. 

Posta  rural 

Um  dos  poucos  benefícios  que  esta  paro- 
ehia de  Santa  Marinha  e  este  concelho  de 
Baião  devem  ao  governo  desde  1887— -ó  a 


posta  rwra?— beneficio  que  alguns  dos  nos- 
sos concelhos  ainda  não  gosam. 

Baião  tem  7  distribuidores: — 1  em  Ance- 
de,  1  em  Santa  Cruz  do  Douro,  2  em  Cam- 
pello  e  3  n'esta  paroehia  de  Santa  Marinha. 

Foi  um  grande  bónus,  porque  hoje  a  en- 
trega da  correspondência  é  rápida  e  feita 
aos  destinatários  nos  seus  próprios  domicí- 
lios,— emquanto  que  anteriormente  tinham 
de  mandar  procural-a  a  distancia,  recebiam- 
na  tarde  e  extraviava-se  repelidas  vezes. 

Também  a  posta  rural  facilitou  igual- 
mente a  expedição  da  correspondência. 

Movimento  parochial  doesta  freguezia 
em  1881 

Nascimentos   76 

Óbitos   30 

Casamentos   17 

Do  exposto  se  vê  que  a  população  d'esta 
paroehia  tende  a  augmentar,  pois  a  cifra 
dos  nascimentos  ó  muito  superior  á  dos 
óbitos. 

O  batalhão  de  Baião 

José  Reymão  de  Mello  Falhares,  de  quem 
já  se  fallou  no  tópico  da  quinta  de  Guima- 
rães, era  muito  liberal,  pelo  que  em  1829 
emigrou.  Viveu  3  annos  na  França  e  na 
Bélgica;  militou  com  o  sr.  D.  Pedro  IV,  che- 
gando ao  posto  de  tenente.  Depois  casou  e 
abandonou  a  carreira  militar/mas  em  1846, 
quando  rebentou  o  pronunciamento  popular 
do  Minho  ou  da  Patuleia,  vivendo  na  sua 
quinta  de  Guimarães,  abraçou  o  dicto  pro- 
nunciamento. 

Formou  com  voluntários  à'esta  paroehia 
de  Santa  Marinha  e  d'outras  d'este  conce- 
lho uma  guerrilha,  denominada  Batalhão  de 
Baião,  da  qual  foi  commandante  com  a  pa- 
tente de  tenente  coronel,  conferida  pela  ^un- 
ia do  Porto. 

Elie  era  homem  valente,  muito  encorpado 
e  mal  encaràdo,  mas  foi  pouco  feliz  como 
guerrilheiro.  Apenas  tomou  parte  em  2  fei- 
tos d'armas,  ficando  derrotado  no  1.'— e 
derrotado  e  prisioneiro  no  2.» 


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No  dieto  anno  de  1846,  logo  no  principio 
da  revolução  da  junta,  elle  com  a  sua  guer- 
rilha de  Baião,  o  Justinianno  de  Cordova 
com  a  sua  guerrilha  de  S.  Martinho  de  Mou- 
ros e  S.  Pedro  de  Paus  (Rezende)i~os  An- 
drades de  Moimenta  da  Beira  com  outra 
guerrilha  d^aquelles  sitios —  e  muitos  popu- 
lares dos  concelhos  de  Rezende,  Lamego, 
Mondim  da  Beira,  Tarouca,  Pesqueira,  Ta- 
boaço,  Armamar  e  Regoa,  lembraram-se  de 
ir  a  Lamego  desarmar  o  regimento  de  in- 
fantaria n."  9  ali  estacionado. 

Os  populares  eram  muitos,  mas  não  ti-  j 
nham  eommando,  nem  armamento  regular,  j 
nem  munições  de  guerra,  nem  disciplina  al-  | 
guma,  pelo  que,  apenas  se  abeiraram  de  La-  i 
mego,  o  9  com  algumas  descargas  os  poz  ! 
em  precipitada  fuga,  indo  também  de  rol  j 
dão  o  batalhão  de  Baião  ? 


Passados  alguns  mezes,  partiu  do  Porto 
para  Traz  os  Montes  o  general  visconde  de 
Sá  Bandeira  para  baterão  conde  de  Casal. 

Sá  da  Bandeira  levava  uma  divisão  forte 
de  3:500  homens,  comprehendendo  os  regi- 
mentos de  infanteria  3  e  15,  a  guarda  mu- 
nicipal e  um  batalhão  d'artistas  do  Porto, 
outro  de  voluntários  da  Vista  Alegre  e  o  de 
Baião, 

Enconiraram-se  as  duas  divisões  em  Val- 
le Passos  e  a  do  Sá  da  Bandeira  foi  comple- 
tamente derrotada,  porque  logo  no  princi- 
pio da  acção  os  regimentos  3  e  lo  uniram- 
se  á  divisão  do  Casal.s 

O  batalhão  da  Vista  Alegre  nada  soífreu, 
porque  estava  distante  e  não  entrou  em  fo- 


1  O  Justinianno  de  Cordova  deu  brado 
como  guerrilheirot. . . 

V.  Paus,  tomo  6.*  pag.  509,  col.  2."  e  seg. 

2  V.  Lamego  n'este  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 

3  V.  Val  de  Passos,  tomo  10."  pag.  75, 
col.  2.» 


go,  mas  o  de  Baião  foi  envolvido  e  derrota- 
do, ficando  prisioneiro  o  seu  commandante 
José  Reymão— e  mortos  15  a  20  soldados  e 
o  major. 

José  Reymão  pouco  tempo  esteve  prisio- 
neiro, porque  uma  bella  noite  fugiu  cora  o 
sargento  que  o  escoltava^  —  Lino  José  Ro- 
drigues— a  quem  foi  grato,  pois  teve-o  mui- 
to tempo  como  pessoa  de  familia  na  sua  ca- 
sa de  GMímarães,~depoisdeu-lhe  uma  escri- 
vania  do  juizo  de  direito  em  Baião  e  ali  fal- 
leceu  em  1888,  deixando  boa  fortuna  á  viu- 
va e  filhos. 

José  Reymão  era  natural  da  Ucanha  i  e 
falleceu  já  velho  e  reformado  com  a  paten- 
te e  soldo  de  capitão. 

O  José  do  Telhado 

Em  uma  das  noites  do  mez  de  novembro 
de  1851  a  quadrilha  do  José  do  Telhado  as- 
saltou a  casa  do  dr.  Antonio  Fabrício  Lopes 
Monteiro,  de  Cadeade,  n'esta  parochia  de 
Santa  Marinha,  cerca  de  1:200  metros  a  N. 
da  egreja,  mas  .eruzou-se  vivo  fogo  de  parte 
a  parte,  alvorotou-se  a  visinhança  e  a  qua- 
drilha bateu  em  debandada  sem  levar  a 
effeito  o  roubo.  Ella  vinha  de  longe,— 
Lousada, — mas  foi  attrahida  por  alguns  dos 
salteadores,  que  pertenciam  a  este  concelho 
de  Baião  e  a.  esta  parochia,  taes  eram  José 
Simões,  da  povoação  do  Barreiro,  e  seu  fi- 
lho Boaventura. 

O  dr.  Fabrício  morreu  aproximadamente 
em  1870  sem  successão,  havendo  casado 
com  D.  Gracinda  Emília  Faria  Garcia  Cou- 
tinho, senhora  muito  mais  nova,  muito  in- 
corpada  e  muito  sympathica,  a  qual  também 
já  falleceu,  tendo  passado  a  segundas  nú- 
pcias em  1876  com  o  visconde  de  Ferro-Cin- 
to — José  Maria  de  Vasconeellos  Serrão,  que 
já  tinha  57  annos  de  idade. 

Ella  nasceu  na  freguezia  de  Mondão,  con- 
celho de  Viseu,  em  1830,  e  foram  seus  paes 
Balihasar  Esquiridão  Garcia  da  Costa  Bar- 


1  V.  Cucanha  e  Ucanha. 


ZEZ 


ZEZ  2147 


bosa,  natural  do  Porto,  e  D.  Julia  Felícia  de 
Faria  Coutinho,  da  quinta  de  Picoula,  fre- 
guezia  da  Granja,  concelho  de  Trancoso. 


Como  este  diccionario  está  prestes  a  con- 
cluir-se,  daremos  aqui  uma  ligeira  noticia 
do  celebre  José  do  Telhado,  que  foi  o  ultimo 
dos  grandes  salteadores  que  infestaram  o 
nosso  paiz. 

Chegou  a  viver  esplendidamente,  mas  aca- 
bou miseravelmente,  verifieàndo-se  mais 
uma  vez  a  sentença: 

Talis  vito,  finis  ital . . . 


Chamava-se  elle  José  Teixeira  da  Silva, 
por  alcunha  José  do  Telhado,  porque  nas- 
ceu em  1816  na  pequena  povoação  do  Te- 
lhado, freguezia  de  Castellões  de  Recesi- 
nhos,  concelho  de  Penafiel,  mas  casou  e  vi- 
veu na  povoação  de  Sobreira,  freguezia  de 
S.  Pedro  de  Cabide  de  Rei,  concelho  de  Lou- 
sada cerca  de  2  kil.  e  a  N.  da  estação  actual 
de  Cahide,  na  linha  férrea  do  Douro.^ 

Girava-lhe  nas  veias  bom  sangue,  pois  seu 
pae  Joaquim  do  Telhado  foi  capitão  de  la- 
drões, valente  como  as  armas  e  raio  devas- 
tador em  francezes; — seu  tio-avô,  por  alcu- 
nha o  Sodiano,  foi  salteador  no  Marão,  —  e 
Joaquim  do  Telhado,  irmão  do  nosso  heroe, 
foi  também  salteador. 

Qui  viget  in  foUis  venit  e  radicibus  hu- 
mor!... 


José  do  Telhado  passou  os  primeiros  an- 
nos  da  juventude  em  Cabide  de  Rei,  apren- 
dendo o  offleio  de  eapador  com  um  francez 
que  exercia  aquella  profissão  e  estava  ali 
casado  com  uma  tia  materna  do  nosso  he- 


1  V.  Cahide,  vol.  2.»  pag.  33,  col.  2.'— e 
Villa  Verde,  aldeia,  tomo  il.»  pag.  1:087. 
col.  1.*  e  segg. 


roe.  Affeiçoou-se  a  uma  filha  do  eapador,  * 
mas,  como  os  paes  d'ella  se  oppozessem  ao 
casamento,  fugiu  para  Lisboa,  tendo  19  an- 
nos  de  idade,  e  ali  assentou  praça  no  2.»  re- 
gimento de  tanoeiros  da  Rainha. 

Em  1837,  na  revolta  dos  Marechaes,  acom- 
panhou o  duque  de  Saldanha  e  bateu-se  nos 
combates  do  Chão  da  Feira  e  Ruivães. 

O  barão  de  Setúbal  disse- lhe  uma  vez: 

—Chovem  balas! . . . 

— Gà  está  o  guarda-chuva,  meu  general; 
— deixe  choverl — respondeu  José  do  Telha- 
do muito  serenamente,  mosirando-lhe  a  lan- 
ça com  a  bandeira,  pois  era  muito  valente» 
bom  cavâlleiro,  muito  generoso  e  espiri- 
tuoso. 

O  barão  gostou  da  resposta  e,  tendo  de 
emigrar  para  a  Hespanha,  resolveu  leval-o 
comsigo,  como  sua  ordenança,  mas,  feita  a 
convenção  de  Chaves,  recebeu  o  nosso  he- 
roe uma  carta  da  prima,  chamando-o  a  to- 
da a  pressa  para  casarem,  por  haver  obtido 
do  pae  o  prévio  consentimento.  Pediu  baixa; 
partiu  immediatamente  e  sem  demora  casa- 
ram, recebendo  em  dote  meios  bastantes 
para  uma  decente  mediania  aldeão,  a  "res- 
cendo  6  fructo  do  seu  mister  de  capactor. 


Ditosos  derivaram  os  primeiros  annos 
d'este  suspirado  enlace,  vivendo  houesta- 
mente  do  seu  trabalho,  visinhando  bem  com 
todos  e  sendo  por  todos  estimado,  vindo  os 
filhos  augmentar  a  felicidade  dos  dois  cônju- 
ges, porque  sobrava  em  casa  o  pão  e  foi 
sempre  muito  amigo  da  mulher  e  dos  fi- 
lhos. 

Levado  da  sua  generosa  intrepidez,  em 
1843  defendeu  na  feira  de  Penafiel  um  visi- 
nho,  perseguido  por  muitos.  A  lucta  foi 
grandemente  desegual  e  ficou  moribundo 
entre  os  que  em  volta  d'elle  cahiram. 

Na  revolução  popular  de  1846  os  visinhos 
escoiheram-n'o  para  chefe.  Recusou-se,  fa- 
zendo-lhes  ver  que  não  tinha  habilitações 
para  o  commando,  mas  seguiu  o  partido  do 
povo.  Apresentou-se  á  junta  do  Porto, — as- 
sentou praça  em  eavallaria,  —  comprou  Ca- 
vallo e  fardou- se  a  todo  o  primor  á  sua  cus- 


2148 


ZEZ 


'  ta.  Soceorria  generosamente  os  soldados  ca- 
recidos e  empenhou-se  para  satisfazer  o  que 
em  parte  era  capricho  e  em  parte  largueza 
d'alma. 

Acompanhou  a  Val  Passos,  como  sua  or- 
denança, o  visconde  de  Sá  da  Bandeira,  a 
quem  salvou  a  vida  n'aquella  desastrosa  ba- 
talha,^  pelo  que  o  diclo  visconde  pela  sua 
própria  mão  lhe  apresilhou  na  farda  a  con- 
decoração da  Torre  e  Espada. 

Do  cômoro  de  uma  ribanceira  alguns  dos 
soldados  traidores  apontavam  as  armas  con- 
tra o  visconde,  envolvido  no  fumo  das  des- 
cargas. José  Teixeira  arranca  do  eavallo  a 
toda  a  brida, — toma  as  rédeas  do  eavallo  do 
general  e  obriga-o  a  saltar  um  vallado,  pas- 
sando as  balas  pouco  acima  da  cabeça  de 
ambos.  A  este  tempo  3  soldados  de  eavalla- 
rla  avançavam  contra  o  visconde.  José  Tei- 
xeira embarga-Ihes  a  arremettida  e  desar- 
ma o  1.»  com  um  golpe,— fere  mortalmente 
o  2.0— e  persegue  o  3.»  até  lhe  arrancar  a 
vida  pelas  costas. 

Quando  voltou  da  facção  já  o  visconde  ti- 
nha suspensa  a  medalha  que  ali  mesmo  lhe 
apresilhou. 

Terminada  a  revo]u';ão  em  30  de  junho  de 
18i7  pelo  convénio  de  Gramido,^  José  Tei- 
xeira arrancou  as  divisas  de  sargento  e  foi  , 
para  a  sua  casa,  onde  o  aguardava  saudosa  \ 
a  mulher  com  S  filhos. 


ZEZ 

o  homem  estava  onerado  com  dividas;  os 
credores  perseguiam -no— e  as  auctoridades 
avéssas  á  sua  politica,^  esquadrinhavam 
pretextos  para  o  magoarem. 

Joaquim  do  Telhado,  seu  irmão,  mantinha 
n'essa  época  as  tradições  da  familia,  saindo 
á  estrada  com  um  bando  de  populares  fo- 
ragidos á  perseguição  politica,  por  haverem 
esposado  também  a  revolução  da  junta  do 
Porto. 

José  do  Telhado,  perseguido  pelos  cre- 
dores e  pelas  auctoridades,  desconsiderado 
e  affrontado  por  todos  e  sem  pão  para  ali- 
mentar a  mulher  e  os  S  filhos  que  elle  ido- 
latrava, bateu  á  porta  de  differentes  pessoas 
pedindo  um  emprego  qualquer,  embora  dis- 
tante, mas  nada  obteve,  pelo  que  se  uniu  ao 
irmão.  O  bando  que  este  capitaneava  exul- 
tou, —  nomeando-o  logo  chefe  —  e  o  irmão 
submetteu-se. 

Estreou-se  na  noite  de  12  de  dezembro 
de  1849,  salteando  a  casa  do  rico  proprietá- 
rio Manoel  da  Costa,  da  freguezia  de  Ma- 
cieira, concelho  de  Lousada,  cujo  roubo  foi 
importante. 

Poucos  dias  depois  foi  pronunciado  com 
seu  irmão,  posto  que  este  já  o  estava  por 
outros  roubos  praticados  em  Canellas  do 
Douro,  (?)  Margaride>  Baião. 


O  salteador 

Até  aqui  foi  José  Teixeira  da  Silva  um  ho- 
mem honrado,  bom  cidadão,  bom  pae,  bom 
esposo  e  bom  visinho,  mas  por  um  triste 
conjunto  de  circumstancias  em  breve  mu- 
dou e  sentimos  tremer  a  penna  para  levar- 
mos por  diante  este  ligeiro  esboço  biogra- 
phicol . . . 


1  Com  relação  a  dieta  batalha,  ferida  en- 
tre Sa  da  Bandeira  e  o  conde  de  Casai,  ve- 
ja-se  o  artigo  Val  de  Passos,  tomo  10.°  pag. 
74,  col.  2  •  e  segg. — e  a  biographia  do  Con- 
de de  Casal  uo  &ri.  Villa  Verde,  tomo  li.» 
pag.  1:108,  col.  1.» 

2  V.  Gramido,  tomo  3.*  pag.  3i6,  col.  2.» 


Depois  da  pronuncia  resolveu  ir  para  o 
Brazil  e,  obtido  passaporte  (?)  seguiu  na  bar- 
ca Oliveira,  em  fios  de  1849. 

Esteve  no  Rio  de  Janeiro  e  em  outras 
províncias  do  Brazil,  mas,  não  podendo  sup- 
portar  as  saudades  da  esposa  e  dos  filhos, 
regressou,  e  já  em  novembro  de  1851  as- 
saltou a  casa  do  dr.  Fabrício,  como  disse- 
mos supra. 
Depois  assaltou  com  melhor  êxito  a  no- 
j  bre  casa  de  Carrapatello,  á  beira  do  Douro, 
I  na  freguezia  de  Paços  de  Gaiollo,  concelho 


1  Era  a  da  Junta  do  Porto,  em  que  tinha 
militado. 


ZEZ 


ZEZ  2149 


de  Canavezes,  cujo  roubo  montou  aproxi- 
madamente a  quarenta  mil  cruzadosll . . . 

Decorridos  3  mezes  assaltou  a  casa  de 
Domingos  Gonçalves  Camello,  do  logar  de 
Parada  lia,  concelho  de  Celorico  de  Basto, 
cujo  roubo  foi  lambem  muito  importante,-— 
e  praticou  outros  muitos.i 

Elie  tinha  a  sua  casa  e  a  sua  familia  em 
S.  Pedro  de  Rei,  concelho  de  Lousada,  mas 
o  seu  nome  e  a  sua  quadrilha  eram  o  ter- 
ror de  todo  aquelle  concelho  e  dos  de  Fel- 
gueiras, Amarante,  Penafiel,  Paços  de  Fer- 
reira, Canaveses,  Baião,  Celorico  de  Basto, 
etc. 

Todos  tremiam  ouvindo  o  nome  do  José 
do  Telhado  e  muitos  cavalheiros  das  visi- 
nhanças  o  acolhiam  e  protegiam,  para  po- 
derem viver  socegados  e  mover-se  de  um 
ponto  para  outro,  porque  elle  era  valente  e 
capaz  de  tudo,  mas  não  sanguinário  por  Ín- 
dole, como  03  Brandões  de  Midões. 

Costumava  roubar,  mas  não  matar,  nem 
praticar  outros  excessos,  nem  consentia  que 
os  seus  os  praticassem, — e  foi  sempre  res- 
peitador do  bello  sexo. 

Poucas  mortes  tez  e  todas  em  cireumstan- 
cias  anormaes,  algumas  até  certo  ponto 
desculpáveis. 


1  Na  noite  de  24  de  fevereiro  de  1859  as- 
saltou a  casa  da  Senra,  da  freguezia  de  Ju- 
queiros,  concelho  de  Felgueiras,— casa  rica, 
então  pertencente  á  sr.*  D.  Anna  Ricardina 
Ferreira  Pinto  de  Carvalho,  e,  como  lá  en- 
contrasse alguns  jornaleiros,  enfeixou  os 
n'uma  corda  como  uma  gabella  d'achas,  or- 
denando-lhes  que  estivessem  quietos.  Não  os 
feriu  nem  maltractou  e,  feito  o  roubo,  que 
foi  importante,  despediu-se  da  dona  da  ca- 
sa, pedindo-lhe  que  por  caridade  fosse  des- 
apertar os  jornaleiros  que  ficavam  emmo- 
Ihados. 

Folgava  de  entremelter  incidentes  cómicos 
nas  suas  partidas. 

Quando  se  retirava  de  Carrapatello,  deu 
um  beijo  em  uma  das  senhoras  e  pediu-lhes 
que  não  fizessem  barulho,  porque  eram  bo- 
nitas,—e  á  mulher  do  sr.  Domingos  Camel- 
lo, de  Paradella,  perguntou-lhe  de  que  lhe 
servia  o  dinheiro,  se  não  podia  comprar 
com  elle  uma  cara  mais  nova  e  menos  feia. 


Citaremos  duas: 

Estando  certa  noite  com  a  sua  quadrilha 
no  monte  denominado  Eira  dos  Mouros, 
freguezia  de  Villar  de  Torno,  concelho  de 
Lousada,!  dispondo -se  para  roubar  o  ab- 
bade  de  Louredo,  foi  cercado  e  batido  por 
um  destacamento  de  infanteria  n.°  2.  Cru- 
zaram muito  fogo  e  o  destacamento  levou-lhe 
dois  homens,  pelo  que,  para  os  libertar,  foi 
com  a  sua  quadrilha  apoz  elle.  Cercou  a  es- 
talagem onde  estavam  os  soldados;  recome- 
çou o  fogo  e  obrigou-os  a  bater  em  retirada. 

Durante  a  lucta  evadiu  se  um  dos  presos 
e  José  do  Telhado  disse  ao  outro: 

— VemI 

—Não  posso,— respondeu  elle;  —  matem- 
me,  porque  estou  sem  pernas! . . . 

Tinha  eíTectivamente  as  pernas  varadas 
por  balas. 

—Faz  o  acto  de  contricção,  —  retrucou  o 
chefe— e  depois  de  uma  breve  pausa  desfe- 
chou contra  elle,  dizendo; 

— Acabaram-se  os  teus  trabalhos  e  os 
meus  estão  em  começo.  Adeusl^ 

Outro  dia  foi  José  do  Telhado  surprehen- 
dido  com  os  seus  pelas  forças  que  andavam 
em  cata  d'elle. 

Bateu-se  como  um  beroe,  mas  teve  de  fu- 
gir, ficando  levemente  ferido;  sabendo  po- 
rem que  fora  denunciado  por  um  eompa- 
j  nheiro,  de  alcunha  José  Pequeno,  mas  ho- 
mem agigantado  e  o  mais  perigoso  da  su- 
cia, morador  na  Lixa,  José  do  Telhado  foi 
]  uma  noite  bater- lhe  á  porta,— entrou  e  dis- 
se-lhe: 

—Já  sei  que  me  atraiçoaste  e  venho  ti- 
rar-te  a  vida.  Previne-te  como  quizeres,  por 
que  um  de  nós  ha  de  morrer  aqui! 

—Ou  ambos!— disse  José  Pequeno,  lan- 
çando mão  da  faca. 

—Ou  isso,— respondeu  José  do  Telhado, 
sacando  uma  enorme  thesoara,  e  aecrescen- 
lou: 


1  V.  Villar  do  Torno,  vol.  li.»  pag.  1284, 
col.  1.» 

2  É  isto  o  que  se  lê  algures,  consta-me 
porem  que  esta  morte  não  foi  feita  pelo 
José  do  Telhado,  mas  por  um  companheiro. 


2150  ZEZ 


ZE2 


— Hei-de  corlar-le  a  lingual 

Luctaram  como  feras  e  José  do  Telhado 
recebeu  alguns  ferimentos,  mas  erivou-o  de 
facadas,  lançou-o  por  terra,  apertou- lhe  a 
garganta,  cortou-lhe  a  língua  e  retirou-se 
deixando  o  cadáver  estendido  no  chão. 

No  dia  seguinte  appareceu  na  Lixa,  abei- 
rou-se  da  multidão  que  estava  á  porta  do 
morto  e  disse: 

— Se  não  sabem  quem  matou  esse  traidor, 
— aqui  o  teemi 

E  passou  adiante,  mettendo  as  esporas  a 
um  valente  cavallo  em  que  ia  montado. 

Ninguém  o  seguiu,  já  por  medo,  já  por- 
que o  assassinado  era  o  terror  da  visinhan- 
ça.  Não  se  levantou  auto  de  corpo  de  deli- 
cio nem  esta  morte  figura  no  processo  do 
José  do  Telhado, 


Do  exposto  se  vê  que  era  homem  valente 
e  capaz  de  tudo,  mas  tinha  algumas  quali- 
dades boas. 

Era  muito  generoso  para  com  os  pobres 
—e  cavalheiro  para  com  os  cavalheiros  que 
o  protegiam. 

Quem  estivesse  nas  boas  graças  d'elle 
podia  transitar  com  toda  a  segurança  de 
noite  ou  de  dia  por  onde  lha  aprovesse  e 
dormir  a  somno  solto,  pelo  que  tinha  valio- 
sas protecções.  Era  honrado  como  o  celebre 
Chuço  de  Trancoso  e  como  elle  poupou  tam- 
bém sempre  a  visínhança.i  Além  d'isso  era 
intrépido,  muito  astuto  e  commandava  uma 
numerosa  quadrilha,  que  o  respeitava  cega- 
mente, pelo  que  dispunha  de  grande  força, 
chegando  por  vezes  a  bater-se  com  a  tropa, 
como  já  dissemos. 

Todas  as  auctoridades  da  circumvisinhan- 
ça  tinham  ordem  para  o  prender,  mas  nun- 
na  poderam  conseguir  tal,  nem  mesmo  o  sr. 
Adriano  José  de  Carvalho  e  Mello,  então  no- 
vo, intrépido,  valente  e  solteiro,  que,  sendo 
administrador  do  conselho  de  Ganavezes,  lhe 
declarou  guerra  de  morte  e  sem  tregoasl..? 


*  V.  Trancoso,  vol.  9.»  pag.  719,  col.  1." 

*  Também  foi  perseguido  a  toute  outran- 


Armou  e  organisou  militarmente  os  ca- 
bos de  todo  o  concelho  e,  collocando-se  á 
frente  d'elle8,  com  imminente  risco  da  pró- 
pria vida,  traetou  de  lhe  dar  caça. 

Perseguiu-o  muito  tempo; — comprou  al- 
guna  dos  salteadores,  entre  elles  o  tal  José 


ce  por  Antonio  Elisiário  Ribeiro  de  Sousa 
Pinto,  da  casa  de  Pereiro,  freguezia  de  S. 
Lourenço  de  Pias,  concelho  de  Lousada,  ca- 
valheiro muito  valente  e  destemido,  então 
adminislrador  do  dicto  concelho.  Com  immi- 
nente risco  de  vida  prendeu  trinta  e  sete  dos 
taes  salteadores—e  falleceu  em  1888. 

Foi  também  n'aquelle  tempo  administra- 
dor do  concelho  de  Baião  o  dr.  Valentim  de 
Faria  Mascarenhas  e  Lemos,  natural  da  po- 
voação de  Quintella,  freguezia  de  Gestaçô, 
do  dicto  concelho,  o  qual  auxiliou  podero- 
samente os  administradores  do  Marco  e  de 
I  Lousada,  pois  era  talvez  mais' enérgico  e 
mais  valente  do  que  nenhum  d'elles  e  mais 
propenso  ainda  a  perseguir  e  exterminar 
salteadores,  porque  era  filho  do  lendário 
Alexandrinhode  Quintella  (Alexandre  de  Fa- 
ria Mascarenhas  e  Lemos)  que  varreu  da 
estrada  do  Porto  os  muitos  salteadores  que 
a  infestaram  depois  de  1834,  fuzilando  al- 
guns d'elles,  o  ultimo  dos  quaes  foi  um  ho- 
mem agigantado  e  fidalgo  distiacto,  filho  do 
ultimo  capitão  mor  de  Moura  Morta. 

Era  pois  o  dr.  Valentim  não  só  muito  va- 
lente, mas  por  herança  perseguidor  de  la- 
drões;—o  irmão  mais  velho,  também  Alexan- 
dre, casou  no  Gavallinho,  freguezia  de  Gon- 
dar, concelho  d'Amarante, — foi  companhei- 
ro do  pae  na  dieta  empreza  —  e  como  elle 
terror  dos  ladrões, — e  outro  irmão,  abbade 
da  Teixeira,  foi  também  muito  valente. 

O  dr.  Valentim  encontrou  o  concelho  de 
Baião  cheio  de  malfeitores,  mas  rapidamen- 
te o  expurgou  e  acabou  cora  os  excessos  de 
toda  a  ordem,  inclusivamente  com  o  jogo; — ■ 
depois  seguiu  a  magistratura;  casou  com 
uma  senhora  de  Villa  Pieal,  D.  Rita  Valen- 
tina Lopes  Mendes  de  Faria,  irmã  do  nosso 
bom  amigo  e  distineto  escriptor  publico  An- 
tonio Lopes  Mendes,  e  sendo  juiz  de  direito, 
falleceu  ainda  novo  na  sua  quinta  da  Ave- 
leira, em  Lobrigos,  concelho  de  Santa  Mar- 
tha  de  Penaguião,  deixando  viuva  e  filhos, 
entre  elles  um,  de  nome  Sotéro,  também 
muito  valente. 

No  art.  Villa  Real  de  Traz  os  Montes,  to- 
mo 11.0  pag.  1031,  col.  2.«e  segg.  pôde  ver- 
se a  biographia  do  sr.  Antonio  Lopes  Men- 
des. 


ZEZ 


ZEZ  2151 


Pequeno; — trocaram  por  vezes  vivo  fogo  de 
pane  a  parte,  mas  nuoca  pôde  lançar-lhe  a 
mão;  moveu-lhe  porém  tão  dura  guerra,  que 
o  homem  resolveu  voltar  para  o  Brazil.i  Já 
estava  outra  vez  a  bordo  da  mesma  barca 
Oliveira,^  escondido  entre  sacos  de  bolacha, 
prestes  a  deixar  as  aguas  do  Douro,  quando 
alguns  dos  seus  o  denunciaram  e  ali  foi  pre- 
so no  dia  31  de  março  de  sende  met- 
tido  nas  cadeias  da  Relação  do  Porto. 

Ali  se  conservou  até  que,  depois  de  orga- 
nisado  o  volumoso  processo,  foi  julgado  no 
Marco  de  Canavezes  e  condemnado  a  degre- 


1  O  sr.  Adriano  José  de  Carvalho  e  Mello 
immortalisou-se  na  campanha  contra  o  José 
do  Telhado,  pelo  que  o  governo  lhe  deu  a 
commenda  da  ordem  de  Ghristo,  etc. 

Mais  tarde  organisou  a  policia  civil  no 
Porto,  da  qual  foi  muitos  annos  eommissa- 
rio  geral  distinctissimo;  era  seguida  foi  no- 
meado chefe  da  fiscalisação  aduaneira,  em 
cujo  Dosto  se  aposentou.  Vive  ainda  na  i 
actualidade,  e  solteiro,  na  sua  casa  da  fre-  | 
guezia  de  Thuias,  concelho  de  Canavezes,  i 
— e  é  irmão  do  sr.  Affonso  Joaquim  Noguei 
ra  Soares,  distincto  engenheiro,  que  teve  a  { 
seu  cargo  muitos  annos  o  pelouro  das  obras  ; 
da  barra  do  Douro— e  é  hoje  fiscal  do  go-  j 
verno  nas  obras  do  porto  de  Leixões.  ! 

São  dois  cavalheiros  de  muito  mereci-  j 
mento.  ! 

2  Vivia  e  vive  ainda  hoje  no  Porto  um  • 
negociante  e  armador  de  navios,  Bernardo 
José  Machado,  da  freguezia  de  Cerva,  conce- 
lho de  Ribeira  de  Pena,  era  Traz  os  Montes, 
o  qual,  indo  para  a  sua  terra  natal,  um  dia 
encontrou  o  Joí^é  do  Telhado  bem  vestido  e 
bera  montado,  sem  o  conhecer. 

Fizeram  jornada  os  dois  até  Amarante;  | 
palestraram  muito  com  relação  ao  grande  | 
salteador;  ali  cearam,  pernoitaram e  sedes-  | 
pediram  muito  amavelmente,  trocando  ear-  j 
tões  de  visita  —  e  só  quando  o  sr.  Machado  | 
de  manhã  pediu  comas,  soube  quem  teve  por 
companheiro,  porque  o  dono  da  hospedaria 
lhe  dis-íe  que  o  sr.  José  do  Telhado  havia 
satisfeito  a  conta. 

Ficou  o  sr.  Machado  attonito  e  penhora- 
di.s8Ímo  e,  como  o  José  do  Telhado,  passado 
pouco  ttímpo,  lhe  escrevesse  pedindo  lhe 
passagem  para  o  Brazil.  o  sr.  Machado  lh'a 
facultou  na  sua  barca  Oliveira  em  1849 — e, 
passados  10  annos,  lhe  facultou  novamente 
a  mesma  barca,  mas  não  pôde  seguir  viagem, 
porque  foi  denunciado  e  preso. 


do  perpetuo  com  trabalhos  públicos,  apesar 
dos  esforços  do  dr.  Marcellino  de  Mattos,  de 
Lamego,  então  advogado  no  Porto  e  advo- 
gado distinctissimo,  que  foi  defendel-o  por 
esmola,  gratuitamente. 


Quando  José  do  Telhado  foi  preso  e  deu 
entrada  nas  cadeias  da  Relação,  ainda  leva- 
va comsigo  600Í000  réis,  pelo  que  convidou 
o  dr.  Marcellino  de  Mattos  para  ir  defendel-o , 
ofTerecendo  lhe  50  hbras;  mas,  não  podendo 
sofrear  o  seu  animo  generoso  e,  querendo 
valer  aos  muitos  infelizes  que  estavam  n'a- 
quella  medonha  prisão,  tanto  despendeu, 
que  o  dinheiro  em  breve  se  lhe  esgotou.  E 
em  quanto  era  generoso  para  com  todos,  to- 
dos na  cadeia  o  estimavam,  mas  quando  o 
viram  na  miséria,  voltaram -lhe  as  costas. 

Para  cumulo  da  sua  desgraça,  um  preso, 
a  quem  tinha  emprestado  seis  libras,  quan- 
do José  do  Telhado,  obrigado  pela  fome,  lh'a3 
pediu,  o  tal  preso  (era  um  parricidal . . .) 
não  só  se  recusou  a  dar-lh'a'í,  mas  denun- 
eiou-o  falsamente  ao  director  da  cadeia,  ac- 
cusando-o  de  tentativa  de  fuga,  pelo  que  foi 
mettido  em  um  dos  quartos  de  malta — sem 
ar  e  sem  luz— e  ali  jazeu  bastante  tempo, 
enterrado  e  ralado  de  fome. 

O  único  amigo  que  achou  em  tão  negra 
conjunctura  e  que  de  muito  lhe  valeu  foi  o 
nosso  laureado  romancista  Camillo  Castello 
Branco,  hoje  visconde  de  Correia  Botelho, 
então  ali  preso  lambem  pelo  crime  de  adul- 
tério. Condoído  da  triste  sorte  do  grande 
salteador  d*outras  eras,  animava-o,  soecor- 
ria-o,  conversava  com  elle  e  deu-lhe  a  im- 
mortalidade  da  historia  no  seu  formoso  ro- 
mance— Memorias  do  Cárcere  —  d'onde  ex- 
irahimos  boa  parte  d'este3  apontamentos. 

José  do  Telhado  soffreu  muito  na  prisão 
e,  quando  partiu  para  o  degredo  estava  tão 
pobre,  que  pediu  a  um  companheiro  por  es- 
mola um  vintém  para  cigarros! ... 
Falleceu  na  Africa  em  i875.i 


1  O  irmão  Joaquim  homisiou-se  e  não 
mais  o  lobrigaram  até  hoje — 1889. 
Consta  que  ainda  vive. 


2152  ZEZ 


ZEZ 


Ponte  da  Ermida 

Do  ante-projecto,  officialmente  elaborado 
pelo  distincto  engenheiro  Manoel  Francisco 
de  Vargas,  extra himos  o  seguinte: 

O  taboleiro  da  ponte  fica  no  mesmo  nivel 
da  linha  férrea,  que  está  cerca  de  3  metros 
superior  ao  nivel  da  grande  cheia  de  1860 
a  maior  d'este  século,— ou  25  melros  sobre' 
o  nivel  das  aguas  normaes,  —  e  terá  de  ex- 
tensão total  cerca  de  300  metros,  com  as 
avenidas,  comprehendendo  na  margem  di- 
reita um  pontão  metallieo  de  30  metros  de 
vão  sobre  o  rio  Zêzere,  para  a  ligação  da 
ponte  com  a  estrada  real  a  maeadam  n.°  34, 
mencionada  supra  e  que  atravessa  a  paro- 
chia  de  Santa  Marinha  de  leste  a  oeste, 
pois  a  dieta  ponte  é  destinada  a  servir  a 
estação  da  Ermida  e  a  ligar  aquella  estrada 
da  margem  direita  do  Douro  com  a  estrada 
que  na  margem  esquerda  vae  de  Lamego  a 
Entre- Ambos  os  Rios  (foz  do  Tâmega)  atra- 
vessando de  leste  a  oeste  os  concelhos  de 
Lamego,  Rezende,  Sinfães  e  Castello  de 
Paiva. 

A  ponte  fica  pois  entre  a  foz  do  Zêzere, 
na  margem  direita  do  Douro,— e  a  Pedra  do 
Altar,  mencionada  supra,  na  margem  es- 
querda, a  partir  da  qual  comprehende  2 
vãos  raetallicos,  assentes  sobre  pegões  de 
granito;— 2  arcos  também  de  granito  de  14 
metros  d'abertura  cada  um,  ligados  entre  si 
por  grandes  muros  de  supporte  com  65  me- 
tros d'extensão,  terminando  a  avenida  norte 
com  o  pontão  metallieo  sobre  o  Zêzere  e 
passando  a  mencionada  avenida  entre  a  es- 
tação da  linha  férrea,  a  0.— e  o  palacete  da 
Ermida,  a  E. 

Do  exposto  se  vê  que  a  dieta  ponte  è  uma 
obra  importante  e  bastante  comphcada! . . . 


O  pegão  da  margem  esquerda  assenta  a 
meia  altura  do  Penedo  do  Altar;  —  o  tabo- 
leiro metallieo,  a  partir  do  dicto  pegão,  lera 
de  comprimento  59  metros— e  o  immediato 
49. 

Por  baixo  do  maior  d'estes  2  vãos  passa 
na  estiagem  o  Douro,  que  ali  em  aguas  nor- 


maes tem  de  largura  48  metros  e  18  de 
profundidade,  mas  na  grande  cheia  de  1860 
attingiu  270  metros  de  largura  e  40  de  al- 
tura! Subiu  pois  ali  22  melros  acima  do  ni- 
vel das  aguas  normaes,  sendo  a  corrente 
impeluosissima  e  formando  o  Penedo  do  Al- 
j  íar  uma  dorna,  sorvedouro  ou  redemoinho 
I  de  tal  ordem,  que  absorvia  os  montes  de 
lenha,  paus  e  palha,  arrastados  pela  corren- 
j  te,  e  só  volviam  a  superfície  cerca  de  300 
metros  a  jusante.  Assim  absorveu  em  eras 
remotas  a  barca  da  Ermida,  carregada  de 
povo,  desapparecendo  na  voragem,  e  do 
mesmo  modo  tem  absorvido  muitos  barcos 
rabellos  de  grande  lotação,  fazendo  milha- 
res de  viclimas.  — -  E  milhares  de  victimas 
teem  feito  os  outros  5  pontos  a  jusante  nos 
limites  d'esta  paroehía,  mencionados  supra. 

Se  ao  longo  das  margens  do  Douro,  des- 
de o  Porto  até  á  Hespanha,  se  levantassem 
tantas  cruzes,  quantas  as  viclimas  que  elle 
tem  feito,  ninguém  se  abeirava  d'elle  sem 
tremer. 


Fecharemos  este  tópico  dizendo  que  a  di- 
eta ponte  é  de  grande  utilidade  para  os  con- 
celhos de  Baião  e  Rezende  e  esperamos  que 
em  breve  se  construa,  porque  se  empenha 
em  favor  d'ella  o  sr.  dr.  Manoel  Pereira 
Dias,  cavalheiro  de  muito  valimento,  muito 
illustrado  e  muito  dedicado,  lente  de  medi- 
cina em  Coimbra,  par  do  reino,  filho  de  Re- 
zende, ali  casado  e  grande  proprietário,  che- 
fe do  partido  progressista,  etc. 

A  ponte  augmeQtará  também  o  movimen- 
to e  rendimento  da  estação  da  Ermida,  pois 
ficará  accessivel  ao  grande  concelho  de  Re- 
zende lodo  o  anno  e  a  toda  a  hora,  em- 
quanlo  que  hoje  a  passagem  do  Douro  no 
inverno  ó  diíflcil  e  perigo.sa  de  dia,  e  de  noi- 
te impraticável. 

A  pobre  estação  entalada  contra  uma  bar- 
reira medonha,  servida  por  carreiros  de 
cabras  e  separada  de  Rezende  pelas  cachoei- 
ras do  Douro,  rendeu  no  anno  ultimo  réis 
3:475^990— e  no  1."  semestre  do  corrente 
anno  de  1889  rendeu  1:979^:310  róis. 

Logo  que  se  construam  a  dieta  ponte  e  as 


ZEZ 


ZEZ  2153 


estradas  de  Baião  e  Rezende,  a  estação  deve 
render  muito  mais. 


A  linha  férrea  do  Douro  (custa  a  ererl)  é 
uma  das  nossas  lintias  de  mais  movimento, 
apesar  da  medonha  crise  que  atravessa  o 
Alto  Douro— e  de  estarem  ainda  hoje  (1889) 
<juasi  todas  as  suas  estações  como  a  da  Er- 
mida,— sem  estradas  que  lhes  dêem  aceesso 
— e  sem  pontes  que  as  liguem  á  outra  mar- 
gem. 

Das  suas  24  estações  desde  o  Juncal  até  á 
Barca  d' Alva  apenas  teem  estradas  a  ma- 
cadam  e  são  servidas  por  diligencias  as  4  es- 
tações seguintes; — Rêde,  Regoa,  Pinhão  e  Po- 
cinhOy—e  apenas  tem  ponte  sobre  o  Douro 
a  estação  da  Regoa?! . . . 

Pessoas  notáveis 

Deve  ter  produzido  muitas  pessoas  notá- 
veis esta  parochia,  porque  foi  um  viveiro  de 
nobreza  e  tem  muitas  casas  nobres  antigas, 
que  deram  grande  numero  de  pessoas  impor- 
tantes, mas  não  podemos  organisar  a  hsta, 
por  sermos  estranhos  á localidade  e  porque 
dos  filhos  d'ella,  apesar  das  nossas  instan- 
cias, apenas  obtivemos  uma  pequena  parte 
dos  apontamentos  supra.  Fica  pois  em  bran- 
co este  tópico,  mas  não  se  queixem. 

Sibi  imputentl . . . 

Apenas  apontaremos  as  pessoas  já  indica- 
das: 

— José  Máximo  Pinto  da  Fonseca  Rangel, 
da  casa  de  Guimarães. 

— O  rev.  Salvador  Coutinho  da  Cunha. 

— Carlos  Candido  da  Cunha  Coutinho. 

—Carlos  Maria  da  Cunha  Coutinho  e 

— ^Dr.  Francisco  da  Cunha  Coutinho,  das 
Casas  Novas. 

-—Os  conselheiros  do  supremo  tribunal 
de  justiça: 

— Manoel  d' Almeida  Carvalhaes  e 

—Luiz  de  Sequeira  d'Almeida  Carva- 
lhaes, da  casa  de  Travanca. 

—O  dr.  Antonio  Fabrício  Lope»  Monteiro, 
de  Cadeade. 

— Dr.  Antonio  Camillo  d'Almeida  Carva- 
lho, da  casa  da  Ermida. 


— br.  Antonio  d'Almeida  e  Silva  e 

— Guilherme  d'Almeida  e  Silva,  da  casa 

do  Ervedal. 
— Francisco  Ribeiro  Pinto  da  Fonseca,  dos 

Araes. 

— Francisco  Ribeiro  da  Silva,  dono  actual 
da  quinta  de  Guimarães  e  d'outras. 

Grande  capitalista  brazileiro. 

— Manoel  Antonio  d'Amorim,  residente  em 
Lisboa,  mas  natural  da  povoação  do  Barrei- 
ro,  d'esta  parochia  de  Santa  Marinha. 

Fai  negociante  no  Pará  e  é  também  gran- 
de capitalista. 

— Joanna  Thereza,  mãe  ou  avó  do  ante- 
cedente. 

Nasceu  na  dieta  povoação  do  Barreiro  e 
n'ella  falleeeu,  contando  113  annos  de 
idade. 

— Padre  Joaquim  Alves  d'Azeredo  Lobo, 
da  familia  Azeredo-Lobo,  de  S.  Pedro,  filho 
de  Francisco  Joaquim  Tavares,  de  Rezende, 
e  áô  D.  Maria  Leonor  da  CuQha  Lobo,  de 
S.  Pedro,  irmã  do  dr.  Bernardo  José  Mon- 
teiro d'Azeredo  Lobo  e  filha  d'outro  Bernar- 
do José  Menteiro  d'Azeredo  Lobo  e  de  sua 
mulher  D,  Anna  Rita  da  Cunha,  todos  da 
dieta  povoação  de  S.  Pedro,  freguezia  de 
Santa  Marinha,  parentes  de  D.  Lourença  do 
Carmo  Magalhães  e  Menezes,  ultima  repre- 
sentante da  nobre  e  antiga  casa  e  quinta  de 
Gosende,  na  freguezia  de  Gove, — e  também 
parentes  da  nobre  familia  Azeredo  Lobo,  da 
antiga  casa  da  Picota,  de  Mesãofrio,  etc. 


O  rev.  Joaquim  Alves  d'Azeredo  Lobo  foi 
um  presbytero  de  bons  costumes,  muito  il- 
lustrado,  muito  sympathíco,  distincto  ama- 
dor de  musica  e  de  mecânica.  Tocava  mui- 
tos instrumentos,  sendo  notável  em  violino 
e,  sem  aprendisagem,  afinava  e  concertava 
órgãos  e  pianos  e  construía  pianos  e  rebo- 
cas. 

Tinha  muito  talento  e  muito  merecimen- 
to, mas  falleeeu  no  vigor  da  idade,  deixan- 
do vivas  saudades  aos  seus  e  aos  estranhos. 

Nasceu  na  dieta  casa  de  S.  Pedra  a  22  de 
março  de  1828;— ordenou  se  no  Porto,  onde 
se  tornou  notável  como  estudante  e  amador 


2154  *ZEZ 


ZEZ 


de  musica,  pois  íoi  l.«  violino  na  musica  da 
Capella  Canedo.  Depois  embarcou  para  o 
Rio  de  Janeiro,  onde  foi  muito  estimado  e 
deu  um  beneficio,  tocando  rebeca.  D'ali  foi 
para  a  cidade  de  Serro-Frio  exercer  as  suas 
ordens  e  leccionar  musica.  Tal  era  o  pres- 
tigio do  seu  nome,  que  muitos  habitan.esda 
cidade  o  foram  esperar  a  distancia  cora  uma 
banda  marcial  e  o  receberam  em  triumpho, 
lançando-lhe  flores  e  coroas. 

Teve  muitos  discípulos  e  discípulas  e,  co- 
mo ali  faltassem  pianos,  por  ser  muito^ifiB- 
cil  o  transporte,  elle  tractou  de  escolher  ma- 
deira e  poz  em  consirueção  5  pianos,  mas 
só  concluiu  3,  porque  a  morte  o  arrebatou 
em  abril  de  1868,  quando  prefazia  39  annos 
de  idade  e  a  fortuna  mais  lhe  sorria. 

Teve  dois  irmãos— José  e  Bernardo.  O 
José  foi  também  distincto  amador  de  musi 
ca.  Tocava,  concertava  e  afinava  órgãos  e 
pianos,  ete.  e  falleceu  solteiro. 

Vive  ainda  o  3."  irmão  —  Bernardo  José 
d'Az€redo  Lobo,  excellente  pessoa  e  que  foi 
um  dos  homens  mais  valentes  de  Baião. 

Nasceu  no  dia  7  de  novembro  de  1823; 
por  morte  de  seus  irmãos,  tios  e  paeH  ficou 
senhor  de  Ioda  a  casa  e  em  iO  de  novembro 
de  1881  casou  na  freguezia  de  Riodades, 
concelho  de  S.  João  da  Pesqueira,  com  D. 
Maria  dos  Prazeres  Azevedo  Pinto  de  Mes- 
quita, filha  de  Alexandre  de  Azevedo  Mene- 
zes Pimentel  Botelho  Sarmento,  represen- 
tante de  uma  das  mais  nobres  famílias  da 
Beira,— 6  de  D.  Anna  Amália  Pinto  de  Mes- 
quita Carvalho,  da  nobre  casa  Pintos  Mes- 
quitas,  de  Villa  Verde,  em  Lousada.' 

Do  consorcio  de  Bernardo  d'Azeredo  com 
D.  Maria  dos  Prazeres,  existem  os  filhos  se- 
guintes: 

— Adriano,  que  nasceu  em  30  de  março 
de  1887,  6 

-^Alexandre,  que  nasceu  em  16  de  mar- 
ço de  1888. 


>  V.  Riodades,  tomo  8.»  pag.  192,  col.  l.« 
e  Villa  Verde,  aldeia,  tomo  11.»  pag.  1087, 
col.  1.*  e  segg. 


Casa  do  Adro,  na  mesma  aldeia  de  S.  Pedro 

Esta  casa  representa  muitos  doutores  e 
bacharéis  formados  em  diversa»  faculdades, 
nomeadamente  em  medicina,  como  vae  ver- 
se do  extracto  de  uma  arvore  genealógica 
ms.,  que  temos  presente,  feita  em  1731. 
)  Manoel  do  Rego,  da  villa  de  Amarante, 
irmão  ou  parente  próximo  de  D.  Fr.  Gon- 
çalo do  Rego  e  Cunha,  thesoureiro  mór  da 
eollesiada  de  Leça  (?)  doutor  em  theologia 
e  em  ambos  os  direitos,  canónico  e  civil, 
pela  Universidade  de  Roma,  com  se  vê  das 
suas  cartas  de  formatura,  que  temos  pre- 
sentes, com  data  de  1695. 

Manuel  do  Rego  casou  com  Isabel  Fran- 
cisca, da  mesma  villa  d'Amarante,  e  entre 
outros  filhos  liveram: 

2.  "  Dr.  Manoel  de  Meirelles,  bacharel  for- 
mado em  medicina. 

Casou  em  Coimbra,  na  rua  dos  Estudos, 
com  Antónia  da  Silva,  e  entre  outros  filhos 
tiveram; 

—Marianna  da  Silva,  que  segue; 

— José,  que  foi  também  medico  e  morreu 
solteiro; 

— João,  que  foi  simples  presbytero; 

— Dr.  D.  Antonio  de  Meirelles  e  Silva. 

Foi  reitor  na  egreja  de  S.  Martinho  de 
Aldoar,  concelho  de  Bouças,  cavalleiro  pro- 
fesso da  ordem  de  Malta,  juiz  dos  casamen- 
tos e  vigário  geral  da  mesma  ordem,  etc. 

Obteve  o  grau  de  dr.  em  direito  canónico 
e  civil  pela  Universidade  de  Roma  em  1701. 
como  se  vé  das  cartas  de  formatura,  que  te- 
nho presentes. 

—D.  Fr.  Alberto  da  Silva,  franciscano. 

Foi  bispo  de  Goa,  etc. 

3.  »  Marianna  da  Silva. 

Casou  na  villa  de  Amarante  com  o  dr. 
Manoel  Moreira  Teixeira,  medico,  natural  da 
freguezia  de  Tellòes,  do  mesmo  concelho,  o 
qual  exerceu  a  clinica  em  Barcellos  pelos 
annos  de  1720,  depois  de  casado,  e  escreveu 
varias  obras,  que  talvez  não  fossem  publica- 
das, pois  Innocencio  não  as  indica. 

Foi  medico  muito  distincto,  como  diz  Braz 
Luiz  d' Abreu  no  Portugal  Medico,  pag.  53, 
dando-lhe  o  epitheto  de  consumado. 

Entre  outros  filhos  tiveram: 


ZEZ 


ZEZ  2155 


—Francisco  Moreira,  que  segue; 
—Afíonso,  frade  bernardo,  e 
— Maria  José,  freira. 

4.  » — Dr.  Francisco  Moreira  da  Silva, 
também  medico,  etc. 

Casou  oa  casa  da  Granja,  d'esta  parochia 
de  Santa  Marinha,  com  D.  Rosa  Maria  de 
Moura  Coutinho;  viveu  na  casa  da  Granja  e 
tiveram  entre  outros  os  filhos  seguintes: 

—João,  que  segue; 

—Manoel  e 

—Francisco,  presbyteros. 

5.  " — Dr.  João  Carlos  Moreira,  também 
medico,  formado  por  Coimbra  em  1754,  co- 
mo se  vé  das  cartas  de  formatura  que  tenho 
prezentes.V 

Casou  com  D.  Josepha  Margarida  Carnei- 
ro Coutinho,  da  casa  do  Adro,  onde  viveu,  e 
tiveram  entre  ouiros  filhos  os  seguintes: 

— Antonio,  que  segue,  e 

— Dr.  Manoel  Joaquim  Moreira  Coutinho, 
que  nasceu  na  freguezia  de  Gatão,  concelho 
d' Amarante,  a  2&  de  janeiro  de  1781,2  mas 
desde  tenra  idade  viveu  com  seus  paes  na 
casa  do  Adro  e  d'ahi  foi  educado  e  se  for- 
mou em  medicina  na  Universidade  de  Coim- 
bra. 

Era  muito  illustrado,  excellente  pessoa 
e  clinico  distinctissimo;  foi  deputado  pro- 
vincial, soeio  correspondente  da  Sociedade 
das  scienciaa  medicas  de  Lisboa  e  director 
do  hospital  militar  estabelecido  em  Lamego 
no  tempo  da  guerra  da  península;  depois 
montou  e  dirigiu  em  Jugueiros,  junto  da 
Regoa,  um  hospital-barraca,  ondo  salvou 
muitos  doentes^  exercendo  ao  mesmo  tempo 
a  clinica  na  parochia  de  Santa  Marinha  do 
Zêzere,  onde  ia  dar  consultas  grátis  todas 
as  semanas. 

Foi  culpado  como  liberal  em  1820  e  1828, 
mas  nunca  o  prenderam,  porque  precisavam 
<i'elle. 


1  Oriundus  ex  oppido  de  Santa  Marinha 
4o  Zêzere,— àizem  ellas. 

'  In  Qj^ido  S.  Joannis  de  Gatão,  —  dizem 
as  suas  cartas  de  formatura  que  temos  pre- 
zentes,  com  data  de  1807  e  que  lhe  dão  sim- 
plesmente o  nome  de  Manoel  Joaquim  Mo- 
reira. 


Também  exerceu  a  clinica  no  Porto,  onde 
falleceu  solteiro  e  sem  successão,  a  21  de 
janeiro  de  1848. 

D'elle  falia  o  sr.  Francisco  Antonio  Ro- 
dri^Mies  de  Gusmão  nas  suas  Memorias  bio- 
grapkicas  dos  Médicos  e  cirurgiões  portugue- 
zes,  pag.  138,  e  o  Diccion.  Bibi.  delonocen- 
cio,  que  indica  as  obras  por  elle  publica- 
das. Apenas  accrescentaremos  que  a  Memo- 
ria relativa  ao  Douro  e  impressa  em  Paris 
no  anno  de  1819  não  foi  distribuída,  mas  a 
pedido  nosso  vae  agora  distribuir-se  pelas 
bibliothecas  publicas,  etc.  pois  ainda  existem 
mais  de  100  exemplares  da  dieta  Memoria 
na  casando  Adro,  boje  do  seu  sobrinho  e 
representante  Anastácio  Thomaz  Moreira 
Coutinho,  do  qual  adiante  faliaremos. 

A  dieta  memoria  impressa  em  Paris,  in- 
titula-se: — Primeiros  ensaios  para  o  exame 
imparcial  da  questão,  por  todos  suscitada,  e 
por  quasi  ninguém  examinada  se  a  Compa- 
nhia Geral  da  agricultura  das  vinhas  do  Alto 
Douro  he  ou  não  util  que  exista?—  offereci- 
dos  aos  lavradores  do  Alto  Douro  para  os 
convidar  a  reflectir,  ou  para  os  chamar  ao 
verdadeiro  conhecimento  das  seus  inter eS' 
ses  coloniaes — por 

M.  J.  M.  C.  E.  P.  B.  F.  E.  M.  P.  U.  D.  C. 
E. 

M.  D.  P.  D.  G.  (?) 
Paris 

Na  Ofpcina  de  A.  Bobée.—S"  de  118  pag. 

Não  tem  data  e  talvez  fosse  impressa  no 
anno  de  1819,  mas  com  certeza  foi  escrlpta 
no  anno  de  1817,  porque  a  pag.  37,  segun- 
do se  lé  no  exemplar  que  temos  presente, 
diz: 

t  Assim  mesmo  má,  como  he  agora  a 
agoa- ardente,  que  a  Companhia  nos  vende, 
muitas  vezes  a  não  vende  por  não  a  ter. 
Acontece,  que  o  anno  mesmo,  em  que  esta- 
mos, he  hum  dos  exemplos  d'esta  verdade. 
Foi  o  anno  de  1816  tão  abundante  de  vi- 
nhos, que  foi  necessário  fazer  huma  grande 
separação.  Com  tudo  no  anno  presente  de 
1817  não  se  vendeu  agoa-ardente  aos  lavra- 
dores, que  a  procuravão;  respondia-se-lhes, 
que  a  não  havia,  apesar  de  ser  este  o  anno 


2156  ZEZ 

em  que  os  vinhos  precisarão  mais  q(ie  nun- 
ca de  agoa-ardente.» 

Do  expo*8to  se  vé  que  a  dieta  memoria 
foi  escripta  em  1817. 

Visa  a  pedir  a  extincção  da  poderosa 
companhia,  aponta  muitos  inconvenientes, 
abusos  e  prepotências  d'ella  —  e  no  trecho 
citado  ÍD8urge-se  contra  o  exclusivo  da  fa- 
bricação e  venda  da  agoa-ardente,  dizendo 
que  a  da  companhia  era  pouca  e  mál 

Que  diria  o  auetor,  se  visse  a  nossa  agoa- 
ardente  de  hoje,  toda  ou  quasi  toda  feita  de 
cereaes,  de  figos  e  d'outras  porcarias,— gra- 
ças à  liberdade  da  mixordia  e  à  extincção 
da  mencionada  companhia? 

O  auetor  clamava  também  contra  a  com- 
panhia, dizendo  que  ella  era  o  ludibrio  e  a 
desgraça  do  Douro,  mas,  extincta  a  compa- 
nhia, o  Douro  bem  mais  ludibriado  e  des- 
graçado ficoul . . . 

Em  1821  publicou  também  o  auetor  da 
citada  memoria  um  folheto  do  mesmo  for- 
mato com  3o  paginas  e  o  titulo  seguinte: 

*Supplemento  á  memoria — Primeiros  en- 
saios para  o  exame  imparcial,*  etc,  —  im- 
pressa em  Parts.  —  Em  o  qual  se  propõe 
como  util  que  a  Companhia  Geral  da  Agri- 
cultura das  Vinhas  do  Alto  Douro,  refor- 
mada, e  apropriada  ao  actual  systema  de 
Governo,^  seja  conservada  até  que  o  com- 
mercio  dos  vinhos  do  Douro,  livre  do  em- 
pate em  que  se  acha,  adquira  a  direcção,  e 
extensão  que  deve  ter:  contendo  juntamente 
hum  plano  de  reforma,  que  talvez  satisfa- 
ça aos  fins  desejados. — Composto  pelo  mes- 
mo auetor  da  dita  Memoria. 

M.  J.  M. 

Lisboa,  na  typographia  Rollandiana.  — 
i821.* 


1  O  texto  áh— imperial. 
Foi  erro  typographico. 
*  Refere-se  á  implantação  do  governo 
constitucional. 


ZEZ 

I  N'esta  data  oíferecemos  á 

Bibliotheca  Publica  Municipal 
do  Porto  e  á  de  Lisboa  exem- 
plares da  dieta  Memoria  e  do 
Supplemento,  publicações  in- 
teressantes com  relação  á  ex- 
tincta companhia  e  que  ja- 
zeram até  hoje  em  Baião, 
encerradas  no  espolio  do  au- 
etor. 
Prosigamos. 

6.  " — Antonio  Thomaz  Moreira  Coutinho, 
dono  da  casa  do  Adro,  onde  viveu. 

Casou  com  D.  Antónia  Delfina  Mo- 
reira Coutinho  e  entre  outros  filhos  tive- 
ram: 

7.  " — Anastácio  Thomaz  Moreira  Coutinho, 
representante  e  dono  actual  da  casa  do  Adro, 
onde  vive. 

Casou  na  freguezia  de  S.  Thomé  de  Co- 
vellas  com  D.  Maria  da  Purificação  Costa, 
filha  de  Francisco  Dâmaso  da  Costa,  cirur- 
gião de  divisão  effectivo,  e  de  D.  Francisca 
Rosa  dos  Santos  Costa-,  da  cidade  de  Porta- 
legre,— sendo  elle  filho  do  medico  Francisco 
José  da  Costa. 

Teem  os  filhos  seguintes,  todos  ainda  sol- 
teiros: 

— Abilio,  qiie  nasceu  na  freguezia  de 
S.  Thomó  de  Covellas  a  2  d'outubro  de 
1868; 

— Elvira,  que  nasceu  a  8  de  janeiro  de 
1870; 

—Cacilda,  que  nasceu  a  10  de  março  de 
1873,  e 

— Arthur,  que  nasceu  em  agosto  de 
1874. 

Estes  ultimes  3  nasceram  m  casa  do 
Adro. 

Do  exposto  se  vê  que  esta  casa  repre- 
senta nada  menos  de  8  médicos,  2  douto- 
res pela  Universidade  de  Roma,  1  distin- 
cto  escriptor  publico  e  1  arcebispo  de 
Goa. 

ZÊZERE  (castello  do)— freguezia  de  Paio 
Pelle. 

V.  Almourol,  Castello  do  Zêzere,  Paio  Pel- 
le e  Zêzere,  villa,  infra. 

ZÊZERE  (Ferreira  do)^freguezia,  villa  e 
concelho,  já  descriptos. 


ZEZ 


ZEZ  2157 


V.  Ferreira  do  Zêzere,  tomo  3.'  pag.  174, 
col.  2.*  e  segg.i 

ZÊZERE — rio  de  Baião,  na  proviocia  do 
Douro. 

V.  Zêzere  (Santa  Marinha  do)  —  freguezia 
do  concelho  e  comarca  de  Baião,  distrícto  e 
diocese  do  Porto. 

ZÊZERE  —rio  da  Estremadura,  Beira  Bai- 
xa e  Bouro,^  confluente  do  Tejo. 

É  este  um  dos  rios  maiores  e  mais  inte- 
ressaates  do  nosso  paiz,  já  pelo  seu  nasci- 
mento na  lendária  região  dos  Cântaros, 
dentro  da  Serra  da  Estrella,  já  pelo  seu  lon- 
go curso  de  mais  de  200  kilometrosjá  pela 
fragosidade  e  asperesa  das  suas  margens, 
pois  corre  quasi  sempre  fundo  por  entre 
medonha  penedia  abrupta,  accessivel  somen- 
te às  aves  e  onde  fazem  criação  os  bufos, 
águias,  ujos  e  abulresi 

Todas  as  nossas  geographias  e  chrorogra- 
phias  faliam  do  Zêzere,  mas  muito  summa- 
ríamente,  porque  não  tem  estrada  alguma  < 
marginal  e  talvez  que  até  hoje  ninguém  o 
visse  todo  desde  os  Cântaros  até  o  Tejo.  Nós 
também  apenas  o  vimos  na  sua  foz  e  desde 
os  Cântaros  até  às  proximidades  de  Bel- 
monte; vejamos  porem  se  podemos  adiantar 
mais  alguma  coisa  do  que  os  geogi'apho3  e 
chorographos  que  nos  precederam. 


Nasce  no  Chafariz  d'El-Rei,  entre  o  pla- 
nalto da  Expedição  Scientiflca  de  1881,  a  S. 
e  a  torre  (pyramide)  da  Estrella,  a  N.,  no 


1  Rectificaremos  e  ampliaremos  considera- 
velmente este  art.  Ferreira  do  Zêzere  no 
supplemento  a  este  diccionario,  se  Deus  nos 
der  vida  e  elle  ainda  estiver  a  nosso  cargo. 
Não  o  rectificamos  e  ampliamos  agora,  para 
não  abusarmos  da  paciência  dos  leitores  e 
dos  editores,  que  estão  fatigados  e  anciosos 
por  ver  concluído  este  diccionario  —  e  não 
menos  ancioso,  nem  menos  fatigado  estou 
eu\... 

*  Não  se  espantem,  porque  o  Zêzere  ba- 
nha o  concelho  da  Pampilhosa,  que  perten- 
ce ao  districto  de  Coimbra,  província  do 
Douro. 

TOLUMB  XI 


centro  da  grande  serra  d'esle  nome;  recebe 
depois  na  margem  esquerda  (N;  O.)  a  agua 
dos  Cântaros,  das  lagoas  da  Salgadeira  e 
Paxão  e  da  nave  da  Candieira;^  aecentiia 
no  fim  d'esta  nave  o  seu  leito  e  caminha  de 
S  S.O.  a  N.N.E.  quasi  era  linha  recta  por 
uma  estreita  e  fanda  ravina  d'âlta  penedia 
abrupta  e  medonha  atéà  villade  Manteigas, 
(margem  esquerda)  distante  do  Chafariz 
d"El'Rei  cerca  de  10  kilometros  contados 
em  recta  sobre  o  mappa,  mas  o  caminho 
(carreiro  de  cabras  atravez  da  serra)  dá  taes 
voltas,  que  o  percurso  é  talvez  superior  a 
15  kilometros. 

Em  Manteigas  recebe  na  margem  esquer- 
da um  regato  que  vem  do  Chão  das  Barcas 
pelo  valle  das  Carvalheiras/  correndo  muito 
precipitadamente  e  quasi  a  prumo  de  N.  a 
S.  e  que  banha,  atravessa  e  aterra  a  villa. 

O  planalto  de  Chão  das  Barcas  é  o  l." 
que  se  encontra  subindo  de  Manteigas  con- 
tra a  serra.  Dista  da  margem  esquerda  do 
Zêzere,  um  pouco  a  jusante  de  Manteigas, 
2:500  metros,  mareando  porem  ali  o  Zêzere 
(a  Capella  de' Santo  Antonio)  718  metros  de 
altitude  sobre  o  nivel  do  mar,  o  dieto  Chão 
das  Barcas  tem  a  cota  de  1:352  metros  de 
aliitude.3  Está  pois  superior  ao  leito  do  Zê- 
zere 600  metros— e  à  villa  cerca  de  500  me- 
lros, pelo.  que  em  tempo  de  trovoadas,  ou  de 
de.ogelo  e  grandes  chuvas,  o  dito  ribeiro  en- 
grossa e  despenha-se  sobre  o  Zêzere,  atra- 
vessando a  villa  e  levando  por  vezes  d'en- 
volta  na  torrente  arvores,  penedos,  casas  e 
campos,  como  levou  ainda  na  1.*  metade 
d'este  século. 


1  Logo  daremos  uma  ligeira  noticia  da 
Expedição,  da  serra  da  Estrella  e  dos  sitios 
mencionados. 

2  Antes  de  receber  este  regato,  recebe  ou- 
tros mais  pequenos,  de  que  logo  faremos 
menção. 

3  Todas  as  cotas  d'altitude  que  indicar- 
mos referem-se  ao  nivel  do  mar  e  são  exa- 
ctissimas,  exirahidas  dos  excellentes  map- 
pas  da  nossa  commissão  geodésica. 

As  distancias  são  aproximadas  e  compu- 
tadas em  recta  sobre  os  dictos  mappas. 

136 


2158  ZEZ 


ZEZ 


No  dia  27  d'agosto  de  1804  uma  medonha 
trovoada  arrasou  27  casas  e  matou  27  pes- 
soas;—em  19  de  setembro  de  1818  levou  3 
pontes  e  uma  casa.--e  outra  enchente  pos- 
terior (ignoramos  a  data)  causou  também 
grandes  prejuízos. 

O  diclo  valle  tomou  o  nome  das  carva- 
lheiras seculares  que  o  povoam,  pertencen- 
tes ao  município  e  que  foram  plantadas 
para  ampararem  a  terra  e  os  penedos  da 
encosta  e  protegerem  a  villa.  D'esta  sobe 
até  o  Chão  das  Barcas  uma  medonha  e  an- 
tiga estrada  por  entre  as  carvalheiras,  tão 
Íngreme,  que  faz  tremerl  Parece  uma  esca- 
da lançada  contra  o  eeu.  A  custo  se  pôde 
subir  por  ella  a  cavallo,  como  nós  subimos 
na  tarde  de  4  d'agosto  de  1881  com  a  Expe- 
dição Scientiflea.^ 

Não  ha  memoria  de  ter  passado  ali  cavai- 
gata  mais  imponente,  pois  entre  bagageiras 
e  cavalgaduras  de  sella  comprehendia  talvez 
60  e  o  pessoal  subia  ao  triplo.  Tomava  toda 
a  encosta  e  ofTerecia  um  aspecto  phantasli- 
co,  estranhO;,  pois  de  qualquer  dos  laeetes 
se  descobria  o  comboio  todo  serpeando  em 
moroso  e  alegre  movimento  e  a  villa  sem 
horisonte,  enterrada  lá  no  fundo  em  uma 
cova  cerca  de  SOO  metros  mais  baixa  do 
que  os  antemuraes  da  grande  serra,  distan- 
tes 2  a  3  kilometros^  pelo  que  a  villa  é  ar- 
dentíssima no  verão.  Parece  uma  fornalha 
candentel 

Nòs  chegámos  ali  com  a  Expedição  às  10 
horas  da  manhã.  Foi-nos  servido  um  esplen- 
dido almoço,  preparado  d'ante-mão.  Termi- 
nou ao  meio  dia  e,  como  a  Expedição  re- 
solvesse partir  para  o  acampamento  ás  6 


1  Nós  tivemos  a  honra  de  acompanhar  a 
dieta  Expedição,  —  não  como  vogal  d'ella, 
mas  como  representante  e  repórter  do  Dis- 
tricto  da  Guarda  e  do  Commercio  Porlugtiez. 
N'este  ultimo  jornal,  um  dos  primeiros  do 
Porto,  pôde  ver-se  na  collecção  do  mez  de 
agosto  do  dicto  anno  uma  serie  de  longas 
cartas,  enviadas  por  nós  do  acampamento. 


horas  da  tarde,  eu  e  o  meu  amigo  Lopes 
Mendes  tentámos  ir  ver  as  celebres  caldas  de 
Manteigas,  distantes  da  villa  apenas  1:500 
metros  e  que  demoram  no  leito  do  Zêzere. 
Ainda  chegámos  ao  fundo  da  villa,  mas  não 
nos  atrevemos  a  passar  d'ali,  porque  o  ar 
parecia  fògol. 

Ê  tal  a  diflTerença  d'exposição,  d'aUitude 
e  de  clima  entre  a  villa  e  os  ante  muraes  da 
serra,  que  estes  apenas  produzem  no  verão 
gervum  para  o  gado  lanígero,  emquanto  que 
o  terreno  em  volta  da  villa  é  mimoso  e  fér- 
til. Tem  bons  campos  de  milho,  bons  poma- 
res de  fructa,  bons  olivaes,  soutos  de  casta- 
nheiros e  grandes  vinhedos,  hoje  também 
muito  doentes  e  prestes  a  extinguirem-se, 
como  todos  os  de  Portugal  e  da  Europa. 

Tristis  est!.  ..^ 

Prosigamos. 


O  Zêzere,  deixando  Manteigas,  descreve 
uma  curva  para  S.  até  receber  na  margem 
direita  um  ribeiro  que  vem  do  Cabeço  do 
Souto,  na  altitude  de  1283  melros;  depois 
retoma  a  direcção  geral  S.O.  —  N.E.;  passa 
a  jusante  e  pouco  distante  da  povoação  e 
freguezia  do  Sameiro  (margem  esquerda) 
concelho  de  Manteigas,  e  que  demora  na  al- 
titude de  656  metros;  recebe  ali  um  ribeiro 
que  vem  do  Corredor  dos  mouros,  planalto 
que  demora  a  N.  com  a  altitude  de  1299 
metros;  vae  na  mesma  direcção  S.O.— N.E. 
até  Val  de  Moreira,  margem  esquerda;2de- 


1  Os  vinhedos  de  Manteigas  no  ultimo  an- 
no produziram  apenas  1:200  almudes  de 
vinho,  mas  já  produziram  8:000. 

2  Por  este  valle  fugiu  alta  noite  em  feve- 
reiro de  1847  o  general  Povoas,  estando 
cercado  em  Manteigas  pelas  tropas  dos  ge- 
neraes  Lapa  e  Solla  e  pelo  batalhão  de  vo- 
luntários dos  Marçaes  de  Foscôa,  que  o  per- 
seguiam e  tentavam  apanhal-o,  quando  elle 
ia  apresentar-se  á  junta  do  Porto  com  al- 
guns voluntários,  ainda  sem  armamento  nem 
equipamento.  Foi  uma  das  manobras  mais 
felizes  do  velho  general. 

V.  Guarda,  Lamego  e  Vèlla,  D'este  diecio- 
nario  e  no  supplemento. 


ZEZ 


ZEZ  2159 


pois  descreve  outra  curva  para  S.;  forma 
um  angulo  agudo;  recebe  no  vértice  do  an- 
gulo (margem  direita)  um  ribeiro  de  ISl^il. 
de  curso,  que  vem  do  alto  dos  Poios  Bran- 
cos (altitude  1702  metros)  junto  dos  Canta- 
rosi  e  banha  a  povoação  e  freguezia  de  Ver- 
delhos  (margem  esquerda)  concelho  da  Co- 
vilhã (altitude  S80  metros)  tendo  passado 
a  N.O.  do  curuto  de  Villa  de  Mouros  (alti- 
tude 1250  metros). 

O  Zêzere,  depois  de  receber  o  dicto  ribei- 
ro, volve  a  N.  retomando  a  direcção  geral 
S.O.— N.E.  até  Valhelhas,  margem  esquerda, 
onde  recebe  um  ribeiro  de  8  kil.  de  curso, 
que  vem  da  altitude  de  1140  metros  e  ba- 
nha o  povo  e  freguezia  de  Famalicão,  per- 
tencente ao  concelho  da  Guarda,  bem  como 
Valhelhas,  terra  antiquíssima,  outr'ora  acas- 
tellada,  e  que  demora  na  confluência  da  di- 
eta ribeira  com  o  Zêzere. 

Depois  toma  a  direcção  N.O. — S.E.  até  às 
proximidades  de  Belmonte  e  antes  de  che- 
gar ali  recebe  na  margem  esquerda  um 
braço  importante,  que  vem  das  proximida- 
des da  Guarda;  tem  15  kil.  de  curso,  e  ba- 
nha as  freguezias  d'Aldeia  do  Bispo,  Ra- 
mella  e  Vella,  hem  como  as  povoações  de 
Vendas  de  Gaia  e  Gaia,  onde  passa  a  nova 
estrada  real  a  macadam  da  Guarda  a  Cas- 
tello Branco,  por  Belmonte  e  Covilhã. 


O  Zêzere,  depois  de  receber  o  dicto  ri- 
beiro, que  por  seu  turno  é  formado  por  dif- 
ferentes  ribeiros,  toma  a  direcção  geral 
N.E.—S.O.;  — banha  na  margem  esquerda 
íis  povoações  e  freguezias  de  Belmonte,  Ca- 


1  Os  Poios  Brancos  distam  do  Zêzere 
(margem  direita)  2  kílometros  para  S.  E.; 
4  do  Cântaro  Magro  para  E.  —  e  5  da  Es- 
trella para  E.  S.  E.,  mas  tão  fundas,  esca- 
brosas e  medonhas  ravinas  se  meltem  de 
permeiO;,  que  fazem  subir  aquellas  distan- 
cias ao  duplo  ou  triplo. 

O  percurso  dos  5  kil.  (recta)  entre  os 
Poios  Brancos  e  a  Estrella  demanda  3  ho- 
ras de  marcha  fatiganiissima! 


ria.  Ferro,  Alçaria,  Silvares,  Barroca,  Ja- 
neiro de  Cima,  Bogas  de  Baixo,  Orvalho,  Al- 
varo,i  Pedrogam  Pequeno,  Souto,  Martinxel, 
Aldeia  do  Matto  e  Constança,  —  e  na  mar- 
gem direita  as  povoações  e  freguezias  de 
Orjaes,  Boi  d'Obra,  Dominguiso,  Peso,  Bar- 
co, Ourondo,  Bodelhão/  Carregal,  Janeiro 
de  Baixo,  Cambas,  Alvares,  Pedrogam 
Grande,  Figueiró  dos  Vinhos,  Arêga,  fre- 
guezia de  Figueiró  dos  Vinhos,  Becco,  Bor- 
nes, Paio  Mendes,  Aguas  Bellas,  Ferreira 
do  Zêzere,  Serra,  Beberriqueira  e  Asseicei- 
ra, desaguando  com  mais  de  40  legoas  ou 
de  200  kilometros  de  curso  junto  da  villa  de 
Constança,  na  margem  direita  do  Tejo. 

fi  — 

Do  exposto  se  vô  que  o  Zêzere  é  um  rio 
muito  importante. 

Banha  3  províncias:— Douro,  Beira  Baixa 
e  Estremadura;  4  bispados:— Guarda,  Por- 
talegre, Coimbra  e  Lisboa ;  5  districtos  :  — 
Guarda,  Castello  Branco,  Santarém,  Coim- 
bra e  Leiria  ;  17  concelhos  :  —  Manteigas, 
Guarda,  Belmonte,  Fundão,  Oleiros,  Certa, 
Villa  de  Rei,  Abrantes  e  Constança,  na  mar- 
gem esquerda;— na  direita:  Covilhã,  Pam- 
pilhosa, Goes.s  Pedrogam  Grande,  Figueiró 
dos  Vinhos,  Ferreira  do  Zêzere,  Thomar*  e 
Villa  Nova  da  Barquinha.^ 


1  Esta  freguezia  demora  na  margem  es- 
querda do  Zêzere,  concelho  de  Oleiros,  mas 
tem  casas  e  terras  na  margem  direita,  con- 
celho da  Pampilhosa,  sem  ter  ponte,  mas 
somente  barca,  para  atravessar  o  Zêzere, 
pelo  que  é  diffleillima  no  inverno  a  admi- 
nistração dos  sacramentos  aos  povos  da 
margem  direita. 

2  Esta  freguezia  demora  na  margem  di- 
reita do  Zêzere,  encravada  entre  penhascos 
medonhos,  mas  foi  anida  á  da  Barroca,  sita 
na  margem  esquerda,  a  distancia  de  6  kilo- 
metros, e  ambas  pertencem  ao  concelho  do 
Fundãol . . . 

Anteriormente  pertencia  ao  concelho  da 
Covilhã. 

3  Alváres,  freguezia  d'este  concelho,  toca 
no  Zêzere. 

4  Olalhas  (Olaias)  Serra  e  Beberriqueira, 
freguezias  d'este  concelho,  tocam  no  Zêzere. 

&  Paio  Pelle,  hoje  Praia,  freguezia  d'este 


2160  ZEZ 


ZEZ 


Banha  lambera  muitas  parochias,  algu- 
mas das  qaaes  Gcam  mencionadas  supra. 

Leito  e  margens  do  Zêzere,  curvas, 
penhascos  e  póços 

O  Zêzere  desde  os  Cântaros  até  Manteigas 
corre  fundo  e  quasi  em  recta  por  uma  es- 
treita ravina  muito  fragosa,  inculta  e  medo- 
nha. Apenas  tem  alguns  chãos  cultivados  e 
que  produzem  batatas  e  milho,  junto  das 
Caldas. 

Desde  Manteigas  até  Valhelhas  as  suas 
margens  são  menos  abruptas,  qnasi  todas 
cultivadas  e  já  teem  alguns  campos  muito 
férteis  e  mimosos;  avulta  porem  na  margem 
esquerda,  cerca  de  3  kilometros  a  jusante 
de  Manteigas  e  quasi  em  frente  da  ribeira 
de  Verdelhos,  o  grande  penhasco  da  Figuei- 
ra Brava,  cujo  aspecto  fez  retroceder  os 
francezes  nas  suas  correrias  durante  a  guer- 
ra da  Peninsula,  pelo  que  os  francezes  nã@ 
entraram  em  Manteigas.  O  dicto  penhasco 
salvou  esta  villa!. . . 

Desde  Valhelhas  (margem  esquerda)  até 
á  povoação  e  freguezia  do  Barco  (margem 
direita)  cerca  de  20  kil.  a  S.  O.  da  Covilhã 
e  40  a  S.  0.  de  Valhelhas,  tem  margens  am- 
plas, abertas,  lindíssimas  e  com  vastos  cam- 
pos muito  férteis. 

Os  maiores  campos  que  o  Zêzere  banha 
demoram  desde  Gonçalo,  margem  esquerda, 
freguezia  do  concelho  da  Guarda,  até  à  fre- 
guezia do  Pezo,  margem  direita,  concelho 
da  Covilhã.  Entre  elles  avulta  e  merece  es- 
pecial menção  a  formosa  planície  compre- 
hendida  entre  Belmonte,  Gonçalo  e  Aldeia 
do  Matto. 

O  Zêzere,  deixando  nos  herminios  o  seu 
estreito  berço  de  granito,  onde  se  estorce 


concelho,  toca  no  Zêzere,  margem  direita, 
em  frente  de  Constança,  —  e  no  Tejo,  mar- 
gem direita  também,  desde  a  foz  do  Zêzere 
até  o  ribeiro  que  divide  ao  poente  a  fre- 
guezia da  Praia  {Paio  Pelle)  da  de  Tancos. 
V.  Zêzere,  villa,— m/^ra 


em  convulsões  de  raiva  furioso,  vem  des- 
cançar  indolente  aqui  em  melhor  leito.  Cor- 
ta a  planície  em  curvas  graciosas,  deslisan- 
do  mansamente  por  entre  duas  orlas  de  sal- 
gueiros, como  que  pesando  lhe  de  deixar 
as  philomelas  que  choram  tristes  nos  ramos 
das  arvores  e  as  florinhas  que,  inclinando 
para  elle  seu  cálice  d'ouro,  lhe  offerecem 
uma  lagrima  de  saudade. 

O  Zêzere  n'esta  mimosa  estancia  recorda 
o  Mondego  desligando  suave  desde  Coimbra 
até  á  Figueira,  ou  o  Lima  desde  a  villa  da 
ponte  do  seu  nome  até  Vianna. 

Em  todo  o  concelho  de  Manteigas  cor- 
re sempre  enfragado  e  apenas  ali  se  en- 
contram alguns  pequenos  poços  de  2  a  3 
metros  d'altura  e  6  a  8  de  diâmetro,  que 
abundam  era  trutas  e  enguias  deliciosas, 
mas  pequenas.  As  maiores  raro  excedem  a 
um  kilo. 

Desde  que  entra  na  planieie  dos  concelhos 
da  Guarda,  Belmonte  e  Covilhã,  começam  a 
faltar  as  trutas  e  enguias,  mas  em  compen- 
sação abundam  as  bogas  e  barbos,  alguns  de 
grande  tamanho.  Os  maiores  eneontram-se 
nos  póços  das  freguezias  do  Peso,  Barco  e 
Ourondo,  por  serem  os  mais  fundos  do  Zê- 
zere a  partir  dos  Cântaros.  Devem  ter  8  a 
10  metros  de  profundidade,  mas  um  pouco 
mais  a  jusante  tem  poços  com  o  triplo  de 
altura. 


Desde  a  freguezia  do  Barco  até  á  sua  foz 
ou  Constança,  o  Zêzere  (salva  raríssimas  ex- 
cepções) corre  por  entre  penedia  abrupta, 
apertada,  medonha,  onde  se  vé  desenhado  o 
bello -horrível  a  cada  passo,  e  descreve  uma 
infinidade  de  curvas  e  toreicollos  muito  in- 
teressantes! 

0  1.»  torcicollo  mais  notável  encontra-se 
entre  Silvares  e  Ourondo,  cerca  de  8  kilo- 
metros a  jusante  do  Barco. 

Desde  Silvares  até  á  povoação  e  freguezia 
de  Dornellas,  distante  de  Silvares  apenas  8 
kilometros  em  recta,  as  curvas  são  tantas  e 
de  tal  ordem,  que  o  percurso  pelo  leito  do 
rio  sobe  a  16  kilometros  ou  mais.  E  a  ju- 
sante attingem  o  cumulol 


ZEZ 


ZEZ  2161 


Entre  Dornellas  e  o  Porto  das  Vaccas  a 
dibtaQcia  em  recta  é  de  4  kilometros,  mas 
descreve  ali  o  Zêzere  tal  curva  para  S.  que 

0  percurso  pelo  leito  do  rio  sobe  a  14  a  15 
kilometros. 

Dã  extremidade  S.  da  dieta  curva  à  po- 
voação e  freguezia  de  Janeiro  de  Cima  a  dis- 
tancia em  recta  será  de3  kil.,  mas  tão  gran- 
des toreicollos  descreve  ali  o  Zêzere,  que 
pelo  leito  do  rio  a  distancia  é  de  12  a  13  ki- 
lometros. 

Ao  sul  do  Porto  das  Vaccas  (margem  di- 
reita, freguezia  de  Janeiro  de  Baixo,  conce- 
lho da  Pampilhosa)  e  a  N.  de  Janeiro  de  Ci- 
ma (margem  esquerda,  concelho  do  Fun- 
dão) ha  um  mome  com  a  altitude  de  436  j 
melros,  muito  propriamente  denominado 
Lambedor,  porque  o  dicto  monte  é  muito  es- 
treito; de  N.E.  a  S.O.  lerá  em  recta  apenas 

1  kilometro  e  é  contornado  pelo  Zêzere,  que 
ali  quasi  se  toca,  beija  e  lambe,  mas  descre- 
ve taes  toreicollos  para  todos  os  quadran- 
tes, que  forma  uma  interessante  península, 
fechada  pelo  dicto  monte,  e  do  lado  N.E. 
d'elle  ao  lado  opposto  o  percurso  pelo  leito 
do  rio  ó  de  5  a  7  kilometros. 

A  mencionada  península  devia  ser  occu- 
pada  desde  os  tempos  mais  remotos,  por  ser 
muito  defensável,  pois  o  rio  ali  corre  fundo 
em  toda  a  circumferencia  d'ella.  Bastava 
fortificar  o  estreito  euruto  do  Lambedor, 
chave  da  península,  com  quaesquer  obras 
de  defesa  na  ex tenção  de  90  a  100  metros, 
talvez,  para  transformar  aquella  península 
em  uma  praça  de  guerra  medonha,  no  tem- 
po das  armas  brancas,  principalmente  quan- 
do o  Zêzere  fosse  cheio. 

Com  vista  aos  archeologos. 
No  planalto  da  dieta  penín- 
sula qualquer  pequena  esca- 
vação deve  dar  muitas  velha- 
rias históricas  e  prehistori- 
cas. 


A  jusante  e  em  frente  de  Janeiro  de  Cima 
o  Zêzere  não  é  menos  interessante  no  ter- 
mo da  parochia  limitrophe — Janeiro  de  Bai- 
xo (margem  direita). 

£m  carta  que  temos  presente  diz  o  seu  rev. 


vigário  actual  —  Manoel  Dias  Barata  — ■  en- 
tre outras  coisas  o  seguinte:^ 

«Esta  parochia  é  banhada  pelo  Zêzere 
desde  os  grandes  penedos  de  Janeiro  de 
Baixo,  um  pouco  a  jusante  da  povoação  do 
mesmo  nome,  séde  d'esta  freguezia,  até  os 
Penedos  do  Carregal,  freguezia  de  Dornellas, 
eomprehendendo  cerca  de  15  kilometros. 
Na  margem  fronteira  (esquerda)  banha  na 
mesma  extensão  toda  a  parochia  de  Janeiro 
de  Cima,  ambas  do  concelho  do  Fundão, — 
desde  o  Penedo  do  Mosqueiro,  junto  da  fre- 
guezia do  Orvalho,  concelho  de  Oleiros,  até 
o  Penedo  Barroco,  freguezia  de  Bogas  de 
Cima,  concelho  do  Fundão,  a  montante  (E. 
[  N.E.)  da  parochia  de  Janeiro  de  Cima. 

O  Zêzere  é  um  rio  caudaloso;  toma  no  in- 
verno grandes  cheias  e  não  tem  n'estes  sí- 
tios ponte  alguma,  nem  antiga  nem  moder- 
na. Está  projectada  uma  na  parochia  de  Ja- 
neiro de  Cima,  onde  entroncam  as  duas  es- 
tradas novas  do  Fundão  e  Castello  Branco 
a  Coimbra,  cerca  de  2  kil.  a  montante  da 
povoação  de  Janeiro  de  Baixo;  mas  actual- 
mente desde  a  Ponte  Pedrinha,  junto  da 
Covilhã,  até  á  ponte  do  Cabril,  junto  de  Pe- 
drogam  Grande,  na  extensão  de  80  kilome- 
tros, não  ha  ponte  alguma,  mas  somente  bar- 
cas de  passagem,  cujo  numero  se  eleva  a 
14.  Uma  demora  junto  da  povoação  de  Ja- 
neiro de  Baixo  e  pertence  á  camará  da  Pam- 
pilhosa, e  outra  está  ji^to  da  povoação  de 


1  O  rev.  Manoel  Dias  Barata  nasceu  na 
freguezia  de  Cambas,  concelho  de  Oleiros, 
no  dia  17  da  dezembro  de  1838,  e  foram 
seus  paes  Manoel  Antunes  e  Emília  Dias, 
proprietários. 

Desde  tenrg,  idade  viveu  em  Jaeniro  de 
Cima  com  o  rev.  José  Dias,  seu  tio  mater- 
no, que  o  educou  e  ordenou  e  lhe  deu  o  seu 
próprio  património,  alem  d'outro3  bens. 

Recebeu  a  ordem  de  presbiíero  na  Guar- 
da em  1861;  foiparocho  emUnhaeso  Velho 
desde  1864  até  1880;  em  seguida  parochiou 
durante  9  anoos  a  freguezia  de  Peeegueiro, 
concelho  da  Pampilhosa,  e  desde  março  do 
corrente  anno  de  1889  é  parocho  e  paroeho 
digníssimo  n'esta  parochia  de  Janeiro  de 
Baixo. 


2162  ZEZ 


ZEZ 


Janeiro  de  Cima;  rende  para  o  Santíssimo 
Sacramento  d'aquella  freguezia— e  é  arre- 
matada pela  junta  de  parochia. 

Trabaliiam  mesmo  nas  grandes  cheias, 
quando  o  rio  vae  de  monte  a  monte,  e  não 
consta  que  alguma  d'ella3  tenha  naufragado. 


«As  freguezias  de  Janeiro  de  Baixo  e  Ja- 
neiro de  Cima,  bem  como  parte  da  de  Bo- 
gas de  Baixo,  teem  nas  margens  do  Zêzere 
bons  campos  e  lodeiros  muito  férteis,  que 
produzem  muito  milho,  vinho,  trigo,  azeite, 
centeio,  melões,  ete.  porque  junto  da  foz  da 
ribeira  de  Bogas  se  erguem  nas  margens  do 
Zêzere  dois  grandes  penhascos  que  o  aper- 
tara e  formam  uma  garganta  que  nas  cheias 
faz  represar  e  altear  as  aguas  do  rio  até 
muitos  kilometros  de  distancia,  cobrindo  as 
duas  margens  a  grande  altura  e  depositan- 
do n'e]las  gordos  nateiros,  poslo  que  alguns 
annos  nas  grandes  cheias  os  medonhos  re- 
demoinhos do  Zêzere  escalavram  também 
as  margens  em  alguns  sitios  e  cobrem  ou- 
tros de  areia. 

A  agua,  alteando  no  dicto  Portal  de  Bo- 
gas, cahe  depois  com  violência,  formando 
medonha  cachoeira  a  jusante, — e  o  mesmo 
sueeede  nos  Penedos  do  Carregal,  freguezia 
de  Dornellas.i 

•  «A  parochia  de  Janeiro  de  Baixo  é  uma 
península,  porque  principia  a  ser  banhada 
pelo  Zêzere  do  lado  poente  e  depois  a  cérca 
pelo  norte  e  sul,  ficando  livre  apenas  e  co- 
mo servindo  de  porta  da  península  uma  es- 
treita garganta  de  terra  entre  sul  e  poente, 
que  tem  3  estradas  para  os  lados,  as  quaes 


*  Os  ta  es  Penedos  de  Bogas  semelhajn  as 
Portas  de  Rodam,  no  Tejo,— e  o  Cachão  da 
Valleira  no  Alto -Douro. 

V.  Villa  Secca  d" Armamar,  tomo  11.»  pag. 
1039,  col.  2.*  e  segg. — e 

Villa  Velha  de  Rodam,  no  mesmo  vol. 
pag.  1078,  col.  l.« 


se  dirigem— uma  á  freguezia  de  Cambas, — 
a  do  meio  á  villa  da  Pampilhosa— e  a  outra 
a  diversas  povoações  da  freguezia  de  Janei- 
ro de  Baixo,  situadas  ao  norte  d'ella.  taes 
são  Brejos,  Souto,  Esteiro,  Porto  de  Vaccas 
e  Michiaiinho,  que  demoram  ao  longo  da 
margem  direita  do  Zêzere,  no  recôncavo 
formado  pela  península  de  Janeiro  de  Cima. 

Desde  os  Penedos  do  Carregal,  a  montan- 
te, até  os  de  Bogas,  a  jusante,  ha  no  Zêzere 
muitos  poços,  taes  são  os  de  Tabinho,  Ga- 
locha, Lavandeira,  Penedo,  Poço  das  Insas, 
ou  Insuas,  e  Poço  da  Varja  ou  Várzea,  que 
dão  bastante  pescado,  mas  miúdo. 

São  raros  os  peixes  que  pesam  um  kilo; 
ha  porem  junlo  da  povoação  de  Janeiro  de 
Baixo  um  poço,  denominado  Pégo,  que  mes- 
mo no  verão  tem  8  a  10  metros  d'altura,  e 
n'elle  se  tem  pescado  peixes  (barbos)  enor- 
mes com  o  peso  de  6  a  7  kilos. 

O  Zêzere  no  termo  de  Janeiro  de  Baixo 
por  vezes  nas  grandes  cheias  attinge  25  a 
30  metros  d'altura  e  140  a  150  de  largura. 
E'  então  que  alaga  e  forma  os  lodeiros  mar- 
ginaes,  onde  no  verão  se  cultiva  o  milho, 
etc.  sendo  regados  com  a  agua  do  Zêzere  por 
meio  de  noras,  movidas  pela  corrente  do 
mesmo  Zêzere. 


«A  pequena  distancia  dos  Penedos  de  Bo' 
gas  e  da  serra  de  Janeiro,  qtíe  separa  a  fre- 
guezia de  Janeiro  de  Baixo  da  de  Cambas, 
ha  o  grande  poço  do  Esturão,  junto  da  al- 
deia de  Admoço,  da  mesma  freguezia  de 
Cambas,  a  jusante  da  de  Janeiro  de  Baixo. 
— Tem  o  dicto  poço  15  a  20  metros  de  al- 
tura na  estiagem  e  mais  de  120  de  compri- 
mento,—e  n'elle  se  tem  pescado  peixes  de 
7  a  8  kilos  de  peso  cada  um. 

Demora  o  dicto  poço  do  Eslvrão  a  jusante 
da  Porta  de  Bogas,  mencionada  supra  e  que 
é  formàda  pelo  grande  penedo  d»  Bogas, 
que  se  ergue  na  margem  esquerda  do  Zê- 
zere, e  pelo  do  Mosqueiro,  que  se  ergue  na 
margem  direita  e  a  pequena  distancia,  ten- 
do de  altura  sobre  o  leito  do  rio  mais  de 
150  metros  cada  um.  N'elles  se  criam  águias^ 
ujos,  abutres  e  outras  aves  de  rapina. 
I    O  grande  volume  d'agua  do  Zêzere  nas 


ZEZ 

cheias,  cahindo  precipitadamente  da  Porta 
de  Bogas,  formou  o  celebre  poço  do  Esturãoj 
que  é  um  dos  mais  notáveis  do  Zêzere,  —  e 
prosegue  este  rio  para  o  sul  por  entre  pe- 
nhascos medonhos,  formando  outros  muitos 
poços  mais  ou  menos  altos  até  juQto  da  sua 
foz,  principalmente  até  à  villa  de  Ferreira 
do  Zêzere. 


«O  celebre  Portal  de  Bogas  é  por  assim 
dizer  ura  marco  que  divide  2  distrietos,  3 
concelhos  e  3  bispados. 

Temos  a  leste  a  paroehia  de  Janeiro  de 
Cima  e  Bogas  de  Baixo,  concelho  do  Fun- 
dão, bispado  da  Guarda,  districto  de  Cas- 
tello Branco;  ao  sul  a  freguezia  de  Cambas 
e  a  S.  O.  a  de  Orvalho,  ambas  do  concelho 
de  Oleiros,  bispado  de  Portalegre,  districto 
de  Castello  Branco;  a  O.  e  N.  Janeiro  de 
Baixo,  concelho  da  Pampilhosa,  districto  e 
diocese  de  Coimbra. 


ZEZ  2163 

Alvóco  da  Serra}  em  cujo  termo  se  liga  à 
Torre  (pyramide)  da  Estrella,  ponto  culmi- 
nante da  serra  d'e8te  nome. 

Do  penhasco  do  Mosqueiro  avança  a  di- 
eta serra  na  margem  esquerda  do  Zêzere 
para  nascente  e  sul;  atravessa  a  Beira  Bai- 
xa, passando  junto  de  Castello  Branco;  atra- 
vessa o  Tejo  e  a  província  do  Alemtejo;  pas- 
sa junto  de  Portalegre  e  Castello  de  Vide  e 
vae  pela  Hespanha  dentro. 

Toda  a  dieta  serra  é  uma  dependência  da 
serra  da  Estrella;  abunda  em  agua  excel- 
lente,  que  rega  muitos  campos  de  milho;— 
tem  muitos  soutos  de  castanheiros,  bons 
pastos  para  o  gado— e  muita  caça  grossa  e 
miúda:— coelhos,  lebres  perdizes,  raposas, 
alguns  javalis  e  lobos.» 

Ao  sr.  Manoel  Dias  Barata, 
meu  illuslrado  collega,  muito 
digno  vigário  da  freguezia  de 
Janeiro  de  Baixo,  agradeço  os 
apontamentos  supra. 


«A  paroehia  de  Janeiro  de  Baixo  é  sepa- 
rada das  de  Janeiro  de  Cima,  Bogas  de  Bai- 
xo e  Orvalho  pelo  Zêzere  e  pelo  grande  pe- 
nhasco do  Mosqueiro,  parte  integrante  da 
grande  serra  que  a  O.  sepàra  a  freguezia 
de  Janeiro  de  Baixo  das  de  Cambas  e  Cabril, 
em  cujo  termo,  no  sitio  do  Valle  Grande,  ha 
de  um  e  outro  lado  da  ribeira  de  Unhaes 
Velho,  concelho  da  Pampilhosa,  dois  pe- 
nhascos enormes,  que  teem  d'altura  mais  de 
80  metros,  a  pequena  distancia  um  do  ou- 
tro e  formando  uma  estreita  garganta  ou 
senda,  muito  semelhante  á  da  Foz  de  Bogas 
no  Zêzere. 

A  dieta  serra  avança  d'ali  para  o  norte, 
separando  a  freguezia  do  Cabril  da  de  Vi- 
dual  de  Cima,  e  vae  até  o  grande  penhasco 
do  Portello  de  Fajão,  na  villa  d'estó  nome; 
d'ali  corta  para  E.,  separando  a  freguezia 
de  Fajão  da  de  Unhaes  Velho,  e  vae  até  o 
picoto  da  Cebola,  em  cujas  faldas  demora  a 
leste  a  povoação  e  freguezia  de  Cebola. 
Avança  d'ali  até  Sobral  de  Cazégas,  povoa- 
ção e  freguezia  do  concelho  da  Covilhã;  se- 
para a  freguezia  de  Unhaes  da  Serra  da  de 


Se  o  Zêzere  é  tortuoso  e  penhasenso  des- 
de a  povoação  e  freguezia  do  Barcn  até  o 
Portal  de  Bogas,  mais  tortuoso  e  penhasco- 
so é  d'ali  até  á  celebre  ponte  do  Cabril,  da 
qual  adiante  fallaremos  no  tópico  pontes. 


í  N'eâta  freguezia,  quando  se  arroteava 
um  monte  para  plantação  de  vinheilos,  ap- 
pareceu  em  i887  um  pia  de  granito  e  den- 
tro d'ella  cerca  de  mil  donarios  romanos  de 
prata  variadíssimos  e  muito  bem  conserva- 
dos. Nós  obtivemos  tres,  ura  dos  quaes  era 
inédito,  —  uma  preciosidade  numismática^ 
Pôde  ver-se  no  museu  da  camará  do  Porto, 
à  qual  foi  por  nós  offerecido. 

O  mencionado  thesouro  appareceu  em 
uma  quinta  do  sr.  Antonio  Luiz  Monteiro 
Pina,  cavalheiro  muito  estimável,  a  quem 
agradecemos  a  oíTerta  dos  tres  denarios  su- 
pra. 

Na  mesma  propriedade  teem  apparecido 
outras  velharias  romanas,  o  que  prova  que 
os  romanos  ali  se  demoraram. 

V.  Alvôco  da  Serra  n'e9te  diccionario  e 
no  supplemento,  onde  fallaremos  d'aquella3 
e  d'outra  velharias  e  lendas  curiosas,  roma- 
nas e  árabes. 


2164  ZEZ 

Caffiinha  na  direcção  geral  N.E— S.O.  mas 
d'um  modo  caprichoso.  E'  uma  continuida- 
de de  grandes  curvas  muito  symetricas  e 
duplas,  contra  N.O  e  S.E,,  imitando  o  cami- 
nhar d'uma  serpente.  Dá  tantas  e  tão  repe- 
tidas voltas  que,  distando  aquelles  dois  pon- 
tos um  do  outro  apenas  30  kilometros  era 
recta,  o  percurso  do  Zêzere  sobe  aproxima- 
damente a  60  kilometros  e  é  muito  interes 
sante,  mesmo  desenhado  nos  soberbos  map- 
pas  da  commissão  geodésica,  onde  nós  o  vi- 
mos, pois  nunca  nos  abeirámos  d'elle  n'a- 
quellas  paragens  e  estamos  convencido  de 
que  até  hoje  ninguém  o  percorreu  entre 
aquelles  doià  pontos,  por  não  ser  navegável 
nem  ter  estrada  alguma  marginal  e  correr 
muito  fundo  por  entre  penhascos  horroro- 
sos! 

Apenas  de  longe  em  longe  tem  algumas 
barcas  de  passagem,  pois  desde  a  Ponte  Pe- 
drinha, junto  da  Covilhã,  até  á  de  Cabril. 
não  tem  poete  alguma,— e  o  fragoedo  das 
margens  prolonga-se  até  grande  distancia 
d'elias,  como  pôde  ver-se  nos  mappas  e  nas 
Memorias  da  villa  de  Oleiros,  publicadas 
em  1881  pelo  fallecido  sr.  bispo  d'Angra — 
D.  João  Maria  Pereira  d' Amaral  Pimentel, 
filho  d'aquella  villa. 

Também  enlra  o  Portal  de  Bogas  e  a  pon- 
te de  Cabril,  por  ser  o  rio  estreito  e  frago- 
so, ha  poços  muito  fundos,  com  abundân- 
cia de  peixes,  sendo  alguns  muito  grandes. 
Ja  falíamos  do  poço  do  Esturão,  onde  teem 
apanhado  peixes  de  12  kilogrammas  de  peso 
— e  nos  poços  da  freguezia  d'Alvaro,  conce- 
lho de  Oleiros,  os  barbos  pesam  por  vezes 
10  kilos. 

Fallando  do  Zêzere,  dizem  as  Memorias 
de  Oleiros:~KTem  grande  abundância  de 
peixes  e  enguias.  Nos  limites  d'Alvaro  teem- 
se  pescado  barbos  de  mais  de  dez  kilogram- 
mas de  peso.  As  inguias  são  pescadas  no 
outomno  em  grande  quantidade,  por  occa- 
sião  das  cheias,  em  açudes,  onde  encana  a 
agua  para  grandes  canniçadas  de  verga,  que 
lhes  armão,  e  onde  ficam.*  •  Op.  cit.  pag 
236  e  257. 


Este  processo  é  muito  antigo  e  usava- 


ZE2 


A  jusante  da  ponte  do  Cabril  também  ha 
no  Zêzere  muitas  fragas  e  muitos  poços,  no- 
meadamente no  termo  de  Figueiró  dos  Vi- 
nhos. 

O  Zêzere  banha  este  concelho  na  exten- 
são de  10  a  12  kilometros,  desde  a  barca  da 
Búuçã  até  Casalinho  de  SanfAnna,  fregue- 
zia de  Aréga,  e  n'este  espaço  tem  os  poços 
seguintes.! 

1.°— Pofo  da  Barca,  profundidade  15  me- 
tros (na  estiagem). 

±''-?oçoda  Vilheira  (?)  profundidade  14 
metros. 


.  se  também  no  Douro  no  sec.  xvi,  pois  na 
j  Descripção  do  terreno  em  volta  de  Lamego 
duas  legoas,  eseripta  pelo  cónego  tercenario 
I  Ruy  Fernandes  em  1532  e  publicada  pela 
!  Acad.  R.  das  S.  em  1824,  no  Titulo  do  peixe 
do  Douro  diz  o  seguinte: 
I    «Outrosi  morrem  no  dito  douro  muitos e 
mui  formosos  eiroes,  que  sam  tam  grandes 
como  çafflos,  e  mui  grossos  e  saborosos:  o 
morrer  d'estes  eirões  he  depois  da  castanha 
caida  dos  castanheiros,  porque  a  enxurrada 
leva  03  ouriços  dos  soutos  ao  Douro,  e  os 
ouriços  entram  em  os  remãsos  do  douro 
nos  lòdos  onde  os  eirões  eslam,  e  os  pica,  e 
se  erguem  no  douro,  e  vara  cahir  em  huns 
canaes  que  estam  no  douro  com  huns  cani- 
ços, e  ahi  caem  em  sêco,  principalmente  de 
noite,  onde  oa  aguardam  com  paaos,  e  ma- 
tam a  raôr  parte  d'e!les,  e  ha  noite  que  ma- 
tam 300,  400  eirõs:  ha  hi  alguns  savelhas, 
ha  também  alguns  solhos. . .  de  10,  13,  14, 
15  palmos. . . » 

Y.' Inéditos  de  Hist.  Port.  tomo  5.°  pag. 
561  e  562,— e  Viso,  n'este  diccionario,  to- 
mo 11."  pag.  1893,  col.  2.%  onde  descreve- 
mos a  pesca  d'um  grande  solho,  que  nós  vi' 
mos  matar  no  Douro  e  que  pesava  sessenta 
e  tantos  hilosfl ... 

*  Entre  a  ponte  do  Cabril  e  a  barca  da 
Bouçã  também  ha  3  grandes  poços: 

{."—Poço  do  Madrão,  na  freguezia  do  Car- 
valhal, concelho  da  Certã. 
Tem  20  a  30  melros  de  altura. 

2.  ' — Poço  do  Gregorio,  na  mesma  fregue- 
zia. 

Tem  30  a  40  metros  de  altura. 

3.  °— Poço  do  Pereiro,  na  freguezia  do  Cas- 
tello, do  mesmo  concelho  da  Gerta. 

Tem  menos  altura  do  que  os  dois  antece- 
dentes. 


ZEZ 


ZEZ  2165 


d-^—Trongo  (?)  profundidade  18  melros. 
k.'—Foz  do  Pairoso,  profundidade  15  me- 
tros. 

5.  *— Poço  da  Murteira,  profundidade  10 
metros. 

6.  "— Poço  do  Val  do  Rio,  profundidade  4 
metros. 

7.  "— Poço  do  Feijoal,  profundidade  11  me- 
tros. 

8.  "— Poço  do  Vento  ou  do  Bento,^  profun- 
didade 14  metros. 

9.  °—Amieirinhos,  profundidade  6  metros. 

10.  "— Poço  da  Cerdeira  (?)  profundidade 
12  metros. 

lí.»~Couçobral,  profundidade  13  metros. 

^2.'>—Pégo  da  Justiça  (o  nome  é  eloquen- 
tel...)  profundidade  12  metros. 

13.°— Pofo  do  Val  Bom,  profundidade  8 
metros. 

lí.'—Poço  da  Varja  (Várzea)  profundi- 
dade 15  metros. 

Ao  muito  rev.  sr.  Diogo  Pe- 
reira Baetla  Vasconeellos,  pa- 
rocho  de  Figueiró  dos  Vinhos, 
agradeço  a  nota  supra — e  não 
me  responsabiliso  pela  exacti- 
dão das  cifras. 


A  jusante  do  Casalinho  de  SanCAnna, 
extremidade  S.O.  da  freguezia  à'Arêga  e  do 
concelho  de  Figueiró  dos  Vinhos,  o  Zêzere 
ainda  corre  por  entre  grandes  penhascos  e 
tem  muitos  poços. 

Entre  os  penhascos  avulta  na  margem  di- 
reita o  de  S.  Paulo,  na  serra  d'este  nome, 
freguezia  do  Bêco,^  junto  do  Pégo  do  Pião, 


1  Os  apontamentos  que  recebi  da  locali- 
dade dizem  Bento,  e  talvez  que  seja  este  o 
verdadeiro  nome  do  dieto  poço,  como  ou- 
tro mencionado  supra  se  denomina  Pofo  do 
Gregorio,  mas  titubiamos,  porque  nas  mar- 
gens do  Zêzere  e  em  grande  parte  das  duas 
províncias  da  Beira,  como  na  do  Minho,  cos- 
tumam trocar  o  V.  por  B. — e  vice-versa. 

1  V.  Beco,  art.  interessante,  tomo  l.«  pag. 
355,  col.  2.» 


concelho  de  Ferreira  do  Zêzere,— e  no  mes- 
mo concelho  tem  os  poços  seguintes,  des- 
cendo: 

i.o—Pégo  do  Pião,  entre  a  freguezia  de 
Bêcco,  margem  direita— e  a  de  Sernache  do 
Bomjardim,  margem  esquerda. 

Terá  de  altura  10  metros  e  de  compri- 
mento outro  tanto. 

2.o_pe<;o  do  Penedo  do  Salto,  na  fregue- 
zia de  Domes,  junto  da  povoação  d'e8te  no- 
me. 

Terá  d'altura  7  metros  e  de  comprimento 
outro  tanto. 

Z.^—Pégo  do  Forno  da  Ca/,  junto  da  mes- 
ma Villa  de  Dornes. 

Terá  d'altura  30  metros  (?)  e  de  compri- 
mento outro  tanto. 

h^.^—Pégo  da  Cruz,  junto  de  Villa-Gaia. 

Terá  de  altura  10  metros  e  de  compri- 
mento outro  tanto. 

Estes  4  pégos  ou  poços  estão  entre  a  fre- 
guezia de  Dornes  e  a  de  Sernache  do  Bom- 
jardim. 

^°—Pégo  do  Linho, \vldXo  de  Rio  Fundeiro, 
povoação  da  mesma  freguezia  de  Dornes. 

Terá  de  altura  30  metros  (?)  e  de  com- 
primento 10.  Demora  entre  a  freguezia  de 
Dornes,  concelho  de  Ferreira  do  Zêzere,  e  a 
de  Palhaes,  concelho  da  Cerlã. 

Q^—Pégo  do  Ouro,  junto  á  povoação  de 
Pom  beiro,  freguezia  de  Ferreira  do  Zê- 
zere. 

Terá  de  altura  30  metros  (?)  e  de  compri- 
mento 7.  Demora  entre  a  freguezia  de  Fer- 
reira do  Zêzere,  margem  direita  —  e  a  de 
Villa  de  Rei,  margem  esquerda. 

N'este3  poços  ha  muito  peixe:  —  eirozes» 
trutas,  bogas,  barbos  e  bordalos,  todos  mui- 
to saborosos,  —  e  tem-se  pescado  aqui  bar- 
bos de  12  kilosl 

Também  no  tempo  da  creação  aqui  se 
pescam  sáveis  e  lampreias. 

No  concelho  de  Ferreira  do  Zêzere  o  rio 
não  tem  campos  nas  margens,  mas  sómento 
I  alguns  pequenos  lodeiros,  que  produzem  mi- 
lho 6  feijão. 

Nas  aguas  medias  tem  nos  limites  d'este 
concelho  aproximadamente  30  metros  de 
largura,  mas  na  grande  cheia  de  1876  at- 
tingiu  mais  de  60  metros  de  largura  e  10  de 


2166  ZEZ 

altura  sobre  a  linha  das  aguas  medias,  ten- 
do por  consequência,  era  alguns  poços,  tal- 
vez mais  de  40  metros  d'altura?! . . . 

Também  n'este  concelho  é  navegável  so- 
mente em  alguns  sítios  por  barcas  de  pas- 
sagem, mas  d'aqui  vae  para  o  Tejo  e  para 
Lisboa  grande  quantidade  de  madeira  de 
castanho  em  jangadas. 

Ao  muito  rev.  sr.  Francisco 
José  Pereira,  digno  prior  actual 
de  Domes,  agradeço  os  apon- 
tamentos supra,  relativos  ao 
Zêzere,  na  circumscripção  da 
sua  parochia  e  do  concelho  de 
Ferreira  do  Zêzere. 

Pontes  e  Barcas 

O  Zêzere  na  estiagem  tem  pequeno  volu- 
me d'agua,  porque  absorvem  muita  os  seus 
vastos  campos  desde  Valhelhas  até  o  Portal 
de  Bogas,  e  atravessa-se  a  vau  em  difFeren- 
tes  pontos  sem  grandes  difficuldades,  mesmo 
a  jusante  de  Figueiró  dos  Vinhos,  mas  nas 
outras  quadras  do  anno  só  nas  pontes  e 
barcas  se  atravessa,— e  no  inverno,  por  oc- 
casião  do  desgélo  e  das  grandes  chuvas, 
mesmo  nas  barcas  a  travessia  é  medonha  e 
perigosa,  pois  attinge  grande  altura,  — tor- 
na-se  caudaloso— e  perto  da  sua  foz  tem 
mais  de  200  metros  de  largura. 

As  suas  aguas  em  Constança  atravessam 
as  do  Tejo  e  do  Tejo  se  distinguem  até  al- 
guns kilometros  de  distancia  —  e  fórma  ali 
uma  enseada  só  então-  navegável  até  2  a  3 
kilometros.  Na  parte  restante,  mesmo  nas 
grandes  cheias,  não  é  navegável,  por  correr 
muito  precipitado  e  ter  muitas  cachoeiras  e 
redemoinhos. 

El-Rei  D.  José  í,  segundo  consta,  tentou 
canalisal-o  e  tornal-o  navegável  desde  Côas- 
tança  até  á  Foz  d'Alge,  na  extensão  de  50 
kilometros  aproximadamente,  para  serviço 
da  fabrica  real  de  fundição  d'artilheria  que 
ali  houve;!  mandou  de  Lisboa  estudal-o  um 


»  V.  Arêga.  tomo  1."  pag.  238—  G  — eol. 
1."— e  Vomella,  ribeira  confluente  do  Zeze- 


ZEZ 

engenheiro  que,  segundo  dizem,  jjulgou  a 
tentativa  realisavel  por  meio  de  comportas, 
mas  D.  José  esmoreceu,  quando  viu  a  cifra 
do  orçamento. 

Barcas 

O  Zêzere  tem  poucas  pontes,  mas  muitas 
barcas.  São  aproximadamente  tantas,  quan- 
tas as  freguezias marginaes,  principalmente 
a  jusante  da  Ponte  Pedrinha,  pois  d'ali  até  á 
sua  foz,  na  estensão  de  mais  de  120  kilome- 
tros, apenas  tem  duas  pontes. 

Bem  quizeramos"  dar  uma  lista  de  todas 
I  as  barcas  do  Zêzere,  mas  não  nos  foi  possí- 
vel organisal-a. 

Não  sabemos  quantas  barcas  tem  desde 
Manteigas  até  á  Ponte  Pedrinha. 

D'ali  até  á  ponte  do  Cabril  tem  14  nas 
freguezias  seguintes: 

1.  »— Dominguiso. 

2.  «— Peso. 

3.  «— Barco. 

I    4.» — Ourondo. 
— Silvares. 

6.  *— Barroca. 

7.  ^— »Dornellas. 

\    8* — Porto  de  Vaccas, — aldeia  da  fregue- 
zia  de  Janeiro  de  Baixo. 

9.  »— Janeiro  de  Cima.  Rende  para  o  San- 
tíssimo. 

10.  "— Janeiro  de  Baixo. 

11.  »— Cambas. 

12.  ^— Barca  iVbm.i 

13.  »— Alvaro. 


re,  tomo  11."  pag.  1994,  col.  1.»  e  segg.  onde 
fallàmos  da  dieta  fabrica  e  dos  foraes  velhos 
de  Arêga,  Figueiró  dos  Vinhos  e  Pedrogam 
Grande,  transcrevendo  os  limites  que  elles 

!  assignaram  ás  dietas  viUas. 

1  Foi  montada  pela  camará  da  Pampilhosa 
junto  da  aldeia  de  Sobral  Magro. 

É  municipal  e  uma  das  mais  importantes 
do  Zêzere,  pois  dá  passagem  da  villa  da 
Pampilhosa  para  as  freguezias  do  Estreito 

I  e  Sarzedas  e  para  a  cidade  de  Castello 
Branco. 

!  N'ella  passam  os  negociantes  que  transi- 
i  tam  entre  Castello  Branco  e  Coimbra,  etc. 


ZEZ 


ZEZ  2167 


<!4.*— fiarco  das  Várzeas,  na  freguezia  I 
d'Amoreiraj  concelho  da  Pampilhosa. 

IDà  passagem  para  Alvaro  e  Sobral  d'Al- 
Tairo  e  para  a  vílla  da  Gertã. 

A  barca  de  Dornellas  pertence  á  eonfra- 
riai  do  Santíssimo  d'aquella  parochia,  mas 
hai  annos  a  camará  da  Pampilhosa  poz  ali 
também  uma  barca  sua.  Imaginando  lucrar 
-pardeu,  porque  o  povo  a  baptisou  com  o  no- 
me de  Barca  do  Diabo,  pelo  facto  de  ir  af- 
frontar  a  do  Santissimo;— e  a  esta  denomi- 
nau-a  Barca  de  Deus.  Escusado  é  dizer  que 
a  nova  liarca,  a  Barca  do  Diabo,  ficou  em 
paz  e  às  moscas.  Ninguém  se  utilisou  d'ella. 

Este  facto  recorda-nos  a  Barca  do  Por 
Deus,  no  Douro,  —  e  as  sangrentas  bulhas 
que  houve  no  Douro  também  por  causa  de 
uma  barca  nova  na  amiga  Barca  do  Carva- 
lho. 

V.  Molledo,  aldeia  da  freguezia  da  Pena- 
joia,  tomo  5."  pag.  373,  col.        e  Viso,  al- 
deia da  freguezia  de  Fontellas,  tomo 
pag.  1896,  col.  1."  também. 


Desde  a  ponte  de  Cabril  até  Constança  ha 
também  muitas  barcas.  Oceorrem-nos  as 
seguintes: 

1.»  —  Barca  do  Bispo  —  na  freguezia  do 
Castello,  concelho  da  Cerlà,  e  no  caminho 
de  Arnoia,  Castello  e  Sernache  do  Bom  Jar- 
dim (margem  esquerda)  para  Figueiró  dos 
Tinhos,  margem  direita. 

Foi  montada  pelo  bispo  D.  Jeronymo  Jo- 
sé da  Matta,  da  ca?a  de  Arnoia,^  na  mesma 
freguezia  do  Castello,  aproximadamente  em 
1860. 

Demora  em  local  muito  aprazível  e  em 
ima  propriedade  onde  o  mesmo  bispo  fez 
im  bom  açpde,  azenha,  hortas  e  uma  linda 
«asa  de  campo,  na  qual  o  fundador  cosiu- 
nava  residir  com  a  sua  família  no  verão. 


^  A  nobre  casa  da  Paparia  (?)  de  Serna- 
;he  do  Bom  Jardim,  freguezia  próxima, 
ambem  deu  um  arcebispo — D.  Marcelino — 
)  2  bispos,  sendo  um  d'elles  bispo  de  Macau. 


O  sr.  D.  Jeronymo  foi  bispo  de  Macau 
bastantes  annos;  regressou  aproximadamen- 
te em  1856  e  falleceu  em  1864  a  1865  em 
Campo  Maior,  achando-se  ali  de  visita  em 
casa  de  uns  parentes.  Da  sua  numerosa  fa< 
milia  apenas  restam  hoje  (1889)  uma  irmã 
e  uma  sobrinha,  esta  casada  com  o  dr.  João 
Ribeiro  d' Andrade,  distlncto  advogado  na 
Certa.  São  os  herdeiros  e  representantes  da 
virtuosa  e  abastada  casa  d'Arnoía. 

i."— Barca  da  Bouça,— 2^  jusante  da  Bar- 
ca do  Bispo, — eatre  as  povoações  de  Alquei- 
dão  e  Carvalhos,  margem  esquerda,  e  as  de 
Marvilla  e  Figueiró  dos  Vinhos,  margem  di- 
reita, —  ou  entre  a  freguezia  e  concelho  de 
Figueiró  dos  Vinhos  e  a  de  Sernache  do 
.Bom  Jardim,  concelho  da  Certã. 

Demora  a  dieta  barca  na  foz  da  ribeira 
de  Bouça,  um  pouco  a  juzanie  da  ribeira  de 
Noudel  ou  Nodel,  que  em  1204  tinha  o  nome 
de  Vouzella  (Boucella)  como  se  vô  do  foral 
que  D.  Pedro  Alfonso,  irmão  de  D.  Sancho  I 
e  filho  de  D.  Aífonso  Henriques,  i  n'aquella 
data  deu  á  sua  villa  de  Figueiró  dos  Vi- 
nhos.2 

3.» — Barca  ou  antes  barco  do  Almegue. 

Demora  entre  a  povoação  do  Almegue» 
(margem  esquerda)  e  a  de  Val  do  Bio  (mar- 
gem direita)  um  pouco  a  montante  da  bar- 
ca da  Foz  d'Alge. 

A  dieta  barca  do  Almegue  é  particular  e 
pouco  importante,  mas  antiga.  Dá  passagem 
para  diíferenles  hortas  e  propriedades,  e 
também  para  Figueiró  dos  Vinhos,  ate. 

O  dicto  barco  trabalha  no  Poço  do  Vento 
ou  Bento,  n.»  8,  supra,  junto  da  povoação 
do  Almegue. 


1  O  meu  antecessor  no  artigo  Lisboa,  tomo 
4.»  pag.  363,  col.  1.*,  disse  que  o  menciona- 
do D.  Pedro  Affonso  era  irmão  de  D.  Affon- 
so  Henriques. 

Foi  lapso. 

V.  Pedrogam  Grande,  tomo  6.°  pag.  535, 
col.  1." 

2  V.  Vouzella,  ribeira  confluente  do  Zêze- 
re, tomo  11."  pag.  1994,  col.  2.»,  onde  se  en- 
contram indicados  os  limites  que  o  mesmo 
D.  Pedro  Affonso  in  illo  tempore  assignou 
às  suas  villas  e  concelhos  de  Figueiró  dos 
Vinhos,  Aréga  e  Pedrogam  Grande. 


2168  ZEZ 


ZEZ 


L'—Foz  d' Alge,— um  pouco  a  jusante  da 
confluência  da  ribeira  d'Alge  com  o  Zêzere 
— e  entre  Arêga  e  Sernache. 

^.^—Casalinho  de  SanVAnm,  entre  a  po- 
voação d'este  nome,  freguezia  d'Arêga,  con- 
cellio  de  Figueiró  dos  Vinhos,  e  à  povoação 
de  Várzea  de  Pedro  Mouro,  freguezia  de  Ser- 
nache do  Bom  Jardim,  concelho  da  Certã. 

6.«— Barea  do  Valle  da  Ursa,  entre  a  fre- 
guezia de  Domes,  concelho  de  Ferreira  do 
Zêzere,— e  a  de  Sernache  do  Bomjardim.i 

Esta  barca  foi  recentemente  substituída 
por  uma  ponte  metallica. 

Veja-se  o  titulo  Pontes,  infra,  n.°  6. 

7/ — Barca  do  Rio  Fundeiro,  entre  a  po- 
voação d'este  nome,  margem  direita,  e  a  fre- 
guezia de  Palhaes,  concelho  da  Certã,  mar; 
gem  esquerda,  cerca  de  1  kil.  a  montante 
da  foz  da  ribeira  de  Isna. 

8.  *— Barca  da  Isna,— entre  a  freguezia  de 
Aguas  Bellas,  margem  direita,  concelho  de 
Ferreira  do  Zêzere,  e  a  povoação  da  Isna, 
concelho  de  Villa  de  Rei,  margem  esquerda. 

9.  *— Barca  das  Hortas,  —  entre  a  povoa- 
ção d'este  nome,  concelho  de  Villa  do  Rei, 


1  Estabeleceu  se  esta  barca  aproximada- 
mente no  anno  de  1835,  em  competência 
com  outra  que  estava  cerca  de  2  kilomelros  5 
a  montante,  junto  da  villa  de  Dornes,  se-  ! 
gundo  se  lé  nas  Memorias  da  villa  de  Oleiros,  \ 
pag.  260.  Dizem  ellas: 

€D'antes  a  estrada  de  Sernache  a  Thomar 
dirigia-se  pela  villa  de  Dornes,  onde  passa- 
va o  Zêzere  em  barca.  José  Manso  porém  do 
Brejo,  homem  emprehendedor,  sendo  senhor 
das  margens  do  rio  no  sitio  do  Valle  da  Ur- 
sa, a  distancia  de  2  kilometros  talvez,  abai- 
xo de  Dornes,  lembrou-se  de  abrir  uma  es- 
trada para  aquelle  sitio,  afim  de  estabelecer 
ali  uma  barca  de  passagem,  como  estabele- 
ceu, pelos  annos  de  1835,  pouco  mais  ou 
menos,  auferindo  o  rendimento  d'eHa. 

«Ainda  que  a  estrada  era  péssima,  por 
ser  mais  curta  que  a  de  Dornes,  foi  seguida 
de  tal  modo,  que  a  esta  villa  nào  voltou 
mais  pessoa  alguma,  e  a  própria  estrada  se 
perdeu.» 

Em  seguida  o  auetor  censura  asperamen- 
te o  nosso  governo  por  metter  no  dieto  Val-  \ 
le  da  Ursa  a  nova  estrada  real  a  macadam  j 
6  mandar  ali  fazer  a  ponte  metallica,  de 
que  adiante  fatiaremos.  ' 


margem  esquerda, —  e  as  de  Castanheira, 
Maxial  e  Aguas  Bellas,  concelho  de  Ferreira 
do  Zêzere,  margem  direita. 

10.  »— Coa/iAeíVa,— entre  a  povoação  d*este 
nome,  na  foz  da  ribeira  de  Codes,  margem 
esquerda,— e  as  povoações  do  Cardai  e  Igre- 
ja Nova,  concelho  de  Ferreira  do  Zêzere, 
margem  direita. 

11.  *— Barca  de  Maxial,  —  enire  a  povoa- 
ção de  Maxial  d' Alem,  5  kil.  a  jusante  da 
ribeira  de  Codes,  margem  esquerda,  —  e  as 
de  Val  de  Pereira  e  Olalhas,  margem  direi- 
ta, concelho  de  Thomar. 

12  *— Barca  da  Moura  (?)  entre  as  povoa- 
ções de  Portella  e  Ferrarias,  margem  es- 
querda—e as  de  Barreira  e  Serra,  margem 
direita,  concelho  de  Thomar. 

13.* — Barca  do  Souto, — entre  a  povoação 
e  freguezia  d'este  nome,— concelho  d' Abran- 
tes, margem  esquerda,— e  a  dieta  povoação 
e  freguezia  da  Serra,  margem  direita. 

lí.*— Barca  da  Esteveira, —  entre  a  po- 
voação e  freguezia  de  Aldeia  do  Matto,  con- 
celho d'Abrantes,  margem  esquerda,-  e  as 
povoações  á'Estiveira,  Lovegada  e  Serra  e 
margem  direita. 

l5.'—Martinchel,—eulre  a  povoação  d'es- 
te  nome,  concelho  d'Abrante3,  margem  es- 
querda—e as  de  Casal  de  Deus  e  S.  Pedro, 
margem  direita. 

IQ.*— Barca  de  Constança, — na  foz  do  Zê- 
zere e  que  vae  também  ser  substituída  por 
uma  ponte  metallica,  junto  da  villa  de  Cons- 
tança, como  logo  diremos,  entre  a  freguezia 
e  villa  de  Constança,  margem  esquerda,  e  a 
freguezia  de  Paio  Pelle  (hoje  Praia)  conce- 
lho de  Villa  Nova  da  Barquinha,  margem 
direita. 

N.  B.  —  A  margem  esquerda  da  foz  do 
Zêzere  pertence  á  freguezia,  villa  e  concelho 
de  Constança;--â  margem  direita  pertence 
á  freguezia  de  Paio  Pelle  (hoje  Praia)  con- 
celho da  Barquinha. 

Ao  muito  rev.  prior  de  Dor- 
nes e  ao  sr.  dr.  Geraldo  Joa- 
quim Maria  da  Costa,  medico 
no  Sardoal,  agradeço  os  apon- 
ta»entos  supra,  que  não  com- 
prehendi  bem  e  por  isso  peço 
desculpa  dos  lapsos. 


ZEZ 


ZEZ  2169 


Pontes 

O  Zêzere  desde  os  Cântaros  e  Manteigas 
até  á  vilIa  de  Valhelhas  tem  apenas  alga< 
mas  pontes  de  pau,  sem  importância  algu- 
ma,— Ponte  Longa,  assim  denominada  por 
antiphrase,  junto  da  capella  de  Santo  Anto- 
nio e  da  Villa  de  Manteigas, — e  Ponte  dos 
Frades,  assim  denominada  não  sabemos 
porque,  pois  ali  não  ha  memoriado  conven- 
to algum. 

A  jusante  d'està3  dnas  pontes  tem  o  Zê- 
zere as  seguintes: 

d.» — Ponte  de  Valhelhas,  junto  da  villa 
d'este  nome,  na  estrada  distrietal  a  maca- 
dam  da  Covilhã  para  Manteigas. 

E'  muito  antiga,  attribuida  aos  mouros,* 
e  ainda  muito  solida,  feita  de  granito  com  3 
arcos  de  volta  inteira,  o  maior  dos  quaes 
tem  aproximadamente  10  metros  de  abertu- 
ra e  altura. 

Liga  03  concelhos  da  Guarda  e  Manteigas 
com  o  da  Covilhã  e  antigamente  ligava  tam- 
bém o  de  Valhelhas  com  as  parochias  que 
tinha  na  margem  direita  do  Zêzere  :  —  Al- 
deia do  Matto,  Aldeia  do  Souto,  Sarzedo  e 
Verdelhos,  que  desde  1855,  data  da  extine- 
ção  do  concelho  de  Valhelhas,  passaram 
para  o  da  Covilhã. 

Junto  da  dieta  ponte  ha  uma  fabrica  de 
papel.  Hoje  (1889)  está  fechada  e  é  a  única 
fabrica  de  papei  que  ha  no  Zêzere  e  nas 
duas  provindas  da  Beira  Alta  e  Beira  Baixa. 

A  montante  ha  no  Zêzere,  junto  da  villa 
de  Manteigas,  differentes  fabricas,  mas  to- 
das de  laniQcios. 

Ponte  de  Belmonte,  junto  da  villa 
d'este  nome,  4  kilometros  a  jusante  de  Va- 
lhelhas. 

£  também  de  granito  e  muito  solida;  tem 
6  arcos  de  volta  abatida  —  e  foi  feita  pelo 
nosso  governo  em  1877  na  estrada  real  a 
macãdam  da  Guarda  a  Castello  Branco  por 


1  Será  ella  romanat 


Belmonte  e  Covilhã.  Da  dieta  estrada  segue 
outra  também  amacadam  pela  margem  es- 
querda do  Zêzere  até  á  villa  de  Manteigas  e 
d'ali  deve  seguir  pela  serra  da  Estrella  para 
a  villa  de  Gouveia,  cerca  de  15  kilometros 
a  N.N.O.  de  Manteigas.  Está  em  eonstruc- 
ção. 

S.^—Ponte  Nova  ou  da  Borralheira,  cer- 
ca de  6  kilometros  a  jusante  de  Belmonte. 

Ainda  hoje  se  diz  nova,  mas  é  secular  e 
também  de  cantaria  de  granito.  Tem  14  ou 
15  arcos,  comprehendendo  alguns  mais  pe- 
quenos nas  extremidades,  que  dão  passagem 
ás  aguas  do  Zêzere  para  irrigação  da  vasta 
campina  a  jusante. 

Demora  entre  as  freguezias  de  Teixoso, 
margem  direita,  concelho  da  Covilhã,  e  Ca- 
ria, margem  esquerda,  concelho  de  Bel- 
monte;— é  muito  antiga  e  o  povo  diz  que 
foi  feita  pelos  galhardos  (demónios)  como  a 
Calçada  dos  Galhardos,  junto  de  Folgosinho, 
concelho  de  Gouveia,  e  a  calçada  e  ponte  do 
ribeiro  do  Mosteiro,  entre  a  Barca  d'Alva  e 
Freixo  de  Espada  á  Cinta. 

V.  Poiares,  tomo  7.*  pag.  114,  e,  aprovei- 
tando o  ensejo,  diremos  que  a  celebre  pon- 
te ali  mencionada  já  perdeu  o  arco, — e  não 
era  feita  de  gogos,  mas  de  sehisto,  bem  co- 
mo a  calçada  de  Alpragares. 

A  dieta  ponte  foi  muito  mal  construída, 
pois  sendo  o  ribeiro  caudaloso  no  inverno, 
a  ponte  era  de  mau  sehisto,  muito  alta,  bas- 
tante estreita,  sem  gigantes  do  lado  inferior 
nem  corta-mares  do  lado  superior.  O  arco 
era  muito  alto,— de  grande  abertura— e  de 
má  cantaria  de  sehisto  também,  pelo  que  ha 
bastantes  annos  uma  cheia  o  derrubou,  fi- 
cando só  as  avenidas  ou  muros  lateraes 
d^  ponte  e  a  passagem  interrompida  até 
hoje. 

A  calçada  de  Alpragares  partia  da  mar- 
gem esquerda  do  ribeiro,  alguns  centos  de 
metros  a  montante  da  ponte,  e  subia  em  la- 
cetes  até  o  alto  da  medonha  encosta.  Ainda 
está  soffrivelmente  conservada,  mas  é  tão 
Íngreme,  que  ninguém  pôde  descer  por  ella 
a  Cavallo  —  e  a  mesma  subida  a  cavallo  è 
perigosa! 

Também  por  ali  descem  ainda  hoje  car- 


2170  ZEZ 


ZEZ 


ros  tirados  por  bois,  mas  carros  vasios,  e 
com  grande  difOcuIdadel . . . 

A  garganla  que  ali  descrevem  as  mar- 
gens do  lai  ribeiro  é  formada  por  medonha 
penedia,  que  tem  centos  de  melros  de  altu- 
ra e  rivalisa  com  os  penhascos  dos  Cânta- 
ros. Descemos  a  dieta  calçada  a  pé  com  o  j 
nosso  bom  amigo  Antonio  Lopes  Mendes  no 
dia  12  de  agoaío-de  1888,  vindo  de  Miranda 
do  Douro,  e  ainda  hóje  lemos  saudades  d'a- 
qnella  medonha  garganla,  um  dos  sitios 
mais  interessantes  do  nosso  paiz,  onde 
águias  revoavam  livremente  sobre  nós  de 
uma  margem  para  a  outra,  como  em  casa 
sua. 

Está  no  momento  em  conslrueçlo  uma 
nova  estrada  a  macadam  da  Barea  d'Alva 
para  Freixo  de  Espada  à  Cinta,  mas,  para 
fugir  da  medonha  garganta,  vae  pela  mar- 
gem direita  do  Douro  e  foz  do  dicto  ribeiro 
até  o  ponto  do  Sallinho,  junlo  de  Freixo  de 
Espada  a  Cinta. 

V.  Pontos  do  Douro,  tomo  7.»  pag.  200, 
col.  1.»,  n.»  90. 

«D'aqui  (do  mencionado  ponto)  para  ci- 
ma, ambas  as  margens  (do  Douro)  são  hes- 
panholasi— disseomeu  antecessor  {loc.cit.) 
mas  foi  lapso. 

Desde  a  Barca  d'Alva  alé  o  alio  de  Mi- 
randa a  margem  direita  do  Douro  é  toda 
portugueza  e  só  a  margem  esquerda  ó  hes- 
panhola.  Desculpem  a  digressão. 

L*— Ponte  Pedrinha, — 10  kilometros  a  ju- 
sante da  Ponte  Nova.  É  também  de  granito, 
muito  extensa,  com  muitos  arcos  e  muito 
antiga. 

E'  talvez  a  ponte  mais  antiga  do  Zêze- 
re!.. . 

Aproveitou-se  para  a  estrada  real  a  ma- 
cadam de  Castello  Branco  á  Covilhã  e  foi 
uma  grande  economia,  mas  deve  ser  altea- 
da em  praso  breve,  porque  o  Zêzere  nas 
cheias  cobre  os  arcos  das  duas  extremida- 
des, interrompendo  o  transito  de  pedestres 
e  tornando  perigosíssimo  o  transito  dos  car- 
ros e  cavalleiros,  que  por  vezes  se  interrom- 
pe lambem,  como  suceedeu  na  grande  cheia 
de  1876,»  que  foi  a  maior  de  que  ha  memo- 
ria no  Zêzere  e  nos  outros  rios  ao  sul  de 


Portugal.»  Cobriu  toda  a  ponte  e  causou 
grande  prejuiso  nas  duas  margens  do  Zê- 
zere. 

Não  longe  d'e8tas  ultimas  duas  pontes  vão 
consiruir-se  em  praso  breve  duas  pontes 
meiallicas  na  linha  férrea  da  Beira  Baixa, 
j  que  tem  de  atravessar  este  rio  duas  vezes 
para  ir  aié  ás  proximidades  da  Covilhã. 

Logo  daremos  uma  ligeira  noticia  da  men- 
cionada linha,  pois  prende  com  o  Zêzere. 

S.'— Ponte  do  Cabril,  —  entre  Pedrogam 
Grande  e  Pedrogam  Pequeno,  na  estrada 
municipal  que  liga  o  concelho  de  Pedrogam 
ao  da  Certã. 

A  dieta  ponte,  segundo  disse  o  meu  ante- 
cessor nos  artigos  Pedrogam  Grande,  tomo 
6.»  pag.  539  col.  l"  —  e  Pedrogam  Pequeno, 
ibid.  col.  2.»  —  tem  um  grande  arco  de  22 
metros  de  vão,  2  arcos  mais  pequenos  late- 
raes— e  62,"'4  d'altura. 

E'  de  granito,  muito  solida  e  muito  antiga 
— e  foi  restaurada  em  1860,  quando  se  fez 
a  nova  estrada  a  macadam,  que  hoje  lhe  dá 
aecesso. 

Na  2.*  metade  do  sec.  xviu  o  celebre  Ben- 
to de  Moura  Portugal,  que  morreu  sepulta- 
do nas  prisões  da  Junqueira,^  disse  que  a 
ponte  do  Cabril  era  a  mais  alta  e  talvez  a 
mais  antiga  doeste  reino.  V.  Inventos  e  vá- 
rios planos.. .  pag.  67. 

Acceitamos  a  1.*  parte,  com  relação  áquel- 
le  tempo  e  ás  nossas  pontes  de  pedra,  pois 
temos  hoje  uma  ponte  metállica  e  de  2  ta- 
boieiros,  mais  alta,~a  ponte  de  D.  Luiz  I, 


»  No  Douro  6  ao  norte  do  nosso  paiz  foi 
muito  maior  a  cheia  de  1860. 

2  V.  Moimenta  (da  Serra)  freguezia  do 
concelho  de  Gouveia,  tomo  5.»  pag.  538,  col, 
e  Villa  Velha  de  Rodam,  tomo  ll.»nag. 
1078,  col.  2.« 

Ainda  hoje  (1889)  vive  em  Londres  o  sr. 
dr.  Antonio  Ribeiro  Saraiva,  que  em  1821 
fez  publicar  os  Inventos...  de  Bento  de 
Moura  Portugal,  tendo  nascido  na  villa  de 
Sernancelhe  em  10  de  junho  de  1800  e  con- 
tando hoje  89  annos. 

V.  Sernancelhe,  vol.  9.»  pag.  167,  col.  l.«, 
onde  se  encontra  a  sua  biographia. 


ZEZ 

no  Porto;  mas  não  podemos  aceeitar  a  2.* 
parte  do  asserto,  porque  temos  pontes  mui- 
to mais  antigas  no  Ave,  no  Cavado,  no  Tâ- 
mega, no  Tua,  na  Teja,i  e  mesmo  aqui  no 
Zêzere,  taes  são  a  Ponte  Pedrinha^  a  Ponte 
Nova  e  a  de  Valhelhas,  mencionadas  supra. 


Esta  do  Cabril,  segundo  se  suppòe,  foi 
feita  no  tempo  da  ominosa  occupação  ãlip- 
pina—lSSO  a  1640. 

Nas  Mem.  de  Oleiros,  pag.  86,  diz  o  seu 
illustrado  auctor,  filho  da  localidade,  o  se- 
guinte: 

Nosec.  XVI  «era  tal  a  carestia  do  numerá- 
rio, que  em  tempos  já  posteriores,  durante 
o  reinado  dos  Filippes,  consta  fora  remetti- 
da  de  Lisboa,  escoltada  por  força  publica,  a 
quantia  de  SOi^OOO  réis  para  a  edificação  da 
grande  obra  da  ponte  de  Cabril,  entre  os 
dois  Pedrogãos,  Grande  e  Pequeno. 

•A  ponte  de  Cabril  (pag.  257)  é  digna  de 
especial  menção  por  vários  motivos:  está 
situada  em  posição  tal  que  se  pôde  chamar 
maravilha  da  Natureza.  Dois  altos  montes, 
formados  de  enormes  rochas  de  granito,  e 
cobertos  em  grande  parte  de  sobreiros  co- 
lossaes,  e  d'ouiras  arvores,  que  por  entre  as 
rochas  poderam  introduzir  suas  raizes,  se 
precipitam  de  tal  modo  d'um  lado  e  outro 
sobre  o  Zêzere,  que  parece  impossível  poder 
por  elles  abrir-se  uma  estrada  viável.  No 
entanto  desde  antigas  eras  havia  um  estrei- 
to caminho  aberto  entre  as  rochas,  que  com 
grande  difQeuldade  dava  passagem  a  peões, 
e  até  a  cavalleiros  destemidos,^  sobre  o  que 
se  conta  a  seguinte  lenda: 

«Ainda  a  actual  ponte  de  pedra  não  esta- 
va construída,  e  a  passagem  do  rio  fazia-se 
por  outra  ponte  de  madeira,  situada  um 
pouco  abaixo  da  actual,  onde  existiam  ain- 


1  V.  Zeralhôa,  ponte  da  Teja,  ribeira  con- 
fluente do  Douro. 

*  O  povo  dizia  que  era  nullo  o  testamento 
de  quem  descesse  a  cavallo  por  taes  despe- 
nhadeiros, porque  provava  ser  doido  var- 
rido. 


ZEZ  2171 

da  em  nosso  tempo,  e  provavelmente  exis- 
tem ainda  hoje  (1881)  d'um  lado  e  outro  do 
rio,  os  primeiros  pegões  ou  postes,  que  sus- 
tentavam as  traves  da  ponte. 

«Conta  a  lenda  que  em  noite  tempestuosa 
e  escuríssima,  e  na  presença  de  grande  cheia 
do  rio,  cavalleiro  temerário,  que  estava  era 
Pedrógão  Pequeno  (margem  esquerda)  pro- 
testára  que  ia  passar  a  cavallo  n'essa  noite 
sem  se  apeiar,  tanto  a  perigosíssima  vere- 
da, como  a  mesma  ponte.  E,  que  com  effei- 
to  por  alta  noite  se  apresentara  em  Pedro- 
gam  Grande  (margem  direita)  com  pasmo 
de  todos;  porque  era  sabido  que  o  rio  tinha 
levado  a  ponte  na  tarde  do  dia  antecedente. 

«Não  podendo  pois  pessoa  alguma  acredi- 
tar que  o  tal  cavalleiro  tivesse  passado  o  rio 
no  Cabril,  e  continuando  elle  a  afflrmal-o, 
muitas  pessoas  se  dirigiram  no  dia  seguinte 
ao  rio,  e  encontrando  ainda  uma  única  tra- 
ve na  antiga  ponte,  n'ella  acharam  grava- 
das as  ferraduras  do  cavallo,  assim  como 
nas  pedras  da  vereda  acima  da  ponte;  uma 
das  quaes  era  ainda  mostrada  em  nosso  tem- 
po, sendo  uma  pequena  cova  informe,  e  que 
mal  se  parecia  com  ferradura, 
j  «Teve-se  pois  o  facto  como  milagroso  e 
deo  elle  occasião,  segundo  a  lenda,  a  con*- 
truir-se  a  nova  ponte,  que  existe;  e  que  es- 
teve a  ponto  de  ir  pelos  ares  por  occasião 
da  guerra  peninsular;  ao  que  obstou  o  ter  a 
agua  das  fontes  que  correm  d'um  e  outro 
lado  da  ponte,  humedecido  a  pólvora,  que 
em  grande  quantidade  lhe  tinha  sido  intro- 
duzida em  caixões,  e  que  lá  ficou. 

«Presentemente  acha-se  construída  uma 
boa  estrada  de  carro  de  um  e  outro  lado  da 
ponte,  feita  pelos  annos  de  1860...  com 
grande  trabalho  e  dispêndio,. . .  mui  viável 
em  rasão  das  grandes  e  amiudadas  voltas 
que  lhe  fizerã»  dar. » 

Os  dictos  penhascos  semelham  os  do  Ca- 
chão  da  Valleira,  no  Douro,  os  das  Portas 
de  Bodam,  no  Tejo,  e  os  do  Portal  de  Bogas^ 
supra,^  pelo  que  Bento  de  Moura  Portugal 


í  V.  Pedrcgam  Grande,  onde  os  dictos  pe- 
nhascos e  outros  das  margens  do  Zêzere  se 
'  acham  muito  bem  descriptos. 


2172  ZEZ 


ZEZ 


nos  seus  Inventos. . .  pag.  67,  disse  que  era 
faeil  acabar  com  as  inundações  do  Zêzere — 
•com  muito  pouco  custo:  fazendo  lhe  (nos 
dietos  penhascos)  entre  o  Pedrógão  Grande 
6  Pequeno,  aonde  vae  muito  alcantilado,  um 
marachão  de  pedras  somente,  de  180  palmos 
d'altura,  sem  lagedo,  nem  mais  circumstan- 
cia  alguma:  o  que  só  bastará  (dizia  elle) 
para  que  uma  cheia,  que,  quando  muito,  du- 
ra dois  dias,  se  reparta  por  quatro  ou  cinco. 

iEste  marachão  não  ha  de  servir  de  pon- 
te, porque  ha  de  ficar  perto  da  mais  alta,  e 
cuido  a  mais  antiga,  que  ha  neste  reino;  por 
isso  sô  basta  que  a  pedra  se  lance  a  granel 
em  tal  quantidade,  que  o  cume  do  marachão 
tenha  a  altura  que  dizemos. 

«Basta  aquella  altura,  porque  não  quero 
représe  mais  agua,  que  a  que,  não  havendo 
marachão,  pôde  passar  pelo  rio  em  dois  dias 
na  maior  cheia. 

cP. — E  se  ella  se  ajuntar  em  maior  quan- 
tidade? 

«R.— Isso  é  impossível,  porque  ficando  a 
pedra,  como  naturalmente  cair,  antes  que  a 
agua  chegue  a  represar  120  palmos  de  al- 
tura, ha  de  furar  por  entre  as  pedras,  sup- 
ponha-se  em  um  dia,  muito  mais  agoa,  do 
que  agora  corre  pelo  rio  em  igual  tempo  na 
mais  extraordinária  cheia. 

,p,_Suppondo  que  assim  se  faz,  não  ne- 
cessita o  marachão  do  Zêzere  de  mais  con- 
certo algum? 

•R.— Só  no  caso  que  se  observe  que  a 
agua  passa  com  muita  pressa,  se  entnpirSo 
alguns  buracos  maiores,  mas  com  cautella 
e  segurança,  para  que  a  agua  nunca  possa 
represar  a  toda  a  altura;  para  o  que  basta- 
rá que  para  cima  de  150  palmos  senão  em- 
barace buraco  algum.  Deve-se  entender  que 
este  marachão,  pelo  que  respeita  ao  Zêzere, 
não  tem  resultas  algumas  attendiveis:  mas 
pelo  que  pertence  ás  cheias  do  Tejo,  não 
pôde  deixar  de  diminuil-as.» 


I  chão,  que  também  servisse  de  ponte;*  em 
I  seguida,  pag.  69  a  122,  diz  que  por  meio  de 
outro  marachão  de  pedra  solta,  feito  a  moa- 
tante  de  Coimbra,  no  sitio  do  Murcellão,  era 
faeil  acabar  também  com  as  inundações  do 
Mondego — e  dá  interessantíssimos  detalhes 
com  relação  ao  modo  como  devia  fazer- se  o 
dicto  marachão  para  servir  também  de  pon- 
te, etc.  etc. 

O  mencionado  livro  é  muito  curioso  e  tal- 
vez que  um  dia  «e  aproveitem  algumas  in- 
dicações d'ellel. . . 

O  auetor,  apesar  de  ser  formado  em  di- 
reito somente  (?)  se  hoje  vivesse  seria  um 
engenheiro  distinctissimo  e  daria  brado  com 
os  seus  inventos  em  náutica,  hydrauliea, 
etc.  etc. 

Foi  um  talento  verdadeiramente  superior, 
inutilisado  e  aniquilado  pelo  marquez  de 
Pombal. 

Ponte  do  Valle  da  Ursa,  a  jusante  e 
pouco  distante  da  villa  de  Domes,  entre  a 
freguezia  d'este  nome,  concelho  de  Ferreira 
do  Zêzere,  e  a  de  Sernache  de  Bomjardim, 
concelho  da  Cerlã,  na  estrada  real  a  maca- 
dam,  n.°  56,  de  Thomar  a  Castello  Branco. 

Tem  3  vãos  e  taboleiro  metallico  sobre  2 
pegões  de  granito;  foi  feita  em  1880  a  1885, 
— e  custou  54:998í000  réis.  Tem  de  com- 
primento 95  metros  (alem  das  avenidas)  e 
17  a  18  d'altura. 
I    Esta  ponte  substitua  uma  barca  de  passa- 
i  gem  que  havia  no  mesmo  sitio,  —  e  a  dieta 
barca  substituiu  outra,  que  houve  a  mon- 
tante na  villa  de  Domes. 
Ceci  tuera  celál . . . 

V.  o  tópico  supra— Barcas — n.»  6,  e  a  sua 
respectiva  nota. 

1.*— Ponte  de  Constança,  junto  da  villa 
d'este  nome,  na  estrada  districtal  n.*  129  de 
Santarém  pela  Barquinha,  Tancos,  Praia  ou 
Paio  Pelle,  Constança  e  Abrantes,  a  entron- 


0  mesmo  auetor  já  havia  indicado  o  meio 
de  acabar  com  as  inundações  do  Tejo— fa- 
zendo-se  nas  Portas  de  Rodam  outro  mara- 


1  V.  Villa  Velha  de  Rodam,  tomo  11.' pag. 
1078,  col.  1.»  e  segg. 


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car  na  real  n.»  56,  de  Thomar  a  Castello 
Branco. 

Deve  ter  encontros  e  pegões  de  pedra  e 
taboleiro  metallico,no  mesmo  estilo  da  pon- 
te de  Valle  da  Ursa;  foi  posta  a  concurso 
por  60  dias  em  27  de  fevereiro  do  corren- 
te anno  (1889)  e  concorreram  a  csisa.  Eif- 
fel, constructora  da  celebre  torre  d'e8te 
nome  em  Paris,  e  da  ponte  D.  Luiz  I,  sobre 
o  Douro,— e  a  Empreza  industrial  portu- 
gueza,  mas  nenhuma  das  propostas  satisfez, 
pelo  que  o  governo  abriu  novo  concurso  em 
8  de  agosto  seguinte. 

Deve  ter  95  metros  de  comprimento,  em 
3  vãos  metallieos,  sobre  2  pilares  de  pedra 
de  12  metros  d'aliura  sobre  o  nível  das 
maiores  cheias — e  duas  avenidas  de  12  me- 
tros cada  uma  com  muros  de  pedra  e  pavi- 
mento a  macãdam. 

8.  »~e 

9,  «__Pon(es  metallicas  em  via  de  cons- 
trucção  sobre  o  Zêzere  nas  proximidades  da 
Covilhã,  para  que  a  linha  férrea  da  Beira 
Baixa  se  aproxinoe  quanto  possível  d'aquel- 
la  cidade, — a  nossa  Manchester. 

Logo  daremos  um  ligeiro  esboço  da  men- 
cionada linha,  pois  atravessa  o  Zêzere  duas 
vezes  em  duas  grandes  pontes. 


RIBEIRAS  CONFLUENTES  DO  ZÊZERE 

Margem  esquerda 

Ribeira  dos  Cântaros. 
Vem  da  Estrella,  ponto  culminante  da 
grande  serra  d'este  nome  com  a  altitude  de 
1991  metros,»  e  do  Chafariz  d"El-Rei,  na 
altitude  de  1841  m.. — nascente  mais  re- 
moia  do  Zêzere.  Banha  os  Cântaros  Magro 
e  Raso,  á  sua  direita,— e  o  Cântaro  Gordo, 
á  esquerda. 


í  Todas  as  altitudes  que  indicamos  refe- 
rem se  ao  nível  do  mar,  como  já  dissemos 
supra. 

TOLDMB  XI 


i*^Ribeira  da  Candieira.  Vem  pela  na- 
ve doeste  nome  e  recebe  as  aguas  do  Chafa- 
riz d' El  Rei  na  altitude  de  1841  melros,— e 
em  seguida  as  da  lagôa  do  Paxão  e  as  da 
lagôa  da  Salgadeira  na  pendente  norte  do 
Cantara  do  Gordo;  corre  de  poente  a  nascen- 
te, descrevendo  uma  curva  contra  S.  —  e 
morre  no  Zêzere  junto  do  grande  penhasco 
da  Candieira,  visínho  e  rival  dos  Cantaras. 

2.*— Ribeira  das  Lameiras.  Vem  do  Cur- 
ral do  Martins,  que  demora  na  altitude  de 
1720  metros. 

k,.'— Ribeira  das  Caldas.  Vem  da  Fraga 
das  Penhas,  na  altitude  de  1666  metros,  e 
descsgua  no  Zêzere  junto  das  Caldas  de  Man- 
teigas. 

5.  "— Ribeira  das  Tornéas.  Vem  do  Corgo 
das  Mós,  na  altitude  de  1547  metros;— re- 
cebe na  margem  direita  outra  ribeira  que 
vem  da  altitude  de  1539  metros;— passa  a 
jusante  (poente)  das  capellas  de  S.  Sebas- 
tião e  S.  Domingos— morre  no  Zêzere,  de- 
pois de  fazer  juncção  com  a  ribeira  se- 
guinte. 

6.  *— Ribeira  de  Manteigas  ou  das  Carva- 
lheiras. Vem  do  Chão  das  Barcas,  na  altitu- 
de de  1352  metros;  banha  e  atravessa  a  Vil- 
la de  Manteigas  e  morre  no  Zêzere,  cerca  de 
1  kil.  a  jusante  das  celebres  Caldas  de  Man- 
teigas. 

T.^—Dos  Biqueiros. 

8.'— jDoí  Bacellos. 

9.._de  Pandil.  Vem  da  Fraga  da  Bata- 
lha, na  altitude  de  1277  metros. 

10.  «__De  S.  Lourenço.  Vem  do  cabeço 
d'este  nome,  na  altitude  de  1168  metros. 

11.  »— Do  Sameiro.  Vem  áo  Corredor  dos 
Mouros,  tídi  altitude  de  1299  metros  —  pela 
freguezía  e  povoação  de  Sameiro. 

lt.*—Val  d' Amoreira.  Banha  a  freguezía  e 

137 


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povoação  d'este  nome  e  vem  do  píncaro  da 
Cabeça  Alta,  na  altitude  de  ilOO  melros. 

13.* — Ribeira  de  Famalicão.  Banha  a  fre- 
goezia  e  povoação  d'este  nome;  vem  do  alto 
do  Mosqueiro,  na  altituJe  de  1118  metros — 
e  morre  em  Valhelhas. 

ii.*— Ribeira  de  Gaia  ou  da  Vella.  Vem 
das  proximidades  da  Guarda;  recebe  diffe- 
rentes  ramos  que  banham  as  povoações  e 
freguezias  de  Aldeia  do  Binpo,  Ramella  e  Vel- 
la —  e  tem  cerca  de  20  kilometros  de  curso. 

15.  » — Vem  do  monte  da  Esperança^  na  al- 
titude de  715  metros  —  e  banha  a  Tapada 
das  Torres. 

16.  "— Vem  do  dicto  monte  por  Faleiro. 

17.  "— Vem  de  Lamaçaes  pela  quinta  de 
Job  ou  de  Jó. 

18.  *— Ribeira  de' Caria.  Banha  esta  paro- 
la e  a  de  Maçainhas;  —  vem  do  alto  do 

Monteiro,  na  altitude  de  888  metros;  —  tem 
cerca  de  24  kilometros  de  curso  —  e  uma 
grande  bacia  hydrographica  pouco  monta- 
nhosa. 

—Ribeira  do  Ferro.  Banha  a  freguezia 
d'este  nome,  passando  a  N. — e  vem  do  mon- 
e  do  Azeivo,  na  altitude  de  750  metros. 

20.  " — Vem  do  Meai  Redondo  e  desagua 
cerca  de  1  kil.  a  montante  da  Ponte  Pedri- 
nha. 

21.  »— JííMra  de  Meimoa. 

Vem  da  iVot?e  Redonda,  na  altitude  de  728 
metros;— banha  as  povoações  de  Escarigo  e 
Salgueiro;  —  tem  cerca  de  30  kilometros  de 
curso  e  uma  grande  bacia  hydrographica 
pouco  montanhosa. 

22.  »— Vem  do  monte  de  S.  Peíaio,  junto 
do  Fundão ;  —  tem  15  a  20  kilometros  de 
curso  e  uma  bacia  hydrographica  muito 
fértil,  muito  povoada  e  muito  arborisada. 


Morre  no  Zêzere  junto  da  povoação  de 
Várzea  Longa. 

23.  » — Ribeira  de  Bogas.  Banha  as  povoa- 
ções de  Bogas  de  Cima,  Bogas  do  Meio  e 
Bogas  de  Baixo;— tem  15  a  20  kilometros  de 
curso — e  vem  da  serra  de  Maunça,  na  alti- 
tude de  1002  metros. 

Morre  no  Zêzere  junto  do  Portal  de  Bo- 
gas e  do  grande  penhasco  do  Mosqueiro,  que 
rivalisa  com  o  penhasco  da  ponte  do  Cabril^ 
talvez  o  maior  do  Zêzere. 

24.  »— Ribeira  de  Yillar  Barroco. 
Banha  a  povoação  d'este  nome;  vem  da 

Lomba  do  Carvalho,  na  altitude  de  825  me- 
tros, junto  de  Almaceda;  —  e  tem  cerca  de 
20  kilometros  de  curso. 

25.  » — Vem  da  serra  da  Azinheira— e  tem 
cerca  de  8  kilometros  de  curso. 

D'aqui  até  á  foz  da  grande 
ribeira  da  Cevtã  todas  as  ri- 
beiras da  margem  esquerda 
do  Zêzere  são  pouco  impor- 
tantes, porque  as  aguas  pen- 
«  dem  para  a  dieta  ribeira,  de 
que  vamos  fallar. 

26  • — Ribeira  da  Certa.  Banha  a  villa  e  o 
concelho  d'e8te  nome,  bem  como  a  villa  e  o 
concelho  de  Oleiros;— caminha  parallela  ao 
Zêzere  de  N.E.  a  S.O.— vem  das  proximida- 
des de  Villar  Barroco— e  tem  50  a  60  kilo- 
metros de  curso. 

E'  a  maior  da  margem  esquerda  do  Zê- 
zere e  tem  uma  bacia  hydrographica  muito 
escabrosa,  muito  accidentada  e  muito  po- 
voada. 

27.» — Ribeira  de  Isna,  Banha  a  freguezia 
d'e3te  nome,  concelho  de  Oleiros;  vem  do 
Cabeço  da  Rainha,  na  altitude  de  1080  me- 
tros; tem  differentes  braços  com  differentes 
nomes  e  40  a  50  kilometros  de  cnrso,  —  e 
morre  no  Zêzere,  6  kilometros  a  jusante  da 
foz  da  Certã. 

^8.'— Ribeira  de  Codes. 

Vem  da  villa  d'Âmendoa  (lado  S.)  conce- 


ZEZ 


ZEZ  2175 


lho  âe  Yilla  de  Rei;  caminha  de  nascente  a  { 
poBDite — e  morre  no  Zêzere  com  20  a  25  ki- 
iometros  de  curso,  10  kilometros  a  jusante 
da  foz  de  ísm. 

Nem  o  meu  antecessor  nem  a  Ghoroffra- 
phia  Moderna  mencionaram  a  ribeira  de 
Coães.  Foi  uma  injustiça,  porque  menciona- 
ram outras  menos  importantes. 


RIBEIRAS  CONFLUENTES  DO  ZÊZERE 

Margem  direita 

Vem  dos  Poios  Brancos,  na  altitude 
de  1802  m.  —  ao  nascente  e  em  frente  dos 
Cantaras. 

2.  «— Vem  do  Curral  da  Nave,  na  altitude 
cie  1480  m.,  —  ao  nascente  e  em  frente  do 
Curral  do  Martins,  mettendo-se  de  permeio 
a  funda  garganta  do  Zêzere. 

3.  » — Ribeira  de  Leandres.  Vem  do  mesmo 
Curral  da  Nave  e  dos  cabeços  do  Souto  e 
da  Moreira — e  morre  no  Zêzere,  cerca  de  3 
kilometros  a  jusante  da  vilia  de  Manteigas. 

i,  »— Ribeira  de  Verdelhos.  Banha  a  po- 
voação e  freguezia  d'este  nome — e  vem  dos 
Poios  Brancos,  mencionados  supra.  Tem  15 
kil.  de  curso  atravez  de  serra  bravia. 

^'—Aldeia  do  Matto.  Banha  a  freguezia 
<d'este  nome— e  é  de  limitado  curso. 

^.*~Aldeia  do  Souto.  Banha  a  freguezia 
<l'e8te  nome;  tem  8  kilometros  de  curso 
atravez  de  medonha  penedia— e  vem  do  ca- 
beio da  Atalaia,  na  altitude  de  1:045  m. 

7.  » — Vem  dos  montes  Sarzedo  e  Rafeiro, 
na  altitude  de  1005  m  ;  banha  a  freguezia 
deOrjaes  a  N.— e  morre  no  Zêzere  junto  da 
Ponte  Nova,  mencionada  supra. 

8.  » — Rio  de  Corgas  ou  Ribeira  do  Teixoso. 
Baoha  a  freguezia  d'este  nome;  vem  do 
monte  de  S.  Gião,  na  altitude  de  1768  me- 
tros; caminha  de  norte  a  sul;  tem  15  a  20 


kilometros  de  curso;  passa  a  E.  da  Covilhã 
na  distancia  de  3  a  4  kilometros —  e  banha 
muitas  aldeias. 

9.  '— Ribeira  de  Boidobra.  Banha  a  fregue- 
zia d'este  nome;  vem  da  Pedra  da  Mesa,  na 
altitude  de  1292  m.  a  O.  N.  O.  da  cidade  da 
Covilhã  e  distante  d'ella  3  kilometros;— ca- 
minha de  N.  O.  a  S.  E.;  morre  no  Zêzere  1 
kilometro  a  jusante  da  foz  da  ribeira  do 
Teixoso. 

r 

10.  *— Ribeira  de  Tortozendo.  Banha  a  fre- 
guezia d'este  nome  —  e  vem  das  Pedras 
Brancas  na  altitude  de  911  metros. 

11.  "— Ribeira  de.. . 

Banha  a  freguezia  de  Tortosendo,  lado  S. 
— e  a  de  Dominguiso,  lado  N. 

12., — Ribeira  de... 

Vem  da  Pedra  Alta,  que  tem  a  cota  de 
768  m.—-e  desagua  entre  as  freguezias  do 
Peso  6  Barco. 

13.'— Ribeira  de  Unhaes  da  Serra.  Banha 
a  freguezia  d'este  nome  e  tem  5  braços: — 
ribeira  da  Estrella  e  ribeira  de  Alforfa, 
que  veem  da  Estrella,  na  altitude  de  1991 
metros,  pendendo  para  sul;— ribeira  de  Cor- 
tes, que  banha  a  freguezia  d' este  nome; 
vem  do  Curral  do  Vento,  junto  dos  Poios 
Brancos,  e  passa  3  kilometros  a  O.  da  Covi- 
lhã; ribeira  da  Erada,  que  banha  a  fregue- 
zia d'este  nome  e  vem  da  serra  da  Muralha 
na  altitude  de  1484  metros,  pouco  distante 
de  Alvoco  da  Serra  para  E.S.E.;-e  ribeira 
de  Cazégas,  que  banha  a  freguezia  d'este  no- 
me e  vem  do  monte  do  Fojo,  na  altitude  de 
1329  metros,  a  S.  e  pouco  distante  à' Alvoco 
da  Serra  também . 

Al.»  e  2.»  ribeira,  confluentes  da  de 
Unhaes,  unem- se  antes  de  chegarem  á  po- 
voação d'este  nome;  a  3."  une-se  áquellas 
duas  5  kilometros  a  jusante  de  Unhaes,  for- 
mando as  3  uma  só;  a  4.»  une-se  áquella 
na  povoação  e  freguezia  de  Paul;  a  5."  une- 
se  à  grande  ribeira  7  kilometros  a  jusante 
de  Paul— e  depois  de  unidas  as  5,  a  grande 
ribeira  de  Unhaes  morre  no  Zêzere  junto  da 


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povoação  e  freguezia  de  Ourondo,  tendo  de 
curso  total  25  a  30  kilometros  e  uma  gran- 
de bacia  liydrograpbica  muito  accidentada 
e  toda  eriçada  de  medonha  penedia. 

lí.'— Ribeira  de  Persim —  on  de  Sobral 
de  Cazégas.  Banha  a  freguezia  o'estenome; 
vem  da  Fonte  de  Espinho,  na  altitude  de 
1053  metros,~e  da  de  Gendufo,  na  altitude 
de  1559  metros,  junto  de  Piodão,  para  E.; 
caminha  de  N.O.  a  S.E  ;  recebe  á  direita 
duas  ribeiras,  que  veem  uma  da  serra  da 
Cebola  e  outra  da  freguezia  d'este  mesmo 
nome,— e  desagua  no  Zêzere  entre  a  ribeira 
de  Unhaes  e  a  de  Bodelhào,  tendo  de  curso 
total  15  kilometros  e  uma  bacia  também 
muito  accidentada  e  toda  eriçada  de  me- 
donha penedia. 

iS.*— Ribeira  de  Bodelhão.  Banha  a  pe- 
quena povoação  e  freguezia  d'e9te  nome,  iso- 
lada e  enterrada  entre  medonha  penedia;^ 
vem  do  monte  do  Chiqueiro,  na  altitude  de 
1083  metros— e  morre  no  Zêzere  3  kilome- 
tros a  montante  da  freguezia  da  Barroca. 

i^.*— Ribeira  do  Carregal.  Banha  a  po- 
voação d'este  nome;  vem  do  monte  da  Fi- 
gueirinha, na  altitude  de  992  melros,— e 
morre  no  Zêzere  2  kilometros  a  jusante  de 
Dornellas. 

l7.*~Ribeira  de  Unhaes  o  Velho,  ou  da 
Pampilhosa.  Banha  as  villas  doeste  nome  e 
outras  muitas  povoações;  tem  differeutes 
braços  com  differentes  nomes  —  e  desagua 
cerca  de  4  kilometros  a  montante  de  Pedro- 
gam  Grande  com  50  kilometros  de  curso. 

Nasce  na  grande  serra  do  Açor,  que  tem 
1349  metros  d'altitude;— caminha  na  direc- 
ção geral  N.E.S.O.— e  tem  uma  larga  ba- 


»  Demora  na  margem  direita  do  Zêzere, 
do  qual  dista  2  kilometros,  mas  foi  annexa- 
da  á  freguezia  da  Barroca,  sita  na  margem 
esquerda  do  Zêzere,  distante  de  Bodelhào  5 
kilometros,  e  ambas  pertencem  hoje  ao  con- 
celho do  Fundão. 

As  duas  contam  apenas  186  fogos?!. . . 


cia  hydrographica,  também  muito  acciden- 
tada e  toda  eriçada  de  medonha  penedia. 

18.  '—Ribeira  de  Pera  ou  de  Cabril. 
T^m  differentes  ramos,  um  dos  quaes  vem 

do  monte  do  Muro,  na  altitude  de  723  me- 
tros; caminha  de  norte  a  sul— e  banha  as 
povoações  de  Escalos  Cimeiros,  Escalos  do 
Meio  e  Escalos  Fundeiros. 

Outro  ramo  vem  da  serra  de  Cabril,  na 
altitude  de  954  metros;— -banha  a  freguezia 
de  Castanheira  de  Pera,  onde  tem  uma 
grande  fabrica  de  lanificios  e  outras  a  ju- 
sante;! caminha  de  N.O.  a  S.E.;  unem-se 
os  dois  ramos  a  2  kilometros  do  Zêzere;— 
tem  a  dieta  ribeira  cerca  de  20  kilometros 
de  curso—e  entra  no  Zêzere  100  metros  a 
jusante  da  ponte  do  Cabril. 

19.  »— Ribeira  de  Noudel  ou  Nodel,  ou- 
tr*ora  denominada  Vouzella,  no  concelho  de 
Pedrogam  Grande,  a  montante  e  pouco  dis- 
tante da  barca  da  Bouçã.  E'  de  limitado 
curso. 

Veja-se  a  lista  das  barcas,  supra,— -e  Vou- 
zella, ribeira,  tomo  11."  pag.  1994,  col,  i.« 
in  fine  e  segg. 

20.  " — Ribeira  da  fioufãa  montante  e  pou- 
co distante  da  barca  d'este  nome,  no  conce- 
lho de  Figueiró  dos  Vinhos. 

V.  Vouzella,  ribeira,  loc.  cit. 

'il."— Ribeira  d'Alge,  no  mesmo  concelho 
de  Figueiró  dos  Vinhos. 

V.  Alje,  tomo  1.»  pag.  126,  col.  2.*  —  e 
Vouzella,  ribeira,  loc.  cit. 

22.»— Ribeira  ou  rio  Nabão. 

Vem  da  serra  da  Atianha,  na  altitude  de 
412  metros,  a  N.  da  villa  d'Anciào;  banha 
Thomar;  tem  60  a  70  kilometros  de  curso— 
e  morre  no  Zêzere  10  kilometros  a  montan- 
te da  Villa  de  Constança. 


1  V,  Castanheira,  tomo  2.»  pag.  164,  col. 
1.»— e  Pera,  vol.  6.°  pag.  664,  col.  1.»  in 
fine. 


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V.  Thomar,  Nabancia  e  Nabão. 


O  Zêzere,  desde  a  ribeira  de  Gaia,  junte 
de  Belmonte,  alè  á  ribeira  à'Alge,  corre  na 
direcção  geral  N.E.S.O.;  da  foz  d"Alge 
para  jusante  caminha  de  N.  a  S.  descre- 
vendo muitas  curvas.  Em  Domes  avança 
para  N.  E.;  depois  caminha  deN.O.  aS.E.; 
a  jusante  da  ribeira  da  Certa  caminha  de 
JSorle  a  Sul;  depois  avança  para  S.E.;  toma 
a  direcção  N.E.S.O.  até  receber  o  Nabão; 
forma  ali  o  vértice  de  um  angulo  quasi  re- 
cto e  depois  caminha  de  N.O  a  S.E.; — por 
ultimo  fórraa  uma  curva  rápida  e  avança  de 
N.N.E.  aS.S.O.  até  que  morre  no  Tejo 
entre  a  villa  e  freguezia  de  Constança  — 
margem  esquerda, — e  a  freguezia  de  Paio 
Pelle,  ou  da  Praia,  concelho  da  Barquinha, 
margem  direita. 

Afinidade  de  nomes 

Ha  muita  afiQnidade  enjre  os  nomes  de 
diversas  povoações  das  margens  do  Zêzere» 
V.  g.  entre  Caria  e  Alçaria;  Domes  e  Dor- 
nellas,  freguezias  muito  distantes;—  Alvaro 
e  Alvares;  Pedrogam  Grande  e  Pedrogam 
Pequeno;  Janeiro  de  Baixo  e  Janeiro  de  Ci- 
ma; Bogas  de  Baixo,  Bogas  do  Meio  e  Bogas 
de  Cima;  Rio  Fundeiro  e  Rio  Cimeiro;  Es- 
calos Fundeiros  e  Escalos  Cimeiros;  Brejo 
Fundeiro  e  Brejo  Cimeiro;  Maxial,  Maxial 
d'Aiem,  Maxial  Cimeiro,  Maxial  Fundeiro  e 
Maxialinho,  em  pontos  muito  distantes;  Ca- 
salinho  (muitas  povoações  d'este  nome)  e 
Casalinho,  de  SanfAnna;  Gaia,  Villa  Gaia  e 
Vendas  de  Gaia  em  pontos  muito  distantes; 
Aldeia  do  Matto  e  Aldeia  do  Souto,  fregue- 
zias do  concelho  da  Covilhã;  Aldeia  do  Mat- 
to e  Souto,  freguezias  do  concelho  de  Abran- 
tes; Zêzere,  Ferreira  do  Zêzere  e  Castello 
do  Zêzere;  Barroca,  freguezia  do  concelho 
do  Fundão,  e  Barroca  do  Alcaide,  aldeia  da 
freguezia  de  Valhelhas;  Oleiro,  aldeia  da 
mesma  parochia,  e  Oleiros,  vilia;  Cardai 
Grande  e  Cardai  Pequeno;  Quartos  d' Além 
e  Quartos  d'Aquem;  Roco  de  Baixo  e  Ro- 
ço de  Cima;  Peso,  Pesinho,  Pesos  Cimeiros 


ZEZ 


2177 


e  Pesos  Fundeiros,  em  pontos  distantes 
Derriada  Cimeira  e  Derriada  Fundeira;  Re 
gadas  Cimeiras  e  Regadas  Fandeiras;  Tro 
viscaes  Cimeiros  e  Troviscaes  Fundeiros 
Douro  e  Porto  do  Douro;  Ferreiros  da  Ri 
beira,  Ferreiros  de  Santarém,  Ferreiros  de 
Baixo  e  Ferreiros  da  Bairrada,  aldeias  da 
villa  e  freguezia  de  Figueiró  dos  Vinhos; 
Fajoeira,  Feteira,  Ladeira,  Loureira,  Ardoei- 
ra,  Aveleira,  Salgueira,  Madroeira,  Carva- 
lheira, Crugeira,  Castanheira,  Pombeira,  Ca- 
beçadeira,  Maxieira,*  Cerejeira,  Aduxeira, 
Val  da  Carreira,  Val  da  Figueira  e  Casal  da 
Ribeira;  Val  Cipote  e  Ribeira  de  Val  Cipo- 
te;  Janalvo  e  JanaíTonso,  ete.  ete. 

Elymologia  e  nomes  do  Zêzere 


Ignoramos  a  verdadeira  etymologia  do 
Zêzere. 

Talvez  provenha  de  Ozecharus  ou  Ozeca- 
rus,  nome  que  os  romanos  lhe  davam,  se- 
gundo diz  André  de  Rezende,  fallando  De 
Antiquitatibus  Lusitanioe,  ou  tomaria  o  no- 
me dos  zenzereiros  e  azereiros,  que  nas- 
cem espontâneos  e  abundam  nas  suas  mar- 
gens. 

Zenzereiro,  sinceiro  ou  cimeiro,  é  uma 
espécie  de  salgueiro,  de  que  se  fazem  em 
todo  o  nosso  paiz  açafates,  cestas,  cestinhas, 
cadeiras  de  encosto,  centros  de  mesa,  arma- 
ções de  vestidos  para  modistas  e  costureiras 
e  outros  muitos  objectos  curiosos  de  diver- 
sos tamanhos  e  de  formas  e  cores  variadís- 
simas. 

Como  não  ó  fácil  a  eonducção  dos  dietos 
artefactos,  colhem  nas  margens  do  Zêzere  as 
vergonteas  dos  zenzereiros,  —  tiram-lhes  a 
pelle,— conduzem -nas  em  molhos  ou  feixes 
para  o  Porto,  Lisboa,  Coimbra,  Figueira, 


1  Maxieira  é  corrupção  de  ameixieira,  — 
e  Maxial  é  corrupção  de  ameixial,  bosque 
de  ameixieiras,  arvores  que  dão  ameixas. 
Suppomos  que  estas  arvores,  mesmo  no  es- 
tado selvagem,  outr'ora  abundavam  nas 
margens  do  Zêzere,  pelo  que  ainda  hoje  ali 
abundam  terras  e  povoações  com  os  nomes 
de  Maxial  e  Maxieira. 


2178  ZEZ 

Braga,  Lamego,  Évora,  Algarve,  etc.  etc.  e 
ali  os  habitantes  das  margens  do  Zêzere, 
que  exploram  aqaelia  iodustha,  fabricam  os 
diversos  artefactos,  lançando  a  verguinha 
de  molho  e  colorindo-a  a  sen  bel  prazer  com 
tinta  lançada  em  caldeiras  d'agua  fervendo, 
nas  quaes  mergulham  as  vergonteas  dos 
taes  zenzereiros,  que  elles  denominam  sal- 
gueiros. 

Também  usam  de  vergonteas  de  vime, 
choupo  e  giesta,  segundo  a  qualidade  dos 
artefactos. 

Com  a  giesta  branca  imitam  os  mimosos 
trabalhos  congéneres  da  ilha  da  Madeira. 


Note-se  que  Miguel  Leitão  d'Andrade  na 
sua  curiosa  Miscellanea,  sendo  filho  do  Zê- 
zere, deu- lhe  o  nome  de  Zenzere,  que  tem 
muita  aíBuidade  com  zenzereiro. 

«A  este  nosso  Zenzere,  ou  Gigante  Zacor 
—diz  eile,*— com  rasão  lhe  podeis  chamar 
assim,  por  sua  grande  terribilidade,  e  mayor 
fúria,  que  a  de  todos  os  rios  de  Hespanha  (?) 
e  juiçais  (?)  do  Mundo  todo  do  seu  tamanho. 
Em  tanto  que  chegando  ao  grande  rio  Tejo, 
com  se  lhe  avisinhar  já  manso,  o  atravessa 
da  outra  banda,  e  corta  pelo  meyo  sem  fa- 
zer caso  delle^  e  á  outra  banda  chega  ainda 
com  tanta  fúria,  que  lá  vay  arrancar  as  ar- 
vores que  alcança  com  outros  danos,  levan- 
do suas  aguas  distinctas ,  das  do  Tejo  mais 
de  huma  légua,*  por  lhe  não  querer  reco- 
nhecer vantagem  e  antes  o  faz  tornar  a  traz, 
e  reprezar  no  logar  onde  o  atravessa.» 

'O  bom  do  homem,  cego  pelo  amor  da  sua 
terra  natal,  exagerou  tudo  o  que  prendia 
com  ella,  como  o  seu  contemporâneo  dr. 
Manoel  Botelho  Ribeiro  exagerou  e  fabulou 
nos  seus  Diálogos  moraes  e  políticos,  fallan- 
do  de  Viseu,  sua  pátria  também 

V.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1684,  col.  e 


»  Op.  ciL  Dial.  i9,  foi.  573. 
^  As  léguas  in  illo  tempere  tinham  mais 
de  6  kilumetros. 


ZEZ 

2.»— 1694  a  1694  — e  1805,  col.  — e  P«- 
drogam  Grande,  tomo  6.»  pag.  530,  col.  2.*  e 
segg.  onde  se  encontra  uma  leve  amostra  da 
parte  fabulosa  e  mais  mentirosa  da  Miscel- 
lanea. 
Risum  teneatisl . . . 


Azereiro  {Prunus  lusitanica  de  Linneu)  é 
uma  arvore  de  pequeno  porte  com  folhas 
como  as  do  loureiro,  sempre  verdes;  dá  uns 
ramalhetes  de  flores  brancas  e  fructos  como 
os  da  ginjeira.  Os  francezes  lhe  chamam 
Laurier  fleury,  —  loureiro  florido,  —  laurus 
florifera  ou  florigera.  t  Destas  lê  o  Marquez 
de  Fronteyra  na  sua  Quinta  de  Bemflca»  — 
diz  Bluteau  no  seu  Vocabulário. 

«As  flores  e  as  folhas  do  Azereiro,  teem 
cheiro  de  amêndoa  amargosa,  baslantemen- 
te  agradável»  —  segundo  se  lé  no  Dicciona- 
rio  da  Academia. 

Nas  Memorias  d^Oleiros,  pag.  256,  diz  o 
seu  i Ilustrado  auctor: 

«São  próprias  4as  encostas  d'este  rio  (Zê- 
zere) do  qual  derivão  provavelmente  o  no- 
me, as  arvores  chamadas  azereiros,  bellas 
por  sua  fórma  redonda  e  copada,  sem  nun- 
ca perderem  a  folha,  e  agradáveis  pelo  aro- 
ma de  seus  abundantes  caixos  de  flores 
brancas.* 

Do  exposto  se  vê  que  ou  o  Zêzere  tomou 
o  nome  dos  zenzereiros  e  azereiros  ou  v.  v. 
—o  que  julgamos  mais  provável. 

Também  nas  margens  do  Zêzere  se  en- 
contram em  alguns  sitios  grandes  oliveiras 
e  grandes  castanheiros — e  junto  da  ponte  do 
Cabril  sovereiros  enormes,  que  rebentam  da 
medonha  penedia  em  ambas  as  margens  e 
ensombram  o  Zêzere  na  extensão  de  alguns 
kilometros. 

Fecharemos  este  tópico  dizendo  que  os 
portuguezes,  quando  povoaram  o  Brazil,  de- 
ram a  muitas  povoações  e  rios  d'aquelle 
vasto  império  os  nomes  das  povoações  e  rios 
de  Portugal.  A  um  d'esses  rios  deram  lam- 
bem o  nome  de  Zêzere,  mas  no  seu  dialecto 
08  Índios  chamavam -no  Zezeré,  depois  Ze- 
reré,  seu  nmne  actual. 

E'  um  rio  da  província  de  Matto -Grosso. 


ZEZ 


ZEZ  2179 


Nascce  na  serra  de  Santa  Barbara  (nome  por- 
íugmez);  corre  para  N.E.  —  e  desagua  na 
marggem  esquerda  do  rio  Mondego,— nome 
tambbem  portuguez,  mas  que  os  indios  no 
seu  ( dialecto  chamam  Embotetiú.. . 

Portugal  no  Brazil 

Avproveitando  o  ensejo,  indicaremos  algu- 
mas j  povoações  do  Brazil  que  ainda  hoje 
eonsservam  os  nomes  de  povoações  de  Por- 
lugaal.  Oecorrem-nos  as  seguintes: 

Albrantes  (villa  da  foz  do  Zêzere)  Aguiar» 
Albiuquerque,  Alcantara,  Alcobaça,  Alegre- 
te, iAlemquer,  Alhandra,  Almada,  Almeida, 
Almaeirim,  Almofala,  Aller  do  Chão,  Alva- 
renjga,  Alvellos,  Anadia,  Anta,  Antas,  Araes, 
Arcços,  Areias,  Arneiros,  Arrayollos,  Arron- 
chesã,  Atalaya  (povoação  da  foz  do  Zêzere)  e 
Avegiro. 

Biarcellos,  Barreiro,  Batalha,  Baião,  Beja, 
BeUem,  Belmonte  (povoação  da  margem  es- 
que^rda  do  Zêzere)  Bemflea,  Benavente,  Boa 
Viaigem,  Boa  Vista,  Bomftm,  Bomjardim  (po- 
voaição  da  margem  esquerda  do  Zêzere)  Bom 
Jesms,  Bom  Sueeesso,  Borba  e  Bragança. 

Cabeceiras,  Cabedello,  Caldas,  Campello 
(poivoação  da  margem  direita  do  Zêzere), 
Caimpo-Bello,  Campo  Grande,  Campo  Maior, 
Caísa  Branca,  Castanheira  (povoação  da 
mairgem  direita  do  Zêzere)  Castello  (povoa- 
ção) da  margem  esquerda  do  Zêzere)  Castro, 
Caisal  Vasco,  Chamusca,  CímbreS,  Cintra, 
Coiimbra,  Colares,  Conceição^  e  Crato. 

©ouro,  Ega,  Esposende,  Estrella  (nome 
da  grande  serra,  onde  nasce  o  Zêzere)  Fi- 
gueira, Formiga,  Gavião,  Gouveia,  Granja^ 
Guimarães  e  Jerumenha. 

Lage,  Lages,  Lagôa,  Lamalonga,  Lapa,  La- 
rangeiras,  Linhares,  Loreto  e  Lumiar. 

Maia,  Marvão,  Mattosinhos,  Mecejana, 
Melgaço,  Mello,  Miranda,  Mirandella,  Mon- 


1  No  Brazil  ha  38  povoações  com  o  nome 
de  Nossa  Senhora  da  Conceição,  o  que  pro- 
va que  08  portugut-zes  já  in  illo  tempore  ti- 
nham muita  devoção  com  a  Virgem. 


dego,  Mondim,  Monforte,  Monsaraz,  Monta- 
legre, Mont'alto,  Monte  Gordo,  Monte  Mor, 
Monte  Mor- Novo,  Monte  Mor- Velho,  Montes 
Claros,  Mossamede»,  Moura  e  Moz.  , 

Nazareih,  Nogueira,  Nova  Almeida,  Nova 
Beira  {Beira  é  uma  das  provindas  que  o 
Zêzere  banha)  Nova  Coimbra,  Óbidos,»  Oei- 
ras, Olivença,  Palmeira,  Palmella,  Pedernei- 
ra, Pesqueira,  Pias,  Pilar,  Pinheiro,  Pinhel^ 
Pombal,  Portel,  Portalegre  (Porto  Alegre) , 
Prado,  Queluz,  Rezende,  Sallinho  (notável 
cachoeira  do  Douro  junto  de  Freixo  d'Es- 
pada  á  Cinta,  em  Portugal),  Santarém,  S. 
Gonçalo  d' Amarante,  S.  João  da  Anadia,  S. 
Pedro  de  Alcantara,  S.  Romão,  S.  Vicente, 
S.  Victor,  Serpa,  Setúbal,  Silves,  Sobrado, 
Soure  e  Souzel. 

Teixeira,  Thomar,  Trancoso,  Vacaria,  Va- 
lença, Veiros,  Vianna,  Villa  Bôa,  Villa  Boim, 
Villa  do  Conde,  Villa  Flor,  Villa  Franca, 
Villa  Nova,  Villar,  Villa  Velha,  Villa  Verde, 
Villa  Viçosa,  Vimieiro,  Vinhaes,  Viseu  e  Ze- 
zeré,  rio  mencionado  supra. 

A  povoação  de  Viseu  demora  na  provín- 
cia de  Matto  Grosso  e  foi  fundada  pelo  go- 
vernador Luiz  d'Albuquerque  Pereira  e  Ca- 
ceres, ascendente  dos  Albuquerque^  da  no- 
bre casa  da  Insua,  concelho  de  Penalva  do 
Castello,  junto  de  Viseu,  em  Portugal. 

V.  Miragaya,  tomo  5.«  pag.  271,  col.  2.» 
e  segg. 

Deseulpem-nos  a  digressão. 
Além  de  não  ser  de  todo  o 
ponto  mal  cabida,  é  muito  li- 
songeira  para  Portugal. 

Cheias 

A  maior  de  que  ha  memoria  no  Zêzere 
foi  a  de  1876. 

Com  data  de  16  de  novembro  do  dicto 
anno  dizia  um  correspondente  de  Alpedri- 


»  Villa,  na  margem  esquerda  do  Amazo- 
nas. Chega  até  ali  a  maré,  posto  que  dista 
do  mar  300  legoas.  ' 

O  Amazonas  tem  ali  896  braças  de  largu- 
ra e  100  d'allura?l . . . 


2180  ZEZ 


ZEZ 


nhã  para  o  Diário  da  Manhã,  jornal  de  Lis- 
boa, o  seguinte: 

« Vou  hoje  dar-Ihe  algumas  noticias  d'este 
distrieto  de  Castello  Branco,  que  tem  sido 
e  está  sendo  victima  d'um  temporal  de  que 
não  ha  memoria,  tanto  pela  sua  duração, 
como  pelos  prejuízos  que  fez. 

São  incalculáveis  os  estragos  causados 
pelo  vento,  pelas  chuvas  e  pelas  cheias  dos 
rios  e  ribeiras. 

Temos  estado  privados  de  noticias  do  sul 
6  do  norte;  do  sul  por  causa  do  Tejo,  e  do 
norte  por  causa  do  Zêzere,  cujas  cheias 
teem  chegado  a  cobrir  a  ponte  Pedrinha,  le- 
vando na  sua  corrente  as  velhas  guardas  da 
ponte. 

O  correio  de  Belmonte  para  a  Covilhã, 
tentando  atravessar  o  Zêzere,  foi  vietim^  da 
sua  audácia,  pois  que  até  hoje  não  se  sabe 
d'elle,  o  que  leva  a  crer  que  foi  arrastado 
pela  corrente. 

As  chuvas  teem  levado  na  sua  corren- 
te muitas  searas  de  milho,  derrubado  muros 
e  arrazado  casas. 

Estes  tristes  acontecimentos  teem  feito 
encarecer  os  cereaes,  principalmente  os  mi- 
lhos. 

Nas  obras  publicas  construídas  e  em 
construeção  n'este  distrieto,  tem  havido  con- 
sideráveis prejuízos. 

N'esta  Villa  já  desabaram  tres  casas,  fi- 
cando um  dos  seus  donos  reduzido  á  misé- 
ria. 

Consta-nos  que  vae  promover-se  uma  sub- 
scripção  com  o  fim  de  remediar  este  mal, 
o  que  muito  honra  o  cavalheiro  ou  cava  • 
lheíros  que  a  promovem. 

Muitas  oliveiras  e  outras  arvores  teem 
sido  quebradas  e  arrancadas,  e  não  só  n'e8- 
ta  Villa,  mas  em  vários  pontos  d'este  distri- 
eto, segundo  as  noticias  que  acabamos  de 
receber. 

A  ribeira  de  Alverca,  próxima  do  Fundão, 
tem  causado  grandes  prejuízos  nas  suas 
margens,  arrastando  na  corrente  algumas 
azenhal,  lagares  de  azeite  e  fazendo  também  < 
algumas  victimas.  ] 

Na  ribeira  de  Alpreade  foi  tal  a  cheia 
que  arrastou  na  corrente  vários  pontões,  j 
muros  e  até  a  antiquíssima  ponte  que  dava  i  i 


passagem  para  Castello  Novo,  sendo  tam- 
bém levadas  na  corrente  muitas  azenhas, 
arrasados  vários  prédios  e  arrancadas  mui- 
tas oliveiras  e  outras  arvores  collossaes. 

Avaliam-se  em  mais  de  dez  contos  de  réis 
os  prejuízos  causados  por  este  temporal,  só 
em  Castello  Novo  e  seu  limite.» 


No  seu  numero  de  18  de  dezembro  do 
dicto  anno  dizia  o  Diário  Popular: 

«A  corrente  do  Rio  Zêzere,  próximo  a 
Belmonte,  destruiu  uma  casa  e  arrastou  a 
moradora,  deixando  a  morta,  dependurada 
em  um  salgueiro.  N'um  sítio  denominado 
os  Trinta,  próximo  da  Guarda,  a  cheia 
destruiu  tres  fabricas  de  paunos,  levando  as 
machinas  e  demais  utensílios. 

A  Villa  de  Manteigas  foi  tão  prejudicada 
pelo  temporal,  que  ficou  incommunieavel, 
porque  todas  as  pontes  foram  por  agua 
abaixo. 

Os  arcos  da  ponte  de  Unhaes  da  Serra,  na 
Covilhã,  estão  tapados  com  enormes  pe- 
dras, que  ficaram  sobrepostas,  formando 
como  que  uma  parede  feita  pela  mão  de  ho- 
mem. Para  remover  algumas  das  pedras  foi 
necessário  trabalho  de  vinte  homens. 

Em  Sernache  do  Bomjardim  a  cheia  to- 
mou a  altura  de  l^.SO  acima  de  todas  as  de 
que  ali  ha  memoria. 

Caiu  o  melhor  prédio,  que  fôra  construí- 
do havia  "quatro  annos,  e  do  qual  era  pro- 
prietário o  sr.  José  Ferreira  Pinto.  A  çheia 
levou  pela  raiz  um  pomar  inteiro,  destruiu 
todos  os  moinhos  e  lançou  para  fóra  dos  la- 
gares toda  a  azeitona  que  lá  estava.* 


Com  data  de  11  de  janeiro  de  1877  dizia 
o  Diário  Illustrado: 

«São  importantes  os  estragos  das  inunda- 
ções do  Mondego  e  Zêzere,  aquelle  nos  con- 
celhos da  Guarda  e  Celorico,  e  este  no  de 
Manteigas. 

O  valle  do  Mondego  está  cheio  de  destro- 
ços, arrastados  pela  impetuosa  corrente  do 
rio. 


ZEZ 


ZEZ  2181 


EHa  proprietários  com  prejuízos  superio- 
res s  a  dfz  eoDtos  de  réis. 

/As  aguas  que  em  impetuosa  corrente  se 
preecipitarara  dos  conlrafortes  da  Serra  da 
Esltrella  sobre  o  valle,  aniquilaram  quasi  to- 
taliimente  as  propriedades  onde  não  tiuha 
cheegado  a  inundação,  areando  umas,  e  le- 
vacndo  a  camada  arável  d'outra3. 

M  grande  ventania  fez  graves  prejuízos  no 
arworedo,  especialmente  nas  oliveiras,  cas- 
tanabeiros,  pinheiros,  amoreiras,  amendoei- 
ras} e  outras  arvores  de  frueto. 

/A  velocidade  do  vento  tem  regulado  en-  | 
trej  90  a  ISO  kilometros  por  hora. 

3ão  egualmente  importantes  as  perdas  em 
gaddos,  tanto  em  animaes  afogados,  como  nos 
qute  teem  perecido  por  falta  de  alimento  e 
peUo  frio. 

(Os  prejuízos  em  todo  o  districto,  não  con- 
tamdo  ainda  os  provenientes  do  ultimo  tem- 
porral,  são  avaliados  em  491:897)^000  réis, 
semdo  os  concelhos  mais  prejudicados  — 
Guiarda  com  160:000íi000  réis.  Manteigas 
couB  i  10:000^000  réis,  Ceia  com  70:000^000 
réus,  e  Celorico  com  50:000^000  réis;  isto  é 
03  da  proximidade  da  serra.» 

IDo  exposto  se  vè  que  foi  muito  chuvoso 
e  imuito  tempestuoso  o  inverno  de  1876  a 
1877,  pelo  que  no  Zêzere,  Mondego,  Tejo, 
Guiadiana,  Sado,  e  nos  outros  rios  ao  sul  do 
noisso  paiz  a  maior  cheia  d'este  século  foi  a 
de  1876,  mas  no  Douro  e  nos  outros  rios  a 
N.  de  Portugal  foi  muito  maior  a  cheia  de 
18(80. 

Digam  os  sábios  da  escripíura 
Que  segredos  são  estes  da  natural . . . 

Linhas  férreas  que  prendem  com  o  Zêzere 

Em  março  de  1885  T.  M.  Johnson,  por  si 
6  como  representante  de  vários  capitalistas 
inglezes,  apresentou  ao  governo  uma  pro- 
posta para  a  concessão  d'uma  linha  férrea 
que,  partindo  de  Abrantes,  ou  suas  proxi- 
midades, seguiria  pelo  Sardoal,  Villa  de 
Rey,  Domes,  Rio  Grande,  Cerlã,  Cabeçudo, 
Caií^llo,  Carvalhal,  Pedrógão,  Rio  Zêzere, 
Altares,  Casal  Novo,  Cadafaz,  Goes,  Celavi- 
sa,  Coja,  Louroza,  Candosa,  Midões,  Garre-  i 


1  gal,  Tonda,  Lobão,  Lageosa,  Villa  Chã,  Vi- 
seu, S,  Pedro  do  Sul,  Gafanhão,  Reriz,  Pa- 
rada, Cabril,  Arouca,  Fermédo,  Gião,  San- 
dim e  Villa  Nova  de  Gaya,  com  um  ramal 
que,  partindo  de  Cabril,  seguiria  pelas  pro- 
ximidades de  Genarde,  Alvarenga,  Espiun- 
ca,  Fornellos,  Travanca,  Fornos,  Foz  do  Tâ- 
mega, Sebolido,  Melres,  S.  Thiago,  Rio  Sou- 
sa. Aguiar  de  Sousa  e  Recarei  na  linha  do 
Douro. 

Esta  linha  era  importante,  mas  muito  dis- 
pendiosa, porque  atravessava  terreno  extre- 
mamente escabroso  e  accidentado  e  deman- 
dava muitas  obras  d'arte,  numerosos  tun- 
neis,  grandes  pontes  e  viaductos,  etc.  etc.  e 
por  isso  não  vingou;  está  porém  já  em  cons- 
trucção  outra  linha  férrea,  também  muito 
importante,  e  que  prende  com  o  Zêzere,  pois 
atravessa-o  duas  vezes.  É  a  seguinte: 

Linha  da  Beira  Baixa 

I 

Em  abril  do  corrente  anno  de  1889  *  di- 
zia o  Correio  da  Covilhã,  jornal  d'aquella 
cidade,  o  seguinte: 

«Progridem  com  a  maior  actividade  os 
trabal  hos  de  construcção  d'esta  importante 
linha,  onde  a  semana  anterior  estavam  oc- 
cupados  cerca  de  15:000  operários,  em  cujo 
numero  figuram  1:500  mulheres.  Dos  216 
kilometros  de  que  se  compõe,  podem  repu- 
tar-se  completamente  concluídos,  como  in- 
frastruetura,  isto  é  promptos  a  receberem  a 
via,  mais  de  150. 

Sem  solução  de  continuidade  haverá  den- 
tro de  poucos  mezes,  talvez  em  julho,  100 
kilometros,  os  que  vão  de  Villa  Velha  de 
Rodam  á  Covilhã,  onde  a  locomotiva  pode- 
rá funccionar.2 


1  V.  Vias  férreas,  tomo  10.°  pag.  477,  col. 
2.",— e  npte-se  que  O  mencionado  artigo  foi 
publicado  em  abril  de  1884,  eom©  dissemos 
ibi,  pag.  484,  col.  in  fine.  Já  decorreram 
pois  5  annosl. . . 

*  Já  estamos  em  setembro  de  1889  e  a  lo- 
comotiva ainda  não  chegou  á  Covilhã^  nem 
chegará  tão  cédol . . . 


2182  ZEZ 


ZEZ 


N'e8te  momento  procede-se  ao  transporte 
d'ella  e  dos  necessários  wagons,  pela  estra- 
da do  Pezo  a  Castello  Branco,  onde  a  60  ki- 
lometros  doesta  povoação  fica  o  deposito  de 
material  da  Repreza,  por  cujo  ponto  ó  co- 
meçado agora  o  assentamento  da  via.  Este 
deposito,  para  o  qual  o  material  da  via  tem 
sido  transportado  em  carros  de  bois  sobre 
doze  léguas  de  má  estrada,  está  attestado 
para  os  100  kilometros  a  que  acima  nos 
referimos  fVilIa  Velha  á  Covilhã.)  A  parte 
de  Abrantes,  tem  outro  deposito  de  mate- 
rial, havendo  ainda  outro  na  Guarda,  para 
a  secção  que  fica  entre  esta  cidade  e  a  Co- 
vilhã. 

De  modo  que  o  assentamento  da  via  é 
feito  por  pontos  differentes:  Abrantes  (60 
kilometros);  Represa  (100  kilometros)  e 
Guarda  (56  kilometros). 

Grandes  diffliiuldades  de  construeção,  ma- 
teriaes  e  económicas,  offerece  esta  linha  era 
algumas  das  suas  partes.  Póde-se  avaliar 
d'eilas^  no  que  respeita  a  pontes  e  viaduetos, 
por  exemplo.  Ha  6i  d'estas  obras,  das  quaes 
61  são  metallieas.  Pois  bem,  á  excepção  de 
uma,  todos  os  ferros  teem  sido  levados  em 
carros  de  bois  desde  o  Pezo  i  e  Guarda,^  até 
aos  locaes  das  obras  e  em  barcos  desde  Vil- 
la Velha  de  Rodam,  pelo  Tejo  acima,  trans- 
porte diffieil  6  arriscado  sempre,  quer  pelo 
grande  numero  de  cachões  que  se  encon- 
tram no  leito  do  rio,  quer  pela  impetuosida- 
de da  corrente  na  oecasião  das  cheias. 

Quando  a  altura  da  agua  no  rio  é  escas- 
sa, succede  que  cada  barco  não  pôde  trans- 
portar mais  de  uma  tonellada,  quantidade 
aproximadamente  igual  á  que  transportam 
os  carros  de  bois  do  Pezo  para  Castello 
Branco.  Ora,  havendo  a  transportar  n'estas 
circumstancias  para  cima  de  4:000  tonella- 
das  de  ferro,  segue-se  que  serão  emprega- 
dos só  tivestes  transportes  mais  de  4:000  ve- 
hiculosl  E  a  tonellagem  d'estes  transportes 


1  Peso,— estação  na  linha  de  leste,  de  Lis- 
noa  a  Madrid  por  Cárceres. 

2  Guarda,  —  estação  na  linha  da  Beira 
Alta. 


é  insignificante,  comparada  com  a  dos  ou- 
tros materiaes,  carris,  travessas,  cal,  cimen- 
to, ferramentas,  etc,  etc,  etc. 


«No  fim  do  mez  passado  havia  executadas 
as  seguintes  obras: 

Terraplanagens  2.800:000  m.  c. 

Alvenaria  em  aqueductos,  pontes  e  pon- 
tões, 62:000  m.  c. 

Alvenaria  em  muros  89:000  m.  1. 

Tunneis  perfurados  1:380  m.  I. 

Ferros  de  pontes  montadas,  ou  nos  locaes 
das  obras,  3:400  tonelladas. 

Carris  transportados  11:300  tonelladas. 

Casas  de  guarda  concluídas  20. 

Esiaçõcis  em  construeção  7. 

O  caminho  de  ferro  da  Beira  Baixa  tem 
as  seguintes  estações:  Abrantes  (entronca- 
mento com  a  linha  de  leste);  Alferrarede; 
Ortiga;  Amieira;  Belver;  Fratel;  Villa  Velha 
ài  Rodam;  Sarnadas;  Castello  Branco;  Al- 
cains; Lardosa;  Alpedrinha;  Valle  de  Pra- 
zeres; Alcaide;  Fundão;  Tortozendo;  Covi- 
lhã; Caria;  Belmonte;  Benespera;  Sabugal; 
Guarda  (entroncamento  com  a  linha  da  Bei- 
ra Alta)  e  Gatta  (2.o  entroncamento  com  a 
mesma  linha  para  o  serviço  internacional). 
Ao  todo  23. 


tOs  tuoneis  em  numero  de  dez  são  os  se- 
guintes. Meirinho  da  120  m..  Peral  80  m., 
Portas  de  Rodam  96  m.,  Villa  Velha  de  Ro- 
dam 120  ra.,  Tostão  180 m.,  Travillinha 90  m., 
Alpedrinha  34  m.,  Sarra  da  Gardunha  6i6  m., 
Valle  do  Ferro  62  m.,  Barracão  340  m.i  A 


^  Este  tumel  fica  tristemente  assignalado, 
porque  ali  tem  havido  grandes  desordens 
entre  os  trabalhadores  empregados  na  cons- 
trueção, quasi  todos  hespanhoes,  e  os  habi- 
tantes dos  povos  visinhos.  D'e3sas  desordens 
já  resultaram  muitos  ferimentos  e  algumas 
mortes,  entre  ellas  a  do  próprio  administra- 
dor do  concelho  de  Castello  Branco,  que  foi 
apunhalado  por  dois  trabalhadores  hespa- 
nhoes. 


ZEZ 


ZEZ  2183 


exiteosão  total  d'estes  subterrâneos  é  de 
i:'788  m.  A'  excepção  dos  dois  primeiros  e 
do)  ultimo  todos  os  mais  estão  perfurados  e 
enn  via  de  conclusão. 


«Gomo  dissemos  ha  64  pontes  e  viaductos, 
3  'dos  quaes  em  alvenaria  e  os  restantes  me- 
talllicos.  Passemos  a  enumeral-os,  indicando - 
lh(es  os  nomes,  extensões  ou  aberturas  to- 
taies  e  os  números  de  vãos  de  que  se  com- 
pre cada  um: 

Ponte  sobre  o  Tejo  (Abrantes)  426  m.  em 
9  vãos,  sendo  5  de  60  m.  dois  de  48  e  dois 
d©  15;  fundações  a  ar  comprimido. 

Ponte  de  Alferrarede,  de  20  m. 

Idem  de  Vide,  de  10  m. 

Idem  das  Larangeiras  de  20  m . 

Idem  das  Figueiras,  de  20  m. 

Idem  de  Mendavão,  de  10  m. 

Idem  dos  Cordeiros,  de  20  m. 

Viadueto  da  Ribeira  Fria,  de  50  m.  em 
dois  vãos. 

Ponte  da  Foz  de  Eiras,  de  20  m. 

Idem  da  Ortiga,  de  15  m. 

Idem  da  Ribeira  de  Eiras,  de  80  m.  em 
3  vãos. 

Idem  de  Arriacha  de  20  m. 

Viadueto  de  Canoas,  de  78  m.  em  3  vãos. 

Viadueto  da  Cova  Fundeira,  75  m.  em  3 
vãos. 

Idem  de  João  Azedo,  de  30  m. 
Idem  da  Correga  do  Freixo,  de  40  m. 
Idem  do  Meirinho,  de  60  m.  em  2  vãos. 
Idem  do  Peral,  de  130  m.  em  3  vãos. 
Idem  da  Foz  de  Figueira  (1.°),  de  30  m. 
Idem  de  Caimbas,  de  78  m.  era  3  vãos. 
Ponte  da  Ocreza,  de  lOi  m.  em  3  vãos. 
Viadueto  no  kilometro  43,  de  30  m. 
Idem  da  Foz  de  Cereja,  de  65  m.  em  3 
vàos. 

Idem  da  Barroca  do  Vau  de  30  m. 
Idem  da  Barroca  do  Álamo,  de  40  m. 
Idem  da  Barroca  do  Braço,  de  30  m. 
Idem  da  Foz  de  Figueira  (2.»)  de  30  m- 
Idem  da  Foz  do  Assucar  de  40  m. 
Idem  de  Abutreira,  de  25  m. 
(dem  de  Giestaes,  de  30  m. 
Idem  da  Nave  das  Oleiras,  de  30  m. 


Idem  do  Linhar  Alheio,  de  30  m. 
Idem  da  Ribeira  das  Oliveiras  de  30  m. 
em  curva. 

Idem  de  Gonçalo  Magro,  de  65  m.  em  3 
vãos. 

Idem  de  Gonçalinho,  de  30  m. 

Idem  do  Prior,  de  30  m. 

Idem  de  Villa  Ruiva,  de  30  m. 

Idem  de  Nossa  Senhora,  de  40  m. 

Idem  de  S.  Pedro,  de  175  m.  em  4  vãos: 
um  de  15  m.,  dois  de  50m.e  um  de  60  m. 
A  altura  máxima  d'esta  obra  é  de  69  m.,  uma 
das  maiores  do  paiz;  os  pilares  são  metalli- 

COS. 

Idem  do  Cerejal  (1,»),  de  30  m. 

Idem,  idem  (2.»),  de  30  m. 

Idem,  idem  (3.»),  de  104  m.  em  3  vãos. 

Idem  dos  Rodeios,  de  60  m.em  2  vãos. 

Idem  dos  Enxames,  de  40  m. 

Idem  dos  Garoeiros,  de  40  m. 

Idem  do  Alcaide,  de  alvenaria  em  3  ar- 
cos, de  15  m. 

Ponte  de  Alverca,  de  10  m. 

Idem  de  Meimoa,  de  60  m.  (um  só  vão). 

Idem  do  Zêzere  (l.«),  de  104  m.  em  3 
vãos. 

Viadueto  da  Carpinteira,  de  50  m.  em 
um  vão. 

Idem  de  Flandres,  curvo,  de  alvenaria, 
com  8  arcos,  de  10  m.  cada  um. 

Idem  do  Corgo,  de  206  m.  em  6  vãos,  sen- 
do 2  de  15  m.  dois  de  40  m.  e  dois  de  48  m. 

Ponte  do  Zêzere  (2.*)  i  —  obliqua  120  m. 
em  tres  vãos,  sendo  um  de  45  m.  e  dois  de 
37,5. 

Idem  de  Maçainhas,  15  m. 

Viadueto  de  Maçainhas,  130  m.  em  3  vãos: 
dois  de  40  m.  e  um  de  50  m. 

Idem  dos  Gogos.  Tem  uma  parte  em  cur- 
va, formada  por  3  arcos  de  alvenaria  de  15 
m.  cada  um;  a  parte  restante  é  metallica  e 
tem  130  m.  em  tres  vãos  idênticos  aos  do 
viadueto  de  Maçainhas. 

Idem  do  Rebolai,  de  26  m.  a  parte  em  la- 


1  N'esta  data  (setembro  de  1889)  aioda 
não  deram  principio  às  duas  pontes  do  Zê- 
zere. 


2184  ZEZ 


ZEZ 


bolleiro  metal) ico,  de  cada  lado  do  qual  o 
viaducto  é  em  alvenaria;  e  tem  dois  arcos  de 
10  m.  A  extensão  total  d'este  viaducto  mix- 
to  ó  de  cerca  de  iOO  m. 

Idem  da  Tapada,  de  30  m. 

Idem  da  Galrita,  de  78  m.  em  3  vãos. 

Idem  da  Penha  da  Barroca,  de  120  m.  em 
tres  vãos,  sendo  dois  de  37, e  um  de 
45  m. 

Idem  da  Silveira,  de  30  m. 
Ponte  do  Noemy,  de  alvenaria,  3  arcos  de 
42  m. 

Idem  da  Corte  Cavallo  de  10  m. 

Idem  do  Diz,  de  20  m.  É  a  ultima. 

A  extenção  total  dos  taboleiros  metallicos 
é  de  3:538  m.  Dá  5:326  m.  para  a  totalida- 
de das  grandes  obras  de  arte,  ou  seja  cerca 
de  uma  légua  em  tunneis  e  viaduetos. 


«O  orçamento  do  governo  que  serviu  de 
base  á  adjudicação  d'e8ta  via  férrea,  eleva- 
se  a  mais  de  sete  mil  contos.  Como  se  sabe, 
esta  linha  é  concessão  da  companhia  real 
dos  caminhos  de  ferro  portuguezes  e  ft^ita 
por  empreitada  por  um  grupo  de  capitalis- 
tas portuguezes,  que  tem  á  sua  frente  o  sr. 
engeoheiro  Almeida  Pinheiro.  Pessoal  e  ta- 
refeiros são  nacioDaes,  na  sua  quasi  totali- 
dade, como  foi  também  na  construcção  do  ca- 
minho de  ferro  de  Mirandella  e  está  sendo 
na  linha  férrea  de  Viseu,  i  todas  tres  da 
direcção  do  mesmo  engenheiro.» 


Esta  linha  da  Beira  Baixa  ainda  está 
muito  longe  da  sua  conclusão  e  com  cer- 
teza não  se  abre  ao  transito  antes  de  1891. 

Também  já  principiou  este  anno  a  cons- 


1  A  linha  férrea  de  Viseu  é  apenas  um 
ramal  de  Viseu  á  linha  da  Beira  Alta,  a 
•  entroncar  na  estação  de  Santa  Cmba,  — 
ramal  que  foi  principiado  ha  annos  e  ainda 
não  está  concluído. 

V.  Vias  férreas,  tomo  IO-*  pag.  477,  col. 
2."  infine. 


j  trucção  de  uma  linha  férrea  de  Coimbra 
I  para  Arganil  e  que  deve  atravessar  a  ser- 
ra da  Eátrella  áté  á  Covilhã,  pelas  proxi- 
midades de  Ceia,  S  Bomao,  Vallesim,  Al- 
vôco  da  Serra  e  Unhaes  da  Serra; —  e  das 
proximidades  de  Ceia  deve  dar  um  ramal 
para  Gouveia  e  Celorico. 

A  construcção  até  Arganil  corre  por  con- 
ta de  uma  empresa  particular,  sem  subsi- 
dio algum  do  governo;  mas  desde  Arganil 
até  á  Covilhã  talvez  seja  subsidiada,  por- 
que é  muito  mais  difQcil  e  de  grande  al« 
caoce  para  os  povos  indicados  supra,  os 
povos  mais  industriaes  das  duas  províncias 
da  Beira,— e  alguns  d'elles  nem  estradas 
antigas  para  carros  teemi  Tudos  os  trans* 
portes  são  feitos  pelos  homens  e  pelas  ca- 
valgaduras. 
V.  Valezim,  toíno  IO."*  pag.  156.  col. 

Abrahão  Ortelio— Portugal— e  o  Zêzere 

Entre  os  atlas  que  possuímos,  o  mais  an- 
tigo é  o  de  Abrahão  Ortelio,  folio  grande  e 
luxuoso,  publicado  em  Antuérpia  no  anno 
de  1570.  Comprehende  52  mappas  de  folha 
inteira,  sendo  um  d'elles  dedicado  a  Portu- 
gal e  muito  lisongeiro  para  nós,— mappa 
composto  por  Fernando  Alvaro  Seco,— gra- 
vado em  Boma  no  anno  de  1560  por  Aehi- 
ies  Estaço  e  por  este  dedicado  a  Guido  As- 
canio Sforcia,  cardeal  romano,  o  que  tudo 
consta  do  dicto  mappa. 

Tem  no  alto  da  folha  em  uma  quadrella 
muilo  ornamentada  a  seguinte  legenda,  ao 
lado  direito  do  observador: 

«Portugalli 36. . . » 

Em  vulgar:  —  «Novíssima  e  exactíssima 
descripção  de  Portugal,  outr'ora  Lusitânia, 
por  Fernando  Alvaro  SeccOf^--e  na  mesma 
folha  tem  do  lado  opposto,  em  plano  mfe- 
rior,  um  escudete  muito  ornamentado  tam- 
bém, com  a  seguinte  legenda: 

«Guidoni  Ascanio. ..» 


1  Este  nome  é  portuguez,  mas  não  se  en- 
contra no  diccionario  de  Innocencio. 


ZEZ 

ffira  vulgar:  —«  Achilles  Estácio  saúda  a 
Guiido  Ascanio  Sforcia,  cardeal  camareiro 
da  Santa  Egreja  Romana. 

•«Era  attHnção  aos  serviços  que  haveis 
preestado  à  minha  familia,  nós  vos  dedica- 
mos, Guido  Sforcia,  a  Lusitânia  descripta 
pcnr  Fernando  Alvaro.  Os  filhos  d'ella  com 
vallor  e  felicidade  incríveis  ptircorreram  o 
mmodo  inteiro;  subjugaram  uma  grande 
pairte  da  Africa;  foram  os  primeiros  que  des- 
cobriram e  occuparam  innumeravds  ilhas, 
de  algumas  das  quaes  apenas  se  sabia  o  no- 
me) e  d'outras  nem  sequer  o  nome;  obriga- 
rann  a  Asia,  aquella  abençoada  região,  a  ser 
trilbutaria  d'elles, — e  levaram  até  ás  nações 
makis  romotas  o  culto  do  verdadeiro  Deus  e 
a  mossa  religião  santa. 

'«Deus  seja  comvosco.  Roma,  18  de  maio 
de  1560.» 

Nenhumas  das  grandes  po- 
tencias actuaes  do  mundo  tem 
na  historia  uma  pagina  tão 
brilhante  —  nem  elogio  tão 
pomposo  no  atlas  de  Abraháo 
Orteiioí... 
O  dicto  mappa  é  colorido  e  devia  ter  bas- 
tante merecimento  in  illo  tempore,  pelo  que 
Ortelio  o  publicou;  mas  hoje  tem  apenas  al" 
gum  valor  archeologico. 

Lá  se  encontra  indicado  o  rio  Zêzere  com 
duas  pontes:— a  do  Cabril  —  e  a  de  Valhe- 
lhas  ou  a  Ponte  Nova  de  Belmonte,  pois 
não  está  bem  defiaida.  E  nas  margens  do 
Zêzere  indicou  as  povoações  seguintes: — 
Manteigas  {Mateigas,y  Verdelhos,  Aldeia  do 
Matto  {de  maço),  \Si\helh&s  (Valvelhas)  (?) 
Belmonte  (Belmote)  Teixoso,  Covilhã  {Covi- 
lham)  Tortuzendo  (Tortuzede)  Alçaria,  Do- 
mioguiso  (Domiguelo),  Peso  {Peso  draguem), 
Peíioho  {Peso  d'alem),  Ás  Ruivas  ou  ruinas, 
Silvares  (Sí//»am),  Ourondo  {Ouredo),  Bar- 
roca {Abaroqua)y  Dornellas  {Dornelos),  Car- 


^ '  Os  nomes  das  dífferentes  povoações  es- 
tãc  em  grande  parte  alterado^,  por  s^-r  a 
pujlicaçào  fnita  em  paiz  estranho  e  por  ter 
havido  grande  mudança  no  idioma  portu- 
goiz  durante  329  annos. 


ZEZ  2185 

regai  {Carogal),  Porto  das  Vaccas  {Porto  das 
vaquas),  Esteiros,  Janeiro  de  Cima,  Janeiro 
de  Baixo  {de  fundo),  Pampilhosa,  Pedrógão 
Grande,  Nossa  Senhora  da  Luz,  Pedrógão 
Pequeno,  Sernache  do  Bom  jardim  (sim- 
plt^smente  Boiardim),  Figueiró  dos  Vinhos 
Alvaiázere  {Alvaizere),  Arôga  {Adrega),  Be- 
co, Dornes,  Villa  de  Rei,  Constança  {Punhe- 
te),  Paio  Pelle  {Paio  de  pele,)^  Tancos,, Al- 
mouroí.  Atalaia,  etc. 

Do  exposto  se  vê  que  as  dietas  povoações 
já  existiam  no  melado  do  see.  xvi  e  tinham 
os  mesmos  nomes,  são  porem  muito  mais 
antigas. 

Nas  margens  do  Zêzere  tiveram  demora- 
da residência  os  mouros,  os  godos,  os  ro- 
manos e  os  antigos  lusitanos,  pois  ali  se  en  - 
centram  casím,  vestígios  degrandes  povoa- 
ções extinctas  e  muitos  monumentos  mega- 
lithicos  da  idade  da  pedra,  como  já  se  disse 
em  vários  artigos  d'e8te  diecionario  e  como 
se  lê  no  Relatório  da  secção  de  Archeotogia 
da  Expedição  scientifica  enviada  á  serra  da 
Estrella  em  1881.2— E  quantos  monumentos 
archeologicos  e  prehistorieos  não  jazem  ali 
completamente  ignorados? 


Seja-nos  licito  apoQtar  aqui  o  lunnel  do 
Furadouro,  que  se  encontra  na  freguezia 
de  Cambas,  concelho  de  Oleiros,  na  margem 
direita  do  Zêzere.  Recorda-nos  as  galerias 
mencionadas  no  artigo  Alvaiázere,  não  longe 
também  da  margem  direita  do  Zêzere,— 
bem  como  as  de  Traz  os  Montes,  menciona- 
das no  artigo  Pedroso,  aldeia,  e  Trez  Minas, 
— e  a  dos  Furados,  cujo  nome  tem  muita  se- 


*  Sitúa  bem  a  freguezia  de  Paio  Pelle,  que 
não  encontro  em  mappa  algum  alem  d'este, 
— nem  mesmo  nos  da  commissão  geodésica, 
pois,  como  já  dissemos  supra,  hoje  denomi- 
na se  Praia. 

2  Ali  »e  apontam  vestígios  d'uma  grande 
povoação  no  concelho  de  Belraont«,  margem 
esquerda  do  Zêzere,  e  o  castro  d'Argemella 
no  concelho  da  Covilhã,  também  junto  do 
Zêzere,  etc.  etc. 


2186  ZEZ  ' 


ZEZ 


melhança  com  Furadouro!. . .  V.  Alva,  rio, 
tomo  1.»  p?g.  i68,  col.  2.» 

As  Memorias  de  Oleiros,  pag.  266,  fallan- 
do  da  freguezia  de  Cambas,  di/em: 

«Alem  da  egreja  parochial,  tem  esta  fre-  i 
guezia  as  seguintes  capellas:  de  S  Sebastião 
"em  Cambas,  da  Seobora  da  Lapa,  Da  povoa- 
ção do  Rouco,  do  Senhor  do  BomGm  oa  Pi 
zoria,  de  Nossa  Senhora  da  Conceição  nos 
Caoeiros,  e  de  Santa  Margarida  em  Admo- 
ço. 

«Nos  limites  d'esta  ultima  povoação  exis- 
te uma  maravilha  da  natureza,  digna  de 
coDtemplar-se:  Alta  serra  na  direcção  de 
sul  a  norte,  em  prezença  do  rio  Zêzere  aba- 
le-se  quasi  perpendicularmente,  na  profun- 
didade de  100  metros  aproximadamente, 
para  deixar  passar  o  rio,  elevaodo-se  logo 
na  margem  direita  do  mesmo,  a  cerca  de  50 
metros  d'aUura. 

«A  distancia  de  100  passos  d'esia  mar- 
gem e  no  monte,  do  lado  norte,  ha  uma  ga- 
leria, ou  tunnel  natural  (?)  que  o  atravessa, 
chamado  Furadouro,  cabendo  por  elle  duas 
pessoas  a  par.  E  d'esta  passagem  se  servem 
os  habitantes  d'aquelles  sitios,  quando  o  rio 
vae  cheio,  não  podendo  então  caminhar 
pela  margem  d'elle.'> 

V.  Cambas  n'este  diceionario  e  no  sup- 
plemento,  onde  ampliaremos  consideravel- 
mente aquelle  artigo. 

Ha  também  na  villa  de  Oleiros,  não  lon- 
ge da  margem  esquerda  do  Zêzere,  uma 
gruta  importante,  denominada  Cóva  da 
Moura. 

V.  Oleiros,  tomo  6."  pag.  223,  col.  l.%~e 
as  Memorias  da  villa  de  Oleiros,  pag.  228  a 
232. 


A  serra  da  Estrella — a  Expedição  scieniifica 
—  e  os  Sanatórios 

O  Zêzere,  como  já  dissemos,  nasce  na 
serra  da  Estrella,  propriamente  dieta.  Seja- 
nos  licito  pois  dar  uma  leve  noticia  d'aquel- 
la  parte  da  grande  serra  e,  aproveitando  o 
ensejo,  rectificaremos  os  artigos  Estrella  e 
Serra  da  Estrella  publicados  pelo  meu  an- 


tecessor,!  artigos  que  teem  muitos  lapsos, 
por  haver  seguido  os  cborograpbos  e  geo* 
graphos  que  o  precederam  e  que  mal,  mui- 
to mal,  conheciam  a  grande  serra,  em  quaa* 
to  que  hoje  (1889)  depois  da  publicação  dos 
bellos  roappas  da  commissão  geodésica  e  dos 
interessantes  relatórios  da  expedição  scienti- 
fica,  bem  como  do  formoso  livro  Quatro  dias 
na  serra  da  Estrella,  do  sr.  Emygdio  Na- 
varro, fez-se  luz  nas  trevas  e  lendas  que  en- 
volviam aquella  região;  acabaram  as  patra- 
nhas das  lagoas,  dos  cântaros  e  das  caver- 
nas— e  a  Estrella  já  não  intimida  ninguém. 
Pelo  contrario,  é  muito  sympathica  a  todos  e 
todos  desejam  vel-a;  succedem-se  umas  a 
outras  as  caravanas  de  forasteiros,  volven- 
do extasiados,  e  ali  se  encontra  já  hoje  um 
observatório  meteorológico,  ,uma  estação  te- 
legrapho-postal,  muitas  casas  para  tyzicos, 
todas  habitadas,  e  outras  em  construcção, 
pois,  graças  aos  estudos  da  expedição  scien- 
tifica  e  aos  esforços  e  propaganda  do  sr.  dr. 
Sousa  Martins,  é  evidente  que  a  serra  da 
Estrella,  pela  sua  elevada  aititude  e  pureza 
do  ar  e  da  agua,  rivalisa  com  as  montanhas 
dos  Alpes  e  da  Suissa  para  o  tratamento  da 
tuberculose. 


A  serra  da  Estrella,  dependência  dos  Pi- 
reneos,  é  a  maior  de  Portugal  e  serra  mãe 
de  todas  as  que  avultam  nas  províncias  da 
Beira,  Estremadura,  Alemtejo  e  Algarve. 

Ella  estende-se  com  differentes  nomes  do 
Tejo  atè  o  Mondego  e  da  Guarda  até  Ancião 
e  Condeixa,  comprehendendo  muitas  povoa- 
ções, freguezias  e  concelhos  nos  districtos 
da  Guarda,  Coimbra  e  Castello  Branco;  mas 
a  serra  da  Estrella,  propriamente  dieta, — a 
parte  mais  alta,  inculta  e  deserta,— compre- 
hende  apenas  30  kilometros  d'extensão  na 
linha  N.E.— S.O.  desde  Fernão  Joannes,  con- 
celho e  visinhanças  da  Guarda  até  Vallezim, 


1  Nós  acceitàmos  a  continuação  d'este  dic- 
eionario. quando  já  ia  a  meio  do  art.  Vtan- 
na  do  Castello. 

Suum  cuique. 


2EZ 

entrre  Alvôco  da  Serra  e  Loriga,  concelho 
de  (Ceia;— e  de  largura  minima  tem  apenas 
15  Ikilometros  na  linha  norte-sul,  de  Gou- 
veiaa  a  Manteigas. 

Ai  isto  se  reduz  a  Estrella,  propriamente 
dictta,  o  espaço  de  que  no  momento  nos  oe- 
panaoos  e  que  nós  em  grande  parte  conhece- 
moss  de  visu,  pois  já  percorremos  todo  o 
ant€emural  da  montanha  desde  Ceia  até  Man- 
teig^as  por  Gouveia,  S.  Paio,  Mello,  Folgosi- 
nho),  Linhares,  Carrapichana,  Celorico  da 
Beiíra,  Porto  da  Carne,  Guarda,  Vella,  Gaia 
e  Víallelhas. 

0)  que  não  visitámos  ainda  ó  o  ante-mu- 
ral  sul  em  fórma  de  meia  lua,  desde  Ceia 
até  iBelmonte  por  S.  Romão,  Villa  Cova,  Val- 
leziím,  Loriga,  Alvôco  da  Serra,  Unhaes  da 
Senra,  Covilhã  e  Teixoso,  povos  aliás  im- 
portantes, muito  industriaes  e  íWMííoawíí^os, 
tod(os  cheios  de  castros  e  outras  qpuitas  ve- 
Ihairias  históricas  e  prehistoricas.  E  o  per- 
cur*so  não  é  fácil,  porque  a  dieta  meia  lua 
temi  mais  de  SOkilometros  d'extensão  e  des- 
de Ceia  até  a  Covilhã  o  terreno  é  muito  es- 
cabiroso,— «wa  cordilheira  medonha,  —  sem 
um  palmo  d'e8trada  a  maeadam  nem  estra- 
da íseguida  para  carros  de  bois?! . . . 


Também  já  estivemos  oito  dias  no  centro 
da  grande  serra,  em  1881,  com  a  expedição 
scientifica,— não  como  vogal  d'ella,  mas  co- 
mo representante  e  repórter  do  Districto  da 
Guarda  e  do  Commercio  Portuguez,  um  dos 
primeiros  jornaes  do  Porto,  para  o  qual  en- 
viámos do  acampamento  da  expedição  uma 
serie  de  longas  cartas,  que  podem  ver  se  na 
coUecção  do  dicto  jornal  relativa  ao  mez  de 
agosto  d'aquelle  anno,  e  outras  enviadas  de 
Gouveia,  onde  nos  demorámos  até  o  fim  do 
dicto  mez,  porque  temos  ali  muitas  relações 
e  ali  temos  passado  bello  tempo  muitas  ve- 
zes. 

Nós  entrámos  na  serra  por  Manteigas  com 
a  expedição  no  dia  4  de  agosto  de  188 1.^ 


*  Havíamos  partido  do  Porto,  nossa  resi- 
deícia  desde  1864  (V.  Corvaceira  e  Mira- 


ZEZ  2187 

No  dia  12  deixámos  o  acampamento  e  fo- 
mos pela  pequena  povoação  e  freguezia  do 
Sabugueiro,  que  demora  dentro  da  monta- 
nha, mettida  em  uma  cova  na  margem  di- 
reita do  Alva,  até  á  villa  de  Ceia,  acompa- 
nhados peio  nosso  bom  amigo  Lopes  Men- 
des, auctor  da  índia  Portugueza,  e  pelos 
srs.  Joaquim  Pedro  de  Freitas  Castel  Bran- 
co, José  Anastácio  Monteiro  e  Hermenegildo 
Capello,  todos  4  vogaes,^—o  qual  necessitou 
de  regressar  a  Lisboa  para  rever  as  provas 
do  formoso  livro  De  Benguella  ás  terras  de 
laca,  interessantissima  historia  da  viagem 
d'exploração  que  recentemente  havia  feito 
com  R.  Ivens  ao  interior  das  nossas  posses- 
sões africanas. 


De  Ceia  fui  para  a  casa  do  meu  ex-con- 
discipulo  e  bom  amigo  dr.  Julio  Cesar  d'Al. 
meida  Rainha,  de  Gouveia,  a  casa  mais  opa- 


gaya)  no  dia  2  d'a gosto;  seguimos  pela  li- 
nha férrea  do  Douro  no  comboyo  da  manhã 
até  á  estação  da  Regoa;  d'ali  fomos  na  dili- 
gencia até  Celorico  da  Beira,  onde  nos  apeá- 
mos no  dia  3  de  manhã;  fretámos  logo  um 
carro  e  pouco  depois  do  meio  dia  estáva- 
mos na  Guarda,  onde  nos  unimos  à  expedi- 
ção. Esta  havia  partido  de  Lisboa  também 
no  dia  2  do  dicto  mez;  seguiu  pela  linha 
férrea  do  norte  até  o  entroncamento  da  Pam- 
pilhosa e  depois  pela  Imha  da  Beira  Alta 
até  á  estação  de  Celorico— por  conceisão  es- 
pecial,—pois  a  meneiodada  linha  ainda  es- 
tava em  conslrueção  e  só  se  abriu  ao  tran- 
sito em  1882. 

No  dia  4,  à  1  hora  da  manhã,  partiu  da 
Guarda  a  expedição  e  nós  com  ella,  em  car- 
ros até  á  povoação  de  Gaya,  pois  ao  tempo 
não  passava  d'ali  a  conslrueção  da  nova  es- 
trada a  maeadam  da  Guarda  para  a  Covi- 
lhã, pelo  que  fomos  todos  em  sella  desde 
Gaya  até  o  acampamento  por  Manteigas, 
onde  almoçámos  esplendidamente  e  descan- 
çámos  até  ás  6  horas  da  tarde,  como  já  dis- 
semos no  principio  d'es{e  artigo. 

Chegou  a  expedição  ao  acampamento  ás 
10  horas  da  noite  do  mesmo  dia  4,  sendo 
recebida  com  foguetes,  talvez  os  primeiros 
que  até  então  haviam  illuminado  os  cânta- 
ros e  a  Estrella  e  perturbado  o  silencio  da 
noite  n'aquella  região  das  neves. 

1  Logo  indicaremos  todo  o  pessoal  d'ella. 


2188  ZEZ 


ZEZ 


lenta  d'aqaella  formosa  villa  e  de  todo  o 
districto  da  Guarda.^  Assisti  á  grande  festa, 
feira  e  romagem  do  Senhor  do  Calvário, 
que  ali  se  faz  uo  3.»  domingo  d'ago8to— e 
que  é  a  festividade  mais  pomposa  da  pro- 
víncia da  Beira  Baixa. 

De  Gouveia  fui  para  Trancoso  para  ver, 
como  vi,  a  feira  franca  de  S.  Bartholomeu, 
que  ainda  hoje  é  uma  das  maiores  da  pro- 
víncia. 

De  Trancoso  fui  para  a  casa  do  meu  ex- 
condiscipulo  e  bom  amigo  desde  1846,  (?) — 
Dionísio  Ignacio  de  Sampaio  e  Mello, — que 
mora  na  freguezia  da  CoguUa,  a  pequena 
distancia  de  Trancoso.  Visitei  as  villas  de 
Foscôa,  Longroiva,  Meda  e  Marialva  ;  —  da 
Cogulla  fui  para  Lamego,  onde  nos  dias  7  e 
8  de  setembro  assisti  á  grande  festa,  feira  e 
romagem  da  Senhora  dos  Remédios,  cujo 
santuário  é  hoje  o  mais  notável  da  provín- 
cia da  Beira  Alta  e  talvez  o  primeiro  do 
nosso  paiz,  depois  do  santuário  do  Bom  Je- 
sus do  Monte;— e  por  ultimo  de  Lamego  re- 
gressei ao  Porto  com  vivas  saudades  de 
tão  longo  e  variado  passeio.^ 

Rectificações  aos  artigos 
Estrella  e  serra  da  Estrella 

O  ponto  culminante  da  grande  serra  não 
é  o  Cântaro  Magro,  mas  o  Malhão  da  Es- 
trella, também  denominado  Torre  (pyrami- 
de)  da  Estrella,  porque  ali,  não  no  Cântaro 


1  Vale  hoje  mais  de  seiscentos  contos  de 
Téis\  •  •  • 

V.  Gouveia  e  Villn  Nova  de  Tazem  n'este 
díccionario  e  no  supplemento. 

2  O  viajar  e  passeíar  foi  sempre  a  nossa 
paixão  dominante  e,  apesar  de  serem  limi- 
tadas as  nossas  rendas,  já  cruzámos  em  to- 
das as  direcções  o  nosso  paií  e  visitámos 
todas  as  nossas  cidades,  exceptuando  uni- 
camente àxm:— Castello  Branco  e  Covilhã. 

Também  já  transposeraos  a  fronteira  e  pi- 
sámos terreno  hespanhol  muitas  vezes— e 
em  1880  fomos  até  Paris. 

Se  tivéssemos  as  rendas  que  os  abbades 
de  Lobrigos  tiveram  outr'ora,  iríamos  mui- 
to mais  longel . . . 

V.  Lobrigos,  tomo  3.»  pag.  432,  col.  2.« 


Magro,  se  vô  ainda  hoje  uma  pyramide  geo- 
désica de  11  metros  d'ãltura,  mandada  fa- 
zer em  1802  por  D.  João  VI,  então  príncipe 
regente,  para  base  da  triangulação  do  nos- 
so paiz,  como  prova  a  ioscripção  citada  pelo 
meu  benemérito  antecessor  e  que  lá  se  vé 
ainda,  sendo  a  pyramide  feita  de  cantaria 
de  granito  sem  argamassa. 

O  dicto  Malhão  ou  planalto  da  Estrella 
tem  a  cota  de  1:991  melros  sobre  o  nivel  do 
mar, — e  o  topo  da  pyramide  tem  a  cota  de 
1:202  metros. 

O  Cântaro  Magro  demora  aproximada- 
mente a  distancia  de  1500  metros  da  Torre 
da  Estrella  para  N.E.  e  tem  a  cota  de  1926 
metros  d'altitude.  No  alto  d'elle  esteve  tam- 
bém uma  pyramide  geodésica,  redonda, 
caiada  e  muito  mais  pequena  do  que  a  Tor- 
re da  Estrella.  Foi  feita  depois  do  melado 
d'este  século  pelos  nossos  engenheiros, 
quando  por  ali  andaram  levantando  a  plan- 
ta da  serf  a  e  procedendo  aos  trabalhos  geo- 
désicos, mas  d'ella  hoje  apenas  se  vè  a  base, 
porque  foi  derrubada  pelos  pastores  ou  por 
alguma  faísca  eléctrica. 


O  dícto  Cântaro  é  effectivamente  uma  es- 
pécie de  pyramide  colossal  e  redonda  no  to- 
po, ou  no  gargalo,  e  na  parte  exterior  que 
olha  para  N.E.  ou  para  o  Cântaro  Gordo  e 
Nave  da  Candieira;  não  é  porem  formado 
de  rochedos,  collocados  uns  sobre  outros,  m&s 
por  um  rochedo  maciço,  enorme,  compacto 
que,  visto— não  de  frente,  mas  de  perfil,  da 
base  do  Cântaro  Raso  ou  da  Risca  do  Covão 
do  Boi,  como  nôs  o  vimos,  tem  a  fórma  de 
um  cântaro  da  Beira,  com  barriga  e  garga- 
lo,—e  na  face  exterior  da  grande  barriga 
tem  uma  espécie  de  carranca  enorme,  bem 
pronunciada,  olhando  para  o  Cântaro  Gordo 
e  para  a  Nave  da  Candieira,  o  qu9  tudo  nós 
apontámos  e  indicámos  aos  vogaes  da  Ex- 

i  pedição,  que  nos  acompanhavam,  e  todos 

I  foram  acordes. 

•Não  é  accessível  por  parte  nenhuma  e 

I  tem  muitas  cavernas»— disse  o  meu  bene- 

i  mérito  antecessor,  fiado  nos  que  o  precede- 

^  ram;  mas  isto  é  menos  exacto. 


ZEZ 


ZEZ  2189 


Neenhatn  dos  Cântaros  tem  cavernas  e  to- 
dos ssão  acceasiveis. 

O  Cântaro  Raso  é  um  penhasco  enorme, 
apruimado  sobre  a  Rua  das  Roseiras,  bem 
comoo  o  Cântaro  Magro,  seu  visinho  e  dis- 
tantes aproximadamente  100  metros  para 
N.0.„  olhando  também  para  o  Cântaro  Gor- 
do e  Nave  da  Candieira.  D'este  lado  é  real- 
menltft  inaccessivel,  mas  termina  em  um 
platcó  ou  grande  mesa,  francamente  accessi- 
vel  dlo  lado  superior,  opposto  à  rua  das  Ro- 
seirais, ou  lado  O.,  pelo  Covão  do  Boi,  que 
dem»ora  na  reetaguarda  d'elle.  Este  covão  é 
um  (dos  mais  interessantes  e  mais  notáveis 
da  Sierra,  como  logo  provaremos,  e  d'elle 
part(e  um  caminho  (carreiro  de  cabras  dia- 
bólico!) denominado  Risca  do  Covão  do  Boi, 
que  vae  encostado  ao  Cântaro  Raso  e  é  a 
unicia  passagem  d"e8te  Cântaro  e  do  Can- 
tara Magro,  seu  visinho,  para  a  Rua  das 
Roseiras,  valle  profundo,  que  separa  estes 
dois  Cântaros  do  Cântaro  Gordo,  que  se  er- 
gue na  outra  margem  (esquerda  ou  N.E.) 
do  d  leto  vaíle,  ravina  medonha! ... 


O  Cântaro  Magro  é  aceessivel,  embora 
com  difflculdade,  por  um  carreiro  que,  par- 
tindo da  rua  dos  Mercadores,  a  S.  ou  do  la- 
do do  Cântaro  Raso,  o  contorna  pelo  alto  da 
grande  barriga;  passa  a  prumo  sobre  a  Cal- 
çada do  Inferno  e  rua  das  Roseiras,^  e  vae 
subindo  em  espiral  até  o  cume  ou  mesa  su- 
perior do  gargalo,  onde  esteve  a  pyramide 
geodésica,  mencionada  supra. 

O  dicto  carreiro  é  medonho,  mas  por  elle 
subiram  differentes  vogaes  da  Expedição, 
quando  nós  por  ali  andámos  com  elles,  no 
dia  5  d'ago8to  de  188i,  se  bem  nos  recorda- 
mos,—e  pelo  mesmo  carreiro  multo  antes 
haviam  subido  os  engenheiros  e  operários 
que  fizeram  a  pyramide,  reioeando  o  e  con- 
centando-o  por  essa  occasião. 


*  Veja-se  o  tópico  infra — Sitios  mais  no- 
táveis da  serra. 

VOLUME  XI 


o  Cântaro  Gordo,  é  uma  e?pecie  de  pro- 
montório, muito  estreito,  muito  escarpado  e 
muito  alto,*  que  termina  em  linha  horison- 
tal;  prolonga-se  de  N.O,  a  S.E. — e  divide 
o  valle  dos  Cântaros,  ou  rua  da  Roseira,  do 
valle  ou  Nave  da  Candieira,  sendo  medonha, 
altíssima  e  com  pendor  abrupto  a  cabeça 
que  olha  para  a  juneção  dos  dois  profundos 
Valles. 

É  aceessivel  do  lado  N.  O.  por  uma  ve- 
reda informe  ou  risca,  aberta  em  rocha  nua 
e  que  passa  a  montante  e  a  prumo  sobre  a 
lagoa  dos  Cântaros  ou  da  Salgadeira,  assim 
denominada,  porque  as  ovelhas  que  ali  pas- 
sam por  vezes  se  despenham  e  vão  cair  e 
morrer  na  dieta  lagoa, 

E'  pois  muito  difflcil  e  muito  perigoso  o 
aceesso  por  este  lado — e  mais  difflcil  e  mais 
perigoso  ainda  pelo  lado  opposto,  —  a  pen- 
dente S.  E.;  cabe-nos  porem  a  gloria  de  ter- 
mos subido  sem  guias  a  este  medonho  Cân- 
taro pela  pendente  S.  E.  na-  memorável  noi- 
te de  10  d'agoslo  de  1881,  chegando  ao  al- 
tíssimo e  estreito  cume  em  forma  de  gume, 
ás  11  horas  da  noite,  com  os  nossos  bons 
amigos  e  vogaes  da  Expedição  —  Antonio 
Lopes  Mendes  e  Joaquim  Pedro  de  Freitas 
Castel- Branco;  mas  não  nos  foi  possível  des- 
cer e  ali  ficámos  prisioneiros,  conversando 
com  as  estreitas  da  Estrella;  até  que  os  ou- 
tros vogaes  da  Expedição  foram  com  2  guias 
salvar-nos. 

Descemos  pelo  lado  opposto  (N.O.)  a  pru- 
mo sobre  a  dieta  lagôa  da  Salgadeira,  á 
meia  noite  do  mencionado  dia,  como  logo 
mais  detalhadamente  contaremos  ad  perpe- 
tuam rei  memoriam. 


No  art.  Estrella  disse  também  o  meu  an- 
tecessor: 

•O  Cântaro  Gordo  é  uma  montanha  de 


1  Não  tem  cota  nos  mappas  geodésicos, 
mas  a  sua  altitude  deve  ser  aproximada- 
mente a  do  Cântaro  Magro —  1926  metros. 

138 


2190 


ZEZ 


ZEZ 


rochedos  cortados  perpendicularmente  pelo 
lado  N.,  mas  pelo  S.  se  estende  pelo  cume  da 
serra.  Apesar  da  permanente  camada  de 
neve  que  o  cobre,  tornando  perigoso  o  seu 
ingresso,  alguns  curiosos  atrevidos  aqui 
teem  subido  pelo  S.  para  admirarem  a  me- 
donha profundidade  do  corte  do  norte.» 

Confundiu  o  Cântaro  Gordo  com  o  Cân- 
taro Magro. 

Não  consta  que  forasteiro  algum  subisse 
ao  Cântaro  Gordo  antes  de  nós. — nem  mes- 
mo de  dia — e  menos  ainda  de  noite,  como 
nós  subimos  e  descemos. 

Este  Cântaro  e  os  outros  dois,  bem  como 
toda  a  região  dos  Cântaros,  da  Torre  e  das 
Lagoas,  esião  grande  parte  do  anno  cober- 
tos de  neve,  mas  não  permanentemente.  Em 
agosto  de  1881,  por  exemplo,  não  havia  ne- 
ve alguma  em  toda  a  grande  serra. 


O  meu  antecessor,  loc.  cit.  diz  também: — 
«O  alto  da  serra  é  árido,  pedregoso  e  desa- 
brido, e  apenas  onde  ha  terra  vegetal  se  vê 
alguma  planta  rasteira  e  poucos  e  enfesados 
carvalhos. . .» 

Outr'ora  e  ainda  nos  princípios  d'este  sé- 
culo grande  parte  da  serra  da  Estrella,  pro- 
priamente dicta^foi  arborisada.  Ainda  vive 
em  Gouveia  uma  senhora  —  D.  Clara  Rita 
d'Almeida  Rainha,*  mãe  do  nosso  bom  ami- 
go dr.  Julio  Rainha,  mencionado  supra,— a 
qual  nos  disse  que,  por  oecasião  da  guerra 
peninsular,  ellâ  com  a  sua  família  e  outras 
pessoas  e  famílias  de  Gouveia  fugiram  para 
dentro  da  serra  (imitaram  os  antigos  lusi- 
tanos!...)  e  que  ali  estiveram  alguns  dias 
em  uma  grande  matta  de  carvalhos;  mas 
hoje  a  serra  da  Estrella  propriamente  dieta, 
a  cavalleiro  das  muitas  povoações  que  a 
bordam,  está  completamente  nua.  Apenas 
se  vêem  alguns  troncos  dos  antigos  carva- 
lhos dentro  da  serra  junto  de  Videmonte, 
concelho  da  Guarda,  no  caminho  (?)  da 
Guarda  por  Videmonte.  para  Linhares,  Fol- 


1  CoBta  cerca  de  100  annos. 


I  gosinho  e  Manteigas.  Denominam -se  Og 
j  sete  carvalhos  jmlos  e  respeitam-nos  como 
balisas  para  orientação  dos  viandantes  no 
tempo  das  neves,  como  já  dissemos  no  art. 
Vtde  Monte,  vol.  10.»  pag.  635,  col. 

Supprem  os  marcos  ou  montículos  de  pe- 
dras soltas,  que  os  pastores  erguem  ao  Ion- 
go  da  serra  no  verão,  para  se  orientarem  no 
inverno. 

A  desnudação  da  serra  é  tal  que,  mesmo 
nas  grandes  povoações  que  a  bordam,  co- 
mo em  Gouveia  e  outras,  o  combustível  é 
caro  e,  se  os  habitantes  ricos  semeiam  pi- 
nheiraes  nas  abas  da  serra,  o  povo  insurge- 
se  e  destroe-os,  como  já  succedeu  em  Gou- 
veia; as  coisas  porem  felizmente  vão  mudar, 
porque  o  nosso  governo  em  1887  reorganisou 
os  serviços  florestaes  e  mandou  arborisar 
todas  as  nossas  estradas  a  macadam,  as  du- 
nas do  littoral  e  as  serras  da  Estrella  e  do 
Gerez.  N'ellas  está  fazendo  grandes  planta- 
ções e  sementeiras  d'arvores  apropriadas  ao 
chão  e  ao  clima.i 

No  alto  da  serra  da  Estrella,  ou  na  região 
dos  Cântaros,  da  Torre  e  das  Lagoas,  não 
vimos  um  carvalho  ou  outra  qualquer  ar- 
vore, exceptuando  unicamente  algumas  bé- 
tulas raríssimas,  no  valle  da  Candieira.  O 
que  por  ali  abunda  é  o  zimbro  ou  junipero, 
enfesado  e  collado  aos  penedos,  revestin- 
do-09,  ou  em  grupos  isolados  e  arredonda- 
dos, semelhando  alecrim  do  norte  aparado 
com  thesoura.  Tem  folhas  ásperas  e  agudas 
que  picam,  e  produz  baga,  de  que  se  faz  ge- 
nebra. A  haste  é  dura  e  muito  angulosa; 
não  alteia  nem  forma  vergonteas  lisas;  é  to- 
da em  zigzagues  e  ângulos  rectos  e  agudos. 
Não  nos  foi  possível  encontrar  uma  haste 
de  metro  lisa,  que  servisse  para  bengala. 
O  zimbro  encontra-se  em  toda  a  serra, 


1  Este  e  outros  grandes  melhoramentos 
do  nosso  paiz  devem  se  á  fecunda  iniciati- 
va do  sr.  Emygdio  Navarro,  ministro  das 
obras  publicas.  Logo  fallaremos  de  s.  ex.% 
porque  tem  o  seu  nome  vinculado  á  serra 
da  Estrella 


ZEZ 


ZEZ  2191 


mesmo»  no  alto  dos  Ganiaros,  excepto  no 
Malha  ão  da  Estrella  ou  no  plató  da  Torre' 
Por  seser  o  ponto  mais  alto  e  culminante  da 
serra,  i,  desabrigado  de  todos  os  quadrantes, 
ali  nãião  ha  vegetação  alguma,  nem  sequer  o 
nardo  o  ou  gervum,  relva  mimosíssima  e  lin- 
dissinraia,  que  parece  a  relva  dos  nossos  jar- 
dins. .  No  verão  cobre  toda  a  serra  e  dá  ma- 
gnificica  pastagem  para  o  gado,  pelo  que  os 
pastonres  das  diversas  freguezias  e  dos  con- 
celhoa»  das  abas  da  serra  ali  por  vezes  tra- 
vam í  grandes  desordens  por  causa  dos  pas- 
tos. TTem  havido  até  por  causa  d'elles  gran- 
des (  demandas,  uma  das  quaes,  entre  os 
coneeelhos  de  Gouveia  e  Manteigas,  depois 
de  grrandes  bulhas  e  muita  pancadaria,  ter- 
minoDii  d'um  modo  curioso: — A  camará  de 
Mantdeigas  foi  obrigada  por  sentença  a  ir  to- 
dos oos  annos  incorporada,  depois  de  soar  a 
meia  i  noite  da  véspera  de  S.  João,  colher  um 
copo  d  agua  na  fonte  de  S.  Pedro  d'aquella 
villaiea  mandai  o  com  240  réis  por  um 
pastoor  á  camará  da  villa  de  Gouveia,  dis- 
tantee  bons     kiloraetros  na  outra  pendente 
da  sserra,— devendo  ali  ser  tudo  entregue 
antess  de  nascer  o  sofíl  . . . 


A  curiosa  sentença  foi  dada  ha  séculos  e 
aindíla  hoje  se  cumpre. 

Istto  é  um  facto  que  eu  próprio  verifiquei 
na  virilla  de  Manteigas,  quando  ali  estive  e 
visittei  a  tal  fonte  de  S.  Pedro,  —  e  na  villa 
de  GjQUveia,  onde  tenho  estado  muitas  vezes 
e  foUheado  o  seu  archivo  todo.i  O  que  eu 
não  acredito  é  que  a  camará  de  Gouveia  ja- 
maiss  recebesse  agua  da  tal  fonte  de  S.  Pe- 
dro de  Manteigas,  porque  o  pastor,  através- 
san(3do  só  e  de  noite  13  kilometros  de  serra^ 
todai  cheia  d'agua  perfeitamente  igual  (atra- 
vesssa  inclusivamente  o  Mondego)— por  cer- 


1  D'elle  extrahi  parte  do  que  se  lê  no  art. 
Valllezim  e  nos  folhetins  que  publiquei  no 
Connmercio  Portuguez  com  relação  a  Gou- 
veisa,— folhetins  que  aproveitarei  no  supple- 
memto  a  este  dieeionario,  se  elle  estiver  ain- 
da (então  a  nosso  cargo. 


to  que  leva  o  copo  vasio  e,  para  satisfazer 
ao  mandato,  enche-o  na  fonte  mais  próxima 
de  Gouveia,— villa  muito  abundante  d'ex- 
cellente  agua  potável  e  de  rega. 

Mais  ainda  :  —  Em  virtude  de  novas  de- 
marcações e  novas  partilhas  dos  montados, 
feitas  em  1848  com  assistência  das  duas  ca- 
marás e  do  governador  civil  da  Guarda,  a 
camará  de  Manteigas  paga  desde  então 
11200  réis  todos  os  annos  também  á  cama- 
rá de  Gouveia. 

De  passagem  diremos  que  hoje  a  villa  de 
Manteigas  cria  mais  gado  do  que  a  villa  de 
Gouveia,  porque  hoje  esta  villa  é,  depois  da 
Covilhã,  Porto  e  Lisboa,  a  povoação  mais 
industrial  do  nosso  paiz.^  Tem  a  villa  e  o 
concelho  28  fabricas  de  lanifícios?! . . .  Alem 
d'isso  o  concelho  de  Gouveia  é  muito  mais 
populoso,  mais  vasto,  mais  plano  e  mais  fér- 
til do  que  o  de  Manteigas  e  também  cria 
muito  gado. 

O  concelho  de  Gouveia  tem  23  freguezias 
com  5500  fogos  e  cerca  de  24:000  habitan- 
tes. Só  a  villa  tem  hoje  mais  de  700  fogos  e 
de  3:000  almas,— em  quanto  que  o  concelho 
de  Manteigas  comprehende  apenas  3  fregue- 
zias, que  pelo  ultimo  recenseamento  conta- 
vam 784  fogos  e  3:325  habitantes  :  —  nas 
duas  parochias  da  villa  688  fogos  e  2:953 
habitantes— e  na  pequena  freguezia  do  Sa- 
meiro  96  fogos  e  372  habitantes.  E  a  popu- 
lação não  será  hoje  muito  maior,  porque  o 
ultimo  recenseamento  foi  feito  em  1878  e 
depois  d'elle  (nos  annos  de  1881,  1882  e 
1883)  uma  medonha  epidemia  de  typhos 
matou  na  villa  cerca  de  200  pessoasi  Só 
adultos  157.2 


1  V.  Gouveia  e  Villa  Nova  de  Tazem  n'es- 
te  dieeionario  e  no  supplemento. 

2  Matou  também  alguns  facultativos,  pelo 
que  nenhum  queria  abeirar-se  d'aquelle  me- 
donho fóeo  d'infecção.  Em  tão  negra  con- 
junctura  immortalisou-se  o  dr.  Francisco 
Maria  da  Cruz  Sobral  e  Vaseoncellos,  então 
cirurgião  militar  na  Guarda,  filho  do  gene- 
ral de  divisão  Francisco  Maria  Melquiades 
da  Cruz  Sobral,  de  quem  já  se  fallou  no  art. 
Vianna  do  Castello,  tomo  10.»  pag.  410  e 
segg. 


2192  ZEZ 


ZEZ 


A  -villa  de  Manteigas  também  tem  no  Zê- 
zere 8  fabricas  de  lanifícios:  —  1  (é  a  mais 
importante)  de  Joaquim  Pereira  de  Mattos 
e  Cunha;  2  de  Manoel  Pereira  de  Mattos;  1 
de  João  Abrantes  Martins  da  Cunha  e  só- 
cios; 1  de  Manoel  Francisco  Serra  e  sócios; 
1  de  José  Duarte  Quaresma;  1  de  Antonio 
Martins  Botelho — e  1  de  Antonio  Craveiro 
Babaça  e  sócios. 

Tem  mais  13  moinhos  e  algumas  moinhe- 
las  (?)  7  pisões  no  Zêzere  e  4  no  ribeiro  das 
Fornéas,  que  morre  no  Zêzere  ou  antes  no 
ribeiro  das  Carvalheiras,  a  jusante  da  villa 
6  da  Capella  de  Santo  Antonio,  que  demora 
na  margem  direita  do  Zêzere,  junio  da  Pon- 
te Longa,  assim  denominada  por  antiphrase, 
pois,  como  já  dissemos,  é  uma  ponte  de 
pau,  a  mais  insignificante  do  Zêzere. 

As  lagoas 

•  No  alto  da  serra  e  perto  da  villa  de  Man- 
teigas—disse também  o  meu  antecessor  no 
citado  art.  Estrella—hà  um  plató  com  dois 
lagos,  ura  de  1  kilometro  de  circumferencia 
e  chamado  Lagoa  Escura  (diz-se  que  se  lhe 
não  acha  fundo)  e  outro  mais  pequeno  cha- 
mado Lagoa  Comprida. 

«Tem  mais  as  lagoas  Sêcca  e  Redonda.  A 
lagoa  Sêcca  é  assim  chamada,  porque,  ten- 
do pouca  profundidade,  séeca  de  verão,  pas- 
tando o  gado  no  seu  leito.  Da  Redonda  nas- 
ce o  rio  Alva,  Tem  esta  lagôa  616  metros 
de  circumferencia  e  5  de  profundidade. 

•  A  Escura  tem  as  bordas  formadas  de 
rochedos  altos  e  denegridos:  o  excedente 
d'esta  lagôa  corre  para  a  lagôa  Comprida  e 
dá  também  forte  manancial  ao  Alva. 

«Também  ha  n'e3ta  serra  as  lagoas  de 
Manteigas,  que  ficam  próximo  da  villa  d'es- 


O  benemérito  e  arrojado  mancebo— com 
risco  da  própria  vida  —  foi  muito  generosa 
e  espontaneamente  tractar  os  doentes  todos 
até  findar  a  epidemia,  pelo  que  o  nosso  go- 
verno o  condecorou  e,  fallecendo  alguns  an- 
nos  depois  na  Guarda,  os  seus  amigos  e 
admiradores  lhe  erigiram  um  mausoléu  mo- 
numental. 


te  nome.  São  ellas  que  dão  origem  ao  Zê- 
zere. 

«A  terra  que  rodeia  estes  lagos  sente-se 
tremer,  quando  se  anda  sobre  ella.  É  dene- 
grida 6  árida:  apenas  aqui  se  vêem  dois  ro- 
bustos carvalhos  e  nada  mais  de  vegeta- 
ção. 

«'Suas  aguas  sobem  e  descem,  sem  se  po- 
der atinar  com  a  causa  d'este  phenomeno. 

«Não  ha  n'elles  cousa  viva. 

«Quando  embravecem  (sem  também  se 
saber  porque!)  seu  horroroso  estampido 
adverte  os  pastores  de  tempestade  próxima . 

«O  cume  d'esta  serra  está  constantemente 
coberto  de  neve.* 


Eflfectivamente  ha  na  serra  da  Estrella  6 
lagôas  divididas  em  3  grupos.  O  1."  (a  par- 
tir da  Torre  da  Estrella)  comprehende  a  la- 
gôa dos  Cântaros,  ou  da  Salgadeira,  e  a  do 
Paxão;  —  o  2.»  comprehende  as  lagôas  Es- 
cura e  Comprida;— o  3.»  as  lagôas  Redonda 
e  Secca. 

A  lagôa  da  Salgadeira  demora  na  raiz  do 
Cântaro  Gordo,  lado  N.,  e  dista  da  Torre 
cerca  de  2  kilometros  para  E.N.E. 

A  lagôa  do  Paxão  demora  no  alto  da  Na- 
ve da  Candieira  (margem  direita)  junto  do 
Poio  do  Passarão,  a  jusante  d'elle  e  do  Cha- 
fariz d'El-Rei,  cujas  aguas  recebe,— e  dista 
da  Torre  cerca  de  3  kil.  para  N.N.E. 

A  agua  d'estas  duas  lagôas  corre  pela 
Nave  da  Candieira  para  o  Zêzere. 

A  lagôa  Escura  demora  em  uma  caldei- 
ra d'aspero  e  medonho  fragoédo;  é  mais  re- 
donda do  que  a  lagoa  denominada  Redonda 
— e  dista  da  Torre  cerca  de  S  kil.  para 
N.N.O. 

A  lagôa  Comprida  demora  a  jusante  da 
lagôa  Escura,  cujas  aguas  recebe;— distará 
d'ella  1  kilometro  para  N.O.— e  da  Torre  & 
kil.  para  N.N.O. 

A  lagôa  Redonda  demora  junto  do  Covão 
do  Urso,  na  margem  esquerda  da  ribeira  do 
Sabugueiro,  confluente  e  uma  das  nascentes 
do  Alva,— e  dista  da  Torre  cerca  de  8  kil. 
para  N  N.O. 

A  lagôa  Sêcca  demora  em  um  planalto  de 
1642  metros  d'aUitude,  2  kil.  a  O.  da  lagôa 


ZEZ 


ZEZ  2193 


Rèdotonda,  3  a  N.N.E.  da  lagôa  Comprida  e  8 
a  N.  c  da  Torre. 


Toíodas  estas  lagoas  demoram  no  termo  do 
coacecelho  de  Manteigas,  mas  distam  bastante 
da  vitrilla.— A  Redonda  7  kilometros,  a  Secca 
8,  a  (  Comprida  e  a  Escura  10,  todas  para 
S.O.;-;— a  do  Paxão  8  e  a  da  Salgadeira  10 
para  i  S.S.O.;  note-se  porém  que  todas  estas 
distaianeias  são  computadas  em  recta  sobre 
os  maiappas  da  eommissão  geodésica.  —  O 
perciiurso  real  pôde  computar-se  no  dobro, 
attenmdendo  à  sinuosidade  e  escabrosidade 
da  maiontanha  e  nomeadamente  às  grandes 
voltaas  que  dá  o  caminho  por  onde  se  sobe 
da  vi/illa  de  Manteigas  para  a  serra  —  e  do 
planajaito  da  serra  para  as  lagoas  dos  Cânta- 
ros, (j  que  dão  origem  ao  Zêzere,  pelo  que  es- 
tas d  duas  lagoas,  longe  de  serem  as  mais 
proxicimas  da  villa  de  Manteigas,  como  disse 
o  meteu  benemérito  antecessor^  são  as  mais 
distaantes. 

As  s  mais  próximas  d'aquella  villa  são  as 
do  3,9."  grupo:— lagôa  Redonda  e  lagôa  Secca 
— e  ttanto  estas,  como  as  do  2.°  grupo:— la- 
gôa 1  Escura  e  lagôa  Comprida,  todas  4  des- 
aguaiam  no  Alva. 

A  1  lagôa  Secca  effeetivamente  sécea  no  ve- 
rão ee  íica  transformada  em  uma  patameira, 
comoo  nós  a  vimos,  quando  em  agosto  de 
1881  i  ali  passámos  e  n'ella  passeiámos,  indo 
do  aaearapamento  da  Expedição  para  Geia 
pelo  1  Sabugueiro,  povoação  que  demora  na 
marggem  direita  do  Alva  e  dista  da  mencio- 
nada a  lagôa  pouco  mais  de  3  kilometros  em 
recta  a  para  N.  ^ 


Toodas  as  outras  lagoas  tendem  a  soriar- 
se  ouu  assoriar-se,^  principalmente  a  Com- 


1  AA  dieta  povoação  está  dentro  da  serra, 
mas  1  em  sitio  fundo  e  muito  quente  no  ve- 
rão, 1  não  é  porem  tão  fundo,  tão  quente,  tão 
abafa'ado,  tão  mimoso  e  tão  fértil  como  o  chão 
da  viàlla  de  Manteigas. 

*  CO  termo  é  usado  e  próprio,  mas  não  se 
encoDntra  nos  dieeionarios. 


prida  e  a  do  Paxão,  e  por  certo  já  estariam 
sêccas,  também,  se  fosse  movida  e  agricul- 
tada a  superfície  da  serra.  Suppòe-se  até 
que  alguns  covões  da  Estrella  foram  antiga- 
mente lagoas;  mas  na  actualidade  todas, 
mesmo  na  estiagem,  exceptuando  a  lagôa 
Sêcca,  ainda  são  bastante  fundas. 

Se  bem  me  recordo,  as  sondagens  feitas 
pela  Expedição  encontraram  na  lagôa  Com- 
prida 13  metros  de  profundidade— e  na.  Es- 
cura 17. 

Nós  assistimos  ás  sondagens  d'estas  duas 
lagoas  e  atravessámos  a  Comprida  em  um 
dos  barcos  de  lôna,  que  a  Expedição  levou 
de  Lisboa  para  aquelle  íim. 

Na  opinião  do  sr.^Emygdio  Navarro,  se- 
gundo se  lê  no  seu  formoso  Mvto— Quatro 
dias  na  serra  da  Estrella,— &  lagôa  do  Pa- 
xão é  a  mais  imponente  e  mais  interessan- 
te, mas  nós  visilámol-a  detidamente  duas 
vezes;  passeámos  em  volta  d'ella;  estivemos 
no  curuto  (?)  do  grande  penhasco— Poio  do 
Passarão,  que  domina  perfeitamente  não  só 
a  dieta  lagôa,  mas  toda  a  Nave  da  Candiei- 
ra  e  grande  parte  da  região  dos  Cântaros^ 
ete.  e  damos  preferencia  á  lagôa  Escura  na 
estiagem,  pois  é  muito  maior  e  realmente  de 
aspecto  sombrio,  escuro,  por  estar  em  uma 
grande  caldeira  com  altos  bordos  de  fragoe- 
do  mi,  e  por  ser  de  todas  as  lagoas  a  que 
tem  mais  profundidade  talvez. 


No  inverno  a  maior  e  mais  imponente  ó 
sem  contestação  a  lagôa  Comprida,  pois 
quando  trasborda  com  o  desgelo  e  chuvas 
deve  ter  1:500  metros  de  comprimento  e  200 
a  300  metros  de  largura  em  alguns  pontos,^ 
mas,  como  está  em  sitio  fundo  e  recebe  de- 
triclos  das  encostas  superiores,  tem  soriado 
—  e  no  verão,  como  nós  vimos,  grande 
parte  do  seu  leito  fica  enxuto,  formando  um 


i  A  lagôa  Escura  deve  ter  aproximada- 
mente 100  metros  de  diâmetro  —  e  de  cir- 
cumfereneia  300,  pois  ó  quasi  redonda.  A 
lagôa  do  Paxão  é  muito  mais  pequena. 


2194  ZEZ 


ZEZ 


arrelvado  mimosíssimo  de  gervum  e  outras 
plantas  aquatieas,  que  dão  magniSca  pasta- 
gem para  o  gado.  Ainda  assim  a  íita  d'agua 
que  serpeia  d'um  modo  caprichoso  atravez 
do  grande  estendal  de  gervum,  lerá  1  kilo- 
metro  de  comprimento  e  em  alguns  sítios 
40  a  SO  metros  de  largura,  mas  em  outros 
apenas  terá  de  largura  8  a  10  metros  e, 
passados  alguns  annos,  esses  pontaes  tocar- 
se-hão,— a  lagoa  ficará  muito  reduzida  —  e 
por  ultimo  transformada  em  um  grande  co- 
vão ou  nave,  como  os  outros  covões  da  Es- 
trella, hoje  completamente  rasos,  seccos,  en- 
xutos. 

A  agua  de  todas  as  lagoas,  inclusivamen- 
te a  da  lagôa  Escura,  é  como  a  de  toda  a 
serra,— límpida  e  transparente.  Parece  agua 
dístíllada.  É  saborosa,  muito  fresca  e  potá- 
vel, mas,  como  em  rasão  da  altitude  não  tem 
os  saes  próprios  da  agua  commum,  sacia 
momentaneamente  a  séde,  como  o  gelo,  pas- 
sados porem  alguns  instantes,  apenas  o  cor- 
po volve  ao  seu  estado  normal  de  calor, 
volve  também  a  sáde. 

Bebe-se  com  muito  prazer  e  ainda  hoje 
temos  saudades  d  elia,  mas  produz  o  effeito 
de  um  laxante,  como  nos  suecedeu  e  a  to- 
dos 03  expedicionários,  em  quanto  estive- 
mos na  serra;  terminou  porem  o  ligeiro  in- 
commodo  apenas  nos  afastámos. 

Nenhuma  das  lagoas  na  estiagem  tras- 
borda. Pelo  contrario  o  seu  volume  d'agua 
diminue,  pois  não  teem  nascentes  próprias 
que  compensem  o  dispêndio  da  evaporação. 
Na  lagôa  Escura,  por  exemplo,  quando  ali 
estivemos  em  agosto  de  1881,  notava-se  na 
superfície  um  rebaixamento  de  cerca  de  1 
metro— e  a  agua  estava  tépida,  como  tem- 
perada para  banho,  pelo  que  n'ella  se  ba- 
nharam e  nadaram  alguns  dos  expedicioná- 
rios e  um  d'elles  —  o  sr.  Alberto  Julio  de 
Brito  e  Cunha,  tenente  deartilhería, — n'ella 
ia  morrendo  afogado!... 

As  coisas  passaram-se  assim: 


Constando  que  os  expedicionários  se  abei- 
ravam das  lagoas  sem  susto,  despresando  as 


medonhas  lendas  que  as  cercavam,^  no  dia 
destinado  para  a  sondagem  affluiram  mui- 
tas pessoas  dos  povos  circumvisinhos  e  en- 
tre ellas  5  valentes  moços  de  Manteigas  que, 
apenas  viram  na  lagôa  Escura  os  expedi- 
cionários rindo  e  folgando  e  um  barco  de 
lona  boiando,  encheram-se  de  coragem, — 
despiram-se  e  atravessaram  a  lagôa  nadan- 
do, sendo  ruidosamente  acclamados  e  ví- 
ctoriados. 

Os  moços  ficaram  contentíssimos,  como  se 
houvessem  atravessado  os  Dardanellos,  a 
Mancha  ou  o  Mediterrâneo  e,  apenas  respi- 
raram e  se  viram  a  salvo  em  terra  com  as- 
sombro d'elles  próprios  e  dos  montanheze» 
todos, — cobraram  novo  animo, — lançaram- 
se  outra  vez  à  agua— e  repetiram  a  traves- 
sia. 

O  tenente  Brito  e  Cunha,  estando  cheio 
de  calor  e  vendo  a  agua  tão  tépida,  tão  lím- 
pida e  tão  serena,  despiu-se,  —  foi  banhar- 
se,2  e  como  soubesse  nadar,  tentou  atraves- 
sar também  a  lagôa,  o  que  julgou  muito  fá- 
cil, porque  ella,  como  já  dissemos,  apenas 
terá  de  diâmetro  100  metros;  sendo  porem 
muito  franzino  e  a  agua  completamente  esta- 
gnada e  morta,  muito  mais  difflcil  de  cortar 
e  atravessar  do  que  a  dos  rios,  a  certa  dis- 
tancia faltaram-lhe  as  forças  e,  vendo-se  só, 
— succumbiu!  Todos  os  que  estavam  em 
volta  tractaram  de  o  animar;  elle  perguntou 
se  já  iria  a  meio  da  lagôa;  disseram-lhe  que 
não;  mais  esmoreceu  e  retrocedeu. 

Era  já  muito  visível  o  cançaço  e  todos  re- 
ceiavam  por  elle.  Atíraram-lhe  bóias  de 


1  Desde  tempos  muito  remotos  vogava  na 
serra  e  fôra  da  serra  a  convicção  de  que 
as  lagôas  tinham  grandes  sorvedouros  e 
communicação  com  o  mar,— que  se  embra- 
veciam quando  o  mar  se  embravecia  tam- 
bém,—que  n'ellas  se  havia  encontrado  fra- 
gmentos e  mastros  de  navios,  etc,  etc.  pelo 
que  ninguém  se  atrevia  a  banhar-se  e  na- 
dar nas  pacificas  lagoas. 

Veja-se  o  art.  Estrella  e  os  Relatórios  da 
Expedição,  nomeadamente  o  da  secção 
Ethnographica. 

*  Elle  também  já  na  véspera  havia  toma- 
do banho  na  lagôa  do  Paxão. 


ZEZ 

salvação,  mas  ficaram  distantes  e  o  moço  es- 
tava prestes  a  sumir- se  navoragem.i  quan- 
do um  dos  intrépidos  nadadores,  que  haviam 
feito  a  travessia,  atiron  comsigo  á  agua  ra- 
pidamente, mesmo  vestido  como  estava,— 
lançou-lhe  a  mão  e  salvou-ol 

Deve  pois  a  vida  ao  intrépido  e  valente  fi- 
lho de  Manteigas,— CarZos  Baptista  Leitão. 

O  sr.  Emygdio  Navarro  (desculpe  s.  ex.») 
foi  menos  justo  para  com  os  ditos  moços  de 
Manteigas,  pois  no  seu  formoso  livro,  pag. 
110,  contou  o  facto  do  modo  seguinte: 

«Cídcg  ou  seis  dos  membros  da  Expedi- 
ção saltaram  dentro  da  lagôa,  esbracejando 
n'ella  a  nado,  como  no  mais  pacifico  tan- 
que. Alguns  serranos  mais  ousados,  que- 
rendo pimponear  em  coragem,  imitaram  o 
exemplo.  Mas— ó  força  da  supersticiosa  len- 
da!—algumas  braças  nadadas,  um  d'e3se3 
valentes  desatou  a  berrar  desentoadamente, 
pedindo  soccorro,  e  foi  empurrado  para  fo- 
ra, pallido  como  um  defunto.  O  pobre  ho- 
mem jurava  por  todos  os  santos  e  santas  da 
corte  do  ceu,  que  a  meio  da  lagõa  um  dos 
taes  monstros  mysteriosos  lhe  puxara  por 
uma  perna  para  o  arrastar  comsigo,  custan- 
do-lhe  a  ver-se  livre  d'ellel ...» 

O  sr.  Emygdio  Navarro  propoz-se  escre- 
ver e  escreveu  folhetins^  não  historia,  e  por 
isso  de  quando  em  quando  phantasiou. 

Os  moços  de  Manteigas  atravessaram  2 
vezes  a  lagoa  Escura — rindo  e  folgando— e 
nenhum  vogal  da  Expedição  os  imitou  e  a 
atravessou  a  nadar.  Apenas  tentou  a  tra- 
vessia o  tenente  Cunha,  mas  não  chegou  ao 
meio  da  lagôa  e,  se  o  tal  moço  de  Mantei- 
gas lhe  hão  acudisse— Zá  ficaval . . . 


Em  volta  d'esta  lagoa  e  de  todas  as  ou- 
tras apenas  se  vê  o  zimbro  e  o  nardo  ou 
gervum,  e  nas  margens  da  lagôa  Comprida 
algumas  plantas  aquáticas.  Não  ha  vesti- 


»  O  pendor  abrupto  das  margens  da  la 
gôa  vae  até  o  fundo  d'ella  e  não  tem  bai 
xios. 


ZEZ  2195 

gios  nem  memoria  dos  2  robustos  carvalhos 
mencionados  pelo  meu  antecessor,— nem  de 
arvore  de  espécie  alguma  na  região  das  la- 
goas e  dos  Cântaros,  alem  d'algumas  bétu- 
las ao  fundo  da  nave  da  Candieira. 

Também  na  região  dos  Cântaros  e  das  la- 
goas não  ha  vestígios  de  cultura  alguma. 
Apenas  vimos  a  jusante  semear  centeio  na 
1.»  quinzena  d'ago3to  em  algumas  quebra- 
das da  serra,  e  isto  em  cultura  alternada» 
pois  em  outros  pontos  ainda  estavam  a  se- 
gar e  colher  o  pão  semeado  no  anno  ante- 
cedente. 

Não  ha  também  na  serra  da  Estrella  pro- 
priamente  dieta  vestígios  de  casas  ou  habi- 
tações, nem  de  occupação,  embora  muito 
remota,— nem  de  grutas  ou  cavernas.  Ape- 
nas de  longe  em  longe  se  vôem  algumas 
choupanas  microscópicas  de  pedras  soltas, 
feitas  pelos  pastores,  para  se  abrigarem  do 
sol  no  verão— 8  alguns  pequenos  pilares  de 
pedras  soltas  também,  ao  longo  das  veredas 
da  serra,  para  se  orientarem  os  viandantes, 
quando  a  neve  os  surprehende. 

Ha  também  na  serra  de  longe  em  longe 
orcas  de  pão.  Assim  se  denominam  certas 
cavidades  ou  fendas  que  ha  nas  rochas,  on- 
de os  pastores  guardam  o  pão  para  elles  e 
para  os  seus  criados  e  cães,  tapando  as  di- 
etas fendas  com  pedras. 

Nas  lagôas  não  ha  coisa  viva— àiz  o  meu 
antecessor  no  art.  Estrella,— e  em  parte  as- 
sim é,  não  por  ser  mortífera  a  agua  das  la- 
I  gôas,  mas  por  estarem  grande  parte  do  an- 
no cobertas  de  gelo;  eomtudo  uós  vimos 
saltar  pequenas  cobras  para  as  lagôas  Escu- 
ra e  do  Paxão. 
I  Também  vimos  na  parte  mais  alta  da  ser- 
ra, mesmo  na  região  dos  Cântaros  e  das  la- 
gôas, muitas  perdizes,  águias  e  andorinhas, 
—as  perdizes  nas  quebradas  —  e  as  andori- 
nhas e  águias  revoando,  principalmente  no 
Cântaro  Magro.  Ainda  conservamos  algu- 
mas pennas  d'aguias,  que  d'ali  trouxe- 
mos. 

Também  conservamos  o  chocalho  de  uma 
ovelha  que  os  lobos  haviam  devorado  na 
noite  antecedente  do  dia  em  que  nós  o  en- 
contrámos, ainda  com  restos  da  pelle  do 
pescoço  da  pobre  ovelha,  indo  nós  da  lagôa 


2196  ZEZ 

do  Pâxão  para  o  acampameato  com  o  nos- 
so bom  amigo  Lopes  Mendes. 

O  sr.  Emygdio  Navarro,  no  seu  formoso 
livro  citado  supra,  diz  que  na  serra  da  Es- 
trella já  Dão  ha  lobos. 

.  Isto  ó  menos  exacto, —  desculpe  s.  ex.*  — 
pois  o  dieto  chocalho  ó  prova  afflrmativa. 

Nós  não  os  lobrigámos  nem  a  Expedição 
pôde  obter  algum,  mas  os  pastores  eram 
unanimes  em  aflírmar  que  na  serra  havia 
lobos— e  que  todos  os  dias  registravam  a 
falta  de  ovelhas  devoradas  por  elles. 

De  dia  estão  escondidos  nas  fendas  dos 
■penhascos:— de  noite  saem  dos  dictos  reces- 
sos 6  vão  bater  monte  em  cala  de  presas. 
Dão-se  por  satisfeitos  se  encontrara  alguma 
ovelha  desgarrada;  não  a  encontrando,  apro- 
ximam-se  dos  rebanhos  e,  como  estes  são 
numerosos,  não  lhes  é  diffleil  apanhar  uma 
ovelha  ou  outra,  sem  serem  presentidos  pe- 
los cães  e  pastores;  mas  ai  d'elles,  se  os  pas- 
tores 6  cães  os  presenteml. . . 


Note-se  que  durante  o  inverno  os  pasto- 
res costumam  ir  da  serra  da  Estrella  com 
o  gado  para  as  terras  mais  amenas  da  Bpira 
Alta  e  Baixa,  para  o  Alemtejo  e  para  os 
campos  de  Coimbra,  mas  no  verão  sobem 
com  elle  para  a  serra  em  bandos  de  1:000 
a  2:000  cabeças— e  maisi  Na  serra  durante 
os  mezes  de  junho,  julho  e  agosto  se  encon- 
trara 20  a  30  mil  cabeças  de  gado  lanígero. 

Os  diversos  bandos  não  são  dos  homens 
que  03  pastoreara.  Ha  nas  differentes  terras 
indivíduos  denominados  maioraes  que,  me- 
diante a  remuneração  de  20  réis  por  cabe- 
ça 6  por  mez,  se  incumbem  de  levar  o  gado 
para  a  serra,  e  para  a  guarda  d'elle  tomam 
criados  e  cães,  na  proporção  do  numero  de 
cabeças. 

Nós  vimos  um  rebanho  de  2:000  ovelhas 
com  5  pastores  e  5  valentes  cães  de  raça  pró- 
pria, armados  com  grandes  colleiras  de  fer- 
ro, crivadas  de  puas,  para  luetarem  com  os 
lobos,  pois  estes  costumam  filar  os  cães  pelo 
pescoço  e,  encontrando  as  colleiras  com  as 
puas,  ficam  de  mau  partido.  Os  cães  não  os 
poupam;— acodem  logo  os  criádos,  sempre  I 


ZEZ 

novos  e  valentes,  armados  de  paus  e  pisto- 
las,—e  os  lobos  teem  de  fugir,  sendo  perse- 
guidos pelos  cães  até  grande  distancia.  Ra- 
ras  vezes  se  expõem  á  montaria,  porque  sa- 
bem a  sorte  que  os  esperai...  Conientam- 
se  pois  com  as  ovelhas  que  encontram  des- 
garradas pelos  penhascos,  ou  desertas  e 
mais  afastadas  dos  rebanhos,  pois  estes, 
quando  são  numerosos,  oceupam  uma  area 
muito  extensa. 

O  alimento  ordinário  dos  cães  e  dos  pas- 
tores ê  broa  de  centeio  e  leite  de  cabra,  pelo 
que  trazem  sempre  nos  rebanhos  de  ovelhas 
e  carneiros,  algumas  cabras.  Fervem  o  leite 
em  caldeiras  de  cobre  e  d'ali  o  comem  com 
umas  colheres  denominadas  cocharras,^  fei- 
tas de  pontas  de  boi  ou  de  carneiro,  por  ve- 
zes muito  ornamentadas. 

Nós  comprámos  aos  pastores  algumas 
muito  bonitas  e  um  copo  ou  merendeira  de 
ponta  de  boi,  com  desenhos  curiosos,  enlre 
elles  um  navio,  uma  custodia  e  a  genciana 
com  a  flor  própria,^  —  diziam  elles,  pois  o 
desenho  era  ineorreetissimo. 


1  Aos  cães  lançam  o  leite  nas  cavidades 
das  rochas  ou  em  covas  que  abrem  na  ter- 
ra; os  cães  d'ali  o  comem  e  nutrem  mais, 
quando  é  lançado  na  terra,  pois  costumam 
comer  com  o  leite  a  terra  humedecida  por 
elle.  •  ^ 

2  A  genciana  é  uma  planta  medicinal,  que 
se  encontra  no  alto  da  serra,  nomeadamen- 
te U03  Cântaros  e  no  va1lB  da  Argmteira, 
assim  denominado  por  ter  muita  genciana, 
a  que  os  pastores  dão  o  nome  de  argencia- 
na  ou  argenteira. 

A  genciana  foi  assim  chamada,  porque 
Gêncio,  rei  dos  lllirios  ou  EsclavÕes,  foi  o 
primeiro  que  usou  d'ella. 

Nasce  nos  montes  e  logares  húmidos;  o 
seu  talo  é  ôco  e  liso,  da  grossura  de  um  de- 
do; a  sua  flor  ê  amarella  e  recortada  em 
quatro  ou  cinco  partes  e  dá  semente  chata. 
As  suas  raizes  são  também  amarellas  e 
muito  amargosas— 8  as  folhas  teem  alguma 
semelhança  com  as  do  Elleboro  ou  da  Tan- 
chagem. 

•  A  raiz  da  genciana  he  attenuante,  aperi- 
tiva, alexipharmaca,  sudorífica;  mata  as  lom- 
brigas; resiste  ao  veneno;  he  boa  contra  as 
mordeduras  dos  cães  damnados;  provoca  a 


ZEZ 


ZEZ  2197 


CCruzes  toscas  de  madeira  lindissimas 

Ta'ambein  os  pastores  do  Jarmello,  concelho 
da  GGuarda,  a  N.  da  serra  da  Estrella,  fazem 
cruztzes  de  salgueiro  muito  vistosas,  muito 
appaaratosas  e  tão  engenhosas,  que  envergo- 
nhanm  e  confundem  os  grandes  artistas! 

Caostumam  ter  O^BO  d'altura  e  O^.SO  de 
largi^ura  nos  braços;  são  formadas  por  2 
pauas  a  toda  a  altura  d'ellas  e  outros  2  com 
a  lanrgura  dos  braços,  todos  caprichosamen- 
te c ornamentados  com  muitos  pausinhos 
maiíis  pequenos  e  uniformes,  ordinariamente 
216  i  ao  todo,i  e  todos  tão  bem  travados  e  tão 
engeenhosamente  engastalhados,  que  ficam 
firmoes  sem  pregos  nem  coUa  e  é  impossível 
desaarmar  as  dietas  cruzes  sem  as  quebrarl 

Pí*arece  mesmo  impossível  o  construil  asl., 

Mói  já  obtivemos  6,  mas  conservamos 
apecnas  uma.  As  outras  distribuimol-as  por 
diffeerentes  pessoas  das  nossas  relações  e  pe- 
los I  museus  do  Porto,  onde  podem  ver-se. 

Tiambem  mandámos  uma  á  exposição  de 
Pari  is  de  i878. 

O)  desenho  é  muito  agradável  e  correcto, 
— e  1  a  construcção  tão  engenhosa,  que  ne- 
nhuiQQ  dos  primeiros  artistas  do  Porto,  aos 
quaaes  nós  as  mostrámos',  se  atreveu  a  imi- 
tal-aas?l . . . 

Oás  pastores  levam-nas  ás  feiras  e  roma- 
rias)  e  costumam  vendel-as  a  500  réis  cada 
umaa.  Assim  comprámos  a  1.»  a  um  ermitão 
do  ssantuario  de  Nossa  Senhora  das  Fontes, 
juDtito  de  Pinhel,  mas  pouco  depois  nos  offe- 
reeeeram  por  ella  no  caminho  do  Porto  réis 
4^5500. 

COomprámos  as  outras  a  1^000  réis. 


urinoa;  lança  fóra  as  febres  intermittentes, 
etc.i» — diz  Bluteau. 

Avpplica-se  interior  e  exteriormente  e 
conssia  que  ha  annos  um  pobre  pastor,  an- 
damdo  a  colhel-a  no  Cântaro  Raso,  despe- 
nhoiu-se  e  lá  morreu! ... 

1  No  relatório  de  Archeologia,  da  Expedi- 
ção de  1881,  a  pag.  25  pôde  ver-se  o  dese- 
nho •  de  um  dos  dictos  paus  ou  gastaihos, 
mass  por  elle  mal  se  imagina  o  formato  das 
cruzzes  e  o  segredo  da  construcção  d'ellã3.  < 


Não  conhecemos  trabalho  de  pastores  tão 
diílicil  e  de  tanto  merecimento— e  até  hoje 
não  comprehendemos  nem  atlingimos  o  se- 
gredo da  tal  construcção. 

Se  um  dia  volvermos  á  Guarda,  tenciona- 
mos ir  ao  Jarmello  de  propósito,  para  ver- 
mos fazer  as  taes  cruzinhas. 


A  agua  das  lagoas  na  estiagem  é  comple- 
tamente morta,  serena  e  tranquilla,  como  já 
dissemos.  Não  sobe  nem  desce,  como  as  ma- 
rés, nem  com  eilas  tem  relação  alguma.  É 
pois  completamente  infundado  o  que  a  tal 
respeito  disseram  o  meu  antecessor  e  ou- 
tros. 

Apenas  baixam  com  a  evaporação,  como 
também  já  dissemos,  —  e  sobem  e  trasbor- 
dam no  inverno  com  o  desgelo  e  chuvas. 

O  terreno  em  alguns  sítios  junto  d'ellas 
treme  quando  se  pisa,  mas  o  mesmo  facto 
se  nota  em  toda  a  serra,  nos  chãos  onde  ha 
húmus  e  abundância  de  nardo,  porque  as 
raizes  d'esta  planta,  por  não  ser  o  chão  la- 
vrado, formam  um  grande  maciço — e  o  des- 
gêlo  da  agua  que  se  introduz  na  terra  for- 
ma cavidades  inferiores,  algumas  perigosas, 
deixando  a  superfieie  suspensa  no  enraiza- 
mento do  nardo  ou  gervum,  pelo  qua  no  ve- 
rão se  torna  elástica,  imitando  um  sofá  da 
molas.  Sente-se  até  prazer  em  rolar  o  corpo 
sobre  os  dietos  chãos  arrelvados. 

A  isto  se  reduz  o  grande  phenomeno  de 
tremer  e  oscillar  a  terra  em  volta  das  inno- 
eentes  lagoas,  tão  calumuiadas  até  hoje. 

Os  ribombos  que  se  lhes  attribuem,  como 
prenuncio  das  tempestades  no  inverno,  são 
igualmente  calumniosos.  Não  teem  funda- 
mento algum,  alem  da  imaginação  do  povo 
e  mesmo  de  gente  itlustrada.  Um  cavalheiro 
respeitabilissimo  aíflrmou-me  que  em  Pinhel, 
cidade  distante  mais  de  60  kilometros,  elle 
ouvira  os  taes  ribombos  das  lagoas  muitas 
vezes,  como  detonação  de  artilheria  colos- 
sal?!... 

«O  cume  da  serra  está  constantemente  co- 
berto de  neve.»  — disse  também  no  citado 
art.  Estrella  o  meu  antecessor,  fiado  nos  que 
o  precederam. 


2198  ZEZ 

É  outra  calurania,  pois  nós  estivemos  ali 
8  dias  em  agosto  de  i881,— percorremos  to- 
da a  região  mais  alta  da  Estrella,  dos  Cân- 
taros e  das  lagoas — e  não  vimos  neve  algu- 
ma; sabemos  porem  que  alguns  annos  ali  se 
encontra  neve  em  alguns  sitios  todo  o  ve- 
rão, como  encontrou  em  agosto  de  1883  o 
sr.  Emygdio  Navarro,  segundo  se  lô  no  seu 
formoso  livro  citado  supra. 

A  pag.  127  e  segg.  diz  o  laureado  escri- 
ptor: 


«Os  covões  e  ravinas  próximos  da  torre, 
e  especialmente  os  situados  na  região  dos 
cântaros,  estavam  cheios  de  neve,  formando 
vastas  geleiras,  d'onde  escorria  uma  agua 
tão  pura  como  fria. 


«E  já  agora,  para  não  sair  do  assumpto 
geleiras,  darei  conta  das  observações,  que 
fizemos  na  grande  geleira,  que  achámos 
perto  do  Cântaro  Magro,  e  pela  qual  desce- 
mos. O  desgêlo,  nos  rebordos,  accusava  uma 
profundidade  de  dois  a  tres  metros;  no  cen- 
tro era  de  muito  maior  altura. . .  As  infil- 
trações do  desgelo  seguem  a  inclinação  das 
escarpas,  e  reunem-se  n'um  filete  de  agua, 
mais  ou  menos  abundante,  que  se  eseôa  pe- 
lo fundo  da  ravina,  deixando  rasgada  na 
massa  de  neve  uma  caverna,  que  se  prolon- 
ga por  todo  o  comprimento  da  geleira.  N'es- 
la,  de  que  fallo,  o  filete  de  agua  era  um  ver- 
dadeiro riacho,  e  a  caverna  era  de  altura 
suíficiente  para  ser  percorrida  quasi  toda 
de  pé,  com  pequena  curvatura  de  corpo. 

«E  que  lindíssima  coisa  essa  caverna! 
Imagino  o  leitor  uma  galeria  abobadada, 
talhada  em  jaspe,  com  voltas  e  archivoltas 
do  mais  puro  estylo  manuelino.  Dir-se-ia 
que  as  abobadas  do  claustro  dos  Jeronymos 
foram  copiadas  de  uma  caverna  de  desgelo 
na  serra  da  Estrella,  ou  em  outra  serra  de 
neves  demoradas.  O  que  sobretudo  mais  nos 
espantou  foi  a  regularidade  d'essas  curvas, 
graciosamente  lançadas  de  supporte,  umas 
contra  as  outras,  e  por  onde  as  camadas 
superiores  da  neve  gottejavam  o  pranto  do 
seu  desfalleeimento,  n'um  murmúrio  suave, 


ZEZ 

que  o  silencio  profundo  da  serra  tornava 
ainda  mais  doce  e  melancholicol 

«Palavra  de  honrai  Quando  penso,  que 
ha  pessoas,  que  teem  como  uma  delicia  afo- 
garem-se  no  pó  insupportavel  de  Cintra 
para  admirarem  la  roche  qui  pleure,  uma 
fontinha  a  gottejar  agua  chilra,  da  quinta 
do  sr.  marquez  da  Vallada,  ou  as  esta- 
tuas de.  gesso  da  galeria  do  sr.  visconde  de 
Monsarrate,  e  que  essas  pessoas  quali- 
ficarão talvez  de  excentricidade  e  extra- 
vagância pouco  chie  onpschutt  uma  excur- 
são á  Serra  da  Estrella,  dà-me  vontade  de 
pegar  no  estadulho,  com  que  me  condeco- 
raram 08  meus  confrades  em  jornalismo,  e 
desancal-os  de  alto  a  baixo! 

«Tremam  de  que  eu  venha  a  saber-lhes 
os  nomesl  > 


O  livro  é  todo  assim  cadente,— uma  serie 
de  mimosos  folhetins,  que  foram  publicados 
no  Correio  da  Noite,  jornal  do  auctor,  antes 
de  serem  conglobados  e  dados  á  estampa  em 
volume. 

No  cap.  VII,  pag.  71  e  segg.,  fallando  das 
nascentes  do  Zêzere,  do  Alva  e  do  Mondego^ 
que  nascem  dentro-  da  serra,  quasi  do  mes- 
mo ponto,  mas  tomando  rumos  differenies,* 
na  sua  maviosa  linguagem  diz  o  sr.  Emygdio 
Navarro: 

«Eis-nos  na  eumiada  da  serra  de  Gouveia. 
Parámos  por  alguns  minutos  a  admirar  o 
magestoso  espectáculo,  cavado  e  recortado 
diante  dos  nossos  olhos.  A  alegria  voltou 
aos  nossos  ânimos,  e  o  vigor  ás  nossas  per- 
nas. 

«...descíamos  alegremente  a  encosta 
suave,  que  leva  da  eumiada  da  serra  de 
Gouveia  á  concha  das  nascentes  do  Mon- 
dego. 

«O  valle  d'e3le  rio  apresentava-se  diante 
de  nós,  distinctamente  traçado  na  serra,  e 


1  Um  pastor,  indicando  certo  ponto  da 
serra  quando  ali  estivemos,  disse: 

«D'ali  (desculpem  a  expressão)  podíamos 
ourinar  para  os  3  rios.» 


ZEZ 


ZEZ  2199 


maias  adiante,  e  parallelamente,  o  valle  do 
Zezeere,  muilo  mais  profuado,  mais  áspero, 
maiiis  graDdiosamenttf  selvagem. 

«to  Zêzere  é  o  verdadeiro  rio  da  serra  da 
EstErella,  como  terei  occasião  de  mostrar» 
qaaando  llie  descrever  as  nascentes,  guarda- 
das,),  como  sentinellas  giganteas  de  um  mua* 
do  (de  monstros  mysteriosos,  pelos  dois can- 
tarcos.  Nascentes  dignas  d'um  rio  como  o 
DaDnubío,  e  como  o  Zêzere  o  seria  infallivel- 
mecnte,  se  o  Tejo,  com  perfidia  castelhana,  o 
nâoa  cortasse  de  meio  a  meio,  em  principies 
da  I  carreira! 

««O  Mondego  é  um  rio  bonacheirão,  que 
só  ]  por  descuido  foi  posto  na  serra.  Ainda 
asssim,  vê- se  logo,  que  é  um  rio  de  chorões 
e  saalgueiraes.  Em  summa,  um  rio  para  mis- 
turrar  as  suas  aguas  com  as  lagrimas  da  lin- 
da ígnez,  e  para  banhar  a  Lapa  dos  poetas,^ 
umaa  ridícula  fraga,  onde  a  geração  acade- 
micca  do  tempo  do  sr.  Antonio  de  Serpa  e 
Anitonio  Xavier  Rodrigues  Cordeiro  ia  de- 
diltbar  lamurias  no  bandolim  de  Lamartine. 
Uan  rio  piégasl 


'«Os  dois  rios  nascem  no  prolongamento 
dai  mesma  linha  N-S.  ou  debaixo  do  mesmo 
meeridiano,  a  1»  e  35',  segundo  a  carta  da 
coimmissão  geodésica.  Na  primeira  parte  do 
seiu  percurso  correm  ambos  para  leste,  o 
Zeízere  ioclinando  muito  aecentuadamente 
paira  o  norte,  como  se  quizessem  entrar  por 
Hejspanhâ,  contrariando  o  regimen  geral 
dais  aguas  da  península.  Em  certa  distancia 
dejscrevem  uma  curva,  que  no  Mondego  é 
miais  completa,  seguindo  este  para  oeste,  e 
o  .Zêzere  para  o  sul.  A  cabeça  dp  Mondego 
vejm  por  este  modo  a  ser  como  que  a  cabe- 
çai  de  um  enorme  cajado  de  pastor,  ou  de 
unn  báculo,  insígnia  de  bispo,  o  qual  é  tam- 
bejm  pastor  ovium.  E  aqui  está  a  rasão,  por 
qme  tendo-o  nò3  atravessado,  antes  de  che- 
gairmos  a  Gouveia,  da  margem  direita  para 
a  (esquerda,  no  seguimento  da  mesma  jor- 


1  V.  Coimbra. 


nada  o  atravessámos  da  margem  esquerda 
para  a  direita.* 

«Estas  informações  podem  não  ser  de  to- 
do ociosas,  porque...  as  origens  do  Mon- 
dego são  menos  conhecidas,  que  as  do  Nilo 
e  as  do  Zaire,  hoje  sabidas  de  toda  a  gente^ 
Devo  suppor  que  ellas  são  pouco  conheci- 
das, porque  em  alguns  compêndios  de  cho- 
rographia,  para  uso  das  escolas,  approva- 
dos  pela  junta  superior  de  instrucção  pu- 
blica, leio  que  o  Mondego  nasce  de  uma  la- 
goa na  serra  da  Estrella,  ora  não  ha  lagoa 
alguma  nas  nascentes  d'aquelle  rio,  nem 
perto  d'ellas.  As  lagoas  redonda,  comprida  e 
escura,  vertem  aguas,  que  efFectivamente 
vão  dar  ao  Mondego,  mas  a  algumas  dese- 
nas  de  legoas  das  nascentes  do  rio,  despe- 
jando primeiro  em  alguns  riachos  e  no  Alva, 
que  lá  as  levam  como  tributários.  Na  pró- 
pria carta  da  commissão  geodésica,  as  ori- 
gens do  Mondego  só  muito  imperfeitas  e  in- 
completamente veem  indicadas.  Não  será, 
por  isso  fóra  de  propósito,  dizer  alguma 
coisa  sobre  o  assumpto. 


«A  serra  de  Gouveia,  a  pouco  mais  de 
dois  ou  tres  kilometros  do  alto  da  Santinha, 
faz  uma  curva,  aberta  para  leste.  Esse  ra- 
mo da  curva  tem  como  ponto  culminante  o 
Corgo  das  Mós.  É  na  lombada  d'e8se  ramo, 
que  está  o  observatório  meteorológico,  e  a 
casa  de  Cesar  Henriques.^  Essa  curva  fórma 


*  O  auclor  ia  do  Bussaco  para  o  Observa- 
rio,  junto  de  Manteigas.  Foi  pela  linha  da 
Beira  Alta  até  a  estação  de  Mangualde;  ali 
apeou-se  e  tomou  o  caminho  de  Gouveia, 
pelo  que,  antes  de  chegar  a  esta  villa,  atra; 
vessou  na  ponte  Palhez  o  Mondego,  que  ali 
corre  de  N.E.  a  S.O.— e  tornou  a  atraves- 
sal-o  na  serra,  onde  corre  de  S.O,  a  N.E. 
entre  o  Observatório  e  Gouveia. 

P.  A.  Ferreira. 

2  Está  hoje  também  ali  o  sanatório,  do 
qual  fallaremos  adiante,  no  tópico  relativo  á 
Expedição. 

P.  A.  Ferreira. 


2200  ZEZ 


ZEZ 


como  que  uma  coocha,  de  pendores  nao 
muito  ásperos.  São  ahi  as  nascenles  do  Mon- 
dego, as  quaes  se  reduzem  a  uns  filetes  d'a- 
gua,  que  se  escoam  pelos  sulcos  d'e8sa  con- 
cha, como  se  foram  os  ramúsculos  venosos 
^da  concha  da  palma  da  mão.  Nada,  absolu- 
tamente nada  de  notável:  nem  penedias 
bravias. . .  nem  grutas. . .  nem  barrancos... 
—Uma  vulgaridade  reles! 


«Não  ó  verdadeiramente  o  Mondego.  A 
voz  do  povo  tratou-o  com  o  desdém,  que 
elle  merece.  Na  serra  predominam  os  au- 
gmentativos,  lestemunlio  de  que  tudo  ali  é 
grandioso.  Um  enorme  fraguedo  é  um  fra- 
gão;  uma  ravina  profundíssima  é  um  covão 
ete.  Pois,  por  justo  desdém,  o  Mondego  é 
ali  chamado  o  Mondeguinho.  Bem  feito! 


«N'aquelle  sitio  ha  uma  ponte,  formada 
por  quatro  troncos  de  carvalho;  mas  tão  po- 
dres e  carcomidos^  que  será  de  maior  peri- 
go atravessal-a,  do  que  atravessar  o  riacho 
a  vau,  ainda  quando  elle  vá  inchado  com  o 
desgelo  súbito  das  neves.i 

«N'esse  ponto  um  phenomeno,  que  de- 
pois vi  generalisado  por  muitos  pontos  da 
serra.  O  Mondeguinho  tem  logo  ali  um  leito 
de  areias;  subindo  a  encosta  para  o  cabeço 
do  Corgo  das  Mós  eneontram-selargosareaes, 
que  diíiiculiam  o  andar  de  peões  e  ca- 
valgaduras. É  a  serra  que  se  desaggrega  e 
decompõe!  As  rochas  de  granito  desconjun- 
tam-se,  esborôam-se,  esfarellara-se,  e  as 
aguas  vão  arrastando  esses  fragmentos  que, 
pelo  embate  d'ellas,  se  tornam  cada  vez 
mais  miúdos.  E'  essa  a  primeira  origem 
das  areias,  que  das  visinhanças  de  Coimbra 


1  No  meiado  d'e8te  século  o  grande  indus- 
trial Joaquim  d'AImeida  Rainha  tentou  le- 
var o  Mondeguinho,  das  proximidades  da  di- 
eta ponte  para  a  villa  de  Gouveia,  onde  ti- 
nha as  suas  fabricas. 

V.  Gouvtia  e  Villa  Nova  de  Tazem  n'e8\,e 
díccionario  e  no  supplemento. 

P.  A.  Ferreira. 


j  até  á  Figueira  invadem  os  campos  margi- 
,  naes  do  rio. 


«Este  desfazer  da  serra  tem  duas  causas. 

A  serra  é  n*aquelle  ponto,  e  em  quasi  to- 
da a  sua  extensão,  de  constituição  graniti- 
ca.i  O  granito,  como  se  sabe,  é  principal- 
mente formado  de  quartzo,  de  mica  e  de 
feldspatho.  O  feldspatho  decompõe -se  facil- 
mente, quer  sob  a  acção  do  ar,  quer  sob 
a  acção  da  agua,  e  a  rocha,  assim  atacada, 
desaggrega-se,  quando  não  seja  de  consti- 
tuição muito  rija. 

«E  esta  a  dupla  origem  dos  areaes,  que 
se  encontram  no  alto  da  serra,  e  que  desde 
a  margem  direita  do  Mondeguinho  se  esten- 
dem por  quasi  toda  a  lombada  do  Corgo 
das  Mós  até  o  Fragão  do  Corvo  e  o  Poio  da 
Morte.  Dois  nomes  sinistros!  Que  intuição 
prophetica  presidiu  a  este  baptismo?! 

«Aquelles  dois  agrupamentos  de  rochas 
estão  sobranceiros  á  infeliz  villa  de  Mantei- 
gas, a  uma  altura  de  700 metros, mas nnma 
liuha  tào  aproximada  da  perpendicular,  que 
do  alto  do  primeiro  quasi  se  chega  aos  te- 
lhados da  villa  com  um  bom  tiro  de  funda/ 
O  crocitar  do  corvo  agoirento,  que  se  em- 
poleirou n'aquelle  fragão,  annunciou  á  triste 


1  Em  alguns  pontos,  nomeadamente  na 
villa  de  Folgosinho,  é  de  constituição  calca- 
rea,  pelo  que  a  dieta  povoação,  aliás  muito 
antiga,  muito  vistosa  e  situada  nas  abas  da 
serra,  em  um  alio  amphitheatro  lindíssimo, 
não  tem  boa  agua  potável.  A  hygiene  soffre 
e  a  população  não  augmenta.  Já  não  tem  fo- 
ros de  Villa  e  é  uma  das  freguezias  mais  pe- 
quenas do  concelho  de  Gouveia,  mas  vive 
bem  e  não  se  encontra  ura  habitante  d'ella 
a  pedir  esmola! 

^  Cria  muito  gado;  vende  e  exporta  muita 
lã  e  muito  queijo  do  melhor  da  serra  da  Es- 
trella; fabrica  muito  carvão;  colhe  muitos 
eereaes,  etc. — e  a  sua  posição  é  encantado- 
ra\... 

Visitei-a  ha  muitos  annos  e  ainda  hoje  te- 
nho saudades  d'ella. 

V.  Folgosinho  n'este  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 


ZEZ 

villa,i,  em  pregão  sinistro,  a  sentença  sym- 
bolicca  do  nome  da  outra  fragaria,  ajunta- 
mentito  revolto  de  poios  ennegrecidos  e  dis- 
formoesl » 


Doo  exposto  86  vé  que  o  sr.  Emygdio  Na- 
varrao  não  sympathisou  com  a  villa  de  Màn- 
teigaas — e  a  pag.  179  e  seguintes,  depois  de 
descnrever  muito  poeticamente  o  observató- 
rio rm^teorologico  da  serra  e  a  casa  d'Aifre- 
do  CCesar  Henriques,  !.•  do  sanatório  de  que 
adiannte  fallaremos, — bem  como  a  hospeda- 
gem \  que  elle  e  os  dois  clinieos,  seus  com- 
panhheiros  na  excursão, — dr.  Sousa  Martins, 
e  Canrlos  Tavares,  ambos  de  Lisboa, — ali  re- 
cebeBram  de  Cesar  Henriques  e  do  director 
do  obbservatorio  A.  Brito  Gapélío, — diz: 

«ÉÉ  sol  nado.  Sousa  Martins  resolve  des- 
cer aa  Manteigas.  O  dr.  Sobral  eslava  ago- 
Diadilissimo  com  o  governo,  que  lhe  manda- 
va oDfflcios  sobre  ofBcios  para  se  fechar  o 
hospbital  de  Manteigas,  por  urgência  de  eeo- 
noraijias  nas  despezas  publieas.^  O  hospital 
fazia  i  cento  e  tantos  mil  réis  de  despeza 
menssal.  Atrevam-se  a  chamar  esbanjador  a 
um  títal  governo!  Souza  Martins  praguejava 
raios s  e  diabos^  que  era  de  afundar  o  céu  e 
a  terrral  O  hospital  não  se  podia  fechar. 

«Ai  epidemia  dos  lyphos  ia  em  decadên- 
cia, nnaas  era  de  temer  que  recrudescesse  no 
inverrno,  como  succedera  no  anno  anterior. 
O  hoaspitâl-barraca  devia  manter-se  em  acti- 
vo seervlço  até  fevereiro,  pelo  menos. 

— 1-Eu  lá  vou  ver  isso,  e  em  Lisboa  hão-de 
ouviíir-mel— rugiu  Sousa  Martins.^ 


1  RRefere-se  à  epidemia,  de  que  já  fizemos 
mençção,  quando  falíamos  do  Zêzere,  da  vil- 
la dee  Manteigas  e  do  dr.  Sobral,  que  nomo- 
mentito  (era  agosto  de  1883)  ali  se  achava  e 
foi  virisitar  os  excursionistas. 

P.  A.  Ferreira. 

2  00  sr.  dr.  José  Thomaz  de  Sousa  Martins 
era  ee  é  uma  das  pessoas  de  mais  valimento 
em  LLisboa  pelo  seu  nobilíssimo  caracter  e 
por  síser  um  dqs  ornamentos  da  Escola  Me- 
dico-(-cirurgica,  afamado  clinico,  medico  do 
paço,',  etc. 


ZEZ  2201 

I  

•  Dispuz  me  a  acompanhal-os.  Sousa  Mar- 
tins disse-me  que  era  tolice.  Podia  por  lá 
apanhar  uma  rasca  de  typho,  sem  graça  ne- 
nhuma, por  não  ter  lá  que  cheirar.  Não  era 
aquelle  o  meu  posto.  Além  d'isso,  iam  fa- 
zer ura  inquérito  para  apoio  de  reclamações 
ao  governo^  e  a  minha  posição  politica  po- 
dia dar  asò  a  interpretações  suspeitosas.*  A 
politica  é  marafona  de  inexcedivels  melin- 
dres! 

«Dei-me  facilmente  por  convencido,  e 
deixei-me  ficar.  Aproveitei  o  tempo,  escre- 
vendo um  artigo  de  fundo  a  desancar  o  go- 
verno. Do  alto  da  serra  da  Estrella  quaren- 
ta adjectivos  furibundos  vos  fulminaram,  ó 
ministros  impuros  e  maléficos! 


•  Já  fiz  a  descripção  á  vol  d*oiseau,  da 
villa  de  Manteigas. 

«Está  no  fundo  de  um  covão,  de  escar- 
pas quasi  perpendiculares,  de  700  metros 
d'altura.  Por  esse  motivo,  os  dias  em  Man- 
teigas, principalmente  no  inverno,  são  de 
duração  muito  curta.  Só  muito  depois  de 
nascer  no  horisonte,  é  que  o  sol  penetra  no 
covão;  e,  da  mesma  sorte,  muito  antes  de 
se  esconder  no  occaso,  diz  elle  adeus  á  vil- 
la. Deve  ser  de  uma  tristeza  mortal! 


«Os  meu»  companheiros  e  o  dr.  Sobral 


A  elle  se  deve  a  Expedição  scientifica  á 
serra  da  Estrella  e  a  fundação  do  importan- 
te sanatório  que  hoje  ali  se  vé,  ete, 

1  O  sr.  Emygdio  Julio  Navarro  era  então 
(1883)  deputado  ás  cortes  e  leader  da  ca- 
mará na  opposição,  redactor  e  proprietário 
do  Correio  da  Noite,  jornal  opposicionista, 
etc— e  pouco  depois,  logo  que  subiu  a  op- 
posição ao  poder,  foi  ministro  das  obras  pu- 
blicas e  ministro  benemérito. 

Entre  outros  muitos  beneficios  e  melho- 
ramentos que  lhe  deve  Portugal,  reorgani- 
sou  os  serviços  florestaes  e  mandou  arbori- 
sar  as  serras  da  Estrella  e  do  Gerez,  as  es- 
tradas a  macadam,  as  dunas  do  littoral,  etc. 

€tC 

V.  Viseu,  tomo  11."  pag.  1843,  col.  2.* 


2202 


ZEZ 


ZEZ 


foram  recebidos  em  Manteigas  com  demons- 
trações festivaes.  Era  domingo.  A  população 
fez-lhes  uma  recepção  enthusiastica  

«Do  que  elles  viram  na  villa  e  no  hospi- 
tal é  melhor  não  fallar.  E'  pouco  divertido 
e  tem  um  interesse  puramente  medico. 

«A  opinião  d'elles  a  tal  respeito  pôde 
condensar-se  no  seguinte:— que  para  se  por 
Manteigas  em  boas  condições  de  salubrida- 
de seria  preciso. . .  arrazal-a  e  edifical-a  de 
novo.* 


Effeciivamente  está  em  um  medonho  co- 
vão, muito  abafado  e  sem  horisonte;  as  suas 
casas  são  quasi  todas  muito  antigas,  muito 
denegridas,  Immundas  e  pobres,  feitas  de 
mau  granito,  a  esboroar-se  com  o  peso  dos 
séculos, — e  muito  húmidas,  por  estarem  no 
fundo  da  grande  encosta  e  terem  pouco  sol 
no  inverno;  mas  depois  da  grande  epidemia 
dos  typhos  recebeu  alguns  melhoramentos 
e  hoje  prospera  bastante  com  a  nova  estra- 
da a  macadam  servida  por  diligencias,  que 
trabalham  desde  a  Guarda  e  Covilhã  até  ás 
Caldas  de  Manteigas,  atravessando  a  vilia,— 
e  mais  deve  prosperar,  logo  que  se  ultime  a 
nova  estrada  a  macadam  de  Manteigas  para 
Gouveia,  a  qual  já  tem  alguns  kilometros 
construidos  junto  das  duas  villas. 

Também  os  sanatórios,  por  estarem  a  pe- 
quena distancia  de  Manteigas,  dão-lhe  mui- 
ta vida — e  mais  lhe  darão  as  suas  Caldas 
em  praso  breve,  se  a  camará  ou  alguma 
empresa  as  dotar  com  os  melhoramentos  e 
embellesamentos  que  demandam,  pois  são 
muito  concorridas,  apesar  do  abandono  em 
que  jazem. 

As  novas  estradas  a  macadam  e  a  linha 
férrea  da  Beira  Baixa  devem  fazer  prospe- 
rar também  as  suas  fabricas. 

E'  pois  bastante  auspicioso  no  momento 
o  futuro  d'e8ta  villa,  que  já  hoje  é  uma  das 
mais  populosas  e  mais  importantes  da 
Beira. 

Tem  duas  paroehias— S.  Pedro,  com  440 
fogos  e  1:810  habitantes  (diz  o  seu  rev. 
prior)  —  e  Santa  Uaria,  com  360  fogos  e 


1580  habitantes,--total  800  fogos  e  3:390 
habitantes.^ 

Tem  algumas  casas  boas,  entre  as  quaes 
avulta  o  palacete  da  nebre família  Português; 
— duas  egrejas  espaçosas  e  bem  tractadas 
— e  differenles  capellas  publicas,  taes  são  a 
de  Santo  Amaro,  nsi  villa,  junto  da  egreja 
de  S.  Pedro;  a  S.O.  as  capellas  de  S.  Do- 
mingos e  S.  Sebastião,  alcandoradas  na  Ín- 
greme encosta,  sobre  a  margem  direita  da 
ribeira  das  Fornêas;—là  no  fundo  a  eapella 
de  Santo  Antonio,  na  margem  direita  do  Zê- 
zere, ensombrada  por  uma  carvalheira  enor- 
me— e  entre  esta  e  as  Caldas  a  eapella  de 
Nossa  Senhora  dos  Verdes,  na  margem  es- 
querda do  rio,  a  montante  da  estrada  vulba 
e  a  jusante  da  nova  estrada  a  macadam  da 
villa  para  as  dietas  Caldas. 

Em  21  de  maio  do  corrente  anno  de 
1889  deu-se  aqui  um  facto  importante: 

Passa  junto  da  eapella  da  Senhora  dos 
Verdes  um  ribeirinho  que  vem  da  serra  e 
desagua  no  Zêzere,  no  sitio  denominado 
Engenho  do  Rei,  onde  provavelmente  exis- 
tiu outr'ora  alguma  fabrica  real  e  hoje  exis- 
te a  de  Manoel  Francisco  Serra  &  C.%  de 
que  já  fizemos  menção,  quando  fallámos  do 
Zêzere. 

Em  21  de  maio  ultimo  uma  medonha 
trovoada  momentânea  transformou  aquelle 
ribeirinho  em  caudalosa  torrentel  Obstruiu 
2  agulheiros  ou  aqueduetos  da  estrada  no- 
va e  galgou  por  cima  d'ella,  levando  d'en- 
volta  muitos  penedos;  destruiu  os  chãos  por 
onde  passou  e,  encontrando  na  estrada  ve- 
lha um  pobre  moleiro,  guiando  um  ju- 
mento com  sacos  de  pão,  levou  o  moleiro  e 
o  burro  de  tombos  até  o  Zêzere,  distante 
mais  de  200  metros,  fazendo-os  saltar  gran- 
des paredes.  Acudiram  algumas  pessoas  e 
ainda  os  poderam  salvar,  mas  o  pobre  ho- 
mem— Antonio  da  Fonseca  Pinheiro  —  ape- 
nas sobreviveu  dois  dias.  O  burro  foi  mais 
feliz,  pois  ainda  hoje  (setembro  de  1889)  é 


1  Parece-me  exagerada  esta  nota,  —  des- 
culpe o  meu  rev.  coUega. 


ZEZ 

yiyo  e  e  trabalhai...  Conflrmou  a  locução: 
— «FéFeliz,  como  um  jumenlolt 

A  L  época  glaciaria — Geleiros  e  Morenas 

O  s  sr.  Emygdio  Navarro,  no  formoâo  livro 
que  V  vamos  extractando,  diz  também  que  o 
I  sr.  drdr.  Frederico  A.  de  Vasconcellos  Pereira 
Cabroral  achou  no  Covão  Grande,  junto  da 
Lagôcôa  Comprida,  claros  vestigios  de  um  ge- 
leiro o  da  época  glaciaria — e  uma  morêna  ao 
fundolo  da  Nave  da  Candieira. 

EsLste  tópico  é  muito  interessante,  mas 
muítdto  extenso,  e  por  isso  o  deixamos  sim- 
plesmmente  indicado. 

V.  \  Quatro  dias  na  serra  da  Estrella,  pag. 
98  a  i  iOl,— 151  e  152— e  a  nota  de  pag.  187 
a  194)4. 

Nãião  podemos  resistir  á  tentação  de  trans* 
creveirer  as  linhas  de  pag.  151  e  152. 

Dejepois  de  fallar  da  Estrella  e  dos  Cânta- 
ros, Q  diz  s.  ex.»; 

tUiíJm'dia— em  tempos  tão  remotos  que  a 
geolologia  só  d-*elles  pôde  arrancar  hypothe- 
ses,  (,  duvidas  e  phantasias,  como  esta  que 
expoíonho— um  geleiro,  da  natureza  dos  que 
aindala  hoje  se  encontram  nos  Alpes,  chegou 
á  pararte  da  serra,  que  é  hoje  região  dos  can- 
tarosis.  O  monstruoso  bloco  de  gêlo  movia-se 
de  pq)oente  para  nascente,  e  na  sua  marcha 
arrasastava  enormes  penedos,  que  se  friceio- 
navaram  com  outros  penedos.  O  intenso  frio 
feito  o  instrumento  de  calor  viviflcantel 

«00  desaggregado  da  rocha  fundamental 
da  seserra,  a  menor  consistência  d'ella  n'a- 
quelliUe  sitio,  um  ou  outro  qualquer  motivo 
de  ai análogo  influxo,  fizeram  com  que  o  sólo, 
já  aiiili  fundamente  cavado,  cedesse  de  súbi- 
to, eí  esmagado  pelo  peso  do  geleiro.  O  gran- 
de blbloco  arrastou  comsigo  a  massa  enorme, 
que  8  se  desconjunclára,  e  precipitou-se  com 
a  suaia  pesada  carga,  no  abysmo,  que  elle 
propiprio  abrira.  Os  echos  da  montanha  ul- 
lulararam  n'um  fragor  medonho,  repercutindo 
o  pa\avoroso  baque,  e  toda  a  natureza  estre- 
mececeu  com  essas  vozes  possantíssimas  do 
seu  c  despertar  para  a  vida  nova,  que  ia  suc- 
cedeier  á  vida  glaciaria.  Assim  nasceram  os 
,  cantataros: 


ZEZ  2203 

Se  estalado  cair  o  orbe, 
Ferem-n^o  as  ruinas  impavidol 

«Ruiu  estalado  e  desfeito  o  sólo,  mas  os 
dois  cantaras  ficaram  impávidos  na  estru- 
ctura  da  serra,  e  n'aqueile  desabar  despren- 
deram a  sua  figura  de  gigantes,  amparan- 
do  o  vasto  semicírculo,  cavado  pelo  geleiro. 

«E  assim  nasceu  lambem  o  Zêzere,  for- 
mado pelas  cascatas  e  córregos,  que  o  ge- 
leiro deixou  na  sua  passagem,  como  res- 
tos liquefeitos  da  sua  passada  grandeza,  e 
instrumentos  da  fertilidade  para  a  vida  no- 
va, que  andava  em  gestação  na  terra. 

«O  abalo  produzido  pelo  enorme  baque 
desconjunctou  o  geleiro,  já  amortecido  pelo 
calor  da  sua  longa  peregrinação.  Ainda  ca- 
minhou algumas  centenas  de  metros,  mas  as 
forças  abandonaram-n'o  e  a  decomposição 
total  chegou.  As  aguas,  que  se  precipitavam 
atraz  d'elle,  e  ás  quaes  abrira  caminho,  ac- 
celeravam  a  transformação. 

«A  massa  de  todas  essas  aguas  arrastou 
ainda  por  algum  tempo  a  carga  de  penedos 
que  o  geleiro  trouxera  no  dorso  e  debaixo 
de  si,  penedos  grandes  e  miúdos,  de  diver- 
sa formação  geológica  por  lerem  sido  apa- 
nhados em  logares  distanciados,  e  sobrepos- 
tos indistintamente  uns  sobT'e  os  outros,  na 
confusão  do  cataclismo,  que  ali  os  arremes- 
sára.  As  aguas  empurram  os  penedos,  que 
de  serem  empurrados  mais  se  juntam,  for- 
mando um  como  que  açude,  accentuando 
a  saliência  da  curva  no  sitio  onde  o  esforço 
das  aguas  foi  mais  violento.  Mas  ahi  tam- 
bém a  resistência  do  açude  era  maior. 

«Por  Qm  as  aguas  romperam  por  um  dos 
lados,  abrindo  uma  estreita  garganta.  Por 
ahi  se  escoa  o  Zêzere,  pouco  adiante  das 
suas  nascentes.  A  essa  garganta  chama  a 
gente  da  serra  o  sitio  apertado;^  ao  resto  do 
açude  chama  o  Espinhaço  do  Cão.  Esta  é  a 
murêna  terminal,  que  o  sr.  Frederico  de 


i  E'  a  boeca  ou  termtnus  da  nave  da  Can- 
dieira. 


2204 


ZEZ 


ZEZ 


Vasconeellos  Cabral  affirma  ter  descoberto, 
como  testemunho  irrefragavel  da  época  gla- 
ciaria no  nosso  paiz. 

«Forçoso  é  confessar  que  a  inspecção  do 
terreno,  e  até  a  significação  tradicional 
d'aquelle8  nomes,  abonam,  de  um  modo  fri- 
sante,  a  plausibilidade  d'aquella  affirmação. 

•  Fique  este  humilde  registo  para  padrão 
do  descobrimento,  emquanto  outro  naais 
idóneo  se  não  ergue.» 

Ainda  os  Cântaros 

A  pag.  145  e  seguintes,  o  sr.  Emygdio 
Navarro  diz: 

«Os  primeiros  filetes  d'agua  que  para  norte 
eleste  escorrem  do  rebordo  da  grande  espla- 
nada da  torre,  são  também  as  primeiras  nas- 
centes do  Zêzere.  Este  é  o  verdadeiro  rio 
da  serra  da  Estrella,  e  o  mais  favorecido 
d'aguas.  O  Tejo  sae-lhe  ao  encontro  em 
Constança,  e  só  o  vence,  porque  a  natureza 
do  terreno  o  obriga  a  mislurar-S3  com  elle. 

«Na  arremeltida  a  braveza  herminia  leva 
de  baixo  a  pujança  castelhana. 

^Braveza  herminia  é  uma  redundância, 
porque  o  adjectivo  herminio  ou  hermenho, 
já  de  si  quer  dizer  bravo,  áspero,  selvagem; 
e  d'ahi  vem  chamar-se  á  cordilheira  da  ser- 
ra da  Estrella  os  montes  herminios,  como 
quem  diz  os  montes  bravios  por  excellen- 
cia.  Passe  a  redundância  com  este  salvo 
conducto. 

«O  Zêzere. . .  corta  o  Tejo  de  lado  a  lado 
com  fúria  invencível,  e  este  só  pôde  passar 
adiante,  galgando  por  cima  do  seu  inimigo, 
como  se  fôra  sobre  um  açudei 


«As  geleiras,  que  raro  desapparecem  da 
região  dos  cântaros,  são  o  principal  ele- 
naento  das  suas  nascentes.  Os  córregos,  por 
onde  se  escoa  o  desgêlo,  são  bordados  por 
um  relvado  de  nardo,  do  mais  puro  verde- 
mar,  esmaliado  pelas  florinhas  amarellas  de 
um  ranúnculo  selvagem,  o  Ranunculus 
adscendens,  de  Brotero.  E'  quasi  que  a  flor 
dos  gêlos. 


«Perto,  a  fazer-lhe  companhia  nos  relva- 
dos séccos,  surge  com  o  seu  formoso  cálice  I 


azul,  esbatido  de  roxo,  a  Campânula  Her- 
minii,  que  em  Portugal  só  na  serra  da  Es- 
trella se  encontra,  e  lá  fóra  só  em  algumas 
regiões  alpinas. 


•  Descemos  rapidamente  a  grande  geleira 
e  estacámos  em  contemplação  muda  no  Co- 
vão do  Sabbat  (?) 


•  A  garganta  prolonga  se  por  uma  peque- 
na extensão,!  encostando  se  pelo  lado  es- 
querdo á  base  do  Cântaro  Magro  e  pelo  la- 
do direito  a  um  grande  cerro^  que  é  conhe- 
cido pelo  nome  de  Cântaro  Raso,  mas  abu- 
sivamente, porque  não  tem  coisa  alguma  da 
fórma  característica  dos  cântaros. E  ao 
fundo  agrupavam  se  os  filetes  d'agua^  des- 
cidos das  geleiras,  e  o  Zêzere  nascia,  sal- 
tando logo  de  cachoeira  em  cachoeira,  co- 
mo ura  leâosinho  logo  pula  e  salta  a  breve 
trecho  de  nascido  á  luz.  Esplendidol 


«A  região  dos  cântaros  forma  no  seu  as- 
pecto geral,  um  grande  semicírculo,  aberto 
para  leste.  Na  ponta  sul  está  o  Cântaro  Ma- 
gro; na  ponta  norte,  o  Cântaro  Gordo.  A  se- 
micircumferencia  é  traçada  na  penedia  por 
um  córte  muito  profundo,  n*algumas  partes 
em  linha  perpendicular,  nas  restantes  de 
pendor  muito  inclinado,  e  só  com  ligeiras 
rugosidades  intermédias.  O  Cântaro  Magro 
dá,  pela  parte  interna  d'esse  semicírculo, 
um  corte  perpendicular  de  300  metros.  Pela 
parte  externa  passa  a  Rm  dos  Mercadores... 
D'essa  rua  ao  vértice  do  Cântaro  Magro  vão 
ainda  muitas  dezenas  fle  metros.  E'  por  ahi 
que  se  realisa  a  aseenção.  Como?  Não  o  sei 
dizer,  porque  nem  todos  os  guias  conhe- 
cem suflBcientemente  o  pedregal  para  s© 
abalançarem  á  emprera.^  Examinàmol-o 


1  A  extensão  da  Calçada  do  Inferno  e  da 
Risca  do  Covão  do  Boi,  mencionadas  supra. 

P.  A.  Ferreira. 

2  E'  facto.  Quando  a  Expedição  esteve  na 
serra,  tinha  ao  seu  serviço  como  guias  mui- 
tos pastores  circumvisinhos,  mas  nem  todos 
conheciam  as  nebulosas  veredas  da  região 
dos  cantaras. 

P.  A.  Ferreira. 


ZEZ 


ZEZ  2205 


cuidadosamente,  torneaDdo-o,*  sem  poder- 
mos descobrir,  não  direi  já  um  carreiro,  mas 
uma  sequencia  de  anfractuosidade»  com 
apoio  sufiBciente  para  por  ellas  se  tentar  a 
escalada.*  E  todavia  é  cerlo  que  o  sr.  dr. 
Serrano,  lente  da  escola  medica,  e  mais  al- 
guns companheiros,  subiram  até  à  corôa  do 
cântaro,  por  oeeasião  da  grande  expedição 
de  188111 

«Na  descida  estiveram  perdidos.^  Anoite- 
ceu-lhes  em  cima,  a  alguns  kilometros  de 
distancia  do  acampamento,  sem  poderem 
realisar  a  retirada. 

«Aquelle  Polyphêmo  de  granito  não  era 
escalvado;  tinha  cabel leira,  e  isso  os  salvou. 
Com  risco  de  morrerem  assados  no  aperta- 
do recinto,*  lançaram  fogo  ao  zimbro,  que 
ali  havia,  accendendo  uma  fogueira  de  soc- 
corro  em  resposta  aos  foguetes  de  signal, 
que  pela  auzencia  se  deitavam  no  acampa- 
mento. Partiram  para  ali  alguns  companhei- 
ros e  lodos  03  guias,  que  a  muito  risco,  e 
por  meio  de  uma  escada  humana,  consegui- 


1  O  auetor  é  muito  novo  e  muito  vigoro-  1 
so,  mas  só  podia  tornear  o  dicto  cântaro  \ 
pelos  lados  E.,  S.  e  O.  -~  Pelo  lado  N.  era  j 
absolutamente  impossível,  pois  cae  a  pru-  j 
mo  sobre  o  covão  de  300  metros  d'allura, 
que  o  separa  do  Cântaro  Gordo. 

P.  A.  Ferreira. 

2  O  sr.  Navarro  exagerou  (desculpe  s. 
ex.»)  pois  com  certeza  já  tinha  visto  a  base 
da  pyramide  geodésica  no  alto  do  dicto 
cântaro— e  devia  também  ver  a  senda,  por 
onde  os  engenheiros  e  construetores  da  py- 
ramide subiram, — senda  que  elles  concerta- 
ram e  retocaram.  Por  ella  subiram  e  desce- 
ram em  pleno  dia  alguns  vogaes  da  Expe- 
dição de  1881,  como  já  dissemos. 

P.  A.  Ferreira. 

3  Chamamos  a  attenção  dos  leitores  para 
este  tópico,  pois  n'elle  o  sr.  Navarro  (des- 
culpe s.  ex.»)  tomou  a  nuvem  por  Juno,  co- 
mo logo  verão. 

*  O  curuto  do  Cantara  Magro  é  arredon- 
dado e  tem  talvez  mais  de  20  metros  de 
diâmetro; — o  curuto  do  Cantara  Gordo  é 
um  espinhaço  de  cão,  bastante  comprido, 
mas  muito  estreito.  Em  alguns  sitios  não 
tem  de  largura  6  metros. 

VOLUME  XI 


ram  libertal-os  d'aquella  prisão  perigosa- 
Só  ha  um  caminho  para  se  realisar  a  ascen- 
ção;  mas  caminhe  sem  balisas,  sem  rastos 
de  trilho,  sem  signaes  indicativos.  E'  uma 
I  espécie  de  labyrinto  aéreo.  Uma  vez  perdi- 
do o  fio,  encontra  se  o  abysmo  por  todos  os 
lados. 


«Em  frente  ao  Cântaro  Magro,  ergne-se  o 
Cântaro  Gordo...  Na  base  é  tão  obeso, 
quanto  o  outro  é  esguio.  Abriga  n'elle  duas 
lagoas:  a  do  cântaro,  quasi  na  ponta  do  se- 
micírculo, e  a  do  Paxão,  mais  ao  norte, 
j  tornejando  em  caminho  dos  Barros  Verme- 
j  lhos.  Os  despejos  de  uma  e  outra  constituem 
o  ramo  norte  das  nascentes  do  Zêzere,  o 
;  qual  se  precipita  pelo  sitio  da  Candieira. 
j     «Eis  ahi  estão  as  nascentes  do  Zêzere., 
!  cujo  ramo  principal  se  fórma  no  semieireu- 
'  lo,  de  que  são  sentiaellas  giganteas,  e  in- 
corruptíveis, os  dois  cântaros.» 

RECTIFICAÇÃO 

Lopes  Mendes,  Castel -Branco  e  eu 
no  alto  do  Cântaro  Gordo,  á  meia  noite. 

O  sr.  Emygdio  Navarro,  a  quem  nós  pro- 
fundamente respeitamos,  é  um  grande  esta- 
dista e  adorável  estylista,  muito  illustrado 
6  muito  considerado,  mas  nos  seus  Quatro 
dias  na  serra  da  Estrella  não  se  propoz  es- 
crever historia.  Propoz-se  escrever  e  escre- 
veu folhetins  soltos,  rindo,  brincando  e  fol- 
gando com  a  liberdade  de  folhetinista,  ro- 
mancista e  poeta,  pelo  que  não  se  escravi- 
sou  aos  factos  e  no  tópico  supra  tomou  a 
nuvem  por  Juno. 

Os  vogaes  da  Expedição,  que  subiram  ao 
Cântaro  Magro,  subiram  e  desceram  em 
pleno  dia,  sem  grande  diíficuldade.  Os  que 
subiram  e  ficaram  prisioneiros,  sem  pode- 
rem descer^  não  foram,  como  s.  ex.*  diz,  o 
sr.  dr.  Serrano  e  outros; — foram  os  srs.  An- 
tonio Lopes  Mendes  e  Joaquim  Pedro  de 
Freitas  Castel-Braneo,  vogaes  da  Expedição, 
— e  este  seu  humilde  criado ^  pois  tive  tam- 
bém a  honra  de  acompanhar  a  Expedição 
seientifica,  não  como  vogal  d'ella,  mas  co- 

139 


2206  ZEZ 


ZEZ 


mo  representante  e  repórter  do  Districto  j 
da  Guarda  e  do  Commercio  Portuguez.  j 

A  nossa  perigosíssima  ascenção  e  mais 
perigosa  descida  são  um  facto  histórico,  mas 
(desculpe  s.  ex.»)  deu- se  o  facto  no  Cânta- 
ro Gordo— nlo  no  Cântaro  Magro. 

As  coisas  passaram-se  assim: 


A  Expedição  chegou  ao  acampamento  no 
dia  4  d'ag08to  de  i881  (quinta  feira)  às  10 
horas  da  noite— com  este  seu  criado. 

No  dia  seguinte,  apenas  nos  levantámos 
e  lançámos  os  olhos  sobre  a  montanha,  o 
queimais  nos  impressionou  foi  a  Torre  (py- 
ramide)  da  Estrella,  que  se  erguia  ao  sul  e 
não  longe  do  acampamento,  pelo  que  logo 
depois  do  almoço  eu  e  differentes  vogaes  da 
Expedição  fomos  com  3  guias  visital-a.  De- 
pois tomámos  para  N.E.  e  fomos  ver  os  len- 
dários cântaros,  descendo  pelo  Covão  do 
Boi  e  fazendo  alto  na  rua  dos  Mercadores^ 

Vimos  pausadamente  e  com  assombro  os 
cântaros  Magro  e  Raso  e  foi  então  que  ao 
1.°  subiram  alguns  vogaes  da  Expedição,  fi- 
cando nós  com  os  outros  vogaes  descançan- 
do  e  palestrando  na  rua  dos  Mercadores. 
D'ali  tentámos  seguir  todos  para  o  acampa- 
mento pela  Nave  da  Candieira,  para  vermos 
da  base  os  3  cantaras  e  depois  as  lagoas  da 
Salgadeira  e  Paxão,  ete.  Tudo  aquillo  nos 
tentava  e  o  passeio  devia  ser  muito  interes- 
sante, mas  o  caminho  era  diabolicol  Apesar 
de  irmos  com  os  guias,  não  nos  atrevemos 
a  descer  ao  medonho  covão,  que  separa  do 
Cântaro  Gordo  os  cântaros  Magro  e  Baso. 

Descemos  da  rua  dos  Mercadores  pela 
Calçada  do  Inferno,  onde  o  sr.  Lopes  Men- 
des com  um  tombo  se  feriu,  como  já  disse- 
mos supra,  quando  fallámos  do  Zêzere.  Es- 
távamos ainda  longe  do  fundo  do  covão,  to- 
dos moidos  e  muito  suados,  pelo  que  esmo- 
recemos. Desistimos  do  plano  e  voltámos 
pela  Bisca  do  Covão  do  Boi,  visinha  e  con- 
génere da  Calçada  do  Inferno,  para  a  rua 
dos  Mercadores,  aonde  chegámos  suadissi- 
mos  com  a  pequena  marcha  e  contra-mar- 
cha,  pois  o  caminho  era  infernal  e  o  sol  tro- 
pical! Depois  d'algum  repouso  dissemos 


j  adeus  aos  cântaros  e  fomos  para  o  acampa- 
,  mento. 


Lopes  Mendes,  que  desenha  com  muita 
facilidade  e  é  sem  contestação  um  dos  nos- 
sos primeiros  paisagistas,^  estava  ancioso 
por  descer  ao  covão  dos  cântaros,  para  os 
desenhar  lá  do  fundo;  e  eu  também  estava 
ancioso  por  ver  lá  do  fundp  aquelles  medo- 
nhos colossos,  pelo  que  no  dia  10,  vendo 
nós  partir  para  os  cântaros  os  vogaes  da 
secção  photographica,  partimos  também 
com  elles^ — e  aeompanhou-nos  o  sr.  Castel- 
Branco,  vogal  da  secção  d'agronomia,  com 
o  intuito  de  reconhecer  as  bétulas  da  Can- 
dieira. 

Partimos  do  acampamento  ás  11  horas  da 
manhã  e  fomos  pela  lagôa  do  Paxão,  que 
eu  e  Lopes  Mendes  já  tínhamos  visitado  e 
que  o  major  Torres  se  propunha  photogra- 
pbar  também. 

Os  2  carregadores,  que  levavam  as  ma-- 
chinas  e  apparelhos  photographicos,  parti- 
ram mais  cedo,  com  ordem  de  nos  espera- 
rem na  lagôa  do  Paxão;  —  nós  fomos  sem 
guias  e  muito  afoitos,  porque  eramos  S,  e  eu 
e  Lopes  Mendes  já  tínhamos  visitado  a  dieta 
lagôa  e  os  cântaros. 

Fomos  em  direcção  á  lagôa,  passando  a 
O.  e  montante  do  Poio  do  Passarão.  Os  meus 
companheiros  trataram  de  o  contornar  pelo 
sul,  demandando  uma  quebrada  que  nos  pa- 
receu o  melhor  caminho  para  a  lagôa;  eu, 
tentado  pela  visinhança  do  dicto  fragão,  cu- 
ja cabeça  já  tinha  admirado  das  margens  da 
lagôa,  sobre  a  qual  se  apruma^  vendo  que 
elle  era  accessivel  do  lado  O.  por  onde  nós 


1  Elle  tinha  levado  para  a  serra  nas  suas 
carteiras  de  viagem  os  croquis  que  trouxe 
da  índia  e  que  hoje  podem  ver-se  em  gra- 
vura na  índia  Portugueza.  As  carteiras  an- 
davam de  mão  em  mão  e  todos  os  vogaes 
da  Expedição  scientiíica  admiravam  tão  ní- 
tidos desenhos. 

2  Eram  os  srs.  Frederico  A.  Torres,  ma- 
jor de  cavallaria,  e  Alberto  Julio  de  Brito 
e  Cunha,  tenente  de  artilheria. 


ZEZ 


ZEZ  2207 


passjavaiDOs,  trepei  pelo  medonho  fragão  até 
o  cmrutol  A  vista  era  imponente  e  larga, 
mas}  ad  cautellam,  para  não  medir  com  os 
OS80)8  a  grande  altura  do  cabeço^  deilei-me 
e  co)llei-me  a  elle.' 


1  «Tenho  a  honra  de  lhes  apresentar  o 
Fraigão  do  Passarão,  nome  constituído  por 
àom  augmentativos,  porque  um  só  não  se- 
ria sufficiente  para  dar  idéa  de  tão  grande 
bruito! — diz  o  sr.  Navarro  no  seu  formoso  li- 
vro)  Quatro  dias  na  serra  dv  Estrella,  pag. 
155)  e  157. 

«:0  Fragão  do  Passarão. . .  é  a  cabeça  da 
lagíôa  do  PeixãoA  O  Cântaro  Gordo  estende 
a  siua  obesidade  para  o  norte,  e  aquelle  pe- 
nhaisco  alambasado  é  ainda  um  refego  da 
suai  enorme  barriga.  A  rocha  corta-se  a 
priamo. . .  e  por  umas  fendas,  que  não  che- 
gatm  a  ser  gargantas, escorre  a  aguado  des- 
gelio  e  das  torrentes.  E'  um  rauralhão  intei- 
riçio,  ennegrecido  pelos  lichens,  e  incapaz 
de  dar  abrigo  a  passarão  ou  passarinho,  por 
que  é  liso. 

«(E'  uín  legitimo  e  authentico  bruta-mon- 
tes.. 

«Por  baixo  d'e3te  penedo,  ao  fundo  de 
una  ladeira  muito  bravia,  e  bastante  exten- 
sa, esiá  cavada  a  caldeira  da  lagôa.  A  la- 
deara é  aeeessivel  pelo  lado  de  sudeste,  para 
quem  vem  dos  cântaros  (e  do  acampa- 
meçnto.) 


«A  ladeira  não  é  segura  de  descer.  Digo 
isto,  porque  duas  vezes  estive  tombado,  e 
em  grave  risco  de  pôr  a  ossada  n'um  feixe. 
Sapatos  grossos,  com  boas  brochas,  dão  an- 
dar firme  em  toda  (?)  a  serra,  e  agarram- 
se  bem  ás  asperesas  do  granito.  Mas  ali  os 
penedos  pareciam  estar  untados  com  cebo. 
Pertencerão  elles  ao  grupo  das  rochas  gla- 
ciarias, descobertas  pelo  sr.  Frederico  Ca- 
bral, e  serão  escorregadios  por  terem  o  po- 
lido característico  d'aquellas  rochas?!. . . 

»0  que  sei  é  que  duas  vezes  estive  em 


i  A  denominação  commum  e  ofiQcial  d'es- 
ta  lagôa  é  lagoa  do  Paxão;  o  sr.  Emygdio 
Navarro  deu-lhe  o  nome  de  Peixão,  como 
proveniente  d'algum  grande  peixe;  outros 
dizem  que  o  nome  de  Paxão  provem  de 
paixão  e  commemora  o  marlyrio  de  Santa 
Antonina. 

V.  C«a,  tomo  2."  pag.  222,  col.  1." 


De  lá  via  a  lagôa  e  os  carregadores,  mas 
não  vi  os  companheiros! 

Depois  de  saborear  bem  aquelle  panora- 
ma, desci  do  pináculo  e  caminhei  para  a  la- 
gôa pela  tal  fenda,  mas  fiquei  engasgado  e  en- 
talado, por  serem  certo  ponto  muito  estreita 
6  muito  escabrosa.  Os  meus  companheiros 
todos  haviam  recuado  e  foram  contornar  a 
penedia  pelo  lado  opposlo  (norte);  mas  eu, 
não  estando  prevenido  pelo  sr.  Navarro,* 
vendo  a  lagôa  a  pequena  distancia  e  lem- 
brando-me  de  que  a  volta  era  immensa,  ati- 
rei-me  com  fé  pelo  tal  despenhadeiro  abai- 
xo e  felizmente,  sem  deixar  ali  a  ossada, 
cheguei  depressa  á  lagôa,  levando  como  re- 
cuerdo  uma  lindíssima  pedra  rolada,  que 
achei  no  despenhadeiro.  Pesava  talvez  2  ki- 
los  e  ainda  hoje  tenho  saudades  d'ellal... 

Nas  margens  da  lagôa  estavam  somente 
ainda  os  carregadores,  porque  os  nossos 
companheiros  perderam-se  a  contornar  o 
Poio  do  Passarão.  O  primeiro  que  surdiu 
foi  o  tenente  Brito  e  Cunha.  Tentado  pela 
visinhança  da  lagôa  e  vendo  que  o  seu  che- 
fe se  demorava,  desplu-se  e  foi  tomando 
banho.2 

Finalmente  chegaram  os  outros  compa- 
nheiros, muito  fatigados,  muito  suados  e 
muito  zangados,  porque  tinham  andado 
perdidos— não  sei  por  onde! . . . 


perigo  de  tombo  real.  Aviso,  para  ali  des- 
cer cora  eautella,  a  quem  lá  vá.  Valeram-me 
as  minhas  excellentes  disposições  gymnas- 
ticas.  Sousa  Martins  e  Carlos  Tavares  dis- 
seram que  eu  tinha  uma  soberba  espinhal- 
meduUâ,  que  è  o  miôlo  do  espinhaço  

tElIes  que  o  disseram,  é  porque  lá  o  en- 
tendem. Não  percebi  muito  bem  a  explica^ 
ção,  mas  agradeci  os  elogios  tributados  á 
I  sobredieta  minha  senhora,  que  me  livrou 
de  um  desastre  fatal.» 

Pelo  dieto  barrocal  desci  eu  também?! ... 

'  O  livro  de  s.  ex.«  foi  publicado  3  annos 
depois. 

?  Elle  gostava  de  banhar-se  e  nadar  nas 
lagoas,  mas  ia  morrendo  afogado  na  Lagôa 
'  Escura,  como  já  dissemos. 


2208  ZEZ 


ZEZ 


Depois  d'algum  descanço,  o  major  Torres 
armou  a  barraca  e  preparou  a  machina,  mas 
vendo  o  relógio,  disse  que  já  não  tinha  tempo 
de  ir  photographar  os  cântaros,  porque  a 
distancia  era  considerável,  o  sol  ia  declinan- 
do e  a  machina  depois  das  3  horas  não  fune- 
cionava  bem.  Deixámos  pois  o  santo  homem 
com  o  tenente  Brito  e  Cnnha  e  os  2  carrega- 
dores, e  seguimos  para  os  cântaros  —  eu, 
Lopes  Mendes  e  Castel-Branco,— sem  guias. 

Fomos  pelo  valle  da  dieta  lagôa,  a  Nave  da 
Candieira,  cujo  aspecto  tenta  um  santo,  mas 
o  chão  era  tão  eriçado  de  zimbro  e  pedras 
soltas,  que  nos  viamos  embaraçados  a  todo 
o  momento,  cambando  ora  para  a  direita, 
ora  para  esquerda,  e  gastando  as  botas,  o 
tempo  e  a  paciência.  Eis  que  no  leito  de 
um  córrego,  por  onde  seguíamos,  depará- 
mos com  uma  fenda  bastante  alta,  encober- 
ta por  um  matagal  de  zimbro  e  outras  plan- 
tas rasteiras, 

A  gruta 

Tentou-nos  a  tal  cova  e  fomos  exploral-a, 
mas  tivemos  de  dar  uma  grande  volta,  para 
podermos  descer  a  ella. 

Ficámos  surprehendidos  e  muito  satisfei- 
tos, quando  nos  vimos  dentro  da  gruta.  E' 
uma  das  curiosidades  mais  interessantes  da 
serra  da  Estrella  e  muito  digna  de  ver-se, 
como  nós  a  vimos,  no  rigor  da  estiagem, 
pois  está  precisamente  na  veia  d'um  córre- 
go, muito  abundante  d'agua  no  tempo  do 
desgelo  e  das  chuvas,  e  foi  aberta  pela  agua 
em  um  filão  de  granito  molle. 

Terá  12  melros  de  comprimento,  2  a  3  de 
largura  e  3  a  4  d'altura,  ~  bastante  luz,  — 
todo  o  vão  interior  muito  limpo—e  quando 
ali  estivemos  apenas  se  viam  alguns  mi- 
croscópicos filetes  d'agua  muito  límpida  e 
muito  saborosa. 

•  Ali  passámos  muito  agradavelmente  uma 
hora  talvez  á  sombra,  descançando,  pales- 
trando e  saboreando  o  nosso  lunch,^  de  mis- 


^  A  Expedição  levou  de  Lisboa  muitos 
cantis  da  tropa;  foi  dado  um  á  cada  expedi- 
cionário e,  quando  se  afastavam  do  acam- 
pamento, lodos  levavam  a  tiracollo  o  seu 
cantil  com  vinho  —  e  pão,  queijo  ou  sardi- 
nhas de  Nantes,  para  lunch. 


tara  com  bello  vinho  de  pasto,  da  fregue- 
zia  de  Famalicão,  e  agua  dos  taes  filetes. 

Durante  os  8  dias  da  minha  estada  na 
serra  foi  aquella  hora  uma  das  mais  agra- 
dáveis. Lopes  Mendes  tirou  differentes  cro- 
quis da  bella  gruta  e  á  saida  outros,  dese- 
nhando os  penhascos  que  avultam  a  O.  da 
Candieira  e  N.  do  Cântaro  Gordo. 
Tudo  corria  de  feição,  mas  o  tempo  ia 
!  correndo  também  e  o  sol  declinando. 
!    Proseguindo  com  diíFiculdade,  por  ser  o 
I  caminho  muilo  pedragoso,  vimos  a  distan- 
I  cia  uma  betula.  Foi  logo  o  sr.  Castel-Branco 
I  visital-a  e  volveu  muito  satisfeito,  trazendo 
I  ás  costas  uin  ramalhão.  Tudo  isto  retardou 
I  bastante  a  marcha  e  proseguindo  chegàraos 
!  ao  vértice  da  lombada  que  vem  do  Cântaro 
Gordo  e  divide  a  Nave  da  Candieira  do  co- 
I  vão  dos  cântaros. 

j    Fitámos  com  assombro  lá  do  fundo  aquel- 
j  les  imponentes  colossos,  e  Lopes  Mendes, 
tirando  a  sua  carteira,  tratou  de  os  dese- 
!  nhar. 

Ascensão  ao  Cântaro  Gordo 

Terminado  o  desenho,  vimos  que  o  sol 
estava  a  sumir-se. 
I    — E  agora— disse  eu, — por  onde  havemos 
í  de  ir  nós  para  o  acampamento? 

— Pelo  mesmo  caminho  por  onde  viemos 
—respondeu  Castel-Branco. 

— Isso  é  quasi  impossível,  porque  a  noi- 
te aproxima-se  e,  se  nós  de  dia  viemos  ás 
apalpadellas  e  gastámos  6  horas  para  che- 
garmos aqui,  de  noite  as  diíBculdades  su- 
birão de  ponto  e  ficaremos  perdidos  n'esse 
chavascal— respondi  eu. 
I  —O  melhor  é  atravessarmos  este  covão* 
subir  até  á  rua  dos  Mercadores  e  d'ali  niar- 
I  char  para  o  acampamento  pelo  caminho  por 
onde  fomos,  quando  visitámos  a  Estrella  e 
os  caníom,— disse  Lopes  Mendes. 
— Também  me  parece  pouco  aceeítável 
1  esse  alvitre,—  disse  eu,  —  porque  a  descida 
para  este  covão  (o  medonho  Covão  dos  Can- 
j  taros)  não  é  faeil~e  a  subida  para  a  rua 
I  dos  Mercadores  pela  Calçada  do  Inferno  ou 
j  pela  Risca  do  Covão  do  Boi,  é  impossível  de 
I  noite  e  sem  guias,  pois, bem  se  recorda  de 
!  que  nós,  quando  lá  estivemos  e  tentámos 


ZEZ 


ZEZ  2209 


descer — em  pleno  dia,  com  sol  e  com  guias 
— esmorecemos  e  tivemos  de  retrogradar! 
Arriseamo  nos  pois  a  ficar  mettidos  no  co- 
vão. 

— Se  não  podermos  ganhar  a  rua  dos 
Mercadores — disse  Lopes  Mendes — subimos 
pelo  covão  até  ganharmos  a  parte  superior 
da  serra,  onde  elle  se  abre,  e  d'ali  vamos 
para  o  acampamento,  pois  lica  na  mesma 
direcção. 

—Também  não  concordo— disse  eu— por 
que  ziós  não  conhecemos  a  saida  do  covão. 
Muito  provavelmente  é  abrupta;  não  a  po- 
deremos transpor  e  ficaremos  mettidos  em 
um  dos  pontos  mais  fundos  da  serra,  onde 
ninguém  nos  lobrigará  e,  por  mais  que  gri- 
temos, ninguém  nos  ouvirá. 

— Então  que  fazer  ?  —  disse  Lopes  Men- 
des. 

Apontei  para  a  cabeça  do  Cântaro  Gordo 
que  nos  ficava  sobranceira,  e  disse: — «Este 
Cântaro,  como  já  vimos  da  rua  dos  Merca- 
dores, termina  em  linha  horisontal,  que  se 
prolonga  para  o  lado  do  acampamento  e  di- 
vide do  grande  covão  a  Nave  da  Candieira, 
pelo  que,  se  nós  ganhássemos  o  curuto  d'es- 
te  cântaro,  ficávamos  livres  da  nave  e  do 
covãç.» 

— Eu  concordo  —  disse  Lopes  Mendes,  — 
mas  como  havemos  de  subir  ao  curuto  d'es- 
te  mono? 

— A  subida  parece-me  realisavel,  pois, 
como  vêem,  este  pontal  do  cântaro  não  é  de 
ragoedo  abrupto  e  raassiço^  mas  de  peque- 
nas pedras  soltas  e,  embora  o  declive  seja 
grande,  julgo  que  o  podemos  vencer.  E  lo- 
go que  cheguemos  ao  alto  d'elle,  dominamos 
toda  a  serra;  —  se  os  nossos  companheiros 
nos  procurarem,  com  facilidade  nos  encon- 
tram,—e  não  faltará  mesmo  quem  nos  soc- 
corra  sem  serem  elles,  porque  toda  a  serra 
anda  cheia  de  pastores. 

— N'esse  caso  — disse  Lopes  Mendes  — 
tentemos  a  subida. 

Eu  logo  rompi  a  marcha,  mdo  na  frente; 
— após  de  mim  Lopes  Mendes— e  na  recta- 
guarda  Castel-Branco,  taciturno. 

Eu  ia  procurando  os  carreiros  das  ove-  i 


lhas  e  trepando,  agarrado  ás  pedras  e  ao 
zimbro,  apoiado  era  um  guarda  sol,  que  ar- 
vorei em  bengala.  Os  meus  companheiros 
iam  de  melhor  partido,  porque  seguiam  na 
minha  esteira,  apoiados  em  boas  cannas  dá 
índia  e  distanciados  alguns  metros,  para  que, 
se  -éu  me  despenhasse  no  abysmo,  os  não 
levasse  d'envolta.  Tolhia-me  também  o  bra- 
ço esquerdo  a  pedra  rolada,  que  encontrei 
na  descida  do  Poio  do  Passarão  e  que  de- 
sejava levar  de  prezente  á  secção  geológica, 
pois  são  raríssimas  n'aquella  altitude  as  pe- 
dras roladas,  e  aquella  era  um  exemplar  de 
merecimento. 

Principiámos  a  ascenção  ainda  com  sol, 
mas  em  breve  desappareceu;  felizmente  po- 
rem logo  surgiu  a  lua,  que  foi  a  nossa  sal- 
vação, pois  dava  uma  luz  branda,  que  nos 
deixava  ver  o  terreno  que  pisávamos  e  não 
nos  perrailtia  avaliar  bem  as  distancias  e  a 
profundidade  do  abysmo  cavado  a  nossos 
pés.i 

A  marcha  era  tão  morosa  como  a  da  les- 
ma e  ao  mesmo  tempo  tão  dura,  tão  violen- 
ta, que  suávamos  por  todos  os  poros  e  éra- 
mos obrigados  a  parar  e  deseançar  de  ins- 
tante a  instante,  pois  a  maldta  barreira 
deve  ter  aproximadamente  um  declive  de 
cincçenta  por  centofl . . . 


Teríamos  andada  apenas  100  metros, 
quando  ouvimos  Castel-Branco  a  chorarl 
Volvemos  os  olhos  para  elle  e  vimol-o  sen- 
tado, soluçando. 

— Que  tem  vossê? — perguntei  eu 

— Nós  não  chegamos  ao  alto  do  cântaro; 
morremos  por  aqui  despenhados  e,  se  hei- 
de  morrer  mais  longe,  quero  morrer  aquil 
— D'aqui  não  passol— disse  elle. 

—O'  homem,  isso  ó  uma  vergonhal  Nós 
não  estamos  aqui  por  culpa  sua  nem  minha, 


1  O  dia  da  nossa  ascensão  era  uma  quar- 
ta feira,  10  d'agosto  de  1881,  (dia  de  S. 
Lourenço) — e  na  véspera,  dia  9,  tinha  sido 
a  lua  cheias 


2210  ZEZ 


ZEZ 


mas  por  um  conjuncto  de  circumstancias 
imprevistas.  A  nossa  obrigação  é  animarmo- 
nos  e  confortarmo-nos  uns  aos  outros,  mes- 
mo quando  fosse  imminente  o  perigo,  o  que 
felizmente  se  não  dá,  porque  eu  vou  na  fren- 
te e  ainda  não  caiii,  nem  o  Lopes  Mendes. 
Alem  d'Í8S0  vossê  é  filho  cá  da  serra  e  o 
mais  novo  dos  três,  pelo  que  devia  ser  o 
primeiro  a  animar-nos.^ 

O  homem  calou-se;  foi  andando  —  e  eu 
sempre  rindo,  palestrando  e  tirando  partido 
de  tudo  para  animar  os  companheiros. 

—Aqui  vae  agora  uma  estrada  real^di- 
zia  eu,  quando  lobrigava  um  carreirinho 
das  ovelhas,  trilhado  e  adubado  por  elias. 

Lopes  Mendes  ria  e  gostava,  mas  Castel- 
Branco— -moiía.  Nem  palavra  1  —  e  a  folhas 
tantas  volveu  á  mesma  cantiga,  soluçando. 

— Eu  d'aqui  não  passo— dizia  elle,— por- 
que nós  morremos  aqui  todosi 

Fiz-lhe  nova  sermôa,  um  pouco  mais  ás- 
pera, terminando  por  dizer-lhe:  —  Nada  de 
aflQigir,  porque  eu  tenho  na  minha  casa  do 
Douro  uma  criada  já  eéga,  muito  virtuosa  e 
muito  velha,  que  é  um  moinho  de  oraçõesl 
Está  sempre  a  resar  por  mim  e  por  meus 
irmãos;  ehama-nos  os  seus  filhinhos ;  —  eu 
confio  muito  n'ella,  porque  é  uma  santa,  e 
Deus  ha-de  ouvil-a  e  salvar-nosl...^ 


1  Eu  nasci  em  1832.  Contava  pois  49  an- 
nos  em  1881.  V.  Corvaceira. 

Lopes  Mendes  nasceu  em  1835.  Tinha 
pois  46  annos.  V.  Villa  Real  de  Traz  os 
Montes,  vo!.  11.»  pag.  i032,  col.  3.» 

Castel  Branco  teria  28  annos — e  era  o 
mais  magro  e  mais  alto  dos  três.  V.  Vale- 
zim,  tomo  10.0  pag.  156,  eol.  2.* 

2  Chamava-se  Anna  Victoria  e  era  natu- 
ral da  freguezia  de  Samodães.  Sendo  ainda 
muito  nova,  foi  para  a  minha  casa  da  Gur- 
vaeeira  e  ali  se  conservou  até  que  falleeeu 
em  1883,  contando  mais  de  70  annos  de  ida- 
de. Nunca  serviu  outros  amos  e  era  uma 
criada  modelo, — muito  fiel,  muito  amiga  de 
mim  e  de  meus  irmãos  todos  e  a  todos  nos 
apartou  do  leite,  pelo  que  nos  chamava  scms 
filhinhos.  Deus  a  tenha  em  bom  logar  como 
firmemente  creio. 

Também  conheci  na  mesma  casa  mais 
duas  criadas  e  um  criado,  já  velhinhos  e 
todos  3  irmãos,— Anna,  Rosaria  e  Antonio, 


Lopes  Mendes  gostou  da  lembrança,  com- 
menlou  o  càso  e  riu; — Castel-Branco  levan- 
tou-se  e  foi  andando,  sempre  mudo,  no  cou- 
ce da  caravana,  maldizendo  talvez,  mas  em 
silencio,  a  sua  negregada  sorte. 


Proseguindo  com  a  violenta  ascensão,  tão 
morosa  como  perigosa,  as  difficuldades  su- 
biram de  ponto  ao  avisinharmo-nos  do  cu- 
ruto  do  maldito  cântaro.  Necessitei  de  agar- 
rar-me  ás  pedras  com  ambas  as  mãos  e, 
porque  levava  o  braço  esquerdo  tolhido  com 
a  pedra  rolada,  atirei  com  ella  para  uma 
moita  de  zimbro — e  lá  ficou  a  menos  de  25 
metros  talvez  do  alto  do  diclo  cântaro,  na 
pendente  S.E.  por  onde  seguíamos.  Que  di- 
rá o  naturalista  ou  geólogo  que  um  dia  ali 
deparar  com  ella?  Nós  suppomos  que  al- 
guém a  levou  também  para  o  sitio,  onde  a 
encontrámos,  pois  desde  o  alto  ou  vértice 
da  montanha  até  o  Poio  do  Passarão  apenas 
haverá  2  kilometros  de  distancia  e,  rolando 
em  tão  pequeno  espaço,  não  podia  tomar, 
como  tomou,  fórma  tão  arredondada,  sendo 
de  mais  a  mais  uma  pedra  muito  dura. 

Talvez  fizesse  parte  do  geleiro  menciona- 
do supra,  que  se  desfez  n'aquella  nave,  se- 
gundo suppõe  o  sr.  Frederico  Vasconcellos. 


Finalmente  post  tot  íantosque  labores  ga- 
nhámos o  vértice  do  Cântaro  Gordo,  que  é, 
como  eu  suppunha,  —  em  linha  horisontal, 
mas  muito  estreito. 

Chegámos  ali  ás  11  horas  da  noite,  muito 


—que  foram  para  lá  muito  novos, — morre- 
ram decrépitos — e  nunca  serviram  outros 
amos!  Eram  também  muito  fieis,  muito  vir- 
tuosos, muito  nossos  amigos,  e  deixaram- 
nos  vivas  saudades. 

Deseulpem-nos  a  sentida  homenagem  que 
prestamos  a  estes  4  servos,  modelo  dos  ser- 
vos todos,  orgulho  da  nossa  casa  e  nossos 
verdadeiros  amigosl ... 


ZEZ 


ZEZ  2211 


suados,  muito  fatigados^  cheios  de  fóme  e  j 
de  sêde  e  tendo  gasto  5  horas  para  vencer- 
mos pouco  mais  de  300  metros. 

Apenas  ali  chegámos,  vimos  luzes  no 
acampamento,  distante  cerca  de  %  kilome- 
tros  para  o  norte.  Eu  lancei  logo  o  fogo  a 
uma  moita  de  zimbro,  que  ardeu  facilmen- 
te, e  o  clarão  illuminou  a  montanha.  Lopes 
Iflendes  ralhou,  dizendo  que  o  espaço  era 
tão  estreito,  qne  mal  podíamos  avançar,  e 
que  a  fogueira  mais  difiQeultava  a  passa- 
gem; mas  eu  fui  lançando  o  fogo  a  2.»  e  3.* 
moitas  de  zimbro,  pelo  que  o  Lopes  Mendes 
mais  ralhou. 

— Deixe  arderl— disse  eu, — para  que  os 
nossos  companheiros  saibam  que  estamos 
aqui.  Estas  fogueiras  são  a  nossa  salvação! 
— E  assim  foi,  porque  os  nossos  companhei- 
ros rapidamente  fizeram  subir  foguetes  no 
acampamento. 

— E  agora?— disse  Lopes  Mendes. 

— Agora — respondi  eu — vamos  seguindo 
por  este  euruto,  até  vermos  o  fim  d'elle. 
Se  não  tiver  solução  de  continuidade,  fica- 
mos livres  d'estas  fundas  ravinas  e  vamos 
andando  para  o  acampamento;  se  não  po- 
dermos avançar,  os  nossos  companheiros 
virão  soccorrer-nos,  pois  já  sabem  onde 
nós  estamos. 

E  lá  fui  eu  andando  na  frente,  guiando, 
como  até  ali,  a  caravana. 

A  marcha  não  era  difficil,  por  ser  o  ter- 
reno quasi  plano,  embora  muito  estreito  e 
pedragoso.  Também  nos  não  incommodava 
a  vertigem  do  abysmo  de  300  a  400  metros 
d'altura,  cavado  de  um  lado  e  d'outro,  por 
que  o  frouxo  clarão  da  lua  apenas  permit- 
tia  ver  o  chão  que  pisávamos.  Assim  fomos 
andando,  como  sobre  o  dorso  de  uma  nu- 
vem; mas  a  distancia  de  100  metros  talvez^ 
deparei  com  ura  fragão  nu,  cortado  verti- 
calmente! Fiz  alto;  mirei  o  e  remirei-o,  mas 
não  vi  modo  de  o  transpor,  e  Lopes  Mendes 
disse; — Não  ateime,  porque  deixamos  aqui 
08  ossos. 

Effeetivamente  era  assim.  O  homem  ti- 
nha rasão. 

— -E  agora?— disse  Lopes  Mendes. 


— Agora— respondi  eu, — voltemos  para  a 
rectaguarda  e  vamos  por  ahl  deitar-nos  em 
qualquer  sitio,  até  vermos  se  os  nossos 
companheiros  apparecem  e,  se  não  appare* 
cerem  hoje,  com  certeza  virão  ámanhã.  Na- 
da de  susto,  mesmo  porque  o  tempo  está 
quente, — è  quasi  meia  noite — e  às  3  a  4 
horas  rompe  o  dia. 

Volvemos  pelo  mesmo  caminho,  mas  não 
encontrávamos  chão,  onde  podessemos  dei- 
tar  nos,  por  ser  o  tal  curuto  muito  estreito 
.e  pedragoso. 

Deparando  com  uma  abertura  de  meio 
metro  de  largo  aproximadamente,  formada 
por  duas  rochas  parallelas  e  com  fundo  de 
terra  lisa,  disse  eu: 

— Deitemo  nos  aqui  todos  tres. 

— Vossôestà  caçoando— disse  Lopes  Men- 
des— pois  ahi  mal  cabe  um  de  nós!... 

—Cabemos  bem  os  tres,  deitando-nos  uns 
sobre  os  outros;  eu  servirei  de  colchão, 
deitando-me  primeiro,  e  vossês  deitam-se 
sobre  mim. 

Eu  estava  rindo  com  elles,  mas  a  lem- 
brança não  era  disparatada,  porque  nós  che- 
gámos ali  muito  suados;  a  viraçãu  àquella 
hora  (cerca  da  meia  noite)  e  n'aquella  alti- 
tude,i  era  bastante  fresca;  —  já  nos  incom- 
modava—a  o  que  eu  mais  receava  era  o 
frio.  Todos  tres  levávamos  roupa  muito  le- 
ve, pois  nas  quebradas  da  serra  o  calor  de 
dia  era  insupportavel!  Eu  n'aquelle  dia  não 
levei  casaco  nem  colete,  mas  apenas  um 
guarda-pó  de  lona.  Estávamos  pois  todos 
tres  já  sentindo  bastante  frio  e  vingavamo- 
j  nos  d'elle,  se  nos  embrulhássemos  em  ma- 
I  gote,  como  eu  propunha;  retrogradámos  po- 
!  rem  mais  um  pouco  e,  deparando  com  um 
j  chão,  onde  cabíamos  bera  os  3,  eu  tirei  o 
I  meu  cantil,  mais  seeco  do  que  as  palhas, — 
j  coUoquei-o  na  terra,— lancei  sobre  elle  um 
lenço  e  disse: 

!    —A  minha  cama  eata  feita. 


1  O  Cântaro  Gordo  não  tem  cota  nos  map- 
pas  da  commissão  geodésica,  mas  deve  ser 
aproximadamente  a  mesma  do  Cântaro 
Magro,— Í9U  metros?! . . . 


2212 


ZEZ 


—Faça  lá  também  a  mioba— disse  Lopes 
Mendes,  dando -me  o  seu  cantil.  Colloquei-o 
junto  do  meu  e  deitei-me  logo. 


Castel-Branco  esmoreceu  e  disse:  «Eu  es- 
tou muito  suado  e  morro  com  este  ar  da 
noite  se  ahi  me  deito  ao  relento.  Vou  fazer 
uma  fogueira.» 

Tractou  de  lançar  fogo  ao  zimbro,  mas  já 
não  ardiafl . . .  Foram  então  os  dois  —  elle. 
e  o  Lopes  Mendes— procurar  as  vergonteas 
queimadas  do  zimbro  a  que  eu  tinha  lança- 
do o  fogo  e,  depois  de  grandes  esforços, 
conseguiram  fazer  uma  pequena  foguei- 
ra. Estavam  os  dois  junto  d'ella  e  eu  já 
principiando  a  dormir,  estirado  no  chão, 
quando  ouvimos  a  pequena  distancia  um 
tiro  no  alto  da  encosta  fronteira  e  uma  voz 
de  Estentor  dizendo: 

— Vossês  onde  estão? 

—Estamos  no  alto  do  Cântaro  Gordo  euÃo 
podemos  descer  sem  guias  1  —  respondi  eu, 
levantando -me  com  diífieuldade,  porque  o 
frio  já  me  tolhia  os  movimentos  do  cor- 
po?!... 

— Elles  lá  vãol—  elles  lá  vãol  —  disse  na 
mesma  voz  de  Estentor  o  sr.  Leonardo  Tor- 
res, vogal  da  Expedição. 


D'ali  a  pouco  estavam  juntos  de  nós  dois 
guias. 

Levaram-nos  até  o  fragão  abrupto,  mas 
para  descermos  vimo-nos  perdidos! 

Os  homens  lá  encontraram  certas  fendas, 
que  elles  conheciam,  e  n'ellas  se  firmaram, 
mas  nós  viamos  somente  a  fraga  qiia!  Afoi- 
tavam-nos  e  convidavam-nos  para  descer- 
mos, e  era  esse  o  meu  desejo,  mas  Lopes 
Mendes,  depois  de  mirar  e  remirar  bem  o 
precipício,  não  estava  pelos  autos. 

—Nós  morremos  aqui!— disse  elle.  É  me- 
lhor esperarmos  que  amanheça.  Estes  ho- 
mens que  vão  busear-nos  roupa  e  de  dia 
veremos  como  as  coisas  correm.  A  descida 
a  estas  horas  é  uma  temeridade,  uma  lou- 
cu;:al 


ZEZ 

Os  nossos  companheiros  já  se  ouviam  e 
viam  a  pequena  distancia,  no  alto  da  en- 
costa fronteira;  um  dos  guias  desceu,  col- 
lou  se  ao  fragão;  estendeu  os  braços  e  dis- 
se ao  Lopes  Mendes  que  firmasse  os  pés  nas 
mãos  d'elle;— o  outro  guia  collou-se  junto  de 
nós  no  fragão,  segurando-o  por  um  braço. 
Lopes  Mendes  foi  descendo  de  costas,  sus- 
penso pelos  dois  guias  e  com  os  braços  am- 
bos abertos,  procurando  algum  apoio  no 
fragão  nú.  Eu  afoitava  o,  mas  elle.  muito 
afflicto  e  como  que  suspenso  entre  a  vida  e 
a  morte,  dizia  :  —  «Eu  não  encontro  apoio 
para  os  pés  nem  para  as  mãos! . . .  E'  me- 
lhor esperarmos  que  amanheça,  i 

Foi  porem  baixando  com  o  peso  do  cor- 
po e,  suspenso  pelos  dois  guias,  chegou  vi- 
vo lá  ao  fundo.  Depois  descemos  da  mesma 
fórma  eu  e  Castel-Branco. 

Lá  do  fundo  contemplámos  com  assom- 
bro o  dicto  fragão  —  e  Lopes  Mendes  d'ali 
mesmo  ao  clarão  da  lua  o  desenhou. 

Era  meia  noite.  Abraçámos  o  nosso  sal- 
vador e  os  outros  companheiros  —  e  segui- 
mos para  o  acampamento,  aonde  chegámos 
com  muita  fóme  e  muita  sôde  á  uma  hora 
da  manhã  do  dia  11.  sendo  recebidos  com 
estrepitosos  hurrhásl 

Não  podia  terminar  melhor  a  nossa  lou- 
ca aventura  e  aqui  a  deixamos  fielmente  re- 
gistrada aã  perpetuam  rei  memoriam. 

Vista  retrospecúva 

Quando  os  nossos  companheiros  lobriga- 
ram do  acampamento  as  fogueiras  do  zim- 
bro, ficaram  muito  satisfeitos,  —  chamaram 
os  guias  e  perguntaram-lhes  que  sitio  era 
aquelle. 

— É  o  alto  do  Cantara  Gordo — responde- 
ram elles  logo. 

— É  preciso  irmos  lá  para  trazermos  os 
nossos  companheiros — disse  o  sr.  Leonardo 
Torres,  homem  muito  enérgico  e  muito  va- 
lente.í 


í  O  sr.  dr.  Leonardo  Torres  e  o  sr.  dr. 
Medina  formavam  a  secção  hydrologica  e 
haviam  ficado  em  Manteigas  analysando  as 
aguas  thermaes  d'aquella  villa,  mas  por  for- 


ZEZ 


ZEZ  2213 


—Eu  nuDca  fui  ao  alto  do  Cântaro  Gordo 
nem  sei  por  onde  se  sobe  para  elle— disse  o 
poltrão. . .  chefe  dos  guias. 

— Pois  elles  não  hão-de  lá  ficar  I  — disse 
muito  resolutamente  o  sr.  Leonardo  Torres, 
pegando  na  sua  bella  carabina  ingleza  de 
dois  canos. — Se  elles  subiram,  também  vos- 
sês  podem  subir.  Vamos  lá\... 

— Eu  não  vou,  porque  não  conheço  aquel- 
le  cântaro — disse  o  manhoso  chefe  dos  guias 
— e  todos  09  outros  se  calaram. 

Os  guias  eram  muitos  e  todos  pastores 
valentes,  mas  a  Expedição  era  superior  em 
numero  e  tinha  no  acampamento  às  suas 
ordens  6  soldados,  um  cabo  e  um  corneta. 

O  sr.  Leonardo  Torres,  homem  de  pelle 
diabi,  não  gostou  da  renitência,  estava  bem 
armado  e  dispunha-se  a  obrigares  pastores 
a  irem  diante  d'elle,  quando  um  pobre  de 
Manteigas,  que  providencialmente  ali  chegou 
momentos  antes,  disse: 

—Vamos  lá,  meu  amo  I  Eu  também  sou 
pastor  e  já  por  ali  andei.* 


Leonardo  Torres  poz-.se  logo  em  marcha 
com  a  sua  carabina,  levando  na  frente  o  di- 
cto  pastor.  Ficou  envergonhado  o  chefe  dos 
guias  e  ãcompanhou-03  também,  unindo-se 
á  caravana  alguns  expedicionários  e  dois 
cavalheiros  de  Pinhel,  que  ao  tempo  ali  se 
achavam  de  visita. 

Caminhando  a  passo  accelerado,  em  bre- 
ve nos  descobriram  —  e  Leonardo  Torres 
disparon  a  clavina,  para  nos  acordar  e  ani- 
mar. 


tuna  tinham  chegado  ao  acampamento  n'a- 
quelle  mesmo  dia  de  manhã,  pouco  antes 
de  nós  partirmos  para  a  serra  e  de  darmos 
principio  á  nossa  aventura. 

1  O  bom  do  homem  chamava- se  Mattos 
Costa  e  aproveitou  o  ensejo  de  lisongear  a 
Expedição,  porque  um  incêndio  lhe  tinha 
devorado  n'aquelle  mesmo  dia  uma  pequena 
seara  de  centeio,  que  era  toda  a  sua  fortuna, 
e  lembrou-se  de  ir  ao  acampamento  pedir 
nma  esmola.  Deram-se-lhe  algumas  libras  e 
foi  muito  satisfeito. 


O  resto  já  nós  contámos. 

Valeu  nos  pois  o  sr.  Leonardo  Torres  com 
a  sua  grande  energia. 

Foi  o  nosso  salvador! 

Eis  aqui  a  longos  traços  a  historia  da 
nossa  aventura  e  do  nosso  phantastico  pas- 
seio á  meia  noite  pelo  alto  do  Cântaro 
Gordo. 

Sensi  in  fronte  meo  se  arripiare  cabellosl... 
Não  repetiria  o  passeio  em  taes  condições 

j  por  coisa  alguma,  mas  durante  elle  —  mes- 
mo na  subida  e  descida  —  nunca  tive  tanto 

\  mêdo,  como  annos  antes  (em  9  de  outubro 
de  i868)  quando  era  muito  mais  novo  e  mais 

I  vigoroso  e  visitei  com  sol  os  Castellos  dos 

j  Caftm,— penhascos  medonhos  que  se  er- 
guem na  margem  esquerda  do  Távora,  con- 
celho de  Tâboaço. 
Horresco  referensl 

'  A  entrada  para  os  dictos  penhascos  é  mui- 
to mais  perigosa  —  mesmo  de  dial  De  noite 
ninguém  ali  se  salvava. 

Eu  tenciono  descrever  os  dictos  castellos 
e  chamar  para  elles  a  attenção  dos  forastei- 
ros, porque  são  históricos,  muito  dignos  de 
se  visitarem — e  apenas  distarão  500  metros 
da  linda  estrada  nova  em  construcção  do 
Espinho  (foz  do  Távora)  a  Viseu,  por  Tâ- 
boaço, Távora,  Sendim,  Moimenta  da  Beira, 
ete.  mas  ninguém  tente  visital-os  sem  ir 
amarrado  por  cordas  e  sem  levar  guias  de 
confiança. 

Nunca  me  vi  tão  perdido  nem  defrontei 
com  a  morte  tão  de  perto  I . . . 

V.  Cabriz  n'èste  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 

Ha  também  não  longe  dos  dictos  castellos 
e  da  dieta  estrada  nova  outros  sitios  muito 
interessantes  e  muito  dignos  de  se  visita- 
rem, taes  são  as  ruinas  de  S.  Pedro  Velho, 
primitivo  convento  de  S.  Pedro  das  Águias, 
o  convento  novo;  a  Ponte  do  Fumo,  a  quinta 
da  Aveleira,  as  ruinas  do  Paço,  antigo  solar 
dos  marquezes  de  Távora,  o  Castello  do  Cal- 
fão,  a  Penha  Amarella,  o  Cabeço  da  Forca — 
e  a  própria  estrada  nova  a  macadam.  E* 
lindíssima  e  um  arrojo  de  construcção,  no- 
meadamente o  lanço  do  Ribeiro  Fradinho 
pois  tem  muros  de  supporte  com  17  metroS 
d'altura?l . . . 


■i 


2214  ZEZ 


ZEZ 


V.  Távora,  freguezia  do  concelho  de  Ta- 
boaço  e  Vicente  (S.)  —  tomo  10.°  pag.  316, 
col.  1.» 

Sitios  mais  notáveis  da  Serra  da  Estrella, 
propriamente  dieta. 

—Torre  (pyramide)  da  Estrella,  ou  Ma- 
lhão da  Estrella,  ou  simplesmente  Estrella. 

E'  o  formoso  e  vistoso  planalto,  ponto  cul- 
minante da  serra,  mencionado  supra,  e  do 
qual,  por  ter  a  forma  de  estrella,  a  serra, 
segundo  alguém  suppõe,  tomou  o  nome  de 
serra  da  Estrella. 

— Malhão  Grosso. 

— Cântaro  Magro. 

— Cântaro  Raso  ou  Caes  da  Estrella,  por 
que  termina  em  superfície  plana  e  a  face  N- 
cahe  a  prumo  sobre  o  covão  dos  cântaros^ 
imitando  a  muralha  d'um  caes. 

—Cântaro  Gordo. 

— Lagoa  Comprida. 

— Lagoa  Escura. 

— Lagôd  Redonda. 

—Lagoa  Secca. 

— Lagoa  do  Paxão. 

— Lagoa  da  Salgadeira  ou  dos  Cântaros. 

—Penhasco  da  Candieira. 

—Poio  do  Passarão. 

— Poios  Negros. 

— Poios  Brancos. 

— Nave  da  Argenteira. 

— Nave  da  Candieira. 

— Nave  de  Santo  Antonio. 

— Nave  do  Arco. 

— Nave  das  Rãs. 

— Cumiada  da  Nave. 

— Covão  do  Boi. 

Demora  a  S.  e  junto  do  Cântaro  Raso,  e 
*  semelha  as  ruinas  d'um  templo  subterrâneo 
ou  catacumba  que  perdesse  o  tecto,  pois 
sendo  liso  o  vão  dos  outros'  covões,  no  vão 
d'este  erguem-se  differentes  monolithos  so- 
brepostos e  ajustados  em  forma  de  menhirs, 
imitando  as  eolumnas  que  dividem  as  na- 
ves e  sustentam  o  tecto  dos  nossos  tem- 
plos 

As  dietas  eolumnas  teem  formas  varia- 
das;—recordam  os  monumentos  megalithi- 
cos  pre-historicos  da  idade  da  pedra — e  na 


minha  humilde  opinião  demandam  estudoU.. 

Uma  d'ellas  imita  um  dente  queixai  enor- 
me com  as  raizes  voltadas  para  o  Qrmamen- 
to;— outra,  a  que  olha  para  a  rua  dos  Mer- 
cadores  e  Cântaro  Magro,  é  formada  por 
dois  grandes  penedos  sobrepostos,  tendo  na 
face  em  que  se  ajustam,  como  servindo  de 
cunha  para  equilíbrio  do  penedo  superior, 
uma  grande  lasca  de  granito,  que  parece 
um  lagarto  enorme  petrificado,  que  ali  ficou 
entalado.  Distingue-se  perfeitamente  do  lado 
da  rua  dos  Mercadores,— ãssim  como  do  fun- 
do da  Risca  do  Covão  do  Boi  se  distingue 
perfeitamente  uma  carranca  enorme  no  bojo 
do  Cântaro  Magro,  olhando  para  o  Cântaro 
Gordo  e  para  a  Nave  da  Candieira,  como 
já  dissemos  supra,  quando  fallámos  dos 
cântaros  e  das  nascentes  do  Zêzere. 

Com  vista  aos  areheologos- 
Prosigamos. 

— Covão  do  Homem. 

— Covão  da  Mulher. 

— Covão  do  Lobo. 

— Covão  do  Urso. 

— Covão  do  Vidoal. 

—Covão  dos  Cântaros  ou  Rua  das  Ro- 
seiras. 
— Covão  Grande. 
E'  o  da  Lagoa  Comprida. 
— Penha  do  Gato. 

— Fraga  das  Penhas,  ou  Penhas  Doura- 
das. 

—Fraga  da  Varanda. 

— Fraga  da  Batalha. 

— Fragas  do  Avento. 

— Curral  do  Martins.^ 

—Curral  do  Vento. 

— Curral  da  Nave. 

— Chafariz  d'El-rei. 

—Fonte  dos  Perús. 

— Penhasco  da  Figueira  Brava. 

Demora  em  frente  da  foz  da  ribeira  de 


1  Não  longe  do  Curral  do  Martins,  um 
pobre  trabalhador  de  Manteigas  ha  amos 
encontrou  soterrado  um  bracelete  que  ven- 
deu por  mais  de  100  moedas,  ou  de  réis 
480^000,— segundo  consta. 


ZEZ 


ZEZ  22i5 


Leandres  e  cahe  a  prumo  sobre  a  margem 
esquerda  do  Zêzere,  cerca  de  3  kilometros 
a  jusante  da  viila  de  Manteigas,  formando 
uma  lombada  medonha  que  avança  contra 
o  sul,  encobrindo  as  margens  do  Zêzere 
a  montante,  e  a  villa. 

No  tempo  da  guerra  peninsular,  quando 
os  francezes  andavam  talando  e  saqueando 
esta  província  e  se  dirigiam  para  Manteigas 
pela  estrada  velha  da  niargem  do  Zêzere, 
carreiro  de  cabras  informe,  os  habitantes  de 
Manteigas  fortificaram  a  dieta  passagem 
com  valias  e  muros  toscos,  improvisados  de 
momento,  addiecionando-lhes  uma  grande 
roda  (talvez  roda  d'algum  dos  seus  enge- 
nhos) espécie  de  barricada.  Correram  to- 
dos a  defender  aquelle  ponto  com  as  armas 
que  poderam  haver  á  mão;  fizeram  vivo  fo- 
go sobre  os  francezes;  outros,  alcandorados 
no  medonho  íragão,  faziam  rolar  enormes 
pedras,  que  varriam  a  lombada  e  a  estrada 
até  o  Zêzere,  imitando  os  herminios  d'ou- 
tr'ora  e  os  habitantes  d'Andorra. 

Ficaram  os  francezes  attonitosl  Muitos 
foram  esmagados  pelas  pedras;  outros  mor- 
reram varados  por  balas;  outros  afogados 
no  rio  e,  nào  podendo  contornar  o  medo- 
nho fragão,  retrocederam,  ficando  Mantei- 
gas livre  das  garras  dos  jacobinos. 

Hurrah  pelos  intrépidos  defensores  da 
villa  de  Manteigas! 

Prosigamos. 


— Cabeço  do  Frade  e 

— Cabeço  da  Freira. 

Estes  cabeços  foram  assim  denominados, 
porque  vistos  d'alguma  distancia,  nomeada- 
mente do  sitio  de  Torne-agm,  parecem  dois 
frades! 

Demoram  na  margem  esquerda  do  Zêzere, 
junto  do  Curral  do  Martins  e  das  nascentes 
do  ribeiro  das  Lameiras,  mencionado. su- 
pra. 

— Cabeço  do  Souto. 
—  Cabeço  da  Moreira. 
— Cabeço  da  Azinheira. 
— Chão  das  Barcas. 
—Corgo  das  Mós. 


Junto  d'este  sitio  estão  o  Observatório  e 
os  sanatórios,  de  que  fatiaremos  adiante. 
— Canariz. 
— Valle  do  Conde. 
— Valle  da  Perdiz. 
— Corredor  dos  Mouros. 
—  Villa  de  Mouros. 
— Contenda. 
— Corvo. 
— S.  Bento. 
—S.Payo. 
— S.  Gabriel. 
— S.  Sebastião. 
— S.  Domingos. 
— Senhora  da  Assedassa. 
— Senhora  dos  Verdes. 
— Alto  da  Santinha. 
^Rodeio  Grande. 
— Barros  Vermelhos. 
— Taboeiras. 
— Picoto. 

— Zebraes.  ^ 
— Corugeira. 
— Galhardos. 
— Mondeguinho. 

— Alfatima,  ou  Curuío  d'Alfatima. 

E'  um  dos  cabeços  mais  notáveis  da  serra 
e  tem  uma  lenda  interessantíssima.  V.  Man- 
teigas. 

— Fico  do  Corvo. 

— Pedra  da  Meza. 

— Fragão  do  Ronca. 

Demora  no  Valle  do  Conde.  Ali  passou 
uma  noite  o  sr.  Emygdio  Navarro,  quando 
em  1883  visitou  a  serra  da  Estrella  e  deu  o 
nome  de  Ronca  ao  dicto  fragão,  porque  re- 
sonava  muito  alto  um  dos  seus  companhei- 
ros. 

V.  Quatro  dias  na  serra  da  Estrella,  pag. 
96  e  97. 

— Rua  das  Roseiras. 

— Rua  dos  Mercadores. 

— Calçada  do  Inferno. 

— Acampamento  da  Expedição. 

Logo  fallaremos  d'elle  e  d'ella. 

— Casa  de  Cesar  Henriques. 

Foi  a  do  sanatório^  de  que  logo  falla- 
remos também. 

— Gruta  da  Candieira,  ou  Caverna  da 
Estrella.  • 


2216  ZEZ 


ZE2 


Já  ficou  descri  pia  supra,  quando  falíamos 
da  ascenção  ao  Cântaro  Gordo. 

—Arca  do  pão,  ou  casa  do  pão. 

È  uma  fraga,  onde  os  pastores  guardam  o 
pão,  como  já  dissemos  supra. 

— Castro  de  Argemella. 

— Castro  de  Valhelhas. 

—  Castro  de  S.  Romão. 

— Castro  dos  Tres  Povos. 

— Castro  de  Pero  Viseu. 

— Castro  de  Tintinolho  e 

— Castro  d'Alfatima. 

Y.  Relatório  d^ArcIíeologia,  da  Expedição 
scientifica. 

— Riscas  da  lagoa  Escura. 

Assim  se  denominam  uns  rochedos,  que 
estão  na  linha  do  córrego  entre  a  Lagga  Es- 
cura e  a.  Lagoa  Comprida. 

— Risca  do  Covão  do  Roi. 

Já  fallánaos  d'ella  supra. 

— Terras  Vermelhas,  ou  Pedras  Verme- 
lhas, ou  Rarro  Vermelho. 

Do  feldspalho  vermelho,  que  se  vae  des- 
aggregando  do  granito,  proveiu  o  nome  ao 
dicto  local.  Demora  a  N.  do  Planalto  da  Ex- 
pedição. 

— Pomar  de  Judas. 

Demora  no  valle  do  rio  Alva. 

— Montes  Castelhanos. 

Demoram  entre  S.  Romão  e  Ceia.  | 

— Colcorinho.  j 

— Lapa  dos  Dinheiros. 

— Ajaxy—montes  próximos  de  Gouveia. 

— Poio  da  Morte. 

— Fragão  do  Corvo,  etc.  etc. 

Thesouros 

A  serra  da  Estrella,  propriamente  dieta, 
hoje  está  completamente  nua  e  deserta,  mas 
outr'ora  foi  arborisada  e  em  grande  parte 
habitada,  pelo  menos  temporariamente,  du- 
rante as  continuadas  guerras  d'exterminio, 
que  desde  os  tempos  prehistorieos  até  á  in- 
vasão francesa  assolaram  e  devastaram  Por- 
tugal e  a  península,  dando-lhes  apenas  de 
longe  em  longe  alguns  séculos  de  paz. 

Durante  aquellas  porfiadas  luetas,  os  po- 
vos que  se  refugiavam  na  serra  da  Estrella, 
por  ser  a  maior  de  Portugal  e  a  que  lhes 


offerecia  mais  alguma  segurança,  —  povo' 
das  abas  da  serra  d'envolta  com  outros  po- 
vos talvez  de  pontos  bem  longínquos, — para 
a  serra  levavam  as  suas  preciosidades;  ali 
as  guardavam  e  escondiam  soterrando -asi 
ali  as  deixavam,  quando  eram  perseguidos, 
ou  se  afastavam  da  serra  para  se  baterem, 
ou  para  tratarem  dos  seus  negócios,  ou  para 
verem  os  seus  lares,  os  seus  amigos  e  pa- 
rentes— e  muitos  não  mais  voltavam,  por- 
que os  tempos  eram  calamitosos! . . . 

Assim  se  explica  o  facto  de  terem  appa- 
recido  em  differentes  datas  na  serra  diffe- 
rentes  thesouros  e  muitas  preciosidades  nos 
pontos  mais  bravios,  quando  os  lavradores» 
matteiros  e  carvoeiros  fazem  de  longe  em 
longe  pequenas  eseavaçSes.i 

E,  se  a  vasta  superfieie  da  serra,  em  vez 
de  conservar-se  inculta  e  sem  movimento 
algum,  como  tem  estado  até  hoje,  fosse  toda 
cultivada,  arroteada  e  movida  profunda- 
mente, — lá  se  encontrariam  por  certo  ou- 
tros muitos  thesourosl . . . 


Dos  que  até  hoje  ali  se  teem  encontrado 
mencionaremos  apenas  os  seguintes: 

—Junto  do  Curral  do  Martins  o  bracele- 
te d*ouro  mencionado  supra  e  que,  segundo 
consta,  foi  vendido  por  mais  de  100  moe- 
das?!... 

—Em  Nogueira,  a  montante  da  villa  de 
Ceia,  onde  ha  vestígios  de  povoação  anti- 
quíssima, encontrou-se  uma  chapa  d'ouro 
com  a  letra— M. 

—Em  Torrozello  appareeeu  n'um  batatal 
um  botão  de  prata  maior  que  um  pinto,^ — 


1  Assim  se  explicam  também  as  lendas 
das  mouras  encantadas,  guardando  grandes 
thesouros, — lendas  trivialissimas  em  Portu- 
gal ê  na  Hespanha. 

E  que  thesouros  não  deixariam  soterra- 
dos e  escondidos  ou  mouros  e  os  romanos 
em  Portugal  e  na  península? 

2  Pinto  ou  crusado  novo,--  moeda  porlu- 
gueza  extincta  depois  do  meiado  d'este  sé- 
culo. 

Valia  480  réis. 


ZEZ 


ZEZ  2217 


com  um  leão,  um  caçador  e  uma  lebre  na 
carreira. 

—No  castro  ou  cabeço  á'Alfaf,ma  achou- 
se  uma  bengala  de  prata  com  c^ideia  do  mes- 
mo metal. 

— Em  Folgosinho,  junto  das  Fragas  do 
Avento,  ha  poucos  annos  um  carvoeiro  achou 
soterrados  cinco  braceletes  d'ouro,  o  mais 
grosso  dos  quaes  foi  vendido  por  50  libras, 
ou  225^000  réis,  a  um  ourives  do  Porto,— e 
o  sr.  dr.  Martins  Sarmento,  distineto  areheo- 
logo  de  Guimarães,  comprou  dois  dos  ditos 
braceletes,  um  dos  quaes  lhe  custou  24  li- 
bras. 

Estes  ulliraos  2  braceletes  podem  ver-se 
em  gravura  no  Relatório  d'Archeologia  da  | 
Expedição.  I 

—Aproximadamente  em  1880  appareee- 
ram  mais  dois  braceletes  d'ouro  em  Pena-  \ 
Lobo,  também  dentro  da  serra,  eguaes  aos  í 
dois  últimos,  indicados  supra. 

— No  Castro  dos  Tres  Poyos  appareceram 
moedas  d'ouro,  muito  antigas. 

— Em  Gibraltar,  perto  de  Teixoso,  appare- 
ceram  em  um  rego  d'agoa  11  tigelões  e  15 
tigelas  de  prata— e  a  pequena  distancia  ap- 
pareceram  também  umas  argolas  d'ouro  en- 
cadeadas. 

—Na  Fonte  da  Pena  Lisa  encontrou-se 
uma  barra  d'ouro,  que  pesava  60  libras,  ou 
270i^000  réis. 

— Junto  de  Castello  Reigoso  encontrou -se 
uma  meada  à'arame  de  ouro,  de  que  os  pas- 
tores fizeram  colchetes  para  as  suas  capas. 

— Em  Alvôco  da  Serra,  como  já  dissemos 
supra,  ainda  ha  poucos  annos  appareceram 
mais  de  1:00U  denarios  romanos,  muito  bem 
conservados,  soterrados*  em  um  monte  per- 
tencente ao  sr.  Antonio  Luiz  Monteiro  Pi- 
na. 

Estavam  mettidos  em  uma  pequena  pia 
de  granito,  coberta  com  uma  lagea  de 
schisto. 

O  mesmo  senhor  me  enviou  3  dos  taes  de- 
narios, ura  dos  quaes  é  inédito — verdadeira 
raridade  numismática,— pelo  que,  para  não 
se  extraviar,  offereei-o  á  camará  municipal 
do  Porto  e  pôde  ver-se  no  museu  d'ella. 

Também  consta  que  na  mesma  freguezia 
á*Alvoco  leem  apparecido  muitos  thesouros  i 


e  ha  lendas  e  signaes  que  promettem  ainda 

Uma  lenda,  v.  g.,  diz — que  debaixo  do  al- 
tar da  egreja  de  S.  Romão,  junto  do  castro 
d'este  nome,  concelho  de  Ceia,  estão  —  um 
altar  d^oiro  e  uma  bezerra  também  d'oiro. 

Apontam-se  também  dífferentes  achados 
d'oiro  em  pó  e  de  pedras  preeiosas. 

V.  Relatório  de  Archeologia  da  Expedição. 

E  quantos  thesouros  e  preciosidades  te- 
rão apparecido  na  serra  da  Estrella,  sem 
que  haja  memoria  d'elles? 

A  Expedição  fez  muito,  mas  a  serra  da 
Estrella  é  tão  vasta,  tão  escabrosa,  tão  cheia 
de  castros  e  d'outra3  velharias  romanas  e 
pre- romanas  das  idades  de  pedra  e  do  bron- 
ze, que  a  maior  parte  d'e]la  ficou  por  explo- 
rar=e  assim  se  conservará  muitos  annos, 
porque  a  exploração  é  difflcil,  morosa  e  dis- 
pendiosal . . .  Entretanto,  quem  pretender 
mais  noticias  da  grande  serra  consulte  os 
Relatórios  da  Expedição,  o  formoso  livro  do 
sr.  Navarro  e  os  bellos  mappas  da  commis- 
são  geodésica. 

A  Expedição  scientifica  de  1881 

O  sr.  dr.  J.  T.  de  Sousa  Martms,  afamado 
clinico  de  Lisboa,  tendo  plena  confiança  no 
tractamento  da  tuberculose  pela  rarefação 
do  ar  nas  grandes  altitudes,  e  vendo 'os  be- 
néficos resultados  que  a  humanidade  enfer- 
ma eslava  tirando  dos  sanatórios  dos  Alpes 
e  da  Suissa,  concebeu  o  projecto  de  montar 
na  serra  da  Estrella  sanatórios  análogos  pa- 
ra 03  tysicos  portuguezos,  pois  desgraçada- 
mente hoje  a  tysica  mata  a  5.»  parte  da  po- 
pulação do  nosso  paiz  em  Lisboa,  no  Porto 
e  n'outras  cidades. 

Elie  sabia  qual  era  a  altitude  da  serra  da 
Estrella,  mas  não  conhecia  bem  a  topogra- 
phia,  a  orographia,  a  meteorologia,  a  clima- 
tologia e  outras  condições  d'e]la,  muito  pre- 
cisas para  determinar  a  posiçáo  e  construo- 
cão  dos  sanatórios.  Alem  d'is90,  tantas  len- 
das e  patranhas  cercavam  a  dieta  perra,  que 
mal  podia  extremar-se  d'ella3  a  parte  his- 
tórica e  real,  pelo  que,  sendo  sócio  da  be- 
nemérita sociedade  de  g^ographia  de  Lis- 
boa, resolveu-a  enviar,  como  enviou,  uma 


2218  ZEZ 


ZEZ 


Expedição  scientifica  à  serra  da  Eslrella,= 
expedição  que  até  hoje  em  Portugal  foi  a 
primeira  no  seu  geoero — e  tarde  registra- 
remos outra  que  a  sup  plante. 

A  Expedição  chegou  á  serra  da  Estrella 
no  dia  4  d'ago8to  de  1881  e  ali  se  conser- 
vou até  o  dia  20  do  dicto  mez. 


Foi  subsidiada  pelo  governo  e  pela  junta 
geral  do  districto  da  Guarda;  as  camarás  de 
Ceia,  Gouveia  e  Manteigas  forneeeram-lhe 
trabalhadores  e  guias;  a  companhia  real  dos 
caminhos  de  ferro  portuguezes  beoeQciou-a 
com  o  abatimento  de  50  por  cento  na  sua 
linha  do  Norte,  etc.  mas  ainda  assim  a  be- 
nemérita sociedade  de  geographia  gastou 
bom  dinheiro,  porque  a  Expedição  foi  bas- 
tante numerosa  e  muito  dispendiosa, — ape- 
sar de  ser  gratuito  o  alto  pessoal,  e  todo 
muito  escolhidol  Era  quasi  todo  formado 
de  lentes  de  diversas  escolas, —  de  ofiSciaes 
superiores  do  nosso  exercito — e  de  clínicos 
distinctissimos. 

A  Expedição  custaria  dez  vezes  mais^  se 
o  seu  muito  illustrado  e  muito  independen- 
te pessoal  superior  fosse  remunerado — e  es- 
tou certo,  certíssimo,  de  que,  embora  fosse 
bem  remunerado,  não  trabalharia  tanto,  co- 
mo trâbalhou,  nem  supportaria  os  discom- 
modos  que  supportou. 


PESSOAL  SUPERIOR  1 

Secção  de  agronomia  e  sylviculíura 

Chefe  —  Jayme  Batalha  Reis.  S.  S.  G.  e 
professor  do  instituto  geral  d' agricultura. 

Joaquim  Pedro  de  Freitas  Castel-Branco, 
agrónomo  no  districto  da  Guarda.^ 


*  A  abreviatura  S.  S.  G.  quer  dizer— Só- 
cio da  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa. 

2  V.  Valezim  e  o  tópico  supra,  onde  des- 
crevemos a  nossa  memorável  aseenção  ao 
Cântaro  Gordo. 


Pedro  Roberto  da  Cunha  e  Silva,  S.  S.  G. 
e  engenheiro  sylvicullor,  chefe  de  divisão  flo- 
restal. 

Secção  de  anthropologia 

Chefe — Dr.  José  Joaquim  da  Silva  Amado. 
S.  S.  G.  e  professor  da  escola  medico-cirur- 
gica  de  Lisboa. 

Dr.  Francisco  Augusto  d'01iveira  Feijão, 
S.S.  G.,  também  professor  da  mesma  escola 
e  medico  da  camará  real,  etc. 

Secção  de  archeologia 

Chefe— Dr.  Francisco  Martins  Sarmento, 
S.  S.  G.,  aixiitíologo  disiinctissimo,  natural 
de  Guimarães  e  ali  grande  proprietário,  ex- 
plorador da  Citania  e  fundador  da  benemé- 
rita Sociedade  Martins  Sarmento,  etc.  etc. 

V.  Guimarães  n'este  diceionario  e  no  sup- 
plemento. 

Gabriel  Pereira,  S.  S.  G.  e  ura  dos  pri- 
meiros archeologos  do  nosso  paiz. 

Vivia  então  em  Évora,  onde  foi  bibliothe- 
cario,  e  hoje  vive  em  Lisboa,  onde  é  ofiBcial 
da  Bibliotheca  publica,  etc. 

Joaquim  de  Vasconcellos,  S.  S.  G.,  natu- 
ral do  Porto  e  ali  residente,  professor  d'al- 
leraão  no  lyceu,  director  do  museu  indus- 
trial e  commercial  e  um  dos  portuenses  mais 
talentosos  e  mais  illustrados,  fecundo  escri- 
ptor  publico,  etc.  etc. 

V.  Viseu,  tomo  ll.«  pag.  1854,  col.  1.»  e 
segg. 

Secção  de  botânica 

Chefe  -Dr,  Julio  Augusto  Henriques,  S. 
S.  G.,  lente  de  botânica  na  Universidade  de 
Coimbra  e  director  zelosíssimo  e  digníssi- 
mo do  jardim  botânico  da  Universidade, 
etc.  etc. 

Jules  Daveau,  S.  S.  G.  e  jardineiro  em 
chefe  do  jardim  botânico  da  escola  polyte- 
chnica  de  Lisboa. 

Secção  de  elhnographia 

Chefe— Luiz  Feliciano  Marrecas  Ferreira, 
S.  S.  G.,  capitão  de  engenheiros  e  professor 
da  escola  do  exercito. 


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2219 


o  seu  Relatório  de  Ethnographia  deu- lhe  \ 
um  trabalho  insano,  mas  tem  muito  mera-  j 
cimento  e  é  uma  fonte  indispensável  para  i 
todos  quantos  de  futuro  se  proponham  fal- 
lar  da  serra  da  Estrella.  | 

Antonio  Lopes  Mendes,  S.  S.  G..  distincto  j 
escriptor  publico  e  paisagista,  agrónomo, 
etc. 

V.  Villa  Real  de  Tras  os  Montes,  tomo  il.» 
pag.  1031,  col.  2  *  in  fine  e  segg.,  e  o  tópico 
supra,  onde  descrevemos  a  nossa  memorá- 
vel ascenção  ao  Cântaro  Gordo. 

Secção  de  chimica 

Chefe  —  Carl  von  Bonhorst,  S.  S.  G.,  as- 
sistente do  professor  no  laboratório  do  ins- 
tituto industrial  e  commercial  de  Lisboa. 

Antonio  Eugénio  de  Carvalho  da  Silva 
Pinto,  S.  S.  G.,  1.»  tenente  d'arlilheria  e  ins- 
tructor  dos  trabalhos  chimicos  na  escola  do 
exercito. 

Secção  de  geologia 

Chefe— João  Eduardo  Albers,  S.  S.  G., 
engenheiro,  inspector  de  minas. 

Alfredo  Augusto  de  Moraes  Carvalho,  con- 
ductor  de  micas,  muito  modesto,  muito  il- 
lustrado  e  excellente  pessoa. 

Sendo  fidalgo  distincto,  nós  o  vimos  tra- 
balhar como  um  jornaleiro  ou  cavouqueiro, 
na  sua  secção. 

V.  Vimioso,  tomo  il.»  pag.  1483,  col.  2.» 

Secção  de  hydrographia 

Chefe — José  Emilio  de  Sant'Anna  Castel- 
lo Branco,  S.  S.  G.,  capitão  d'engenheiros  e 
professor  da  escola  do  exercito. 

Pedro  Romano  Folquè,  S.  S.  G.  e  capitão 
d*eDgenheiros  também. 

Subsecção 
Levantamento  e  sondagem  das  lagoas 

Chefe—Francisco  da  Silva  Ribeiro,  major 
d'engenharia  e  director  das  obras  publicas 
no  districto  da  Guarda. 

Foi  quem  dirigiu  as  obras  do  acampa- 
mento e  é  irmão  do  sr.  dr.  e  commendador 


Abel  da  Silva  Ribeiro,  também  muito  illus- 
Irado.i 

Luiz  Feliciano  Marrecas  Ferreira,  men- 
cionado suprãj  como  chefe  da  secção  de 
Etnographia. 

Norberto  Amâncio  d'Almeida  Campos, 
tenente  dMnfanteria,  servindo  na  direcção 
das  obras  publicas  da  Guarda^  cavalheiro 
muito  tratavel  e  muito  illustrado. 

Foi  quem  presidiu  ás  obras  do  acampa- 
mento. 

Secção  de  medicina 

Chefe  —  Dr.  José  Thomaz  de  Sousa  Mar- 
tins, S.  S.  G.,  professor  da  escola  medico- 
cirurgica  de  Lisboa,  medico  do  paço  dos 
nossos  reis  e  um  dos  primeiros  clínicos  da 
capital,  etc. 

A  elle  se  deve  em  grande  parte  a  Expedi' 
ção  e  os  Sanatórios,  de  que  adiante  fallare- 
mos2 

Dr.  Jacinlho  Augusto  Medina,  S.  S.  G., 
e  medico  do  hospital  de  marinha  em  Lis- 
boa. 

Dr.  José  Antonio  Serrano,  S.  S.  G.  e  pro- 
fessor da  escola  medico-cirurgica  de  Lis- 
boa. 

Subsecção  de  hydrologia  minero -medicinal 
Chefe— Dr.  Leonardo  Moreira  Leão  da 


»  V.  Pinheiro  da  Bemposta,  vol.  7.°  pág. 
55,  e  Villa  Nova  de  Mil  Fontes,  tomo  li.» 
pag.  858,  col.  1."  e  segg. 

2  Em  Lisboa  é  um  gentleman  e  vive  es- 
plendidamente;~na  serra  parecia  um  ser- 
rano—cora sapatos  grossos  ferrados,  cami- 
sola grosseira  de  lã,  e  na  cabeça  uma  cara- 
puça de  lã  groseira  também,  mas  apenas 
constou  que  ali  se  achava  tão  afamado  cli- 
nico,—voaram  a  consultal  o  centos  de  doen- 
tes pobres  e  ricos,  alguns  de  pontos  muito 
distantes.  A  todos  attendia  e  tratava  gratui- 
tamente—e aos  pobres  também  gratuitamente 
lhes  dava  remédios  da  bem  provida  ambu- 
lância da  Expedição. 

Durante  os  15  dias  que  passou  na  serra, 
foi  a  providencia  dos  serranos  todos.  Tarde 
ou  nunca  serão,  como  foram,  tratados  por 
clinico  tão  distincto! . . . 


2220 


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Costa  Torres,  S.  S.  G.,  medico  e  eapita- 
lista.i 

Dr.  Jacinto  Augusto  Medina,  mencionado 
supra. 

Subsecção  de  ophtalmologia 

Chefe  ~  Dr.  Francisco  Lourenço  da  Fon- 
seca Júnior,  S.  S.  G.  e  medico-oculista. 

Alvaro  da  Fonseca,  alumno  do  4."  anno 
da  escola  medico-eirurgica  de  Lisboa. 

Secção  oe  meteorologia 

Chefe— Augusto  Carlos  da  Silva,  1.»  te- 
nente da  armada  real  e  observador  do  obser- 
vatório meteorológico  do  infante  D.  Luiz. 

Hermenegildo  Carlos  de  Brito  Capello, 
S.  S.  G.,  eapitão-tenente  da  armada  real,  ex- 
plorador geographico,  ete. 

Dr.  Jacintho  Augusto  Medina,  menciona- 
do supra. 

Secção  de  photographia 

Chefe— Frederico  Augusto  Torres,  S.  S.  G. 
e  major  de  cavallaria. 

Era  uma  excellente  pessoa  e  talvez  o 
mais  velho  de  todos  os  expedicionários.^ 


1  Foi  o  nosso  salvador  na  memorável  as- 
cenção  ao  Cântaro  Gordo,  como  já  dissemos 
supra. 

Analysou  as  aguas  thermaes  de  Mantei- 
gas e  de  Unhaes  da  Serra.  Tendo  boa  for- 
tuna, elle  próprio,  para  mais  eonflança,  ia 
colher  a  agua  e  a  levava  para  o  laboratório, 
como  se  fosse  um  jornaleirol . . .  — E  para  se 
esquivar  a  consultas,  que  lhe  roubavam  tem- 
po de  que  não  podia  dispor,  dizia  aos  doen- 
tes: 

—  «Vão  consultar  o  meu  amo. . . » — dan- 
do a  entender  que  era  um  simples  criado 
do  sr.  dr.  Medina. 

Trabalhou  muito  e  eu  o  vi  alagado  em 
suor. 

2  Uma  anecdota:— Levoa  para  o  acampa- 
mento talher  de  prata  e  louça  da  Índia  (?) 
mas  um  dia  no  refeitório  caíram  ao  chão 
algumas  das  dietas  peças  de  louça  e  fizeram- 
se  em  eacosl . .  • 


Alberto  Julio  de  Brito  e  Cunha,  S.  S.  G. 
e  segando  tenente  d'artilheria. 

Gostava  de  banhar-se  e  nadar;— banhou- 
se  e  nadou  na  lagoa  do  Paxão  e  na  lagoa 
Escura,  mas  n'esta  ultima  ia  morrendo  afo- 
gado, como  já  dissemos, 

Norberto  Amâncio  d'Almeida  Campos, 
mencionado  supra. 

Secção  de  Zoologia 

Chefe— Dr.  Francisco  Mattoso  dos  Santos, 
S.  S.  G.  e  professor  da  escola  polytechnica 
de  Lisboa. 

Secção  de  Zootechnica 

Chefe—José  Anastácio  Monteiro,  S.  S.  G. 
6  intendente  de  pecuária  no  districto  dá 
Guarda. 

SECÇÕES  AUXILIARESi 

Topographia 

Chefe — Antonio  Xavier  d'Almeida  Pinhei- 
ro, S.  S.  G.  e  engenheiro  civil. 

Augusto  Cesar  Paes  de  Faria,  engenheiro, 
chefe  de  serviço. 

Luiz  da  Silva  Mousinho  d' Albuquerque, 
engenheiro. 

Bartholomeu  Valladas,  conductor,  chefe  de 
j  secção. 

Barnabé  da  Costa  Roxo,  idem. 

Carlos  Agostinho  da  Costa,  idem. 

Antonio  Henriques  d'Almeida  Castello 
Branco^  conductor. 

Antonio  Maria  Beltrão,  idem. 

Antonio  Marques  da  Silva,  idem. 

Eduardo  Frederico  de  Mello  Garrido, 
idem. 

Francisco  Sabino  da  Costa,  idem. 


1  Incumbidas  oflQeialmente  de  fazer  o  le- 
vantamento topographieo  e  construir  os 
abarracamenlos,  em  virtude  do  pedido  que 
ao  ministério  das  obras  publicas  fez  a  So- 

'  ciednde  de  Geographia  de  Lisboa,  promotora 

'  da  Expedição. 


ZEZ, 

Acampamento 

Chefe— Fraociseo  da  Silva  Ribeiro,  men- 
cionado supra. 
Norberto  Amâncio  d'Almeida  Campos^ 

idem. 

André  de  Moura,  apontador  de  i.»  classe. 
Commissão  administrativa  da  Expedição 

Presidentes— UermenegMo  Carlos  de  Bri- 
to Capello  e 

Dr.  José  Thomaz  de  Sousa  Martins,  men- 
cionado supra. 

Secretario  —  Rodrigo  Affonso  Pequito, 
S.  S.  G.  e  proft^ssor  do  instituto  industrial  e 
commercial  de  Lisboa. 

Thezoureiro—Eáasiráo  Coelho,  S.  S.  G. 
fundador,  redactor  e  proprietário  do  Diário 
de  Noticias. 

Se  bem  me  recordo,  falleeeu  em  1888, 
deixando  boa  fortuna,  ganhada  com  o  dicto 
jornal,  pois  era  e  é  talvez  o  mais  lido  e  mais 
rendoso  que  tem  tido  Portugal  até  hoje,  ape- 
sar de  ser  um  jornal  de  10  réis  de  preço, 
cada  numero. 

Eduardo  Coelho  era  um  moço  muito  tra- 
ctavel  e  muito  sympalhico,  filho  de  Coimbra 
e,  quando  montou  o  jornal,  era  um  simples 
typographo. 

Vogaes — Emilio  Henrique  Xavier  Noguei- 
ra, S.  S.  G.,  capitão  de  infanteria  e  profes- 
sor do  real  collegio  militar,—  José  Estevam 
de  Moraes  Sarmento,  S.  S.  G.,  capitão  de 
infanteria  e  promotor  de  justiça  nos  tribu- 
naes  militares, —  Luiz  Feliciano  Marrecas 
Ferreira,  mencionado  supra,  —  e  Manoel 
Francisco  d'01iveira  Feijão,  S.  S.  G.  e  giiar- 
da-livros. 

Commissão  auxiliar  da  cidade  da  Guarda 

Presidente  —  Francisco  Antonio  Patrício, 
S.  S.  G.,  negociante  e  vogal  da  junta  geral 
do  districto  da  Guarda. 

Secretario  —  Fernando  Pereira  Mousinho 
d' Albuquerque,  S.  S.  G.  e  capitão  d'enge- 
nheiros. 

Vogaes  — Uemique  Pereira  Pinto  Bravo, 

VOLDMB  XI 


ZEZ  2221 

engenheiro,— lo&quim  Geraldes  dos  Santos, 
funccionario  publico,  —  José  Abrantes  Mar- 
tins da  Cunha,  filho  de  Manteigas,  redactor 
do  jornal  Districto  da  Guarda,  —  José  Au- 
gusto Barbosa  Golen,  S.  S.  G.,  jornalista  e 
procurador  á  junta  geral  do  districto  da 
Guarda,— Manoel  Emigdio  da  Silva,  S.  S.  G. 
;  e  professor  no  lyceu  da  Guarda,  —  Manoel 
Lopes  de  Sousa,  proprietário, —  e  Norberto 
Amâncio  d'Almeida  Campos,  mencionado 
supra. 

Pessoal  auxiliar 

Francisco  de  Paula  dos  Santos  Rodrigues, 
apontador  de  1.'  classe  e  amanuense  da  so- 
ciedade de  geographia,-r-Jayme  Adelino  Go- 
mes da  Silva,  ajudante  dos  observadores 
no  observatório  meteorológico  do  infante 
D.  Luiz,— José  Manoel  Morgado,  empregado 
no  museu  anatómico  da  escola  raedico-ci- 
rurgiea  de  Lisboa,— Miguel  Sertório,  prati- 
cante no  laboratório  do  instiluto  industrial 
e  coínmercial  de  Lisboa, — 3  José  Maria  de 
Lima  e  Lemos,  empregado  no  museu  zooló- 
gico da  escola  poiytechnica  de  Lisboa. 

E'te  sr.  Lima  e  Lemos,  apesar  de  ser  co- 
xo, fqi  um  dos  que  mais  tríbalhou. 

Era  caçador  de  borboletas,  insectos  e  re- 
ptis; deixava  o  acampamento  de  madrugada 
e  recolhia  ao  fim  da  larde,  com  o  seu  guia 
e  as  suas  grandes  carteiras,  quasi  sempre 
cheias. 

Tem  caçado  e  criado  milhares  de  borbo- 
letas, pois  quando  encontra  alguma  de  mais 
merecimento,  guarda-a  para  criação  e  pro- 
pagação. Tem  dadoe  vendido  collecções  va- 
liosas e  em  muitos  dos  grandes  museus  pú- 
blicos e  particulares  da  Europa  e  da  Ame- 
rica se  vêem  borboletas  caçadas  por  elle.  No 
Porto  existe  uma  soberba  colleeção  de  bor- 
boletas, insectos  e  beija-flores,  que  elle  ca- 
çou e  organisou.  Vale  contos  de  réis  e  per- 
tence ao  sr.  José  Teixeira  da  Silva  Braga 
Júnior,  grande  capitalista  e  viee-eonsal  bra- 
zileiro. 

O  sr.  Lima  e  Lemos  é  natural  da  fregue- 
zia  à'Alcofra,  concelho  e  comarca  de  Vou- 
zella;  foi  muito  novo  para  o  Brazil  e,  depois 
de  vários  accidentes  de  fortuna,  conseguiu 
empregar-se  nos  jardins  dÒ  palácio  ímpe- 

140 


2222 


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rial  do  Rio  de  Janeiro^  como  guarda  de  um 
chalet.  Veodo  revoar  em  volta  d'elle  gran- 
de quantidade  de  borboletas  lindíssimas, 
tractou  de  as  caçar  e  coUeccionar  e  com  el- 
las  brindava  os  visitantes  nacíonaes  e  es- 
trangeiros, recebendo  pingues  gratificações, 
pelo  que  mais  se  apaixonou  pelas  borbole- 
tas; Dão  podendo  porém  estar  ao  mesmo 
tempo  no  chalet,  como  guarda,  e  nos  vastos 
jardins  caçando,  os  companheiros  invejosos 
accusaram-no  de  faltas.  Valeram-Ihe  as 
próprias  borboletas,  pois  indo  ao  chalet  o 
imperador  e  vendo  tantas  e  tão  lindas 
collecções  de  insectos,  borboletas  e  bei- 
ja-flores,  ordenou  lhe  que  organisasse  uma 
collecção  para  o  palácio  imperial. 

O  homem  cumpriu.  O  imperador  ficou 
muito  satisfeito  e  deu-lhe  ampla  liberdade 
para  proseguir  na  caça  das  borboletas,  in- 
sectos e  beija-flores,  e  com  as  muitas  collec- 
ções que  organisou,  deu  e  vendeu,  arran- 
jou certo  pecúlio.  Tentado  pelo  amor  da  pá- 
tria, pois  ó  uma  excellenle  pessoa,  veiu  a 
Portugal  e  passado  algum  tempo  dispunha- 
se  a  voltar  para  o  Brazíl,  mas  a  sr.*  duqueza 
de  Palmella  empregou-o  no  muzeu  zoológi- 
co e  ali  se  conserva  ainda. 

É  talvez  o  mais  distíncto  caçador  e  collec- 
cionador  de  borboletas  que  Portugal  tem 
tido  até  hoje. 

Pessoal  menor 

Trabalhadores  do  jardim  botânico  da  es- 
cola polytechnica  de  Lisboa,  2;  trabalhado- 
res do  jardim  botânico  da  Universidade  de 
Coimbra^  3;  cosinbeiros,  l;^  homens  das  lo- 
calidades próximas  da  serra:— carpinteiros, 
pedreiros,  guias,  caçadores,  pescadores,  cor- 


1  Foi  de  Lisboa  e  ganhava  1^500  réis  por 
dia.  Cosinhãva  muito  bem,  mas  estava 
alheiado  na  serra  e,  apesar  de  ter  muitos 
ajudantes,  suou  para  dar  de  comer  a  tanta 
gente  e  a  horas  diíferentes,  desde  a  madru- 
gada até  alta  noite.  Devia  estranhar  mui- 
to os  discommodcs  da  rude  cosinha,  a  falta 
de  louça  e  d'outros  aprestos. 


reios,  ajudantes  de  cosinha,  cortador  e  tra- 
balhadores—38. 

Serviço  de  policia 

1  cabo,  1  corneteiro  e  6  scldados  de  in- 
fanteria  n.»  12. 


Do  exposto  se  vê  que  o  pessoal  da  Expe- 
dição era  muito  numeroso  e  que  ella,  como 
já  dissemos,  custaria  10  vezes  mais,  se  o  seu 
alto  e  muito  illu^trado  pessoal,  em  vez  de 
ser,  como  foi,  todo  gratuito,  fose  todo  remu- 
nerado. Estamos  até  convencidos  de  que  al- 
guns dos  expedicionários  por  preço  nenhum 
iriam,  como  foram,  passar  dentro  da  grande 
serra  15  dias  com  menos  commodos  do  que 
teem  ordinariamente  os  seus  criados. 

O  governo  mandou  preparar  o  acampa- 
mento pelo  director  das  obras  publicas  da 
Guarda  e  nunca  se  viram  tantos  commodos 
n'aquella  regiãc^  Os  próprios  expedicioná- 
rios ficaram  absortos. 

O  acampamento  comprehendia  as  edifica- 
ções seguintes: 

1.  " — Uma  barraca  para*  pessoal  superior. 
Era  a  maior  e  mais  luxuosa,  e  tinha  capa- 
cidade bastante  para  refeitório  e  dormitório 
de  60  a  70  pessoas. 

2.  *— Barraca  para  o  pessoal  inferior. 

3.  *— Barraca  para  a  cosinha. 

4.  *— Barraca  para  cavaliariças. 

5.  «— Barraca  para  deposito  de  palha  e 
feno. 

6.  »— Barraca  para  o  observatório  meteo- 
rológico. 

7.  "— Barraca  para  a  commissão  adminis- 
trativa. 


^  Braz  Garcia  de  Mascarenhas  no  seu  poe- 
ma Viriato  Trágico  descreveu  festas  pom- 
posíssimas—cavalhadas,  torneios,  jogos  de 
canas  e  de  gladiadores,  regatas,  etc.  etc.  da- 
dos por  Viriato,  o  grande,  na  serra  da  Es- 
trella, em  um  amplo  e  magestoso  circo  e  nas 
lagoas,  mas  tudo  aquillo  é  phantastico. 

V.  sp.  cit.,  canto  xi  liv.  2.»  pag.  37-70. 


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8.  »--Barraca  para  o  pessoal  das  obras  pu- 
blicas. 

9.  »— Barraca  para  a  secção  do  acampa* 
mento. 

10.  *— Barraca  para  a  secção  de  chimíca. 
1 1  — Barraca  para  a  secção  de  medicina. 

12.  * — Barraca  para  a  secção  de  botânica. 

13.  »— Barraca  para  a  secção  de  zoologia. 

14.  "— Barraca  para  matadouro. 

15.  * — Barraca  para  dispensa. 
16  * — Barraca  para  capoeira. 
17.'— Barraca  para  latrinas. 

Todas  estas  edificações  formavam  um  po- 
voado de  certa  imponência  e  satisfizeram  ao 
seu  fim,  mas  não  podiam  ser  mais  singelas, 
nem  mais  económicas. 

Exceptuando  a  cosinha,  cujas  paredes 
eram  de  pedra  tosca,  todas  as  outras  edifi- 
cações eram  de  pinheiro  verde,  cortado  e 
serrado  dias  antes,  e  cobertas  de  lona.i  Ape- 
nas a  barraca  do  pessoal  superior  era  tam- 
bém interiormente  forrada  de  brim. 

Eis  a  nota  oificial  da  importância  do 
acampamento: 


Compra  de  lona  e  brim   310^040 

Compra  de  madeiras   202i2800 

Conducção   312iíllO 

Ferragens,  cordas,  pregos,  etc.  61^040 

Construcção   87^600 

Desmancho   18^1290 

Indemnisação  do  terreno  para 

um  caminho —   4^500 

Ajudas  de  custo  aos  emprega- 
dos  35^640 

Total   1:032^020 


Custou  mais  a  conducção  da  madeira  do 
que  a  própria  madeira,  pois  foi  cortada  na 
freguezia  de  Famalicão,  concelho  da  Guarda, 


1  Como  lembrança  dos  dias  que  ali  passei 
e  de  que  ainda  me  recordo  e  recordarei 
sempre  com  saudade,  conservo  um  fra- 
gmento da  lona  e  outro  da  madeira  das  bar- 
racas,— outro  do  zimbro  da  serra  e  algumas 
bagas  d'elle, — o  chocalho  da  ovelha  comida 
pelos  lobos  e  3  grandes  pennas  4'aguia. 


e  na  de  Santa  Marinha,  concelho  de  Ceiai 
depois  conduzida  em  carros  a  muito  custo 
até  ás  faldas  da  serra — e  d'ali  até  o  acam- 
pamento  (cerca  de  10  kilometros)  em  ca- 
valgaduras e  ás  costas  de  jornaleiros. 


As  camas  do  pessoal  superior  eram  ma- 
cas de  navios  de  guerra,  emprestadas  pelo 
governo;  os  lavatórios  eram  alguidares  ou 
tigelões  de  barro  grosseiro,  espalhados  pelo 
chão,  ao  longo  da  grande  barraca;  a  louça 
era  também  toda  barata  e  grosseira;  a  mesa 
do  refeitório  era  de  pinho  verde  e  tosco.  Ar- 
mava-se  a  meio  da  grande  barraca,  a  todo 
o  comprimento  d'ella;  depois  da  refeição  le- 
vantava-se  e  o  dicto  vão  ficava  servindo  de 
corredor  ou  coxia.  Total— uma  pobreza 
franciscana,  relativamente  aos  comraodos 
habituaes  dos  expedicionários,  mas  um  faus- 
to deslumbrante  no  meio  da  grande  serra, 
pelo  que  em  volta  do  acampamento  estava 
sempre  um  arraial  de  pessoas  das  circum- 
visinhanças,  que  da  Guarda,  Manteigas,  Ceia, 
Gouveia,  Pinhel,  Covilhã,  ete.  iam  ver  e 
admirar  tudo  aquillo,  ficando  estupefactos 
08  pobres  serranos.^ 

Até  um  dia  ali  appareceu  uma  familia 
completa,  da  freguezia  de  S.  Romão  de  Ceia, 
em  um  carro  toldado  e  tirado  por  bois,  com 
assombro  dos  montanhezes  todos,  pois  não 
havia  memoria  de  ler  ido  até  ali  outro  car- 
ro. A  serra  toda  é  crusada  por  diíTerentes 
veredas  e  atalhos,  muito  frequentados  no 
verão,  mas  somente  por  pedestres  e,  quando 
muito,  por  cavalleiros. 

O  dieto  carro  pertencia  a  um  grande  pro- 
prietário de  S.  Romão,  homem  muito  nutri- 
do, que  foi  montado  em  um  valente  macho 


1  Também  junto  do  acampamento  os  po- 
bres serranos  formaram  durante  a  Expedi' 
ção  um  mercado,  onde  vendiam  boa  fructa 
e  excellente  vinho  de  mesa,  de  Famalicão^ 
ovos,  leite,  patos,  perus,  queijo,  gallinhas, 
pão,  etc. 


2224  ZEZ 

— eno  carro  levou  Ioda  a  familia: — senho- 
ras, meninos  e  criadas. 


Outra  visita  memorável  foi  a  de  um  Jo- 
ven  bacharel  da  Covilhã. 

Tendo  de  ir  para  Porto  de  Mós,  como  de- 
legado do  procurador  régio,  não  se  atreveu 
a  partir  sem  ir  visitar  o  acampamento.  Para 
fugir  ao  sol,  que  era  muito  ardente,  saiu  da 
Covilhã  ao  declinar  da  tarde,  fazendo  cami- 
nho pela  serra,  acompanhado  por  dois  mo- 
ços seus  visinhos,  que  tocavam  muito  bem 
guitarra  e  viola  franceza  e,para  obsequiarem 
a  Expedição,  levaram  os  seus  instrumentos; 
surprehendeu-os  porem  dentro  da  montanha 
uma  grande  trovoada.  Tiveram  de  passar  a 
noite  debaixo  de  uns  penedos,  encharcados 
d'agua  e  embalados  pelo  ribombar  dos  tro- 
vões,— e  só  chegaram  ao  acampamento  na 
manhã  do  dia  seguinte.  A  Expedição  rece- 
beu-os  com  alvoroço  e  á  noite  houve  chá, 
musica  e  dança,  na  barraca  da  direcção. 

Foi  uma  noite  excepcional  e  muito  diver- 
tida, mas  não  menos  excepcional  nem  me- 
nos divertida  foi  a  noite  antecedente, — a 
noite  da 

Grande  trovoada 

As  coisas  passaram-se  assim: 

A  Expedição  estava  aneiosa  por  ver  n'a- 
quella  altitude  uma  boa  trovoada.^  Eis  que 
logo  de  manhã  se  ouviram  alguns  trovões 
longínquos  e  cairara  algumas  leves  gotas 
d'agua.  Conservou-se  turva  a  alhmosphera 
todo  o  dia,  mas  sem  chover  nem  trovejar. 
Ad  cautellam  os  expedicionários  não  sai- 
j-am  do  acampamento;  jantaram  e  ao  fim  da 
tarde,  vendo  a  distancia  uma  grande  carga 
de  electricidade  fuzilando  a  N.O.,  sobre  o 


*  A  barraca  maior  do  acampamento  esta- 
va na  altitude  de  1838  metros— e  o  observa- 
tório na  de  18S0  metros  sobre  o  nivel  do 
mar.  A  Torre  (pyramide)  da  Estrella,  ponto 
culminante  da  serra,  tem  a  cota  de  1:991 
metros. 


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!  Alva,  foram  lodos  n'aquelle  rumo  ver  o  es- 
pectáculo. 

E  era  realmente  interessante,  porque  a 
massa  eléctrica  estava  em  altitude  um  pouco 
inferior  á  linha  que  nós  occupavamos — e  as 
faiseas  partiam  do  centro  da  dieta  massa  em 
differentes  direcções: — umas  para  cima,  ou- 
tras para  baixo  e  outras  para  os  lados.  De 
repente  soprou  uma  aragem  forte,  caíram 
algumas  gotas  d'agua  e  todos  nós  reco- 
lhemos ao  acampamento,  procurando  abri- 
go- 

O  vento  e  a  chuva  augmentaram;  afinou 
a  trovoada; — a  breve  trecho  estava  a  prumo 
sobre  nós  —  e  assim  se  conservou  até  ás  4 
horas  da  manhã?!. . . 

Conservámo-nos  muito  tempo  a  pé,  rindo 
e  palestrando  ao  som  da  estranha  musica, 
mas,  como  ella  não  terminava,  fomo  nos 
deitando. 

O  vendaval  sacudia  fortemente  as  barra- 
cas todas  e  ainda  lançou  por  terra  uma — a 
do  sr.  dr.  Julio  Henriques,  director  do  jar- 
dim botânico  de  Coimbra;  não  causou  po- 
rem felizmente  desgraças  nem  prejuízos, 
posto  que  os  ribombos  estalavam  junto  do 
tecto  da  barraca  onde  dormíamos, —  ou  an- 
tes— onde  estávamos  deitados,  pois  não  era 
possível  dormir  com  tal  musica  e  chovia  em 
quasi  todas  as  camas,  pelo  que  os  expedi- 
cionários, já  deitados,  tiveram  de  sentar-se 
nas  macas  e  de  abrir  os  guarda  chuvas  para 
se  abrigarem  com  elles. 

O  espectáculo  era  interessantíssimo  e  foi 
acompanhado  de  gargalhadas  homéricas,, 
pelo  que  só  de  madrugada  podemos  conci- 
liar o  somno. 

Deus  fez-nos  a  vontade,  mandando  para 
o  acampamento  uma  trovoada  medonha! 
Não  nos  assustou  muito,  por  estarmos— só 
na  dieta  barraca-— talvez  mais  de  40  homens 
e  quasi  todos  muito  illustrados,  mas  se  lá 
estivessem  senhoras  não  faltariam  cheli' 
quesl . . . 

Eu  gosto  de  ver  as  trovoadas,  as  faíscas 
eléctricas  e  o  clarão  dos  relâmpagos  ao  som 
do  ribombar  dos  trovões,  mas  não  gosto  de 
as  ver  a  prumo  sobre  mim,  como  aquella— 
e  Deus  me  livrára  de  estar  então  só  no 
acampamento,  ou  no  meio  da  montanha,. 


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ZEZ  2225 


debaixo  doa  fragõea,  onde  perooitaram  e  a 
saborearam  os  hospedes  da  Covilhã. 

Muito  mais  poderíamos  dizer  da  serra  da 
Estrella  e  da  £^a;j)ííííção  de  1881,  mas  sat 
prata  biberunt! ... 

Quem  preteoder  mais  amplas  Dolicias 
coDsalte  os  mappas  da  commissão  geodésica, 
03  relatórios  da  Expedição  e  o  livro  do  sr. 
Navarro— Qwa/ro  dias  na  serrada  Estrella. 

Também  é  muito  digno  de  ler-se  o  Viriato 
Trágico  da  Mascarenhas,  nomeadamente  o 
canto  XI,  onde  se  encontram  os  mais  for- 
mosos versos  que  até  hoje  se  dedicaram  á 
serra  da  Estrella. 

OS  SANATÓRIOS  E  O  CLUB  HERMÍNIO 

Vamos  fechar  este  longo  artigo,  indican- 
do uma  das  maiores  vantagens  que  o  nosso 
paiz  e  a  humanidade  enferma  tiraram  da 
Expedição  de  1881  com  a  instituição  dos 
sanatórios  e  do  Club  Herminio. 

Bem  quizera  dar  desenvolvimento  a  este 
tópico,  mas  fica  simplesmente  indicado  e 
muito  ligeiramente  esboçado,  porque  a  des- 
peito de  todos  03  meus  esforços  não  me  foi 
possível  obter  uma  sô  linha  das  pessoas  a 
quem  reiteradas  vezes  me  dirigi  e  muito 
instantemente  aa  pedi, — sendo  aliás  as  pes- 
soas mais  competentes  e  mais  interessadas 
no  assumpto. 

Depois  talvez  se  queixem  das  omissões  e 
dos  lapsos,  mas— Sifcí  imputentl. . . 

Os  leitores  mal  imaginam  as  ái£Qculdâdes 
€om  que  luctamos  para  obter  por  vezes 
apontamentos  bem  simples. 

Como  todas  as  nossas  chorographias  até 
hoje  eram  muito  superâciaes  e  muito  cegas 
—  e  nós  não  adivinhamos,  —  tenho  escripto 
centos  e  centos  de  cartas,  pedindo  informa- 
ções aos  parochos,  meus  collegas,  e  a  outros 
cavalheiros  e  pessoas  das  diversas  localida- 
des. Muitos  responderam,  pelo  que  ma>s 
uma  vez  lhes  beijo  as  mãos  agradecido,  mas 
não  poucos  ficaram  mudos,  taes  foram  com 
relação  a  este  arligo  Zêzere  os  priores  de 
S.  Pedro  da  Covilhã,  Alvaro,  Pedrogam Gran- 
de e  Pampilhosa;  valeram-nos  porem  e  mui- 
to nos  penhoraram  os  nossos  muito  rev. 
collegas:— Joaquim  Pereira  Monteiro,  prior 


de  S.  Pedro  de  Manteigas,  —  José  Augusto 
Mendes,  prior  de  Belmonte,  —  Manoel  Dias 
Barata,  prior  de  Janeiro  de  Baixo,  Diogo 
Pereira  Baeta  Vaseoncellos,  prior  de  Figuei- 
ró dos  Vinhos,  —  Francisco  José  Pereira, 
prior  de  Dornes, — e  o  sr.  dr.  João  Francisco 
Pires,  prior  de  Paio  Pelle,  hoje  Praia,— 
bem  como  os  muito  reverendos  srs.  José 
Abrantes  Martins  da  Cunha,  de  Manteigas,  e 
Antonio  José  da  Silva  Serra,  de  Sernache  do 
Bom  Jardim. 

Muito  me  penhoraram  também  com  apon- 
tamentos relativos  ao  Zêzere,  suas  barcas, 
póços  e  pontes,  o  sr.  João  Gadanho  Serra,  il- 
lustrado  filho  de  Abrantes,  hoje  director  das 
obras  publicas  no  distrieto  de  Beja,  então 
director  das  obras  publicas  no  distrieto  de 
Castello  Branco,  —  e  o  sr.  dr.  Giraldo  Joa- 
quim Maria  da  Costa,  nosso,  velho  amigo  e 
cyreneu,  medico  no  Sardoal. 

Os  leitores  não  se  espantem 
por  haver  batido  a  tantas  por- 
tas. Tudo  foi  necessário  e  não 
bastou,  pois  ninguém  conhece 
o  Zêzere  lodo  desde  os  canta- 
ros  até  Constança— e  os  colle- 
gas e  cavalheiros  a  quem  me 
dirigi,  sendo  todos  visinhos 
d'elle,  apenas  poderam  infor- 
mar com  relação  ás  secções 
ou  espaço  que  conheciam.^ 

Prosigamos. 


í  Tudo  foi  necessário  e  nào  bastou,  pois 
muito  contra  a  minha  vontade  ficaram  bas- 
tante incompletas  as  listas  âos póços, penhas- 
cos, barcas  e  pontes  do  Zêzere. 

A'  ultima  hora  soube  que  alem  das  pon- 
tes mencionadas  supra,  tem  o  Zêzere  mais 
duas,  formadas  por  simples  troncos  d^arvo- 
res!  Demoram  nas  proximidades  do  Samei- 
ro  e  Val  de  Moreira  e  por  ellas,  embora 
com  grande  risco,  passam  os  pastores  com 
os  seus  cães  e  rebanhos  de  cabras,  carnei- 
ros e  ovelhas. 

Também  soube  que  a  antiga  ponte  de  pe- 
dra de  Valhelhas  lera  4  arcos  e  que  o  seu 
taboleiro  foi  alargado  para  passagem  da  es- 
trada nova  de  Manteigas  á  Covilhã,  Belmon- 
te e  Guarda,  e  v.  v. 


2226  ZEZ 


ZEZ 


o  sr.  dr.  Sousa  Martins,  depois  das  obser- 
vações e  dos  estudos  feitos  por  elle  próprio 
na  serra  da  Estrella  durante  os  15  dias  que 
lá  se  demorou  com  a  Expedição,  mais  se 
convenceu  de  que  a  dieta  serra  se  prestava 
muito  bem  para  o  tratamento  da  tyzica  pela 
rarefacção  do  ar  nas  grandes  altitudes  e  que 
n'este  ponto  a  Estrella  rivalisava  com  as 
montanhas  dos  Alpes  e  da  Suissa. 

Reforçaram  também  depois  a  sua  convic- 
ção as  observações  feitas  pelo  sr.  Augusto  de 
Brito  Capello,*  no  observatório  meteorológi- 
co montado  na  serra  pelo  nosso  governo  em 
princípios  de  1882,  junto  do  Córgo  das  Mós, 
no  sitio  do  Poio  Negro^  a  O.N.O.  e  não  longe 
de  Manteigas,  na  altitude  de  1500  metros — 
aproximadamente,^— peio  que  osr.  dr.  Sou- 
sa Martins  afoitamente  aconselhou  o  sr.  Al- 
fredo Cesar  Henriques,  moço  de  fortuna,  re- 
zidente  em  Lisboa  e  muito  doente  dos  pul- 
mões, para  ir  passar  algum  tempo  na  serra 
da  Estrella. 

O  moço,  tendo  viajado  muito  e  consultado 
grandes  summidades  medicas  sem  esperan- 
ças  de  se  restabelecer;  tendo  estado  inclusi- 
vamente na  ilha  da  Madeira,  annuiu  e  mar- 
chou para  a  serra  da  Estrella  em  julho  de 
1882.  Hospedou  se  algum  tempo  no  obser- 
vatório, por  não  haver  ali  então  outra  casa, 
mas,  como  dispunha  de  meios  e  era  bastan- 
te illustrado,  fez  rapidamente  um  chalet  na 
altitude  de  UU  metros,  um  pouco  a  jusan- 
te do  observatório,  transformando  certos  pe- 
nedos em  casa  de  habitação,  casa  tosca  e 
singela,  mas  lindíssima,  onde  ficou  vivendo 
e  tem  vivido  até  hoje  (novembro  de  1889)  — 
muito  satisfeito,  porque  se  restabeleceu  com  • 
pletamenta  e  gosa  perfeita  saúde.  Affeiçoou- 


1  Este  sr.  A  Brito  Capello  é  irmão  do  sr- 
Hermenegildo  Carlos  de  Brito  Capello,  men- 
cionado supra,  e  que  foi  o  prezidente  da  Ex- 
pedição scientifica. 

2  Ignoramos  a  sua  cota.  A  do  Córgo  das 
Mós,  um  pouco  mais  alta,  é  de  1547  metros 
— e  a  da  casa  de  Cesar  Henriques,  um  pou- 
co mais  baixa,  é  de  1441. 


se  á  grande  serra  e  n'ella  se  entretém  ca- 
çando, passeando,  photographando  e  animan- 
do os  outros  doentes  que  hoje  ali  se  acham, 
pois  é  muito  tratavel,  bastante  illustrado  e 
um  distincto  photographo  amador. 

No  livro  do  sr.  Navarro  podem  ver-se 
muitas  photographias  dos  pontos  mais  notá- 
veis da  serra  da  Estrella,  tiradas  pelo  sr. 
Alfredo  Cesar  Henriques,  avultando  entre 
ellas  o  observatório,  as  lagoas  Escura  e  do 
Faxão,  08  cântaros  Gordo  e  Magro  ~e  o  seu 
próprio  chalet. 


Toda  a  nossa  imprensa  joraalistíca  noti- 
ciou a  ida  de  s.  ex.*  para  a  serra  da  Estrel- 
la, as  suas  rápidas  melhoras  e  o  seu  com- 
pleto restabelecimento,  pelo  que  de  vários 
pontos  do  nosso  paiz  principiaram  os  tuber- 
culosos a  demandar  a  serra  também,  mas» 
como  ali  não  houvesse  casas  para  elles,  o 
sr.  Cesar  Henriques  mandou  construir  algu- 
mas; foram  também  outras  construídas  por 
diíTerentes  pessoas  e  em  princípios  do  cor- 
rente anno  de  1889  formou-se  em  Lisboa 
uma  associação,  denominada  Club  Herminiot 
com  o  intuito  de  montar  na  serra  da  Estrel- 
la um  sanatório  regular,  á  imitação  do  de 
Davos  Ptatz  da  Suissa. 


Temos  sobre  a  nossa  mesa  de  estudo  um 
exemplar  dos  Estatutos  do  Club  Hermínio, 
associação  de  beneficência,  fundada  para 
tratamento  de  tuberculosos  na  Serra  da 
Estrella,  —  Lisboa,  —  typographia  Netlo, 
1889;— e  dos  mencionados  estatutos  vamo» 
fazer  um  leve  extracto: 


«Artigo  2.»  — Tem  por  fim  promover  di- 
recta e  indirectamente  o  melhoramento  da» 
condições  naturaes  da  Serra  da  Estrella, 
considerada  como  estação  sanitária. 

1.  »— Estabelecendo  casas  de  saúde  sob 
direcção  medica. 

2.  °— Soccorrendo  doentes  d'ambos  os  se- 
xos que,  peias  suas  precárias  circumstan- 
cias,  não  possam  seguir  o  tratamento  re- 


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commendado  pelo  medico  assistente,  forae- 
cendo-lhes  transporte,  casa,  medico,  remé- 
dios, alimentos  e  emãm  tudo  quanto  seja 
indispensável  para  a  sua  raelhorã.^ 

S."— Exercendo  policia  bygienica  em  to- 
dos os  pontos  da  Serra  e  nas  habitações . . . 

4.  » — Promovendo  que  em  diversos  pontos 
das  estradas  publicas  da  Serra  da  Estrella 
se  estabeleçam  signaes  que,  de  noite  ou  de 
dia  e  em  tempo  bom  ou  mau,  sirvam  de 
guia  aos  viandantes,  orientando-os  sobre  a 
direcção  a  tomar,  como  podem  ser  por 
exemplo:— marcos  com  inscripções,  balisas, 
pharolins.  etc.  etc. 

5.  »— Promovendo  toda  a  ordem  de  dis- 
tracção domiciliaria  e  na  séde  da  associa- 
ção que  possa  influir  beneficamente  na  saú- 
de dos  doentes. 

6.  »— Estabelecendo  na  séde  da  associação 
um  gabinete  de  leitura  scientiQea  e  de  re- 
creio, e  um  gymnasio  salutar  apropriado 
aos  doentes. 

7.  » — Auxiliando  os  sócios  nas  excursões 
scienlificas  ou  recreativas  á  Serra. 


plomas  a  todos  os  sócios  e  um  distinctivo 
de  que  possam  fazer  uzo  habitual. 

Art.  11.» — Os  sócios  contribuintes  teem 
direito  a  eleger  e  a  serem  eleitos  para 
quaesquer  cargos  da  administração,  logares 
que  serão  desempenhados  gratuita  e  obri- 
gatoriamente. 


Artigo  13.°  —  A  direcção  compõe-se  de 
tres  membros  eleitos  annualmente  pela  as- 
semblôâ  geral  d'entre  os  sócios  contribuin- 
tes.» 

Ujq  dos  membros  da  direc- 
ção desempenhará  o  logar  de 
presidente, — outro  o  de  secre- 
tario— e  outro  o  de  thezou- 
reiro. 


«Art.  16.»— A  responsabilidade  dos  mem- 
bros da  direcção  é  solidaria. 

Art.  19.»— A  primeira  direcção  durará 
tres  annos  e  será  constituída  por  tres  mem- 
bros eífectivos  e  tres  substitutos,  escolhidos 
de  entre  os  sócios  fundadores  


Art.  20.»— A  assembléa  geral  é  represen- 
tada por  todos  os  associados  que  se  apre* 
sentarem  com  os  seus  diplomas  ou  distin- 
ctivos  e  não  tenham  perdido  a  qualidade  de 
sócios  ao  tempo  da  reunião. 

§  único.  —  A  assembléa  geral  funcciona 
com  qualquer  numero  de  sócios  não  infe- 
rior a  dez. 

Art.  21.»— A  assembléa  geral  é  ordinária 
ou  extraordinária. 

§  1.0— -A  assembléa  geral  ordinária  terá 
lugar  annualmente,  na  séde  da  associação, 
no  dia  15  de  agosto  de  cada  anno,  pelas 
duas  horas  da  tarde. 


Art.  23.*— Os  sócios  fundadores  conferi- 
ram approvação  aos  presentes  estatutos, 
por  que  será  regido  o  Club  Hermínio,  e 
usando  das  suas  prerogativas  e  do  que  dis- 
põe o  art.  19.»  acclamaram  sócios  honorá- 
rios os  ill.""»  e  ex.""  srs.:  Dr.  José  Thomaz 
de  Sousa  Martins,  conselheiro  Emygdio  Ju- 


Artigo  4.»— A  duração  d'esta  associação  é 
por  tempo  illimitado. 

Artigo  5.«— A  associação  terá  a  sua  séde 
no  planalto  da  Serra  da  Estrella,  no  ponto 
em  que  a  sua  acção  seja  mais  conveniente, 
podendo  ter  delegações  onde  os  seus  inte- 
resses as  reclamem. 

Artigo  6.»— A  associação  compÕe-se  de 
indivíduos  de  ambos  os  sexos  que  terão  a 
classificação  de: 

— Sócios  honorários; 

—Sócios  contribuintes; 

— Sócios  bemfeitores. 


Artigo  8.«— Sócios  contribuintes  são  todos 
aquelles  que  se  obrigam  ao  pagamento  de 
nma  quota  mensal  de  200  réis. 


Artigo  10.'— A  associação  conferirá  di- 


1  Deus  ampare  e  proteja  tão  santa  insti- 
taiçãol.. . 


2228 


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lio  Navarro,  João  Carlos  de  Brito  Capello  e 
bacharel  Joaquim  Simoes  Ferreira,  confe- 
rindo ao  benemérito  dr.  José  Thomaz  de 
Souza  Martins  o  titulo  de  presidente  perpe- 
tuo da  associação,  por  se  dever  á  sua  ini- 
ciativa, dedicação,  estudos  e  serviços  o  tra- 
tamento da  tuberculose  em  Portugal  nas 
grandes  altitudes  da  Serra  da  Esirella,  que 
já  hoje  conta  felizes  resultados;  e  elegeram 
a  direcção,  que  ficou  constituída  peloa  ill 
e  ex.""  srs.: 

—Dr.  Bazilio  Freire,  presidente. 

— Alfredo  Cesar  Henriques,  thesoureiro. 

— Guilherme  Telles  de  Menezes,  secreta- 
rio. 

E  no  impedimento  pelos  ill."*'  e  ex.°"" 
srs.: 

— Dr.  Joaquim  Borges,  vice-presidente,^ 
— Dr.  José  Pereira  de  Mattos,  vice  secreta- 
rio; 

— Dr.  Joaquim  Augusto  Ferreira  da  Fon- 
seca, vice-thesoureiro. 

No  fim  dos  mencionados  estatutos  se  en- 
contra a  lista  dos  sócios  fundadores.  Com- 
prehende  89  senhoras  e  421  cavalheiros;— 
total  —  510,  mas  consta-nos  que  ó  muito 
maior  o  numero  dos  sócios  actuaes— e  entre 
elles  se  achara  inscriptos  muitos  titulares. 

Todo  o  paiz  recebeu  enthusiasticamenle 
a  noticia  de  tão  piedosa  e  sympalhica  insti- 
tuição e  é  muito  auspicioso  o  seu  futuro. 


Na  Estrella,  junto  do  observatório  e  da 
casa  de  Cesar  Henriques  já  se  vé  um  po- 
voado de  vinte  e  tantas  casas,  achando-se 
em  construeção  outras  muitas;  já  vivem  ali 
no  momento  trinta  tuberculosos  e,  se  hou- 
vessem mais  casas  feitas,  maior  seria  aquel- 


^  ^  E'  o  sr.  dr.  Joaquim  Borges  Garcia  de 
Campos,  hoje  representante  da  opulenta 
ca  a  Rainhas,  de  Gouveia,  pelo  seu  casa- 
ra nlo  com  uma  filha  e  principal  herdeira 
do  grande  industrial  Joaquim  d' Almeida 
Rainha 
Y.  Villa  Nova  de  Tazem. 


le  numero,  pois  muitos  doentes,  por  falta  de 
habitações  na  serra,  não  teem  passado  da 
Guarda. 

Também  anda  em  construeção  outro  sa- 
natório junto  da  Covilhã— e  vão  consiruir- 
se  mais  dois:  um  na  cidade  da  Guarda,  em 
altitude  superior  a  1000  metros;  outro  na 
serra  da  Louzã,  em  altitude  superior  ao  da 
Guarda. 

O  da  Estrella  já  otlerece  bastantes  com- 
modos,  por  ser  um  povoado  importante;  e 
tende  a  augmentar  consideravelmente.  Está 
junto  do  observatório;  já  tem  estação  tele- 
grapho-postal  e  pas?a  muito  perlo  d'elle  a 
nova  estrada  a  macadam  em  construeção  de 
Gouveia  para  Manteigas  pelo  centro  da  mon- 
tanha, —  estrada  que  deve  pôr  o  sanatório 
em  contacto,  por  meio  de  diligencias  e  de 
viaturas  de  toda  a  ordem,  com  as  linhas  da 
Beira  Alta  e  Beira  Baixa,  pois  Gouveia  e 
Manteigas  já  estão  servidas  por  diligencias 
que  vão  até  áquellas  duas  linhas. 


Devem-se  pois  os  sanatórios  de  Portugal 
e  da  Estrella  á  Expedição  scientifica  de  1881 
e  aos  esforços  e  propaganda  do  sr.  dr.  Sou- 
sa Martins  e  do  sr.  Alfredo  Cesar  Henriques. 
O  1.°,  como  abalisado  professor  e  clinico, 
argumenta  com  a  sciencia ;  —  o  2.»  com  a 
experiência.  O  facto  da  cura  realisada  n'elle 
próprio  é  um  argumento  vivo,  concludente 
e  o  mais  convincente! ...  E  não  é  um  facto 
isolado,  porque  todos  os  tuberculosos,  que 
foram  após  elle  para  a  serra  da  Estrella, — 
todos  teem  experimentado  consideráveis  me- 
lhoras e  são  como  elle  apologistas  da  gran- 
de serra  para  o  tratamento  da  tysica, — des- 
sa medonha  enfermidade  que  até  boje  zom- 
bou da  medicina  e  que  desgraçadamente 
está  ceifando  a  quinta  parte  da  população 
das  nossas  villas  e  cidades! ... 

Um  outro  beneficio  importante  que  re- 
sultou da  Expedição  de  1881  foi  a  reorga- 
nisação  dos  serviços  florestaes,  —  a  arbori- 
sação  das  dunas  do  littoral,  das  nossas  es- 
tradas a  macadam  e  das  serras  da  Estrella 
e  do  Gerez.  , 

Já  Qo  ultimo  anno  se  fizeram  grandes 


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plantações  e  sementeiras  de  arvoredo— e 
deve-se  este  importante  melhoramento  pu* 
blico  ao  sr.  Emygdio  Navarro,^  auctor  do 
formoso  livro  mencionado  supra,  pois  sen- 
do ministro  desde  1886  até  maio  do  corren- 
te anno  de  1889,  não  se  esqueceu  da  nudez 
da  grande  serra  que  vízitára  em  1883,  pou- 
co antes  de  ser  ministro,  e  decretou  a  ar- 
borisaçâo  d*ella  e  da  do  Gerez,  etc.  etc.  como 
a  Expedição  propoz  nos  seus  relatórios. 

Mil  graças  a  uns  e  outros,  porque  a  ar- 
borisação  ó  riqueza,  helleza  e  saudei 

Albergarias 

Um  outro  melhoramento  importante,  lem- 
brado pela  Expedição  e  que  pôde  ser  um 
grande  benefício  para  a  humanidade,  é  a 
construcção  de  albergarias  dentro  da  serra 
da  Estrella^  ao  longo  dos  diversos  caminhos 
que  atravessam  a  montanha  em  todas  as 
direcções, — caminhos  muito  /requentados  no 
verão  e  mesmo  na  primavera  e  no  outono 
pelos  habitantes  dos  povos  circumvisinhos, 
pois  encurtam  muito,  seguindo  pela  monta- 
nha. 

Entre  a  Covilhã  e  Manteigas,  por  exem- 
plo, ha  hoje  uma  boa  estrada  a  macadam, 
servida  por  diligencias,  mas  o  povo,  sempre 
que  pôde,  vae  pela  serra,  pois  adianta  nada 
menos  de  tres  horasl  São  porem  os  taes  ca- 
minhos muito  ásperos  e  muito  perigosos  na 
primavera  e  no  outono,  porque  a  neve  por 
vezes  surprehende  os  viandantes  na  serra  e 
muitos  lá  Qcam  sepultados. 

Seria  pois  para  desejar  que  ao  longo  da 
montanha  fízessem  albergarias,  ou  casas  de 
abrigo  para  os  tranzeuntes,  embora  muito 
singelas,  como  outr'ora  tantas  se  fizeram  em 
vários  pontos  do  nosso  paíz,  nomeadamente 
nas  serras  do  Marão,  Manhouce,  Carvalho 
ou  Cantara,  Britiande  e  Arouca,  etc. 

V.  Albergaria  (!,•— S,")  Carvalho,  Canta- 


1  V.  Viseu,  tomo  11.»  pag.  1843,  col  2.», 
onde  muito  ligeiramente  esboçámos  a  bio- 
grapbía  de  s.  ex.* 


ro  e  Vouzella,  tomo  II.»  pag.  2021,  col.  2.» 
e  segg. 

Deus  inspire  o  nosso  governo,  os  nossos 
reis  ou  infantes^  ou  alguns  cidadãos  benemé- 
ritos, para  que,  á  imitação  dos  nossos  ante- 
passados, mandem  fazer  albergarias  dentro 
da  serra  da  Estrella. 

Barão  do  rio  Zêzere 

Joaquim  Bento  Pereira,  filho  de  Bento 
Pereira  d' Almeida,  negociante  e  proprietá- 
rio em  Setúbal,  e  de  D.  Anna  Joaquina  Li- 
zarda  do  Valle  e  Almeida,  nasceu  em  Setú- 
bal a  17  d'ag03io  de  1798  ^  e  falleceu  em 
Lisboa  a  19  de  dezembro  de  1875,  tendo  ca- 
sado a  12  de  junho  de  1851  com  D.  Joaqui- 
na Lúcia  de  Brito  Veloso  Peixoto,  que  mor- 
reu a  28  de  dezembro  de  1879,  fljha  de 
Agostinho  Veloso  Peixoto  de  Brito,  capitão 
de  infanteria  do  exercito,  addido  ao  2.o  ba- 
talhão de  veteranos,  e  de  sua  mulher  D.  t)o- 
rolheia  de  Brito. 

O  nosso  biographâdo  Joaquim  Bento  Pe- 
reira foi  um  dos  mais  valentes  officiaes  do 
nosso  exercito  e  um  dos  filhos  mais  bene- 
méritos de  Setúbal,  1.»  barão  do  rio  Zêzere, 
par  do  reino,  general  de  divisão,  do  conse- 
lho de  S.  M.,  gran  cruz  das  ordens  d'Aviz  e 
da  Torre  e  Espada,  commendador  da  de 
Nossa  Senhora  da  Conceição  de  Villa  Viço- 
sa, ajudante  de  campo  honorário  de  S,  M., 
deputado  da  nação  em  varias  legislaturas, 
condecorado  com  a  Estrella  d'ouro  de  Mon- 
tevideu, com  as  de  valor  militar'  e  bons  ser-' 
viços  e  a  do  n.°  9  das  campanhas  de  1833, 
cavalleiro  de  1."  classe  da  ordem  militar  de 
S..  Fernando  e  commendador  da  de  Isabel  a 
catholica,  etc.  etc. 


1  Â  Rezenha  das  Famílias  titulares...  de 
Albano  da  Silveira  Pmto,  muito  dignamente 
continuada  pelo  sr.  visconde  de  Sanches  de 
Baôna,  diz  que  o  nosso  biographâdo  nascea 
em  1801,  mas  o  Diccion.  Popular  e  o  sr.  Ma- 
neei Maria  Portella,  illustrado  filho  de  Se- 
túbal, dizem  que  nasceu  em  1798. 


2230  ZEZ 


ZEZ 


AlÍ8tou-8e  no  2.»  regimento  de  infantaria 
de  voluntários  reaes  d'el-rei  a  27  de  junho 
de  1816  e,  sendo  reconhecido  cadete,  em- 
barcou para  Montevideu  a  14  de  agosto  do 
mesmo  anno;  fez  toda  a  campanha  da  Ban* 
da  Oriental  até  1824,  regressando  a  Lisboa 
a  12  d'ago8to  d'es8e  anno. 

Em  junho  de  1818  foi  despachado  alferes 
de  commissão  e  em  março  de  1821  foi  no- 
meado alferes  effectivo;  com  este  posto  en. 
trou  em  Portugal  e  serviu  no  regimento  da 
infanteria  14:  passou  depois  para  o  4  da 
mesma  arma  e  assistiu  a  toda  a  campanha 
de  1826,  fazendo  parte  das  forças  que  ás  or- 
dens do  conde  de  Villa  Flor  bateram  os 
absolutistas. 

Promovido  a  tenente  em  dezembro  de 
1827,  emigrou  para  a  Inglaterra  no  anno 
immediato  e,  passando  aos  Açores  em  feve- 
reiro de  1829,  tomou  parte  como  major  de 
brigada  na  acção  do  dia  11  de  agosto;  este- 
ve na  tomada  da  ilha  de  S.  Miguel  e  Ladei- 
ra Velha  e  o  duque  da  Terceira  o  elogiou 
pela  sua  bravura. 

Sendo  coUocado  em  infanteria  10,  desem- 
barcou com  este  regimento  no  Míndello  em  8 
de  julho  de  1832  e  fez  todo  o  cerco  do  Porto; 
tomou  parte  na  acção  de  Souto  Redondo  e 
distinguiu-se  como  tenente  da  companhia 
incumbida  de  cobrir  a  retirada  do  seu  regi- 
mento. 

Pouco  depois,  no  dia  29  de  setembro,  en- 
trou ao  lado  do  valente  coronel  Pacheco  na 
bateria  da  Lomba,  occupada  pelas  forças  de 
D.  Miguel,  portando^se  de  modo  tal,  que  foi 
recommendado. 

A  4  de  março  de  1833  defendeu  com  duas 
companhias  o  reducto  do  Pinhal  contra  3 
vigorosos  ataqu-s  do  inimigo  e  no  dia  18 
de  agosto  desalojou  os  sitiantes  de  uma  for- 
te posição,  quando  já  um  batalhão  de  vo- 
luntários tinha  sido  repellido,  pelo  que,  sob 
proposta  do  coronel  Pacheco,  lhe  foi  confe- 
rido o  2.*  grau  da  Torre  e  Espada,  não  sen- 
do ainda  cavalleiro  da  dita  ordem,  tendo  si- 
do já  promovido  ao  posto  de  capitão  em  6 
d'agosto  de  1832. 

Foi  elogiado  e  recommendado  pelo  duque 


da  Terceira  pela  bravura  co:33  que  tomou  a 
forte  posição  do  Covello;  —  depois,  já  em 
1834,  commandou  uma  força  de  200  praças 
incumbida  de  proteger  o  desembarque  do 
almirante  Napier  na  Figueira  e  assistiu  á 
batalha  da  Asseiceira,  ultima  da  campanha 
liberal  equ)  determinou  a  convenção  d'Evo- 
ra  Monte. 


Joaquim  Bento  era  homem  de  génio  ar- 
rebatado. Em  1835^  sendo  capitão  e  julgan- 
do-se  desconsiderado  pelo  coronel  Thoraaz 
de  Magalhães  Coutinho,  commandante  do 
regimento  de  infanteria  10,  não  só  lhe  diri- 
giu uma  carta  nos  termos  mais  violentos, 
mas  publicou-a  no  Nacional,  pelo  que  um 
conselho  de  guerra  o  condemnou  a  ser  fu- 
silado,  mas,  por  ser  official  da  Torre  e  Es- 
pada, o  supremo  conselho  suspendeu  aquel- 
la  deliberação  e  mandou  que  se  procedesse 
a  novo  julgamento,  no  qual  foi  absolvido. 

Em  dezembro  do  mesmo  anno  de  1835 
foi  na  divisão  auxiliar  á  Hespanhacomo  ad- 
dido  ao  quartel  general;  depois  entrou  para 
o  corpo  do  estado  maior  e,  seguindo  a  re- 
volução dos  marechaes,  foi  pela  convenção 
de  Chaves  separado  do  quadro  do  exercito, 
no  qual  entrou  depois  em  julho  de  1840» 
sendo  em  1842  promovido  a  major. 

Em  1843  bateu-se  em  duello  com  oauctor 
de  D.  Branca,  depois  visconde  d' Almeida 
Garrett. 

As  coisas  passaram  se  assim: 

Garrett,  sendo  deputado  e  discutindo  na 
camará  a  prisão  de  dois  collegas^  censurou 
asperamente  as  demasias  da  tropa.  Joaquim 
Bento  por  essa  oceasião  disse: 

«Tira-se-lhe  o  chínó  e  dá-se-lhe  com  elle 
na  cara.» 

O  poeta  publicou  no  Diário  do  Governo 
uma  carta,  lançando  agua  na  fervura,  mas 
no  mesmo  Diário  de  22  de  julho  publicou 
Joaquim  Bento  em  resposta  áquella,  outra 
carta,^  defendendo  a  guarda  municipal  de 


»  Podem  ver-se  ambas  no  Diccionario  PO' 
pular,  que  vamos  exiractando. 


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ZEZ  2231 


Lisboa  e  o  exercito,  terminando  por  dizer: 
— «se  alguém  me  perguntar  porque  me  con- 
tento com  esta  declaração,  responderei  em 
duas  palavras: — porque  satisfações  d'outra 
natureza  só  se  exigem  de  quem  as  quer  e 
sabe  dar.  Joaquim  Bento  Pereira,  major  do 
regimento  da  infanteria  n.°  7.» 

Posta  a  questão  n'tíste8  termos,  Garrett 
mandou  desafíar  Joaquim  Bento;  encontra- 
ram-se  junto  dos  arcos  das  Aguas  Livres> 
mas  nenhum  dos  dois  ficou  ferido,  como 
consta  das  actas  que  appareceram  na  Revo- 
lução de  Setembro  e  que  foram  transcriptas 
pelo  sr.  Francisco  Gomes  d'Amorim  na  sua 
interessante  biographia  d'Almeida  Garrett, 
com  outros  detalhes  de  tão  estranha  occor- 
rencia. 

O  artigo  da  Revolução  diz  o  seguinte: 
«Hontem  (25)  ás  cinco  horas  da  tarde  ba* 
terara-se  em  duello  á  pistola,  junto  ao  arco 
grande  das  Aguas  Livres,  os  srs.  Joaquim 
Bento  Pereira  e  João  Baptista  d'Almeida 
Garrett. 

«Depois  de  avaliarem  bem  a  importância 
da  oíTensa,  que  deu  origem  ao  duello,  ac- 
cordaram  entre  si  os  padrinhos  e  testemu- 
nhas... que  os  dois  cavalheiros  &e  bates- 
sem a  vinte  passos  e  á  sorte. 

«Chegados  ao  campo  e  cumpridas  as  for- 
malidades do  estylo,  caiu  ao  sr  Joaquim 
Bento  Pereira  a  sorte  de  atirar  primeiro. 
Dado  o  slgnal,  o  sr.  Joaquim  Bento  dispa- 
rou para  o  ar,  e  o  sr.  Garrett,  atirando  ae- 
poiSj  seguiu  este  exemplo. 

«O  sr.  Joaquim  Bento  Pereira  requereu 
ao  sair-lhe  a  sorte,  e  depois  de  disparar,  um 
tiro  livre  para  o  sr.  Garrett,  o  que  lhe  foi 
recusado  pelos  padrinhos.» 

Do  exposto  se  vé  que  o  nosso  biographa- 
do  foi  muito  generoso. 


Em  Í8i4,  por  occasião  do  cerco  d'Almei- 
da,  commandou  um  batalhão  de  4  compa- 
nhias, que  tomou  parte  nas  operações  con- 
tra aquella  praça. 

Em  seguida  ao  golpe  de  estado  de  6  d'on- 
tnbro  de  1846,  passou  a  servir  ás  ordens  do 
marechal  Saldanha;  em  14  do  dicto  mez  foi 


nomeado  comaiandaute  do  batalhão  de  ca- 
çadores n.»  1,  à  frente  do  qual  assistiu  á  ba- 
talha dtí  Torres  Vedras,  sendo  ali  por  dis- 
tineção  feito  tenente  coronel. 

Tomou  parte  activa  e  muito  importante 
no  movimento  de  1831  e,  tendo  se  pronun- 
ciado a  favor  de  Saldanha  e  marchando  com 
o  corpo  do  seu  commando  para  Santarém, 
segundo  fôra  ajustado,  não  pôde  ali  entrar 
por  não  adherirem  á  revolução  alguns  re- 
gimentos que  a  isso  se  tinham  compromet- 
tido. 

Depois  de  muitas  peripécias,  a  guarnição 
do  Porto  pronunciou-se  a  favor  de  Salda- 
nha e  fez  triumphar  a  regeneração,  mas, 
quando  tudo  se  julgava  perdido  e  o  mare- 
chal desanimado  seguia  já  o  caminho  de 
Hespanba,  o  coronel  Joaquim  Bento  com  a 
sua  habitual  energia  desconcertou  as  forças 
enviadas  contra  elle  e,  atravessando  oZeze- 
re  duas  vezes}  conseguiu  juntar-se  em  Ceia 
ao  batalhão  de  caçadores  5,  do  commando  de 
Cabreira,  (depois  barão  da  Batalha)  que  se 
havia  revoltado  em  Leiria. 


Nomeado  commandante  da  1.*  brigada  do 
exercito  regenerador,  elevado  a  brigadeiro 
e  agraciado  com  o  título  de  barão  do  rio 
Zêzere,  passou  logo  a  commandar  a  divisão 
do  Algarve,  onde  se  conservou  até  1856, 
sendo  depois  nomeado  inspector  geral  de 
infanteria,  cargo  que  exerceu  até  junho  de 
1866,  accumulando  desde  1864  a  commissão 
de  commandante  da  S*  brigada  de  infante- 
ria de  instrucção  e  manobra. 

Em  juaho  de  1866,  por  estar  (segundo 
constou)  envolvido  n'uns  projectos  d'altera- 
ção  da  ordem  publica,  foi  transferido  para  o 
commando  da  divisão  militar  dos  Açores, 
d'onde  em  1868  voltou  a  commandar  uma 
das  brigadas  d'infanteria  de  Lisboa. 

Sendo  um  dos  officiaes  que  em  dezembro 
de  1869  mais  se  distinguiram  a  favor  do 


1  Esta  arrojada  e  feliz  manobra  lhe  me- 
receu o  titulo  de  barão  do  rio  Zêzere. 


2232  ZEZ 


ZEZ 


marechal  Saldanha,  foi  exonerado  da  com- 
missão;  esteve  preso  na  torre  de  S.  Julião  da 
Barra  e  depois  foi  mandado  commandar  no- 
vãmente  a  divisão  dos  Açores.  Regressou  ao 
continente  em  19  de  maio,  sendo  então  no- 
meado commaudante  da  divisão  do  Por- 
to, cargo  de  que  não  tomou  posse,  por- 
que apenas  chegou  a  Lisboa,  foi-lhe  da- 
do o  commando  das  guardas  municipaes, 
situação  eoi  que  estava  ainda,  quando  falle- 
ceu. 

No  gabinete  da  prezidencia  da  camará  de 
Setúbal  pôde  ver-se  o  retrato  do  barão  do 
Zêzere,  a  oleo  e  em  tamanho  natural,  offe- 
recido  á  dieta  camará  pela  sobrinha  e  her- 
deira do  nosso  biographado,  pois  morreu 
sem  successão. 

Desculpem  as  dimensões 
d'este  longo  artigo,  ZíZírí,que 
tanto  trabalho  nos  deu!  • . . 
ZÊZERE— Villa  e  castello  antiquíssimos, 
outr'ora  denominados  villa  e  parochia  de 
Santa  Maria  do  Zezíí-^,— depois  villa  e  pa- 
rochia de  Paio-Pelle—e  hoje  vulgarmente  e 
simplesmente  Praia,  por  ser  a  povoação 
d'e8te  nome  hoje  a  mais  importante  d'aquel- 
la  freguezia,  que  até  1839  foi  concelho  á 
parte  com  justiças  próprias.  Hoje  pertence 
ao  concelho  de  Villa  Nova  da  Barquinha, 
creado  n'aquella  data  e  tendo  por  séde  a 
villa  da  Barquinha,  que  até  2  de  maio 
de  1838  era  uma  simples  povoação  da 
freguezia  e  concelho  antiquíssimos  da  Ata- 
laia. 

Com  a  evolução  do  tempo  a  simples  al- 
deia da  Barquinha  supplantou  as  villas,  fre- 
guezias  e  concelhos  de  Atalaia,  Tancos  e 
Paio  Pelle,  que  por  decreto  de  2  de  julho  de 
1839  Qcaraiu  constituindo  o  actual  concelho 
da  Barquinha,  —  eoncelho  insigoifleante  e 
menos  importante  do  que  muitas  das  nossas 
fregueziãs  ruraes,  pois  conta  apenas  871  fo- 
gos, pelo  que  não  tardará  talvez  que  por 
seu  turno  seja  supprímido  e  incorporado 
n'outro,  obedecendo  á  mesma  lei  da  evolu- 
ção. 

Para  evitarmos  repetições  vejam-se  os 
artigos  Almourol,  Atalaia,  Barquinha,  Paio 
de  Pelle,  Tancos  e  Villa  Nova  da  Barqui- 
nha, tomo  11.»  pag.  808,  col.  1.» 


O  antigo  Castello  do  Zêzere  demorava  na 
confluência  d'este  rio  com  o  Tejo,  a  0.  e 
defronte  de  Punhete,  hoje  Villa  Nova  de 
Constança,  e  foi  feito  ou  restaurado  no  anno 
de  1 172  pelo  mestre  do  Templo  D.  Gualdim 
Paes,  que  também  fundou  ou  antes  repo- 
voou  a  Villa  de  Santa  Maria  do  Zêzere  (de- 
pois Nossa  Senhora  da  Conceição  de  Paio 
Pelle)  no  alto  d'um  monte  escarpado,  mas 
próxima  do  dicto  castello  e  dependência 
d'elle.  Suppomos  até  que  a  villa  foi  aeastel- 
lada  e  afortalesada  também  desde  tempos 
muito  remotos,  porque  o  sitio  era  muito  de- 
fensável e  a  sua  posição  geograpblca  e  es- 
tratégica impor tantissimas.  Dominava  a  foz 
do  Zêzere,  rio  que  pela  fragosidade  e  aspe- 
reza das  suas  margens  era  uma  barreira 
multo  difficil  de  transpor  desde  o  Tejo  até 
á  Covilhã; — e  dominava  lambem  o  Tejo,  ou- 
tra barreira  difficil  de  transpor,  pelo  que 
ainda  nos  princípios  d'este  século,  por  oc- 
casião  da  guerra  da  Peninsula,  montámos 
um  redttcto  no  alto  da  extincta  villa,  onde 
hoje  apenas  se  vé  a  velha  matriz  de  Nossa 
Senhora  da  Conceição  de  Paio  Pelle,  talvez 
fundação  dos  templários  também,  e  junto 
d'ella,  a  distancia  de  metros  para  o  sul, 
um  pequeno  e  pobre  cemitério,  com  muros 
feitos  de  taipa,  caiados  e  a  esphacelar-se. 

Ainda  junto  do  dicto  templo,  hoje  comple- 
tamente isolado,  se  vô  em  volta  d'elle  uma 
trincheira  do  mencionado  reducto  e  u'ella 
um  canhão  de  grosso  calibre  cora  as  armas 
portuguezas. 

O  dicto  reducto  jogava  contra  uma  bate- 
ria que  os  francezes  montaram  a  E.  na  mar- 
gem esquerda  do  Zêzere,  junto  do  vistoso  e 
magestoso  templo  de  Nossa  Senhora  dos 
Martyres,  a  cavalleiro  de  Villa  Nova  de 
Constança,  hoje  matriz  d'aquella  villa  des- 
de 1833,  data  em  que  demoliram  o  velho  e 
arruinado  templo  de  S.  Julião,  que  demo- 
rava na  Praça  e  foi  a  !.■  matriz  da  villa  de 
Punhete,  hoje  ConstançaA 


1  Hoje  a  matriz  está,  como  dissemos,  na 
vasta  e  sumptuosa  egreja  de  Nossa  Senhora 


ZEZ 


ZEZ  2233 


Do  anligo  Castello  do  Zêzere,  fundação  ou 
restauração  de  Gualdim  Paes,  ainda  hoje  se 
véfím  grossos  muros,  saindo  do  fundo  do  rio 
Da  foz  do  Zêzere,  no  pontal  da  sua  confluen- 
eia  com  o  Tejo.  Foi  destruído  e  arruinado 
pelo  tempo^  peias  muitas  guerras  que  as> 
solaram  o  nosso  paiz  e  pelas  grandes  en- 
chentes dos  dois  rios,  a  maior  das  quaes 
n'este  século  foi  a  de  1876. 

Uns  denominam  as  mencionadas  ruínas 
Castello,  outros  torre  e  outros  palácio  do 
conde  da  Taipa,  porque  foi  propriedade  dos 
dictos  condes,  ura  dos  quaes  vendeu  aquel- 
las  ruínas  a  Vicente  Ferreira  Annes  de  Oli- 
veira, de  Villa  Nova  de  Constança. 

Da  Villa  de  Santa  Maria  do  Zêzere  nada, 
absolutamente  nada  resta,  alem  do  antiquís- 
simo e  venerando  templo  de  Nossa  Senhora 
da  Conceição,  a  velha  matriz  de  Paio  Pelle, 
que  ficou  isolada  no  alto  do  monte,  distando 
^  da  margem  direita  do  Tejo  cerca  de  400 
metros  para  N.  E.— e  150  a  200  metros  do 
Zêzere  para  O.  sendo  bastante  escarpadas  as 
pendentes  do  dieio  monte  sobre  o  Tejo  e  so- 
bre o  Zêzere,  que  ali  formam  ura  angulo  obtu- 
so, tendo  por  vértice  as  ruínas  do  eastello  de 
Gualdim  Paes  e  correndo  o  Tejo  de  N.E. 
a  S.O.— e  o  Zêzere  de  N.O.  a  S.E. 

Em  volta  do  dicto  templo  e  nas  pendentes 
da  encosta  hoje  apenas  se  vêem  grandes  vi- 
nhedos, mas  por  occasião  das  plantações  en- 
contrarara-se  na  dieta  encosta  vestígios  de 
povoação  antiquíssima:— restos  de  paredes, 
calçadas,  ladrilhos,  tijolos,  telhas,  ete.— tu- 
do soterrado,  —  na  pendente  sobre  o  Tejo- 


dos  Martyres,  que  parece  talhada  para  Cas- 
tello, pois  tem  paredes  d'extraordinaria  es- 
pessura e  no  alto  d*ellas  interiormente  uma 
galeria  com  tribunas  gradeadas  de  ferro. 

E'  um  templo  vastíssimo  que,  segundo 
consta,  data  de  1636,  com  a  mesma  invoca- 
ção de  Nossa  Senhora  dos  Martyres,  mas 
apesar  de  ser  hoje  matriz,  o  padroeiro  da 
Villa  é  o  mesmo  S.  Julião. 

Constança  teve  mais  3  templos:— Jlfísm- 
cordia,  Santo  André,  ao  nascente  da  villa,  e 
S.  Sebastião  na  margem  do  Zêzere. 

V.  Punhete,  Constança,  e  Villa  Nova  .  de 
Constância. 


lado  S.O.  da  montanha,  na  extensão  de  um 
kíloraetro  aproximadamente,  até  o  rigol  do 
acampamento  de  Tancos,  que  demora  tam- 
bém na  area  da  freguezia  de  Paio  Pelle, 
hoje  Praia.  Isto  nos  leva  a  crer  que  as  men- 
cionadas ruínas  são  os  destroços  da  extiucta 
Villa  de  Santa  Maria  do  Zêzere  —  e  talvez 
d'algum  castro  ou  povoação  muito  mais  an- 
tiga?!... 

Chamamos  para  este  ponto 
a  attenção  dos  archeologos. 

O  dicto  chão  é  muito  digno 
de  estudo  e  não  nos  consta 
que  fosse  esludado  e  devida- 
mente explorado  até  hoje. 


Da  foz  do  Zêzere  até  á  Barquinha  o  Tejo 
í  corre  na  direcção  geral  E.N.E.— O.S.O. — e 
banha  na  margem  direita  a  povoação  da 
Praia  a  1  kíloraetro  de  distancia  (da  foz  do 
Zêzere);— o  eastello  á'Alinourol  a  3  V2  kil-*" 
a  villa  de  Tancos  a  5— e  a  da  Barquinha  a 
8  kilometros,  aproximadamente. 

A  velha  matriz  de  Paio  Pelle  demora  na 
altitude  de  84  metros  sobre  o  nível  do  mar 
'  — e  a  maior  altitude  da  freguezia  de  Paio 
Pelle  (hoje  Praia)  é  de  140  metros,  entre 
Casaes  e  Portella,  2  1/2  kilometros  a  N.  da 
povoação  da  Praia. 


Nas  Memorias  da  Acad.  R.  das  Sei.  tomo 
8.»  parte  II,  pag.  43  e  segg.  encontra-se 
uma  longa  e  bella  memoria,  intitulada  DeS' 
cripção  económica  de  certa  porção  conside- 
rável de  território  da  comarca  de  Thomar,  e 
próxima  á  margem  do  Tejo, — memoria  que 
mereceu  o  Accessit  na  sessão  publica  de  24 
de  junho  de  1822.  Falia  muito  e  muito  bem 
de  Punhete,  Rio  de  Moinhos,  Montalvo,  Mar- 
tinxel,  Tancos,  Aceiceira,  Atalaia  e  Paio 
Pelle,  mas  não  faz  menção  das  ruínas  da  vil- 
la do  Zêzere,  posto  que  o  auctor  da  dieta  me' 
moria  vivia  em  frente  d'ella3,  —  na  villa  de 
Punhete,  hoje  Constança,  como  elle  próprio 
diz  no  texto;  ignoramos  porem  o  nome  do 
auctor,  pois  tão  modesto,  que  não  assignou 
o  seu  trabalho.  Apenas  o  firmou  com 


2234  ZEZ 


ZE2 


Âo  passo  que  se  iam  sumindo  e  desappa- 
receoâo  a  viila  e  o  castello  do  Zêzere,  a  po- 
pulação d'esta  parochia  foi  se  coDceutraudo 
na  povoação  da  Praia,  junto  do  Tejo. 

Ássim  se  formou  a  povoação  da  Praia, 
que  hoje  dá  o  nome  a  esta  freguezia,  povoa- 
ção que  foi  importante  até  á  exlincção  do 
concelho,  pois  n'ella  estavam  a  casa  da  ca- 
mará e  as  outras  repartições  publicas 

A  Praia  tinha  as  honras  de  villa  ou  séde 
do  concelho,  mas  não  tinha  egreja.  Todos  os 
offleios  religiosos  se  celebravam  na  egreja 
do  extincto  convento  de  Nossa  Senhora  do 
Loreto,  de  capuchos  Antoninos,  fundado  em 
1572  (segu^^do  diz  J.  B.  de  Cattro)  cujas 
ruinas  ainda  hoje  lá  se  vêem  ao  nascente  da 
extincta  povoação  de  Paio  Pelle,^  na  mar- 
gem direita  do  Tojo,  entre  este  rioe  a  linha 
férrea  de  leste,  mas  não  chegou  a  tnr  cara- 
cter parochial  e  dista  aproximadamente  6 
kilometros  da  velha  matriz,  que  ainda  hoje 
é  a  matriz  d'esta  parochia. 

O  convento  demorava  cerca  de  200  me- 
tros a  E.  do  Castello  de  Almourol,  mas 
d'elle  nada  existe.  A  própria  egreja  desap- 
pareceul . . . 

Junto  do  local  do  convento  encontrou-se 
em  1878  uma  panella  com  muitas  moedas 
antigas  de  ouro,  soterrada  e  envolta  nas 
raizes  de  uma  cepa  (arbusto)  que  um  po- 
bre carvoeiro  estava  arrancando  para  fazer 
carvão.  Não  nos  consta  que  as  dietas  moe- 
das fossem  classificadas. 

A  povoação  da  Praia  soffreu  com  a  ex- 


1  Suppomos  que  a  povoação  de  Paio  Pelle 
foi  outr'ora  importante,  pois  deu  o  nome  a 
esta  Villa  e  freguezia  desde  antes  do  sec.  xvi, 
como  se  vê  do  foral  de  D.  Manoel  com  data 
de  22  de  dezembro  de  1519,  mas  teve  a 
mesma  sorte  da  extincta  villa  de  Santa  Ma- 
ria âo  Zêzere.  —  No  sitio  onde  esteve  a 
povoação  de  Paio  Pelle  já  nem  as  pedras  das 
casas  derruídas  se  encontram.  Teem  sido 
levadas  para  Tancos,  para  a  Barquinha  e 
para  outras  povoações  e  construcções  até  à 
quinta  da  Cardiga,  na  Gollegã,— quinta  que 
demora  na  margem  direita  do  Tejo  e  dista 
da  Barquinha  3  kilometros  para  S.O. 


tincção  do  concelho  de  Paio  Pelle,  mas  lu- 
crou e  tem  progredido  bastante  com  a  linha 
férrea  de  leste,  pois  deu-lhe  estação  pró- 
pria—a  18.«  a  partir  de  Lisboa  —  e  a  2.»  a 
partir  do  entroncamento  da  linha  férrea  de 
leste  com  a  do  norte.^  Dista  de  Lisboa  119 
kilometros,  12  do  entroncamento  e  242  do 
Porto. 

A  mesma  povoação  da  Praia  dista  7  kilo- 
metros da  villa  da  Barquinha,  séde  actual 
do  concelho,  para  E. — e  1  da  nova  ponte  me- 
tallica  da  linha  férrea,  para  O. 

A  ponte  em  que  a  linha  férrea  de  leste 
atravessava  o  Tejo,  era  toda  metallica,  as- 
sente sobre  cylindros  de  ferro,*  mas,  como 
estes  ameaçassem  ruina,  foi  construída  uma 
nova  ponte  a  montante  e  junto  d'aquella. 

Foi  principiada  a  nova  ponte  em  1888  e 
acabada  em  1889,  sendo  aberta  ao  transito 
apenas  se  concluiu.  Assenta  sobre  pilares  de 
pedra,  mas  o  taboleiro  é  metallico. 

A  1.'  ponte  foi  demolida  e  d'ella  hoje  (no- 
vembro de  1889)  apenas  restam  os  cylin- 
dros em  que  se  apoiava. 

As  povoações  que  actualmente  constituem 
esta  parochia  são  as  seguintes:  —Praia  (ho- 
je a  mais  importante  e  que  succedeu  à  de 
Paio  Pelle,  como  a  de  Paio  Pelle,  boje  ex- 
tincta, succedeu  á  extincta  villa  de  Santa 
Maria  do  Zezere);~Fonle  Santa,  Portella, 
Figueiras,  Caneiro,  Mattos,  Outeiro,  Laran- 
jeira e  Limeira;  os  easaes  de  Val  dos  Po- 
ços, do  Jacinto  e  dos  Pintainhos;  o  castello 
ã'Almourol;  os  sitios  do  Castello  da  foz  do 
Zêzere  ou  Palacio  do  conde  da  Taipa,  Con- 
vento, Bibeiro  de  Lavacollos  (?),  Ponte  do 
Tejo,  Estação  da  Praia,  Acampamento  de 
Tancos  (campo  de  instrucção  e  manobras)^ 
—Paio  Pelle,  —  campus  tibi  Troja  fuit^  —  e 
as  quintas  do  Seixal,  Bio  e  Fontainha. 

O  antiquíssimo  e  lindíssimo  castello  de 
Almourol,  fundação  ou  antes  —  restauração 


*  A  estação  da  Praia  é  também  estação  do 
acampamento  de  Tancos,  mas  com  servidões 
differentes,  pois  o  acampamento  tem  apea- 
deiro próprio. 

2  V.  Conaancia,  tomo  2.<»  pag.  380. 


ZEZ 


ZEZ  2235 


— de  Gualdim  Paes,  mestre  do  Templo,  está 
em  uooa  ilha  muito  pittoresca,  janto  da  mar. 
gem  direita  do  Tejo,  —  pertence  á  fazenda 
nacional  e  ainda  promette  longa  duração, 
porque  o  nosso  governo  o  mandou  reparar 
em  1888  a  1889  pela  commissão  das  obras 
do  Tejo. 
V.  Almourol. 


As  producçòes  principaes  d'esta  freguezia 
são  vinho,  azeiíe  e  cereaes.* 

Também  é  mimosa  de  caça  miúda  e  de 
peixe  dos  seus  dois  rios — Tejo  e  Zêzere,  no- 
meadamente de  sáveis,  no  tempo  próprio. 

O  Zêzere,  como  já  dissemos,  banha  esta 
freguezia  a  iesle,  na  extensão  de  3  kíiome- 
tros,  e  n'elle  se  vae  construir  uma  grande 
ponte  metallica  em  frente  de  Vtlla  Nova  de 
Constança,  na  estrada  reai  d'AbraQtes  a 
Santarém, — ponte  que  já  descrevemos  no 
longo  artigo  Zêzere  e  que  deve  dar  muita 
importância  a  esta  freguezia  da  Praia,  bem 
coroo  á  de  Villa  Nova  de  Constança. 

População 

Em  1712,  segundo  diz  o  Padre  Carvalho, 
esta  freguezia  contava  108  fogos,  pertencendo 
40  á  exlincta  villa  de  Paio  Pelle  —em  1768, 
segundo  se  lê  no  Port.  S.  e  Prof.  contava  180 
fogos;— em  1821,  segundo  se  lè  na  memoria 
citada  supra,contava  205  fogos  e  658  habi- 
tantes, sendo  soltéirosde  15  annos  para  cima 
194, — de  15  annos  para  baixo  179, — viúvos 
23,-— viuvas  32— e  casados  230,-- -padres  2,— 
pessoas  nobres  1, — sapateiros  1,  pedreiros  1^ 
alfaiates  1,  carpinteiros  2,  boieiros  ou  sin- 
geleiros  2,  justiça  (funccionarios  públicos)  7, 
lavradores  (talvez  proprietários)  9,  pastores 
9,  trabalhadores  (jornaleiros)  18,  pescadores 


í  O  seu  chão  é  pouco  fértil;— demora  na 
província  da  Estremadura — e  pertence  ao 
concelho  da  Barquinha,  comarca  da  Gollegã. 
Fica  assim  rectiQcado  o  que  no  artigo  Pato 
Pelle  disse  o  meu  benemérito  antecessor. 


159,  tendeiros,  negociantes,  barbeiros  e  ter- 
reiros—ním  uml...» 

Em  1852  o  Flaviense  deu-lhe  180  fogos;  o 
censo  de  1864  deu-lhe  225  fogos  e  906  ha- 
bitantes; o  censo  de  1878  deu-lhe  241  fogos 
e  1148  habitantes  —  e  hoje,  segundo  diz  o 
seu  reverendo  parocho,  tem  350  fogos  e 
1430  habitantes. 

£  pois  bastante  prospero  o  seu  estado 
actual,  devido  ao  movimento  da  estação  da 
Praia  e  á  construcção  da  linha  férrea  e  das 
duas  pontes  da  linha  sobre  o  Tejo,  —  obras 
importantes  que  occuparam  muitos  braços 
d'esia  freguezia  e  n'el!a  deixaram  muito  di- 
nheiro, como  vae  deixar  a  construcção  da 
ponte  metallica  sobre  o  Zêzere,— -ponte  que 
deve  dar  muita  vida  a  esta  parochia  e  á  es- 
tação da  Praia. 

Vista  retrospectiva 
1821 

A  citada  memoria  diz: — «Todo  o  terreno 
d'esta  víUa  (freguezia  de  Paio  Pelle,  hoje 
Praia)  se  compõe  de  pequenos  lugares,  e 
bastantemente  pobres;  aqui  não  ha  um 
grande  proprietário,  não  ha  um  commer- 
ciante,  quasi  todos  entretanto  tem  seus  pe- 
daços de  terra,  que  cultivam  e  de  que  co- 
lhem poucos  fruetos. 

«Quasi  todos  já  de  antiquíssimos  tempos 
se  tem  empregado  no  serviço  da  pesca,  de 
que  tiram  muito  maiores  vantagens,  do  que 
na  cultura  de  terras  bastantemente  áridas, 
e  estéreis,  e  em  que  somente  muitos  bra- 
ços, muitos  gados  e  muitos  estrumes  pode- 
rão concorrer  para  que  ellas  dôem  algum 
interesse  ao  lavrador. 

«A  pesca  d*estes  homens  he  ás  vezes  no 


1  No  mesmo  anno  esta  parochia  produzia 
50  alqueires  de  legumes  de  diversas  quali- 
dades, 1200  de  trigo,  900  de  centeio,  900  de 
milho  grosso,  castanhas  e  cevada  zero,  cai- 
xas de  laraDjâs  150,  pipas  de  vinho  60,  al- 
queires d'azeite  2000, — tudo  na  importância 
de  4:t96^000  réis,  segundo  os  preços  cor- 
rentes in  illo  tempure. 

V.  Memoria  citada,  pag.  i08. 


2236 


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ZEZ 


rio  Zêzere,  e  muito  principalmente  no  Tejo; 
como  ella  porem  n'e9te8  sítios  não  lhes  da- 
ria todos  aquelles  interesses,  a  que  elles  as- 
pirão,  então  emigrão  para  certas  partes  do 
Tejo,  onde  chega  a  maré,  sendo  o  local  da 
pesca  d'estes  homens  ordinariamente  entre 
Villa  Franca  de  Xira,  e  Salvaterra  de  Ma- 
gos. Pescão  sáveis  desde  o  Natal  até  ao  San- 
to Antonio,  e  mugens  desde  este'  tempo  até 
ao  S.  Martinho. 

tA  immensa  quantidade  de  varinas,  e  de 
chinchas,  e  de  outras  redes  d'esta  ordem, 
chamadas  de  arrastar,  que  desde  o  Alquei- 
dão  até  á  Barquinha  se  empregão  na  pesca 
dos  sáveis  no  tempo  competente,  produz 
muitas  vezes  a  escassez  d'este  peixe  no  pégo 
de  Tancos,  e  he  esta  huma  das  causas  da 
emigração  à'estes  homens;  se  bem  que  ou- 
tros ha,  que  se  empregão  na  pescaria  dos 
sáveis  no  lugar  da  Praia,  com  as  taes  chin- 
chas, e  como  por  tal  emigração  não  terião 
suíBcientes  braços,  costumão  annualmente 
vir  de  Ovar,  e  de  suas  immediações  de  80 
a  100  homens,  que  somente  aqui  permane- 
cem aquelle  tempo  necessário,  e  mesmo  por 
que  esta  gente  he  mais  apta  e  está  mais 
acostumada  a  tal  serviço. 


«O  serviço  rural,  se  bem  quede  pequena 
consideração...  he  somente  feito  por  seus 
habitantes.  Ha  alguns  trabalhadores  que  só 
a  isto  se  dedicão,  e  ordinariamente  ninguém 
recebem  de  fòra, 

«A  colheita  da  azeitona,  género  que  mais 
abunda  n'este  districto,  n'ella  se  empregão 
os  mesmos  pescadores,  pois  quasi  sempre 
acontece  acharem  se  n'este  tempo  aqui;  o 
sexo  femenino  igualmente  se  emprega  n'este 
serviço,  como  em  todos  os  outros  d*agricul- 
tura,  em  que  podem  ser  adrailtidos;  e  para 
o  que  são  superabundantes.  Estaria  este 
paiz  mais  bem  cultivado...  se  seus  habi- 
tantes se  não  inelioassem,  como  por  natural 
propensão,  á  pescaria,  a  terra  entretanto  lhes 
não  compensaria,  pela  sua  má  qualidade^ 
suas  grandes  fadigas;  todos  os  pescadores 
são  gente  pobre,  e  muitos  proprietários  de 


I  fóra  tem  aqui  suas  fazendas;  e  tem  bem  cal- 
culado que  os  jornaes  não  lhes  equivalem 
aos  interesses  da  pescaria.» 

Doação  de  D.  Affonso  Henriques 
1Í69 

Aproveitando  o  ensejo,  mencionaremos 
aqui  3  documentos  importantes  e  bastante 
antigos,  que  prendem  com  esta  parochia: — 
!.•  a  doação  d'ella  aos  Templários  por  D. 
AÍTonso  Henriques  em  1169; — 2,"  o  foral  de 
D.  Gualdim  Paes;  —  3.»  o  foral  de  D.  Ma- 
noel. 

Com  relação  ao  1."  documento,  veja-se  o 
artigo  Penella,  villa  do  districto  de  Coim- 
bra, tomo  6."  pag.  613,  col.  2.*,  onde  se  en- 
contra um  extracto  da  doação  original  em 
latim.  Comprehende  os  castellos  da  Cardiga, 
Thomar  e  Zêzere  {Paio  Pelle,  hoje  Praia) 
cujas  demarcações  eram: 
«— •/»  primis  per  fozem  Beselga. . . » 
Em  vulgar: — •  Primeiramente  pela  foz  da 
ribeira  de  Beselga;  depois  pela  estrada  de 
Penella  (a  Santarém)  até  o  Alfeigedoe  (?); 
d'ali  pelo  alto  do  monte  de  Tancos,  aguas 
vertentes  para  o  Zêzere:  d'ali  vae  até  entrar 
•  no  Tejo,  junto  do  castello  à'Almeirol;  de- 
pois vae  pelo  meio  do  Tejo  até  á  foz  do  Zê- 
zere; depoií  pelo  meio  do  Zêzere  até  á  foz 
do  rio  de  Thomar  (Nabão)  —  e  finalmente 
pelo  rio  Nabão  até  á  dieta  ribeira  de  Be- 
selga. 

Do  exposto  se  vê  que  o  chão  da  fregue- 
zia  de  Paio  Pelle,  anteriormente  villa  e  Cas- 
tello do  Zêzere,  hoje  Praia,  foi  dado  aos  ea- 
valleiros  do  Templo  no  anno  de  1169;— ex- 
tinctos  os  templários  passou  para  os  cával- 
leiros  de  Christo,  os  quaes  apresentavam 
um  freire  seu  na  dieta  egreja. 

Foral  de  D.  Gualdim  Paes 
anno  1174 


0  1.*  foral  que  teve  esta  parochia  foi  o 
que  D.  Gualdim  Paes,  mestre  do  Templo, 
deu  ao  Castello  da  Foz  do  Zêzere  no  mez  de 


ZEZ 


ZEZ 


2237 


jUQlio  da  era  de  1212,— anno  1174— e  queé 
muito  semelhante  ou  quasi  idenfico  ao  que 
no  mesmo  mez  e  anno  deu  a  Thoraar. 

No  do  Castello  ou  Villa  da  Foz  do  Zêzere 
diz  entre  outras  coisas  o  seguinte: 

«Si  quis  ergo  raussumvel  tiomicidium...» 

Em  vulgar: 

«Se  algum  dos  habitantes  do  nosso  Castel- 
lo do  Zêzere  comraeiter  crime  de  estupro  ou 
de  homieidio  ou  entrar  violentamente  em 
alguma  casa  da  villa,  pagará  oOO  soldos.  Se 
este  delieto  for  praticado  no  termo  da  villa, 
mas  extra  muros,  pagará  60  soldos. 

«O  que  raetter  esterco  na  boeea  d'outro, 
dentro  da  villa  ou  fora  d'ella,  pagará  60  sol- 
dos. 

«Quem  agredir  ouíro  com  armas  e  o  fe- 
rir, sendo  dentro  da  villa,  pagará  60  soldos; 
^  sendo  fóra  d'ella  pagará  30. 

«Logo  que  se  prove  em  juiso  que  alguém 
feriu  outro,  o  auctor  do  delieto  pagará  60 
soldos. 

«Se  alguém  decepar  qualquer  membro 
d'outro,  pagará  60  soldos. 

«Por  feridas  que  tenha  de  satisfazer,  pa- 
gue-as  a  quem  dever  pagal-as— ou  bala-se 
em  campo,  segundo  os  antigos  foros  (usos  e 
costumes)  de  Coimbra. 

«As  citações  ou  intimações  ordenadas  pelo 
alcaide  ou  pelo  juiz  serão  feitas  com  teste, 
munhas  para  terem  validade. 

«Não  se  fará  penhora  em  casa  alguma, 
sem  que  o  dono  primeiramente  seja  chama- 
do a  juiso. 


«Todas  as  acções  tentadas  por  nós  cu 
pelo  nosso  mordomo,  quando  houver  provas, 
julguem-nas  os  homens  bons  e  não  as  justi- 
ças da  villa. 

«O  que  fôr  chamado  a  depôr  em  juizo  e 
occultar  a  verdade,  sabendo-a,  pague  ao 
individuo  prejudicado  o  que  lhe  fizer  per- 
der e  outro  tanto  ao  senhor  da  villa — e  não 
mais  possa  ser  testemunha  em  juiso 

«Se  algum  procurador  se  compozer  com 
o  mordomo,  falseando  seu  commiltente,  e 
isto  se  provar  com  testemunhas,  pague  o  que 
fez  perder  ao  seu  constituinte;  —  não  tendo 
bens  sufficientes  para  a  indemnisação,  pa- 
gue com  o  corpo— e  não  se  lhe  admitia  jus- 

VOLUME  XI 


tifleação  em  juizo,  sem  que  primeiro  dé  íian- 
I  ça  idónea. 

«E  ninguém  poderá  ser  procurador  em 
juizo  sem  ter  carta,  pois  taes  procuradores 
são  a  ruína  da  sociedade. 


« Aquelle  que  em  defeza  do  seu  campo,  da 
sua  vinha,  ou  da  sua  almoinha  maltraetar 
outro,  embora  o  fira,  nada  pague;  mas  se 
aquelle  que  fizer  o  damno  ferir  o  dono  da 
propriedade,  pague  o  damno  e  os  ferimen- 
tos. 

«Ninguém  poderá  trazer  armas  na  villa. 
Aquelle  que  as  trouxer,  embora  não  fira  al- 
guém com  ellas,  perdel-as-ha. 

«O  que  usar  de  medidas  ou  covados  fal- 
sos pague  5  soldos. 

«Quem  se  apropriar  violentamente  do 
alheiOj  em  casas  ou  fora  d'ellas,  pague  o 
dobro. 

«Se  algum  homem  accusar  a  sua  mulher 
de  adultera  e  provar  em  juizo  o  adultério^, 
os  bens  da  adultera  serão  do -senhor  da 
villa. 

«Ninguém  poderá  abrir  valias  nos  cami- 
nhos públicos,  nem  mudar  marcos,  e  o  que 
tal  fizer  será  punido  segiindo  os  foros  (usos 
e  costumes)  da  villa. 

«O  almotacó  será  nomeado  pelo  concelho. 


«Quem  prender  ladrões  ou  malfeitores 
entregue-08  ao  nosso  mordomo  e  não  incor- 
ra por  isso  em  pena  alguma. 

«Se  alguém  entrar  em  vinha,  campo  ou 
almoinha  d'outro,  de  dia  e  furtivamente  para 
comer,  ou  melter  besta  sua  nos  ferragiaes 
alheios,  pague  5  soldos.  Se  das  propriedades 
d'outro  levar  fructos  no  ceio  ou  no  regaço, 
em  saco  ou  em  cesta,  pague  um  morabilino; 
—sendo  de  noite,  pague  60  soldos  e  perca  a 
roupa  que  levar  vestida^  —  e  metade  d'esta 
pena  será  para  o  dono  da  propriedade  rou- 
bada; não  tendo  porem  com  que  pague,  pre- 
guem o  ladrão  na  porta  durante  3  dias  e  no 
4.*  açoiíem-no'^\ . . . 


«Se  alguém  for  fiador  d'outro  e  esse  ou- 
tro não  cumprir,  pague  o  fiador  por  inteiro. 

141 


2238  ZEZ 


ZEZ 


«Se  o  mouro  (escravo)  d'alguera  andar 
solto  e  commetter  algum  crime,  responda  e 
pague  por  elle  o  seu  senhor,  ou  entregue- o 
ao  mordomo  para  fazer  n'elle  justiça;  an- 
dando com  cadeias  ou  sendo  moura,  embo- 
ra ande  em  liberdade,  se  commetter  algum 
crime,  não  os  perca  o  seu  senhor  (exce- 
ptuando 09  crimes  que  devam  ser  punidos 
com  pena  do  morte)  mas  sejam  açoitados  e 
depois  entregues  ao  seu  senhor. 


«A  jugada  será  de  16  alqueires,  segundo 
a  medida  do  concelho. 

«De  uma  junta  de  bois  pagarão  16  alquei- 
res, metade  de  trigo  e  metade  de  segunda, 
—cevada,  centeio  ou  milho. 

«O  cavador  pague  metade  do  que  nas  ou- 
tras terras  costumam  pagar  os  cavadores  ou 
jornaleiros. 

«Das  vinhas  paguem  a  decima  parte  do 
vinho  que  colherem,  depois  que  as  vinhas 
produzam  10  puçaes. 

«Do  pescado  paguem  também  a  decima 
parte. 


«Quem  fizer  moinhos  nos  ribeiros  ficará 
sendo  dono  d'elles  e  pagará  apenas  de  14 
alqueires  1. 


«E  se  o  nosso  mordomo  por  malicia  in- 
fringir este  foral,  por  peita  que  receba  ou 
para  favorecer  alguém,  fica  responsável  para 
comnosco  por  sua  pessoa  e  bens. 

«O  dono  de  qualquer  propriedade  poderá 
vendel-a  passado  um  anno. 

«Este  foral  foi  dado  no  mez  de  junho  da 
era  de  1212  anno  1174,  no  2.°  anno  depois 
da  fundação  da  villa  e  do  castello  da  foz  do 
Zêzere —amo  secundo  a  constrncti  opidi 
populatione.  Eu  mestre  G.  (D.  Gualdim 
Paes)  com  os  meus  freires  o  roboro  o  con- 
firmo. 

 t 

V.  Portugalice  Montmenta,  tit.  Foralia, 
pag.  402  e  403,  onde  se  encontra  este  foral 
na  sua  integra— e  desculpem  os  lapsos  da 
traducção,  pois  não  é  faeil  de  verter  o  latim 
d'este  e  d'outros  documentos  análogos  do 
sec.  XII. 


Foral  de  D.  Manoel  dado  á  villa  de  Paio  Pelle 
em  1519 

«D.  Manoel,  etc. 

Mostrasse  polias  dietas  Imquirições  estar 
a  ordem  em  costume,^  e  posse,  sem  contra- 
diçara  de  dar  as  terras  da  dita  ordem,  e  co- 
menda para  casaees  emeabeçados  por  hum 
quarteyro  de  pam,  meado  em  cada  hum  an- 
no, a  saber:  ametade  de  trigo,  e  a  outra  me- 
tade segunda,  que  se  emtemde  cevada,  een- 
teo,  ou  milho;  e  mais  davam  aos  comenda- 
dores o  dizimo  de  todo  o  que  eolhyam,  e 
mais  cada  casal  cadanno  huraa  galinha,  e 
huma  dúzia  dovos. 

«E  03  cazeyros  que  asy  tomaram,  ou  to- 
marem os  maninhos  com  o  dito  foro,  sam 
obrigados  a  confirmarem  seus  titollos  pollo 
mestre,  ou  seus  veedores  da  fazenda,  ou 
pellos  vizitadores  da  bordem. 

«E  os  comendadores,^  mordomos,  ou  ren- 
deiros seram  dilligentes  era  receberem  o 
pam,  e  foros  aos  tempos  em  seus  coniraetos 
e  scrituras  obrigados;  porque  se  assy  lho 
nam  receberem  levando-lho,  nam  seram 
obrigados  os  pagadores  a  lho  levarem  ja- 
mais, salvo  a  lho  pagarem  a  dinheiro  pollo 
preço  soomente  que  vallia  na  terra  j  oral- 
mente ao  tempo  que  lho  nam  quizerara  re- 
ceber, 

«E  tem  mais  a  ordem,  e  comendadores  o 
direito  dos  pastos,  e  montados,  e  cortiça  da 
dita  terra,  segundo  se  avierem  com  as  par- 
tes assy,  e  na  maneira  que  atee  ora  estam 
em  posse  de  o  assy  fazer. 

«E  jazem  no  lemite,  e  termo  dó  dito  lugar 
de  Pay  pelle  alguas  terras,,  e  olivaes  patri- 
moniaaes  dalguas  pessoas,  de  que  nàm  pa- 
gam ha  ordem,  nem  comendador  ninhum 
tributo,  nem  foro,  soomente  o  dizimo  a 
Deos,  segundo  estam  sabidas. 


1  Refere-se  á  ordem  de  Chrisío,  successo- 
ra  da  do  Templo  em  Portugal. 

^  Refere-se  á  eommenda  de  Santa  Maria 
d^Almourol,  cujos  commendadores  possuíam 
o  castello  d'este  nome. 


ZEZ 


ZEZ  2239 


fitem:  se  paga  mais  outro  direito  no  li- 
mite do  dito  lugar  nos  canaaes,  e  pesquei- 
ras hy  sytuadas,  duas  dizimas  do  pescado 
que  se  nellas  mata,  a  saber:  hua  dizima  ve- 
lha, que  he  da  dita  comenda,  e  outra  dizi- 
ma nova,  que  a  nos  m  solido  pertence  per 
bem  do  contracto  antigo  dos  pescadores,  nas 
quaes  avemos  por  bem,  e  mandamos  que  se 
nam  faça  mudança,  nem  ennovaçam  de  co- 
mo atee  aqui  usaram  de  pagar. 

«E  alem  dos  foros  e  tributos  acima  decra- 
rados,  mandamos  que  daquy  adiante  se  nam 
paguem  hy  nenhuns  outros  de  ninhua  eali- 
dade,  e  eondiçam  que  sejam,  assy  dos  foros 
da  terra  como  das  pessoas,  a  saber:  Porta- 
gem nem  pena  darma,  nem  ninhum  outro, 
afora  os  sobreditos. 

«E  porém  mandamos  que  todallas  cousas 
se  eumprão  como  nesta  nossa  carta  e  foral 
he  determinado,  soo  as  penas  contheudas  no 
foral  de  Tomar,  cabeça  do  dito  mestrado. 

«Dada  em  a  nossa  cidade  devora  a  vinte 
e  dous  do  mes  de  dezembro  anno  do  nas- 
cimento de  nosso  Senhor  Jesus  Chrispto  de 
mil  e  quinhentos  e  dezano  ve;  e  vay  feyto 
ho  original  em  carta  em  vintoyto  regras  e 
meya  eoracerto  e  soescrito  por  mym  Fer- 
nam  de  Pina.» 

Livro  de  Foraes  Novos  da  Estremadu- 
ra —  fl.  Vk\,  v,  eol.  2.»,  e  —  tomo  8.»  das 
Memorias  da  Acad.  R.  das  Sciencias,  parte 
II,  pag.  120  e  130,  donde  eu  o  trasladei.  E' 
parte  integrante  da  Memoria  económica,  ci- 
tada supra,  e  ali  se  encontram  também  os 
foraes  velho  e  novo  de  Thomar, — o  que  D. 
Manoel  deu  ás  villas  de  Atalaia  e  Assincei- 
ra, — e  os  Privilégios  concedidos  por  diffe- 
rentes  reis  nossos  à  mesma  villa  de  Atalaia> 
etc. 

Posturas  antigas  de  Paio  Pelle  e  Tancos 

Na  citada  Memoria  económica,  pag,  102, 
se  indicam"!as  posturas  que  vigoravam  nas 
villas  de  Paio  Pelle  e  Tancos  em  1821.  Na- 
da teem  de  notáveis,  excepto  duas,  a  1.* 
das  quaes  prohibia  inclusivamente  ao  pró- 
prio dono  cortar  mattos  sem  licença  da  ca- 


mará;— a  2.'  prohibia  aquém  não  tivesse 
olivaes  próprios  vender  azeitona,  embora  os 
trouxesse  de  renda. 
Que  sábios  legisladores?! . . . 

Feira  de  Santo  Antonio 

l     «A  feira  de  Paio  Pelle —  diz  a  citada  Me- 
j  moria — he  geralmente  conhecida  pelo  nome 
de  Feira  de  Tancos. . .  porque  pertencia  a 
I  esta  ultima  villa ;Sh6je  porem  (1821)  se  faz  e 
!  pertence  a  Paio  de  Pelle,  por  huma  trans  • 
j  acção  que  fizerão  os  antigos  habitantes  d'es- 
j  tas  duas  contíguas  villas.  N'este  sitio  ha  no 
i  Tejo  huma  barca  de  passagem  para  o  Arri- 
Ipiado,^  que  sempre  pertenceo  e  pertence 
ainda  á  comraenda  de  Almourol  da  villa  de 
\  Paio  de  Pelle;  porem  os  moradores  de  Tan- 
cos consentirão  que  a  feira  se  mudasse  para 
Paio  de  Pelle,  com  a  condição  de  que  lhe 
dessem  porto  da  barca  em  Tancos,  e  seus 
habitantes  nada  pagassem  pela  passagem 
do  Tejo,  o  que  assim  se  executou;  entretan- 
to a  barca  porta  aonde  melhor  convém  aos 
que  a  regem,  n'huma  ou  n'outra  villa,  se- 
gundo o  estado  das  innundações  do  Tejo, 
nem  isto  faz  alguma  differença  pela  proxi- 
midade das  duas  villas. 

Esta  feira  se  faz  dia  de  Santo  Antonio  em 
todos  03  annos,  e  continua  ainda  mais  dois 
dias;  ella  he  de  muito  maior  concorrência 
do  que  a  de  Punhete  incomparavelmente... 
e  he  estabellecida  pelas  ruas  de  Paio  de 
Pelle.»^ 


1  A  povoação  do  Arripiado  demora  na 
margem  esquerda  do  Tejo  e  já  pertenceu  e 
não  sei  se  ainda  pertence  á  fregueziã  e  villa 
de  Tancos.  Prende  com  ella  a  seguinte  lo- 
cução popular:— Tancos,  Tanquinhos,  Paio 
Pelle,  Arripiado  e  Arripiadinhos.  Tanquinhos, 
Arripiado  e  Arripiadinhos  são  aldeias  da 
freguezia  de  Tancos. 

A  de  Arripiadinhos  também  demora  na 
margem  esquerda  do  Tejo. 

2  Do  exposto  se  vê  que  a  povoação  de 
Paio  Pelle,  hoje  completamente  extincta  e 
sem  uma  casa  única,  ainda  em  1821  era 
villa  e  tinha  ruas  onde  se  fazia  a  grande 
feira;  a  mesma  Memoria  porem  diz  que  já 
n'aquelle  tempo  era  muito  importante  a  po- 
voação da  Praia. 


2240  ZIB 


ZIB 


Cancorria  à  dieta  feira  rauita  lã  de  gado 
das  cireumvisiDhanças  e  de  terras  muito 
afastadas;— muito  panno  de  linho  das  visi- 
nhanças  e  da  província  do  Minho;  muitos 
relrozeiros  e  ourives  do  Porto  e  de  Lisboa, 
que  faziam  por  ali  escala  para  a  grande  fei- 
ra de  S.  João  d'Evora,  ainda  hoje  (1889)  a 
feira  de  la  mais  importante  que  ha  em  todo 
o  nosso  paiz.  Regula  os  preços  da  là  nacio- 
nal e  quem  marca  na  dieta  feira  o  preço 
da  lã,  ha  mais  de  20  annos,  é  a  grande  ca- 
sa industrial  Rainhas,  de  Gouveia,  por  ser  a 
que  ali  costuma  comprar  imu  lã,~ordiaa- 
riamente  seis  a  oito  mil  arrobas— &  sempre 
a  dinheiro  de  contadofl... 

V.  Gouveia  e  Villa  Nova  de  Tazem  n'este 
diceionario  e  no  supplemenio. 

Extincta  a  villa  de  Paio  Pelle,  a  mencio- 
nada feira  mudou-se  para  a  villa  da  Bar- 
quinha. Ali  se  faz  ainda  hoje  (1889)  e,  pos- 
to que  soffreu  bastante  com  as  novas  estra- 
das e  linhas  férreas,  ainda  tem  uma  certa 
importância  e  abunda  em  sola  e  cabedaes 
da  freguezia  de  Alcanena,  concelho  de  Tor- 
res Novas,  onde  ha  muitas  fabricas  de  cor- 
tumes. 

V.  Alcanena  e  Zibreira. 

ZIBREIRA  — aldeia  da  parochia  de  S. 
Martinho  da  villa,  concelho  e  comarca  de 
Cintra. 

Temos  no  nosso  paiz  mais  3  aldeias,  3 
casaes  e  1  quinta  com  o  mesmo  nome  de 
Zibreira— Q  Zibreira  da  Fé  e  Zibreira  de  Fe 
taes,  aldeias  da  freguezia  de  S.  Quintino, 
concelho  de  Arruda,  mas  não  consta  que 
oflfereçam  alguma  coisa  notável. 

Com  relação  á  elymologia  de  Zibreira, 
vide  Zebreira  n'este  volume,  pag.  208o, 
col.  1.* 

Suppomos  que  Zibreira  é  modifleação  de 
zimbreira,  synonimo  de  zimbral,  e  quer  di- 
zer matta  de  zimbro;  mas  também  ó  possí- 
vel que  alguma  das  povoações,  herdades  e 
quintas,  denominadas  Zibreira  e  Zebreira, 
tomassem  o  nome  de  Zibraria,  Zebraria  ou 
Ezebraria,  formula  feminina  de  Ezebrario, 
nome  de  homem  nos  princípios  do  see.  xi. 

V.  Portugalioe  Monumento,  —  Diplomata 
et  Chartae,  pag.  145,  onde  se  encontra  um 
documento  do  anno  1018.  em  que  Qgura  um 


homem  com  o  nome  de  Ezebrario  e  que  foj 
grande  proprietário  ao  sul  do  Vouga. 

ZIBREIRA— freguezia  do  concelho  e  co- 
marca de  Torres  Novas,  districto  de  Santa- 
rém, diocese  de  Lisboa,  província  da  Es- 
tremadura. 

Orago— S.  Sebastião. 

Fogos  152,~habitantes  615. 

Em  1712  a  Chorogr.  Port.  apenas  disse 
que  esta  parochia  era  um  curato. 

Era  1768  era  também  curato  da  apresen- 
tação do  prior  de  S.  Pedro  de  Torres  No- 
vas,—rendia  30^000  réis  e  contava  60  fogos, 
segundo  se  lê  no  Port.  S.  e  Profano. 

Em  18o2  o  Flaviense  deu-lhe  75  fo^os;  o 
censo  de  1864  deu-lhe  125  fogos -e  445  ha- 
bitantes,—e  ©  de  1878  deu-lhe  149  fogos  e 
579  habitantes. 

Demora  na  estrada  de  Torres  Novas  para 
Minde  e  Porto  de  Mós  e  dista  7  kiloraetros 
de  Torres  Novas  para  O.  15  do  Entronca- 
mento da  linha  do  Norte  com  a  de  Leste 
para  O.  lambem;  15  da  estação  de  Torres 
Novas  para  N.O.— -118  de  Lisboa— e  249  do 
Porto. 

Alem  da  povoação  de  Zibreira,  séde  da 
freguezia,  comprehende  a  de  Almonda,  uma 
fabrica  de  papel  e  os  moinhos  da  Fonte,  da 
Azenha  e  do  Casal  de  Feijão. 

Fonle  de  S.  Sebastião 

Em  junho  de  1881  dizia  o  Pombalense: 

«Na  freguezia  da  Zibreira,  concelho  de 
Torres  Novas,  rebentou  no  mez  de  junho 
uma  nascente  d'agua,  no  mesmo  sitio  pouco 
mais  ou  menos,  em  que  ha  muitos  tempos, 
segundo  a  tradição,  existiu  uma  fonte  de- 
nominada de  S.  Sebastião,  que  desappare- 
eeu  ha  mais  de  cem  annos,  sem  d'isso  se  sa- 
ber a  causa.  Esta  noticia  é  confirmada  pelo 
testemunho  insuspeito  d'um  parocho  d'a- 
quella  freguezia,  no  anno  de  1753,  quando 
fez  o  relatório  das  curas  assombrosas  em 
varias  enfermidades. 

«Em  1755  era  aquella  fonte  jà  conhecida 
pelo  nome  de— agua  milagrosa  da  fonte  dg 
S.  Sebastião. 

«Agora,  como  jà  acima  dito  fica,  appare- 
ceu  de  novo  a  agua  por  muitos  annos  ex- 


ZIB 


ZÍD  •  2241 


tineta,  e  eslá  'chanaaQdo  grande  afflaencia 
de  pessoas  enfermas,  que,  umas  do  conce- 
lho, outras  de  longes  terras,  alli  concorrem 
attrahidas  pela  fama  de  muitas  curas  que  já 
se  téem  operado. 

«Embora  sejam  exageradas  ou  assim  re- 
putadas as  virtudes  de  lai  fonte,  nós  con- 
tamos o  que  acaba  de  nos  ser  traosmittido 
por  pessoa  respeitável  e  de  inteiro  credito, 

«As  aguas  váo  ser  analysadas  chimica- 
menie.» 

Producções  dominantes:  --  vinho,  azeite, 
cereaes  e  fructa. 

Banha  esta  paroehia  aN.  um  ribeiro  con- 
fluente do  Alviella,— ramo  que  vem  da  ser- 
,  ra  d'Ayre,  na  altitude  de  677  metros,  e  to- 
ca em  Torres  Novas,  onde  se  junta  ao  ramo 
•  principal,  que  vem  da  Portella,  13  kil.  a  N. 
de  Torres  Novas. 

Passa  na  Zibreira  a  estrada  a  maeadara 
dislrictal  n.»  74,  da  estação  de  Torres  Novas 
a  Porto  de  Mós,  pela  Zibreira,  Minde,  Alça- 
ria, etc.  e  que  dá  um  ramal  da  Zibreira 
para  Alcanêna  ò  Monsanto,  etc. 

Na  dieta  estrada  raontou-áe  uma  linha 
férrea  americana  a  vapor,  de  via  reduzida, 
que  parte  da  estação  de  Torres  Novas  e  vae 
até  Alcanêna,  povoação  e  freguezia  impor- 
tante e  muito  industrial,  pois  tem  muitas 
fabricas  de  corturaes  de  couro,  etc. 

Foi  construicla  por  umaempreza  particu- 
lar em  1887  a  1888  e  tem  as  7  estações  se- 
guintes:— Torres  Novas,  junto  da  estação 
dVste  nome  na  linha  férrea  do  norte, — Ria-  j 
ehos,  Torres  Novas  (villa)  Baila  Vistí,  Ri- 
beira Branca,  Zibreira  e  AL'anéoa. 

Comprehende  22  kilometros  e  foi  seu 
concessionário  o  barão  de  Maitosinhos. 

As  maiores  altitudes  em  voita  da  povoa- 
ção de  Zibreira  são:  -  107.  metros  (sobre  o 
nivel  do  mar)  a  N.;— 110,  a  0.— a  i21  a  E.i 


1  Nada  mais  podemos  adiantar  com  rela- 
ção a  esta  freguezia,  porque  o  seu  reveren- 
do parocho,  a  despeito  das  nossas  reitera- 
das instancias,— nsLO  se  dignou  responder- 
nos. 


\  ZIDO—antigaraente  Izeda  e  talvez  paro- 
I  chia,— hoje  simples  aldeia  da  freguezia  de 
j  Villar  d' Ossos,  concelho  e  comarca  de  Vi- 
i  ahaes,  era  Traz  os  Montes. 
■  V.  Villar  d'Ossos,  tomo  11.»  pag.  i253, 
I  col,  2.» 

I  ZIDOY— -hoje  Sidoi  ou  Sidões, — aldeia  da 
j  freguezia  de  S.  Thiago  de  Bougado,  conce- 
lho de  Santo  Thyrso. 

Nas  Dissert.  Chronol.  de  J.  P.  R.  tomo  1.* 
pag.  209,  se  encontra  um  documento  do 
sec.  XI  (era  de  108i,  anno  1046)  no  qual  se 
faz  menção  da  dieta  aldeia  com  o  nome  de 
villa  (quinta  ou  casal)  de  Zidoy. 

No  latim  bárbaro  d'aquel!e  tempo  era  tri- 
vial escreverem  z  em  vez  de  s  ou  c.  No  do- 
cumento citsdo,  por  exemplo,  se  encontra 
conzedimus  em  vez  de  concedimus,—e  Cara- 
pezos  em  vez  da  Carapeços. 

No  mesmo  documento  se  menciona  a  vil- 
la Burgalani,  que  é  hoje  a  aldeia  e  fregue- 
zia de  S.  Thiago  de  Burgães,  pertencente 
como  a  de  S.  Thiago  de  Bougado  ao  mesmo 
concelho  de  Santo  Thyrso;  —  ambas  demo- 
ram na  margem  erquerda  do  Ave  —  e  são 
por  consequência  muito  antigas. 
V.  Burgães  e  Bougado. 
ZIGAROS~ou  zíngaros— ou  CIGANOS 
—raça  de  gente  vagabunda,  que  pretende 
conhecer  o  futuro,  lendo  a  biiena  dicha  pe- 
las raias  ou  linhas  da  mão.  Vive  d'este  e 
d'outros  embustes,  principalmente  de  trocas 
e  baldrocas  de  cavalgaduras  e  de  cantar  e 
dançar. 

Costumam  viver  juntos  em  bairros  pró- 
prios, teem  costumes  particulares  e  uma 
giria,  espécie  de  germania,  com  que  se  en- 
tendem; mas  a  maior  parte  vagabundeia  pe- 
los campos  e  sertões. 

Dizem-se  naturaes  doEgypto  e  obrigados 
a  peregrinar  pelo  mundo  sem  domicilio  per- 
manente, como  descendentes  dos  que  não 
quizeram  agasalhar  o  Menino  Jezus,  quan- 
do S.  José  e  a  Virgem  peregrinaraín  com 
elle  pelo  Egypto. 

Raphael  Volaterrano  faz  menção  d'esta 
gente  e  diz  que  traz  a  ^ua  origem  de  certos 
povos  da  Pérsia  que  faziam  profissão  de  ler 
I  a  buena  dicha.  Outros  dizem  que  os  ciga- 
!  nos  vieram  de  Esclavonia  ou  de  terras  con- 


2242  ZIG 


ZÍG 


finantes  com  a  Hungria  ou  com  a  Bohemia, 
pelo  que  os  francezes  os  denominaram  bo- 
hemes  ou  bohemiens, — bohemios. 

O  auctor  do  Diccionario  Oriental  diz 
que  foram  chamados  bohemios,  por  se  uni- 
rem com  elles  no  tempo  da  guerra  dos 
Hussitas  uns  fugitivos  da  Boheíiaia.  Moraes 
diz  que  o  nome  de  zingaros  vem  do  italiano 
zingari  e  o  de  ciganos  do  allemao  ziegeu- 
ner. 

No  orielite  foram  chamados  zingues  e  zeu' 
guis,  nomes  que  leem  muita  analogia  com 
o  de  zingaros  ou  ciganos. 

Certo  árabe,  auctor  do  livro  Mirrat,  diz 
que  os  ciganos  procedem  em  linha  recta  de 
Pharaó  e  dos  sequazes  da  sua  impiedade. 


Quando  entraram  em  França  foram  cha- 
mados penanciers  ou  penitents — penitentes. 
Os  prineipaes  d'elles  eram  12,  um  dos  quaes 
se  denominava  duque  (em  latim  dux^)—e 
outro  conde.  Ao  todo  eram  aproximadamen- 
te 120;  diziam  ser  naturaes  do  Egypto  infe- 
rior e  que,  por  serem  christãos,  foram  ex- 
pulsos das  suas  terras  pelos  sarracenos; — 
que  vinham  de  Roma,  onde,  depois  da  con- 
fissão dos  seus  peecados,  o  pontífice  lhes 
dera  por  penitencia  andarem  7  annos  pelo 
mundo  sem  se  deitarem  em  cama;  —  e  as 
ciganas  já  se  entregavam  ao  mister  de  ler 
a  buenadicha,  mas  o  bispo  de  Paris  os  ex- 
pulsou eexcommungou  a  quem  lhes  mos- 
trasse as  mãos. 

Hoje  os  ciganos  são  bandos  de  vadios 
de  varias  nações,  descendentes  dos  que 
vieram  do  Egypto,  ou  da  Núbia,  ou  daEs- 
clavonia,  ou  da  Hungria  ou  da  Bohemia. 
Na  opinião  d'alguns  autores  a  giria  ou  lín- 
gua que  faliam  resente-se  da  esclavona. 

São  muito  entendedores  de  gado  cavallar 
6  muito  astutos  nas  trocas,  compras  e  ven- 
das. Em  geral  quem  negoceia  cavalgadu- 


j  ras  com  elies  fica  sempre  lesado,  ludibria- 
do e  roubado. 

Anecdota  interessante 

Seja  nos  licito  apontar  uma  das  gentile- 
zas dos  taes  ciganos,  que  é  realmente  cu- 
riosa e  prende  com  um  meu  collega  que 
foi  prior  de  Cambas,  então  um  dos  bene- 
fleios  mais  rendosos  do  bispado  da  Guar- 
da.i 

Paliando  da  dieta  parochia  e  dos  seus 
priores,  diz  o  sr.,  D.  João  Maria  Pereira  do 
Amaral  Pimentel,  bispo  d' Angra,  na  sua 
Memoria  da  vil  la  de  Qleiros,  pag.  264,  o  se- 
guinte: 

«Do  prior  Joaquim  Paes  Pinheiro,  que 
'  parochiou  esta  freguezia  desde  os  fins  do 
ultimo  século  até  1828,  contam-se  aneedo- 
tas  galantes,  algumas  das  quaes  vamos  re- 
latar:— Tinha  elle  duas  bellas  mulas,  que 
costumava  vender  quando  estavão  velhas^ 
e  substituil-as  por  outras  novas.  Dando-se 
este  caso,  dirigiu -se  com  as  mulas  para  a 
feira  de  S.  João  da  Guarda,  que  durava 
muitos  dias,  e  logo  que  a  ella  chegou  as 
vendeu,  cuidando  depois  de  comprar  ou- 
tras nas  condições  em  que  as  pretendia;  e 
com  eífeito,  encontrando-as  como  as  dese- 
java, as  pagou  por  bom  preço  montando-se 
logo  n'uma  e  o  criado  na  outra,  e  seguin- 
do gostoso  para  o  seu  priorado,  na  per- 
suação  de  que  trazia  duas  bellas  mulas 
novas.  Pelo  decurso  porem  da  jornada  que 
era  longa,  o  criado  começou  a  observar 
j  que  as  mulas  tinhão  os  mesmos  hábitos  das 
j  antigas,  e  a  desconfiar  que  fossem  as  mes- 
mas, transformadas;  e  communicou  a  sua 
desconfiança  ao  amo,  que  a  levou  muito  a 
mal,  Indignado  de  tal  lembrança. 

O  criado,  no  entanto,  continuava  a  insis- 
tir respeitosamente  na  sua  descontiança, 
apresentando  os  signaes  e  provas  d'ella, 
mas  debalde;  porque  o  prior  repellia  sem- 


1  D'aqui  provem  talvez  o  termo  pastoril  i  V.  Cambas,  tomo  2.»  pag.  51,  col.  l.*-— 
cigano,  dado  ao  carneiro  guia.  e  Zêzere^  rio. 


ZIG 


ZIG  2243 


pre  com  indignação  tal  suspeita;  argumen- 
tando com  os  dentes  curtos,  outra  pellagem 
e  muitas  differenças'  das  mulas  velhas. 


«Para  confundir  finalmente  o  criado,  pro- 
poZ'lhe  a  seguinte  experiência:  Costumavão 
as  mulas  velhas  pastar  soltas  em  certa  pro- 
priedade, por  onde  havião  de  passar  os  dois 
feirantes,  e  ião  perto  da  noite  reeolher-se 
espontaneamente  á  cavalhariça  na  povoa- 
ção. Propoz  pois  ò  prior  ao  criado  que,  em 
chegando  áquelle  sitio  se  apeassem  e  dei- 
xassem as  mulas  em  liberdade,  porque  se 
fossem  ter  á  cavallariça,  evidente  ficaria  se- 
rem as  mesmas,  mas  se  não  fossem,  certo 
era  serem  outras.  Com  alvoroço  aeceitou  o 
criado  a  proposta;  fez-se  como  estava  pla- 
neado, e  as  mulas,  com  grande  confusão  e 
desgosto  do  prior,  chegarão  a  casa  primeiro 
que  o  dono.»^ 

O  prior  devia  ficar  fulo  contra  os  taes  ci- 
ganos, pois  era  muito  enérgico  e  muito  de- 
mandista,  como  diz  também  o  sr.  bispo  de 
Angra  nas  suas  ili/moms: 


1  Via  menos  o  tal  prior,  do  que  o  cego  de 
Macieira,  freguezia  do  concelho  de  Sernan- 
celhe. Tendo  perdido  completamente  ambos 
os  olhos  com  bexigas,  aos  4  annos  de  ida- 
de, e  vivendo  longos  annos,  costumava  criar 
cavalgaduras,  —  frequentava  as  feiras  com- 
prando-as,  trocando-as,  vendendo-as  —  e 
nunca  os  ciganos  o  lograram!— Pelo  contra- 
rio, quem  queria  uma  cavalgadura  de  con- 
fiança, incumbia  o  tal  eego  de  a  escolher. 

Também  jogava  o  chincalhão;  pelo  Jacto 
ennaipava  e  conhecia  as  cartas  —  e  não  se 
enganava  no  jogo.  Bastava  que  lhe  disses- 
sem a  carta  que  estava  na  mesa. 

Um  sobrinho,  herdeiro  d'elle,  e  um  res- 
peitável cavalheiro,  seu  vizinho,  me  conta- 
ram estas  6  outras  anecdotas  semelhantes, 
que  parecem  incríveis. 

V.  Madeira  n'e8te  diccionario  e  no  sup- 
plemento. 

Sublinhei  o  termo  ennaipar  (separar  as 
cartas  de  jogo  pela  ordem  dos  naipes)  por 
que,  sendo  tão  vulgar  na  nossa  lingoa,  não 
se  encontra  em  diccionario  algum  portu- 
guez. 


tEm  ouvindo  os  pastores  a  gritar  aos  lo- 
bos, porque  tinha  grandes  rebanhos  de  ga- 
do, saia  da  Egreja,  ainda  que  estivesse  re- 
vestido (?)  a  gritar  também. 


j  «Andava  quasi  sempre  envolvido  em  de- 
mandas, e  indo  hospedar-se  em  sua  casa  o 
escrivão  José  Antunes  Pinto,  a  quem  ouvi- 
mos contar  este  facto,  e  dispondo-se  o  prior 
para  dizer  missa,  offereeeu-se-lhe  aquelle 
para  lhe  ajudar  a  ella.  José  Aniunes  Pinto 
estava  aõ  facto  de  alguns  processos  em  que 
tinha  parte  o  prior,  talvez  por  ser  escrivão 
n'elles,  e  grande  foi  a  sua  confusão  quando 
pelo  decurso  da  missa  o  prior,  interrompeu  - 
do-a,  se  dirigia  a  elle,— pedindo  a  sua  opi- 
nião sobre  differentes  arrasoados  e  peças 
dos  processos,  sobre  o  que  discorria,  como  se 
estivesse  discutindo  a  causa  em  juizo.» 

Juízo  era  o  que  lhe  faltava.  Parece  que 
ainda  tinha  menos  do  que  o  Sancho  Pança 
que  o  acompanhou  na  viagem  á  feira,  pois 
foi  o  primeiro  a  notar  a  burla. 
Prosigamos. 

Os  taes  zíngaros  teem  sido  expulsos  d'al- 
gumas  nações — e  com  razão,  pois  são  muito 
i  perigososl 

j  «Alguns  autores  porluguezes— diz  Bluteau 
j  —com  grande  razão  se  queixão,  de  que  sendo 
os  ciganos  quasi  todos  ladroens,  salteado- 
res, matadores,  sem  ley,  nem  temor  de  Deos, 
e  ellas  ladras,  feiticeiras,  inquietadoras  da 
honestidade  das  mulheres  casadas,  e  das 
donzeilas,  e  tão  cruelmente  pródigas  de  san- 
gue alheio,  que  por  dous  vinténs,  ou  dous 
pães  não  duvidarão  trazer  à  criada,  ou  es- 
crava, solimão,  ou  outra  peçonha,  para  ma- 
tar a  seus  senhores,  são  os  ministros  tão 
descuidados,  que  não  atalham  com  algum 
remédio  esta  desordem. 

«Dizem  os  zelosos,  que  poderá  isto  ter 
bom  remédio,  embarcando-os  divididos  para 
o  Brazil  (então  colónia  portugueza)  para 
Angola,  e  outras  conquistas  do  reyno;  que 
assim  pouco  a  pouco  sahiria  com  elles  mui- 
ta iniquidade. . .— e  quando  isso  não  pare- 
cesse. . .  bom  seria  fazellos  viver  dentro  das 
cidades,  repartidos  pelo  reyno,  vedando  lhes 


2244  ZIG 

o  uso  do  irajo,  e  da  lingoagem,  e  o  sair  fora 
das  cidades  e  villas,  e  sobre  tudo  obrigan- 
do-08  a  offieios  com  teada  sua,  ou  obreiros 
nas  alheias,  comtanto  que  não  fossem  ferrei- 
ros, offlcio  que  só  usão,  a  fim  de  fazer  ga- 
zuas,  e  instrumentos  de  roubar. . .  Já  sobre 
isto  houve  leys,  e  ordenaçoens  excelíentes. 
mas  já  S6  não  guardão ...» 

y.Zigaros  e  Ciganos  no  Vocabulário  de 
Bluteau. 


Nas  províncias  da  Beira,  Minho  e  Douro 
mal  se  conhecem,  porque  são  as  mais  po- 
voadas do  nosso  paiz  e  mais  escabrosas. 
N'ellas  não  podiam  tranzitar  senão  pelas  es- 
tradas publicas  alravez  das  povoações,  o 
que  de  modo  algum  lhes  não  convém.  No 
momento  em  que  apparecessem  n'estas  pro- 
víncias em  bandos  e  com  as  suas  habituaes 
gentilezas,  os  próprios  povos  lhes  dariam 
caça  como  a  feras  e  salteadores— e  dlíHeil- 
mente  escapariam. 

Que  tentem  e  verão  a  sorte  que  os  espe- 
rai. . . — Mas  não  se  tentam,  porque  são  fi- 
níssimos e  mais  astutos  do  que  as  raposas. 

Nós  já  vimos  em  Villa  do  Conde  (?)  um 
pequeno  bando  dos  taes  ciganos,  compre- 
hendendo  homens,  mulheres  e  crianças,  to- 
dos montados  e  capitaneados  por  um  moço 
de  bigode,  muito  sympathico,  muito  limpo 
e  vestido  á  campina.  Andavam  desnorteados 
ou  sondando  o  terreno  e  não  se  demoraram. 

Ao  norte  do  nosso  paiz  apenas  frequentam 
as  grandes  feiras  de  Viseu,  Guarda,  Tranco- 
so, Villa  Real  e  Penafiel. 

O  campo  das  suas  operações  em  Portu- 
gal é  a  província  do  Alemtejo,  por  ser  a 
mais  plana,  mais  deserta  e  mais  vasta  do 
nosso  paiz— e  porque  demora  na  raia  e  tem 
"ligação  franca  e  aberta  com  a  Estremadura 
hespanhola,  província  também  muito  plana, 
muito  vasta  e  mais  deserta  ainda  talvez. 

Pode  dizer-se  que  os  seus  estados  na  pe- 
nínsula são  os  paramos  do  Alemtejo  e  da 
Estremadura  hespanhola,  pelo  que  faliam 
correntemente  3  línguas:— a  portngueza,  a 
hespanhola  e  a  sua  própria,  cuja  origem  se 
desconhece.  É  uma  giria  quesóelles  enten- 


ZIG 

dem  e  muito  difficil  de  aprender,  porque 
seria  necessário  conviver  em  intimidade 
com  ,elles— -  e  tal  convivendo  é  perigosis- 
simal 

Como  são  muito  astutos,  muito  intelligen- 
tes,  muito  desconfiados  e  muito  sanguiná- 
rios, quando  vissem  algum  estranho  nas 
suas  tendas  com  animo  de  devassar  os  se- 
gredos da  íroupe  —  malavara-n'o  rapida- 
mente. 

Ai  do  profano  que  tentar  seguil-os  e  con- 
viver com  elles!  Tem  os  seus  dias  conta- 
dos! . . . 


E  os  taes  zíngaros  são  muito  numerosos. 

Andam  sempre  em  pequenos  bandos,  pa- 
ra mais  facilmente  se  mobilisarera  e  oecui- 
tarem,  mas  cobrem  todo  o  Alemtejo  e  toda 
a  Estremadura  hespanhola,— estão  todos  de 
intelligencia  e  formam  uma  espécie  de  re- 
publica á  parte  com  religião,  usos  e  costu- 
mes seus  e  leis  próprias  muito  severasl.. 

Movem-se  quasi  sempre  de  noite  e  biva- 
cam  no  ermo,  onde  bem  lhes  apraz.  Quando 
o  tranzeunte  mal  imagina,  está  no  meio 
d'elle8,  exposto  a  perder  a  bolsa  e  a  vida. 

Ninguém  sabe  o  rumo  que  elles  tomam, 
—donde  veem,  nem  para  onde  vão,— quaes 
tribus  errantes  do  deserto. 

Somem-se*  rapidamente  como  os  perdigo- 
tos, quando  bera  lhes  apraz,— e  rapidamen- 
te 88  juntam  nos  pontos  que  os  chefes  d'an- 
te-mão  designam, — pontos  por  vezes  muito 
distantes,  porque  são  muito  valentes,  mui- 
to vigorosos  e  cavalleiros  desfrissimos  :  — 
andam  quasi  sempre  montados  e  tiram  das 
cavalgaduras  todo  o  partido.  Desfiguram- 
nas  completamente,— tornam  dóceis  as  mais 
bravas— e  para  elles  não  ha  cavailos  podre» 
nem  manhosos.  Dão  vista  aos  cegos  e  asas 
aos  mais  pachorrentos. 

Os  próprios  ciganos  se  transformam  e 
desfiguram  de  um  momento  para  o  outro. 
Hoje  são  velhos,  amanhã  são  novos;  aqui 
são  moços,  criados  de  lavoura,  mendigos  ou 
pastores,  —  ali  são  janotas,  morgados  e  fa- 
zendeiros ricos,  bem  montados  e  luxuosa- 
mente vestidos  com  anneis,  relógios  e  ca- 
deias d'ouro,  libras  e  onças  em  bardai  As- 


ZIG 

sim  se  transformara  e  desfiguràm,  por  ve- 
zes na  mesma  feira,  ~e  na  mesma  feira 
transformam  e  desfiguram  as  cavalgaduras 
que  compram,  trocam  e  vendem,  chegando 
a  impingir  por  bom  preço  ao  vendedor  co- 
mo novas  as  cavalgaduras  velhas  e  baratís- 
simas que  momentos- antes  lhe  compraram, 
como  impingiram  as  mulas  ao  prior  de 
Cambasl... 


Bivacam  e  vivem  ordinariamente  nas 
campinas  e  desertos;  susteniam-se  dos  rou- 
bos de  cavalgaduras  e  do  dinheiro  e  jóias 
que  empalmam  com  a  maior  destreza,  como 
prestidigitadores  afamados  que  são,  tanto 
elles,  como  ellas;  não  possuem  casas  nem 
propriedades,  hortas  ou  campos,  mas  lá  pa- 
ra seus  fins  teem  casas  de  renda  em  diffe- 
rentes  povoações. 

Nós  viraos  uma  d'essas  casa?  em  Évora  e 
á  porta  um  dos  taes  ciganos  com  aspecto  de 
salteador, —  muito  barbado  e  muito  encor- 
pado. 

Na  sua  vida  nómada,  errante,  por  vezes 
balem  à  porta  das  herdades,  pedindo  abri- 
go; todos  os  conhecem  e  detestam  como  sal- 
teadores, assassinos  e  bandoleiros,  mas  to- 
dos os  tratam  bem,  com  medo  de  represá- 
lias, pois  são  perigosíssimos, — andam  sem- 
pre bem  armados  e  providos  de  veneno — e 
eram  muito  capazes  de  incendiar  qualquer 
monte  (povoação)  ou  herdade,  —  ou  de  ma- 
tar o  dono,  os  criados  e  cazeiros  —  ou  de 
lançar  fogo  no  verão  aos  pães  e  ás  devezas. 

As  ciganas,  quando  novas  e  solteiras,  são 
muito  vivas,  muito  sympathieas  e  muito  in- 
telligéntes,  andam  quasi  sempre  bem  vesti- 
das e  usam  adereços  d'ouro  no  pescoço  e 
nas  orelhas,!  mas  depois  de  casadas  tor- 
nam*se  aseorosas,  immundas. 


.  1  Dos  laes  adereços  d'elias  tomaram  o  no- 
me de  ciganas  os  brincos  ou  arrecadas  das 
nossas  mulheres  do  campo, — e  da  destreza 
d'elles  nas  trocas  e  baldroeas  de  eavalgadu-  ■ 
ras  criou-se  na  lingoa  portugueza  o  epuhe-  ! 
to  de  ciganos.  I 


ZIG  2245 


Os  zíngaros  não  são  chrislãos,  nem  mou- 
ros ou  judeus,  mas  teem  uma  religião  qual- 
quer e,  segundo  o  seu  rito,  casam  uns  com 
os  outros  e  baptisam  elles  próprios  os  seus 
filhos;  costumara  porem  apresentar  as  crean- 
ças  aos  paroehos  de  difTerenteí  povoações, 
chorando  e  sollieitapdo  o  baptismo  como 
pobres,  para  o  que  se  apresentam  os  soidi- 
sant  paes  d'ellas  cobertos  de  andrajos — e 
assim  os  baptisam  e  recebem  esmolas  e  rou- 
pas em  muitas  freguezias.  E'  uma  burla 
como  qualquer  outra. 

Do  exposto  se  vê  que  os  taes  zíngaros, 
ou  ciganos  são  muito  perigosos  e  para  dese- 
jar seria  que  os  nossos  governos  os  expul- 
sassem ou  obrigassem  a  mudar  de  vida. 

Nenhum  serviço  prestam  á  sociedade. 
Pelo  contrario,  são  uma  corja,  uma  grande 
malta  de  parasitas,  salteadores,  assassinos 
e  vadios,  terror  e  açoute  da  província  alem- 
tejana. 

Ainda  os  ciganos 

Em  carta  que  agora  mesmo  recebemos  do 
nosso  bom  amigo  e  cyreneo — Joaquim  José 
da  Rocha  /íspawcíf— illustrado  filho  de  Villa 
Viçosa  e  ali  prior  de  S.  Bartholomeu,  tendo 
sido  prior  de  Bencatel,^  diz  s.  ex.»  o  se- 
guinte: 

«Os  ciganos  vieram  da  Arábia,  segundo 
alguns  auctores,  ou  do  Egypto,  segundo  ou- 
tros. Em  lodo  o  caso  foi  do  Egypto  que  al- 
ies partiram  a  vagabundear  pela  Europa,  e 
d'ali  lhes  veiu  o  nome  de  guitanos,  corru- 
pção do  easteihauo  egitanos,  hoje  transfor- 
mado em  ciganos. 

Abundam  no  Alemtejo  e  na  Estremadura 
hespanhola--e  algum  tanto  na  portugueza. 
Não  teem  chefe  politico  nem  religioso.  Em 
religião  seguem  a  do  paiz,  que  é  a  eatholi- 
ca,  quanto  a  baptizar  os  filhos— e  mais  de 
uma  vez,  segundo  é  fama,  —  rasão  porque 


1  V,  Villa  Viçosa,  tomo  pag.  1167, 
eol.  2.*  in  fine,  e  1168. 


2246  ZIG 


ZIG 


nós  lh'o8  baptizamos  sub  conditiçne:  e  isto 
com  o  fim  do  grangearera  compadres  em 
muitos  logares,  quasi  sempre  pessoas  abas- 
tadas, de  quem  possam  receber  agasallio  e 
esmolas. 

•Na  rainha  freguezia  (S.  Bartholomeu  de 
Villa  Viçosa)  só  um  tem  casa,  mas  aoda 
quasi  sempre  ausente  no  negocio  de  bestas; 
e  nem  elle,  nem  a  mulher  e  os  filhos  se  con- 
fessam. Ao  invez  a  mãe  d'elle,  viuva,  des- 
obrigâ-se  pontualmente  e  tenho  verificado 
que  reza  muito  e  está  bem  instruida  no  ca- 
thecisrao. 

fNa  freguezia  da  Conceição  (de  Villa  Vi- 
çosa) ha  maior  numero  d'elles,  por  ser  ali  a 
Villa  antiga  e  ter  muitas  habitações  de  alu- 
gueres baratos, 

•  Cá  no  Alemtejo,  onde  se  encontra  maior 
numero  de  ciganos  domiciliados  é  na  cida- 
de d'Evora,  e  vivem  quasi  todos  no  im- 
mundo  bairro  dos  Cogullos. 

«A  maior  parte  da  ciganagem  vagabun- 
deia e  são  muito  pesados  aos  lavradores  no 
inverno,  prineipalraente  durante  as  chuvas. 

«As  ciganas  e  ciganos  moços  são  teimo- 
síssimos em  pedir  tudo  e  custa  desenvenci- 
lhar d'elles. 

<'É  frequente  entrarem  ciganos  em  rou- 
bos de  montes  (moradas  eampestresj— e  se 
no  trajecto  das  suas  caravanas  encontram 
bestas  mal  guardadas,  roubam-nas  e  levam - 
nas,  porque  a  occupação  exclusiva  dos  ci- 
ganos é  mercadejar  em  bestas.  As  ciganas 
também  ás  vezes  vendem  chocolate  e  al- 
guns artigos  de  tendeiros  ambulantes,  mas 
como  pretexto  para  entrarem  nas  casas  e 
pedirem  esmola,  intrujarem  e  rapinarem, 
pois  são  verdadeiras  sangue-sugas! 


«Não  posso  calcular  o  numero  de  ciganos 
que  ha  no  Alemtejo,  mas  com  certeza  são 
mais  de  10:000?!... 

«Geralmente  não  possuem  prédios  alguns, 
a  não  ser  casas  de  habitação. 

«Quando  chamam  cigano  rico  a  algum 
d'elles,  como  foi  um  José  Maria,  que  em 
Évora,  aproximadamente  ém  I8^i,  passea- 
va com  o  próprio  governador  civil  Guedes 


(hoje  conde  da  Costa)  e  que  por  ultimo  era 
probcissimo,  a  sua  riqueza  consiste  apenas 
em  bestas  de  negocio,  muito  ouro  e  grande 
luxo  em  vestidos,  a  seu  modo. 

«Teem  horror  á  agricultura  e  a  toda  a  es- 
pécie de  trabalho  agrícola  ou  industrial. 

«A  maior  parte  das  bestas  que  vendem  e 
compram  são  velhas  e  defeituosas,  mas  im- 
píngem-nas  por  novas  e  boas,  sanando-lhes 
as  manhas  e  defeitos  —  ou  eneobrindo-os. 
Em  regra,  quem  quer  desfazer-se  de  uma 
cavalgadura  velha,  ou  ruim,  vende-a  aos  ci- 
ganos, para  elles  a  trapacearem,  —  e  quem 
negoceia  com  elles  fica  sempre  partido  no 
negocio.  Qualquer  que  seja  a  transacção  ou 
troca,  elles  hão  de  receber  sempre  volta  em 
dinheiro,  embora  seja  pequena. 

«Seguem  ostensivamente  a  religião  catho- 
lica^  baptizam  e  rebaptizam  os  filhos  e  o  seu 
enterro  é  catholico,  mas  nos  casamentos  di- 
vergem. Uns  casam  catholicamente,  com  es- 
pecialidade em  Évora;— outros  cazam  ciga- 
namente.  Fazem  esponsaes  em  conselho  de 
familia  ou  dos  paes  e  mães  d'ambos  os  es- 
posos e  n'es3e  dia  celebram  seus  festins  com 
grande  algazarra  em  castelhano,  que  é  a  .sua 
lingoagem,  posto  que  alguns  também  faliam 
correctamente  o  portuguez;  mas  são  pou- 
cos. 

«Quando  o  casamento  é  celebrado  ciga- 
namente,  formara  um  circulo  em  redor  de 
uma  arvore;  —  a  cigana  corre  no  circulo  a 
fugir  do  noivo;  elle  segue-lhe  a  pista — e  os 
cireurastantes  clamam:  Pilla-la  que  es  tuia\ 
Pilla-la  que  es  tuia\—e  logo  que  elle  a  pi- 
lha ou  agarra,  —  está  feito  o  casamento! 
Comem  e  bebem  do  melhor  que  teem,  com 
seus  bazulaques  de  chibato  ou  carneiro,  tan- 
gem pandeiretas  e  trancanholas—e  dançam 
e  cantam  não  menos  de  tres  dias  consecu- 
tivos. 


«Quando  morre  um  cigano  cazado,  logo 
as  ciganas  vão  com  uma  lhezoura  cortar  os 
cabellos  á  viuva  e  põem-lhe  na  cabeça  um 
metro  de  panno  cru,  em  fórma  de  toalha  ou 
véo,  cosido  por  baixo  da  barba. 

«Às  ciganas  são  muito  leaes  a  seus  ma- 
ridos. 


ZIG 

«Também  ellas  costumam  dar-se  kcMro-  \ 
maneia,  quando  mendigam  ou  vendem  bugi-  j 
gangas,-  lendo  a  buena  dicha,  ordinaria- 
mente a  10  réis.  Assim  costumam  burlar 
principalmente  as  raparigas  novas,  adivi- 
nhando (?)  coisas  vulgares,  —  amores  mal 
correspondidos,  sorte  que  hão  de  ter  nos 
casamentos,  ete.  ele. 

tNão  sei  se  algum  cigano  sabe  ler  e  es- 
crever— nem  me  consta  que  mandem  os  fi- 
lhos ás  escolas,  mesmo  porque  os  ciganos^ 
embora  tenham  domicilio  legal,  como  aqui 
o  meu  íreguez  Ignacio  da  Silveira,  andam 
sempre  vagabundeando  de  terra  em  terra 
com  mulher  e  filhos  e  mal  podem  mandat- 
os á  escola. 

«Os  nossos  governos  deviam  providenciar  \ 
sobre  este  assumpto,  obrigando  todos  os  ci- 
ganos a  terem  casa  assente  em  uma  povoa-  ! 
ção  qualquer,  onde  estivessem  matriculados  5 
e  fossem  obrigados  a  comparecer  algumas 
vezes  no  anno.  Vivendo  como  vivem,  os  fi- 
lhos não  entram  no  recenseamento,  nem  os 
ciganos  pagam  contribuição  alguma,  a  não 
ser  aqui  o  dito  Ignacio  da  Silveira,  que  está 
inscripto  como  eleitor  e  paga  decima  de 
renda  de  casas— e  não  sei  se  de  industria; 
mas  isto  cá  no  Alemlejo— e  rarissimol 


tEm  geral  os  dganos  vivem  âe  mendigar, 
trapacear  e  furtar  ou  roubar. 

«São  um  flagello — e  os  governos  deviam 
pôr  cobro  a  isto  e  livrar-nos  de  semelhante 
praga,  obrigando-os  a  terem  todos  um  do- 
micilio registado,  sob  pena  de  os  mandar 
trapacear  para  as  colónias  africanas,  donde 
vieram. 

«São  quasi  todos  altos,  magros,  triguei- 
ros e  de  eabellos  compridos  e  pretos, — uns 
egypciosi . . . 

«Também  quasi  todos,  tanto  os  ciganos, 
como  as  ciganas,  —  são  immundos,  ascoro- 
sos,  mas  ligeiros  de  pés  e  de  mãos. ..  e  el- 
las mui  sacudidas.» 

Ao  meu  illustrado  coUega  e 
cyreneu  alemtejano  agradeço 
os  apontamentos  que  se  di- 
gnou enviar-me. 


ZIM  2247 

ZIMÃO  —  aldeia  comprehendida  no  foral 
que  el-rei  D.  Manoel  deu  á  villa  transmon- 
tana d' Aguiar  da  Pena,  em  22  de  julho  de 
151o. 

V.  Aguiar  da  Pena  e  Villa  Pouca  d^A- 
guiar. 

A  mencionada  povoação  extinguiu- se  ou 
mudou  de  nome,  pois  em  todo  o  distrieto  de 
\illâ  Real  e  em  todo  o  nosso  paiz  actual- 
mente não  ha  povoação  alguma  denomina- 
da Zimão. 

ZIMBRAL  —  coutada  real  importante  no 
sec.  XV. 

Na  Memoria  sobre  a  população  e  agricul- 
tura de  Portugal  o  sr.  L.  A.  Rebello  da  Sil- 
va (parte  I,  pag.  169-173)  diz  o  seguinte: 

«No  governo  de  Affonso  V  o  domínio 
florestal  da  coroa  havia  augmentado  em  al- 
guns díâtrictos,  e  o  rei,  apaixonado  pelos 
exercícios  venatorios,  mostrava-se  rigoroso 
na  punição  da  caça  furtiva  e  dos  roubos  de 
madeiras  e  lenhas. 


No  distrieto  de  Santarém  as  coutadas  de- 
marcadas, aonde  era  vedado  entrar,  sob  pe- 
na da  multa  de  2i^000  reaes,  prisão  e  de- 
gredo por  um  anno  para  Arzila,  abrangiam 
os  dilatados  bosques  desde  a  foz  do  Atela 
pelas  ribeiras  do  Chouto  e  de  Mugem  e  pe- 
las encostas  da  serra  de  Lamarosa  até  ás 
immediações  de  Coruche,  d'onde,  rodeando 
outra  vez  os  montes  de  Lamarosa  pelas  vi- 
sinhanças  do  paul  de  Magos,  vinham  acabar 
e  m  Albufeira  sobre  o  Tejo. 


Esta  ordenação,  datada  de  Santarém  a  23 
de  maio  de  1474,  foi  depois  additada  com 
algumas  clausulas  explicativas  em  relação 
ao  posto  dos  porcos  nos  paues  e  montados 
das  tapadas,  pasto  limitado  aos  mezes  de 
outubro,  novembro  e  dezembro. 


Quem  lançava  fogo  ao  mato  no  termo  das 
comarcas  florestaes  de  Santarém,  Mugem, 
Salvaterra  e  Benavente  pagava  depois  de 
preso  1:0U0  reaes  da  cadeia. 


Nas  coutadas  de  Óbidos  era  vedado  tra- 
zer bestas  soltas  nos  almarjaes  de  Áspera, 
ou  crear  na  serra  porcos  a  não  ser  para  ce* 


2248 


ZIM 


ZIM 


va.  Nas  pastagens  de  Valbemfeito  não  po- 
diam entrar  cabras,  nem  em  Áspera,  assim 
como  na  ilha  de  Peniche  nenhum  gado  vac- 
cum,  ou  lanígero,  nem  bestas  andarem  sol- 
tas no  almarjal.  Na  lagoa  de  Atouguia  quem 
matasío  cysnes  pagava  100  reaes  por  cada 
um. . . 

Por  ultimo  a  caça  de  perdizes  era  tam-  [ 
bem  prohibida  nas  coutadas  reaes  com  pri-  | 
são,  e  109  reaes  por  cada  ave,  bem  como  a 
caça  de  rede,  de  candeio,  de  gaiola,  ou  de 
Tara,  laço,  tecla,  ichoo,i  ou  outro  qualquer 
ârliQeio. 


No  paul  de  Magos  o  que  apanhasse  ninho 
com  ovos  de  martinetes,  ou  de  outra  ave 
própria  de  caça  de  falcoaria,  pagava  50 
reaes  até  5  ovos,  e  d'ahi  por  diante  500 
reaes.  Na  ribeira  de  Muja,  do  Porto  para 
cima,  quem  pescasse  trutas  era  condemna- 
do  em  100  reaes  até  5  trutas,  e  sendo  mais 
em  1.000.  Lançando  rede  de  msijoada  per- 
dia oOO  reaes  por  cada  rede,  e  usando  de 
anzol  50  reaes  até  5  peixes,  e  500  reaes  de 
5  para  cima. 


Afora  as  coutadas  de  Santarém  pertenciam 
ainda  á  coroa,  as  dos  olivaes  de  Alemquer, 
da  ponte  de  Pancas,  e  da  Oita  na  Estrema- 
dura. 

As  de  Mira  e  as  Gandras  dos  arredores 
de  Aveiro  até  Sanlâ  Maria  da  Vimieira  com 
as  matas  do  Casal  da  Comba,  Torres  do 
Bairro,  Jelfa  e  Lagoa  Limpa,  a  tapada  dos  ' 
coelhos  e  a  lagoa  de  Mira; 

As  de  Óbidos  e  de  Atouguia,  compre; hen-  ! 
dendo  a  Mata  Velha,  e  as  do  Aveenal,  Ri-  | 
beira  Rica,  Faldreu,  Navalhas,  Delgada,  Vo-  I 
de,  Arrifes,  Valbemfeito,  Ameal,  Mata  Sec-  ! 
ca,  Mata  da  Amoreira,  do  Formigai,  e  da  I 
Cezareda,  Mouta  Longa,  Zimbral,  ilha  de  \ 
Peniche  e  Albergaria.  i 

Ignoramos  que  essências  avultavam  a'e3-  j 
tas  coutadas,  mas  alem  dos  sobreiros,  car-  ; 


1  Ainda  hoje  se  usam  todos  estes  proces- 
sos de  caçar. 

P.  A.  Ferreira. 


valhos  o  zambujeiros,  a  que  as  leis  alludem 
é  de  suppor  que  entre  esses  arvoredos  figu- 
rassemcastanhaes,  amieiros,  faias,  Zimbrei- 
ros,i  e  extensos  tratos  de  pinhal.  O  cuidado 
com  que  se  mandavam  guardar  as  madei- 
ras, a  multa  de  400  reaes  por  cada  pau  ti- 
rado a  bois  (quasi  lOíííOOO  réis  da  moeda 
de  hoje)  e  as  penas  impostas  aos  incendiá- 
rios mostram  que  a  riqueza  florestal  eome- 
çára  a  ser  apreciada,  e  de  feito  o  seu  em- 
prego cada  vez  era  maior,  tanto  nas  eons- 
trueções  navaes,  como  nas  civis.» 

A  citada  Memoria  é  toda  muito  interes- 
sante e  muito  digna  de  ler-se. 

ZIMBRO— afamada  quinta  do  Alto  Douro, 
hoje  ioculta  como  toda  ou  quasi  toda  aquel- 
la  malfadada  região  do  Port  Wtne,  que  ou- 
tr'ora  produzia  o  vinho  mais  generoso  do 
mundo  e  hoje  semelha  o  vai  da  mortel... 

Y.  Villarinho  dos  Freires,  Villarinho  de 
Cotas  e  Villarinho  de  S.  Romão. 

No  Douro  Illustrado,  pag.  109,  o  sr.  vis- 
conde de  Villa  Maior  disse  o  seguinte: 

«Volvendo  a  vista  á  direita ...  o  que 
priocipalnaente  prende  a  nossa  attenção  são 
as  quintas  do  Zimbro  e  da  Chousa.  A  pri- 
meira, que  pertence  á  casa  dos  srs.  Barros 
da  Sabrosa,  ó  um  prédio  bem  situado,  pro- 
vido de  boas  oílicinas  e  casa  de  habitação, 
bera  cultivado  e  cuja  produeção  se  avalia 
em  mais  de  30  pipas  de  vinho  de  primeira 
classe. » 


Antes  da  invasão  philíoxeriea  foi  a  dieta 
casa  a  raais  rica  de  Sabrosa —  e  uma  das 
mais  ricas  do  Douro. 

Colhia  600  pipas  de  vinho,  quasi  todo  su- 
perior;—actualmente  não  colhe  50?l . . .  Lu- 
cta  pois  com  grandes  diífieuldades  aqaella 


^  Dos  zimbreiros  ou  zimbros  tomou  a 
coutada  de  que  nos  oeeupamos  o  nome  de 
Zimbral — &  a  elles  devem  talvez  também  o 
nome  as  povoações  denominadas  Zibreira, 
Zibreiros,  Zimbral,  Zimbreira,  Zimbreiri- 
nlia,  ete. 

P.  A.  Ferreira. 


ZIN 

importante  família,  que  ainda  no  meiado 
d'este  seeulo  viveu  em  Londres  9  anoos, 
gastando  diariamente  14  libras,  ou  61^000 
réis,  afora  despezas  extraordinárias,  —  se- 
gundo consta. 

Alem  da  quinta  do  Zmftro  possuía  outras 
muitas  e  2  palacetes  em  Sabrosa,  etc.  etc. 

V.  Sabrosa,  tomo  8.»  pag.  274,  col.  2.»— 
Casa  dos  Barros  Lobos,  n.»  11. 

ZINAS— termo  frequente  no  Minho  e  na 
Beira,  onde  costuma  dizer-se  :  —  «Estamos 
nas  zinas  do  inverno  ;  —  estamos  nas  zinas 
do  verão;  isto  é,— no  rigor  do  verão  ou  do 
inverno. 

Vem  do  hebraico  tzinah,  grande  frio,  ou 
do  allemão  zinne,  a  parte  mais  elevada  de 
um  edificío. 

O  povo  também,  censurando  quem  prati- 
cou algum  disparate,  costuma  àizer— deu- 
lhe  na  zina  para  fazer  tal  proeza . . . 

ZINOLHO— joelho,  no  dialecto  mirandez. 

ZITA  —  hoje  Sita  —  nome  da  santa  que 
salvou  da  morte  e  educou  na  religião  chris- 
tã  a  virgem  e  martyr  Santa  Quitéria  e  suas 
8  irmãs. 

Santa  Sita  foi  raartyrisada  junto  de  Tho- 
mar  e  no  local  do  martyrio  se  fundou  pos- 
teriormente um  mosteiro  de  religiosas  fran- 
ciscanas. 

V.  Thomar,  vol.  9.»  pag.  569,  col.  l.«— e 
Braga,  tomo  1.»  pag.  442,  col.  2.* 

Tinha  o  mencionado  convento  a  invoca- 
ção de  Santa  Sita  e  com  a  mesma  invoca- 
ção ha  na  freguezia  da  Asseiceira,  do  mes- 
mo concelho  de  Thomar,  uma  Capella  muito 
antiga, — uma  povoação  do  mesmo  nome, — 
uma  importante  feira  d'anno  e  um  mercado 
mensal. 

Uma  Memoria  anonyma  publicada  no  to- 
mo 8."  das  Memorias  da  Acad.  R.  das  Sei. 
parte  II,  pag.  43  a  134,  fallando  da  fregue- 
zia da  Asseiceira,  diz  entre  outras  coisas  o 
seguinte: 

«Np  pequeno  logar  de  Santa  Sita,  termo 
da  Villa  da  Aceiceira,  se  faz  huma  feira  an- 
nual,  chamada  Feira  de  Santa  Cita,  ou  fei- 
ra do  anno,  a  qual  dura  3  dias;  hum  gran- 
de pinhal  próximo  ao  lugar  serve  de  assen- 
to á  dieta  feira;  concorrem  a.  ella  alguns 
commerciantes  de  Thomar,  e  Abrantes  com 


ZO  2249 

;  suas  lojas  de  pannos,  e  capella;  também  ha 
grande  concorrência  de  cavalgaduras  e  bois; 
todos  os  povos  das  visinhançàs  vem  a  esta 
feira  surtir- se  de  muitas  cousas  necessárias 
aos  seus  usos,  e  commodidades.  Igualmente 
a  esta  feira  concorrem  muitos  utensílios  de 
adegas,  como  são  tonneis,  pipas,  balseiros, 
etc.  assim  de  Ferreira  {do  Zêzere)  como  do 
termo  de  Dornes. . . 

No  mesmo  local  ha  um  mercado  mensal, 
que  se  verifica  no  ultimo  dia  de  cada  mez, 
do  qual  não  passa;  o  que  ali  mais  concorre 
são  cavalgaduras,  e  bois,  e  alguns  tendeiros 
volantes,  porém  isto  hede  pequena  monta.» 

Refería  se  ao  anno  de  1821. 

A  dieta  Memoria  é  longa  e  muito  interes- 
:  saníe  com  relação  á  freguezia  de  Asseiceira 
concelho  de  Thomar ;  —  Tancos,  Paio  Pelle 
(hoje  Praia)  Barquinha  e  Atalaia,  concelho 
de  Villa  Nova  da  Barquinha; —  Punhete  e 
Monl'Alvo,  freguezias  do  concelho  de  Villa 
ISovade  Constança;— í{io  de  Moinhos  e  Mar- 
tinchel,  freguezias  do  concelho  d'Abrantes. 

No  supplementoâ  este  diceionario  extra- 
ctaremos  a  dieta  Memoria,  — se  elle  estiver 
ainda  a  nosso  cargo. 

^  ZÔ--egreja  e  convento,  fundados  por  um 
dos  7  filhos  da  celebre  Maiia  Maníella  que, 
segundo  diz  a  lenda,  jazem  na  matriz  de 
Chaves  em  volta  d'ella. 

V.  Chaves,  tomo  2.*  pag.  28i,  col.  2.» 

O  meu  antecessor  deu  ali  ao  tal  mosteiro 
o  nome  Doso,  mas  suppomos  que  se  deno- 
minava do  Zó,  pois  Faria,  na  Europa  Por- 
tngueza,  tomo  3.»  pag.  217,  n.»  111,  diz: 

«Siete  Iglesias  fundarom  siete  hermanos 
nacidos  de  um  parto:  son  ellas.  Santa  Maria 
de  Moreyra,  S.  Locadia,  S.  Maria  de  Meres 
(Melresf),  S.Maria  de  Calvam,  Villar  de  Per- 
dizes, y  Monasterio  de  Zó>  Fueron  sus  pa- 
dres Fernando  Grallo,  y  Maria  Manieta  de 
Chaves.» 

D'esta  sr."  Maria  Mantela  também  já  nós 
fizemos  menção  no  artigo  Zêzere  (freguezia 


1  Faria  e  Sousa,  em  vez  de  7  indicou  ape- 
nas 6  egrejas.  A  7.»^  segundo  a  lenda,  foi  a 
de  Chaves. 


2250  ZOE 


ZOI 


de  Santa  Marinha)  tomo  11.°  pag.  2126,  eol. 
l.' 

Emquanto  ao  mosteiro  de  Zó,  não  sabe  - 
mos  onde  estava — nem  que  freguezia  o  re- 
presenta hoje.  Será  a  freguezia  de  Zoio, 
no  concelho  de  Bragança? 

ZOELAS— povos  antiquíssimos  que  habi- 
taram as  Astúrias  e  o  território  de  Bra- 
gança. 

V.  Ca^ro  d'AveUans,  tomo  2*  pag.  201, 
e  Celiobriga  no  mesmo  vol.  pag.  230. 

ZOILO  —  celebre  grammalico  e  critico 
grego,  cujo  nome  já  no  tempo  de  Ovídio 
servia  para  designar  os  críticos  invejosos  e 
apaixonados,  mas  nada  se  sabe  ao  certo  da 
vida'd'elle.  Uns  dizem  que  nasceu  em  Am- 
plílopolís,  outros  em  Epheso,  e  que  viveu 
no  sec.  IV  antes  de  Christo. 

Suidas  e  Vitruvio,  tornando-se  eeco  d'an- 
tigas  tradições,  contam  que  as  criticas  de 
Zoilo  á  Ilíada  e  á  Oiysséa  lhe  tinham  feito 
dar  o  nome  de  açoute  de  Homero, — a  o  ul- 
timo pretende  que  Ptolomeu  Pliiladelpho, 
rei  do  Egypto,  indignado  com  aquellas  blas- 
phemiàs  litterarias,  mandou  crucificar  ou 
queimar  vivo  o  auetor. 

Tudo  isto  parece  pouco  provável. 

Ê  certo  haver  um  rhetorieo  chamado  Zoi- 
lo, que  compoz  9  livros  de  observações  cri- 
ticas a  Homero,  um  discurso  contra  Socra'- 
tes,  uma  Historia  geral  e  vários  tratados  de 
grammatiea  e  de  rhetorica,  existindo  hoje 
das  suas  obras  apenas  alguns  fragmentos 
insignificantes. 

Nem  todos  os  escriptores  antigos  tratam 
Zoilo  tão  desfavoravelmente,  como  os  dois 
que  acima  apontamos.  Diniz  de  Halicarnas- 
80  apresenta-o  como  orador  e  critico  esti- 
mado em  Alhenas  e  elogia  a  moderação  e 
imparcialidade  das  suas  observações  ás 
obras  de  Platão,— e  Atheneu  cita-o  como 
rhetorieo  e  grammatico  de  merecimento. 

Até  hoje  ainda  não  foi  possível  conciliar 
as  encontradas  opiniões  dos  antigos  escri- 
ptores a  respeito  de  Zoilo,  mas  o  nome 
d'elle  serve  a  miúdo  para  indicar  o  critico 
apaixonado  e  de  má  fé,  como  se  vê  nos  co- 
nhecidos versos  da  satyra— Pena  de  Talião 
—em  que  Bocage,  referindo-se  a  José  Agos- 
tinho de  Macedo,  diz: 


Salyras  prestam,  satyras  se  estimam 
Quando  n'ellas  Calumnia  o  fel  não  verte. 
Quando  voz  de  censor,  não  voz  de  Zoí7o, 
O  vicio  nota,  o  mérito  gradúa. 

Diccion.  pop.  arí.  Zoilo: 


ZOINA — do  hebreu  zonnah,  taverneira, 
mulher  mal  comportada,  meretriz,  deriv.  do 
verbo  zun  ou  zannah, — prostituir-se  por  di- 
nheiro; —  outros  dizem  que  vem  do  árabe 
zaina,  meretriz. 

Em  Portugal,  principalmente  na  Beira  e 
no  Minho,  zoina  é  um  nome  affrontoso  que 
as  mulheres  mal  procedidas  dão  a  outras 
taes. 

ZOIO— freguezia  do  concelho,  comarca, 
distncto  e  diocese  de  Bragança^  província 
de  Traz  os  Moates. 

Abbadía.  Orago  S.  Pedro. 

Fogos  102,— habitantes  410. 

Comprehende  3  povoaç  Ses,  que  já  foram 
paroehias  independentes:  —  Zoio,  séde  da 
matriz  actual, — Refoios  e  Martim. 

O  padre  Carvalho  em  1706  mencionou  esta 
freguezia  com  o  nome  de  Ozoyo;  deu-lhe 
*como  orago  Nossa  Senhora  da  Trindade, — 
disse  que  estava  annexa  à  abbadia  de  Ali- 
monde— &  que  tinha  de  população  60  fogos. 

Mencionou  também  a  paroehia  de  S.  Mar- 
Unho  de  Martim,  como  abbadia  independen- 
te com  25  fogos,'— e  a  freguezia  de  Nossa 
Senhora  do  O'  de  Refoyos  com  22  fogos,^  e 
annexa  á  abbadia  de  Alimonde. 

Do  exposto  se  vê  que  as  3  mencionadas 
freguezias,  que  hoje  constituem  a  do  Zoio, 
em  1706  contavam  107  fogos. 

O  Port.  S.  e  Prof.  em  1768  deu  Zoío  co- 
mo simples  curato  da  apresentação  do  ab- 
bade  de  Alimonde  com  55  fogos,  tendo  como 
orago  S.  Pedro  Apostolo  e  rendendo  para  o 
cura  apenas  8Í000  réis,  alem  do  pé  d^altar. 

O  censo  de  1864  deu  a  esta  freguezia 
(eomprehendendo  as  3)  — 106  fogos  e  493 


1  V.  Martim,  vol.  5.»  pag.  101,  col. 

2  V.  Refoyos,  lomo  8.<»  pag.  97,  col.  2.» 


ZOI 


ZOM  2251 


habitantes;  —  o  de  1878  deu-lhe  os  mesmos 
i06  fogos  e  475  habitantes — e  hoje,  segun- 
do os  apontamentos  que  recebi  da  localida- 
de, conta  102  fogos  e  410  habitantes.  Tem 
pois  diminuído  a  sua  população,  o  que  é 
trivial  na  província  de  Traz  os  Montes,  no- 
meadamente no  distrijpto  de  Bragança,  hoje 
o  mais  pobre  de  Portugal  e  o  mais  despro- 
vido de  melhoramentos  públicos,  de  estra- 
das a  macadam  e  de  linhas  férreas. 

Para  evitarmos  repetições  veja-se  o  art. 
Villa  Verde,  freguezia  do  concelho  de  Vi- 
nhaes,  tomo  11.»  pag.  1099,  col.  2.» 


A  povoação  do  Zoio  dista  de  Bragança  15 
kilometros  para  S.  O.;  8  da  estrada  real  a 
macadam  de  Bragança  a  Villa  Real  (é  a 
mais  próxima);  60  da  estação  de  Mirandel- 
la,  a  mais  próxima,  na  linha  férrea  do  Tua: 
—115  da  estação  de  Foz  Tua  na  linha  fér- 
rea do  Douro,— 255  do  Porto— e  592  de 
Lisboa. 

Producções  dominantes:  —  centeio,  trigo, 
batatas  e  castanhas.  Também  cria  bastante 
gado  lanígero  e  bovino. 

Freguezíâs  límiírpphes:— Ouzílhão,  Edro- 
sa  e  Cellas,  concelho  de  Vinhaes;— Carraze- 
do e  Rebordãos,  concelho  de  Bragança. 

Templos:- no  Zoio  a  matriz  de  S.  Pedro 
e  uma  capella  publica  de  S.  Sebastião:— em 
Martim  a  velha  matriz  de  S.  Martinho:— em 
Refoios  a  velha  matriz  de  Nossa  Senhora 
do  Ó  ou  da  Expectação  e  uma  capella  par- 
ticular na  casa  da  família  Ferreiras,— tem- 
plos todos  muito  humildes— e  a  capella  de 
S.  Sebastião  em  ruínas. 

Festividades  religiosas :  —  Trindade  e  S 
Pedro  na  matriz,  e  Santo  Antonio,  em  Mar- 
tim. 

Edificios  brazonados  :  —  na  povoação  do 
Zoio  a  casa  que  foi  da  nobre  família  Gatos. 

No  Zoio  ha  um  largo  com  o  nome  de 
Compaço  e  duas  ruas  soffriveis:— Corredou- 
ra  e  Portella.  Em  Refoios  e  Martim  ha  só 
casas  humildes  e  ruas  insignificantes. 

N'esta  parochia  não  ha  feiras  nem  mer- 
cados, nem  vestígios  de  fortificações,  nem 


j  minas  em  exploração  ou  simplesmente  re- 
I  gistradas. 

I  Banham  esta  freguezia  o  ribeiro  da  Ca- 
j  lhelha,  que  passa  junto  da  povoação  do  Zoio, 
j  — e  o  de  Martim,  que  passa  entre  a  povoa- 
ção d'est8  nome  e  a  de  Refoios.  Ambos  nas- 
cem no  termo  d'esta  freguezia;  a  distancia 
de  7  kilometros  desaguam  no  ribeiro  de 
Cellas— e  este  desagua  no  Tuella  que,  uni- 
do ao  Rabaçal,  forma  o  Tua. 

Os  2  mencionados  ribeiros  não  teem  pon- 
tes nem  fabricas;  apenas  ha  2  moinhos  de 
cereaes  no  de  Martim. 

Foi  natural  d'e8ta  parochia  do  Zoio  Fr. 
Caetano  de  S.  José,  virtuoso  frade  grillo 
(agostinho  descalço)  que  professou  no  con- 
vento de  Setúbal  a  23  de  janeiro  de  1786. 

ZOMBARIA.— Temos  em  Portugal  4  quin- 
tas com  o  nome  de  Zombaria  e  todas  3  no 
districto  de  Coimbra:— uma  na  freguezia  de 
Covas,  concelho  de  Tábua  ;  —  outra  na  fre- 
guezia de  Nogueira  do  Cravo,  concelho  de 
Oliveira  do  Hospital,— e  outra  na  freguezia 
de  Vil  de  Mattos,  cone  elho  de  Coimbra. 

V.  Vil  de  Mattos,  tomo  11."  pag.  661, 
col.  2.« 

N'esta  ultima  quinta,  hoje  pertencente  ao 
sr.  dr.  Julio  Augusto  Henriques,  se  acouta- 
ram ou  refugiaram  em  1832  os  auctores 
ou  suppostos  auctores  da  queima  da  pólvo- 
ra da  Murcella,  ou  de  S.  Martinho  da  Cor- 
tiça, alguns  dos  quaes  posteriormente  fo- 
ram presos  e  fuzilados  em  Viseu. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  art. 
Viseu,  tomo  11.»  pag.  1789,  col.  2.». 

A  quinta  de  Alcarraques,  onde  aquelles 
infelizes  se  acoutaram  também,  como  disse- 
mos no  logar  citado,  pertence  à  freguezia  de 
Trouxemil,  do  mesmo  concelho  do  Coim- 
bra. 

ZOMBAZOMBANDO— locução  popular,— 
pouco  a  pouco,  ou  por  zombar  ia. 

«Foi-me  assim  zombazombando 
Vencendo  por  graça,  e  riso; 
Sem  nunca  me  amar  de  siso, 
O  siso  me  foi  tirando. » 

Dezengano  de  Francisco  Ro- 
drigues Lobo,  115. 


2252  ZON 


ZON 


ZONA— termo  latioo  e  portuguez,  deri-  i 
vado  do  grego.  Significava  cinio,  ciogidou- 
ro.  Com  su&i  zonas  se  cingiam  os  gregos  e 
romanos,  quando  entravam  em  batalha  e 
só  no  fim  d'ella  depunham  a  zona,  como  se 
lê  na  Urania  de  Heródoto,  onde  se  diz  que 
Xerxes,  fugindo  para  Athenas,  tirara  a  zona 
na  cidade  de  Abdera,  como  em  logar  segu- 
ro e  fóra  do  aleanee  do  inimigo. 

«Pela  cintura  apertão  uma  larga  zona.» 

Vasconcellos,  Noticias  do  Brazil,  13 1.^  ) 

Da  sua  originaria  significação  de  cinto  ou 
cinta  o  termo  zona  se  empregou  em  senti- 
do translaío  na  geometria,  na  historia  na- 
tural, ra  marinha,  na  physioa,  cirurgia, 
anatomia  e  geographia,  ete.  etc. 

Como  este  diceionario  é  também  geogra- 
phico,  fallaremos  pois  do  termo  zona,  como 
termo  de  geographia. 


Deu-se  por  translação  o  nome  de  zonas  a 
uns  cireulos  imaginários  que,  como  cintas 
cingem  o  ceu  e  a  terra  em  differentes  dis- 
tancias entre  os  4  círculos  menores  paral- 
lelos  ao  equador  ou  linha  equinocial.  São 
ellas  cinco:  —  duas  denominadas  frigidas  e 
comprehendem  o  espaço  desde  os  poios  até 
os  circules  árctico  e  antárctico,  ou  cireulos 
polares;  uma  denominada  tórrida,  que  se 


'  Como  este  diceionario  está  prestes  a  con- 
cluir-se  e  vae  ser  distribuído  em  grande  es- 
cala no  Brazil  pela  nossa  importantíssima  e 
numerosíssima  colónia  brazileira,  seja-nos 
licito,  a  propósito  de  fallarmos  das  Noticias 
do  Brazil,  dar  e  consignar  aqui  uma  nova 
muito  recente  e  muito  importante  com  re- 
lação àquelle  vasto  império,  que  já  foi  co- 
lónia nossa. 

Estamos  em  22  de  novembro  de  1889  e 
no  dia  15  do  corrente  foi  proclamada  ali  a 
republica,— deposto  o  imperador  D.  Pedro 
II,  illustrado  e  venerando  ancião,  modelo 
dos  imperantes— e  deportado  para  a  Euro- 
pa, —  tomando  aquelle  império  o  titulo  de 
Republica  dos  Estados  Unidos  do  Brazil. 

Termina  pois  este  diceionario  no  mesmo 
anno  em  que  terminou  a  império  brazi- 
leiro. 


estende  para  uma  e  outra  parte  do  equador 
alé  os  trópicos  de  Câncer  e  Capricórnio;— 
e  duas  temperadas,  que  comprehendem  o 
espaço  que  medeia  entre  os  dictos  trópicos 
e  os  circalos  polares. 

Nas  zonas  frigidas  ha  nos  12  mezes  do 
anno  apenas  um  dia^  comprehendendo  a 
noite  6  mezes  e  a  claridade  os  outros  6  me- 
zes. 

Nas  zonas  frigidas  ha  continentes  e  mon- 
I  tanhas  enormes  de  gelo,  mas  são  em  grande 
parte  habitadas  por  homens  e  differentes  ir- 
racionaes. 

A  zona  tórrida,  assim  denominada  do 
verbo  latino  torrere,  assar,  quémar,  é  a 
mais  ardente,  porque  os  raios  do  sol  são  ali 
perpendiculares,  e  foi  outr'ora  julgada  inha- 
bitavel.  Tem  eíTecli vãmente  grandes  tratos 
de  terra  seccos,  estéreis,  nus,  por  serem  ar- 
dentiâsimos  e  faltos  de  chuvas,  de  arvoredo, 
fontes  e  rios,  taes  são  grandes  espaços  da 
Elhiopia,  da  Guiné,  da  Africa  e  do  Perú, 
mas  em  compensação  tem  terrenos  feracis- 
simos,  muito  abundantes  d'agua  e  de  ar- 
voredo e  muito  povoados,  taes  são  o  grande 
valle  do  Amazonas  na  America, — e  uma 
grande  parte  da  Asia  e  da  Africa. 
As  duas  zonas  temperadas  comprehendem 
j  43  graus  de  largura  (cada  uma)— espaço  que 
medeia  entre  as  zonas  tórrida  e  frigidas; 
são  as  que  teera  clima  e  temperatura  mais 
doce,  posto  que  o  seu  clima  varia  muito  com 
a  natureza  e  exposição  do  solo,  como  sueee- 
de  em  Portugal.  Na  garganta  do  Douro,  por 
exemplo,  as  margens  do  rio  são  muito  mais 
ardentes  do  que  os  pontos  mais  afastados; 
—a  margem  direita  ó  muito  mais  ardente 
do  que  a  margem  esquerda— e,  correndo  o 
Douro  no  mesmo  parallelo,  de  nascente  a 
poente,  desde  a  Barca  d'Alva  até  o  Porto, 
quando  o  thermomeiro  no  Porto  marca  23 
graus  á  sombra,  na  Barea  d'Alva  sobe  a  40, 
como  ainda  este  anno  de  1889  tivemos  occa- 
sião  de  notar,  quando  em  fins  de  julho  fo- 
mos do  Porto  a  Figueira  de  Castello  Rodri- 
go, Villa  distante  da  Barca  d* Alva  21  kH. 
para  S.  e  do  Porto  221  para  E.  S.  E. 

O  Porto  era  a  zona  temperada;— &  Barca 
d' Alva  a  zona  tórrida,  uma  fornalha  can- 
dente! Tremem  ali  do  verão  sesões  os  gatos 


ZON 


ZON  2253 


as  gallinhas  e  os  cães;— derrete-se  a  solda 
das  vasilhas  de  lata  expostas  átisneira;--des- 
temperam-se  os  instrumentos  de  córte, — 
estalam  as  pedras  com  o  calor— e  derreter- 
se-hiam,  se  o  Douro  não  corresse  tão  perto 
e  com  o  seu  grande  volume  d'agua  não  mo- 
diflcasse  os  raios  do  sol. 

O  mesmo  suceede  nas  margens  do  alto- 
Douro,  desde  a  Regoa  até  á  Hespanha,  na 
zona  do  Porl-Wine,  hoje  quasi  toda  phyllo- 
xerada,  inculta,  mas  que  produzia  outr'ora 
o  vinho  mais  generoso  do  mundo?! . . . 

V.  Villariça,  Villarinho  de  Cotas,  Villa- 
rinho  dos  Freires  e  Villarinho  de  S.  Romão. 

ZON^O — aldeia  da  freguezia  de  Cotta, 
concelho  de  Castro  d'Ayre  desde  1886.  ten- 
do pertencido  outr'ora  ao  extincto  concelho 
de  Mões,  depois  ao  de  Castro  d'Ayre  e  ul- 
timamente ao  de  Viseu. 

V.  Cota,  tomo  2.»  pag.  411,  col.  1.» 

Comprehende  esta  parochia  as  aldeias  se- 
guintes: —  Nogueira,  Vouguinha,  Silvares^ 
Macieira,  Quintãs  do  Covello  do  Paiva,  San- 
guinhedo, Villa  d'um  Santo  e  Zonho. 

Entre  estas  ultimas  duas  aldeias  desde 
tempo  immemorial  tem  havido  grandes  de- 
sordens, espancamentos,  ferimentos  e  mor- 
tes por  causa  de  certos  baldios  ou  terras  de 
logradouro  commum— e  era  1857  travou-se 
rija  demanda  entre  os  dois  povos,  demanda 
que  não  sabemos  como  terminou.  O  Liberal 
de  Viseu,  noticiando-a  no  seu  n."  de  13  de 
maio  d'aquelle  anno,  dizia  o  seguinte: 

Demanda  perigosa 

«Os  habitantes  do  Zonho  travaram  ques- 
tão judicial  com  os  de  Villa  d'um  Santo,  po- 
vos do  concelho  de  Viseu,  por  causa  dos 
maninhos  limitrophes  d'aquellas  visinhan- 
ças.  Tão  inflammados  se  acham  os  ânimos, 
que  se  receia  que  passem  a  vias  de  facto  e 
que  algum  desgraçado  pague  com  a  vida  as 
custas,  antes  de  findar  a  demanda. 

tjá  não  é  o  primeiro  calvário  que  por 
taes  motivos  se  acha  levantado  no  meio  d'a- 
quella  montanha  de  urzes,  cuja  posse  tem 
sido  por  vezes  questionada  á  bordoada. 
Lembramos  portanto  à  auetoridade  compe- 
tente que  vigie  de  perto  os  rixosos,  empre- 

VOLUMK  XI 


gando  todas  as  prevenções,  para  que  os  ho- 
mens não  façam  asneira;  e  a  sociedade  não 
tenha  a  lamentar  alguma  calamidade.» 

Sanguinhedo 

Passava  n'esta  freguezia  uma  antiga  es- 
trada de  bastante  movimento,  que  seguia  de 
Viseu  por  Cota,  Villa  Cova  a  Coalheira,  alto 
de  Fragoa«,  Tarouca  e  Britiande,  para  La- 
mego, etc.  Tocava  na  aldeia  de  Sanguinhe- 
do, na  qual  tinha  uma  estalagem,  onde  se 
praticaram  os  maiores  excessos :  — roubos, 
espancamentos,  ferimentos  e  mortes. 

A  dieta  estrada  vae  ser  substituída  por 
outra  a  macadam,  districtal,  n.°  40,  de  Vi- 
seu a  Lamego  e  foz  do  Távora,  por  Moi- 
menta da  Beira,  Taboaço,  etc.  ainda  em 
construeção,— tarde  porém  se  concluirá, 
mesmo  porque  a  antiga  ponte  de  pedra,  em 
que  atravessava  o  Vouga  n'esta  freguezia 
de  Cola,  foi  derrubada  por  uma  cheia  no 
mez  de  novembro  de  1888,  como  dissemos 
no  art.  Vouga,  rio,  tomo  11.»  pag.  1977, 
col. 

Ficou  substituindo  a  ponte  uma  barca  de 
passagem  antiquíssima,  que  no  inverno 
atravessava  o  rio,  cerca  de  1  kilometro  a 
jusante  da  ponte,  mesmo  quando  esta  fune- 
cíonava,  por  ser  muito  grande  a  volta  que 
dava  o  caminho  da  ponte. 

A  passagem  na  barca  é  bastante  perigosa 
no  inverno,  pois  costuma  andar  presa  a 
uma  corda  feita  de  vides  seccas,  enlaçadas 
e  torcidas,  corda  que  por  vezes  quebra,  co- 
mo hs  annos  quebrou,  indo  a  barca  rio 
abaixo  com  muita  gente  e  uma  cavalgadu- 
ra, mas  felizmente  salvaram-se  todos,  posto 
que  a  besta  caiu  ae  rio  e  com  o  baloiço  da 
queda  ia  tombando  a  barca.  Também  um 
pouco  a  jusante  d'esta  ha  umas  poldras  (al- 
pondras)  no  Vouga,  para  passagem  do  rio 
no  verão,  mas  o  caminho  para  as  dietas  pol- 
dras ê  diabólico I  Atravessa  ladeiras  de  me- 
donho fragoedo. 

Caldas 

Em  volta  de  Viseu  ha  4  estabelecimentos 
thermaes: — Cota,  Alcafache,  S.  Pedro  do  Sul 
e  Felgueira. 


2254  ZOO 


ZOO 


Os  de  Cota  e  Alcafache^  eslão  em  grande 
abandono  e  muito  mal  tratados,  pelo  que 
são  pouco  frequentados. 

O  de  S.  Pedro  do  Sul,  ou  da  villa  do  Bo- 
n/ío,2  tem  um  estabelecimento  thermal  no- 
vo, mas  ainda  incompleto  emal  administra- 
do, pelo  que,  longe  de  augmetitar,  diminue 
a  concorrência  dos  banhistas. 

O  da  Felgueira  hoje  supplanta-os  a  todos 
3  e  a  quasí  todos  os  do  nosso  paiz,  pois  tem 
um  estabelecimento  thermal  esplendido,  o 
melhor  de  Portugal  talvez,  feito  nos  últimos 
annos  por  capitalistas  de  Lisboa — e  em  Lis- 
boa se  formou  uma  empreza  com  o  capital 
de  100  contos  para  construir  ali  também 
um  grande  hotel-cluh,  etc. 

Alí^m  d'Í8so  demora  a  pequena  distancia 
da  estação  de  Senhorim,  na  linha  da  Beira 
Aita,  o  que  o  torna  muito  aecessivel,  e  tem 
uma  boa  estrada  nova  a  macadam  para  ^ 
dieta  estação. 

Tem  progredido  muito  nos  últimos  annos 
e  é  hoje  um  dos  nossos  primeiro»  estabele- 
cimentos thermaes,  muito  luxuoso,  bem 
administrado,  bem  servido  e  muito  concor- 
rido! 

V.  Val  de  Madeiros,  tomo  10.»  pag.  63,  ^ 
eol.  1.»— e  note-se  que  a  correspondência  | 
anonyma,  datada  de  Villa  Verde  e  publica- 1 
da  pelo  meu  benemérito  antecessor,  loc  cit., 
foi  eseripta  por  mim,  como  propaganda  em 
favor  das  dietas  caldas,  que  eu  então  (1881) 
visitei. 

As  pobres  caldas,  que  tanto  me  compun- 
giram, mudaram  rapidamente  de  fond  en 
comble. 

Hurrah  pela  Felgueiral 

ZOOPHORO— do  grego  zoophoros—lermo 
de  arehitectura  antiga. 

Friso  ou  cornija  d'um  edifício  com  mui- 
tas figuras  de  animaes^  como  podem  ver-se 
ainda  hoje  em  alguns  edifícios  nossos,  taes 
são  as  actiquissimas  egrejas  da  Senhora  da 
Fresta,  em  Trancoso^  Santa  Maria  de  Mo- 


1  Vejam-se  os  artigos  próprios. 

2  V.  Banho,  villa,  tomo  1."  pag.  3i7,  col. 
1.»— e  Vouzella,  villa,  tomo  11.* 


reira  de  Rei,  no  mesmo  concelho,  e  Nossa 
Senhora  da  Assumpção  à^i  Ventozello,  con- 
celho do  Mogadouro,  mas  o  penúltimo  pa- 
rocho  (Deus  lhe  perdoei...)  oo  meiado 
d'este  século  mandou  picar  e  varrer  toda 
a  ornamentação,  da  de  Ventozello,  deixando 
a  cornija  completamente  nua,  como  nós  a 
vimos  quando  ali  passámos  no  dia  11  de  ju- 
lho de  1888,  em  viagem  de  Bragança  para  a 
Barca  d'Alva  por  Vimioso,  Miranda  do  Dou- 
ro, Bemposta,  Lagoaça,  Freixo  de  Espada  á 
Cinta  e  Poiares. 

ZOOPHYTOLITHES-pelrifleação  de  zoo- 
phytos  em  forma  de  arbustos. 

Não  conhecemos  no  nosso  paiz  taes  pe- 
trifícações,  mas  abundam  n'elle  outras  mui- 
tas e  consta-nos  que  no  concelho  de  Pom- 
bal se  encontra  carvão  de  pedra  ainda  com 
a  fórma  do  primitivo  arvoredo. 

ZOOTYPOLITHES—pedras  que  teem  im- 
pressa DO  todo  ou  em  parte  a  figura  de  um 
animal. 

Vem  do  grego  zoon  typos,  fórma,  — e  li- 
thos,  pedra. 

ZORIA— port.  ant.— palmatória. 

ZORRA  ou  ZORRO— antigamente  ,/í)7To- 
carrioho  archaico  de  formas  singelas,  que 
ainda  hoje  nas  aldeias  se  usa  para  movtr 
pedras  e  cousas  pesadas. 

É  uma  forquilha  tosca  de  madeira  grossa 
com  uma  travessa  na  base;  a  ponta  um  pou- 
co erguida— e  n'ella  uma  argola  de  ferro, 
para  tracção  feita  por  bois. 

Dizia-se  pão  de  jorro  o  que  carregava  um 
dos  taes  carrinhos,  denominados  zorro,  jor- 
ro ou  ;orrão,  e  porque  os  dictos  carros  se 
moviam  e  movem  muito  lentamente,  deno- 
minou-se  zorreiro  o  individuo,  besta,  carro, 
navio,  etc.  que  se  move  devagar  e  como  ar- 
rastando. 

«Quem  cortar  madeira  nas  dietas  matas, 
por  cada  hum  paào  de  jorro  pague  400 
réis.i 

Livro  Vermelho  de  D.  Affonso  V,  n."  28. 

Zorro  e  zorra  também  significam  raposo 
e  raposa— 6  d'aqui  provem  o  epitheto  zorro 
dado  ao  individuo  astuto,  arteiro  como  a 
raposa. 

ZOTE— termo  chulo— idiota,  ignorante. 
Z  OUPEIRO— termo  beirão— velho  ou  ve- 


ZUG 


ZUR  2255 


lha,  decrépito,  que  se  não  pode  mover.  Vem 
do  italiano  zoppa,  mulher  coxa,  que  mal 
pôde  andar. 

ZUCA—termo  chulo  e  afrontoso» 

zuca—tem  telha  ou  pancada  na  mola 
— diz-se  do  homem  muito  excêntrico  e  que 
parece  tonto. 

ZUM-ZTJM— termo  chulo,  mas  clássico,— 
o  zumbir  do  mosquito. 

«Mas  lambem  vejo  os  mosquitos, 
Tamaninos  hum  por  hum. 
Muito  vãos  de  seus  esp'ritos; 
Não  valem  nada  os  malditos, 
E  andão  sempre  zwm,  zum,  zmw.» 

Obras  métricas  de  D.  Francisco  Manoel, 
—  Çamfonha  de  Euterpe. 

ZUMBAIA— termo  chulo  entre  nós  e  cor- 
tesia profunda,  usada  na  índia.  Consiste  em 
abaixar  a  cabeça  até  os  joelhof,  com  os 
braços  cruzados  e  a  mão  direita  no  chão.— 
isto  tres  vezes,  antes  que  cheguem  ao  se- 
nhor e,  chegados  a  elle,  mettem-lhe  a  cabe- 
ça entre  as  mãos,  dando  a  entender  que  lh'a 
oítereeem. 

"  Ha  lambem  na  índia  zumbaias  d'outras 
espécies,  indicadas  por  Bluteau  no  seu  Vo- 
cabulário. 

ZURAME,  ZORAME,  ÇURAME,  CEROME 
ou  CERROME  —do  árabe  solhame,  —  capa 
branca  tecida  de  lã  muito  fina,  com  que  os 
mouros  se  cobrem,  como  nós  cobrimos  com 
os  capotes. 

«Item,  quicumque  acceperit. . .»  —  Em 
vulgar:— «Todo  aquelle  que  roubar  a  oqtro 
capa,  zurame,  pelle  ou  algum  vestido,  pa- 
gue em  dobro  o  valor  do  que  roubou,» 

Leis  de  D.  Affonso  Yl—Monarch.  Lusit. 
tomo  iV,  Escript.  XXVII. 

«Cantem  por  mi  XXX  Missas  pelo  meu 
Cerome.» 

Doe.  de  Maeeiradão  de  1407. 

No  anno  de  1303  D.  Sancha  de  Sangimil, 
filha  de  Gonçalo  Eannes,  por  alcunha  Lombo 
ã'alhos,  deu  todos  os  bens  que  tinha  em 
Gondomar  ao  convento  de  Alafôes,  com  a 
obrigação  d'este  lhe  dar  de  dois  em  dois  ân- 
uos Saya  e  Garnacha—è  Cerrome  de  tres 


\  em,  tres  annos  de  Sacaome:^  e  de  a  mante- 
rem á  maneira  de  Dona,  e  ressão  para  huma 
menina.y> 
Doe.  de  Alafões. 

•  E  pela  Festa  do  Natal  primeyra  que 
vem,  huum  çurame,  e  huum  pelote  d'uum 
arraiz,  ou  d'uma  valencina. . . 
Doe.  d^Alpendorada. 

V.  Cerome  em  Viterbo— e  Zorame  nos 
Vestig.  da  ling.  arábica...  de  Fr.  João  de 
I  Souza,  pag.  160. 

ZURARA— outr'ora.  —  actualmente  Azu- 
rara, Villa  extincta,  hoje  simples  parochia 
do  concelho  e  comarca  de  Villa  do  Conde. 
V.  Azurara,  tomo  1."  pag.  239. 
Aproveitando  o  ensejo,  faremos  algumas 
j  rectificações  e  addições  àquelle  artigo. 


Esta  parochia  de  Azurara  pertence  ao 
districto  do  Porto,  província  do  Douro,  não 
j  á  do  Minho,  como  disse  o  men  benemérito 
antecessor. 

1    Em  1675  a  Pobl.  Gen.  de  Esp.  deu-lhe 
200  fogos;  em  1706  a  Corogr.  Port.  deu-lhe 
SOO  fogos;  em  1746  o  padre  Luiz  Cardoso 
1  no  seu  Diccion.  Geoí/r.  dedicou-lhe  um  hei- 
\  lo  artigo  e  deu-lhe  380  fogos;  o  censo  de 
I  1864  deu-lhe  260  fogos  e  992  habitantes— e 
o  de  1878  deu  lhe  236  fogos  e  1103  habi- 
tantes. 

Não  comprehende  aldeias,  mas  somente 
a  povoação  de  Azurara,  sède  da  parochia  e 
da  sua  veneranda  e  muito  ampla  matriz  raa- 
noelina,  muito  vistosa  e  muito  vantajosa- 
mente situada,  mas  muito  mais  singela,  do 
que  a  matriz  de  Villa  do  Conde,  manoelina 
tambem.2 

Decahiu  muito  depois  que  perdeu  os  fó- 
ros  de  villa  e  de  séde  de  concelho  com  jus- 
tiças próprias,  —  bem  como  o  seu  convento 


!  1  Assim  escreveu  Viterbo  no  Elucidário, 

i  mas  João  Pedro  Ribeiro  diz  que  no  original 

!  Sacaome,  é  Santaome  (St.  Omer). 

I  2  V.  Villa  do  Conde,  tomo  11.»  pag.  624, 

'  col. 


2256  ZUR 


ZUR 


de  frades  capuchos,  a  sua  Misericórdia, 
hospital,  etc. 

Também  soEfreu  muito  com  o  açoriamen- 
to  do  Ave,  que  foi  um  porto  de  mar  de  bas- 
tante movimento  e  hoje  está  reduzido  a 
uma  patameira,— grande  foco  de  infecção, — 
principalmente  na  margem  esquerda,  do  la- 
do da  pobre  Azurara.  A  margem  opposta, 
ou  do  lado  de  Villa  do  Conde,  tem  um  bom 
muro,  que  se  prolonga  desde  a  villa  até  o 
mar  e  que  prejudicou  bastante  a  margem 
esquerda,  porque  o  Ave  nas  enchentes,  não 
podendo  avançar  para  o  norte,  pende  para 
o  sul,  destroe  e  arrasa  os  campos  e  trans- 
forma-os  em  pântanos.  Para  desejar  seria 
pois  que  fizessem  do  lado  sul  outro  muro 
parallelo  ao  do  norte,  eanalisando  o  Ave,  o 
que  melhoraria  consideravelmente  a  foz 
d'este  rio  e  o  porto  de  Villa  do  Conde. 

Era  uma  obra  muito  importante  para 
Villa  do  Conde  e  Azurara,  mas  quando  se 
fará  ella? — Tarde  ou  nunca,  pois  assim  co- 
mo Azurara  absorveu  toda  a  importância  da 
antiquíssima  paroehia  de  Arvore,  da  qual 
foi  uma  simples  aldeia,  Villa  do  Conde 
absorveu  toda  a  importância  de  Azurara — 
e  hoje  . a  Povoa  de  Varzim  está  absorvendo 
toda  a  importância  de  Villa  de  Condel... 


Pelo  recenseamento  de  1878  esta  ultima 
villa  contava  1135  fogos  e  4963  habitantes; 
—a  Povoa  de  Varzim  contava  2706  fogos  e 
11:004  habitantes— e  hoje  deve  contar  cer- 
cado 3:600  fogos  e  14:000  habitantes,  pois 
tem  prosperado  e  está  prosperando  muito. 
E'uma  das  nossas  praias  de  banhos  mais 
Concorridas,  iacomparavelmeote  mais  con- 
corrida do  que  a  da  Villa  do  Conde, —  Um 
muito  commercio, — pescarias  soberbas  —  e 
uma  bella  enseada  para  os  seus  barcos  de 
pesca,  enseada  que  nos  últimos  annos  me- 
lhorou muito  com  as  obras  mandadas  fazer 
pelo  governo,  prolongando  o  molhe  ou  mu- 
ro do  norte  e  mandando  quebrar  muitas  pe- 
dras,— e  no  momento  o  nosso  governo,  de- 
pois de  annullar  o  primeiro  concurso  para 
conclusão  das  obras  da  dieta  enseada,  abriu 
novo  concurso,  que  termina  em  24  de  ja-  ' 


neiro  do  anuo  próximo  futuro  de  1890,  sen- 
do a  base  da  licitação — 264:876^000  réis. 

Sendo  a  Povoa  de  Varzim  já  hoje  uma 
das  maiores  villas  de  Portugal,  mais  popu- 
losa do  que  muitas  das  nossas  cidades,  nun- 
ca teve  tanta  vida  nem  tão  auspicioso  futu- 
ro;—promette  ir  longe — e  em  breve  será 
elevada  também  á  cathegoria  de  cidadel . . . 

Villa  do  Conde  ainda  tem  certa  vida,  bons 
edifícios,  grandes  feiras  e  mercados,  etc.  e 
nos  últimos  annos  dois  beneméritos  filhos 
seus, — o  dr.  Bento  de  Freitas  Soares,  já 
fallecido,  e  o  sr.  dr.  Julio  Graça,  que  ainda 
vive, — como  bons  patriotas  e  bons  médicos^ 
empenharam  se  em  debellar  a  aneuiia  que 
a  tolhe  e  (honra  lhes  seja!)  muito  consegui- 
ram. 

Dotaram -na  com  bastantes  melhoramen- 
tos nas  suas  estradas  e.  ruas,  na  sua  praia 
de  banhos,  etc.  e  no  momento,  a  26  de  no- 
vembro do  corrente  anno  de  1889,  o  gover- 
no adjudicou  á  Empreza  industrial  por- 
tuense a  construcção  de  uma  ponte  sobre  o 
Ave,  entre  Villa  do  Conde  e  Azurara,  por 
57:800í000  réis,  em  substituição  da  ponte 
de  pau,  que  estava  substituindo  a  ponte  de 
pedra,  mandada  fazer  por  D.  Francisco 
d'Alaiada.2 


Também  está  em  construcção  uma  bella 
estrada-rua,  denominada  Avenida  Julio  Gra- 
ça, desde  a  estação  de  Villa  do  Conde  na 
linha  férrea  da  Povoa,  até  á  villa,— e  consta 
que  o  governo  vae  prolongar  aquella  formo- 
sa avenida  até  o  mar. 

Villa  do  Conde  lucra  muito  com  estes  e 
outros  melhoramentos,  mas  não  pôde  luetar 
com  a  sua  tão  populosa  e  tão  próxima  vi- 
sinha,  pois  dista  pouco  mais  de  1  kilome- 
tro  da  Povoa  de  Varzim,  da  qual  é  ura  ar- 
rabalde e  em  praso  não  muito  longe  será 


1  O  1.»  foi  deputado  ás  cortes  e  afamado 
clinico — e  o  2.»  é  também  deputado  e  clini- 
co afamado. 

2  V.  Villa  do  diOnde,  tomo  li.»  pag.  692, 
col.  2.» 


ZUR 


ZUH  2257 


um  interessante  e  pittoresco  bairro  da  ci- 
dade da  Povoai . . . 

As  casas  da  extremidade  N.  de  Villa  do 
Conde  e  as  da  extremidade  S.  da  Povoa  de 
Varzim  quasi  se  tocam  já  hoje  e,  se  não  fo- 
ra a  grande  rivalidade  das  doas  povoações, 
em  breve  se  confundiriam  e  formariam  uma 
das  nossas  mais  populosas  e  mais  formosas 
cidades,  mesmo  porque  entre  as  duas  villas 
não  ha  montes  nem  rios  que  as  separem.  O 
chão  intermédio  ê  quasi  plano,  todo  arável 
e  muito  saudável,— enchuto,  alegre  e  visto- 
so. Presta-se  admiravelmente  para  casas  de 
cámpo  e  de  recreio  e  para  toda  a  sorte  de 
construeções;— as  duas  villas  já  estão  liga- 
das por  uma  formosa  estrada  real  a  maca- 
dam,  servida  por  uma  linha  férrea  america- 
na—e  cortada  a  meio  de  nascente  a  poente 
por  outra  estrada  a  macadam;— e  a  Povoa  de 
Varzim  não  tem  feiras,  mas  só  um  pequeno 
mercado.  As  suas  feiras  são  as  de  Villa  do 
Conde. 

Fazemos  pois  ardentes  votos  por  que  as 
duas  villas  se  unam  e  formem  a  grande  ci- 
dade. 

Rectificações 

No  artigo  Azurara  disse  o  meu  benemé- 
rito antecessor: 

«No  começo  do  século  xii,  era  (a  villa  de 
Azurara)  povoação  muito  importante,  pois 
que  o  conde  D.  Henrique  e  sua  mulher  a 
rainha  D.  Thereza  a  fizeram  villa  e  lhe  de- 
ram foral,  em  1102  (ou  1107)  que  D.  AÉTon- 
so  II  confirmou  em  Santarém,  no  1.»  de  fe- 
vereiro de  1213. 

«Na  ?oblacion  Gen.  de  Hesp.,  diz- se  que 
o  conde  D.  Henrique  lhe  deu  foral  em 
llll.« 

Claudicaram  n'este  ponto  Rodrigo  Men. 
des  da  Silva  e  o  meu  benemérito  ante- 
cessor, porque  o  foral  do  conde  D  Henrique 
e  da  rainha  D.  Thereza,  com  data  de  1102, 
não  pertence  a  esta  Azurara,  mas  á  da  Bei- 
ra, hoje  Mangualde,  como  logo  provaremos 
evidentemente,  quando  fallarmos  da  dieta 
Zurara ;  —  e  o  conde  D.  Henrique  não  deu 
outro  foral  a  esta  Azurara  de  Villa  do  Con- 
de nem  a  povoação  alguma  do  nosso  paiz^ 
alem  de  Azurara  da  Beira,  desde  o  anno  de 


1096,  data  do  foral  de  Constantim  de  Pa- 
noias,  até  o  anno  de  1 108,  data  do  foral  de 
Tentúgal,  como  se  vê  do  Portugália  Monu- 
menta,  onde  se  encontram  na  sua  integra  e 
por  ordem  chonologica  todos  os  foraes  ve- 
lhos, existente  na  Torre  do  Tombo,  desde  o 
anno  de  1055  até  o  anno  de  1277  —  mais  3 
foraes  velhos  sem  data,  concedidos  por  D. 
Afifonso  III  a  Loulé,  Faro  e  Tavira. 

Também  pertence  a  Zurara  ou  Azurara 
da  Beira,  o  foral  que  D.  Manoel  deu  á  villa 
d'este  nome  em  2ê  de  março  de  1514, — se- 
gundo se  vê  da  Memoria  de  Franklin,  pois 
ainda  não  podemos  lobrigal-o. 

Custa  a  crer  que  a  villa  de  Azurara  de 
Villa  do  Conde,  sendo  tão  antiga  e  outr'ora 
tão  importante,  visitada  e  muito  beneficiada 
por  el-rei  D.  Manoel,  não  tivesse  foral  ve- 
lho nem  novo,  sendo  D.  Manoel  tão  pródigo 
em  conceder  foraes,  mesmo  a  villas,  aldeias 
quintas  e  terras  insignificantes. 

Talvez  se  perdesse,  como  se  perderam  ou- 
tros muitos,  posto  que  era  costume  passar 
3  exemplares: — um  para  o  real  archivo  ou 
para  a  Torre  do  Tombo, —  outro  para  a  ca- 
mará da  villa  —  e  outro  para  o  senhor  da 
terra. 

Templos 

O  meu  antecessor,  depois  de  dizer  que  a 
esplendida  matriz  d'Azurara  de  Villa  do 
Conde  foi  mandada  fazer  por  D.  Manoel  em 
1498,  diz:  >a  egreja  primitiva  ainda  é  a 
actual.» 

Também  claudicou  n'este  ponto. 

A  matriz  actual  não  é  a  primitiva,  mas  a 
que  D.  Manoel  mandou  fazer  em  substitui- 
ção da  primitiva  que,  segundo  se  lê  no  bai- 
lo artigo  ^zMram  do  padre  Luiz  Cardoso, 
era  uma  ermida  ou  egreja  com  o  titulo  de 
Nossa  Senhora  da  Apresentação  ou  Senho- 
ra das  Neves,  pelo  que  a  egreja  de  D.  Ma- 
noel tomou  o  titulo  de  Santa  Maria  a  iVowa, 

para  se  distinguir  da  antiquíssima  

de  Nossa  Seuhora  das  Neves*-^  diz  o  padre 
Luiz  Cardoso  —  e  em  seguida  descreve  o 
templo  actual  muito  minuciosamente,  bem 
como  todos  os  outros  templos  que  esta  fre- 
guezia  contava  em  1747  e  que  eram  os  se- 
guintes; 


2258  ZUR 

%'=Egreja  da  Misericórdia,  na  raa  do 
Espirito  Santo. 

3" — Egreja  do  convento  dos  capuchos, 
com  o  titulo  de  Nossa  Senhora  dos  Anjos. 

A  dieta  egreja,  depois  da  extincçao  das 
ordens  religiosas,  foi  conservada  pela  Or- 
dem 5."  que  os  frades  erigiram  em  1728. 
Ainda  hoje  é  muilo  numerosa  e  faz  lodosos 
annos  com  grande  apparato  e  grande  con- 
corrência de  fieis  a  procissão  de  cinza.^ 

Hoje  no  extincto  convento  está  um  coUe- 
gio  de  meninas,  montado  recentemente  e 
dirigido  por  umas  piedosas  sentioras. 

4.  » — Capella  de  Nossa  Senhora  das  Neves, 
ao  sul  de  Azurara  e  junto  da  aldeia  da 
Granja. 

E'  antiquíssima  e  jà  se  venerava  com 
grande  concurso  de  fieis  no  dia  5  d'agosto, 
antes  da  invasão  dos  mouros,  como  diz  Fa- 
ria e  Souza  na  Europa  Porlugueza,  tomo 
3.»  cap.  2.»  pag.  231.  n.»  60. 

A  dieta  romagem  determinou  a  creação 
d'uma  feira  franca  muito  importante,  no 
mesmo  dia. 

Talvez  que  a  dieta  capella  fosse  a  primi- 
tiva egreja  d'Azuraral . . . 

5.  "— Capella  do  Espirito  Santo,  na  rua 
que  tomou  â'éila  o  nome. 

Era  e  não  sabemos  se  ainda  é  coroada  de 
ameias  e  dizem  ter  sido  casa  do  marquez  de 
Villa  Real,  antigo  senhor  d'esta  villa. 

Ainda  em  1747  se  via  em  um  armazém 
junto  do  Ave,  esculpido  o  aleo,  ou  pau  de 
zambugeiro,  emblema  dos  dictos  marque- 
ze8.2 

Na  dicia  capella  se  festejava  pomposa- 
mente o  Espírito  Santo  e  acompanhava  a 
procissão  um  irmão  lavrador,  vestido  de 


1  E'  a  1.»  de  Azurara,  mas  a  procissão 
de  cinza,  de  Villa  do  Conde,  é  muito  mais 
apparatosa,  muito  mais  concorrida  e  uma 
das  primeiras  da  província. 

A  ella  concorrem  centenares  de  pessoas 
do  Porto,  porque  a  linha  de  ferro  da  Povoa 
estabelece  sempre  n'esse  dia  comboios  a 
preços  reduzidos. 

2  V.  Villa  Real  de  Traz  os  Montes,  tomo 
11.*  pag.  952,  col.  2."  n.»  7. 


ZUR 

imperador,  com  seus  pagens,  que  lhe  leva- 
vam o  estoque,  sceptro  e  coroa,  indo  na 
frente  um  estandarte  com  as  armas  reaes. 

Capella  de  Nossa  Senhora  da  Con* 
Ceição,  por  detraz  da  rua  do  Corpo  Santo, 
para  o  lado  do  mar. 

7.  '— Capella  do  Corpo  Santo,  ou  de  S.  Pe- 
dro Gonçalves  Telmo. 

Demorava  e  demora  a  N.  E.  da  villa,  em 
um  planalto  espaçoso  e  muilo  vistoso,  so- 
branceiro ao  Ave,  e  foi  sempre  muito  que- 
rida dos  navegantes  e  muilo  festejada  por 
elles. 

8.  ' — Capella  de  S.  Sebastião,  no  fim  da 
rua  a  que  deu  nome  e  em  terreno  lambem 
muito  vistoso,  donde  se  gosa  um  vasto  e 
lindo  panorama  sobre  a  terra  e  sobre  o 
mar. 

9.  ^— Capella  de  Sant^Anna,  em  ura  peque- 
no monte  a  E.  da  villa,  com  4  altares,  etc, 
ele. 

Funccionarios  públicos 

Esta  villa  leve  outr'ora  ouvidor  annual, 
que  era  lambem  juiz  da  egreja,  dos  orphãos 
e  direitos  reaes —2  almolaceis,  4  quadrilhei- 
ros e  1  meirinho,  lodos  eleitos  pelo  pi»vo, 
mas  prestavam  juramento  na  camará  do 
Porto. 

Tinha  mais  3  escrivães,  sendo  l  dos  or- 
phãos e  do  publico— e  2  só  do  publico  e  ju- 
ditíial,-~6  homens  eleitos  para  o  governo  da 
Villa  e  6  para  o  lançamento  da  cisa,  ele. 

Pessoas  notáveis 

Produziu  muitas  esta  villa,  mas  occorrem- 
I  nos  apenas  as  seguintes: 
j    —Gomes  Eannes  d' Azurara,  mencionado 
pelo  meu  antecessor.^ 
—Filippa  de  S.  Francisco,  religiosa  de 
I  Santa  Clara  de  Villa  do  Conde. 

Morreu  com  opinião  de  santidade  em 
1591. 


1  Ha  divergência  com  relação  á  naturali' 
dade  doeste  afamado  chronisia. 
'    V.  Zurara  da  Beira,  infra. 


ZUR 


ZUR  2259 


— Victoria  dos  Santos,  religiosa  do  mes-  \ 
mo  convento,  no  qual  iDstituiu  a  festa  dos  i 
Sagrados  Espinhos  dç  Christo.  j 

Passados  muitos  annos  depois  que  falle-  j 
ceu,  acharam  incorrupto  o  corpo  d'e8ta  pie-  | 
dosa  freira.  I 

— D.  João,  cónego  regular  de  Santo  Agos- 
tinho. 

Foi  muito  virtuoso  e  falleeeu  em  Grijó  no 
ànno  de  1715, 

— Fr.  Antonio  dos  Reis,  11.°  geral  de  S. 
Bento,  cujo  cargo  oceupou  3  vezes. 

Morreu  em  Tibães  com  opinião  de  vir- 
tude. 

—Padre  Antonio  Moreira. 

Passados  40  annos  depois  do  seu  falleci- 
mento,  encontrou-se  o  cadáver  incorrupto 
e  as  vestes  sacerdotaes  que  o  envolviam. 

— Fr.  José  da  Trindade,  da  ordem  de  S. 
Domingos. 

Falleeeu  no  convento  de  Vianna  em  1742 
e  foi  virtuosíssimo. 

—  Um  bispo  eleito  de  Malaca,  religioso  de 
S.  Bento. 

Era  da  família  Maeiros  d'e8ta  villa,  mas 
ignora-se  o  nome. 

— Um  arcebispo  da  Bahia,  cujo  nome  se 
ignora  também. 

— O  dr.  João  Carneiro  de  Moraes,  ehan- 
celier  mor  do  reino. 

— O  dr —  filho  do  antecedente. 

Foi  lente  na  Universidade  de  Coimbra. 

— Fr.  Manoel  da  Silveira,  religioso  de  S. 
Domingos. 

Foi  dr.  em  theologia  pela  mesma  Univer- 
sidade. 

— Pedro  Nunes  da  Costa,  freire  e  commen- 
dador  de  Malta. 
•^Manoel  Lopes  Negrão. 
Foi  capitão  de  mar  e  guerra. 
— Manoel  Correia  da  Rocha. 
Foi  também  capitão  de  mar  e  guerra. 

Os  viscondes  de  Azurara 
não  eram  filhos  d'esta  villa. 

O  1."  visconde,  João  Anto- 
nio Salter  de  Mendonça,  que 
foi  dono  do  palácio  do  Freixo 
no  Porto,  e  da  grande  quinta  j 
da  Aveleira,  na  freguesia  de  ' 


Távora,  concelho  de  Taboaço,* 
etc,  etc,  nasceu  na  villa  de 
Goyanna,  império  do  Brazil. 

ETIMOLOGIAS 

Este  tópico  é  muito  nebuloso,  porque  é 
muito  diflBcil  apurar  com  firmeza  a  eiymo- 
logia  da  maior  parle  das  terras  do  nosso 
paiz,  pois  muitas  tomaram  o  nome  dos  ro- 
manos ,—  outras  dos  godos  e  visigodos,— 
outras  dos  árabes  e  musarabes, — outras  dos 
leoneses  e  portuguezes,  como  ainda  hoje  es- 
tão tomando  o  nome  dos  seus  fundadores  e 
possuidores  muita!»  herdades  e  quÍQtas,que 
podem  vir  a  ser  grandes  povoações  no  fu- 
turo. 

Simples  granjas,  herdades  e  quintas  fo- 
ram nueleo  de  muitas  das  nossas  actuaes 
povoações  e  d'outras  que  desappareceram 
com  a  voragem  das  guerras*  do  tempo  e  das 
epidemias,  como  podem  desapparecer  as 
povoações  actuaes. 

Cora  relação  a  esta  villa  Azurara  disse 
o  Padre  Luiz  Cardoso  que  o  nome  d'ella  se 
deriva  de  azul  ara,  pedra  d'ara  de  cor  azul, 
que  estava  (?)  na  primitiva  egreja. 

O  meu  antecessor  perfilhou  a  mesma 
ideia,  mas  inclinou  se  a  crer  que  a  dieta  pe- 
dra azul  não  era  uma  simples  pedra  d'ara^ 
mas  algum  dolmen,  cuja  pedra  fosse  azul 
ou  azulada. 

Não  estamos  d'accordo,  porque  não  res- 
ta memoria  alguma  da  egreja  primitiva, 


1  Aquella  grande  quinta  foi  dos  Tavoras 
(bem  como  o  palácio  do  Freixo),  depois 
passou  para  a  coroa;  d'esta  para  o  SaUer 
de  Mendonça,  i."  visconde  à^Azurara;  da 
familia  d'este  para  o  juiz  da  relação  do  Por- 
to Joaquim  Machado  Ferreira  Brandão,  que 
a  arrematou  em  praça  publica;  d'este  pas- 
sou para  o  seu  cunhado  Sebastião  Pinto 
Moreira,  de  Massarellos,  no  Porto,— e  d'esle, 
por  compra,  para  o  sr.  Adriano  d'Azevedo 
Pinto  Mesquita,  de  Riodades,  seu  actual  pos- 
suidor, filho  de  Alexandre  d'Azevedo  Mene- 
zes Pimentel. 

V.  Riodades,  Freixo  (quinta  do)  e  Távora 
n'este  diccionario  e  no  supplemento. 


2260  ZUR 


ZUR 


nem  da  sua  pedra  d'ara,  nem  do  fantástico 
dolmen  ou  anta,  nem  mesmo  na  onomásti- 
ca. Alêm  d'i88o  Azurara  da  Beira  deve  ter  a 
mesma  etymologia  e  custa-nos  crer  em  dol- 
mens  de  cor  azul  nas  provincias  do  Douro 
e  da  Beira,  nas  quaes  a  pedra  dominante  é 
o  granito,  alem  de  que  os  dolmens  contam 
milhares  d'anno3  e  estão  lodos  cobertos  de 
licliens^  que  os  tornam  escuros. 
Tentemos  pois  outra  etymologia. 


Todos  concordam  em  que  Azurara  de 
Villa  do  Conde  foi  uma  simples  aldeia  ou 
povoação  de  Arvore,  parocbia  antiquíssima, 
que  muito  provavelmente  tomou  o  nome  — 
não  de  uma  arvore  qualquer,  embora  gi- 
gantea,  mas  de  Albura,  nome  romano,  como 
se  vê  da  Revista  Archeologica  do  sr.  Anto- 
nio Cardoso  Borges  de  Figueiredo  (tomo  3.» 
pag.  ISS),  onde  se  encontra  a  inscripção 
seguinte:^ 

D.  M.  S. 

q.  cadi  fbontonis 
ann.  xxv.  bomae.  de. 
fvngti.  reliqviae.  h.  s.  s. 
cadia  tvsca.  an.  xxx.  h.  s.  e. 
m,  cadivs.  rvfvs.  lkems 
optvmis.  piissimis.  posvit 
Cornelia.  Frontonis.  f 

ANN.  XXIII.  ALBVRA.  mater 

Frontonis.  et.  Tvscae.  h.  s.  e 
Cadivs.  Rvfvs.  vxori 
OPTVMAE.  V.  T.  l::::: 

Em  vulgar : —  «Aos  deoses  manes.  Aqui 
descaoçam  os  restos  mortaes  de  Quinto  Ca- 
dia  Frontão,  falleeido  em  Roma  (?)  aos  25 
annos  de  idade.  Aqui  jaz  lambem  Gadia 
Tusca,  de  30  annos. 


*  Eslà  embutida  na  parede  interior  do 
pateo  do  castello  á'Almourol. 

V.  Almourol,  tomo  1.»  pag.  154,  col.  2.» — 
e  Zêzere,  villa,  tomo  pag.  2232,  col.  1.» 
e  aegg. 


j  M.  Cadio  Rufo  erigiu  este  monuniento 
aos  seus  óptimos  e  piedosíssimos  filhos. 

Aqui  jaz  lambem  Cornelia,  de  23  annos 
de  idade,  fllha  de  Frontão,  e  Alhura,  mãe 
de  Frontão  e  Tusca. 

Cadio  Rufo  dedica  este  monumento  á  sua 
óptima  esposa. 

A  terra  vos  seja  leve.» 


«Esta  curiosa  inscripção  —  diz  o  sr.  Fi- 
gueiredo— ministra-nos  os  nomes  de  diver- 
sos membros  d'uma  familia,  e  consta  de 
duas  partes  distinctas.  A  primeira  parte 
consiste  na  memoria  posta  por  M.  Cadio 
Rufo  a  seu  filho  Quinto  Frontão  e  a  sua  fi- 
lha Tusca;— a  2.*  parte,  com  muita  proba- 
bilidade gravada  algum  tempo  depois,  é  a 
memoria  feita  pelo  mesmo  M.  Cadio  Rufo  a 
sua  neta  Cornelia,  filha  de  Frontão,  e  a  sua 
mulher  Albura. 

«Todos  os  nomes  que  se  leem  n'esta  ins- 
cripção são  já  conhecidos,  embora  pouco 
vulgares  quasi  lodos  ha  península,  D'entre 
elles  são  raros  Cadio. . .  e  Albura. . . 

«A  orthographia,  assim  como  a  forma  da 
escriptura,  indicam  pertencer  o  monumen- 
to aos  fins  do  I  século.» 


Do  exposto  se  vê  que  Albura  no  tempo 
dos  romanos  foi  nome  de  mulher,  embora 
raro,  como  diz  o  sr.  Antonio  Cardoso  Bor- 
ges de  Figueiredo. —  Foi  lambem  nome  de 
homem  entre  os  godos  e  musarabes,  pois  ,4/- 
bura  assignou  como  testemunha  um  doe,  do 
sec,  10.»  anno  973. 

V.  Portug.  Monum.—Diplom.  et  Chartae, 
pag.  70. 

Temos  lambem  uma  aldeia  e  uma  fregue- 
zia  com  o  nome  à'Alvora;  duas  aldeias  e 
um  casal  com  o  nome  de  Alvura;  uma  al- 
deia com  o  nome  de  Alvre,  —  e  lodos  estes 
nomes  provieram  talvez  de  Albura,  nome  de 
homem  e  de  mulher  no  tempo  dos  romanos, 
godos,  árabes  e  musarabes. 

Também  suppomos  que  Alvaro  é  modifi- 
cação de  Alburo,  formula  masculina  á^Albu- 


ZUR 


ZUR  2261 


ra  ou  Alvura, — e  talvez  que  de  Alburo  pro- 
venha o  nome  da  villa  de  Alvor,  outr'ora 
Albor,  como  escreve  Rodrigo  Mendes  da 
Silva  na  Poblacion  gen.  de  Espana,  fl.  135, 
V., — e  como  escreveram  sempre  e  escrevem 
ainda  hoje  os  hespanhoes. 

O  nome  Albura,  depois  Alvura,  rareou  e 
extinguiu- se,  mas  prevaleceu  até  hoje  o  de 
Alvaro  e  d'elle  tomaram  o  nome  differentes 
povoa çõe?,  herdades  e  quintas  nossas,  de- 
nominadas Alvaro,  bem  como  as  povoações, 
herdades  e  quintas  de  Alvares,  Alvarim  e 
Alvariz,  cujos  nomes  são  patronímicos  á" Al- 
varo. 

Foi  também  nome  godo  ou  musarabe  An- 
sur,i — e  talvez  que  esta  freguezia,  outr'ora 
simples  granja  ou  quinta  de  Azurara  no 
termo  da  freguezia  á'Alvore  ou  Albura  to- 
masse o  nome  de  Ansur  d'Albura,  como 
ainda  hoje  dizemos  Ferreirinha  da  Regoa, 
Macedos  de  Taboaço,  Rainhas  de  Gouveia, 
Fonseca  do  Sanguinhál,  C.  Relvas  da  Gole- 
gã, Ramalho  d'Evora,  Paes  de  Mangualde, 
Paes  da  Pesqueira,  Custodio  Gil  do  Casal, 
ete.  etc. 

Talvez  que  a  granja  ou  quinta  de  Ansur 
d' Albura  depois  tomasse  os  nomes  de  An- 
suralbura,  Acurara  e  por  ultimo  Azurara. 


Também  pode  dizer-se  que  Azurara  to- 
mou o  nome  de  Azharv,  famoso  palácio  e 
jardim  dos  reis  de  Cordova. 

V.  Marlés^  tomo  1."  pag.  473,  475,  481  e 
497. 


»  V.  Arouca,  tomo  1.»  pag.  928=  A  A  = 
col.  1."  e  Figueiredo  das  Donas,  tomo  3.» 
pag.  193,  col.  2.» 

2  Histoire  de  la  domination  des  Árabes  et 
des  Maures  en  Espagne  et  en  Portugal,  de- 
puis  iHnvasion  de  ces  peuples  jusqu  a  leur 
expulsion  définitive; . . .  par  M.  de  Marlès — 
Paris,  182S,  3.«  vol.  8.» 
^  É  uma  obra  muito  interessante  e  que 
n'este  ligeiro  esboço  etymologico  havemos 
de  citar  muitas  vezes,  porque  n'ella  se  en- 
contram muitos  árabes  e  mouros,  que  figu- 
raram na  invasão  e  occupação  da  península 


Talvez  que  a  beileza  do  sitio  e  quaesquer 

outras  circumstancias  tentassem  os  mouros 

a  dar  o  nome  do  jardim  dos  reis  de  Cordova 

ao  pittoresco  chão  de  Azurara  de  Villa  do 

Conde  e  de  Azurara  da  Beira,  como  nós 

denominamos  Cintra  do  Algarve  a  villa  de 

Monchique,  —  Cintra  da  Beira  a  villa  de 

Vouzella — e  Portugal  todo  jardim  á  beira 

mar  plantado. 
Marlès  escreveu  Azhara  e  Azhara  (d'aqui 

talvez  provenha  Azere)  mas  é  possível  que 
o  nome  árabe  fosse  um  pouco  diíFerente, 
porque  no  mesmo  tomo  1."  pag.  130  (nota) 
diz!  « — Os  árabes  desfiguraram  horrivel- 
mente os  nomes  hespanhoes  e  franeezes. . . 
tanto  das  pessoas,  como  das  terras,  vilias, 

Í''  cidades  e  províncias,  mas  pagaram-se  bem 
os  historiadores  hespanhoes  e  franeezes, 
pois  desfiguraram  os  nomes  árabes  de  tal 
j  modo,  que  por  vezes  é  impossível  reconhe- 
cel-08.» 

Alguém  diz  que  Zurara  ou  Azurara  da 
Beira  tomou  o  nome  de  um  mouro  chama- 
do Zurar  ou  Zurão\ . . . 

V.  Zurara,  infra,  e  Sant.  Marian.  tomo 
5.»  pag.  162  e  163. 

É  certo  que  as  povoações  convísínhas  de 
Azurara  de  Villa  do  Conde  são  antíquissí- 


e  que  deram  o  nome  a  differentes  povoa- 
ções nossas,  como  revelam  claramente  os  no- 
mes que  ainda  hoje  conservam. 

Também  ali  se  encontram  muitos  nomes 
d'arabes,  qne  são  hoje  appellidos  nossos, 
v.  g.  Mahamed,  Mamede;  Zalema,  Salema; 
Hussein,  Ossem  e  Cem,  appellído  de  Pedro 
Cem;  Lebun,  Lobão;  Sad,  Sá;  Hegiag,  Gea- 
da; Siqueli,  Sequeira;  Abdila,  Avila;  Aiis, 
Assis;  Neza,  Niza;  Fehri,  Ferrer;  Almehdi, 
Almeida;  Zeray,  Saraiva;  Gehdi,  Guedes; 
Ben-Habid,  Benevides;  Laiti,  Leite;  Suar, 
Soares;  Baeza,  Beça;  Jali,  Jalles,  etc.  etc. 

A  occupação  árabe  foi  a  ultima  do  nosso 
paiz,  no  qual  deixou  e  se  conservam  ainda 
hoje  muitos  vestigiosl 

É  também  a  historia  da  invasão  e  occu- 
pação dos  árabes  e  mouros  um  grande  au- 
xiliar da  nossa  historia  e  da  nossa  chorogra- 
phia,  pelo  que  lamentamos  que  o  nosso  go- 
verno até  hoje  não  tenha  montado  cadeiras 
de  lingua  arábica  nos  lyceus  e  nas  escolas 
superiores. 


2262  ZUR 


ZUR 


mas  e  os  nomes  de  muitas  d'ellas  recordam 
ainda  nomes  godos,  árabes  e  musarabes. 
Oecorrem-nos  as  seguintes: 


—  Rendo,  aldeia  da  freguezia  de  Fajoses, 
vem  de  liando,  musarabe  que  figura  em  um 
doe.  do  see.  IO.» 

V.  Poríug.  Momm.^  pag.  95. 

Temos  também  differences  aldeias,  casaes 
e  quintas  com  os  nomes  de  Rando,  Rande, 
Randão,  Randinho  e  Randinha,  todos  pro- 
venientes de  Rando. 

— Bagunte,  aldeia,  e  freguezia  do  mesmo 
concelho  de  Villa  do  Conde,  foi  uma  impor- 
tante civitas  nossa,  denominada  Bagonti  nos 
fins  do  sec.  10.»  e  princípios  do  11." 

Vortug.  Mon.  pag.  69,  134  e  171. 

—Formariz,  outra  aldeia  e  freguezia  do 
mesmo  concelho,  ó  patronímico  de  Froma- 
rigo,  nome  godo,  que  figura  em  vários  doe. 
do  sec.  11.0 

Portug.  Mon.  pag.  141,  164  e  168. 

-Sabariz,  povoação  de  Macieira,  fregue- 
zia do  mesmo  concelho,  é  patronímico  de 
Sabarigo  ou  Savarigo,  nome  godo,  que  figu- 
ra em  um  doe.  do  sec.  10.» 

Portug.  Mon.  pag.  159. 

— Souto  d' Ayres,  aldeia  da  freguezia  de 
Malta,  no  mesmo  concelho,  vem  de  Arias, 
nome  godo  ou  musarabe  no  sec.  10.» 

Portug.  Mon.  pag.  73. 

— Mindello,  freguezia  do  mesmo  concelho 
é  também  povoação  muito  antiga,  pois  já 
figura  em  um  documento  do  see.  11.» 

Portug.  Mon.  pag.  160. 

— O  monte  do  Crasto  e  a  aldeia  do  Pa- 
drão, pertencentes  á  freguezia  de  Santagões 
do  mesmo  concelho,  recordam  a  oecupaçao 
romana,  pois  revelam  a  existência  ali  de  um 
castro  e  de  um  marco  milliar. 


^  Referimo-nos  ao  Portugaliae  Monumen- 
ia  histórica,  livro  Diplomata  et  Chartae— 
preciosa  collecçáo  de  documentos  que  até 
bòje  estiveram  {quasi  todos)  encerrados  e 
fechados  no  sancta  sanctorum  da  Torre  do 
Tombo. 


— Vairão,  freguezia  do  mesmo  concelho, 
é  o  nome  romano  Valerianus. 

— Povoa  de  Varzim  talvez  provenha  de 
Wazir,  alta  dignidade  entre  os  mouros. 
No  sec.  li.'  chamava-se  Verazini. 
Portug.  Mon.  pag.  172. 
—A  ver  o  Mar  ou  A  vel-o  Mar,  povoação 
da  freguezia  de  Amorim,  concelho  da  Povoa 
de  Varzim,  vem  de  Avomari,  que  assignou 
como  testemunha  ura  doc.no  see.  11.°  (Por- 
tug. Mon.  pag.  172)  ou  de  Aben-Vmar,  que 
figura  também  como  testemunha  em  um 
doe.  do  anno  1016. 
Portug.  Mon.  pag.  143. 

Suppomos  que  Abumari  ou 
Abumar  é  o  mesmo  que  Aben- 
Umar,  modificação  de  Ibm, 
Aben  ou  Ben^-Omar,  que  foi 
um  mouro  muito  notável  na 
invasão  da  Península. 

V.  Marlès,  tomo  2.»  pag.  168- 
—Amorim,  Terroso  e  Laundos,  aldeias  e 
parochias  do  mesmo  concelho,  são  também 
muito  antigas,  pois  figuram  no  mesmo  doe. 
do  sec.  11.»  (anno  1033). 
Portug.  Mon.  pag.  172. 
—Sandim,  aldeia  da  freguezia  de  Terroso, 
vem  de  Sandinus,  nome  godo. 

Sandinus  assignou  como  notário  um  doe. 
do  sec.  11.»  (anno  1045) 
Portug.  Mon.  pag.  309. 

No  mesmo  doe.  e  em  ou- 
tros dos  sec.  10.0  e  il,«  se  en- 
contram testemunhas  com  o 
nome  Sendinus,  cujo  patroní- 
mico é  Sendim,  nome  de  diffe- 
rentes  aldeias  e  freguezias  nos- 
sas. 

Podíamos  alongar  muito  mais  esta  lista, 


1  Iben,  Aben  ou  simplesmente  Ben  entre 
03  mouros  significava  filho  e  Beni  filhos  ou 
descendentes.  Assim,  entre  os  musarabes, 
ou  christãos  que  viviam  com  os  mouros, 
Iben,— Egas,  hoje  Viegas,  queria  dizer  filho 
de  Egas,  e  Iben-Ordonis,  hoje  Bordonhos, 
queria  dizer  filho  de  Ordonho,  etc. 

V.  Vouzella,  villa,  tomo  11.»  pag.  iOlí, 
col.  2.*  m  fine. 


ZUR 


ZUR  2263 


mas  não  queremos  por  fórma  alguma  abu- 
sar da  paciência  dos  leitores  e  dos  editores. 

ludicamos  as  paginas  das  obras  citadas, 
para  que  todoe  verifiquem  os  nossos  dís/a- 
/í«,--querendo. 

Alguém  zomba  d'este  pro- 
cesso de  formar  etymologias, 
taxando-o  de  estúpido  e  retro- 
grado,^ mas  rira  bien  qui  ri- 
ra le  demier^l . . . 

Viscondes  d' Azurara  e  palácio  do  Freixo 

ÊOQ  1820  foi  feito  1.»  visconde  di' Azurara 
^oão  Antonio  Salter  de  Mendonça.  Casou 
com  D.  Anna  Rosa  de  Noronha  Leme  Cer- 
nache, filha  segunda  de  Vicente  de  Távora 
de  Noronha  e  de  D.  Anna  de  Távora  de  No- 
ronha Leme  Cernache,  senhores  da  casa  da 
Fawddma  junto  ao  arco  d'e3te  nome,  que  en- 
tão existia  junto  da  Sé  do  Porto,  e  de  muitos 
morgados  e  padroados  pertencentes  à  dita 
casa.  Não  sabemos  se  este  1.»  visconde,  que 
foi  dezembargador  do  Porto  e  secretario  do 
governo  de  Portugal,  possuia  em  Azurara 
bens  próprios;  crémos  porem  que  sua  mu- 
lher 08  possuia,  pois  sabemos  que  a  casa 
da  Yand'irtia  ali  linha  um  morgado  e  ou- 
tros bens.  Este  visconde  não  leve  filhos 
de  sua  mulher  acima  dita,  mas  foi  herdeiro 
dos  seus  bens,  entre  os  quaes  se  compre- 
hendia  a  quinta  e  palácio  do  Freixo  nas  fre- 
guezias  de  Campanhã  e  Val  Bom^  margem 
direita  do  rio  Douro,  quinta  e  palácio  que 
antes  pertenciam  á  dita  casa  e  familia  da 
Vandôma.  De  tado  foi  herdeiro  Jorge  Salter 
de  Mendonça,  filho  natural  legitimado  do 
1.»  visconde,  deputado  da  junta  do  tabaco  e 
coronel  de  milicia?,  que  foi  o  segundo  vis- 
conde Azurara  e  casou  em  1839  com  D. 
Maria  Henriqueta  Manoel  de  Saldanha  0]i 
veira  e  Daun,  da  casa  de  Pancas.  Este  se- 
gundo visconde  em  1850  vendeu  a  Antonio 


»  V.  Zava,  tomo  11.»  pag.  2079,  col.  2.»  e 
2080,  col.  1.»— e  Vouzella  no  mesmo  tomo, 
pag.  2012,  col.  2.»,  até  pag.  2016,  col.  1.' 


Affonso  Vellado,  mais  tarde  visconde  do 
Freixo,  o  palácio  d'este  nome,  de  cuja  ori- 
gem vamos  dar  noticia,  accrescentando  o  que 
ficou  dito  no  terceiro  volume  d'e8ta  obra, 
pag.  233.1 

Quinta  e  palácio  do  Freixo 

Nos  fins  do  xvu  século  era  senhor  da 
quinta  do  Freixo  (ainda  não  possuia  o  ma- 
gnifico palácio  actual)  Roque  Peres  Picão,  fi- 
dalgo da  casa  real,  homem  de  grossos  eabe- 
daes,  casado  com  D.  Isabel  Freire,  irmã  do 
deão  da  Sé  do  Po  no  (1681)  João  Freire  Antão, 
que  pela  sua  parte  foi  instituidor  de  um  mor- 
gado rendoso,  do  qual,  assim  como  dos  bens 
do  dito  Roque  e  de  sua  mulher,  foi  univer- 
sal herdeira  uma  filha  única  d'estes,  D.  Mi- 
chaella  Antónia  Freire.  Casou  esta  senhora 
com  Antonio  de  Távora  Noronha  Leme  Cer- 
nache, filho  de  Jeronymo  de  Távora  e  neto 
de  Marlim  de  Távora  de  Noronha,  fidalgo 
da  casa  real,  senhor  dos  direitos  reaes  de 


1  Mau  fado  tem  perseguido  e  continua  a 
perseguir  este  palaciol . . . 

Por  morte  do  visconde  do  Freixo,  que^  o 
restaurou  e  gastou  com  elle  mais  de  50 
contos  de  réis,  passou  para  a  viuva,  que  vi- 
via e  continuou  a  viver  em  Lisboa,  e,  pas- 
sados ânuos,  vendeu  o,  já  muito  deteriora- 
do, a  um  allemão  Petters,  comprehendendo 
ioda  a  quinta. 

Na  fabrica  de  saboaria,  montada  pelo  vis- 
conde do  Freixo  na  parle  N.  da  quinta,  a 
pequena  distancia  do  palácio,  montou  o  Pet- 
ters uma  fabrica  de  queimar  e  distillar  ce- 
reaes  e,  ardendo  a  dieta  fabnca,  vendeu  o 
!  chão  e  edifleios  d'ella  a  José  Maria  Rodri- 
gues Formigai,  que  ali  montou  e  conserva 
actualmente  uma  fabrica  de  moagem  de  pão. 

Ullimamente  o  mesmo  Petters  vendeu  em 
dezembro  de  1889  o  palácio,  jardins  e  par- 
te da  cerca  a  uma  companhia,  que  vae  mon- 
tar na  cerca  uma  fabrica  de  queimar  pão, 
destinando  para  deposito  do  pão  o  pavimen- 
to do  palácio,- 6  o  mesmo  Petters  tem  ven- 
dido e  está  vendendo  em  lotes  o  resto  da 
quinta  a  differentes  companhias  para  mon- 
tagem de  differentes  fabricas. 

*Só  o  palácio  e  jardins  não  se  faziam  hoje 
cora  trezentos  contos  de  réis — e  a  menciona- 
da companhia  deu  por  elles  apenas  dezeno- 
ve  contosfl . . . 


2264  ZUR 


ZUR 


Távora,  da  villa  de  Coja  e  dos  morgados  de 
Cernache,  padroeiro  das  abbadias  de  Gezár 
e  Macieira  no  bispado  do  Porto,  e  da  de  Loi- 
vos  da  Ribeira,  em  Baião,  e  senbor  da  quin- 
ta de  Campo  Bello  em  Villa  Nova  de  Gaya. 
Foi  o  dito  Antonio  de  Távora  senhor  de  to- 
da a  casa  de  seu  avô,  com  excepção  da  quin- 
ta de  Campo  Bello,  que  passou  para  a  fami- 
lia  Leites,  como  já  dissemos  no  6.°  volume 
d'esta  obra  a  pag.  91  a  94. 

Do  dito  Antonio  de  Távora  e  de  sua  mu- 
lher D.  Michaella  Freire  foi  filho  primogé- 
nito e  suecessor  na  sua  importante  casa 
Hieronymo  de  Távora  de  Noronha,  o  qual 
nasceu  a  20  de  novembro  de  1690  e  abra- 
çou o  estado  ecelesiastico,  sendo  também 
deão  da  Sé  do  Porto,  como  o  seu  tio-avô. 

Sem  descendência  própria  e  senhor  de 
avultados  rendimentos  que  auferia  da  sua 
opulenta  casa  e  da  cadeira  de  deão,  estava 
nas  melhores  condições  de  construir  um 
palácio  sumptuoso  que  legasse  á  sua  fa- 
mília, e  perpetuasse  o  seu  nome.  Escolheu 
para  esse  fim  a  sua  quinta  do  Freixo 
e  conseguiu  levar  a  cabo  a  obra  monu- 
mental que  ainda  hoje  se  admira  e  que, 
como  se  vé,  data  da  primeira  metade  do 
XVIII  século.  O  brasão  dos  Tavoras  foi 
mandado  picar  no  tempo  do  Marquez  de 
Pombal,  mas  ainda  hoje  lá  se  vê  em  diffe- 
rentes  sitios,  bem  como  o  golphinho  emble- 
ma heráldico  d'esta  família. 

O  palácio  do  Freixo  com  outros  bens  não 
vinculados  pertenceu  a  D.  Anna  Rosa  de 
Noronha,  terceira  sobrinha  do  deão  seu  fun- 
dador; os  bens  de  natureza  vincular  (mor- 
gados 6  padroados)  seguiram  na  linha  pri- 
mogénita da  familia  até  1857,  data  em  que, 
extincta  esta  linha,  succedeu  em  todos  o 
íallecido  Alvaro  Leite,  da  casa  de  S,  João 
Novo,  do  Porto,  senhor  também  da  casa  de 
Campo  Bello  em  Villa  Nova  de  Gaya,  des- 
cendente dos  antigos  Tavoras  e  representan- 
te da  linha  immediata  á  primogénita,  como 
já  dissemos  no  sexto  volume,  pag.  92  e 
seguintes. 

Hoje  possue  a  maior  parte  d'e8tes  víncu- 
los a  sr."  condessa  de  Campo  Bello,  sobri- 
nha paterna  e  uma  das  herdeiras  de  Alvaro 
Leite,  representante  da  sua  familia  e  casa- 


da com  o  sr.  dr.  Adriano  de  Paiva  de  Fa- 
ria Leite  Brandão,  1.»  conde  de  Campo 
Bello. 

No  sexto  volume  d'esta  obra,  loc,  cit.,  já 
demos  ampla  noticia  genealógica  das  fami- 
j  lias  representadas  pela  actual  sr.*  condessa 
j  de  Campo  Bello,  agora,  aproveitando  a  oe- 
I  casião,  daremos  também  uma  noticia  genea- 
lógica da  familia  do  sr.  conde,  que  é  a  an- 
j  tiga  familia  dos 

i 

j  Patuás  Brandões  de  Braga 

i 

I     Procede  esta  familia  de  dois  cavalleiros 
1  irmãos,  naluraes  da  Normandia,  Carlos  Bran- 
I  dão  e  Fernão  Brandão,  os  quaes  se  esta- 
I  beleeeram  perto  do  mosteiro  de  Grijó,  no  si- 
tio ainda  hoje  denominado  Paços  de  Bran- 
dão, e  jazem  na  egreja  do  dito  convento,  on- 
de eslá  um  letreiro  latino  que  indica  a  sua 
sepultura.  Do  segundo  d'estes  irmãos  foi 
sexto  neto,  do  qual  começaremos  a  deduzir 
a  genealogia  d'esta  familia,  o  seguinte: 

1.  »  Fernão  Rodrigues  Brandão. 

Viveu  no  tempo  d'el-Rei  D.  Pedro  I,  a 
quem  serviu,  dando-lhe  este  rei  em  morga- 
do as  herdades  da  Silveira  em  Montemor-o- 
Novo.  Casou  e  teve 

2.  »  Lopo  Fernandes  Brandão,  suecessor 
de  seu  pae.  Casou  com  D.  Filippa  de  Alhay- 
de  e  tiveram 

3.  "  Diogo  Lopes  Brandão,  suecessor  do 
precedente.  Casou  com  D.  Catharina  Fer- 
nandes d'01iveira,  dos  Craveiros  de  Évora, 
e  teve,  além  de  Luiz  Brandão,  que  foi  vea- 
dor  do  duque  de  Viseu,  mais 

4.  "  Fernando  Brandão.  ^ 

Succedeu  na  casa  de  seus  pae»,  —  casou 
com  D.  Isabel  de  Brito,  filha  de  André  Dias 
de  Beja,  e  tiveram  differentes  filhos,  dos 
quaes  foi  o  primogénito, 

5.  "  Diogo  Lopes  Brandão,  suecessor  dos 
precedentes.  Casou  com  D.  Joanna  de  Pai- 
va, do  legitimo  tronco  dos  Paivas,  e  tive- 
ram, entre  outros  filhos 

6.  *  Diogo  de  Paiva  Brandão,  suecessor 
dos  precedentes.  Casou  com  uma  senhora 
cujo  nome  ignoramos  e  de  quem  teve  único 
filho 

7.  *  João  Alvares  de  Paiva,  que  casou  com 


ZUR 

D.  Gatharioa  de  Souza.  Ficando  viuvo,  abra- 
çou o  estado  eeclesiastieo  e  acompanhou 
para  a  cidade  de  Braga  o  arcebispo  D.  Dio- 
go de  Souza,  do  qual  por  sua  mulher  ainda 
era  parente  e  d^elle  foi  capellão  e  grande 
privado.  Foi  abbade  de  S.  Pedro  e  teve  ou- 
tros benefícios.  Foi  seu  filho  único 

8.  »  Filippede  Paiva  Brandão,  F.  C.  R.  etc. 
Herdou  de  seu  pae  todos  os  bens  que  o 

mesmo  possuía  oa  cidade  de  Lisboa  e  na  de 
Braga  e  casou  n'esta  ultima  cidade  com  D. 
Anna  Mendes  da  Fonseca,  filha  de  Joanne 
Mendes  e  de  sua  mulher  D.  Gatharina  da 
Fonseca  Coutinho,  filha  de  Luiz  Gonçalves 
Gayo,  vereador  em  Braga  em  4534,  e  de  sua 
mulher  D.  Anna  Alvares  da  Fonseca,  filha 
de  Alvaro  da  FoDseca  Goutinho,  escudeiro 
fidalgo,  que  da  cidade  de  Lamego  foi  para  a 
de  Braga.  Tiveram  entre  outros  filhos 

9.  »  Diogo  de  Paiva  Brandão,  fidalgo  da 
casa  real,  herdeiro  da  casa  de  seus  paes  no 
campo  de  S.  Thiago  e  rua  do  Alcaide  em 
Braga,  capitão  de  infanteria  e  sargento- 
mór  de  Braga.  Ga^ou  n'esta  cidade  com 
D.  Prudência  Navio  de  Barros,  filha  de  Am- 
brozio  Navio,  conde  Palatino,  natural  de 
Milão,  que  d'alli  viera  para  Braga  recom- 
mendado  ao  arcebísqo  primaz  pelo  núncio 
dtí  S.  Santidade,  e  de  sua  mulher  D.  Magda  - 
lena  de  Barros.  Tiveram  entre  outros  filhos 

10.  *  Francisco  de  Paiva  Brandão,  succes- 
sor  de  seu  pae  e  como  elle  fidalgo  da  casa 
real  e  sargento -mór  de  Braga.  Foi  verea- 
dor; fazia  parte  do  senado  bracarense  por 
oceasião  da  restauração  de  1640— e  tomou 
grande  parte  nos  festejos  que  se  fizeram  em 
Braga  ao  arcebispo  D.  Rodrigo  da  Gunha, 
como  consta  da  deseripção  que  existe  d'es- 
sas  fostas.  Gasou  com  D.  Maria  de  Andrade, 
filha  de  Gonçalo  Rodrigues  Bouro,  institui- 
dor do  morgado  de  S.  Lazaro,  de  quem  tam- 
bém descendem,  entre  outros,  os  Noronhas 
da  Prelada,  os  Jacomes  do  Avellar,  etc. 

Além  de  duas  filhas — D.  Angelica,  que  ca- 
sou com  Francisco  Pereira  Marinho,  d'onde 
vem  03  Paivas  Marinhos,  e  D.  Francisca,  que 
casou  com  o  Dr.  Miguel  de  Goimbra  de  Ma- 
cedo 6  Andrade,  fidalgo  da  casa  real  e  des- 
embargador no  Porto,  de  quem  descendem 
illustres  famílias,  tiveram 


ZUR 


226Õ 


11.  "  Alexandre  de  Paiva  Brandão,  filho 
primogénito  dos  precedentes  e  seu  sueces- 
sor  nas  casa?  do  campa  de  S.  Thiago  e  rua 
do  Alcaide,  senhor  da  casa  da  Torre  do  Tojo 
e  de  outros  mais  beas.  Gasou  em  S.  Marti- 
nho de  Ferreiros,  concelho  de  Lanhoso,  com 
D.  PetroDÍlha  Leite  Borges,  sua  parente,  fi- 
lha de  Salvador  Leite  Borges,  da  villa  de 
Chaves,  o  qual  descendia  do  tronco  dos 
Leites  de  Quebrantões  e  Gaya  Pequena  e 
era  o  chefe  d'uma  das  prineipaes  famílias  de 
Traz-os-Montes,— e  da  sua  segunda  mulher 
D.  Margarida  de  Magalhães  Machado,  des- 
cendente dos  senhores  da  Barca  e  de  Entre 
Homem  e  Cavado.  Destes  nasceu  Luiz  de 
Paiva  Brandão,  que  lhes  succedeu  na  maior 
parte  da  sua  casa  e  de  quem  foi  filha  her- 
deira D.  Luiza  de  Paiva  Leite,  que  casou 
com  Manuel  Alvaro  Pereira  de  Castro,  fidal- 
go da  casa  real,  eapitão-mór  de  Monsão  e 
senhor  da  casa  de  Pias,  bem  conhecida  co- 
mo uma  das  mais  illustres  do  alto  Minho. 
Foi  também  filha  do  dito  Alexandre  de  Pai- 
va D.  Angelica,  que  casou  com  Francisco 
d'01iveira  de  Barros,  da  cidade  de  Braga, 
senhor  da  casa  e  morgado  da  Barraza.  E 
além  d'outros  filhos  e  filhas  religiosos,  foi 
filho  quinto  do  mesmo  Alexandre  de  Paiva 
o  seguinte  e  de  sua  mulher 

12.  »  Alexandre  de  Paiva  Brandão. 
Nasceu  em  Braga  e  herdou  de  seus  paes 

a  casa  da  rua  do  Alcaide.  Casou  na  Povoa 
de  Lanhoso  com  D.  Joanna  Pereira  da  Gos- 
ta, senhora  da  casa  e  quinta  de  Pomar,  na 
freguezia  de  Thaide,  e  herdeira  presum  ptiva 
do  morgado  dos  Costas  de  Lanhoso,  por  ser 
filha  e  universal  herdeira  de  Jorge  da  Gos- 
ta de  Mesquita  e  de  sua  mulher  D.  Sabina 
Peixoto  de  Araujo  Alvarenga.  Instituiu  este 
Alexandre  de  Paiva  um  vinculo,  tomando* 
para  cabeça  d'elle  a  dita  quinta  de  Pomar, 
por  escriptura  de  13  d'outubro  de  1741,  ao 
qual  fizeram  depois  elle  e  seus  suceessores 
diíTerentes  accreseentamentos,  impondo  aos 
administradores  d'este  vinculo  a  obrigação 
de  usarem  sempre  pelo  menos  dois  dos  tres 
appellidos  Paiva,  Leite,  Chaves. 

Foi  sua  filha  D.  Angelica  Quitéria  de  Pai- 
va, que  casou  com  Rodrigo  de  Souza  Perei- 
ra da  Silva,  fidalgo  da  casa  real  e  senhor  das 


2266  ZOR 


ZUR 


casas  de  Sestello  e  Surribas,  de  quem  des-  ; 
cendem  e  foram  suecessores  os  viscondes,  i 
depois  condes  da  Costa,  os  Azevedos  da  Bar-  j 
ca  e  outros.  I 
Foi  seu  filho  primogénito  (do  n*  i2.*) 

13.  ">  João  Antonio  de  Paiva  Leite  Brandão. 
Nasceu  em  Braga  a  15  de  outubro  de  i717 
e  foi  fidalgo  da  casa  real,  capitão  mór  de 
Pedralva  e  Arentim,  senhor  do  morgado  dos 
Paivas  Leites  de  Thaide  e  da  casa  da  rua 
do  Alcaide  em  Braga.  Casou  na  casa  da 
Lama,  freguezia  de  Fonteareada,  concelho 
de  Lanhoso,  com  D.  Luiza  Maria  Vaz  Viei- 
ra, herdeira  da  dita  casa  e  da  de  Picos  em 
Pedralva,  e  da  quinta  do  Rio  em  Gondizal- 
ves,  filha  do  capitão  Luiz  Vaz  Vieira  e  de 
sua  mulher  D.  Antónia  Maria  Ferreira.  Sue- 
cedeu-lbes 

14.  "  Alexandre  de  Paiva  Leite  Brandão, 
filho  primogénito  dos  precedentes,  senhor 
de  Ioda  a  casa  de  seus  paes,  fidalgo  da  ca- 
sa real,  ete.  Casou  em  1820  com  D.  Guio- 
mar Carolina  de  Vaseoncellos  Alhayde,  sua 
parente,  filha  de  Antonio  Vicente  de  Sá 
Abreu  e  Vaseoncellos,  senhor  da  casa  de  S. 
Priz  na  Ponte  da  Barca,  e  de  sua  mulher  D. 
Aona  Joaquina  de  Azevedo  Athayde  Mene- 
zes. Tiveram 

15.0  João  de  Paiva  da  Costa  Leite  Bran- 
dão, filho  único  e  seu  sueeessor.  Nasceu  em 
Braga  a  13  de  dezembro  de  1820  e  ali  fal- 
leceu  a  3  d'agosto  de  1857.  Casou  no  Porto 
com  D.  Miquelina  Emilia  Bibeiro  de  Faria, 
filha  de  Bento  Bibeiro  de  Faria,  moço  fidal- 
go com  exercício  no  paço,  cavalleiro  profes- 
so da  ordem  de  Christo,  ele.  Foram  os  paes 
do  sr.  conde  de  Campo  Bello  e  de  seus  dois 
irmãos: — João  de  Paiva  de  Faria  Leite  Bran- 
dão, bacharel  formado  em  direito,fldalgo  da 
casa  real,  administrador  do  concelho  de  Bra- 
ga e  secretario  geral  do  governo  civil  do 
mesmo  districto,  que  ahi  falleceu  era  12  de 
dezembro  de  1884  com  successão,— e  Alva- 
ro  de  Paiva  de  Faria  Leite  Brandão,  tam. 
bem  bacharel  formado  em  direito  e  moço  fi- 
dalgo com  exercício,  actual  guarda-mór  da 
relação  do  Porto,  onde  vive,  casado  com 
uma  filha  do  fallecído  dr.  Alberto  Moraes 
Pinto  d'Almeida,  dos  Moraes  de  Coimbra,  e 
tem  também  successão.  Finalmente 


16.»  Adriano  de  Paiva  de  Faria  Leite 
Brandão,  filho  segundo  de  João  de  Paiva  da 
Costa  Leite  Brandão  e  de  sua  mulher  D.  Mi- 
quelina de  Faria.  É  o  actual  1.»  conde  de 
Campo  Bello,  par  do  reino  eleito  pelo  colle- 
gio  disirietal  do  Porto  em  1887,  fidalgo  ca- 
valleiro da  casa  real  e  moço  fidalgo  com 
exercício  no  paço  (por  successão), lente  ca- 
lhedratico  da  academia  polytechnica  do  Por- 
to (1873),  doutor  na  faculdade  de  phyloso- 
phia  e  bacharel  em  mathemalica  pela  uni- 
versidade de  Coimbra,  onde  foi  sempre  pre- 
miado, í;OCÍo  correspondente  da  Academia 
real  das  sciencias  de  Lisboa  (1."  classe),  só- 
cio do  instituto  de  Coimbra,  m>cío  fundador 
e  perpetuo  da  sociedade  internacional  dos 
electricistas,  de  Paris,  eleito  presidente  de 
honra  da  mesma  sociedade  para  o  reino  de 
Portugal,  na  sessão  de  6  de  fevereiro  de 
1884,  auctor  de  differentes  obras,  memorias 
e  artigos  scientificos,  vice-presidenle  da 
commissão  geral  da  cultura  de  tabaco  no 
Douro  e  membro  de  outras  commissões  de 
serviço  publico.  Nasceu  em  Braga  era  22 
de  abril  de  1847,  casou  em  1871  na  cidade 
do  Porto  e  reside  com  sua  familia  em  Vrfla 
Nova  de  Gaya  na  sua  casa  de  Campo  Bello, 
como  dissemos  a  pag.  92  do  sexto  volume 
d'esta  obra.  Tem  dois  filhos. 

O  brazão  d'arma8  do  actual  conde  de 
Campo  Bello,  o  mesmo  dos  seus  antepassa- 
dos, é  o  seguinte:  escudo  esquartelado;  no 
l.«  quartel  as  armas  dos  Paivas:  em  campo 
azul  tres  flores  de  liz  de  ouro,  postas  em 
banda;  no  segundo  as  dos  Leites,  campo  es- 
quartelado, no  1."  e  4."  de  verde  com  tres 
flores  de  liz  d'ouro  em  roqueté  e  no  2.°  e  d." 
de  purpura  com  uma  cruz  de  prata  floreada 
e  vasia  do  campo;  no  3.»  quartel  as  dos 
Brandões:  em  campo  azul  cinco  brandões 
accesos  de  ouro,  postos  em  santor;  no  4." 
as  dos  Costas:  em  campo  vermelho  seis  cos- 
tas de  prata  aflarmadas  nos  cabos  do  escudo 
e  postas  em  tres  faxas.  Timbre,  o  dos  Pai- 
vas: uma  aspa  azul  carregada  de  uma  flor 
de  liz  de  ouro. 

A  custo  podemos  obter  tão 
interessantes  noticias  dos  vis- 
condes ^'Aznrara,  do  grande 


zu^ 

palácio  do  Freixo  e  da  antiga 
e  nobilíssima  casa  de  Campo 
Bello. 

ZURARA  (posteriormente  Azurara)  da 
Beira,— hoje  Mangualde,  ou  Mangualde  de 
Azurara,  villa,  freguezia,  concelho  e  .  co- 
marca no  districio  de  Viseu,  pro\incia  da 
Beira  Alta. 

V.  Azurara  da  Beira,  tomo  pag.  300, 
col.  e  Mangualde  de  Azurara,  tomo 
5,"  pag.  49,  col.  l.^  também. 

Seja-nos  licito  fazer  algumas  rectificações 
e  addições  áquelles  dois  artigos  do  meu  be- 
nemérito antecessor.^ 

Principiando  pelo  artigo  Azurara  da  Bei- 
ra, note- se  que  esta  Zurara  ou  Azurara 
nunca  foi  villa,  povoação  nem  freguezia, 
mas  simplesmente  nome  do  concelho  que 
hoje  se  denomina  Mangualde.  Denominou- 
se  Zurara  e  posteriormente  Azurara,  sem 
ter  povoação  alguma  d'este  nome,  como  in 
iilo  íempore  se  denominou  terra  de  Panoias 
grande  parte  da  província  transmontana, 
sem  ter  povoação  alguma  denominada  Pa- 
noias,—e  depois  que  D.  Diniz  deu  áquelle 
vasto  território  por  séde  Villa  Real,  per- 
deu o  antigo  nome  de  Panoias  e  tomou  o 
de  districto  de  Villa  Real,^— como  também 
o  concelho  de  que  no  momen  to  nos  occupa- 
mos  perdeu  o  nome  de  Azurara  e  tomou  o 
de  Mangualde,  porque  linha  a  sua  séde  na 
pequena  povoação  de  Mangualde,  hoje  uma 
das  villas  mais  importantes  da  Beira,  como 
logo  provaremos. 

Ainda  hoje  também  os  concelhos  de  Pe- 
nalva do  Castello,  Satam,  Rezende,  Bamo, 
etc.  não  teem  villas  nem  povoações  com  taes 
nomes— e  o  mesmo  succede  a  muitas  fre- 
guezias  nossas,  taes  são  n'esta  província  da 
Beira  Alta  e  n'este  districto  de  Viseu  — A/- 
cafache,  Rezende,  Barro,  Cambres  e  Penajoia 


1  Eu  tomei  conta  d'este  diccionario  quan- 
do já  ia  em  Vianna  do  Castello,  a  pag.  412 
•  do  10.»  vol. 

Suum  cuiquel .  -. . 

^  Villa  Real  de  Traz  os  Montes,  tomo  H.» 
pag.  934,  col.  l.»,-e  939,  col.  2.» 


ZUR  2267 

sendo  estas  ultimas  4  freguezias  muito  po- 
pulosas e  muito  importantes— e  a  primeira 
uma  estação  lhermal  bastante  concorrida. 

Foraes 

Por  vezes  é  diffleií  saber  a  que  terras  per- 
tencem os  nossos  foraes,  principalmente  os 
foraes  velhos,  porque  temos  differentes  ter- 
ras com  08  mesmos  nomes,  e  os  foraes  não 
indicam  as  províncias  nem  os  districtos  a 
que  pertencem. 

Temos,  p.  ex.,  3  foraes  velhos  de  Aguiar, 
que  se  encontram  no  Portugaliae  Monumen- 
ta  com  o  simples  titulo  de  Aguiar,  havendo 
no  nosso  paiz  Aguiar  da  Beira,  Aguiar  da 
Pena  e  Aguiar  de  Souza,  pelo  que  mal  po- 
dem distinguir  se,  excepto  de  Aguiar  da 
Beira  de  !2S8,  por  ter  confrontações  muito 
claras,!  em  quanto  que  os  outros  dois  não 
teem  confrontações  algumas. 

Também  o  meu  antecessor,  guiado  por 
Franklin,  deu  á  villa  de  S.  Miguel  do  Jar- 
mello,  hoje  freguezia  do  concelho  da  Guar- 
da,2  o  foral  que  D.  Affcnso  Henriques  deu 
ao  Castello  e  couto  de  Germanello  (Jarmello, 
Jermeilo  ou  antes  Germello)  em  1140  a 
1146,  mas  pelas  confrontações  n'elle  mar- 
cadas, vê-se  quo  o  dicto  Germanello  não  era 
o  da  Guarda,  supra.  Estava  em  um  monte, 
hoje  completamente  despovoado  e  ainda  de- 
nominado Castello^  que  demora  entre  a  fre- 
guezia do  Rabaçal,  concelho  de  Penella,  dis- 
tricto de  Coimbra,  e  a  do  Alvorge,  concelho 
d*Ancião,  districto  de  Leiria.  D'elle  já  Aze- 
mos menção,  quando  fallámos  da  intéres- 
sânte  lenda  do  Mello  e  Jerumello. 


1  V.  Vouzella,  Tiheira,  tomo  II.' ma.  1993 
col.  2." 

No  supplemento  rectificaremos  também  o 
que  o  meu  antecessor  disse  dos  foraes  d'4- 
guiar  da  Beira,  Aguiar  da  Pena  e  Aguiar  de 
Sousa;  entretanto  diremos  que  Aguiar  de 
Sousa  teve  foral  velho,  dado  por  Estevam 
Rodrigues  em  Évora  (?)  á  19  de  junho  de 
1269.  Suppomos  ser  o  que  se  encontra  no 
Fortug.  Mon.  pag.  712-715. 

2  V.  Jermello,  lomo  3.»  pag-  408,  col.  2.» 


2268  ZUR 


ZUR 


V.  Zambujal,  freguezia  do  concelho  de 
Condeixa,  tomo  11 »  pag.  2067,  col.  2.«,  — e 
Rabaçal,  no  2.»  supplemento  às  Noticias  de 
Penella  do  sr.  commendador  e  meu  bom 
amigo  Delfim  Jesé  d'Oíiveira. 

O  dicto  foral  pode  ver-se  no  Portug.  Mo- 
mm.  pag.  432.  Não  tem  data,  mas  pelas  ra- 
sòes  ali  expostas  cabe-lhe  muito  bem  a  da- 
ta supra  1140  a  1146. 

Também  as  nossas  duas  Zuraras  teem 
confundido  os  ehorographos,  como  os  leito- 
res vão  ver. 

Paliando  de  Azurara  de  Villa  do  Conde, 
o  meu  antecessor  (vol.  1.»  pag.  299,  col.  2.«) 
disse  que  o  conde  D.  Henrique  lhe  deu  fora  I 
em  1102  ou  1107  (?)  foral  que  D.  Affonso  II 
confirmou  em  1213  (?)— e  que  a  Poblacion 
G.  de  Espana  diz  que  o  conde  D.  Henrique 
lhe  deu  foral  em  1111. 

Paliando  de  Azurara  da  Beira,  o  meu 
antecessor  disse  também— que  D.  Diniz  lhe 
deu  foral  em  1298  (?);— que  Viterbo  lhe 
consigna  um  foral  de  1112  (?)  dado  pelo 
conde  D.  Henrique  e  pela  rainha  D.  There- 
zâ,  mas  que  Pranklin  não  o  menciona,  —  e 
que  D.  Manoel  lhe  deu  foral  novo  em  Lis- 
boa, a  26  de  março  de  1514. 

No  artigo  Mangualde  (tomo  5.»  pag.  49, 
col.  2.»)  volvendo  a  fallar  de  Azurara  da 
Beira,  diz— que  o  conde  D.  Henrique  lhe 
deu  foral  em  1102  (?)— e  que  D.  Manoel  lhe 
deu  foral  novo  em  1514. 

Tudo  isto  demanda  rectificação. 


Nós,  como  já  dissemos  no  artigo  supra, 
não  temos  noticia  de  foral  velho  nem  novo, 
dado  a  Zurara  de  Villa  do  Conde  —  e  dos 
foraes  velhos  de  Zurara  conhecemos  o  de  D. 
Diniz  e  o  do  conde  D.  Henrique  e  de  sua  mu- 
lher a  rainha  D.  Thereza,  com  data  1102  (não 
de  1107,  nem  de  lUl  ou  1112)— foral  que 
pertence  a  Zurara  da  Beira,  como  se  vê 
claramente  das  confrontações  n*elle  indica- 
das. 

Logo  o  daremos  na  sua  integra. 
Claudicou  pois  Rodrigo  Mendes  da  Silva 


na  Pobl.  G.  de  Espana,  alterando  a  data  do 
dicto  foral  e  attribuindo-o  a  Zurara  de  Vil- 
la do  Conde. 

Elie  cita  Brandam,  I.  8.»  cap.  23,  mas 
Brandão  loc.  cit.  apenas  diz  que  o  conde  D. 
Henrique  deu  foral  a  Zurara.  Não  diz  se 
era  a  da  Beira,  se  a  de  Villa  do  Conde  —  e 
não  lhe  assignou  data  alguma. 

Também  estranhamos  que  Rodrigo  Men- 
des da  Silva  apenas  fizesse  menção  de  Azu- 
rara de  Villa  do  Conde  e  omittisse  Azurara 
da  Beira,  sendo  muito  mais  importante  esta 
ultima. 


O  padre  Carvalho,  fallando  de  Azurara 
da  Beira,  dà-lhe  um  foral  de  D.  Diniz  — 
confirmado  por  D.  Manoel,  mas  não  lhes  as- 
signou  datas  nem  documentou  tal  asserto. 

O  padre  Luiz  Cardoso  dedicou  um  longo 
artigo  a  Zurara  de  Villa  do  Conde,  mas 
disse  muito  pouco  de  Zurara  da  Beira  —  e 
quanto  a  foraes,  apenas  repetiu  o  que  ha- 
via dicto  Carvalhol . . . 

José  Avelino  d' Almeida  dedicou  a  Man- 
gualde de  Azurara  um  bello  artigo,  que  o 
meu  antecessor  extractou,  mas  quanto  a  fo- 
raes deu  lhe  apenas  o  de  D.  Dinizl .  . . 

A  Chorogr.  Moderna,  seguindo  Carvalho 
e  Avelino,  deu-lhe  apenas  o  dicto  foral 
de  D.  Diniz,  reformado  por  D.  Manoel. 

Viterbo  no  Elucidário  apenas  menciona 
Azurara  da  Beira  nos  art.  Maladia  e  Po- 
destades,  mas  no  1.»  falia  somente  e  muito 
vagamente  de  foraes  velhos,  não  indicando 
algum  de  Azurara;  no  2.»  não  falia  de  fo. 
raes  velhos  nem  novosl 

Não  sabemos  pois  onde  Viterbo  menciona 
o  foral  de  Azurara  da  Beira,  de  1112,  cita- 
do pelo  meu  antecessor,— e  no  Portug.  Mo- 
num.  não  se  encontra  semelhante  foral,  mas 
só  o  de  1102,  indicado  por  Pranklin  nas 
suas  Memorias,  onde  se  encontra  indicado 
também  o  de  1514,  dado  por  D.  Manoel. 

Na  minha  humilde  opinião  todos  os  fo- 
raes de  Azurara  da  Beira,  hoje  Mangualde, 
se  reduzem  ao  de  D.  Manoel,  com  data  de 
1514,— ao  de  D.  Diniz,  citado  no  de  D.  Ma- 
noel.—e  ao  seguinte: 


ZUR 


ZUR  2269 


Foral  áe  Í102  confirmado  em  1218 

«lo  nomine  dorniai  nosiri  jhesu  chrisU 
amen.  Ego  Comile  Henricus. . . » 
Em  vulgar: 

«Em  nome  de  nosso  senhor  Jesus  Chris- 
lo.  Amen 

«Eu  o  conde  D.  Henrique  e  rainha  mulher 
D.  Thereza,  filha  do  rei  D.  Affonao,  damos 
cana  de  foral  aos  habitantes  de  lurara  que 
demoram  entre  os  rios  Dão  {adon)  e  Monde- 
go;— e  entre  Penalva  (do  Casttllo)  e  a  dieia 
Zurara  está  o  rio  Ryal} 


í  Do  exposto  se  vé  que  este  foral  é  evi- 
dentemente o  do  concelho  de  Mangualde  ou 
de  Azurara  da  Beira,  poi^  demora  entre  os 
rios  Dão  e  Mondego  e  confina  com  o  conce- 
lho de  Penalva  do  Castello. 

Claudicaram  pois  todos  quantos  disseram 
que  este  foral  pertence  a  Ztirara  ou  kiura- 
ra  de  Villa  do  Conde. 

O  rio  Rial  ainda  hoje  conserva  o  mesmo 
nome,  e  ainda  hoje,  como  em  1102,  divide 
a  N.  E.  o  concelho  de  Penalva  do  de  Zurara, 
mas  suppomos  que  houve  erro  de  copia  no 
texto  do  foral  que  se  encontra  no  Portug. 
Monum  ,  pois,  indicando  as  confrontações  do 
concelho  de  Zurara,  diz  que  f^stá  —  «inter 
rybulo  adon  et  moniego  et  inter  Pennalva 
et  issius  Zurara  et  ribulo  Ryal. » 

O  texto  assim  confunde,  poi.-*  em  vulgar 
diz: — tenlre  os  rios  Dão  e  Mondego  e  entre 
Penalva  e  a  mesma  Zurara  e  o  rio  Ryal  * 

Parece  que  a  mente  do  doador  era  indi- 
car 08  limites  do  concelho  pelos  quadran- 
tes:— a  N.  pelo  Dão;  a  S.  pelo  Mondego;  & 
E.  ou  N.  E.  por  Penalva — e  a  O.  ou  S,  O. 
pelo  rio  Ryal. 

Assim  o  julgámos  a  principio,  ma?,  de- 
pois de  bem  estudarmos  a  topographia  lo- 
cal, çonvencemo-nos  de  que  a  mento  do 
doador  era  indicar  os  limites  do  concelho 
apeo5i8  a  N.  e  S.  pelos  rios  Dão  e  Mondego^ 
que  ainda  boje  limitam  pelos  deus  quadran- 
tes o  concelho  de  Mangualde,— excepto  des- 
de a  foz  do  rio  Ryal  para  cima  ou  para  E. 
N.  E.,  pois  d'ali  para  cima  o  Dão  deixa  de 
ser  limite  de  Zurara — e  este  concelho  é  li- 
mitado pelo  rio  Ryal.  que  vem  de  Villa  Co- 
va do  Covello; — banha  na  margem  direita  a 
freguezia  de  Ryal,  concelho  de  Penalva,  di 
vidindo  a  da  freguezia  de  Quintella;  conee- 
Iho  de  Mongoalde ;  —  recebe  depois  o  rio 
Lodares  ou.  Cotai  (tem  ambos  os  comes) 

VOLUIIK  XI 


«De  cada  junla  de  bois  (que  empregardes 
na  lavoura)  pagareis  um  moio  de  pão  terça- 
do;i  de  cada  boi  dois  quarteiros  de  pão  ter- 
çado lambera;  do  vinho  a  decima  parte  no 
lagar;  do  linho  a  decima  parte  no  campo; 
do  veado  (de  venato)  um  lombo;  do  porco 
duas  costas  (sic)  —  e  dos  coelhos  um  pela 
morada  do  caçador  (talvez  um  por  dia). 

•  Se  o  cavalleiro  perder  o  seu  cavallo, 
guardem-lhe  durante  tres  ânuos  o  fôro  de 
cavalleiro  —  e  poderá  vender  as  suas  pro- 
priedades livremente,  sem  ónus  aigura,  a 
quem  lhe  aprouver. 

«O  peào  poderá  vender  tambera  as  suas 
propriedades  a  quem  lhe  aprouver  e  só  a 
deciiia  parte  ficará  obrigada  ao  foro. 


que  vem  das  Chans  de  Tavares; — unidos  os 
dous  loraam  o  nome  de  rio  Lamegal — e 
morrem  na  marge.m  esquerda  do  Dão,  ten- 
do de,  curso  qualquer  d'aquella3  dois  rios 
10  a  15  kilometros. 

Evidentemente  o  rio  Ryal  é  o  que  banha 
a  freguezia  de  Ryal,  que  tomou  d'elle  o 
nome,  ou  v.  v. — e  o  foral  deve  ler- se  assim: 

—  «inter  .rybulo  ndon  et  mondego; — et  in- 
ter Pennalva  et  issius  Zurara  e^t  ribulo 
Ryal  t 

Accrescente  se  pois  um  5  ao  ultimo  et  e 
está  morta  a  questão. 

Haverá  erro  da  copia  no  Portug.  Monum.l 
—Que  o  diga  quem  poder  ver  o  próprio  fo- 
ral na  Torre  do  Tombo._ 

1  Suppomos  que  o  pao  terçado  D'aquelle 
tempo  era  centeio,  cevada  e  trigo,  ou  milho 
miúdo,  porque  a  introducção  do  milho 
graúdo  é  muito  posterior. 

Note- se.  também  que  o  moio  e  o  alqueire 
então  eram  muito  differentes  dos  de  hoje. 

De  passagem  diremos  também  que  o  al- 
mude  e  o  alqueire  foram  muito  tempo  syno- 
nimos.  Empregavam-se  iudislinetamente  co- 
mo medidas  de  seceo  e  líquidos.  Era  trivial 
dizer-se  um  almude  de  pão,  um  alqueire  de 
vinho,  ete.  Ainda  hoje  ao  sul  de  Portugal  se 
diz  tantos  alqueires  de  vinho  ou  de  azeite, 
mas  nas  províncias  do  norte  o  almude  era 
medida  de  líquidos  e  o  alqueire  medida  de 
seccos  até  o  meiado  d'e8te  século,  data  em 
que  se  decretou  o  litro  como  medida  ofiBcial 
para  seccos  e  líquidos— e  o  metro  para  me- 
dida linear,  em  substituição  da  vara  e  do 
covado. 

V.  Almude  e  Modio. 

143 


2270 


ZUR 


ZUR 


«o  cavalleiro  fica  por  este  foral  exenopto  j 
de  pagar  portagem.^  i 

«Metade  da  cifra  das  pena*  ou  multas  que  j 
forem  julgadas  em  juiso,  será  applleada  pela  | 
alma  do  eoude  D.  Henrique  e  da  rainha  D. 
Thereza,  sua  mulher. 

«Quem  comprar  terras  que  não  forem  jm- 
gadeiras  não  fique  por  isso  obrigado  a  ser- 
viço algum,  sem  que  lh'o  paguem. 

«E  por  este  foral  arbitrou  o  conde  D.  j 
Henrique  a  pena  do  couto,  des^e  o  rio  Dão  ' 
até  o  Mondego,  era  mil  e  quinhentos  mo- 
dios  (?) 

«Todo  o  homem  que  entrar  violentamen- 
te no  dieto  couto  em  perseguição  de  algum 
homicida,  ou  d'algum  escravo,  ou  por  outra 
qualquer  causa,  se  prender  o  fugitivo^,  pa- 
gue o  incoutoon  pena  supra,  oucortem-lhe 
as  mãos,  ou  tirem-lhe  os  olhos  ..)• 

«Quem  violar  ou  leotar  infringir  este  fo 
ral— primeiramente  seja  excommungado, 
analhematisado,  privado  da  communhão  de  \ 
Christo,  condemnado  ao  inferno  com  Judas,  I 
o  traidor,  e  não  use  Deus  da  sua  infinita 
misericórdia  no  juiso  final  para  com  elle. 
Amen. 

«E  lodos  os  que  habitam  desde  o  rio  Dão 
até  o  Mondego  paguem  às  justiças  de  Zura- 
ra (ou  em  Zura7'a)  os  serviços  e  foros  de-  i 
vidos.2 

j 

«E  eu  o  conde  D.  Henrique  e  minha  mu- 
lher a  rainha  D.  Thereza  auctorisamos  Egas 
Moniz,  D.  Rabaldo  e  Gonçalo  Peres  para  em 
nosso  nome  e  como  se  presentes  fossemos, 
receberem  dos  habitantes  de  Zurara  o  de- 
vido juramento, 

«Era  il40  (anno  ii02.) 

«Testemunhas  Li.  Gonçalo,  bispo  de  Coim- 
bra, qua  este  foral  escreveu  (?l...);Egas 
Gosendes,  lesl.;  Paio  Soares,  test.;  D.  Af- 
fonso,  Infante.  Eu  o  conde  D.  Fernan- 


do,' corroboro  e  auctoriso  esle  foral,  segun- 
do o  testo  supra.  Eu  o  conde  D.  Pedro  o  vi, 
outorgo  e  confirmo.  E  eu  D,  Vermudo  Pe- 
res o  outorgo  e  corroboro  lambem. »2 
Portugal  Monum.  1.  Foralia,  pag.  353. 

Confirmação  do  foral  supra 

«Ego  Alfonsus.  ..>— Em  vulgar: 
«Eu  D.  AÍTonso  II,  por  graça  de  Deus 
rei  de  Portugal,  com  minha  mulher  a  rai- 
nha D.  Urraca  e  nossos  filhos  os  infantes 
D.  Sancho,  D.  Afionno  e  D.  Leonor,  conce- 
do e  confirmo  a  vós,  habitantes  de  Zurara  o 
foral  que  vos  deu  o  conde  D.  Henrique, 
meu  visavô;  e  para  que  esta  minha  conces- 
são e  confirmação  tenham  maior  valor,  man- 
dei passar  esta  carta  e  timbral-a  com  o  meu 
sello  de  chumbo,  a  qual  foi  feita  em  Santa- 
rém no  dia  1  de  fevereiro  da  era  de  1256 
(anno  1218). 

Nós  supra  nomeados,  que  esta  carta  man- 
dámos fazfT  perante  os  mdividuos  abaixo 
assignados,  a  roboramos  e  assignamos  — 
+  +  + 

Dom  Mar.  Joannes,  alferes  mor  d'el-rei; 
D.  Pedro  Joannes,  mordomo  do  paço;  D. 
Lourenço  Soares,  D.  Egídio  Vasquss,  D.  João 
Fernandes,  D.  Fernando  Fernandes,  D.  Go- 
mes Soares,  D.  Rodrigo  Mendes,  D.  Poneio 
Affonsim  e  D.  Lopes  Aftonsim,  que  estavam 
presentes,  confirmam. 

Testemunhas;  —  Vicente  Mendes,  Marti- 
nho Peres^  Pedro  Peres. 

D.  Estevam,  arcebispo  de  Braga;  D.  Mar- 
tinho, bispo  do  Porto;  D.  Pedro,  bispo  de 
Coimbra;  D.  Soeiro,  bispo  de  Lisboa;  D. 
Soeiro,  bispo  d'Evora;  D.  Paio,  bispo  de  La- 
mego; D.  Barlholomeu,  bispo  visiense,  e  D» 
Martinho,  bispo  de  Idanha,  confirmam. 

O  mestre  Paio^  cantor  da  Só  do  Porto, 


1  El  caballario  defendat  suo  poríadigo 
cum  foro,— áiz  o  texto. 

Talvez  que  a  minha  tradaeção  não  seja 
muito  exacta!. . . 

2  Respondeant  ai  zurara  cum  servido  et 
cum  foro— áiz  o  texto. 


'  Suppomos  ser  D.  Fernando  Peres  de 
Trava,  conde  de  Traslamara,  cora  o  qual 
(segundo  alguém  suppôe)  a  rainha  D.  The- 
reza passou  a  segundas  núpcias. 

2  Desculpem  os  lapsos,  pois  não  é  faeil 
hoje  traduzir  o  latim  bárbaro  d'aquelle  tem- 
I  po  e  dos  docnmentos  d'e8ta  ordem. 


ZUR 


ZUR  2271 


tesl.;  Pedro  Garcia,  teat.;  Joaaninho,  test.; 
GoDçalo  MeDdes,  chanceler  do  paço;  Lou- 
renço Martins  a  escreveu.» 

Mais  rectificações  e  addições 

O  meu  benemérito  antecessor  disse  que 
esta  Villa  hoje  se  denomina  Mangualde  ou 
Mangualde  de  Azurara  da  Beira.  Assim  se 
denominou  outr'ora,  mas  hoje  ofiBeialmente 
denomina -se  Mangualde,  sem  sobrenome, 
pois  é  tão  importante,  que  não  se  confunde 
com  Mangualde  da  Serra,  a  freguezia  mais 
pobre  e  menos  populosa  do  concelho  de 
•Gouveia,  a  qual  pf-!o  ultimo  recenseamento 
apenas  confava  100  fogos  e  390  habitantes, 
emquanto  que  a  freguezia  de  Mangualde 
em  1708,  segundo  se  lé  na  Corogr.  Port- 
contava  460  fogos  e  i600  habitantes;  em 
1768,  (diz  o  Port.  S.  e  Prof.)  contava  504  fo- 
gos; era  1852  o]Flaviense  deu-lhe  754  fogos; 
o  censo  de  1864  deu-lhe  917  fogos  e  4255 
habitantes;— o  de  1878  deu-lhe  993  fogos  e 
4801  habitantes— e  hoje  (1889)  conta  cerca 
de  1250  e  5400  habitantes. 

A  sua  população  tem  augmentado  muilo 
na  segunda  metade  d'e8te  século  e  continua 
augraentando  por  differentes  rasões. 

Occorrem  nos  a  a  seguintes: 

1.  *— Porque  o  seu  clima  é  temperado  e 
muito  saudável,  pois  demora  cm  chão  gra- 
nítico, bastante  fértil,  muito  arborisado  e 
bem  agricultado,  abundante  de  excellente 
agua  potável  e  de  rega  e  sem  visos  de  pân- 
tanos nem  lagoas,  na  linha  divisória  dos 
rios  Dão  8  Mondego,  em  terreno  alto  e  ae- 
cidenlado,  mas  não  escarpado,  com  penden- 
te sobre  aquelles  2  rios—abrigado  a  N.  pela 
serra  do  Caramulo — e  ao  sul  pela  da  Estrella. 

2.  » — Porque  n'esta  villa  e  n'este  concelho 
as  mulheres  são  muito  proliflcas.  Não  é  ra- 
ro terem  11  a  15  fllhos— e  maisl... 

N'este  districto  e  não  muito  longe  d'este 
concelhOj  a  viscondessa  actuai  de  Moimenta 
da  Beira  teve  vinte  e  tantos  filhosA 


1  É  hoje  viuva  do  visconde  de  Moimenta 
da  Beira— Julião  Sarmento,  falleeido  emno- 
vvembro  do  anno  de  1889, 


3.  *  Porque  Mangualde  é  uma  das  nossas 
vilias  mais  bem  servidas  de  estradas  e  vias 
de  communicação  de  toda  a  ordem. 

Tem  bellas  estradas  a  macadam  para  Vi- 
seu, para  a  Foz- Dão  e  Coimbra,  para  Gou- 
veia, para  Fornos  d' Algodres,  Celorico  e 
Penalva  do  Castello,  alem  d'outras  conce- 
lhias menos  importantes,  quasi  todas  servi- 
das por  diligencias  diárias, — e  uma  estação 
própria  e  muito  próxima  na  linha  da  Beira 
Alta,  que  atravessa  este  concelho  e  esta  fre- 
guezia de  nascente  a  poente,  passando  a 
2:500  metros  da  villa  de  Mangualde,  que 
lhe  fica  a  montante,  lado  N. 

A  mencionada  linha  foi  aberta  á  circula- 
ção em  1881  e  dá  muita  vida  e  importân- 
cia a  esta  viila  e  a  este  concelho,  porque  os 
liga  a  vapor  com  os  grandes  centros  de 
Portugal,  da  Hespanha  e  da  Europa. 

Ha  também  n'esta  villa  uma  estação  tele- 
grapho-postal,  que  a  põe  em  contacto  com 
todo  o  nosso  paiz,  com  toda  a  Europa  e  com 
o  mundo  inteiro,  já  por  meio  de  cartas  ede 
bilhetes  postaes  baratíssimos.^  já  por  meio 
de  telegrammas,  transmittidos  pelo  telegra- 
pho  eléctrico,  hoje  o  processo  mais  rápido 
de  transmissão. 

V.  Vias  férreas,  tomo  IO.»  pag.  467  a  502. 

Também  estão  projectadas  dififerentes  li- 
nhas férreas  de  Mangualde  ao  Porto  e  á  li- 
nha férrea  do  Norte,  a  entroncar  nas  esta- 
ções de  Aveiro,  Ovar  ou  Espinho,  as  quaes 
devem  tocar  em  Viseu  e  dar  muito  vida  a 
Mangualde. 

4.  "— Porque  esta  villa  demora  no  centro 
de  uma  larga  zona  muito  povoada,  sem  so- 
lução de  continuidade  desde  a  serra  da  Es- 
trella até  Viseu,  Lamego  e  Regoa,  Porto, 
Aveiro,  Coimbra,  Guarda,  etc. 


5.«— Porque  esta  villa  tem  grandes  mer- 
cados no  1."  e  3.»  dommgos  de  cada  mez, 


^  2  Cartas, — por  cada  15  grammas  de  peso 
i  25  réis;— bilhetes  postaes  10  réis,  etc.  ete. 


2272  ZUR 


ZUR 


sendo  mais  importante  e  correspondente  a 
uma  grande  feira  o  do  1.»  domingo  de  no- 
vembro. 

Os  dictos  mercados  ou  feiras  são  os  prin- 
eipaes  da  província,  nomeadamente  em  ga- 
dos, cereaes  e  lanificios. 

Por  vezes  aii  se  reúnem  mais  de  duas 
mil  cabeças  de  gado  bovinol . . . 

Em  quanto  a  cereaes  são  os  primeiros 
d'esta  provincia,  depois  dos  de  Celorico  da 
Beira;  -  quanto  a  laniflcios  só  os  excede  a 
feira  franca  de  Visfu.  São  muito  importan- 
tes porque  todas  as  fabricas  da  Covilhã  e  de 
Gouveia  teem  depósitos  permanentes  em 
Mangualde  e  aqui,  por  occasião  dos  dictos 
mercadosj  vêem  sortir-se  os  negociantes  do 
Porto,  Aveiro,  Coimbra,  Lamego,  Viseu,  eíc. 

Mangualde  é  o  empório  dos  lanificios  da 
Covilhã  e  de  Gouveia.  Dão-lhe  pois  muita 
vida  03  seus  grandes  mercados  e  a  elles  se 
deve  era  grande  parte  o  augmento  da  ri- 
queza e  da  população  da  viila,  apesar  do 
grande  numero  de  pessoas  que  d 'esta  villa 
e  d'esie  concelho  costumam  emigrar  para 
outros  pontos  do  nosso  paiz  e  para  a  Ame- 
rica, nomeadamente  para  o  Brazil. 

Veja-se  o  tópico  Emigração. 

6.^— Porque  na  2.»  metade  d'e8te  século 
temos  gosado  paz  octaviana,  como  poucos 
paizes  do  mundo,^  —  e  liberdade  até  a  li- 
cença] . . . 

Na  l.»  metade  d'este  século  soffreu  muito 
esta  vilIa  com  a  passagem  da  tropa  durante 
a  guerra  da  península  e  das  guerras  civis 
posteriores,  pelo  facto  de  passar  em  Man- 
gualde uma  importante  estrada  militar. 

6.»— Porque  lambena  na  2.»  metade  d'este 
século  não  lemos  sido  visitados  por  grandes 
epidemias.  Apenas  o  cólera  nos  visitou  em 
i854  a  1853,  mas  poucas  viciimas  fez  n'esta 
provincia. 

8.»— Porque  Mangualde,é  a  séde  dc  um 


1  Desde  que  terminaram  as  luetas  civis 
em  1834,  apenas  tivemos  uma  leve  altera- 
ção da  ordem  publica  em  18i6  a  1847. 

V.  Porto,  vol.  7.»  pag.  366,  eol.  2.»  até 
371, — e  Gramido. 


concelho  importante  e  de  uma  grande  co« 
marca  que  corapreheode  mais  dois  conce- 
lhos:—-o  de  Nellas,  e  o  de  Penalva  do  Cos- 
tello. 

É  também  Mangualde  séde  da  S.«  região 
agronómica,  que  comprehende  grande  par- 
te dos  districlos  de  Vizeu  e  da  Guarda. 

Tndo  isto  lhe  dá  muita  vida  o  muita  im- 
portância. 

9.*— Também  lhe  dá  muita  vida  e  muita 
importância  o  formoso  santuário  de  Nossa 
Senhora  do  Castello,  do  qual  adiante  falla- 
remos.  ■> 

As  duas  grandes  romarias  de  25  de  mar- 
ço e  de  8  de  setembro,  principalmente  esta 
ultima,  attrahem  a  Mangualde  muitas  mil 
pessoas  que  entulham  a  villa  e  n'ella  fazem 
muita  despeza. 

Também  durante  o  anno  concorrem  a 
Mangualde  muitos  romeiros  e  forasteiros 
em  visita  ao  santuário  da  Virgem  do  Cas- 
tello, distante  da  villa  pouco  mais  de  um 
kiloraetro  e  ligado  a  ella  por  caminho  sua- 
víssimo,—passeio  muito  agradável  que  dei- 
xa sempre  saudades. 

A  este  raro  conjuueto  de  círcumsiancias 
se  deve  o  grande  augmento  da  formosa  vil- 
la de  Mangualde  e  mais  augmentaria  certa- 
mente, se  vivesse  n'ella  a  opulenta  família 
Paes,  condes  de  Anadia,  como  os  leitores 
vão  ver. 

A  VILLA 

Como  já  dissemos,  demora  ao  longo  da 
estrada  real  e  militar  de  Celorico  da  Beira 
a  Coimbra  por  Viseu,  Tondella,  Bussaco, 
Mealhada,  etc— estrada  que  seguiu  o  gene- 
ral Massena  em  1810. 

Dista  2500  metros  da  estação  de  Mangual- 
de, na  linha  da  Beira  Alta,  para  N.;  18  kil. 
de  Viseu  para  S.  E.;  15  da  margem  direita 
I  do  Mondego  para  N.;  30  de  Gouveia  para 
N.  O.;  80  da  Pampilhosa,  entroncamento  da 
linha  da  Beira  Aha  na  do  Norte;  85  da 
Guarda;  126  de  Villar  Formoso;  130  da  ci- 
dade da  Figueira;  185  do  Porlo-e  3)2  de 
Lisboa. 

O  itinerário  para  o  Porto  deve  reduzir- 
ae  mnlto,  logo  que  se  construa  a  projectada 


ZUR 


ZUR  2273 


iinha  férrea  entre  o  Porto  e  Mangualde  por  | 
Viseu. 

A.  villa  de  Mangualde  propriamente  dieta, 
hoje  uma  das  maia  populosas  e  mais  impor- 
tantes da  província  (tem  420  fogos  e  1750 
habitantes)  é  muito  moderna.  Pôde  dizer-se 
^ue  data  dos  princípios  d'este  século  ou  des- 
de quando  a  familia  Paes  mandou  fazer  o 
seu  grande  palácio  e  para  elie  se  transferiu 
da  pequena  aldeia  de  Canedo  d'esta  paro- 
chiâ,  onde  anteriormente  vivia  e  lera  ainda 
hoje  uma  boa  quinta  e  uma  casa  brazonada. 

Mangualde  já  era  villa  com  este  nome  no 
see.  XVI,  como  se  vê  do  foral  de  D.  Manoel) 
•mas  villa  insigaifleante.  Apenas  comprehen- 
dia  os  velhos  paços  do  concelho  à^AzuraraA 
que  ainda  lá  se  vôem,  e  alguns  pequenos 
casebres  contiguos,  que  desappareceram  e 
foram  substituídos  pelas  novas  editieaçòes, 
todas  ou  quasi  todas  posteriores  ao  grande 
palácio. 


Pôde  dizer-se  que  a  villa  actual  se  deve 
á  opul^íuta  familia  Paes,  porque  durante  o 
longo  periodo  das  obras  do  seu  palácio  e  da 
sua  grande  cerca  chamaram  para  ali  cente- 
nares de  jornaleiros  e  de  artistas,  com  os 
quaes  despenderam  sommas  fabulosas  e  ali 
muitos  d'elles  se  estabeleceram.  O  local  até 
então  quasi  deserto  animou-se  com  as  no- 
vas edificações,  nomeadamente  com  o  gran- 
de palácio,  cujos  donos  o  habitavam,  viven- 
do faustosamente  e  distribuindo  dinheiro  a 
rodo,  pois  consumiam  ali  as  suas  enormes, 
rendas. 

Viviam  tão  faustosamente  que,  mesmo 
nos  dias  de  semana,  iam  para  a  mesa  sem- 
pre com  farda  ou  calção  e  casaca— e  assim 
eram  obrigados  a  ir  todos  os  hospedes,  sem 
excepção  de  parentes  ou  amigos  intimas. 
Quando  não  se  apresentavam  assim  vesti- 
dos, mandavam -nos  para  outra  mesa; — e  o 
serviço  era  sempre  feito  por  criados  rica- 
mente fardados  ? ! . . . 

Além  d'isso  fizeram  na  villa  outras  edifi- 
eações  importantes,  taes  foram  a  igreja  da 
Misericórdia,  o  convento  e  o  esplendido  san- 
tuário da  Senhora  do  Castello.  Tudo  isto  deu 
grande  importância  e  muita  vida  ao  local,  e 


porque  era  lindíssimo  e  se  prestava  para 

toda  a  sorte  de  construcções,  por  ser  quasi 
plano  e  muito  saudável,  servido  e  atraves- 
sado de  leste  a  oeste  por  uma  estrada  real 
de  grande  movimento,  as  edificações  puUu- 
laram  e  a  villa  rapidamente  occupou  uma 
grande  area,  mesmo  porque,  sendo  todo  ou 
quasi  todo  o  chão  da  villa  propriedade  da 
opulenta  familia  Paes,  estes  de  bom  grado 
cederam  ou  emprazaram  os  chãos  para  as 
novas  construcções,  mas,  por  ser  o  terreno 
quasi  plano,  para  que  ellas  não  tolhessem 
as  vistas  do  grande  palácio,  impuzeram  a 
todos  os  eraphyteutas  a  clausula  de  que  as 
novas  construcções  teriam  apenas  um  an- 
\dar. 

A  esta  clausula,  apparentemente  dura,  se 
deve  em  grande  parte  a  espaçosa  area  que 
a  villa  tomou  e  tem, — ficando  muito  vistosa 
e  muito  hygienica,  porque  a  população  não 
está  conglobada  e  amontoada,  como  em  ou- 
tras muitas  villas  da  Beira,  taes  são  Linha- 
res, Trancoso, Celorico,  Ceia,  Gouveia,  Man- 
teigas, etc.  cujas  condições  hygienicas  não 
sustentam  confronto  com  Mangualde. 


Deve  pois  esta  villa  múíQ—muitissimo-" 
á  opulenta  familia  Paes. 

A  ella  se  deve  agradecer  também  os  gran- 
des largos  da  villa.  iN'este  ponto  Mangualde 
supplanta  todas  as  villas  da  Beira,  —  exce- 
ptuando Trancoso,  que  tem  um  campo  im- 
menso,  mas  todo  extra  muros  e  muito  agres- 
te. A  mesma  villa  é  uma  das  mais  agrestes 
e  mais  desabrigadas  que  temos  no  nosso 
paiz.  Se  não  fosse  o  anteparo  dos  velhos 
muros,  sem  inhabitavel  durante  o  inver- 
no]... 

V.  Trancoso  n'este  diecionario  e  no  sup- 
plento. 

Não  sabemos  se  os  largos  da  villa  de  Man- 
gualde eram  terreno  baldio,  logradouro 
commum,  ou  propriedade  dos  Paes,  mas 
embora  fossem  baldios  ou  públicos,  é  para 
louvar  que  não  se  apropriassem  d'elles, 
quando  eram,  como  foram,  capitães  mores 
da  villa  e  por  assim  dizer  senhores  d'ella. 
Outros  fidalgos  in  illo  tempore  se  apropria  - 


2274 


ZUR 


Hxn  de  differentes  chãos  e  largos  públicos, 
inclusivamente  no  meio  das  cidades.^ 

Nole-se  que  antigamente  os  fidalgos  eram 
muito  prepotentes  e  por  vezes  o  açoute  das 
terras  em  que  viviam,  pelo  que  em  muitos 
foraes  os  nossos  reis  concederam  como  gran- 
de fineza  a  differentes  cidades  e  villas  nào 
poderem  viver  n'ellas  fidalgos  nem  ricos- 
homens? 

Bairros 

Mangualde  tem  2  bairros:— woi;o  e  velho. 
O  novo  eomprehende  a  parte  leste,  toda  ou 
quasi  toda  posterior  á  edificação  do  grande 
palácio  dos  Paes;  o  velho,  ainda  hoje  deno- 
minado Villa,  como  no  Porto  se  denominoU( 
o  velho  bairro  da  Sé — e  em  Bragança  se 
denominou  e  denomina  o  antigo  bairro  do 
Casíe//o,— demora  ao  poente  de  Mangualde, 
junto  do  palácio  dos  Paes,  e  foi  a  sede  do 
antigo  concelho  de  Zurara  da  Beira. 

Ainda  lá  se  vé  a  antiga  casa  da  camará, 
que  é  muito  pequena,  velha,  immuuda,  e 
serve  actualmente  de  cadeia  e  habitação  do 
carcereiro.  Nào  tem  merecimento  algum  ar- 
chitecionieo  e  é  um  pejamento  e  uma  ver- 
gonha para  a  villa  e  para  o  grande  palácio 
dos  Paes,  pois  defronta  com  elle  e  com  a 
sua  linda  capella,  mettendo-ae  de  permeio 
apenas  a  rua  publica.  E  offerece  um  espe- 
ctáculo trislissirao,  porque  ali  se  acham 
amontoados  n'aquella  immuoda  masmorra 
todos  08  presos  da  comarca, — homens  e  mu- 
//iem— clamando,  gritando  e  dando  a  mais 
triste  ideia  da  villa. 

É  a  casa  mais  velha  e  mais  nojenta  de 
Mangualde  e  um  grande  foco  de  dessmorali- 
sacãOj  porque  os  presos  dos  dois  sexos  vi- 
vem quasi  promiscuamente.  Além  d'isso  não 


^  Em  Lamego,  por  ex.  a  casa  do  Poço,  não 
hesitou  em  chamar  seu  um  poço  que  era  do 
publico— e  prolongou  o  seu  palácio  sobre 
um  largo  também  publico,  tolhendo  o,  eer- 
ceando-o  e  afrontando  escandalosamente  a 
própria  Sé?I . . . 

V.  Lamego  n'este  diceion.  e  no  supple- 
mento. 

2  V.  Nicolau  (S.)  freguezia  do  Porto,  vol. 
6.*  pag.  73—8  Pinhel,  tomo  7.»  pag.  70. 


ZUR 

comporta  os  presos  da  comarca,  pelo  que  os 
juizes  de  direito  por  vezes  degradam  para 
Bragança  c  para  outras  terras  do  nosso  paiz 
os  réus  de  crimes  a  que  a  lei  manda  appli- 
ear  pena  de  prisão  temporária. 

É  urgente  demolir  aquella  masmorra  e 
substituil-a  por  uma  cadeia  segura  e  de- 
cente, mesmo  porque  Mangualde  já  não  é  o 
burgo  podre  d'outr'ora  e—noblesse  obiigel... 

Acabe  tão  revoltante  espectáculo. 

Assim  como  subâtituiram  os  velhos  paços 
do  concelho  por  outros  muito  amplos  e 
muito  solidoSji  substituam  a  cadeia  também 
por  outra  que  não  envergonhe  a  villa. 

i  Torre  velha  do  7'elogio 

Assim  se  denomina  uma  torre,  que  está 
em  um  morro  de  granito  a  O.  e  em  frente 
do  palácio  dos  Paes—Q  ao  sul  dos  antigos 
paços  do  concelho,  mettendo-se  de  permeio 
a  estrada  publica  de  Mangualde  a  Viseu. 

É  muito  antiga  e  muito  singela.  Não  sa- 
bemos quando  nem  por  quem  foi  fundada, 
mas  suppomoâ  datar  dos  principio»  da  nos- 
sa monarchia  e  ser  obra  dos  antigos  senho- 
res de  Zurara  da  Beira,— l&\s&i  residência 
temporária  d'elles, —  mesmo  porque  estava 
junto  dos  velhos  paços  do  concelho. 

É  a  velharia  mais  interessante  de  Man- 
gualde, depois  da  Citania  recentemente  des- 
coberta e  da  qual  adiante  fallaremos. 

Já  serviu  de  cadeia  e  u'ella  estiveram 
também  o  sino  da  camará  e  o  relógio  da 
villa,  pelo  que  tomou  o  nome  de  torre  ve- 
lha do  relógio,  depois  qua  este  foi  eollocado 
na  Misericórdia. 

A  velha  tnrre  ainda  promette  longa  dura- 
ção, mas  está  em  completo  abandono  e  ser< 
vindo  actualmente  de  palheiro] . . . 

A  camará  deve  reparai -a,  conserval-a  e 
estimai- a  como  seu  brazão  d'armas,  pois 


1  Estão  no  bairro  novo  em  um  palacete 
que  foi  dos  Rebellos,  seus  fundadores,  e  ul- 
timamente de  José  Hygino,de  Gouveia,  men- 
cionado no  tópico  dos  õO  maiores  contri- 
buintes. 


ZUR 

não  tem  brazão  próprio;  aléra  d'isso  a  po- 
bre torre  esià  isolada  e  não  iacommoda 
ninguém. 

A  camará  deve  sollieitar  brasão  próprio 
6  n'elle  tomar  como  emblema  Mm  castello 
encimado  por  uma  torre,  eommemorandr»  o 
antigo  Castello  de  Zurara  e  a  torre  velha  do 
relógio. 

Largos  da  villa 

Tem  Mangualde  oí  seguiutes: 
1." — Largo  do  Rocio. 

Demora  a  leste  da  villa  e  so  fuudo  d'elle 
(lado  sul)  so  erguem  os  novoi  paços  do  eon- 
eetho. 

E'  muito  espaçoso,  bastante  regular,  qua- 
driloDgo  e  quasi  todo  revestido  de  prédios, 
sendo  alguns  muito  vistosos,  euire  os  quaes 
avultam  os  novos  paços  do  eoacelh  »,  a  easa 
da  pr."  D.  Leonor  Margarida  de  Carvalho,  a 
dos  Lobões,  de  Viseu,  a  do  dr.  João  Baptis- 
ta de  Castro  e  a  de  José  Gíbral  Paes  de  Al- 
buquerque, ainda  era  coastrueção  n'esta 
data  (dezembro  de  1889)  mas  que  promelte 
ser  uma  das  mais  elegantes  e  mais  luxuo- 
sas da  villa. 

Este  grande  largo  foi  quasi  todo  eons- 
truido  n'esle  século;  é  dividido  em  2  por 
uma  boa  easa  pertencente  a  José  d' Almeida 
Cardoso  d'Albuquerque,  da  Mesquitella,— e 
n'elle,  por  oeeasião  dos  grandes  mercados, 
se  vendem  cereaes  e  outros  artigos, 

Este  largo  prolonga-se  de  leste  a  oeste  e 
por  elle  corre,  junto  ao  lado  sul,  a  estrada 
real  a  maeadara  de  Mangualde  a  Celorico, 

Ha  também  n'elle  uma  pharmaeia,  um  ho- 
tel, estabelecimentos  eommereiaes,  etc. 

2  » — Largo  ou  Terreiro  dos  Carvalhos. 

Demora  ao  sul  do  grande  largo  do  Rocio; 
é  também  muito  espaçoso  e  n'elle  se  faz  o 
mercado  dos  bois, — mercado  muito  impor- 
tante, pois  reúne  por  vezes  mais  de  duas 
mil  cabeças  de  gado  bovino. 

Também  aqui  t?em  os  seus  depósitos  as 
fabricas  da  Covilhã  e  de  Gouveia,  e  por  oe- 
easião dos  grandes  mercados  aqui  se  fazem 
grandes  transacções  em  lanifícios. 

Estes  dois  largos  teem  miiitos  estabeleci- 
mentos eommereiaes  e  representam  a  maior 
e  melhor  parle  da  villa,— não  eomprehen- 


ZUR  2275 

,  dendo  o  palácio  dos  Paes,  pois  só  elle  vale 
•  tanto  como  metade  da  villa  todal. . . 

Z.^—Largo  do  Pelourinho  ou  Praça  Velha. 

Este  largo  é  informe,  irregular  e  o  mais 
pequeno  da  villa. 

Ddraora  no  velho  largo,  —  em  frente  e  a 
O.  do  palácio  dos  Paes,—]\3iXí\.o  da  Torre  ve- 
lha do  Relógio  e  dos  velhos  paços  do  conce- 
lho. N'elle  estava  o  pelourinho,  que  era  hu- 
milde e  singelo  e  foi  demolido  ha  poucos 
annos,  para  mais  franca  passagem  da  estra- 
da real  a  macadam  de  Mangualde  a  Viseu 
eque  atravessa  este  largo,  ou  pequeno  ter- 
reiro. 

4.* — Largo  da  Matta. 

E'  maior  do  que  o  Rocio;  está  quasi  todo 
5  arborisado;  demora  ao  poente  da  villa  e 

n'elle  se  faz  o  mercado  das  bestas, 
j    A  S.O.  d  este  largo  ha  um  grande  vivei- 
ro de  planiai,  pertencentes  ás  obras  publi- 
cas e  destinadas  para  asborisação  das  es- 
tradas. 

Largo  da  Misericórdia. 

E'  irregular,  mas  bastante  espaçoso,  e 
demora  também  no  bairro  velho,  lado  N. 
juuto  da  egreja  da  Misericórdia.  N'elle  se 
erguem  também  do  lado  0.  o  convento  e  a 
egreja  das  Almas. 

Foi  recentemente  arborisado. 

Edifícios 

Além  dos  mencionados  supra,  menciona- 
remos mais  dois:— o  do  dr.  Francisco  d'Al- 
buquerque  Couto,  na  rua  da  Calçada,  que 
liga  o  bairro  velho  cora  o  bairro  novo, — e  o 
palacete  do  conselheiro  Francisco  d'Alraei- 
da  Cardoso  de  Albuquerque,  na  estrada  de 
Gouveia,  em  continuação  da  Rua  Nova. 

E'  o  2."  edifício  particular  da  villa;— tem 
uma  grande  cerca  ou  antes  quinta, — e  tan- 
to o  palacete  como  a  quinta  estão  arrenda- 
dos pelo  governo  e  n'elie3  montada  a  5.* 
região  agronómica,— estabelecimento  muito 
importante,  dirigido  pelo  dislincto  agróno- 
mo JoaquimPedro  de  Freitas  Castel  Branco. 

V.  Vallezim,  tomo  10.»  pag.  156,  col.  2.» 
—8  Zêzere,  rio  da  Beira  Baixa,  tomo  11.» 
pag.  2203,  col.  2.»  também  e  segg. 
'    Este  ultimo  palacete  foi  dos  Guiões,  que 


2276  ZUR 


ZUR 


de  Mangualde  passaram  para  Lisboa,  onde 
exerceram  altos  cargos  na  magistratura. 

E'  um  bom  ediflcio,  mas  supp!anta-o  com- 
pletamente—e  a  todos  os  d'esia  villa  e  d'es- 
te  coneeltio  e  d'esta  província  o 

Palacio  dos  Paes 

Para  evitarmos  repetições,  vejam  se  os 
artigos  Mangnalde,  torao  5.»  pag.  50,  col.  2  », 
— e  Vtlla  Real  de  Traz  os  Montes,  tomo  11.° 
pag.  1029,  co!.  1.»  e  2.» 

Demora  no  bairro  velho,  lado  sul,  e  tem 
4  fachadas,  todas  diíferentes,  olhando  a 
principal  para  O. 

E'  uma  montanha  de  granito  com  exeel- 
lentes  abobadas  e  paredes  d'extraordinaria 
espessural . . . 

A  mobília  e  a  livraria  não  jcorrespondem 
ao  palácio,  mas  tem  quadros  a  oleo  de  bas- 
tante merecimento. 

A  Capella  esiá  no  angulo  O.  N.  0.;--é  bem 
construída  e  tem  um  bom  retábulo  pintada 
a  oleo,  representando  o  padroeiro — S.  Ber- 
nardo.^ 

O  palácio  tem  muitas  dependências  boas, 
avultando  entre  ellas  a  tulha,  que  toma 
grande  parte  da  fachada  sul. 

A  K.,  E.  e  S.  do  palácio  está  a  quinta  ou 
cerca.  Tem  bons  tanques  para  agua,  mas 
e8la  per  vezes  escaceia  no  verão. 

Os  Jardins  e  as  estufas  teem  pouca  im- 
portância actualmente;  é  porem  notável  uma 
grande  magnólia  que  está  no  centro  do  jar- 
dim do  sul. 


A  quinta  é  de  pouca  produeção;  a  matta 
é  grande  e  boa,  mas  comprehende  apenas 
especie.s  vulgares.'  No  centro  d'ella  ha  uma 
miniatura  e  parodia  de  convento,  com  difife- 
rentes  figuras  da  monges,  que  se  movem 


^  E'  rauiio  superior  e  custou  talvez  o 
quadrupla  {V. ...)  ri  capella  do  palácio  de 
Matheus,  ou  dos  condes  de  Villa  Real. 

*  Ha  também  junto  da  villa  uma  bella 
matta  de  carvalhos,  que  foi  de  José  Hygino, 
de  Gouveia,  mencionado  supra. 


I  aulhomatieamente  por  meio  de  um  enge- 

j  nhoso  machinismo. 

Também  na  matta  se  vê  um  obelisco  ou 
memoria  com  differentes  inscripções  em 
honra  de  D.  João  VI,  da  família  real  portu- 
gueza,  da  religião  caiholica  e  da  restaura- 
ção de  1640. 

N'este  palácio  se  hospedou  o  general  Mas- 
sena  em  1810,  quando  avançava  sobre  Lis- 
boa e  (caso  extraordinário)  respeitou  o  pa- 
lácio e  todas  as  suas  dependências. 

Também  n'ell8  se  hospedaram  el-rei  o  sr. 
D.  Luiz,  a  rainha  sr.»  D.  Maria  Pia,  hoje  viu- 
va, o  príncipe  D.  Carlos,  hoje  rei,  e  seu  irmão 
o  infante  D.  Affonso,  nos  dias  1  a  4  d'agt)S- 
to  de  1882,  quando  foram  inaugurar  solem- 
nemente  a  linha  férrea  da  Beira  Alta,  já  en- 
tão aberta  ao  tranzito. 

I  Templos 

A  Villa  e  a*  fr^  guezia  de  Mangualde  teem 
nada  menos  de  29  templos. 
São  os  seguintes: 
l.*—Egreja  matriz. 

Está  hoje  completamente  isolada  a  N.  do 
bairro  velho  e  distante  d'elle  cerca  de  500 
metros. 

E'  um  dos  melhores  templos  do  concelho 
e  muito  antiga!  Não  sabemos  quando  nem 
por  quem  foi  feita,  mas  suppomos  que  data 
do  sec.  XVI  e  que  foi  mandada  fízer  pelos 
Cabraes,  condes  de  Belmonte,  quando  eram 
i  senhores  d'esta  villa  e  d'este  concelho  de 
I  Mangualde,  pois  na  egreja  se  vê  ainda  hoje 
o  brazão  d'elies, — igual  ao  que  se  vê  na 
quinta  de  S.  Cosmado,  que  foi  d'elle3  lam- 
bem. Deve  pois  a  egreja  ser  anterior  a  1580, 
data  em  que  perderam  o  mencionado  se- 
nhorio, por  se  recusarem  a  beijar  a  mão  a 
Filippe  II  de  Hespanha  e  1  de  Portugal.' 

O  isolamento  da  egreja  prova  queella  foi 
anterior  á  villa  e  íizeram-na  ali  talvez  por 
ser  aquelle  ponto  muito  central  com  rela- 
ção á  freguezia  e  povoado  in  illo  tempore, 
ou  quando  se  ki  a  velha  matriz,  substitui- 


'  V.  Mangualde,  loc.  cit.  pag.  32,  col.  1.* 


ZUR 


ZUR  2277 


da  pela  actual,  que  devia  ser  tauito  ante- 
rior a  ella  e  muito  mais  humilde,  ~  talvez 
uma  edieola  ou  ecdesiola,  erecta  no  rnesmo 
local  em  tempos  de  que  não  ha  memoria. 

E'  dedicada  a  S.  Julião  e  tem  7  altares: 
— o  mór  com  o  sacrário  e  a  imagem  do  pa- 
droeiro;—mais  3  do  lado  do  evangelho  :  — 
Santos  Reis,  Senhor  Crucificado  e  Menino 
JesuSf—e  3  do  lado  da  epistola: — Santo  An- 
tonio,  Senhora  do  Rosario  e  Senhora  da 
(iraça. 

Até  1S80  foi  abbadia;— depois  que  passou 
para  a  corôa,  âeou  sendo  vigairaria— e  vi- 
gário se  intitula  ainda  hoje  o  seu  rev.  pa- 
rocho. 

Também  foi  commenda  da  ordem  de 
Christo  e  commenda  importante,  pois  em 
1708  rendia  700^000  réis,  que  equivaliam  a 
mais  de  dois  contos  de  réis  da  moeda  actual. 

Em  1747  o  vigário  tinha  de  côngrua,  dada 
pelo  coramendador,  apenas  40^^000  réi>%  8 
almudes  de  vinho  e  4  alqueires  de  trigo, 
além  do  pé  d'altar.  Tinha  também  um  coad- 
jutor, que  recebia  da  commenda  40  alquei- 
res de  trigo  e  6í!S00  réis  em  dinheiro. 

O  templo  é  bastante  espaçoso,  mas  já  não 
corresponde  á  grande  população  da  viíla  e 
da  freguezia.  Está  bem  tratado  e  ainda  bem 
conservado.  A  frontaria  olha  para  o  poente 
e  tem  um  pórtico  e  uma  janella  superior 
ogivaes,  cora  as  esquinas  boleadas;— do  lado 
sul  tem  uma  porta  travessa,  ogi vai  lambem, 
com  um  alpendre  e  cachorros,  tudo  archai- 
co;  as  outras  portas  são  rectangulares,  —  e 
na  esquina  da  frente,  lado  sul,  tem  um  cam- 
panário com  2  sinos. 

Das  suas  decorações  interiores  nada  po- 
demos dizer,  porque  duas  vezes  em  um  do- 
mingo a  visitámos,  encontrando  a  semi)re 
fechada,— em  outubro  de  1882. 

Tem  um  bom  adro,  que  ainda  revela  a 
opulência  d'outr'ora.  Teve  também  uma  boa 
residência,  muito  antiga,  que  abateu  e  des- 
appareceu  no  meiado  d'este  século,  por  des- 
leixo do  vigário  Antonio  de  Mello  Cabral. 
Deus  lhe  perdoei. . . 

Também  tinha  um  bom  passal  a  norte  e 
sul  da  egreja  a  ainda  hoje  pertence  aos  pa- 


)  roehos  a  parte  sul,  ou  o  passal  de  cima;  a 
parte  norte,  ou  passal  de  baixo,  foi  alienada 
e  incorporada  na  quinta  da  egreja,  perten- 
cente á  sr.»  D.  Leonor  Margarida  de  Carva- 
lho. 

Ao  nascente  da  egreja  estão  a  qidnta  de 
S.  Christovam,  hoje  do  sr.  Manoel  Felix, — 
e  a  residência  actual  do  rev.  arcipreste  e 
parocho— Manoel  Marques  Monteiro,  coUa- 
do  em  1888  e  natural  de  Abrunhosa  do 
Matto,  d'este  concelho.  Pertence  à  familia 
Roques  e  é  um  parocho  muito  digno,  muito 
illustrado,  muito  bondoso  e  geralmente  bem 
quisto. 


2.°— Templo  e  santuário  de  Nossa  Senho- 
ra do  Castello. 

Para  evitarmos  repetições,  veja-se  o  art. 
Mangualde.  Apenas  accrescentaremos  o  se- 
guinte: 

As  romarias  são  duas :  —  uma  a  25  de 
março;  outra  a  8  de  setembro,  sendo  esta 
muito  mais  concorrida. 

Também  no  dia  3  de  maio,  era  cumpri- 
mento d'aulig08  VGíos,  ali  costumavam  ir  as 
camarás  de  Viseu  e  de  Penalva  do  Castello, 
incorporadas  com  os  seus  estandartes  e 
muito  povo, — e  clamores  das  13  freguezias 
seguintes:  —  Mangualde,  Cunha  Baixa,  Cu- 
nha Alta,  Senhorim,  Piodo,  Espinho,  Antas 
de  Penalva,  Castello  de  Penalva,  Quintella, 
Mesquilella,  S.  Thiago  de  Cassurrães,  Insua 
e  Freixiosa. 

Tudo  isto  formava  uma  romaria  imponen- 
te, porque  os  diíttos  clamores  deviam  ser 
acompanhados  pelos  respectivos  parochos  e 
por  uma  pessoa  de  cada  familia  das  13  pa- 
rochias,  mas  a  camará  de  Viseu  ha  muito 
que  não  concorre;^  a  de  Penalva  do  Castel- 
lo apenas  se  faz  representar  por  um  ou  ou- 
tro vereador — e  os  diíferentes  clamores 
actualmente,  posto  que  são  os  mesmos  13, 
são  acompanhados  apenas  por  alguns  devo- 
tos. 


1  V.  Viseu,  tomo  li.»  pag.  1722,  eol.  2.* 
I  in  fíne,~o  Cramol. 


22  78  ZUR 


ZUR 


Tout  fut,  tout  passei . . . 

Í?elo  que  se  deduz  do  Sant.  Marian.  tomo 
5.»  pag.  161-163,  o  templo  actual  é  pelo 
menos  o  3,»— e  a  imagem  da  Senhora  é  de 
pedra  e  a  mesma  que  já  existia  no  anoo  de 
1716. 

O  templo  actual  foi  construído  em  1819  a 
1837  e  ainda  n'esta  data  (1889)  vive  era  La- 
mego o  mestre  que  dirigiu  grande  parte  da 
construeção. 

Chama-S9  Manoel  Domingos:  tem  mais  de 
70  annos  de  idade  —  e  uma  fortuaa  de  cem 
contos  de  réis,  talvez?! — 

E'  casado  e  natural  do  Minho,  exeellente 
pessoa  e  grande  artista,  muito  conhecido  na 
Beira  pela  antonomásia  de  Mestre  dos  Re 
médios,  pois  desde  a  infância  tem  sido  o 
mestre  das  obras  do  esplendido  santuário 
de  Nossa  Senhora  dos  Remédios,  de  Lame- 
go, que  é  o  2.o  do  nosso  paiz.  Tomou  a  seu 
cargo  as  dietas  obras,  sendo  ainda  novo, 
porque  succedeu  ao  pae,  que  foi  muitos  an- 
nos mestre  d'ellas  também.^ 


Ali  tem  ganhado  muito  dinheiro  e  cons- 
truído ebras  importantes,  entre  ellas  o  es- 
paçoso adro,  dois  chafarises  lindíssimos  e 
ultimamente  as  duas  torres  do  templo,  que 
são,  depois  da  dos  Clérigos  do  Porto,  as 
mais  ornamentadas  e  mais  lindas  que  lemos 
em  todo  o  nosso  paiz,  talvez?! . . .  E  note-se 
que  sãi  de  granito,  a  pedra  do  norte,  que 
não  se  presta  a  ornamentação  como  o  eal- 
careo  do  sal.^ 


1  isto  nos  leva  a  crer  que  as  obras  do 
santuário  da  Senhora  do  Castello  foram  aca 
badas  pelo  mestre  Manoel  Domingos,  mas 
prlaeipiadâs  pelo  pae  d'elle,  como  outras 
muitas  do  santuário  dos  Remédios. 

2  Do  passagem  diremos  que  a  Sé  de  La- 
mego tem  3  pórticos  de  granito  em  alto  re- 
levo, que  são  os  pórticos  de  granito  mais  or- 
namentados que  ha  em  Portugal! . . . 

V.  Lamego  n'este  diceionario  e  no  sup- 
plemento. 

O  palácio  da  Rolsa  no  Porto  tem  na  sua 
escadaria  interior  preciosa  ornamentação 
em  granito,  que  é  um  primor  d'arte  de  es- 


I  Tem  ganhado  muito  dinheiro  nas  obras 
i  d'aquelle  santuário  e  mais  ainda  á  sombra 
i  d'ellas,  porque  são  primorosíssimas  e  lhe 
\  deram  renome. 

O  Mestre  dos  Remédios  foi  sempre  consi- 
derado o  1.0  d' esta  província  e  por  isso  con- 
vidado para  as  construcções  mais  importan- 
tes. E  jamais  alguém  se  arrependeu,  porque 
ó  honradisâimoe  caprichou  sempre  em  cum- 
prir o  que  tractou,  embora  perdesse. 
Tem  só  um  filho,  ainda  solteiro. 
A  leste  do  santuário  de  Nossa  Senhora  do 
Castello  pompeou  um  Castello  antiquíssimo, 
talvez  romano,  do  qual  tomou  o  nome  o 
santuário,— e  na  p4anieie  do  lado  O.  existiu 
uma  cidade  romana  também,  que  ali  jaseu 
ignorada  e  soterrada  até  agosto  do  corrente 
anno. 

Veja-se  o  tópico  infra — Citania  de  Man- 
gualde. 


^."—Egreja  da  Misericórdia,  junto  do  lar- 
go do  seu  nome,  a  N.  do  bairro  velho  supra. 

E'  um  templo  regular  e  muito  decente, 
com  3  altares;— o  môr,e  dois  lateraes,  lodos 
1  decorados  com  ^boa  talha  dourada,  -—  bem 
!  como  o  púlpito  e  sanefas.  Tem  um  liodo  co- 
ro sobre  o  guarda -vento,— um  pequeno  ór- 
gão—e  bons  azulejos  estampados,  revestindo 
até  meia  altura  as  paredes  do  corpo  da  egre- 
ja  e  da  capella  roór. 

O  tecto  da  egreja  é  abaulado  e  bem  pin- 
tado a  oleo  com  vários  desenhos  da  ornato 
e  de  figuras,  tendo  a  imagem  da  Virgem  ao 
centro.  O  tecto  da  capella  mór  é  apáiuelado 
e  tem  15  boas  telas  romanas  muito  visto- 
sas, representando  mysierios  do  Redemptor 
6  da  Virgem.  Note-se  porem  que  as  dilas 
I  pinturas,  contra  o  estylo  usado  nos  tectos 
I  dos  nossos  templos,  são  em  tela,  não  em 
I 

I   

í 

I 

j  mero  inexcedivel,  mas  note-se  que  é  toda 
'  moderna  e  quasi  toda  em  baixo  relevo,~eín 
i  quanto  que  os  3  pórticos  supra  são  em  alto 
\  relevo  e  antiquissimosl . . . 


ZUii 


ZUR  2279 


madeira,  pelo  que  algumas  se  acham  em 
parte  deseolladas  e  mal  tractadas,  mas  feliz- 
mente ainda  não  restauradas,  ou  estragadas 
pelos  resiauradore-!,  posto  que  já  aqui  tem 
estado  o  sr.  Antonio  José  Pereira,  pintor  de 
Viseu,  que  restaurou  e  estragou  em  ^Viseu 
algumas  das  preciosas  pinturas  altribuidas 
ao  Grão  VascoA  São  obra  do  sr.  Antonio 
José  Pereira  2  quadros  que  estão  no  san  ^ 
tuario  da  Senhora  do  Castello  e  um  n'esta 
egreja  da  Misericórdia,  ao  ládo  direito  do 
altar-mòr,  representando  a  Visitação. 

Foi  este  templo  todo  ou  quasi  todo  man- 
dado fazer  por  Simão  Paes  do  Amaral,  se- 
nhor do  palácio  dos  Paes,  como*provam  as 
inseripções  seguintes.  Uma  está  sobre  a 
porta  principal  e  diz: 

Simão  Paes  de  Amaral, 
•  mandou  fa- 

zer esta  miseri- 
CÓRDIA. Anno  1724. 

Na  outra  foi  um  pouéo  mais  modesto. 
Encontra-se  na  parede  lateral  da  capella- 
mór,  do  ládo  da  epístola,  em  um  escudo  en- 
cimado por  uma  águia,  e  diz: 

Simão  Pabs  do  Amaral 
Fidalgo  de  El-Rei,  mandou 

FAZER  a'  sua  custa  ESTA  CA- 
pella mór,  e  a  dotou,  e  fez 
a  maior  parte  das  despe- 
sas desta  igreja. 
Anno  de  1724. 

Na  parede  do  lado  opposto  vé-se  outro 
escudo  com  as  arrifas  do  benemérito  fi- 
dalgo. 

Tem  uma  torre  com  2  sinos  e  relógio,  e 
d'ella  se  gosam  largas  vistas  sobre  a  villa  e 
arrabaldes  até  grande  distancia,  vendo-se 
perfeitamente  a  leste  o  santuário  de  Nossa 
Senhora  do  Castello. 


1  V.  Viseu,  tomo  11.°  pag.  1845,  col.  1,», 
-^1851,  col.  1.»  também,  —  1861,  col.  i.«  e 
2.*,— 1862,  col.  1.',— 1876  e  1877. 


Do  lado  O.  tem  um  pequeno  jardim  euma 
bella  escadaria  que  dá  entrada  para  o  côro, 
sala  do  despacho^  ete. 

A  irmandade  da  Misericórdia,  representan- 
te d'este  templo,  é  pobre.  Apenas  tem  13  al4 
contos  em  dinheiro  mutuado,  eomtudo  ain- 
da faz  bastantes  despezas  com  as  festas  da 
Semana  Santa  e  com  as  de  S.  Simão,  S. 
Martinho,  S.  João  e  S.  Bartholomeu  na  sua 
egreja— e  com  a  de  8  de  dezembro  na  egre- 
ja das  Almas. 

Também  dá  bastantes  esmolas,  mas  não 
tem  hospital,  pelo  que  no  momento  e  por 
iniciativa  da  camará  uma  grande  commis- 
são,  formada  de  cavalheiros  respeitabilissi- 
mos,  tracta  de  promover  a  fundação  de  um 
hospital  n'esta  villa  e  que  tão  necessário  é, 
porque  os  pobres,  quando  doentes,  teem 
de  demandar  o  hospii»!  de  Viseu,  que  dis- 
ta de  Mangualde  18  kilometros?l . .  • 


í."— Egreja  das  Almas. 

Demora  ao  poente  do  largo  da  Misericór- 
dia, junto  do  convento,  e  ambos  os  ediQcios 
estão  em  ruinas,  posto  que  a  egreja  ainda 
se  acha  aberta  ao  culto. 

O  convento,  segundo  consta,  foi  mandado 
fazer  pela  familia  Paes  com  dinheiro  de  um 
abbade  de  Roriz  (?)  posterior  mente  á  Mise- 
ricórdia, mas,  por  causa  de  certas  desintel- 
ligencias  entre  os  Paes  e  o  abbade,  não  se 
concluiu  o  convento  nem  chegou  a  ser  ha- 
bitado. 

5* — Senhora  da  Conceição; 

6.  " — Senhora  da  Encarnação; 

7.  "— Senhora  da  Visitação; 

8.  " — Senhora  da  Assumpção. 

Estas  4  capellãs  demoram  nas  escadas  da 
Senhora  do  Castello. 

9.  " — Senhora  do  Campo,  em  Almeidinha. 

10.  "» — Santo  André,  na  povoação  d'e8te 
nome. 

11.  "*— S.  Salvador,  em  Canedo  do  Chão. 

12.  » — Santo  Antonio,  na  aldeia  de  Roda. 

13.  » — Santo  Antonio  dos  Cabaços,  na  ser- 
ra de  Santo  Antonio,  que  tomou  o  come  da 
dieta  Capella. 

14.  ° — S.  Pedro,  na  antiquíssima  aldeia  de 
S.  Cosmado. 


â280  ZUR 


ZUR 


— S.  Domingos,  em  Ansada. 
16."— S.  Silvestre  e  Santa  Eufemia,  em 
Pinheiro  de  Baixo. 

Santa  Lusia,  em  Cae.s  de  Baixo. 
i8.° — Santo  Amaro,  em  Caes  de  Cima. 

Santa  Martha,  em  Cubos. 
Estas  15  eapellas  são  publicas  e  em  qua- 
si  todas  se  festejam  ancualmente  os  seu.s 
t)ragos. 

20.  ° — Senhora  do  Desterro,  na  casa  da  ca- 
mará. 

21.  °— S.  Bernardo,  no  grande  palácio  da 
-Anadia. 

22.  » —  em  Almeidinha, 

na  casa  dos  viscondes  d'este  litulo. 

23.  °—  em  Caes  de  Ci- 
ma, na  casa  da  8r.*i).  Maria  Máxima. 

Santa  íiila,  na  aldeia  de  Santo  An- 
dré e  pertencente  ao  sr.  dr.  Couto. 

25  ° —  na  povoação  de 

Darei,  pertencetite  aos  Nápoles  do  Sarzedo 
e  com  as  armas  d'elleí'. 

Esííaa  ulliaias  6  eapellas  são  parlieula- 
res. 

27.  ° — Um  oratório  era  Darei,  na  casa  dos 
Lemoa  do  Sarzedo. 

28.  °  Outro  oratório  na  casa  da  sr.*  D. 
Leonor  Margarida  de  Carvalho. 

29.  ° — Outro  oratório  era  Mangualde,  na 
■casa  do  dr.  Couio. 

A  freguezia 

Tem  uma  area  muito  espaçosa  a  fregue- 
zia de  Mangualde.  Gomprehende  cerca  de  24 
kilometros  em  quadro,  ou  de  circurnferen- 
cia,  e  as  al  Jeias  seguintes;— Cubos,  Caes  de 
Baixo,  Caes  de  Cima,  Pinheiro  de  Baixo, 
Pinheiro  de  Cima,  S.  Cosmado,  S.  Cosmadi- 
nho,  Ansada,  Roda,  Canedo  do  Chão,  Cane- 
do do  Matto,  Darei,  Oliveira,  Paços,  Santo 
André, — e  as  quimas  de  Lodares,  Rio  Dão,  ! 
Albergaria,  Cova!,  (]erca,  Senhora  do  Cas-  j 
tello.  Moita,  Ribi  irinho,  Regada,  Corrcdou- 
Ta  oa  Gueiredoura,  Morgado  e  Píc//íoI— se- 
gundo se  lé  na  tihorographia  Moderna. 

Também  ha  n'ella  alguns  moinhos  de  pão 
e  de  azeitona,  mas  a  maior  parte  do  pão, 


j  que  se  gasta  n'e8ta  parochia,  é  moido  no 
,  Mondego,— e  parte  do  seu  azeite  é  fabricado 
I  nas  parochias  circunivisinhas. 

A  aldeia  de  Canedo  do  Chão  demora  a  N. 
de  Mangualde;  ali  viveu  a  nobre  família 
Paes,  antes  de  fazer  o  grande  palácio  na  vil- 
ia— e  na  dieta  aldeia  aioda  possue  uom  boa 
quinta  e  uraa  casa  com  o  seu  brasão  d'ar- 
mas. 

Também  consta  que  foi  d'elle8  a  capella 
de  S.  Salvador,  mencionada  supra,  hoje  do 
povo  e  cora  festa  no  dia  de  Natal. 

Os  Paes  viveram  na  mencionada  quinta 
até  08  princípios  u'e8te  século. 

Na  povoação  de  Oliveira  (ou  Oliveirinha) 
ha  uma  casa  importante  da  familia  Mello 
Cabral,  e  d^ella  descende  o  sr.  dr.  Bernar- 
do de  Mello  Cabral,  juiz  de  direito  em  Mon- 
te Mór-o-Velho. 

Em  Darei  ha  outra  casa  importante,  mui- 
to amiga  e  muito  nobre,  pertencente  ao  sr. 
José  de  Lemos  de  Nápoles  Manoel,  do  Sar- 
zedo, juDlo  de  Muitoenta  da  Beira,  —  e  em 
freme  da  dieta  casa  se  vé  uma  capella  com 
as  armas  da  família. 

Pelos  annos  de  18iO,  vivendo  n'esta  casa 
Francisco  Ferreira,  lio  do  sr.  José  de  Nápo- 
les, n'elia  se  praticou  descaradamente  um 
dos  roubos  mais  importantes  e  mais  auda- 
ciosos de  que  ha  memoria  n'est,a  província.^ 
]}felle  tomaram  parte  differ entes  auclonda- 
des  civis  e  militares  e  pessoas  muito  conhe- 
cidas n'aquelle  tempo,  algumas  das  quaes 
ainda  hoje  tirem?! . . . 

Assaltaram  a  casa  ao  som  de  cornetas, 
pouco  depois  de  escurecer;  —  dirigindo-se 
ao  dono  d'ella,  que  estava  doente  e  na  cama, 
exigiram  lhes  déâse  t»do  o  quepossuia  — 
sob  pena  de  morte — e  o  fidalgo  tudo  lhes  en- 
tregou. 

Foi  um  roubo  importantíssimo  em  dinhei- 


1  O  mais  importante  e  mais  audacioso  tal- 
vez toi  o  da  quinta  do  Ferro,  junto  de  Tran- 
coso, oa  freguezia  de  Rio  de  Mel,  praticado 
poucos  annos  ames. 

V.  Rio  de  Mel  n'eí<te  diecionario  eno  sup- 
plemeuio,— e  Villar  Torpim,  tomo  11.»,  pag. 
1287,  col.  2.« 


ZUR 

ro,  pratas,  jóias,  colchas  da  índia  e  de  da  ; 
masco,  roupas  brancas  e  de  côr,  el6.  etc.  E  [ 
o  descaramento  dos  laes  communistas  ehe- ! 
gou  a  ponto  de  u«arera  e  mostrarem  diffe 
rentes  jóias  e  pratas  com  armas  da  casa  de. 
Darei— e  um  d'elles  leve  a  imprudência  de 
mostrar  ao  próprio  fidalgo  um  relógio  d'ou- 
ro  que  lhe  havia  roubado?!...* 

Na  Beira  e  n'este  dislricto  hoje  ha  bas- 
tante segurança,  mas  em  tempos  não  muito 
remotos  praticaram- se  grandes  excessos!... 

V.  Viseu,  tópico  Segurança  publica,  tomo  j 
II.»,  pag.  1782,  col.  í."  e  segg. 


A  S.  E.  de  Mangualde  e  a  2  kil.  de  dis- 
tancia, pouco  mais  ou  menos,  está  a  povoa- 
ção de  Atmeidinha ,  solar  do  visconde  d'esie 
titulo  e  solar  importante,  pois  ccmprehende 
em  volta  d'aquella  povoação  muitas  pro- 
priedades e  a  quinta  da  Albergaria,  distante 
de  Mangualde  apenas  ^  kilometro,  muiio 
abundante  dVxcelluriie  agua  potável  e  de 
rega,  pelo  que  recentemente  o  sr.  visconde 
vendeu  por  um  conto  de  réis  à  camará  de 
Mangualde  bons  mananciaes  da  dita  agua, 
que  hoje  abastece  a  villa,  depois  de  ser  en- 
canada pela  camará . —  Honra  lhes  seja! . . . 

Está  junto  de  Almeidinha  um  sitio  cha- 
mado Valle  d' Almeida  que,  segundo  consta 
foi  outr'ora  povoado  -  e  povoação  mais  im- 
portante do  que  Almeidinha. 

Também  consta  que  do  Valle  d' Almeida 
decenderam  e  provieram  os  Almeidas  —  e 
que  a  famiiia  do  sr.  visconde  à'Almeidinha 


i  Em  fevereiro  de  1870  assallarara  tam- 
bém a  casa  de  Antonio  Saraiva,  em  Algo- 
dres, concelho  visinho  de  Mangualde,  ca- 
sa muito  endinheirada,  mas  o  povo  amoti- 
nou-se,  tocou  os  sinos  a  rebate  e  fez  fogo 
sobre  os  taes  communistas.  pelo  que  bate- 
ram em  retirada,  ficando  alguns  d'elles  fe- 
ridos e  um  mono. 

Os  chefes  e  sub-chefes  ainda  vivem  e  são 
muito  conhecidos  na  localidade,  mas  soube- 
ram defender-se  e  apenas  foram  para  a 
Africa  alguns  dos  salteadores  mais  po' 
bres?í... 


ZUR  2281 

é  uma  das  mais  nobres  e  a  mais  antigas  de 
Mangualde. 

Na  quinta  da  Albergaria  e  na  povoação 
i'Almeidinha  nasce  o  rio  de  Cubos,  que 
passa  entre  a  povoação  d'este  nome  e  a  fre- 
guezia  de  Mesquitella,~bAiih&  depois  a  fre- 
guezia  de  Espinho— e,  caminhando  sempre 
de  N.E.  a  S.O.,  desagua  na  margem  direita 
do  Mondego,  junto  de  Senhorim,  tendo  15 
kilometros  de  curso,  talvez. 


A  S.O.  de  Mangualde  está  a  povoação  de 
Cubos,  onde  loca  a  linha  da  Beira  e  ficou  a 
estação  de  Mangualde,  a  mais  importante  da 
mencionada  linha,  depois  da  estação  termi- 
nus  da  Figueira. 

Eí-tão  a  S.O.  de  Mangualde  também  a& 
aldeias  de  Caes  de  Cima  e  Caes  de  Baixo. 
Na  1.'  tem  uma  grande  casa  e  uma  boa 
quinta  a  sr.  D.  Maria  Máxima  Hometo  de 
Abranches  Brandão,  viuva, — e  confina  por 
este  lado  a  freguezia  de  Mangualde  com  a 
de  Espinho. 

Ao  poente  de  Mangualde  ficam  também 
as  povoações  e  quintas  de  S.  Cosmado,  S. 
Cosmadinho,  Ansada,  Pinheiro  de  Baixo  e 
Pinheiro  de  Cima  ou  Pinheirinho, — e  a  no- 
roeste Roda. 

Ao  poente  confina  a  freguezia  de  Man- 
gualde com  a  de  Moimenta  do  Dão  ou  dos 
Frades;  a  N  O.  com  a  freguezia  de  Fornos 
de  Moreira  do  Dão.  Limitam  por  este  lado  a 
freguezia  de  Mangualde  a  serra  e  capellade 
Santo  Antonio  dos  Cabaços,  onde  a  13  de 
junho  ha  festa  e  romagem,  multo  concorri- 
das e  abriihant^as  pelos  pastores  e  lavra- 
dores circumvisinhos,  pois  costumam  levar 
ali,  como  em  parada  agricol a,  vbuhos  boise 
rebanhos  de  gado  lanígero  com  ioda  a  louça 
e  muito  enfeitados  com  fitas  e  fliores.* 


1  Na  Beira,  quando  os  rebanhos  de  gado 
levam  lodos  os  chocalhos  e  campainhas  de 
j  que  os  seus  donos  podem  dispor,  diz-se  que 
I  levam  toda  a  louça. 


2282  ZUR 

Cemitério  parochial 


Tem  esta  freguezia  um  bom  cemitetio 
deDominado  cemitério  novo. 

Foi  construido  no  meado  d'esle  í-ecuio  e 
demora  a  S.  0.  da  matriz,  distando  d'eiia 
apenas  200  metros  talvez;  dista  porém  mais 
de  cinco  kilometrvs  d'algumas  casas  d'esia 
freguezia. 

Avulta  n'elle  um  raauzoleu  pertencente  á 
sr*  D.  LeoDor  Margarida  de  Carvalho  Fon- 
seca, e  no  dito  mauzoleu  jaz  o  distincto  lis- 
bonense oriuQdo  da  Beira  e  que  á  Beira 
prestou  relevantes  serviços —  Alberto  Oso- 
rio de  Vasconceltos, — do  qual  adiante  falla- 
remos. 

O  cemitério  vcZfto  demorava  junto  da  egre- 
j  a  das  Almas.  Foi  substiluido,  por  ser  mui- 
to pequeno  e  estar  muito  próximo  da  villa. 

Movimento  parochial  em  íS88 

Baptisados   158 

Casamentos   27 

Óbitos..   100 

Do  exposto  se  vê  que  a  cifra  dos  nasci- 
mentos foi  muito  superior  á  dos  óbitos — e 
que  a  população  d'esta  freguezia  augmenta 
sensivelmente. 

Concelho  de  Mangualde,  sua  população 
e  pobreza 

Este  concelho  confina  a  E.  com  os  de  For- 
nos d'Algodres  e  Penalva  do  Castello;  a  O. 
com  os  de  Nellas  e  Viseujia  N.  com  os  rios 
Dão  e  Real  e  com  os  concelhos  de  Viseu  e 
Penalva;  a  S.  com  o  Mondego  e  alem  Mon- 
dego com  o  concelho  de  Gouveia. 

Comprehende  as  mesmas  18  fregueiias 
indicadas  pelo  meu  antecessor,  mas  o  censo 
de  1864  deu-lhes  4:442  fogos  e  19:483  ha- 
bitantes; o  de  1878  deu-lhes  4846  fogos  e 
21478  habitantes— e  hoje  as  18  freguezias 
devem  ter  aproximadamente  3:400  fogos  e 
25:000  habitantes. 

E'  muito  saudável,  bastante  fértil,  bem 


ZUR 

agricultado  e  está  bem  servido  de  estradas 
a  maeadam  e  d'ouiro3  meio?»  de  communi- 
cação,  mas  ó  muito  pobre  pelas  rasões  se- 
guintes: 

1«— Porque  3  a  4  ea^a»,  principiando 
pela  dos  condes  de  Anadia,  que  é  absoluta- 
mente a  maior  de  todas,  absorvera  sem  í^xa- 
geração  a  terça  parte  d'ellfí!~e  outrn  terça 
é  de  40  a  50  proprietários, — ficando  apenas 
uma  terça  parte  para  o  resto  dos  seus  ha- 
bitantes, que  são  aproximadamente  §5:000, 
a  maior  parte  dos  quaes  vive  au  jour  le 
jowr,  exclusivamente  do  í<eu  trabalho  como 
jornaleiros^  pojs  n'es,te  concelho  não  ha  ou- 
tra industria  altm  da  agrícola  e  da  algum 
commercio  na  villa. 

Tendo  grandes  mananciaes  d'agua  no  Dão 
e  no  Mondego,  é  para  lamentar  que  até  hoje 
ali  não  montassem  fabricas  de  lanificios,  de 
^  papel  ou  de  fiação  e  tecidos  d'algodão,  ha- 
!  vendo  tantas  fabricas  nos  concelhos  visinhos, 
nomeadamente  nos  de  Geia  e  Gouveia 

2.  "— Porque  ha  n'este  concelho  de  Man- 
gualde muitas  terra»  foreiras  e  muitos  pro- 
prietários emphyteutas,  que  pagara  pesados 
foros,  laudemios  e  pensões. 

3.  » — Porque  muitos  dos  grandes  proprie- 
tários e  senhorios  directos,  —  principiando 
pelo  conde  de  Anadia  e  irmãos, — vivem  lon- 
ge d'egte  concelho  e  fóra  d'elle  gastam  as 
suas  rendas,  não  despendendo  cora  elle  um 
eeitil,~em  quanto  que,  se  vivessem  n'este 
concelho,  n'el!e  fariam  girar  muito  dinheiro, 
beneficiando  e  melhorando  as  suas  proprie- 
dades e  provendo  á  sua  luxuosa  sustenta- 
ção, etc. 

A  ausência  dos  grandes  proprietários  é 
uma  das  causas  principaes  da  pobresa  do 
concelho.  Se  vivessem  n^elle,  elle  prospe- 
raria, como  prosperou  a  villa  de  Mangual- 
de, emquanto  n'ella  viveu  a  opulenta  famí- 
lia Paes.  Que  sommas  não  custaram  só  o 
grande  palácio,  o  santuário  da  Senhora  do 
Castello,  a  egreja  da  Misericórdia  e  o  con- 
cewío?— Tudo  isto  e  muito  mais  se  deve  a 
tão  opulenta  familia,  em  quanto  aqui  viveu; 
—depois  que  se  ausentou,  a  villa  não  lhe 
deve  melhoramentos  alguns,  podendo  de- 
ver-lhe  tantos  outros  de  que  necessita. 

O  mesmo  palácio,  que  foi  o  1."  fóco  da  vi- 


ZUR 

da  de  Mangualde,  hoje  parece  uma  necro- 
pole\- . 
Tristis  estl . . . 

4."— Porque  n'e3te  concelho  ha  muito  di- 
nheiro mutuado,  —  cerca  de  300  contos  de 


*  O  mesmo  suecede  ao  grande  palácio  da 
Brejoeira,  no  Minho,  e  suceedeu  ao  palácio 
do  Freixo^  no  Porto,  que  rivalisava  cora  o 
de  Mangualde  e  com  os  da  Brejoeira  e  de 
Matheus. 

V.  Freixo  (quinta  do)— tomo  3.°  pag. 
233,  col.  1.", — e  Zurara  de  Villa  do  Conde, 
in  fine.  Desculpem  o  não  citarmos  as  pagi- 
nas, pois  n'este  momento  ainda  está  no 
prélo  aquelle  artigo. 


ZUR  2283 

reisl  Uma  grande  parte  da  propriedade  está 
hypothecada  e  é  devorada  pela  usura. 

5.* — Porque  as  diversas  contribuições 
que  paga  ao  estado  montam  aproximada- 
mente a  20  contos  de  réis  por  anno. 

Total —uma  miséria  que  horrorisa  e  ex- 
plica a  emigração  constante  em  grande  es- 
cala, principalmente  para  o  Brazil,  compre- 
hendendo  famílias  míí/ras:— homens,  mu- 
lheres e  ereanças. 

Como  prova  de  que  duas  terças  partes 
d'e8te  concelho  pertencem  a  um  restricto 
numero  de  proprietários  e  de  que  muitos 
d'estes  vivem  distantes,  veja-se  a  nota  se- 
guinte: 


m 

\B~ 

<o 
■a 
•  u 

3  => 

1 

3 

4 
5 
6 
7 
8 

9 
10 

11 

lã 

13 
14 
15 
16 
17 
18 
19 
20 
21 
22 
23 
24 
25 
26 
27 
28 
29 
30 
31 
32 
33 
34 
35 
36 
37 
38 
39 
40 
41 
42 
43 
44 
45 
46 
47 
48 
49 
50 


t  ZUR  ZUR 

lelação  dos  50  maiores  proprietários  do  concelho  de  Mangual 
no  anno  de  1889  e  collectas  da  contribuição  predial 


Nomes 


Residências 


Mangualde  e  Lisboa. 


Fornos  de  Maceira  Dão  

^Imeidinha  de  Mang.  e  Aveiro. 

Tibalde  e  Brazil  

Coimbra  

Paços  da  Serra,  Gouveia  


Cafts  de  Cima  de  Mangualde — 
Pinheiro  de  Cima  de  Mangualde 


Conde  de  Anadia  eirmão8  Lisboa  e  Londres. 

D.  Leonor  Margarida  de  (Carvalho  e  vis- 
conde da  Torre  de  Moncorvo  

Herdeiros  de  Manoel  Cardoso  Faria  Pinto 

e  Miguel  de  Queiroz  Pinto  

Vi&conde  de  Aimeidinba  e  filhos  

Lourí:inço  do  Couto  e  Sousa  e  irmãos  — 
Dr.  Julio  Cesar  Sande  Sacadura  Bote.... 

Antonio  Cabral  Soares  

D.Maria  Máxima  Homem  de  Abranches 
Brandão,  viuva  de  Jeronymo  do  Couto 
Antonio  Paes  d'Alraeida  e  tia  D.  Delfina. . 
D.  Maria  láabel  de  Moraes  Pinto  e  her. 

de  José  Moraes  Pinto  

José  de  Almeida  Cardoso  de  Albuquerque 
Viuva  8  filhos  de  João  do<  Santos. .... 

José  de  Lemos  de  Nápoles  Manuel  

João  Cabral  Albergaria  Alhaide  e  irmã. . 

Herdeiros  de  José  Hygino  Cabral  

Viuva  e  filho  de  A.  dp.  Pádua  Olivt-ira 

D.  Anna  Pae.«t  d'Almeida  e  filho  

Manuel  Coelho  de  Albuquerque  e  irmão. 

Herdeiros  de  Bernardo  Madeira  

Demente,  João  da  Costa  Bulhões  

Francisco  Marques  Correia  e  filhos  

Jo,'é  Diogo  de  Pina  Cabral  e  filho  

Alexandre  do  Amaral  Abreu  Meneze.s. ... 
Herdeiros  de  Manuel  Paes  de  Carvalho. . 

Albino  Paes  da  Cunha  

D.  Maria  Augu-la  da  Silva  Rozado  

Dr.  F.  d'Albuquerque  Couto  e  irmãos. . . 

Dr.  Jeronymo  do  Couto  e  Sousa  

Bernardo  Rodriguí^s  do  Amaral  e  filhos.. 
Viuva  e  filhos  de  Bernando  de  Almeida.. 

.Toáo  da  Fonseca  « • 

Manuel  d'Almeida  Delirão  de  Seabra  

Herdeiros  d«  Joaquim  Basilio  

D.  Maria  .losó  d'A  Brito  da  Cosia  Faro 

Jo?é  Pereira  e  filhos  

José  Maria  d'Abrru  Albuquerque  Júnior. 

Antonio  Marlios  d'Almeida  Andrade  

Conselh.  Francisco  d'A.  C.  Albuquerque. 

João  Bernardo  d'Alraeida  e  filhos  

Barão  de  Nelias  

Manuoel  Paes  de  Almeida.  

Dr.  Joaquim  Paes  da  Cunha  

Herdeiros  de  Beolo  Antonio  Gonçalves... 
Herdeiros  de  Nicolau  P.  Mendonça  Falcão 

Antonio  Lopes  da  Cunha  

Dr».  João  Baptista  de  Castro  

Herdeiros  de  Manuel  d'Alm8ida 

Maria  Paes  

José  Ribeiro  Paes  Torres  

Antonio  Ribeiro  e  filhos  


Nellas  

Mesquilella  

Caes  de  Baixo  de  Mangualde. . 
Sarzt^do,  Moimenta  da  Beira.. 
Guimarães,  Chans  de  Tavares.. 

Lisboa  6  Di)Uro  

Quiuti  lla  d'Azurara  

Abrunho.«a  Velha  

Moimenta  do  Dão  e  Viseu  

Cannes  de  Senhorim  

Casal  Sandiuho^  Alcafache  

T.igilile,  Fornos  de  Maceira  Dão 

(iasaes  de  S.  João  da  Fresta  

Villa  Mendo  de  Abrunhosa  Velha 

Mesquitella  

Cunha  Baixa  

Ntllas  

Mangualde  

Viseu  

Outeiro  do  Espinho,  Espinho. . . 

Cubos  de  Mangualde  

Canedo  do  Chão,  Mangualde. .,. 

Casíurvães    

Concelho  de  Anadia  

Lobelhe  do  Matto  

Contensas  de  Baixo,  Cassurrães. 
Villa  Mendo  de  Abrunhosa  Velha 

Fundões  de  Cassurrães  

Lisboa  

Pinheiro  de  Cima  de  Mangualde 

Nellas  

Canedo  do  Chão,  Mangualde. . . 

Santar,  Nellas  

Mangualde  

Viseu  e  Villa  Real  

Pinheiro  de  Tavares.  

Mangualde  

Mesquilella  

Tibaldinho,  Alcafache  

Quinta  de  S.  Cosmado  

Roda,  Mangualde  


ZUR 


ZUR  2285 


Estes  SO  proprietários  representam  dois 
terços— OM  mais  —  de  todo  o  concelho  de 
Mangualde  —  e  20  d'elles  vivem  em  terras 
estranhas,  principiando  pelo  conde  de  Ana- 
dia e  irmãos:— viscondes  d' Alverca  e  d'Al- 
ferrarede,  que  são  os  maiores  proprietá- 
rios.' Pôde  pois  dizer- se  que  metade  das 
rendas  do  concelho  são  consumidas  fôra 
d'elle  e,  deduzindo  as  contribuições  do  es- 
tado, que  vão  para  Lisboa,  no  concelho  ape- 
nas ficará  um  terço  do  seu  rendimento  pa- 
ra os  seus  25:000  habitantes. 

Horresco  referensl ... 

Templos 

As  3  melhores  egrejas  d'este  concelho  são 
a  matriz  de  Mangualde,  a  de  Cassurões  e  a 
de  Alcafache. 


1  Alem  dos  muitos  bens  que  possuem  em 
diíferentes  pontos  do  nosso  paiz,  só  n'este 
concelho  as  suas  propriedades  valera  não 
menos  de  trezentos  contos  de  réis,  sendo  a 
maior  parte  do  conde  de  Anadia,  Manoel 
Paes,  primogénito,  que  vive  em  Londres, 
como  addido  á  nossa  embaixada.  O  irmão 
2.°  José  de  Sá  Paes,  visconde  d' Alverca. — e 
o  irmão  mais  novo  Carlos,  visconde  d'Alfer- 
rarede,  vivem  em  Lisboa.  Este  ultimo  casou 
com  uma  senhora  da  familia  Barros  Lima 
e  tem  a  sua  casa  principal  em  Abrantes.  Os 
outros  dois  irmãos  ainda  estão  solteiros. 

A  casa  principal  do  visconde  d'Alverea  è 
a  grande  quinta  da  Várzea,  junto  de  Coim- 
bra. 

A  mãe,  ultima  condessa  de  Anadia,  —  D. 
Anna  Julianoa  Maria  de  Moraes  Sarmento, 
— filha  do  1."  barão  e  1."  visconde  da  Torre 
de  Moncorvo,  e  viuva  do  3."  conde  da  Ana- 
dia José  Maria  de  Sá  Pereira  e  Menezes  Paes 
do  Amaral,  perdeu  o  titulo  por  haver  casa- 
do sem  licença  regia  em  segundas  núpcias, 
a  15  de  fevereiro  de  1879,  com  o  dr.  Joa- 
quim Augusto  Ponces  de  Carvalho,  ou  Joa- 
quim de  Carvalho  Ponce  de  Leão. 

V.  Anadia,  Alferrarede,  e  Alverca  na  Re- 
senha das  famílias  titulares  de  Albano  da 
Silveira,  continuada  pelo  sr.  visconde  de 
Sanches  de  Baéna. 

Veja-se  também  o  tópico  infra:  —  Condes 
de  Anadia. 

VOLUMK  XI 


Os  abbades  de  Cassurães  foram  muito 
considerados.  Entre  outros  privilégios  ti- 
nham e  teera  o  de  não  serem  obrigados  a 
ir  á  procissão  do  Corpo  de  Deus,  que  an- 
nualmente  a  camará  faz  na  villa  de  Man- 
gualde e  a  que  são  obrigados  a  assistir  to- 
dos os  parochos  do  concelho. 

Instrucção  publica 
e  pessoas  notáveis  pelas  letras 

Ha  nas  18  freguezias  d'este  concelho  17 
cadeiras  publicas  de  instrucção  primaria 
elementar  para  o  sexo  masculino  e  7  para  o 
sexo  feminino,— -mais  uma  complementar  na 
villa,  para  o  sexo  masculino,  mas  mal  mon- 
tada, pois  não  tem  casa  própria.  Até  hoje 
tem  funecionado  {credite  posteri)  na  casinha 
dos  novos  paços  do  concelho?! . . . 

E'  urgente  acabar  com  semelhante  vergo- 
nha e  dotar  a  villa  com  um  bom  edificio 
próprio  para  as  aulas  dos  dois  sexos.i 

Desde  tempos  muito  remotos  Mangualde 
teve  uma  cadeira  regia  de  latim,  mas  foi 
supprimida  no  meiado  d'este  século  e  re- 
sentiu-se  muito  a  instrucção  publica  da  vil- 
la e  do  concelho,  porque  representava  um 
preparatório  importante  e  facilitava  o  in- 
gresso nos  cursos  superiores. 

A  suppressão  da  dieta  cadeira  foi  muito 
nociva  á  instrucção  publica  d'este  concelho. 

Actualmente,  p.  ex.  nenhum  filho  d'este 


1  N'este  ponto  {e  em  outros)  a  villa  de 
Taboaço  envergonha  e  supplanta  todas  as 
villas  d'este  districto,  pois  tem  uma  aula 
complementar  muito  bem  montada  era  um 
esplendido  edificio  próprio,  com  uma  bi- 
bliolheea  de  5:000  volumes. — tudo  á  custa 
da  opulenta  e  benemérita  familia  Macedos 
Pintos. 

Dotaram  também  a  villa  com  um  theatro, 
uma  caixa  de  soccorros,  uma  companhia 
edificadora,  etc— e  a  elles  se  deve  também 
a  formosa  estrada  a  macadam  de  Viseu  á 
foz  do  Távora  por  Taboaço  —  e  a  ponte  so- 
bre o  Douro  ná  testa  da  dieta  estrada,  li- 
gando-a  com  a  linha  férrea  do  Douro,  etc, 
etc. 

V.  Miragaya,  Sendim,  Taboaço  e  Vicente 
(S.)  sitio,  vol.  11,"  pag.  516,  col.  2.» 

144 


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ZUR 


concelho  frequenta  os  cursos  superiores, 
exceptuando  2  alam  nos  da  escola  do  exer- 
cito. Também  frequentam  a  Universidade  4 
estudantes — 3  um  a  escola  medico-cirurgi- 
ca  do  Porto,  —  residindo  as  suas  famílias 
n'este  concelho,  mas  sendo  filhos  de  conce- 
lhos estranhos.  O  mesmo  se  nota  ha  muito, 
mas  não  succedia  isto  em  outro  tempo,  an- 
tes da  suppressão  da  dieta  cadeira. 

Pelo  contrario  esta  villa  e  este  concelho 
produziram  muitoa  bacharéis  formados  em 
differentes  faculdades,  pelo  meiado  d'este 
século. 

Oecorrem-nos  os  seguintes: 


Dr.  Antonio  Augusto  Cabral,  advogado 
dlstinetissimo,  principalmente  no  crime, 

— Dr.  José  Ferreira  d' Albuquerque  e  Cas- 
tro, distincto  advogado  no  eivei. 

— Dr.  Bernardo  d' Albuquerque  Silva  e 
Amaral,  ornamento  da  nossa  magistratura  e 
juiz  de  direito  em  Celorico  da  Beira  actual- 
mente. 

— Dr.  Bernardo  de  Mello  Cabral^  actual- 
mente juiz  de  direito  em  Monte  Mer  o  Ve- 
lho. 

— Dr.  Miguel  Antonio  Gonçalves,  advoga- 
do distinctissimo. 

— Dr.  Francisco  d' Albuquerque  Couto. 

Exerceu  differentes  cargos  públicos  e 
advogou  muitos  annos  também. 

— Dr.  Manuel  Bibeiro  Paes  Torres. 

Foi  também  advogado  n'esca  villa  muitos 
annos. 

— Dr.  Bernardo  d' Albuquerque  e  Amaral. 

E'  um  dos  lentes  mais  distinctos  da  Uni- 
versidade de  Coimbra  e  tem  sido  deputado 
ás  cortes  em  muitas  legislaturas,  etc. 

—  Dr.  Francisco  d' Almeida  Cardoso  d' Al- 
buquerque, irmão  do  antecedente. 

E'  director  geral  das  contribuições  dire- 
ctas, deputado  às  cortes  e  a  1.*  influencia 
eleitoral  d'este  concelho,  ele. 

— Dr.  Jeronymo  do  Couto  e  Sousa. 

E'  actualmente  juiz  do  tribunal  adminis- 
trativo em  Visfiu. 

Dr.  José  Cabral  Pinto. 

E'  actualmente  juiz  de  direito  era  Olivei- 
ra do  Hospital. 


Dr.  Antonio  d' Albuquerque  Couto  e  Brito. 

Foi  muitos  annos  advogado  em  Viseu. 

— Dr.  Gaspar  de  Menezes  e  Athayde. 

E'  juiz  de  direito  no  Ultramar. 

Todos  os  advogados  e  magistrados  supra 
foram  quasi  contemporâneos,  bera  como  os 
seguintes: 

. — Dr.  Antonio  Homem  de  Vaseoncellos, 
distincto  medico  actual  do  Lazareto. 

— Dr.  João  Pedro  de  Vasconcellos,  irmão 
do  antecedente. 

Foi  advogado  n'esta  villa  muitos  annos. 

~Dr.  José  Bernardino  d'Abreu  Gouveia, 
e  seu  irmão 

— Dr.  Frederico  d' Abreu  Gouveia,  empre- 
gado no  ministério  do  reino. 

Note-se  porém  que  estes  últimos  4,  posto 
que  viviam  n'esta  villa,  quando  se  forma- 
ram, não  são  fllhos  d'ella. 

Foram  pois  muito  brilhantes  para  este 
concelho  de  Mangualde  e  para  a  instrueção 
o  2.»  e  3.»  quartéis  d'este  século. 

Também  anteriormente  este  concelho  pro 
duziu  alguns  homens  notáveis  pelas  leltras, 
avultando  entre  elles  o  seguinte: 

Gomes  Eannas  d'Azurara 

Suppoz-se  durante  muito  tempo  que  o 
suceessor  de  Fernão  Lopes  era  natural  da 
villa  do  seu  appellido,  junto  de  Villa  do 
Conde,  mas  já  no  ultimo  século  este  ponto 
era  duvidoso  e  tanto,  que  o  padre  Luiz  Car- 
doso no  seu  Diccionar  io  Geographico,  dedi- 
cando um  artigo  esplendido  á  dieta  villa  de 
Azurara  e  mencionando  muitas  pessoas  no- 
táveis que  ella  produziu  desde  os  tempos 
mais  remotos,  não  mencionou  Gomes  Eannes, 
— 6  hoje  parece  averiguado  que  o  grande 
chronista  era  de  Azurara  da  Beira.^ 

Foi  tão  distincto  nas  letíras,  que  mereceu 


1  V.  Diccion.  bibl.  tomos  S.»  e  9.°  —  e  o 
interessante  artigo  do  sr.  dr.  A.  da  C.  Viei- 
ra de  Meirelles,  publicado  no  Instituto  de 
Coimbra,  vol.  9.°,  pag.  72  e  107. 

Não  podemos  dispor  do  tempo  nem  do 
espaço  precisos  para  traetarmos  tão  melin- 
drosa questão. 


ZUR 

a  honra  de  ser  nomeado  successor  de  Fer- 
não Lopes  nos  altos  cargos  de  chronista  mór 
do  reino  e  gmrda-môr  da  Torre  do  Tombo 
por  nomeação  de  6  d'abril  de  1434. 

Continuou  a  ehroniea  d'el-rei  D.  João  I, 
comprehendendo  a  tomada  de  Ceuta. 

Escreveu  também  as  chronicas  de  D.  Pe- 
dro de  Menezes,  gbvernador  de  Ceuta,  e  de 
D.  Duarte  de  Menezes,  governador  de  Alcá- 
cer, e  para  isso  foi  pessoalmente  á  Africa, 
levando  instantes  recommendações  d'el-rei 
D.  Affonso  V,  muito  honrosas  para  o  grande 
historiador. 

A  sua  ehroniea  mais  importante  é  segu- 
ramente a  do-descobrimento  e  conquista  de 
Guiné,  a  qual  sb  julgou  completamente  per- 
dida, mas  foi  descoberta  por  Ferdinand  De- 
niz  na  bibliotheca  nacional  de  França  e  pela 
primeira  vez  impressa  e  publicada  em  Pa- 
ris, no  anno  de  1841,  por  diligencias  do  vis- 
conde da  Carreira. 

Sabe-se  que  Azurara  foi  também  desem- 
bargador do  eivei  e  que  ainda  vivia  era  1483, 
mas  ignora-se  a  data  precisa  do  seu  nasci- 
mento e  falleeimento,  ete. 

Senhores  de  Zurara  da  Beira 

Este  concelho  teve  diíTerentes  senhorios 
particulares  desde  os  tempos  mais  remo- 
tos, taes  foram  os  seguintes: 

1.  ° — O  conde  D.  Fernando. 

Foi  um  dos  confirmantes  na  doação  que 
D.  AfTonso  Henriques  fez  do  couto  de  Ma- 
ceiradão  no  anno  de  1173. 

V.  Podesíades  em  Viterbo. 

No  foral  de  Zurara  do  anno  i  102,  dado 
pelo  conde  D.  Henrique,  um  dos  confirman- 
tes foi  também  o  conde  D.  Fernando,  mas 
talvez  não  fosse  o  mesmo  conde,  porque 
n'esse  caso  devia  ser  muito  novo  em  1102 — 
e  muito  velho  em  1173.  Elie  foi  também  se- 
nhor de  Viseu  no  anno  de  li73,  masno  an- 
no de  1183  já  era  senhor  de  Viseu  Pedro 
Rodrigues,  o  que  prova  ter  falleeido  o  tàl 
Mathusalem  D.  Fernando. 

Viterbo,  loc.  cit. 

2.  » — Pedro  Fernandes,  rieo- homem  no 
tempo  de  D.  Affonso  Henriques,  pelos  an- 
nos  de  1183. 


ZUR  2287 

Era  talvez  filho  do  tal  conde  D.  Fernando, 
pois  Fernandes  é  patronomico  de  Fernando. 

V.  Maladia  II  em  Viterbo. 

Mais  tarde  foram  senhores  de  Azurara  da 
Beira,  os  Cahraes,  depois  condes  e  senhores 
de  Belmonte. 

O  1.»  d'e3tâ  família,  que  teve  o  senhorio 
de  Azurara,  foi  Alvaro  Gonçalves  Cabral, 
então  Vassallo  d'el"rei  D.  João  I  e  alcaide- 
mór  do  castello  da  Guarda,  ete. 

D.  João  I  lhe  fez  a  dieta  doação  por  car- 
tas de  27  de  março,  15  d'abril  e  21  d'agosto 
de  1422,— doação  que  el-rei  D.  Affonso  V 
confirmou  a  Fernão  Alvares  Cabral  em  1449 
e  se  conservou  na  dieta  família  até  1380, 
como  já  dissemos  supra. 

Foram  também  senhores  de  Valhelhas, 
Manteigas,  Moimenta  (?)  e  do  julgado  de  Fi- 
gueiredo. 

I  Tiveram  casa  e  residência,  pelo  menos 
i  temporária,  na  quinta  de  S.  Cosmado,  fre- 
guezia  de  Mangualde,  pois  ainda  lá  se  vé 
uma  casa  muito  velha  com  o  seu  brasão 
d'armas,  igual  ao  da  egreja  matriz,  pelo  que 
alguém  suppòe  quo  é  filho  d'este  concelho  e 
nasceu  na  dieta  casa  o  celebre  descobridor 
do  Brazil—Pídro  Álvares  Cabral. 

O  dicto  casarão  ainda  hoje  pertence  aos 
condes  de  Belmonte. 

Famílias  mais  nobres  e  mais  antigas 
d'este  concelho 

I  Alguém  dá  o  1.*  logar  aos  Cabraes  de 
Belmonte,  referindo-se  ao  tempo  em  que 
viviam  na  dieta  casa  de  S.  Cornado. 

A  2.'  é  talvez  a  de  Almeidinha,  hoje  re- 
presentada pelo  visconde  d'csle  titulo. 

A  3."  é  talvez  a  de  Cassurrães,  hoje  re- 
presentada pelo  sr.  Lucas  de  Seabra,  da  fa- 
mília de  José  de  Seabra,  ministro  de  D.  Ma- 
ria 1. 

São  também  muito  nobres  e  muito  anti- 
gas a  de  Guimarães  de  Tavares,  hoje  repre- 
sentada pelo  sr.  Antonio  Cabral,  de  Paços 
da  Serra,— e  a  de  Darei,  hoje  representada 
pelo  sr.  José  de  Nápoles,  do  Sàrzedo. 

Todas  estas  casas  são  mais  antigas  do  que 
a  dos  Paes,  posto  que  já  conta  longa  serie 
d'aYÓ3  com  brasão  d'armas,  subindo  de  pon- 


2288 


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to  a  sua  Dobresa  pela  alliança  com  a  famí- 
lia Sás,  de  Anadia,  graade  quinta  que  de- 
mora na  margem  esquerda  do  Mondego,  en- 
tre a  quinta  das  Lagrimas  e  a  das  Can- 
ms,  junto  de  Coimbra. 

Também  hoje  é  a  família  mais  opulenta 
de  Mangualde,  mas  ainda  nos  prineipios  d'es- 
te  século  eram  talvez  mais  opulentas  as  de 
Cassurrães  e  Âlmeidinha,  sendo  esta  ultima 
então  representada  por  Simeao  de  Amaral 
Osorio,  fidalgo  da  casa  real  e  capitão-mór 
d'este  concelho, — pae  do  1."  barão  d'Almei- 
dinha— José  Osorio  de  Amaral  Sarmento  e 
Vaseoncellos,  par  do  reino,  fidalgo  da  casa 
real  e  valfiíte  coronel  de  cavall-iria  n.»  8, 
condecorado  com  a  medalha  n.°  2  das  cam- 
panhas de  guerra  da  península  e  com  a  da 
batalha  de  Victoria,  ete.  etc. 

Nasceu  em  25  de  julho  de  1786  e  morreu 
em  21  de  janeiro  de  1844. 

Pessoas  notáveis,  mas  estranhas 

Se  podessemos  haver  á  mão  os  annaes 
d'este  município  {nunca  se  escreveraml)e  as 
genealogias  das  suas  casas  nobres,  por  cer- 
to encontraríamos  grande  numero  de  filhos 
d'est6  concelho  notáveis  pela  sua  virtude^ 
pelas  armas  e  pelas  lettras,  mas  tem  sido 
principalmente  íllustrado  por  pessoas  estra- 
nhas, que  o  adoptaram  como  pátria  sua, 
n-'elle  viveram  e  alguns  falleeeram,  taes  fo- 
ram D.  Jeronymo  Osorio,  bispo  de  Silves, 
que  foi  abbada  em  Chãs  de  Tavares,  n'este 
concelho, — Jacintho  Freire  d'Andrade,  que 
occupou  a  mesma  egreja, — o  1."  e  2."  conde 
da  Anadia — e  Alberto  Osorio  de  Vaseoncel- 
los, distincto  parlamentar  e  distincto  escri- 
ptor  publico,  etc.  Seja-nos  licito  pois  dar 
uma  ligeira  noticia  de  tão  beneméritos  ci- 
dadãos. 

D.  Jeronymo  Osorio 

Nasceu  no  anno  de  1506  em  Lisboa,  onde 
viviam  seus  paes,  posto  que  eram  filhos  da 
Beira. 

Foi  seu  pae  João  Osorio  da  Fonseca  —  e 
não  João  do  Souro,  como  disseram  João  de 
Barros  e  o  sr.  Latino  Coelho;— foi  sua  mãe 
Francisca  Gil  de  Gouveia— e  tanto  o  pae  co- 


mo a  mãe  pertenciam  a  duas  nobres  famí- 
lias da  Beira,  que  tiveram  jurisconsultos 
eminentes. 

Seu  avô  materno— A/fowso  Gil  de  Gouveia 
— foi  ouvidor  das  terras  do  infante  D.  Fer- 
nando, pae  d'el-reí  D.  Manoel;  seu  pae  João 
Osorio  da  Fonseca  foi  o  celebre  ouvidor  ge- 
ral que  acompanhou  Vasco  da  Gama  na 
3.»  e  ultima  viagem  á  índia  e  que  o  susten- 
tou com  tanta  energia  contra  D.  Duarte  de 
Menezes,  que  de  certo  não  lhe  entregava  o 
governo  da  índia,  se  não  fosse  o  ouvidor  ge- 
ral. Foi  um  drama  interessantíssimo,  que 
não  podemos  aqui  desenvolver. 

Quando  o  licenciado  João  Osorio  da  Fon- 
seca partiu  para  a  índia  como  ouvidor  ge- 
ral, deixou  na  metrópole  sua  mulher  e  filhos, 
sendo  primogénito  o  futuro  bispo  de  Silves 
e,  se  o  chefe  da  família  prestava  tão  rele- 
vantes serviços  na  índia,  sua  esposa  não  os 
prestava  menores  na  pátria,  dirigindo  a 
educação  de  seus  filhos,  principalmente  a 
do  mais  velho. 


A  historia  diz  que  o  ouvidor  João  Osorio 
da  Fonseca  era  pobre  quando  foi  para  a 
índia  e  pobre  quando  voltou,  mas  sua  es- 
posa teve  meios  para  educar  prímorosa- 
!  mente  os  filhos,  dando-lhes  por  mestres  os 
!  homens  mais  eminentes  do  seu  tempo.  An- 
I  dré  de  Rezende  e  Jeronymo  Cardoso  foram 
mestres  e  amigos  do  futuro  D.  Jeronymo 
Osorio,  que  desde  os  10  annos  mostrou  uma 
viveza  de  engenho  extraordinária.  Aos  13 
annos  seus  mestres  deram-no  como  habili- 
tado no  latim,  íncitando-o  a  proseguir  nos 
estudos  em  Salamanca,  para  onde  foi  de  tão 
tenra  idade. 

Em  Salamanca  ainda  continuou  a  estudar 
latim  e  dedícou-se  também  á  língua  grega 
durante  dois  ou  mais  annos.  Depois  voltou 
á  pátria,  onde  encontrou  seu  pae,  tendo  re- 
gressado da  Índia,  onde  estava  era  1524,— 
e  este  o  fez  voltar  para  Salamanca,  a  fim  de 
estudar  direito  civil  ou  cesáreo,  para  conti- 
nuar as  tradições  da  família  materna  e  pa- 
terna, mas  D.  Jeronymo  preferiu  a  carreira 
militar  e  professou  na  ordem  de  Malta;  vol- 
tou porem  de  novo  a  Salamanca  e  ali  por 


ZUR 

obediência  estudou  effeelivamente  o  direito, 
proseguindo  também  com  o  estudo  dos  his- 
toriadores gregos  e  latinos— e  fazendo  des- 
de então  voto  de  castidade. 


Fallecendo  o  pae,  veiu  a  Portugal;  mas 
com  pequena  demora,  pois  em  1S25,  con- 
tando apenas  19  annos,  foi  para  Paris  es- 
tudar dialéctica  óu  philosophia,  tornando- 
se  peritissimo  n'este  ramo  de  seiencia. 

Em  Paris  conheceu  Santo  Ignacio  de 
Loyola  e  os  seus  companheiros,  privando 
com  alguns  d'elles,  especialmente  com  o 
padre  Fabre,  mas  nunca  pertenceu  á  com- 
panhia de  Jesus,  como  se  vô  das  suas  obras 
e  dos  actos  mais  importantes  da  sua  vida, 
especialmente  da  celebre  Carta  em  que  cen- 
surou a  poderosa  Companhia,  attribuindo- 
Ihe  a  desgraça  de  D.  Sebastião. 
^  A  dieta'Caría|póde  ver-se  nas  Obras  iné- 
ditas de  D.  Hieronimo^Osorio^'^ubÍ\cà^^ 
por  Antonio  Loureaço  Caminha  em  1819. 

E'  um  pampleto  aspessimo  contra  o  jesuí- 
ta padre  Luiz  Gonçalves  da  Camara,  con- 
fessor e  director  de  D.  Sebastião,  e  contra 
Martim  Gonçalves  da  Camara,  irmão  do  di- 
cto  padre  e  valido  do  mesmo  rei. 

Custa  a  crer  que  D.  Jeronymo  Osorio, 
sendo  tão  illustrado  e  tão  prudente,  escre- 
vesse tal  pampleto  (desculpem  o  gallicismo); 
—não  nos  consta  porém  que  até  hoje  fosse 
impugnado. 

V.  D.  Jeronymo  Osorio  no  Diccion.  Bibi. 
de  Innocencio,  tomos  3.°  e  10.» 

De  Paris  voltou  a  Portugal,  para  traetar 
de  negócios  seus,  mas  tal  era  o  desejo  de 
saber,  que  pouco  se  demorou  e  partiu  para 
Bolonha,  onde  estudou  "  theologia^^é  Tíngua 
hebraica. 

Foi  ali  que  se  encontrou  com  D.  Miguel 
da  Silva,  ligando-se  ambos  por  estreita  ami- 
sade.^ 


*  V.  Viseu  no  supplemento  a  este  diccio- 
nario,  onde  daremos  a  locga  e  muito  inte- 
ressante biographia  d'este  celebre  cardeal  e 


ZUR  2289 

Esiiveram  ambos  em  Venesa,  onde  traba- 
lharam na  restauração  de  Plinio  e  tanto  se 
distinguiram,  que  foram  elogiados  pelos 
maiores  sábios  da  época. 

Tinha  30  annos,  quando  em  Bolonha  pu- 
blicou o  celebre  tratado  De  Nobilitate  civili 
et  Christiana,  que  dedicou  ao  infante  D. 
Luiz,  a  quem  era  muito  affeiçoado.  É  uma 
das  obras  mais  notáveis  d'aquella  época  e 
ainda  hoje  muito  interessante  e  muito  di- 
gna de  ler-se. 

Era  já  então  a  sua  seiencia  tão  relevante 
que  D.  João  III  o  mandou  chamar  de  Bolo- 
nha para  ensinar  escriptura  em  Coimbra, 
para  onde  acabava  de  transferir  a  Universi- 
dade. 

Ali  explicou  o  livro  de  Isaias  e  a  Episto- 
la de  S.  Paulo  aos  Romanos,  mas  não  quiz 
demorar-se  em  Coimbra. 

Por  este  tempo  escreveu  o  tratado  De 
Gloria,  obra  de  Cicero,  que  se  havia  desen- 
caminhado, pelo  que  imitou  o  estylo  do 
grande  orador  romano  a  ponto  de  illudir 
os  mais  competentes?! . . . 
I  Depois,  em  contraposição  ao  tratado  De 
I  Republica,  de  Cicero,  escreveu  o  celebre 
tratado  De  Régis  Institutione  e,  para  substi- 
tuir a  falia  do  tractado  De  Consollatione, 
paraphraseou  o  livro  de  Job. 

Em  recompensa  a  tantos  serviços  e  ga- 
lardão de  tanto  mérito,  foram-lhe  dadas  as 
egrejas  de  Chans  de  Tavares  e  de  Travan- 
ca n'e8te  concelho  de  Mangualde,  mas  não 
poude  ir  logo  paro  chiai  as,  por  ser  nomea- 
do também  secretario  do  infante  D.  Luiz  e 
mestre  de  D.  Antonio,  depois  prior  do  Cra- 
to, que  tantos  desgostos  lhe  deu  e  que  tão 
infeliz  foil... 

Escreveu  também  por  esse  tempo  as  obras 
De  Jmtitia  e  De  Vera  Sapientia,  que  mais 


bispo  de  Viseu,  etc.  ete. —  bem  como  a  bio- 
graphia de  D.  Julio  Francisco  d'01iveira, 
outro  prelado  visiense  muito  notável  tam- 
bém. Deram-nos  trabalho  insano;  mas  não 
as  publicámos  no  texto,  por  serem  muito 
longasl . . . 


2290 


ZUR 


augraentar^m  ainda  o  seu  renome  como  ía- 
tinista,  como  sábio  e  como  jurisconsulto 
emineEtte. 


Foi  muito  estimado  por  D.  João  III,  por 
D.  Catliarina  e  pelo  cardeal  D.  Henrique. 

Apesar  das  instancias  da  corte,  por  mor- 
te do  infante  D.  Luiz  foi  D.  Jeronymo  em 
1553  parochiar  as  suas  egrejas  de  Travanca 
e  Chans  de  Tavares,  onde  esteve  5  annos  fa- 
zendo  profundos  estudos,  por  ser  o  local  j 
muito  solitário  e  triste.  | 

Custa  a  crer  como  não  morreu  de  nostal-  j 
gia  n'aquelle  deserto  e  o  supportou  5  an- 
nos,  estando  habituado  a  viver  em  Lisboa  e  | 
nas  primeiras  cidades  do  mundo. 

D'aquella  Thebaida  o  fez  sair  o  cardeal 
D.  Henrique,  nomeando-o  arcediago  d'E- 
vora. 

Tomou  posse  a  30  de  maio  de  1560  e  foi 
então  que  escreveu  a  celebre  carta  à  rainha 
Isabel  da  Inglaterra,  chamando -a  ao  catho- 
licisrao,  e  respondeu  a  outra  celebre  carta 
de  Walter  Hadden,  entrando  na  questão  o 
grande  Bacon. 

Era  então  muito  respeitado  e  considerado 
no  paiz  e  fora  d'elle  e  por  isso  apenas  o  dei- 
xaram 4  annos  em  Évora. 

Foi  eompellido  a  acceitar  a  mitra  de  Sil- 
ves, ou  do  Algarve,  em  156i.  Já  então] estava 
transferida  a  séde  para  Faro,  mas  só  elle  te- 
ve força  para  realisar  a  transferencia  em 
1577,  arrostando  com  o  despeito  dos  habi- 
tantes de  Silves. 

Foi  ali  prelado  cerca  de  17  annos  e  pres- 
tou valiosos  serviços  á  instrucção  e  reli- 
gião. Estabeleceu  varias  escolas  de  latim, 
moral  e  theologia  e  cora  ellas  gastou  a  maior 
parte  dos  seus  rendimentos.  Também  prati- 
cou muitas  obras  de  caridade  e  beneíicen- 
eia. 

Era  accessivel  a  todos,  mas  ao  mesmo  tem- 
po severo,  talvez  em  excesso,  na  manuten- 
ção da  disciplina  e  jurisdreção  ecclesias- 
ticas. 


Assistiu  ás  cortes  de  20  de  janeiro  de 
1568  e  depois  à  coroação  do  cardeal  D.  Hen- 


ZUR 

rique  em  28  d'agosto  de  1578,  posto  que  só 
ia  á  corto  muito  violentado.  O  cardeal  D. 
Henrique  instou  para  que  elle  fosse  um  dos 
directores  de  D.  Sebastião,  mas  terminan- 
temente se  recusou,  dizendo  que  não  podia 
deixar  o  governo  do  seu  bispado. 

O  que  elle  não  queria--era  viver  em  Lis- 
boa e  aturar  as  intrigas  da  corte,  que  nem 
mesmo  no  Algarve  o  deixavam  em  paz.  Até 
do  Algarve  quiz  fugir  para  Roma,  —  não 
para  obter  a  transferencia  da  séde  do  seu 
bispado,  como  alguém  diz,  mas  por  motivos 
mais  graves,  que  proraette  revelar  um  meu 
amigo  na  biographia  completa  de  D.  Jero- 
nymo Osorio,  biographia  que  está  escreven- 
do e  na  qual  promette  desfazer  também  ou- 
tros erros  biographicos  com  relação  ao  mes- 
mo bispo. 

Posto  que  se  recusou  a  ser  director  de  D. 
Sebastião,  durante  a  menoridade  d^elle  es- 
creveu o  celebre  tractado— Régis  Insti- 
íutione  et  Disciplina— mmdona.éíÒ  supra.  É 
um  dialogo  no  convento  dos  Jeronymos  en- 
tre elle  e  três  individuas  dos  mais  dislinetos 
da  época  e  foi  propositadamente  escripta 
esta  obra  para  servir  uâ  educação  do  prín- 
cipe. 

E'  a  refutação  da  Republica  de  Cicero. 
Na  tremenda  lucta  entre  o  cardeal  D . 
I  Henrique  e  sua  cunhada  D.  Catharina,  lu- 
I  cta  de  que  o  nosso  biographado  evidente- 
I  mente  queria  afastar-se,  teve  de  intervir^ 
escrevendo  uma  interessantíssima  carta  á 
avó  de  D.  Sebastião,  fazendo  que  não  saísse 
do  reino,  como  ella  pretendia,  i 

No  reinado  de  D.  Sebastião  varias  vezes 
fez  ouvir  a  sua  auetorisada  voz  em  díffereií- 
tes  cartas,  ora  censurando  a  direcção  que 
davam  ao  joven  rei  e  aos  negócios  do  esta- 
do, ora  aconselhando  a  D.  Sebastião  quft 
casasse  e  depois  de  ter  successão,  em  oc- 
easião  opportuna  fosse  a  Africa,  cuja  con- 
quista elle  já  então  sonhava.  ^ 


*  Pôde  ver-se  também  a  dieta  carta  nas 
Obras  inéditas,  citadas  supra. 

*  Veja-se  o  megmo  livrinho  -  Obras  ine- 


ZUK 


ZUR  2291 


D.  Jeronymo,  AffoQso  d' Albuquerque  e  , 
todos  os  verdadeiros  portuguezes  não  po- 
diam deixar  de  aconselhar  a  conquista  da 
Africa,  ainda  hoje  o  nosso  objectivo  e  a  ra- 
são  de  ser  de  Portugal,  mas  a  dieta  empre* 
sa,  então  como  hoje,  é  um  problema  gravís- 
simo, pelo  que  D.  Jeronymo  recommendava 
muita  prudência  e  muita  energia  para  o  bom 
êxito  d'aquella.  Infelizmente  não  o  atien- 
deram  e  o  resultado  foi  succumbirmos  na 
desastrosa  batalha  d'Alcacer.  Deus  permitia 
que  hoje  sejamos  mais  felizes,  fundando  ou 
Iro  estado  na  Africa  em  substituição  do  que 
fundámos  e  perdemos  na  America. 


Morto  D.  Sebastião,  subiu  ao  throno  o 
cardeal  D.  Henrique,  amigo  dedicado  de 
D.  Jeronymo,  pelo  que  este,  como  já  disse- 
mos, foi  assistir  à  coroação  e  a  pedido  do 
cardeal-rei  escreveu  a  obra  monumental — 
De  rebus  Emmanuelis —  que  alguém  julga 
superior  a  tudo  quanto  se  escreveu  em  la- 
tim desde  Cicero.  E'  talvez  depois  dos  Lu- 
síadas o  mais  luminoso  padrão  das  glorias 
de  Portugal,— e  apesar  d'isso  leve  de  escre- 
ver a  celebre  Defemio  nominis  sufíl . . . 

D.  Jeronymo  e  Camões  falleceram  no 
mesmo  anno  de  i580,— aquelle  em  Tavira, 
a  20  d'agosto  e  este  em  Lisboa  a  10  de  ju- 
nho. Os  dois  maiores  portnguezes  do  sec.xvi 
suecumbiram  com  a  nação,  cuja  ruina  elles 
não  poderam  evitar,  mas  vivem  e  viverão 
eternamente  na  historia. 

A  biographia  de  D.  Jeronymo  ainda  está 
por  fazer.  Ahi  ficam  alguns  traços  d'ella  em 
homenagem  ao  grande  vulto,  por  ter  vivido 
fizeste  concelho  de  Mangualde  cinco  annos. 

V.  Diccim.  bibl.  de  lonoceneio,  vol.  3.*  e 
10.°; — as  Obras  de  D.  Francisco  Alexandre 
Lobo,  tomo  1.0  pag.  293  a  301,  —  as  Obras 
inéditas  de  D.  Hieronimo  Osorio,  citadas 
supra, — e  Silves  n'este  diccionario,  vol.  9.» 
pag.  282,  col.  2.» 

Jacintho  Freire  d' Andrade 

Nasceu  em  Beja  no  anno  de  1597  e  mor- 
reu em  Lisboa  a  14  de  maio  de  1657;— fo- 


ram seus  paes  Bernardim  Freire  de  Andrade 
e  D.  Luiza  de  Faria. 

Fez  brilhantes  estudos  em  Évora  e  em 
Coimbra,  onde  recebeu  o  grau  de  bacharel 
na  faculdade  de  cânones  em  maio  de  1618. 

Como  tinha  dois  irmãos  mais  velhos-,  or- 
denou-se,  posto  que  o  seu  caracter  um  pou- 
co leviano  e  a  sua  tendência  para  a  saiyra 
não  revelem  grande  vocação  para  o  estado 
ecelesiaslico. 

Pouco  depois  de  formâdo  e  ordenado,  se- 
guindo as  tendências  da  época,  foi  para  a 
côrte  de  Madrid,  então  inveja  da  Europa, 
como  se  vê  do  formoso  livro  de  D.  Francis- 
co de  Castro — Solo  Madrid  es  côrte, — e  ali 
mais  desenvolveu  e  cultivou  o  seu  enorme 
talento. 

Seria  hoje  um  brilhante  jornalista  ou  che- 
fe de  repartição  em  qualquer  dos  ministé- 
rios; então  foi  primeiramente  parocho  da 
opulenta  freguezia  de  Sambade  no  concelho 
d'Alfandega  da  Fé,  e  depois  abbade  das 
Chans  de  Tavares,  n'este  concelho  de  Man- 
gualde, então  abbadiâ  muito  mais  opulenta! 
Era  a  melhor  do  bispado  de  Viseu'— e  uma 
das  melhores  de  Portugal,  mas  nos  fins  do 
ultimo  século  e  nos  princípios  d'e9te  sup- 
plantou-as  a  Iodas  absolutamente  a  de  Lo - 
brigos,  que  chegou  a  render  mais  de  vint^ 
contos  de  réis  por  anno?l . . .  ^ 

Foi  muito  tempo  abbade  das  Chans;  ali 
exerceu  actos  parochiaes  e  ali  se  conservam 


i  Alguém  diz  que  esta  abbadia  no  tempo 
de  D.  Jeronymo  Osorio  e  de  Jacintho  Frei- 
re rendia. mais  do  que  a  própria  mitra  vi- 
siense?! . . . 

Credat  judeus ,  non  ego. 

Em  1611  o  bispado  de  Viseu  rendia  dosé 
mil  cruzados,  que  por  certo  correspondiam 
i  a  mais  de  doze  contos  de  réis  da  nossa 
moeda  actual,  —  e  em  1674  a  1684  rendia 
det^oito  mil  cruzados,  ou  7.2000:000  réis, 
I  que  deviam  corresponder  a  aproximada- 
mente a  18  contos  da  nossa  raoeda. 

Y.  Viseu,  tomo  11."  pag.  1580,  col.  1;«— 
1616,  col.  2.»— e  1624,  col.  1.» 

2^  V.  Lobrigos,  lomo  4.»  pag.  421,  col.  2.% 
— e  Viseu,  tomo  il."  pag.  1;.585,  col.  2.» 
também. 


2292  ZUR 

ainda  hoje  (1889)  aJguns  documentos  firma- 
dos por  elle.i  mas,  habituado  a  viver  em 
Madrid  e  Dão  podendo  supportar  o  isola- 
mento das  Chans,  em  Madrid  costumava  vi- 
ver e  gastar  as  suas  rendas;  estando  porem 
ali  depois  da  revolução  de  1640,  teve  de  fu- 
gir, por  haver  ordem  de  prisão  contra  elle, 
como  aífecto  a  D.  João  IV  e  mais  ainda  ao 
prineipe  D.  Theodosio,  herdeiro  presumpti- 
vo  da  corôa,  adorado  por  toda  a  nação  e  que 
foi  intimo  amigo  do  nosso  biographado. 

Falleeendo  D.  Theodosio,  quiz  el-rei  no- 
mear Jaeinlho  Freire  preceptor  do  príncipe 
D.  Affonso  e  também  o  convidou  para  bispo 
de  Viseu,  mas  tudo  recusou  e  foi  para  a  sua 
abbadia,  por  conhecer  a  indole  de  D.  Affon- 
so (o  triste  rei  D.  Affonso  VIL..)  e  ler 
quasi  a  certeza  de  que  o  papa  não  o  confir- 
maria, como  effectivamente  não  confirmou 
bispo  algum  portuguez  até  1671,-14  annos 
depois  da  morte  de  Jaeinlho  Freire. 

Passados  annos  voltou  para  Lisboa,  dei- 
xando um  coadjutor  na  abbadia  das  Chans 
e  seguindo  desde  então  a  vida  descuidosa  de 
iitterato  rico. 

Viveu  muito  tempo  com  a  sua  irmã  D. 
Maria  Coutinho,  cercado  de  livros,  na  rua 
direita  das  Portas  de  Santo  Antão,  —  casa 
que  infelizmente  foi  toda  pasto  das  chammas 
em  sua  vida,  restando  por  isso  do  nosso  bio- 
graphado poucos  manuseriptos  — e  esses 
mesmos  só  foram  publicados  a  instancias 
dos  seus  amigos. 


O  pequeno  opúsculo— Por/w(;a/  restaura- 
do—M  traduzido  d'outro,  que  publicou  em 
latim  o  bispo  D.  Manoel  da  Cunha  sob  o  ti- 
tulo de  Lusitanae  vindicatae.  Jacintho  Frei- 
re o  traduziu  a  instancias  da  rainha  D.  Lui- 
sa^ a  quem  o  dedicou  e  esta  o  fez  publicar. 

A  Vida  de  D.  João  de  Castro  foi  eseripta 
em  obesequio  e  por  instancias  do  bispo  in- 
quisidor geral  D.  Francisco  de  Castro,  e 
bem  assim  escreveu  também  a  Origen  y 
progreso  de  la  casa  y  Família  de  Castro. 


^  De  D.  Jeronymo  Osorio  não  existe  na 
dieta  parochia  escripto  algum,— nem  a  sim- 
ples assignatura. 


ZUR 

Também  escreveu  outras  obras  indicadas 
por  Innocencio,  mas  a  que  lhe  deu  mais  al- 
to renome  foi  a  Vida  de  D.  João  de  Castro, 
e  com  rasão,  pois  é  um  primor  de  lingua- 
gem portugueza.  Alguém  a  censura,  mas 
outros  a  defendem,  entro  estes  D.  José  Bar- 
bosa. Diz  elle:  «.. .bem  sei  que  não  faltam 
génios  tão  austeramente  críticos,  que  cen- 
suram alguns  pensamentos  que  se  acham 
n'aquella  historia.  Não  me  admiro,  depois 
que  li  que  houve  bárbaros,  que  apedreja- 
ram o  sol.  A  critica  que  se  lhe  faz  não  é  fi- 
lha da  rasão,  senão  de  inveja,  e  não  pesa- 
ria aos  mesmos  que  o  censuram  serem  rèos 
de  similhanles  delidos  » 

Com  60  annos  de  idade  finou-se  Jacintho 
Freire  e  jaz  em  Lisboa  na  egreja  de  Santa 
Justa,  em  sepultura  rasai . . . 

È  hoje  parceho  da  freguezia  das  Chans  e 
parocho  muito  digno  também  o  reverendo 
Antonio  Maria  da  Nave  Valente,  que  se  or- 
1  gulha  de  contar  entre  os  seus  antecessores 
— D.  Jeronymo  Osorio  e  Jacinto  Freire 
d' Andrade.  Suecedeu-Ihe  na  abbadia,  mas 
não  nas  rendas,  porque  essas  desappareee- 
ram  com  a  exiiueção  dos  dízimos  em  1832. 

Também  foi  extincto  em  1852  o  antigo 
concelho  de  Tavares  e  é  cada  vez  maior  a 
decadência  da  antiquissima  viíla  das  Chans, 
que  teve  foraes  velhos  e  novos  e  muita  im- 
portância n'outroâ  teuipos.i  Tem  decahido 
muito,  apesar  de  ser  a  dieta  parochia  atra- 
vessada pela  nova  estrada  a  macadam  de 
Viseu  a  Celorico  e  da  ter  a  pequena  dis- 
tancia na  linha  da  Beira  Alta  uma  estação 
— a  de  Gouveia,  —  que  tomou  o  nome  da 
Villa  de  Gouveia,  hoje  muito  industrial  e 
muito  importante,  alcandorada  na  serra  da 
Estrella,  cerca  de  15  kilomelros  para  S.O.2 

Condes  de  Anadia 

Os  dois  primeiros  condes  de  Anadia,  pela 
sua  alta  posição  e  pelos  serviços  de  seu  pae 


*  V.  Tavares  e  Chans  do  Tavares. 

*  A  estação  de  Gouveia  demora  na  fie- 
guezia  de  Abrunhosa  Velha. 


zua 


ZUR  2293 


»  sogro— Ayres  de  Sá  e  Mello,  ministro  da 
guerra  e  dos  estrangeiros  no  tempo  da  rai- 
nha D.  Maria  I,— vieram  illustrar  a  familia 
Paes  que,  tendo  vivido  no  Canedo  do  Chão, 
mudou  nos  princípios  d'e8te  século  para  o 
seu  palácio  de  Mangualde. 

A  nobre  familia  Sá  é  muito  antiga  e  tem 
produzido  muitos  homens  illustres,  sem  que 
nenhum  d'elles  attingisse  uma  posição  pro- 
eminente. O  próprio  Ayres  de  Sá  era  ape- 
nas um  homem  honesto,  mas  sem  com- 
petência para  o  alto  cargo  que  exer- 
ceu. 

A  familia  Paes  de  Amaral  foi  durante  al- 
guma gerações  um  exemplo  de  bons  admi- 
nistradores, pelo  que  reuniram  uma  casa 
muito  importante,  mas  nenhum  d'elles  se 
tornou  eminente  pelas  lettras,  pela  sciencia 
ou  pelas  armas.  Todavia  Mangualde  muito 
lhes  deve,  pois,  forçoso  é  confessal-o,  crea- 
ram  a  moderna  villa  ao  mesmo  tempo  que 
formaram  a  sua  grande  casa. 

O  seu  palácio,  quinta  e  matta  são  um 
verdadeiro  monumento,  assombro  de  Man- 
gualde e  da  província.  Os  tres  largos  da  villa 
são  obra  d'elles.  Os  edifícios  da  Senhora  do 
Castello,  da  Misericórdia,  do  convento  e  das 
Almas  a  elles  devem  também  a  maior 
parte— e  tudo  isto  representa  grandes  som- 
mas,  como  já  dissemos  supra. 

O  4.»  conde  de  Anadia  teve  também 
uma  celebridade  especial,  posto  que  mor- 
reu na  flor  |dos  annos,  a  10  de  julho  de 
1870. 

Era  dotado  de  u  ma  figura  gentil  e  de  mui- 
ta bondade,  mas  sem  força  para  reagir  con- 
tra o  meio  deletério  em  que  viveu  e  gastou 
a  existência  inutilmente. 

Gomo  já  dissemos,  casou  e  teve  tres  fi- 
lhos, seus  actuaes  representantes:  —  o  sr. 
conde  de  Anadia,  residente  em  Londres,— 
o  sr.  visconde  d'Alvercâ  e  o  sr.  visconde  de 
Alferrarede,  ambos  residentes  em  Lisboa. 
Vivem  pois  todos  Ires  longe  de  Mangualde, 
com  o  que  a  villa  de  Mangualde  muito  sof- 
fre,  pois  gastam  longe  d'ella  as  suas  avul- 
tadas rendas. 

Veja-se  o  tópico  supra,  immediato  á  re- 
lação dos  50  maiores  proprietários  de  Man- 
gualde. 


Alberto  Osorio  de  Vasconcellos^ 

Paliando  de  Mangualde,  não  podemos  dei- 
xar de  dizer  alguma  caisa  d'este  beneméri- 
to extincto,  cuja  vida  foi  tão  curta  e  tão 
brilhante. 

Pelo  lado  paterno  descendia  dos  antigos 
Vasconcellos,  representados  pelos  marque- 
zes  de  Castello  Melhor;  pelo  lado  materno 
descendia  dos  Osorios  da  Costa  Cabral  d' Al- 
buquerque, representados  na  Beira  por  tan- 
tas famílias  illustres,  a  começar  pela  das 
Lagrimas. 

Eram  da  sua  familia  Mem  Moniz,  D.  Je- 
ronymo  Osorio,  os  Gomides  ou  Albuquer- 
ques,  o  celebre  conde  de  Castello  Melhor, 
ete.  e  todavia  era  muito  democrata. 

Alberto  Osorio  de  Vasconcellos  pelo  lado 
de  sua  mãe  descendia  de  D.  Beatriz  Osorio, 
irmã  de  D.  Jeronymo  Osorio,  bispo  de  Sil* 
ves,  mencionado  supra,  a  qual  casou  com 
Diogo  Gonçalves  Cabral,  eminente  juriscon- 
sulto, como  declarava  a  sua  campa  na  Ca- 
pella mor  de  Santa  Maria  de  Celorico  da 
Beira. 

Foi  seu  S.«  avô  Jeronymo  Osorio  de  Cas- 
tro, que  hospedou  na  sua  casa  da  Guarda 
el-rei  D.  Pedro  II  e  o  imperador  Carlos  VI. 


Nasceu  Alberto  Osorio  do  Vasconcellos  a 
29  de  janeiro  de  1842  no  Largo  do  Leão  em 
Lisboa  (Arroios)  na  casa  do  seu  avô  mater- 
no, José  Osorio  de  Castro  Cabral  d*Albu- 
querque,  tenente  general,  que  foi  muitos  an- 
nos governador  de  Macau,  governando  de- 
pois a  Beira  Baixa  até  que  foi  eleito  sena- 
dor. O  nosso  biographado  era  pois  natural 
de  Lisboa  e  não  da  Beira,  como  disse  toda 
a  imprensa  na  occasião  da  sua  morte. 

Foi  de  tenra  idade  para  a  Beira  com  a 
maior  parte  da  sua  familia,  que  se  estabe- 
leceu na  freguezia  de  Muxagata,  concelho 
de  Fornos  d' Algodres. 


*  V.  Diccion.  Popular,  vol.  13,  pag.  267  a 
269. 


2294  ZUR 


ZUR 


Sua  mãe,  D.  Carlota  Osorio,  ím  uma  san- 
ta;—seu  pae,  Alberto  Osorio  de  Vaseoncel- 
los  Hasse  da  Cunha,  era  o  typo  do  fiialgo 
de  Lisboa  nos  princípios  d'este  século. 

Foram  seus  tios  maternos  o  general  José 
Osorio  de  Castro  Cabra!  d'Albuquerque,  fal- 
lecido  em  Lisboa  a  5  de  novembro  da  1887, 
— Joaquim  Osorio,  actual  recebedor  da  co- 
marca de  Fornos  d' Algodres,— Antonio  Oso- 
rio, que  falleeeu  em  Lisboa  a  10  de  janeiro 
de  1883,  sendo  major  do  estado  maior, — 
João  Osorio,  que  falleeeu  em  1855,  sendo  al- 
feres,—Jeronymo  Osorio,  actual  comman- 
dante  d'infanteria  n."  2— D.  Anna  Osorio, 
casada  com  Antonio  Pedroso  de  Sousa  Cou- 
tinho, residente  era  Lisboa,— e  D.  Marianna 
Osorio,  casada  com  o  dr.  João  Baptista  de 
Ga  o  conservador  em  Mangualde,  mas  na- 
tural da  freguezia  de  Eucisia,  concelho  da 
Alfandega  da  Fé,  na  província  de  Traz  os 
Montes.i 


Contando  apenas  10  annos,  foi  Alberto 
Osorio  para  o  seminário  de  Viseu,  onde  es- 
teve um  anno  somente  e  depois  outro  anno 
em  Coimbra  com  seus  tios,  que  ao  tempo 
frequentavam  a  Universidade.  Passou  depois 


1  D'este  consorcio  tiveram  2  filhos: — D. 
Anna,  ainda  solteira,  e  Alberto  Osorio  de 
Castro,  distineto  escríptor  publico,  poe- 
ta, jornalista  o  alurano  do  4.»  anno  de  di- 
reito na  Universidado  de  Coimbra,  onde  tem 
obtido  varias  distmcçòes,  poia  é  wn  talento 
superior. 

E'  também  proprietário  o  redactor  do 
Novo  Tempo,  jornal  que  se  publica  em  Man- 
gualde. 

Nasceu  em  Coimbra  no  dia  1  de  março  de 
1868,  quando  seu  pae  ali  frequentava  o  5.* 
anno  de  direito. 

Casou  em  15  d'agosto  de  1888  com  D.  Ca- 
tharina  de  Sousa  Coutinho,  senhora  muito 
interessante,  primorosamente  educada  e 
muito  illustrada,  filha  de  D.  Alexandre  de 
Sousa  Coutinho,  neta  do  2."  conde  de  Li- 
nhares e  sobrinha  da  actual  marqueza  do 
Funchal. 

Tem  uma  filha,  —  Maria  Anna,  —  ainda 
muito  nova. 


alguns  annos  em  Lamego  na  casa  de  sieu 
tio  Jeronymo  Osorio,  então  oíBeial  d'infaan- 
teria  n.»  9.  D'ali  foi  para  o  collegio  de  Nios- 
sa  Senhora  da  Conceição,  que  em  Lisbioa 
teve  o  sr.  Carreira  de  Mello,  e  ali  fez  c(om 
distineção  os  seus  preparatórios. 

Em  1859  matriculou-se  na  Escola  Polly- 
techniea,  terminando  em  1863  muito  btri- 
Ihantemente  o  seu  curso,  no  qual  obteve  2 
prémios  pecuniários  e  um  louvor. 

As?entou  praça  no  7  d'infanteriae  depoois 
seguiu  o  curso  de  engenharia  militar  na  fes- 
cola  do  exercito,  onde  se  matriculou  a,  8 
d'outubro  de  1863,  tendo  21  annos  de  idla- 
de,  e  concluiu  o  curso  em  3  de  dezembro  de 
1866,  sendo  classificado  com  o  n."  1. 

Foi  promovido  a  tenente  de  estado  maiior 
d'engenheiros  em  22  de  junho  de  1875,  — 
eleito  deputado  em  1870  e  suceessivamemte 
até  1879,  sempre  pelo  circulo  de  Trancoso, 
a  que  pertence  o  concelho  de  Fornos  d' Al- 
godres,—e  nas  camarás  fez  brilhantes  diis- 
eursos. 

Foi  poeta,  foi  litterato,  foi  politico  e  u:m 
dos  primeiros  jornalistas  do  seu  tempo. 

Iniciou  a  sua  carreira  jornaliâtica  na  Ga- 
zeta de  Portugal,  passou  depois  ao  Jornal  do 
Commercio  e  collaborou  em  ouíros  muitos 
jornaes  portuguezes,  nomeadamente  no  Pa- 
norama, Archivo  Pittoresco  e  Revista  Con- 
temporânea. Fundou  a  Revista  do  Século  e 
depois  a  Democracia  em  1872. 

Foi  o  auelor  da  celebre  Carta  do  Ermi- 
tão do  Chiado,  que  tanto  barulho  causou  em 
1866. 

Escreveu  Estudos  sobre  a  defesa  do  nos- 
so paiz  e  Batalhas  dos  portuguezes,  etc. 

Dedieou-se  sempre  a  estudos  históricos  e 
estava  ultimamente  trabalhando  na  Historia 
da  revolução  de  1820. 

Foi  também  encarregado  de  escrever  a 
historia  da  engenharia  ena  Portugal,  pelo 
ministro  da  guerra,  o  sr.  João  Chrisostomo. 
Era  muito  affeiçoado  á  província  da  Bei- 
!  ra;  prestou-lhe  relevantes  serviços  e,  quan- 
I  do  viu  que  a  morte  se  aproximava,  n'ella 
j  quiz  expirar,  como  expirou,  junto  de  seus 
;  tios— D.  Marianna  Osorio  e  João  Baptista 
de  Castro— na  vílla  de  Mangualde,  onde  fal- 
leeeu a  27  de  junho  de  1881— e  ali  jaz  no 


ZUR 


ZUR  2295 


elegaaante  maazoleu  da  s.«  D.  Leonor  Marga- 
rida ,  de  Carvalho  Fonseca  e  Amaral. 

Aoo)  finado  Alberto  Oeorio  se  deve  a  dire- 
ctriz i ,  da  linha  da  Beira  Alta  pela  margem  di- 
reitaai  do  Mondego,  atravessaLdo  os  conce- 
lhos <  (de  Mangualde,  Foraos  d'Algodres,  ete- 
Foi  umma  lucta  cruel,  pois  havia  muitos  eava- 
Iheinrros  importantes  que  pretendiam  leval-a 
pela  i  margem  esquerda  do  Mondego,  como 
por  certo  devia  ir,  atravessando  os  conce- 
lhos ?  de  Ceia  e  Gouveia,  onde  ha  tantas  fa- 
bricsaas  de  lanifícios. 

Na'aa  campanha  ena  favor  da  directriz  pel^ 
marg^em  esquerda  do  Mondego  avultou  o 
granoide  industrial  Joaquim  d' Almeida  Rai- 
nha, .,  de  Gouveia,  que  não  só  offereseu  grátis 
as  eEJxprcpriaçòôs  para  passagem  das  linhas 
atraMwez  das  suas  propriedades  (note-se  que 
era  o  maior  proprietário  do  dicto  conce- 
lho!.'— ),— mas  offereceu  lambem  grátis  as 
travereessas  ou  chulipas  para  toda  a  linha  den- 
tro dedo  mesmo  concelho,  na  extensão  de  30 
kilonnnetros  aproximadamente,  o  que  tudo 
reprffíesenta  muitos  contos  de  réis!. . . 

V/..  Villa  Nova  de  Tazem  e  Gouveia  u'este 
diceisiionario  e  nosupplemento. 

Vi^iingou  a  demanda  Alberto  Osorio,  mas 
foi  umm  erro  económico  e  um  grande  esean- 
dalop,, — como  levar  a  linha  férrea  do  Norte 
peloo  litloral,  para  servir  Aveiro  e  o  sr.  José 
Eâtee  vam  Coelho  de  Magalhães — e  ado  Dou- 
ro f  por  Paredes,  para  servir  o  sr.  José  Gui- 
Ihenrime  Pacheco. 

DOeus  lhes  perdoe  e  aos  ministros  que  or- 
denaairam  taes  eseandalost . . . 

Ai^llberto  Osorio  elevou  também  Mangual- 
de í  a  comarca  de  2.»  classe, — creou  a  de 
Formos  d'Algodres, — fez  com  que  o  governo 
déssisie  á  Villa  de  Trancoso  um  bom  edifício 
pubblico  para  tribunal  e  paços  do  concelho— 
e[prr(estou  relevantes  favores  a  innumeros  fi- 
lhoss  da  Beira. 

Viação  publica 
EEste  concelho  está  todo  atravessado  por 
estriadas  a  macadam  de  2."  e  3.»  classe,  fei- 
tas pelo  estado,  exceptuando  uma  que  foi 
^eitaa  pelo  município.  E'  a  de  Alcafache, 
quee  entronca  na  de  Mangualde  a  Foz-Dão,a 
i.' '  que  se  construiu  e atravessa  este  conce- 
lho )  de  nascente  a  poente. 


Depois  de  feita  a  dieta  estrada  da  Fo  z 
Dão,  fez-.?e  um  ramal  em  Santa  Oomba  Dão 
que  a  ligou  com  a  de  Viseu  á  Mealhada  e 
Coimbra,  filhando  assim  a  villa  de  Mangual- 
de lambem  ligada  por  ella  à  Mealhada  e 
Coimbra. 

Prolongou-se  depois  a  dieta  estrada  até 
Celorico,  por  Fornos  d'Algodres,  cortando  o 
concelho  de  Mangualde  quasi  a  meio,  de 
nascente  a  poente. 

Seguiu  se  a  de  Mangualde  a  Viseu,  en- 
troncando n'aqurilla  a  O.  de  Mangualde. 

Fez  se  depois  a  de  Mangualde  a  Casten- 
do,  atravessando  este  concelho  de  sul  a  nor- 
te,—e  depois  prolongou-se  para  o  sul,  de 
Mangualde  até  Gouveia,  atravessando  o 
Mondego  na  ponte  Palhez.  Ficou  assim 
cortado  e  servido  este  concelho  por  duas 
i  boas  estradas:  —  uma  de  nascente  a  poente 
— e  outra  de  norte  a  sul. 

Depois  fez  se  outra  para  Santar,  que  de- 
ve ir  a  Tondella. 

D'esta  de  Santar  é  que  parte  a  de  J^lca- 
fache—a  também  vaed'ella  para  Lobelhe  um 
ramal  feito  pelo  munieipio. 

Tariíbera  parte  da  de  Gouveia  ura  peque- 
no ramal  para  a  estação  de  Cubos  ou  de 
Mangualde,~e  outro  para  a  freguezia  e  po- 
voação da  MesquiteUa.  Ambos  foram  feitos 
pela  companhia  constructora  da  linha  da 
Beira  Alta. 

x\ítíni;ionaremos  lambem  outro  pequeno 
ramal  frfito  pelos  condes  de  Anadia.  En- 
tronca na  estrada  de  Fornos  d'Algodres  e 
liga  Mangualde  com  o  santuário  da  Senho- 
ra do  Castello. 

A  camará  principiou  lambem  um  ramal 
para  Quintella  de  Azurara,  mas  ainda  não 
o  acabou— e  estão  projectados  e  estudados 
outros  ramaes. 

Estações  da  linha  férrea 

Como  já  dissemos,  a  linha  da  Beira  Alta 
corta  este  concelho  de  nascente  a  poente  e 
tom  n'elle  duas  estações: — a  de  Mangualde 
na  povoação  dos  Cubos,  cerca  de  2700  me- 
tros ao  sul  da  viila, — e  a  de  Gouveia,  junto 
da  povoação  de  Villa  Mendo,  na  freguezia 
de  Abrunhosa  Velfia  e  distante  de  Mangual- 


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ZUR 


de  16  kilomelros  para  o  nascente.  Ellaài3-  \ 
ta  de  Gouveia  apenas  15  a  20  kiíometros  e  j 
hoje  está  ligada  áquella  importante  villa  por  j 
uma  boa  estrada  a  macadam,  principiada  j 
em  agosto  de  1881,  mas  como  a  estação  de-  j 
mora  em  sitio  ermo,  os  industriaes  e  liabi-  | 
tantes  de  Gouveia  (exceptuando  os  da  parte 
leste  do  concellio)  preferem  a  de  Mangual- 
de, embora  mais  distante  quasi  o  dobro  — 
cerca  de  30  kiíometros.  Preferem-na  por  fi- 
car mais  próxima  da  Figueira,  de  Coimbra, 
do  Porto  e  de  Lisboa — e  junto  da  villa  de 
Mangualde,  onde  teem  muitos  interesses  e 
03  seus  depósitos  de  lanifícios  para  os  gran- 
des mercados. 

E'  pois  a  estação  de  Cubos  a  de  Mangual- 
de e  de  Gouveia,  pelo  que  tem  grande  mo- 
vimento e  é  a  mais  importante  da  linha  da 
Bei  Alta,— depois  da  estação  terminus  da 
Figueira. 

Quintas 

As  3  melhores  quintas  d'este  concelho  na 
actualidade  são  a  da  casa  da  Anadia,  cerca 
do  grande  palacio,~a  do  visconde  d'Almei- 
dinha,  na  povoação  d'este  nome,  —  ea  dos 
Nápoles  do  Sarzedo,  na  povoação  "de  Dam. 

Boas  egrejas 

As  3  egrejas  mais  rendosas  d'este  conce- 
lho na  actualidade  são  a|de  Espinho,  a  de 
Cassurães  e  a  de  Alcafache. 

Tinham  passaes  soberbos,  que  em  virtude 
da  lei  vigente  foram  vendidos, — mas  foi 
transformado  o  seu  preço  em  inscripçoes — 
6  estas  averbadas  aos  respectivos  parochos. 

As  dietas  egrejas  rendem  mais  do  que  a 
das  Chans  e  a  própria  de  Mangualde,  ape- 
sar de  ser  a  mais  populosa  de  todas  as  do 
concelho. 

Presbyteros 

Ha  n'este  concelho  actualmente  12  padres 
filhos  d'elle,  e  mais  3  ou  4  que  vivem  a  dis- 
tancia,— sendo  um  d'elles  o  reverendo  An- 
tonio Loureiro,  prior  de  Nossa  Senhora  da 
Assumpção,  A  Bella,  em  S.  Thiago  de  Ca- 
cem,— outro,  o  reverendo  Antonio  Miguel 
d'A]meida,  prior  de  Alcobaça. 


A  maior  parte  dos  18  parochos  d'este  ccon- 
celho  não  são  filhos  d'elle. 

Orçamento 

A  cifra  do  orçamento  da  camará  de  Mlan- 
gualde,  relativa  ao  corrente  anno  de  18889  ô 
de  15:875^307  réis. 

Hectares  e  prédios 

Este  concelho  tem  de  superficie  22.:740 
hectares— e  em  1875,  segundo  se  lê  na  Cho- 
rogr.  Moderna,  tinha  19:512  prédios  insícri- 
ptos  na  matriz,  mas  hoje  (1889)  deve  ter 
aproximadamente  30;000, 

Não  pude  obter  cifra  exacta,  porqu©  as 
matrizes  d'e8te  concelho  são  um  cahosl  . . . 

A  comarca 

Na  antiga  magistratura  o  concelho  de 
Mangualde  pertencia  á  comarca  (eorreige- 
doria  e  provedoria)  de  Viseu. 

Pela  divisão  judicial  de  1832  este  comce- 
Iho  ficou  pertencendo  á  comarca  de  Ton- 
delia?! . . . 

Por  decreto  de  28  de  dezembro  de  1840 
foi  a  villa  de  Mangualde,  séde  do  concelho, 
elevada  também  a  sôde  de  comarca  de  3.» 
classe,  comprehendendo  os  concelhos  de 
Mangualde,  Nellas  e  Penalva  do  Castello  . 

Pela  ultima  divisão  judicial  foi  esta  «o- 
marca  elevada  a  2  *  classe— e  sem  favor, 
porque  rende  mais  do  que  algumas  de  1." 
classe,  posto  que  então  Ibe  tiraram  7  fre- 
guezias  para  a  comarca  de  Fornos  d' Algo- 
dres, creada  ao  mesmo  tempo  a  instancias  e 
por  influencia  do  benemérito  filho  adoptivo 
da  Beira,  mencionado  surrai— Alberto  Oso- 
rio de  Vasconcello?,,  —  a  quem  se  deve  tam- 
bém a  elevação  da  comarca  de  Mangualde  a 
2.»  classe. 

Comprehende  pois  esta  comarca  as  14 
freguezias  seguintes  do  concelho  de  Man- 
gualde:—Abrunhosa  Velha,  Alcafache,  Gas- 
surrães,  Cunha  Alta,  Cunha  Baixa,  Espinho, 
Fornos  de  Maceira  Dão,  Freixiosa,  Lobelhe 
do  Mato,  Mangualde  (séde  do  concelho  e  da 
comarca),  Mesquitella,  Moimenta  de  Macei- 


ZUR 

ra  DDião,  Povoa  de  Gervães  e  Quintella  de 
Azura-aira, 

Coonuprehende  também  as  6  freguezias 
que  ( (constituem  o  concelho  de  Nellas  :  — 
Cannams  de  Senhorim,  Carvalhal  Redondo, 
Nellaasi,  Santar,  Senhorim  e  Villar  Sêceo,— 
mais  !  19  do  concelho  de  Penalva:— Castello 
de  Peemalva,  Esffiolfe,  Germil,  Insua,  Luzin- 
de,  PiMmdo,  Real,  Sezures  e  Traneosello. 

Tot2t?dl  29  freguezias. 

As  '  7,  que  passaram  d'esla  comarca  para 
a  de  FFornos  d'Algodres,  foram  as  seguintes: 
— Chaa.ns  ce  Tavares,  Várzea  de  Tavares, 
Travanmea  t  S.  João  da  Fresta,  pertencentes 
ainda  l  lhoje  \o  concelho  de  Mangu2l(le;~Àn- 
tas  de  9  Penalva,  Mareco  e  Villa  Cova  do  Co- 
vello, perteicentes  ainda  hoje  também  ao 
concelil  ho  de  Penalva  do  Castello. 

dinheiro  mutuado 

Ha  n'esla  comarca  cerca  de  seiscentos 
contos  s  de  ré»  em  dinheiro  mutuado?! . . . 
D'esta  V  cifra  pertencem  ao  concelho  de  Man- 
gualdáe  aproximadamente  300  contos,—  i50 
contos  3  ao  conielho  de  Nellas— e  aproxima- 
damennte  outroj  150  contos  ao  concelho  de 
Penalvva. 

Trisístis  estl... 

Arrcheologia  histórica  e  prehistorica 

Chanmamos  pira  este  concelho  de  Man- 
gualdee  a  attençào  dos  archeologos,  pois  foi 
oecupaado  desde  remotíssimos  tempos,  co- 
mo pro-ovam  as  muitas  velharias  que  n'elle 
se  encaontram~e  mais  se  encontrarão,  logo 
que  sejBja  devidamente  explorado.  Apontare- 
mos al^lgumas. 

A  vililla  de  Mangualde  é  moderna,  mas 
ainda  a  assim  tem  um  venerando  templo  do 
sec.  xvvi— e  uma  torre  muito  mais  antiga, 
como  jíjá  dissemos;  representa  porem  a  villa 
um  cãs.stro  romano  ou  pre-romano,  que  mui- 
to provvavelmente  foi  occupado  pelos  godos 
e  pelos  s  árabes.  Pompeou  junto  do  santuário 
de  Nosssa  Senhora  do  Cassello,  como  diz  a 
tradiçãáo,  avivada  em  1716  pelo  Santuário 
Mariannno,  tomo  5.«  pag.  162. 

Isto  I  mesmo  provam  a  onomástica,  dando 


ZUR 


2297 


ainda  hoje  ao  local  o  nome  de  Castello,— e 
as  ruínas  de  fortificações  que  ainda  hoje 
também  se  vêem  a  leste  do  santuário. 

E  que  o  dieto  castello  foi  romano  ou  pre- 
romano  provam  também  as  ruínas  da  cita- 
nia,  que  o  sr.  dr.  Alberto  Osorio  de  Castro 
descobriu  a  0.  do  dicto  castro  ou  monte  no 
meiado  do  ultimo  anno  (1889).^ 

Demoram  na  planície  contigua;  occupam 
cerca  de  1  kilomelro  quadrado  e  revelam  a 
existência  de  uma  cidade  luso-romana,  que 
formava  um  todo  com  o  dicto  castro  e  era 
protegida  e  defendida  por  elle.  Estava  com- 
pletamente soterrada  e  d'ella  não  havia  me- 
moria. Foi  destruída  muito  provavelmente 
na  invasão  dos  bárbaros.  Os  mouros  ape- 
nas restauraram  o  castello  e  este  mesmo  foi 
destruído  e  desappareceu  antes  da  fundação 
da  nossa  monarchia,  pois  não  se  encontra 
menção  d'elle  no  foral  de  1102,  nem  no  fo- 
ral de  D.  Diniz,— nem  teve  alcaides  mores 
no  tempo  dos  nossos  róis. 

A  Citania  de  Mangualde 

O  sr.  dr.  Alberto  Osorio,  mencionado  su- 
pra,  residindo  em  Mangualde  e  costumando 
ir  passear  até  o  santuário  da  Senhora  do 
Castello,  viu  em  uma  proj^riedade  contigua 
paredes  feitas  com  fragmentos  de  tijolo  e 
de  telhas  de  rebordo,  claramente  romanas,  o 
que  muito  o  impressionou  e  levou  a  estu- 
dar a  dieta  propriedade.  Encontrou  mais  al- 
gumas velharias^— depois  soube  que  outros 
muitos  lá  se  tinham  encontrado— e,  como  o 
nosso  governo  até  hoje  nunca  se  importou 
com  explorações  archeologicas,  participou 
tudo  á  benemertia  Sociedade  Martins  Sar- 
mento, de  Guimarães. 

O  sr.  dr.  Francisco  Martins  Sarmento, 
distincto  archeologo,  explorador  da  Citania 
de  Briteiros  e  presidente  da  dieta  socieda- 


1  Estamos  escrevendo  estas  linhas  em  ja- 
neiro de  1890.  Não  nos  foi  possível  acabar 
este  diccionario  em  1889,  como  tencionáva- 
mos e  muito  desejavamoal. . . 


2298  ZUR  ZUR 


de,i  mandou-lhe  50^000  réis  para  começo 
da  exploração,  que  parou  por  motivos  que 
logo  exporemos,  sendo  aliás  muito  auspi- 
ciosa, como  se  vê  do  artigo  seguinte,  publi 
cado  pelo  dieio  sr.  dr.  Alberto  Osorio  no 
seu  jornal  O  Novo  Tempo,  de  17  d'outuljro 
de  1889. 


«Nos  princípios  de  setembro  de  1889,  o 
redactor  do  Novo  Tempo  participava  para 
Guimarães  ao  sr.  dr.  Francisco  Martins  Sar- 
mento, que  no  grande  valle  da  encosta 
poente  do  monte  da  Senhora  do  Castello  a 
um  kiloraetro  de  Mangualde,  a  cada  passo 
se  encontravam  fragmentos  de  telha  romana 
de  rebordo  e  outros  restos  de  uma  velha  po- 
voação romana  ou  romanisada.  Principal  e 
caracter isadamente  nos  sitios  da  Raposeira 
e  do  Valle  das  Campas,  na  direcção  W— e 
dos  quaes  se  podem  mesmo  ver  dois  troços 
bem  conservados  de  via  romana  surgindo  e 
desappareeendo  bruscamente  entre  as  gran- 
des lages  e  pedregulhos  d'um  maninho.  Os 
tijolos,  as  tuiles  á  rebord  e  pedras  lavradas 
de  edificações  appareciam  em  tal  abundân- 
cia, que  as  propriedades  dos  dois  sitios 
eram  muradas  com  esses  destroços,  arran- 
cados sem  di£Bcul(iÈide  debaixo  da  terra  ará- 
vel. 

O  reconto  dos  dois  proprietários  da  Ra- 
pozeira  era  notável. 

Diziam  que  desde  o  esbravamento  pouco 
remoto  (60  anãos)  d'esses  terrenos,  antiga- 
mente tojaes  maninhos,  restos  de  casas,  te- 
lhas, uma  bilha  de  bronze,  moedas,  pedaços 
de  mármore  e  um  edifício  quadrado  de  gran- 
des tijolos  haviam  sido  em  segredo  desco- 
bertos n' essas  propriedades,  e  ou  destruídos 
ou  de  novo  solterrados  para  se  evitar  a  in- 
vasão da  propriedade  pelos  curiosos. 


1  V.  Briteiros,  Citania  de  Briteiros  e  Gui- 
marães n'e8te  diceionario  e  no  supplemento 
— e  Zêzere,  rio  da  Beira  Baixa,  tomo  li." 
pag.  2218,  eol.  2.*,  onde  loencionamos  osr. 
dr.  Martins  Sarmento  copjo  presidente  da 
secção  de  archeologia  da  Expedição  Ácienti- 
fica  enviada  à  serra  da  Estrella  em  1881. 


«Um  entablamento,  uma  base  deco  luimna 
ainda  com  signaes  de  estuque  polychirojmio, 
e  ura  capitel  da  ordem  toscana  não  desixa- 
ram  a  menor  duvida  no  espirito  do  redaictor 
do  Novo  Tempo,  sobre  a  existência  n  'aqiuel- 
le  valle  das  roinas  d'algama  importtainte  e 
grande  povoação,  talvez  do  typo  da  Cittania 
de  Briteiros  fortemente  romanisáda,,  ccomo 
demonstravam^a  via  romana,  os  re  tosí  dée  co- 
lumnas  rústicas  e  sobretudo  a  te  ha  dee  re- 
bordo, povoação  destruída  e  an  asaidai  por 
alguma  das  invasões,  e  cujos  resto  se  essten- 
diam  por  mais  de  um  kilometrc  qaadlrado 
de  superfície.  J 

Tudo  isto  contava  ao  sr.  dr.  Martins ;  Sar- 
mento, perguntando  a  opinião  «o  illiustre 
sábio  sobre  a  importância  da  flommurnica- 
ção  e  a  vantagem  d^um  reconhécimentto  da 
cidade  morta.  | 

Respondeu  logo  o  sr.  dr.  Bartias  Sar- 
mento, promptificando-se  a  copcorrer  com 
50^000  réis,  em  nome  da  Soèiedade  Mar- 
tins Sarmento,  para  um  simplès  reconlheci- 
mento  das  ruínas  e  nomead^ente  dia  tal 
casa  quadrada  que  eonservavíí  os  tijoloDS  do 
tecto  ou  do  pavimento.» 


Disse  o  illustre  auctor  dos  Argonatutas: 
«A  tradição  popular  que  attribue  aos 
mouros  a  fundação  do  Castro  ou  CasteHlo,  é 
com  certeza  tão  falsa  como  todas  ais  da 
mesma  espécie  que  correm  no  Minho,  on- 
de 03  árabes  mal  pozeram  o  pé.  Eu  tcenho 
visto  que  os  nossos  Castros  não  são  oDutra 
coisa  mais  que  velhas  povoações  do  tyR)o  da 
Citania,  remontando  á  epoeha  pre»romaana. 

No  geral  d'elles  é  visivol  a  influenciía  ro- 
mana; porque  muitos  d*elle8  continuaram  a 
subsistir  ainda  depois  da  conquista.  O  siignal 
mais  apparente  d'e8ta  influencia  ó  a  tíal  te- 
lha de  rebordo  que  faz  o  desespero  do  pro- 
prietário de  Mangualde  e  que  é  quasi  imdes- 
truetivel.  Páreee  quo  os  nossos  lusitaaios  se 
aborreceram  por  fim  de  viver  nos  alltos  e 
foram  mudando  para  a  plauicia.  Os  Caistros 
ficaram  desertos;  mas  nas  faldas  d'ell8is  ap« 


ZUR 

pareceu  mais  tarde  a  egreja  chrislã,  em  cu  • 
jas  paredes  se  encontram  não  poucas  vezes 
inscripções,  quer  funerárias  quer  votivas; 
inscripções  com  nomes  de  deuses  tenho 
achado  tres  ou  quatro.  Antes  que  a  popu- 
lação 86  ehristianisasse,  tinha  já  alli  o  cen- 
tro d'um  culto  pagão.  A  uma  povoação  d'e8- 
se  segundo  typo  me  parece  pertencerem  as 
ruínas  de  que  é  senhor  o  lavrador  de  Man- 
gualde» se  é  que  o  sitio  é  plano,  como  ima- 
gino. A  telha  com  rebordo  é  romana,  as  co- 
lumnas  mais  accusam  a  cultura  romana. . . 


«...Estas  povoações  podiam  ter-se  per- 
petuado até  hoje,  se  não  fossem  as  assola- 
ções dos  bárbaros  e  depois  as  dos  árabes; 
mas  é  claro  que  só  o  alvião  e  a  enchada  po- 
dem desenterrar  do  solo  a  data  em  que  ellas 
acabaram,  ou  na  decifração  das  moedas  ou 
na  dos  objectos  encontrados. 

«Se  a  informação  do  proprietário  acerca 
da  casa  solterrada,  e  ainda  com  o  telhado,  é 
exacta,  e  se  ha  mais  casas  n'essas  condições, 
a  exploração  das  ruínas  deve  ser  importan- 
tíssima, por  devermos  suppôr  que  o  seu  in- 
terior nunca  foi  devassado.  S.Thomé  deixou 
muitos  sectários,  e  n'este  caso  especial  eu 
sou  do  numero.  Já  me  não  admiraria  que  a 
pretendida  casa  fosse  a  parte  inferior  d'al- 
gum  palatum  (e  a  sobrevivência  do  nome 
de  Paço  seria  uma  boa  indicação)  chamada 
hypocause.  Esta  parte  era  de  pouca  altura, 
com  um  pavimento  de  grandes  tijolos,  e  por 
ahi  circulava  uma  corrente  ealorifera,  pro- 
veniente d'um  forno  construído  a  um  dos 
lados.  Como  estes  baixos  foram  ab  initio 
construídos  B'um  plano  inferior  ao  nivel  do 
solo,  admira  pouco  que  fossem  soUerra- 
dos.» 


«No  dia  25  de  setembro,  depois  d'uma  ou- 
tra carta  do  sr.  dr.  Martins  Sarmento,  co- 
meçaram as  escavações.  A  cada  enxadada 
se  descobre  um  muro  ou  uma  calçada.  As 
ruínas  são  enormes.  Está  o  hypocause  qua- 
sí  descoberto  e  os  muros  de  uma  grande 
casa  vísinha,  onde  no  desentulho  áe  5  de 


ZUR  2299 

outubro  se  encontraram  dentro  de  uma  pa- 
nella  34  moedas  romanas:  12  de  prata  e  20 
de  bronze,  do  tempo  dos  Antoninos  a  maior 
parte.  Das  de  prata  ha  uma  de  Nerva,  7  de 
Adriano,  uma  de  Aurelio,  uma  de  Domicia- 
no, algumas  de  Trajano,  outras  de  Trajano 
e  Adriano,  uma  de  Vespasiano  e  uma  des- 
conhecida. O  hypocause  é  precisamente  co- 
mo o  havia  deseripto  o  sr.  dr.  Martins  Sar- 
mento: a  um  lado,  ao  sul,  a  fornalha;  do 
nascente  um  pavimento  cheio  de  pilares, 
sobre  os  quaes  assentam  os  grandes  tijolos. 
Em  frente  da  fornalha  fica  um  comparti- 
mento estreito  e  ainda  meio  sotterrado,  no 
qual  se  encontraram  restos  de  ossos  e  uma 
pedra  azul  clara,  conservando  o  signal  d'um 
engaste  e  similhante  a  outras  encontradas 
na  Citania  de  Guimarães.  Parece  ler  sido 
collada  a  um  objecto  qualquer,  como  orna- 
to d'elle,— diz-nos  o  sr.  Martins  Sarmento. 
N'algun8  dias  de  escavações  tera-se  deseo- 
berio  muitíssimos  fragmentos  detalhas,  asas 
de  ampfaoras,  canos  de  chumbo,  mós  de  pe- 
dra, mármores  despolidos,  moldes  de  ferro, 
cinzas  e  carvões  de  fornalha,  loiça  romana 
vermelha  e  envernisada,  vidros  coloridos  e 
cerâmica  grosseira  indígena.  Pedaços  de  vi- 
dro  das  côres  do  de  Mangualde  também  ap- 
parecem  na  CJtama  de  Briteiros.  Já  a  loiça 
romana  não  se  encontra  em  Sabroso. 

N'um  fragmento  de  admirável  loiça  ver- 
melha encontra-se  a  marca  e  o  nome  do 
oleiro.  Chamava-ge  o  artista  de  ha  dois  mil 
I  nnnos—Sabinus.  As  ruinas  não  podem  ser 
mais  importantes,  e  certamente  o  governo 
deverá  adquirir  esse  monumento  da  histo- 
ria e  da  palethnologia  da  Península.» 


Suspenderam  as  escavações,  receando  que 
o  dono  da  quinta  as  prohibisseou  que,  ten- 
tado pela  ganância  real  ou  apparente,  qui- 
zesse  proseguir  na  exploração  por  conta  pró- 
pria, mas  vários  cavalheiros  de  Mangualde 
erapenham-se  com  o  governo,  para  que  este 
compre  a  dieta  propriedade  e  prosiga  na  ex- 
ploração em  devida  fórma. 

Representa  pois  Mangualde  o  castro  ro- 
mano cu  pre  romano  do  monte  da  Senhora 


2300  ZUR 


ZUR 


do  Castello — e  a  citania  soterrada  junto 
d'elle  e  da  villa. 

Ha  também  no  concelho  de  Mangualde 
restos  de  fortifieaçSes  e  habitações  anti- 
quíssimas em  Contensas  de  Baixo,  freguezia 
de  Cassurrães,  no  sitio  da  Recha.  Ali  se  en- 
contra também  telha  de  rebordo,  grandes 
muralhas,  muitos  fragmentos  de  cerâmica, 
etc. — tudo  por  explorar  ainda. 

Também  no  monte  da  Senhora  do  Bom 
Successo,  junto  da  villa  de  Chans  de  Tava- 
res, a  grande  abbadia  de  D.  Jeronymo  Oso- 
rio e  de  Jacinto  Freire  de  Andrade,  se  en- 
contram ruinas  de  uma  cwidade  importan- 
te:—muralhas  cyclopicas,  vias  romanas,  te- 
lha de  rebordo,  columnataSj  restos  de  habi- 
taçoes,  etc,  —  tudo  inexplorado  ainda  tam- 
bém?! . . . 

Do  exposto  se  vê  que  os  romanos  tive- 
ram demorada  residência  uo  concelho  de 
Mangualde  —  e  foi  habitado  também  muito 
anteriormente  nos  tempos  prehistoricos  da 
idade  da  pedra,  como  provam  os  monumen- 
tos megalíticos  que  ainda  hoje  se  encontram 
n'este  concelho  e  nos  concelhos  circumvisi- 
nhos. 

Apontaremos  alguns. 

Monumentos  prehistoricos 

No  jornal  O  Novo  Tempo  de  19  de  de- 
zembro de  1889j  se  lê  o  seguinte: 

tDe  uma  interessante  e  penhorantissima 
carta  do  nosso  bom  amigo  sr.  Bernardo  Ro- 
drigues do  Amaral,  abastado  proprietário  do 
Outeiro  de  Espinho,  tirámos  as  seguintes  va- 
liosas noticias  dos  dolmens  on  antas  conhe- 
cidas por  este  cavalheiro  na  comarca  de 
Mangualde.  Chamamos  a  curiosidade  intel- 
ligente  e  sympathiea  dos  nossos  leitores  pa- 
ra um  reconhecimento  completo  de  todas  as 
riquezas  archeologicas  da  região.  Ninguém 
ignora  hoje  em  dia  a  luz  que  sobre  a  histo- 
ria e  o  destino  da  humanidade  pôde  lançar 
o  mais  insignificante  escombro  das  civilisa- 
ções  passadas,  o  minimo  vestígio  por  mais 
primitivo  e  tosco  da  actividade  infatigável 
do  homem.  E'  sobre  os  monumentos  da 
época  neolithica,  os  dolmens  ou  antas,  tam- 
bém chamados  orcas,  madornas,  mamoas  e 


mamounhas,  sobre  os  grandes  penedojs  a 
prumo,  as  inseripções  e  os  signaes  nos  i ro- 
chedos que  particularmente  chamamoss  a 
attenção  dos  nossos  estimáveis  leitores..  E 
desde  já  pedimos  ao  distinetissimo  vereaddor 
da  camará  de  Mangualde,  o  sr.  dr.  Sebasttião 
de  Moraes,  uma  proposta  sobre  a  convenicen- 
cia  da  immediata  protecção  da  camará  de 
Mangualde  a  esses  restos  das  civilisaçõesi  de 
ha  quatro  mil  annos.  Seguem  as  infornma- 
ções  do  sr.  Bernardo  do  Amaral,  que  ceor- 
dealmente  agradecemos: 


«No  limite  da  Cunha  Baixa,  concelho»  de 
Mangualde,  existe  um  dolraen  muito  boem 
conservado  junto  do  rio. 

No  mesmo  limite  ha  um  outro  dolmien, 
onde  chamam  os  Pedraes,—e  ali  perto  le3m- 
bro-me  de  ter  visto  um  marco  de  pecdra 
muito  elevadol  Não  sei  se  ainda  existe. 

No  sitio  do  Salgueiro,  limite  de  Villa  Mo- 
va, ha  uma  pedra  com  uns  fojos  ou  peqiue- 
nas  covas,  e  ahi  perto  teem  apparecido  te- 
lhas de  rebordo  e  pedras  de  cantaria. 

Ha  outro  dolmen  nos  Braçaes,  limite  do 
Outeiro  (freguezia  do  Espinho,  concelho)  de 
Mangualde)  —  e  perto  d'elle  conheço  uima 
pedra  com  uma  inseripção. 

Ha  outro  dolmen  janto  do  rio,  na  povcoa- 
ção  da  Fonte  do  Alcaide,  no  sitio  da  Orrca 
(freguezia  de  Senhorim,  concelho  de  Me\- 
las. 

Lembro -me  de  outro  dolmen  no  limites  da 
Povoa  de  Cima,  aldeia  da  mesma  freguezzia> 
— e  parece-me  ter  visto  ali  uma  pedra  ccom 
entalhes. 

Existiu  outro  dolmen  no  sitio  da  Carwa- 
Ihinha,  na  mesma  parochia  de  Senhoriim, 
msLS  despedaçaram-no  (?!...)  haverá  8  aan- 
nos. 

Também  ha  na  povoação  de  Senhorrim, 
uma  terra  onde  teem  apparecido  tijolos — e 
dizem  que  no  mesmo  sitio  ha  ruinas  de  uum 
Castello. 

Ha  também  outro  castello  junto  do  rio )  na 
povoação  de  Gandufe,  termo  da  parochia  i  de 
Espinho,  concelho  de  Mangualde.» 

Eis  aqui  uma  lista  de  seis  dolmens  ou  aan- 


ZUR 


ZUR  2301 


ias,  pertencentes  a  esta  comarca,  mas  de- 
vem ser  em  maior  numero,  pois  segundo 
disse  o  meu  antecessor  no  artigo  Canas  de 
Senhorim,  freguezia  do  concelho  de  Nellas.i 
— «ha  n'esta  freguezia  muitos  dolmens,  a  que 
os  d'aqui  chamam  orcas,  e  dizem  ser  obra 
dos  mouros,  e  que  sobre  a  lagea  superior 
queimavam  os  dizimos.i 

Também  pela  onomástica  a  freguezia  de 
Antas  de  Penalva  revela  a  existência  da 
-dolmens  ou  antas  na  localidade, — e  no  con. 
celho  de  Gouveia,  visinho  e  limitrophe  do 
de  Mangualde,  ainda  hoje  se  encontram  2 
dolmens,  um  penedo  baloiçante,  uma  casa 
-aberta  a  picão  dentro  d'outro  penedo  (na 
freguezia  de  Arcozello)  e  muitas  sepulturas 
abertas  na  rocha. 

V.  Villa  Nova  de  Tazem,  tomo  11.°  pag. 
%87,  col.  2.»  in  fine  e  segg.,— Villa  Ruiva 
no  mesmo  tomo,  pag.  1052,  col.  2.»  também» 
~-e  Viseu,  no  mesmo  vol.,  pag.  1699  a  1705 
onde  se  encontra  larga  noticia  dos  monu- 
mentos prehistorícos  e  se  indicam  muitos 
doimens  nas  visinhanças  de  Mangualde,  no- 
meadamente na  freguezia  de  Paranhos, 
concelho  de  (leia,  limitrophe  do  concelho  de 
Jfellas,  pertencente  a  esta  comarca. 

Do  exposto  se  vé  que  n'esla8região  da 
Beira  teve  demorada  residência  o|povo  con- 
«tructor  dos  dolmens. 

Etymologias  e  mais  velharias  do  concelho 
de  Mangualde 

Zurara  ou  Azurara,  como  já  dissemos  no 
«rtigo  Zurara  de  Villa  do  Conde,  pode  vir  de 
Azurá,  nome  d'ura  pahcio  e  jardim  dos  reis 
de  Cordova,  —  ou  de  Zurara,  nome  d'um 
mouro,  como  diz  o  sabio  cónego  Berardo. 

V.  Viseu,  tomo  11 pag.  1723,  col.  2  • 

Mangualde  vem  de  Manualdus,  nome  go- 
do ou  musarabe,  cujo  patroniraico  era  Ma- 
nualdiz,~em  portuguez  Manualdes  ou  Ma- 
nualde  e  depois  Mangualde. 

V.  Poriug.  Monum. — Diplomata^et  Char- 


tae,  pag.  laS,  n.»  91,  onde  se  encontra  um 
documento  do  anno  1021,  no  qual  figura 
Manualdu,  como  pae  do  vendedor  da  villa 
de  Sanguinhedo} 

No  mesmo  livro,  pag.  106,  se  encontra 
também  um  documento  de  991,  em  que  se 
menciona  a  villa  Manualdi, — villa  de  Man- 
gualde (talvez  granja  ou  quinta)  nas  mar- 
gens do  rio  Leça,  districto  do  Porto. 

O  Manualdi  (Mangualde)  supra  com  cer- 
teza era  patronímico  de  Manualdu  —  e  de 
Manualdi  provieram  os  nomes  da  villa  de 
que  nos  oceupamos, — da  freguezia  de  Man- 
gualde  da  Serra  e  de  duas  aldeias  do  Minho, 
— uma  pertencente  á  freguezia  de  Grimau' 
cellos,  concelho  de  Barcellos,— ouira  á  fre- 
guezia de  Santa  Maria  d" Arnoso,  concelho 
de  Villa  Nova  de  Famalicão. 

Alcafache,  é  nome  árabe. 

Mesquitella  é  diminutivo  de  mesquita^ 
templo  dos  mouros, — como  Qumtella  é  di- 
minutivo de  quinta,— Grijó  (ecclesiola)  di- 
minutivo de  egreja, — Paçó  {palaíiolum)  di- 
minutivo de  palalium — paço,  etc. 

Mourilhe,  aldeia  da  freguezia  de  Mesqui- 
tella, vem  de  Maurelle,  nome  godo  ou  musa- 
rabe, cujo  patronimico  era  Maurelliz—Mou^ 
rilhes— e  Mourilhe. 

Maurelle  Garcez  figura  como  testemunha 
em  um  doe.  de  974. 

V.  Port.  Monum.  loc.  cit.  pag-  75. 

Villa  Mendo,  aldeia  da  freguezia  de  Abru- 
nhosa Velha,  vem  de  Menendus,  nome  godo. 

Portug,  Monum.— passim. 


Sandinho,  casal  da  freguezia  de  Alcafache, 
vem  de  Sandinus,  nome  godo. 

Fresta  (S.  João  da)  aldeia,  freguezia  e 
quinta  do  concelho  de  Mangualde,  vem  de 
Prestes,— novae  de  homem  no  sec.  xi,  poia 
assignou  como  testemunha  um  doe.  do  anno 
1036. 

V.  Portug.  Monum.  loc.  cit.  pag.  178. 


1  V.  Canas  de  Senhorim,  vol.  2.»  pag.  78, 
col.  2.» 


1  Ibidem,  pag.  177,  se  encontra  um  docu- 
mento de  1036,  no  qual,  entre  outras  teste- 
munhas, assignou  Froila  Manualdiz. 


2302  ZUR 


ZUR 


Gandufe,  aldeia  da  freguezía  de  Espinho» 
é  nome  godo. 

Tibalde  e  Fagilde,  povoação  da  freguezia 
de  Maceira  Dão,  são  nomes  godos. 

Tem  muita  aífinidade  Tagilde,  Fagilde, 
Cahide  e  Coide,  bera  como  Tibalde,  Balde, 
Calde,  Mangualde,  etc. 

Corvo  e  Corvacho,  quintas, — e  Corvaceira 
povoação,  pertencentes  á  freguezia  de  Ghans 
de  Tavares,  são  nomes  também  arcaicos. 

V.  Corvaceira,  tomo  2.o  pag.  406,  eo!.  i;« 


I  —6  Vizella,  rio,  tomo  11.»  pag.  1968,  col. 
2.»,  onde  indicámos  todas  as  Corvaceiras 
que  ha  no  nosso  paiz,  sendo  uma  d'ella3  a 
minha  terra  natal,  pelo  que— posí  tot  tantos 
que  labores — fecho  esie  artigo  e  esle  diccio- 
nario  com  muita  satisfação  em  janeiro  de 
1890,  reeordando-me  da  mimosa  aldeia  em 
que  nasci  em  1832,  na  Casa  da  Capella, 
margem  esquerda  do  Douro, — mesmo  em 
frente  da  actua!  estação  do  Molledo. 


AO  PUBLICO 


Post  tot  tantosque  labores  terminei  este  diccionario  em  janeiro  de  1890, 
havendo  principiado  em  1873  e  sendo  escripto  apenas  por  dois  martyres— 
Augusto  Soares  d' Azevedo  Barbosa  de  Pinho  Leal,  meu  benemérito  antecessor, 
— e  Pedro  Augusto  Ferreira,  humilde  auctor  d'estas  linhas. 

A  publicação  durou  17  annos,  porque  o  terreno  eslava  cru  e  cheio  de 
matagaes — e  a  lavoura  foi  irapertinentissimal 

Appello  francamente  para  quem  tenha  lavourado  terreno  em  taes  condi- 
ções ou  se  proposer  lavoural-o  de  futuro,  como  nós  o  lavourámos  —  sem  a 
minima  protecção  do  governo. 

O  Portugal  Antigo  e  Moderno  tem  lapsos^  defeitos  e  lacunas,  mas  não 
admira  que  os  lenha  uma  obra  de  tanto  fôlego,  pois  não  é  uma  monographia 
de  qualquer  parochia,  villa,  cidade  ou  concelho,  districto,  diocese  ou  provin- 
cia,  mas  uma  larga  descripcão  de  Portugal  todol. . . 

Talvez  que  nenhuma  outra  nação  lenha  uma  chorographia  tão  vasta. 

A  tentativa  foi  um  arrojo  da  parte  do  meu  antecessor.  E  elle  ainda  que- 
ria ir  mais  longe,  pois  prometteu  descrever  também  as  nossas  colónias  (?)  e 
dar  um  resumo  da  historia  de  Portugal,  mas  morreu  no  caminho  —  e  eu 
muito  receei  endoudecer  ou  morrer  também  antes  de  acabar  a  tarefa. 


Gomo  as  nossas  melhores  chorographias  até  hoje  eram  as  do  padre 
Carvalho,  padre  Luiz  Cardoso  (Diccion,  Geogr.)  José  Avelino  d'Almeida  e  a 
Chorographia  Moderna,  todas  muito  reduzidas  e  muito  superficiaes,  excepto 
a  do  padre  Luiz  Cardoso,  que  infelizmente  não  passou  da  letlra— G— ,  tive- 
mos de  ler  e  rebuscar  uma  infinidade  de  livros,  folhetos,  manuscriptos  e  jor- 
naes  e  de  escrever  centos  de  carias  a  pessoas  conhecidas  e  desconhecidas, 
muitas  das  quaes  responderam,  pelo  que  mais  uma  vez  lhes  beijo  as  mãos 
agradecido,  mas  outras  e  não  poucas,  apesar  das  nossas  reiteradas  instan- 
cias, não  enviaram  uma  letra,  pedindo-lhes  por  vezes  coisas  bera  simples. 

Trabalhei  cerca  de  12  horas  por  dia  durante  6  annos,  por  ter  muito 
amor  ao  diccionario  e  muita  pena  dos  editores,  que  estavam  anciosos  pela 
conclusão  d'elle— e  com  razão,  pois  teem  n'elle  empatados  muitos  contos  de 
réisl 

Note-se  que  a  tiragem  é  de  3:000  exemplares  e,  tendo  a  obra,  como 
tem,  11  volumes,  a  tiragem  monta  a  55:000  volumes?!  .. 

Elles  tiveram  a  principio  cerca  de  *1:500  assignantes,  mas  com  a  demo- 
ra da  publicação  uns  morreram  e  outros  esmoreceram.  Hoje  os  assignantes 


n 


serão  apenas  1:000.  Teem  pois  empatados  cerca  de  44:000  volumes  e,  coma 
destinam  a  maior  parte  d'esta  edição  para  a  nossa  colónia  do  Brazil,  vão  para 
ali  mandar  um  grande  navio  carregado  só  com  o  Portugal  Antigo  e  Moderno^ 
pois  tem  de  levar  cerca  de  40:000  volumes?!. . . 

Talvez  que  nunca  sulcasse  os  mares  um  navio  de  lotação  igual,  carre- 
gado com  uma  obra  somenlell ... 


Os  editores  confiam  na  riossa  colónia  do  Brazil,  porque  é  a  flor  das  co- 
lónias da  America,  —  muito  opulenta,  muilo  numerosa  e  muito  patriótica. 
Comprehende  actualmente  cerca  de  200:000  portup:uezes  e  não  pode  baver 
para  elles  obra  mais  sympathica,  pois  todos  encontrarão  no  diccionario  noti- 
cias curiosas  das  terras  onde  nasceram  e  onde  teem  os  seis  paes  e  avós,  ir- 
mãos e  outros  parentes  e  amigos.— E  ninguém  melhor  do  que  os  editores 
pode  diligenciar  a  venda  do  diccionario  no  Brazil,  porque  elles  são  portogue- 
zes,  naturaes  da  formosa  vil  la  de  Peniche,  mas  teem  no  Pará  um  grande  es- 
tabelecimento de  livros  também.* 

O  meu  antecessor  trabalhou  cerca  de  vinte  annos  n'este  diccionario,  an- 
tes de  principiar  a  publicação— e  depois  mais  11  annos  desde  1873  até  que 
falleceu  no  dia  2  de  janeiro  de  1884,  quando  o  Portugal  Antigo  e  Moderno- 
já  ia  no  art.  Vianna  do  Castello}  Lembraram-se  então  os  editores  dfi  me  en- 
carregarem a  continuação  da  tarefa,  por  verem  que  eu,  apesar  da  minha  com- 
pleta nuUidade,  linha  sido  o  principal  cyreneu  do  meu  benemérito  anteces- 
sor, como  elle  próprio  tantas  vezes  declarou  no  texto. 


O  meu  antecessor  trabalhou  muito,  mas  eu  não  trabalhei  menos  talvez. 

Que  o  diga  quem  ler  e  confrontar  o  Portugal  Antigo  e  Moderno  desde 
o  seu  principio  até  pag.  412  do  10.°  volume— com  a  parte  restante,  escripta 
por  mim  e  que  comprehende  2302  paginas. 

Suum  cuique. 


1  A  firma  editora  d'es!e  diccionario  é  Mattos  Moreira  S  C.\  mas  soíTreu  modificações.. 

Primeiramente  era  formada  pelos  srs.  Henrique  d-'Araujo  Tavares  e  J.  B.  Mattos  iVIo- 
reira;  depois  o  sócio  Araujo  Tavares  foi  substituído  por  seu  sobriolio  o  fr.  Avelino  Ta- 
vares Cardoso^  que  regressara  do  Pará,  onde  tialia  e  tem  uma  importante  livraria,  de  so- 
ciedade cora  seu  irmão  o  sr.  Eduardo  Tavares  Cardoso.  A  nova  íirma  social  ficou  sendo 
Mattos  Moreira  «&  Cardosos  até  que,  por  amigável  aecordo  entre  os  sócios,  passou  para  a 
actual — Tavares  Cardoso  &  Irmão,  pela  satiida  do  sr.  Mattos  Moreira. 

Por  ultimo  note-se  que  os  beneméritos  editores  d'esta  obra  monumental,  —  tão  diS' 
pendiosa  para  elles  e  tão  honrosa  para  Portvgal, — até  hoje  não  receberam  subsidio  al- 
gum do  governo. 

^  V.  Vianna  do  Castello;  tomo  IO.»  pag.  161,  col.  t.»  e  segg.,-~8  Vimieiro  d'Arayol- 
los,  tomo  11.»  pag.  1457,  col.  1.*  e  segg.  também,  onde  se  encontram  as  biographias  do 
meu  antecessor  e^^do  pae. 

Eu  não  tenho  biographia,  mas  devo  á  generosidade  do  meu  antecessor  alguns  apon- 
tamentos para  ella. 

V.  Corvaceira,  tomo  2."  pag.  406.  col.  1*.",  ~  Miragaya,  tomo  5.°  pag.  250,  col.  1.* 
ambem, — e  Pemjoia,  vol.  6."  pag.  559,  eol.  2.» 


IIÍ 


Em  meu  nome  e  no  do  meu  antecessor  peço  desculpa  dos  lapsos  e  da 
deslocação  das  matérias.  A  quem  dirigir  nova  edição  cumpre  dar-lhes  o  lo- 
gar  próprio;  entretanto  é  indispensável  um  indice  para  toda  a  obra,— indiee 
que  dará  um  volume — e  náo  é  fácil  de  organisar,  porque  demanda  ailenia  lei- 
tura do  diccionario  todo. 

O  promeitido  supplemenío  é  muito  necessário  para  as  reciificações  e  ad- 
dições, — demanda  porem  volumes,  se  quizerem  dar  aos  artigos  do  meu  ante- 
cessor o  desenvolvimento  que  dei  aos  meus. 

Alguém  me  taxa  de  prolixo,  mas  quem  de  futuro  se  propozer  lavourar 
o  mesmo  terreno — erguerá  as  mãos  ao  ceu  por  vel-o  decruado  tão  fundo!... 

Os  editores. pediam  que  aligeirasse  o  texto  e  reservasse  para  o  supple- 
mento  a  explanação.  Bem  quisera  attendel-os  e  muito  reservei  para  o  sup- 
plemenío, mas  não  tudo,  porque  era  impertinentíssimo  o  estado  dos  diversos 
artigos  e,  depois  de  os  estudar  para  organisação  do  texto,  teria  de  os  estu- 
dar de  novo  para  organisar  o  suppleraento.  Faltou  me  a  coragem  para  tanto. 
Além  d'isso  receei  e  receio  não  ter  vida  para  escrever  o  supplemenío,— fica- 
ria escorchado  o  pobre  diccionario— e  perdido  um  trabalho  insano. 

A  perda  não  seria  grande  para  as  boas  lettras  pátrias,  mas  era  enorme 
para  mim.  Nem  eu  sei  como  tive  coragem  e  resignação  para  trabalhar  tanto,  e 
quasi  sempre  de  noite,  expondo-me  a  perder  a  vista  e  a  vida,— alem  de  sa- 
crificar os  meus  commodos,  pois  durante  6  annos  ma!  puz  o  pé  fora  do  Porto, 
sendo  a  minha  paixão  dominante  passear  e  viajar.  Ejá  passeei  bastante,  pois 
tenho  cruzado  em  diversas  direcções  todo  o  nosso  paiz  e  visitado  as  nossas 
cidades  todas,  exceptuando  unicamente  áms— Castello  Branco  e  Covilhã,  ci- 
dades que  espero  visitar  brevemente.  Também  já  transpuz  a  raia  da  Hespa- 
Dha  muitas  vezes — e  era  '1880  fui  até  Madrid  e  Paris. 

Também  sacrifiquei  ao  diccionario  os  meus  interesses,  porque  durante 
aquelles  6  annos  deleguei  nos  coadjuctores  grande  parte  do  serviço  parochial 
e  supportei  boa  dose  de  lucros  cessantes  e  de  damnos  emergentesl 


Por  ultimo  note-se  que  eu  residia  e  resido  no  Porto,  no  meu  humilde 
presbytério  de  Miragaya,  e  que  o  diccionario  foi  publicado  em  Lisboa,  o  que 
difficultava  a  revisão  e  me  expoz  a  lapsos,  mesmo  porque  a  publicação  foi 
feita  de  afogadilho. 

Não  herdei  do  meu  antecessor  trabalho  algum.  Tive  de  organisar  os  ar- 
tigos todos  de  um  dia  para  o  outro— e  nunca  pude  ver  nem  rever  uni  artigo 
completo,  antes  de  o  mandar  para  a  imprensa.  Estavam  sempre  no  prélo  !á 
a  3  fascículos  e  por  vezes  luctei  com  grandes  diíficuldades  para  fazer  as  ci- 
tações e  referencias. 

Seja  tudo  em  desconto  dos  meus  peccadosl. . . 

Se  os  leitores  me  vissem  durante  6  annos  constantemente  preso  á  banca 
e  aos  pulvurulentos  alfarrábios  até  ás  3  e  4  horas  da  manhã,  por  certo  que 
teriam  dó  de  mim. 

Porto  e  Miragaya,  15  de  janeiro  de  1890. 


Pedro  Augusto  FERREmA.